Arte Africana
Arte Africana
Arte Africana
Embora nascida a partir de uma funda raiz africana, a arte afro-brasileira teve um longo
percurso de sculos que lhe possibilitou, no s uma visvel autonomia, como uma criatividade
prpria. Ela percorreu uma trajetria de trocas, sobretudo com os europeus, no seio de um
mundo escravocrata e catlico que lhe acarretou perdas e ganhos, continuidade e mudana,
sem contudo ter havido uma ruptura.
Essa arte permaneceu realimentada pela seiva africana que lhe inspira uma viso de
mundo herdada do continente negro, mas sujeita a uma dinmica proveniente da evoluo da
sociedade brasileira. Participou de tal modo na construo e desenvolvimento dessa sociedade
que, pioneiramente, Gilberto Freyre considerou o negro como um co-colonizador, apesar da
sua condio de escravo. Aps a Abolio ele continuou sofrendo uma enredada, mas
pertinaz discriminao racial.
A ARTE AFRICANA TRADICIONAL
A arte africana, presente nas sociedades predominantemente rurais, no tem o
propsito de ser uma reproduo literal da realidade ou um objeto de pura contemplao,
embora o seja tambm de deleite espiritual e esttico.
A sua funo primordial a de produzir valores emocionais para as comunidades s
quais pertence e que possuem um saber cultural j estabelecido. Por via disso, as pessoas
dessas comunidades tm uma capacidade de compreend-la que antecede qualquer reflexo.
So apreciadas no pelo que apresentam, mas sim pelo que representam.
A tambm chamada arte negra acompanha a vida da comunidade, instrumento da
sua relao com o espiritual, participando dos ritos e rituais da vida domstica desde o
nascimento, os ritos de passagem, passando pela morte e continuando na perene ligao com
a ancestralidade.
Essa arte africana no tem compromisso com o retrato da realidade. Ela se apresenta
sem a simetria e a proporo que poderamos esperar. Quase sempre a cabea demasiado
grande, pois ela representa a personalidade, o saber, sobretudo quando a de um Mais
Velho da comunidade; a lngua, por vezes ultrapassa a cavidade da boca: ela expressa a fala,
que a chave da tradio oral; a barriga e os seios femininos representam a fertilidade; os ps,
normalmente grandes, so bem fixados na terra.
Tais representaes so expresses culturais, sujeitas a diversidades tnicas, mas
todas provenientes do sopro do Criador, que emite uma fora vital (ax, no Brasil dos orixs,
vindos do oeste nigeriano e leste do Benim). Essa fora vital circula por todos os reinos do
universo: o humano e o animal, o vegetal e at o mineral, e passvel de ser manipulada, e
assim transferida entre todos os seres, atravs da interveno dos ancestrais, tendo como
intermedirios-intrpretes os sacerdotes.
Essa arte africana, de base rural-comunitria, que feria os cnones europeus at quase
o final do sculo XIX, atraiu, com o seu expressionismo, pintores como Picasso e Braque,
quando eles enveredaram pelo cubismo. Entretanto, por essa mesma poca, os europeus
tambm reagiram com espanto a um outro tipo de arte africana: foram trazidos para a Europa,
aps a conquista colonial, os bronzes de Benim. O crtico alemo F. von Luncham escreveu,
em 1901: Estes trabalhos de Benim (elaborados com a secular tcnica da cera perdida) esto
no patamar mais elevado da tcnica de fundio da Europa. Cellini, e ningum antes nem
depois dele, poderia t-los fundido melhor. Essas cabeas e esttuas em bronze eram j
assim produzidas pelos iorubs desde o sculo XVI, conforme testemunharam os portugueses
quando ali aportaram no tempo das navegaes.
No propsito deste texto tratar da arte africana contempornea, produzida sobretudo
no perodo ps-colonial. Esta, seja figurativa ou abstrata, carrega a tradio mas tem
propsitos semelhantes ao de qualquer arte contempornea de carter internacional.
Entretanto, artistas e artesos continuam produzindo a arte tradicional, quer para uso
comunitrio, quer para deleite dos turistas. Parte dela, de qualidade bem menor, chamada de
arte de aeroporto.
A RECRIAO AFRO-BRASILEIRA
Analisando a fraca presena do negro brasileiro nas artes visuais contemporneas, em
flagrante contraste com o perodo do barroco, quando eram dominantes, Clarival do Prado
Valadares, num texto de 1988, menciona que essa presena passou a traduzir-se, quase que
exclusivamente no que se convencionou chamar de arte primitiva. E explicava que essa arte,
aceitavelmente dcil, era o que se esperava do negro. Enfim, uma arte adequada ao lugar que
era permitido ao negro na sociedade brasileira.
Compreende-se melhor isso ao consultar uma publicao do Ministrio das Relaes
Exteriores, em 1966, intitulada Quem Quem nas Artes e Letras do Brasil. Nela esto listadas
298 fichas biogrficas de artistas brasileiros. Dessa lista, somente 16 eram negros. O mesmo
Itamaraty, numa edio, em francs, do seu Anurio de 1966 (p. 227) assinala que, no que
respeita cor: a maioria da populao brasileira constituda de brancos; a percentagem de
mestios fraca.
Hoje, no s desapareceu dos Anurios do Itamaraty essa distrao tnica quanto
progrediu a participao dos negros nas artes nacionais. No entanto, em tempo algum os
negros constituram uma elite nas nossas artes como aconteceu na poca do barroco.
O BARROCO AFRO-BRASILEIRO
O barroco brasileiro, com epicentro em Minas Gerais, mas com ncleos importantes em
Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, beneficiou-se economicamente do Ciclo do Ouro das
dcadas de 1729 a 1750. Alm de terra das pedras preciosas, Minas Gerais era o maior centro
mundial de produo do ouro na primeira metade do sculo XVIII. Apesar das restries da
Metrpole, preocupada quase que exclusivamente com a arrecadao do metal para
cunhagem de moedas, Vila Rica, atual Ouro Preto, era uma das mais faustosas cidades do
mundo dessa poca. No entanto, o auge do barroco s viria a ocorrer um pouco depois, na
segunda metade do sculo XVIII.
Sua inspirao europia, sobretudo italiana e francesa (estilo rococ). O barroco foi
uma tentativa de resposta ideolgica e artstica da Contra-Reforma, expanso das doutrinas
ditas protestantes da Reforma e tambm herana humanista da Renascena. Isso ajuda a
explicar a extrema religiosidade do barroco; ele pretendia o triunfo da sensibilidade teatral
sobre o intelectual.
Foi do perodo barroco que resultaram os mais belos monumentos religiosos do Brasil,
no dizer de Fernando Azevedo, que acrescenta ter sido o setecentos o sculo do Aleijadinho.
Este foi o gnio que deu aos centros urbanos de Minas Gerais algumas das igrejas
rococ mais belas do mundo. natural, portanto, que muitos crticos considerem que com o
estilo barroco que se inicia, de fato, a histria das artes no Brasil.
Alm do ouro e das pedras preciosas, o barroco mineiro foi beneficiado por outras
circunstncias. Uma delas relaciona-se com as associaes laicas chefiadas por patronos
abastados e a outra foi o enfraquecimento das ordens religiosas, provocado pela poltica laica e
centralizadora do Marqus de Pombal, primeiro-ministro do rei D. Jos I, de Portugal. Essas
ordens religiosas, alm de exclusivistas do ponto de vista racial, no toleravam a participao
de quem no provasse ter sangue puro (judeus, por exemplo).
Outro fator benfico foram as Irmandades, a quem estavam ligadas as corporaes de
ofcios. Estas eram separadas pela cor dos seus membros: brancos, pardos (ou mulatos) e
pretos, que competiam entre si. Contudo, no era uma competio muito excludente j que,
com freqncia, o talento era priorizado. Dois exemplos: foi a Irmandade do Rosrio dos
Homens Pretos quem patrocinou a publicao, em Lisboa, do livro Testemunho Eucarstico de
o Aleijadinho, assim como ele foi o escolhido pela Irmandade de So Francisco, de brancos,
para fazer a planta e construir as suas duas mais belas igrejas, em Vila Rica e em So Joo
dEl Rei.
O aleijadinho e mestre Valentim
Esses dois smbolos da brasilidade nasceram na mesma poca, na mesma capitania
de Minas Gerais e morreram com a diferena de um ano. No entanto, no h notcia de que
tenham se encontrado. Ambos eram filhos de pai portugus e me escrava. O primeiro, atuou
em Minas Gerais, o segundo, no Rio de Janeiro. O Aleijadinho, no terreno da arte religiosa,
arquitetura e escultura. Mestre Valentim imortalizou-se no campo do urbanismo e da
construo civil.
Por qu os nomes de o Aleijadinho e de Mestre Valentim so to facilmente
reconhecidos por qualquer brasileiro razoavelmente informado, mesmo que ele nunca tenha
lido um livro de arte colonial? Myriam Ribeiro de Oliveira, num estudo comparativo entre essas
duas figuras maiores da arte brasileira, fez essa pergunta. Segundo ela, a sobrevivncia
desses dois nomes na memria coletiva brasileira no se explica somente pela qualidade de
suas obras, e comenta: H algo com razes mais profundas na psicologia do povo brasileiro
que arriscaramos chamar de uma espcie de identidade nacional com esses dois artistas,
ambos mulatos e, portanto, representantes autnticos da originalidade de uma cultura criada
na periferia do mundo e que apresenta tal fora e originalidade.
Originalidade capaz de manifestar uma fora expressionista, de talha geomtrica,
angulosa, to prxima da frica como se sente em o Aleijadinho. O mesmo se pode dizer do
Mestre Valentim, com os traos negrides de suas esculturas e pinturas. Quem nos sugeriu o
reconhecimento dessa africanidade presente na arte desses dois mestres e em tantos outros
artistas, menos estudados foi o crtico George Nelson Prestan, com a sua teoria do
Neoafricanisimo voltada para a evoluo da arte da dispora africana nas Amricas.
Emanel Arajo lembra que Mrio de Andrade chamava de racialidade brasileira essa
marca deixada pelos nossos artistas negros. J Srgio Buarque de Holanda preferiu o termo
mulatismo, que no se limita aos dois artistas aqui citados. O crtico Augusto de Lima Jnior
considera o mulatismo uma marca que se reconhece em artistas dessa poca, muitas vezes
annimos, que tambm apresentavam traos negrides nas figuras humanas dos painis que
pintavam.
Antnio Francisco Lisboa, O Aleijadinho (Vila Rica C. 1738-1814)
Era filho de arquiteto portugus e de me escrava.
Aprendeu arte com o pai, com quem mais tarde concorreu
para a execuo de alguns projetos. Entre as inmeras
igrejas que construiu em Minas Gerais, a que lhe gra njeou
mais fama foi a de So Francisco de Assis, de Ouro Preto,
com asinovadoras plantas elpticas e de torres redondas,
quebrando com essa concepo original a uniformidade do
barroco de importao, inspirao do novo barroco de
Borromini.
No entanto, foi como escultor que produziu as suas melhores obras: os doze profetas
esculpidos em pedra sabo e as 66 figuras em madeira pintada que reproduzem os Passos da
Paixo de Cristo. Elas se encontram no exterior do Seminrio de Bom Jesus de Matosinhos,
em Congonhas do Campo (MG).
Perto dos 50 anos, uma doena degenerativa consumiu seu corpo, levando-o a ter que
trabalhar com os instrumentos amarrados no coto dos braos e com a ajuda de discpulos,
entre eles dois escravos de origem nigeriana.
Valentim Da Fonseca E Silva (C. 1750-1813)
Conhecido como Mestre V alentim, era filho de um
pequeno fidalgo portugus, tornado contratador de
diamantes, e de me escrava. Viveu parte da sua infncia e
mocidade em Portugal, onde estudou com grandes mestres,
inclusive Bartolomeu da Costa, autor da esttua do Marqus
de Pombal, com quem aprendeu a torutica, arte de esculpir
ou cinzelar madeira, marfim e metais. De regresso ao Brasil,
no final do sculo XVIII, tornou-se o maior empresrio de obras do que hoje poderamos
chamar de urbanismo paisagstico e arquitetura de equipamentos urbanos. Exemplos mais
conhecidos dessas obras so as realizadas no Rio de Janeiro no Passeio Pblico e no chafariz
da Praa XV. No Passeio, com os macios de rvores em canteiros, esttuas de seres
mitolgicos e fontes jorrando em cascata, construiu um espao parisiense adaptadoaos
trpicos. Essas obras foram quase todas encomendadas pelo Vice-rei D. Lus de Vasconcelos
e Souza, durante o seu governo no Rio entre 1779 e 1790.
A produo de talha e imagens de santos do Mestre encontra-se em igrejas do Rio de
Janeiro, como as da Boa Morte, do Mosteiro de So Bento, da Ordem Terceira do Carmo e de
So Francisco de Paula.
O Aleijadinho e Mestre Valentim utilizaram fontes distintas para a elaborao do seu
modelo prprio. Mestre Valentim, pelo que se sabe, foi mais inspirado pelo rococ da Escola do
Porto. Entre os discpulos de Mestre Valentim, os mais citados so: Simeo Jos de Nazar,
Francisco de Paula Borges e Jos Carlos Pinto. Formados no ateli de o Aleijadinho
destacaram-se Jos Soares da Silva e Justino Ferreira de Andrade. So admirados tambm os
entalhadores Agostinho e Maurcio, escravos de o Aleijadinho.
Registrem-se, finalmente, os bigrafos desses dois artistas: Rodrigo Gerreira Bretas,
professor da provncia de Minas Gerais, que publicou a biografia de o Aleijadinho, em 1858, no
Correio Oficial de Minas, em Ouro Preto; e Manuel de Arajo Porto-Alegre, professor da
Academia de Belas Artes, que publicou, em 1856, na Revista do Instituto Histrico e
Geogrfico Brasileiro, a primeira biografia de Mestre Valentim.
Manuel Da Cunha (1762-1809)
o nico pintor que se conhece ter iniciado a sua carreira na condio de escravo e
comprado a alforria com o produto de sua arte. Nascido e falecido no Rio de Janeiro,
conseguiu, depois de livre, completar os seus estudos em Lisboa, dedicando-se pintura e
escultura.
Formou muitos discpulos, numa escola que mantinha em sua casa. Foi autor de
murais espalhados por vrias igrejas do Rio de Janeiro, com destaque para os que executou
na Igreja da Boa Morte.
Manuel Da Costa Atade (1762-1830)
Considerado o maior pintor sacro do sculo XVIII, fez parte de um grupo de artistas
denominado Escola de Mariana. A sua atuao em vrias irmandades religiosas levou-o a
receber a patente de alferes e, pouco depois, sendo titulado Mestre em Arquitetura e pintura. O
seu estilo barroco, embora influenciado pelas escolas italiana e francesa, deixava transparecer
a sua origem africana, no s nas feies das figuras como na escolha das cores em suas
obras. Entre elas destaca-se a Glorificao da Virgem, pintada na nave da Igreja de So
Francisco de Assis, em Ouro Preto e A Ceia do Senhor, no Colgio do Caraa, em Santa
Brbara, MG.
O NEGRO NAS ARTES NO SCULO XIX
O sculo XIX vai proporcionar uma nova feio s artes visuais brasileiras. Em
Novembro de 1800 foi criada, no Rio de Janeiro, a Escola Pblica de Desenho e Figura. A
chegada da corte portuguesa, em 1808, foi um marco nessa mudana, sobretudo com a
chegada, em 1816, da Misso Francesa que ir instituir o Neoclassicismo no Brasil. As artes
passam ento a participar diretamente de um circuito internacional que o barroco no tivera.
Diga-se, de passagem, que o isolamento internacional que o barroco sofreu ter,
provavelmente, contribudo para a sua originalidade to afro-brasileira.
Logo depois da chegada dos professores franceses foi criada, em agosto de 1818, a
Escola Real de Artes e Ofcios no Rio de Janeiro. Dois anos depois, com a colaborao
francesa criada a Escola Imperial de Artes que se tornar, em 1890, a Escola Nacional de
Belas Artes.
Se no perodo colonial a maior parte dos nossos tesouros artsticos foi de autoria de
negros, o mesmo no ocorrer nos sculos XIX e XX. preciso ter presente a mentalidade
reinante nessa poca de escravismo, onde qualquer tipo de trabalho, mesmo artstico, era
indigno de um branco da casa-grande.
Dessa regra eram quase a nica exceo os padres que, de modo geral, aprendiam as
artes na Metrpole. Para uma eficaz ao evanglica da Igreja eram indispensveis vrias
artes, e no s a retrica dos sermes. Eram necessrios muitos templos, que se espalhavam
por cada capitania. Cada um deles requisitava arquitetos, pintores, escultores, msicos (o
padre Jos Maurcio Nunes Garcia o msico mais reverenciado da poca). E no
esqueamos os corais, quase todos formados por negros, principalmente at meados do
setecentos, por jesutas.
No incio do sculo XIX, em face dos fatos atrs relatados, bem como da consolidao
do estilo implantado pela Academia, h um grande aumento de encomendas dos governos,
expande-se o mercado das artes e aumentam as viagens de estudo ao exterior. Pela
capacidade que a arte adquire de constituir carreiras promissoras, ela finalmente passa a atrair
os filhos da aristocracia rural e da burguesia emergente.
O artista negro se refugia, na sua maioria, na arte de inspirao religiosa afro-brasileira
ou numa produo de tipo naif. Mencionaremos aqui, j no sculo XX, os casos de Heitor dos
Prazeres e de Mestre Didi. Contudo, durante os anos do oitocentos, alguns artistas negros se
sobressaram na arte propugnada pela Academia. Entre estes, citamos: Firmino Monteiro,
Estevo Silva, Fernando Pinto Bandeira e Artur Timteo da Costa.
A arte afro-brasileira s passou a ser devidamente valorizada, como expresso de
grandeza de brasilidade, a partir do Movimento Modernista dos anos de 1920 e nas excurses
que Mrio de Andrade liderou por Minas Gerais e Nordeste. O reconhecimento ganhou foros
intelectuais com a criao da Universidade de So Paulo em 1934 e, a seguir, com a
Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro.
Artistas Contemporneos
Heitor Dos Prazeres (1898-1966)
Compositor e pintor nascido e falecido no Rio de
Janeiro, foi um sambista pioneiro, participando da fundao da
s escolas de samba da Portela e da Mangueira. Rubem Braga,
no seu texto Trs primitivos, narra seu passado de menino de
rua e suas parcerias musicais com os sambistas Sinh e Noel
Rosa. A sua carreira de pintor s foi iniciada em 1936, tendo
como inspirao o samba e o cotidiano dos morros cariocas,
onde a sua gente aparecia nos seus quadros com o rosto em perfil, o corpo de frente e os
dentinhos de fora. Tornou-se prestigiado aps a sua participao na I Bienal de So Paulo, em
1951, e foi um dos representantes da delegao brasileira no Festival Mundial de Arte Negra,
em Dacar (Senegal,1966).
Mestre Didi (1917)
Nome pelo qual se fez conhecido Deoscredes Maximiliano dos Santos, nascido em
Salvador, filho biolgico da renomada ialorix Me Senhora, da nao Ketu, do Ax Op
Afonj. Alm de aob, Mestre Di di alto dignatrio do culto dos
ancestrais na Bahia. O seu livro mais conhecido, publicado em 1962 e
reeditado, intitula-se Contos negros da Bahia. Os seus trabalhos, de
cunho ritual, so sobretudo esculturas feitas com produtos naturais.
Na contemporaneidade do sculo XX, os artistas negros
enveredaram por vrias escolas, sem que, no entanto, deixassem de
marcar a sua afro-brasilidade. A dimenso dedicada a este trabalho
no permite e tambm no to necessria uma introduo, como
foi feita nos captulos anteriores. Limitamo-nos assim, a pequenos
verbetes de alguns dos artistas considerados relevantes. Seguimos a
ordem cronolgica.
Djanira Da Motta E Silva (1914-79)
Embora no tivesse sangue negro, dedicou grande
ateno cultura e s tradies africanas. Descendente de
ndios guaranis e de austracos, nasceu no interior de So
Paulo e foi morar na capital, onde passou uma vida de
privaes. Contraiu tuberculose aos 23 anos, mas conseguiu
sobreviver. Mudou-se para o Rio, onde trabalhou como
modista e cozinheira, contudo logrou conseguir aulas de pintura com Emeric Marcier e
freqentou o Liceu de Artes e Ofcios. Comeou a expor apartir de 1942, com ampla aceitao
da crtica e dopblico. Fez o retrato apaixonado de sua terra e sua gente,sem jamais recorrer
ao anedtico, sem concesses aofcil e ao pitoresco. Nunca se considerou uma pintora
ingnua.
Mascaras africanas
No necessrio um conhecimento especfico da arte negro-africana para dar-se conta
da difuso em quase todas as culturas desse continente de um elemento tradicional: a
mscara. to evidente a presena dessa expresso plstica, que no se pode deixar de
indagar quais as causas do fenmeno.
A mscara, independentemente de sua localizao geogrfica, aparece na histria da
humanidade desde as pocas mais remotas. Ao que tudo indica, seu primeiro elemento
motivador uma exigncia mgico-religiosa, ligada s necessidades da vida cotidiana. Os mais
antigos documentos deixados pelo homem, como, por exemplo, as gravuras ruspestres, j
mostram cenas representando caadores mascarados com cabeas de animais. presumvel
que o homem primitivo recorresse a uma representao mgica - a dana com a mscara -
para influir sobre o xito da caa, atividade indispensvel ao sustento do grupo. A qualidade
mgica desse rito pe em relevo a importncia da mscara como elemento catalisador de
foras misteriosas que o homem pode captar e utilizar com finalidades prticas. Essa
explorao praticada enquanto a sociedade no alcana certo nvel de evoluo, tanto no
plano material como no plano espiritual; depois, so adotados sistemas cada vez mais eficaz
para se tirar proveito das foras da natureza.
Se a mscara teve, um papel de grande importncia em muitas culturas, sobretudo nos
primrdios, diminuindo progressivamente em seguida, na frica, ao contrrio, provavelmente
pelo grau de primitivismo mantido pelas populaes atravs dos sculos, ela manteve sua
preeminncia intacta. Logicamente, isso ocorre nas zonas em que a arte teve um verdadeiro
desenvolvimento, isto , no em todo o continente, mas de modo mais especfico em sua parte
ocidental.
O estudo da mscara africana leva inevitavelmente a uma anlise da personalidade do
homem primitivo, em contraposio do coirmo mais evoludo do ponto de vista cultural, o
qual, embora ainda fosse fundamentalmente condicionado pelos mesmo problemas atvicos,
procurou sufoc-los na convico de poder dominar racionalmente seu instinto. Para o homem
moderno, de fato, a mscara, plenamente acieta na aurora da sua histria, perdeu o significado
primrio autntico e, desaparecendo como objeto realmente concreto, transformou-se em
disfarce psicolgico. Enquanto seu significado mais profundo escapou cultura ocidental, ou
foi apenas parcialmente entendido pela cultura oriental e da Amrica pr-colombiana, a raa
negra parece ter sido a nica a apreend-lo com plenitude, a ponto de fazer da mscara um
instrumento vivo e sempre atual, cujos mltiplos usos abrangem toda a atividade do homem, do
nascimento morte. Por sua prpria natureza, a mscara j tende a exprimir uma situao
psicolgica bsica, comum a toda a espcie humana; na escultura negro-africana, a constncia
das emoes e sua universalidade so, pode-se dizer, elevadas ao mximo e alcanam um
absoluto ideal na transposio plstica. A mscara no traduz, pois, a emoo do indivduo
num momento definido, no o retrato do homem que teme, que combate ou que morre, mas
o Temor, a Guerra, a Morte. O particular foi visto, compreendido, superado, e desaparece
como tal para ceder lugar ao universal, vlido sempre, para o homem de todos os tempos e
todas as condies.
No plano psicolgico, a origem da mscara deve ser buscada na aspirao mais
atvica do ser humano de evadir-se de si mesmo, para poder se enriquecer com a experincia
de existncias diferentes - desejo obviamente irrealizvel no plano natural - e para poder
aumentar seu prprio poderio, identificando-se com as foras universais, sejam elas divinas,
sejam demonacas. Portanto, um desejo de sair das limitaes propriamente humanas de
indivduos realizados em formas definidas e inelutveis, encerradas num ciclo de nascimento e
morte que no deixa possibilidade alguma de aventras existenciais conscientemente
escolhidas. Mas como indivduo social, que vive numa comunidade de seus semelhantes, com
os quais est em contnua e direta competio, muitas vezes inconsciente, o homem primitivo
sente tambm a irresistvel necessidade de se diferenciar, de se impor, de maravilhar e de
incutir medo, a fim de obter reverncia e respeito. No fundo, o homem evoludo tem
praticamente as mesmas aspiraes, ainda que expressas de modos diferentes: substitui a
mscara pela exibio do seu sucesso, seja ele material, intelectural ou espiritual, que lhe
possibilita colocar-se, ao menos em aparncia, acima daqueles com que vive.
Assim, o negro africano v na mscara no s um meio para fugir a realidade
cotidiana, mas sobretudo uma possibilidade de participar da multiplicidade da vida do universo,
criando novas realidades fora daquela meramente humana. Mascarando, ele poder ser
tambm um homem-esprito, benfico ou malfico, homem-animal, homem-divindade. Isso no
um simples modo de iludir-se ou de evitar um presente insatisfatrio, mas representa uma
real possibilidade de existir de outra maneira, possibilidade unanimemente admitida e
reconhecida: de fato ningum duvida do poder transfigurador da mscara. Decorrem da a
reverncia e o temor que ela incute, como depositria das capacidades de metamorfose do
indivduo. A auto-sugesto inconsciente do homem que a usa a virtude secreta que a
mscara guarda.
A necessidade de sintir-se partcipe das foras que animam o mundo, de colaborar com
elas e de explor-las para a sublimao de suas faculdade instintivas a base do uso e,por
conseguinte, do culto da mscara: o homem se une energia extra-humana que enche o
universo, pe-se em contato com as foras misteriosas que o regem e extrai da a capacidade
de modificar a reaidade humana, de faz-la evoluir em seu prrio benefcio. Seus
antepassados, todos os seus mortos, as figuras simblicas da sua tradio - seja humanas,
sejam animais - fazem parte desse mundo sagrado; e na nova personalidade, s parcialmente
humana, que assume ao pr a mscara pode comunicar-se com eles, identificar-se com a sua
grandeza mtica, purificar-se e disso extarir uma nova energia vital. apenas com essa fora
moral e fsica, que se regenerou nele dessa forma, que o homem pode enfrentar o mundo
complexo e hostil que encontra dia a dia, que pode transformar o mal em algo que no lhe seja
nocivo. Logicamente essa fora deve ser mantida, alimenta e ampliada o mais possvel. O que
acontece com o infivduo deve acontecer tambm com a comunidade: assim, a metamorfose
do homem atravs da mscara solicitada e validada por seus prprios companheiros de
grupo, que como ele, crem nessa possibilidade de participao e explorao do mundo
sobrenatural, numa espcie de hipnose coletiva. A comunidade inteira rene-se como um nico
grande corpo em torno da mscara, que se torna a sua cabea, sede de todo o poder espiritual
e intelectual. A mscara o mdium, pe em contato o sobrenatural como o humano, fala uma
lingua complexa e simblica que s pode ser interpretada por aqueles iniciados que, por
profundo conhecimento, sabedoria e experincia, esto em condies de traduzir em palavras
humanamente compreensveis a mensagem que ela transmite. No entanto, a mscara no
desempenha apenas essa funo metafsica. Ela tambm empregada com fins prticos,
como fazer observar certas leis politicas, sociais ou higincias, educar os jovens, superar
discrdias, presidir os julgamentos, os funerais, as cerimnias agricolas, manter a ordem ou
simplimente divertir os habitantes da aldeia. A multiplicidade dos usos engendra a variedade
dos tipos, cria uma progresso de valores e de importncia.
Em geral, quando se fala de mscara, entende-se aquele objeto esculpido, modelado
ou traado, confrome o material de que constitudo, que colocado sobre o rosto ou na
cabea. Na realidade, o africano considera "mscara" todo o conjunto da indumentria, isto ,
tambm o traje de fibras vegetais ou tecido que cobre o danarino, inclusive os acessrios que
ele tras nas mos ou com que adorna seus membros. De fato, a mscara est quase sempre
intimamente ligada a esse elemento fundamental na vida do afriano que a dana - e a tal
ponto, que pareceria difcil falar de uma separadamente da outra. O ritmo aparecem em muitos
mitos africanos como existente na origem do mundo, frequentemente, at mesmo criador dos
mundos e de seus habitantes. , portanto, a essncia do universo, o fluido oculto que corre em
todos os seres - humanos, animais, vegetais -, o ponto mgico de contato e de participao do
homem com a natureza. Em todo instante da sua existncia, o africano acompanhado pela
dana, o elemento mvel que vivifica e torna compreensveis os fatos inelutveis e imveis da
vida do homem: as suas "mscaras". Talvez por isso as mscaras africanas, sejam criadas
sobretudo para estarem em movimento; poder-seia dizer, alis, que a dana o complemento
necessrio para a sua total compreenso esttica.
A propsito do modo como a mscara aparece em pblico, devemos precisar que nem
sempre ela vestida. Algumas vezes simplesmente mostrada aos iniciados por ocasio de
reunies rituais. J outras mscaras, de dimenses reduzidas, so usadas como pingentes
peitorais, presas nos trajes ou conservadas zelosamente entre os bens pessoais. Elas
representam insgnias de grau em alumas sociedades secretas, so amuletos ou retratos do
antepassado que devem proteger o indivduo que as pssui. O rosto de um antepassado, ou de
um personagem ilustre da histria do seu povo, por vezes imortalizado numa imagem
idealizada e simblica para o conhecimento e a devoo dos descendentes. Ento a mscara,
feita de preferncia com materiais durveis e no raro preciosos - metal, pedra, marfim -,
apresenta um estilo mais rico e refinado, que poderia se chamado "de corte", em contraposio
ao estilo popular. Floreceram a servio dessa arte, em pocas bastante remotas, as tcnicas
da fuso dos metais a cera perdida, do cinzel e da inciso. com exceo desses cassos
particulares, a madeira o material mais empregado, mesmo porque, de fato, facilemtne
encontrvel. Se uma das caractersticas inegbeis da escultura africana, tanto mscaras como
estaturia, a grande liverdade plstica com que concebida, tambm evidente que o
material, com a sua forma naturalmente cilndrica, em certo sentido condiciona o artista,
sugerindo-lhe solues tridimensionais. Isso ocorre sobretudo quando o tema apresentado
com maior aderncia realidade. Naturalmente, h varias excees a essa norma geral,
pricipalmente no caso de realizaes de maior abstrao. De fato, se grande a variedade
tipolgica das mscaras afrianas, so duas todavia as vertentes fundamentais a que se atm e
quem podem existir ao mesmo tempo, ou ento suceder-se segundo uma evoluao estilstica:
naturalismos e estilizao, levada em alguns casos at a abstrao. Contudo o artista africano
no concebe o naturalismo a nosso modo. mesmo quando quer representar com grande
fidelidade o rosto humano, livera-o daqueles particularidades individuais que fariam dele um
retrato, para alcanar o mximo de intensidade expressiva generalizada, quase exprimindo
apenas a "idia" de uma determinada situao psicolgica. Portanto, as caractersticas
pessoais so deliveradamente abolidas e a estrutura do rosto, embora sugerindo primeira
vista uma impresso de grande realismo, obtida ao contrrio atravs de uma sbia
disposio de volumes e formas geomtricas em contraste e oposio, que constituem sua
trama essencial. No raro encontra-se, sobre essa estrutura, uma certa excentricidade de
detalhes. Esse contraste confere com frequencia a um que de alucinao a esses rostos que,
embora absolutamente reconhecveis segundo um conceito de esttica naturalista, parecem
quase ter sido concebidos no silncio e na imobilidade de um mundo onrico.
No obstante a grande variedade de estilos, a arte negra refere-se a um principio
bsico de esttica, que se diferencia muito de nossos esquemas tradicionais: ela sobretudo
escultura de expresso, parte de dentro do indivduo e dirige-se para fora, portanteo
"inveno" e no servil imitao da natureza. Essa arte exprime idias que esto ligadas a
crenas, a cerimmias de carter mgico, entendendo a magia em seu significao mais elevado,
isto , em sua funo de mediao entre o mundo sobrenatual eo mundo natural. Substie na
frica, ou pelo menos subsitia ainda recentemente, uma concepo de arte encontrada apenas
nos melhores perodos das grandes culturas do passado e que hoje procuramos recriar atravs
de experincia que, porm, no raro se afastam em sua intelectualizao, dos modelos ideais
que gostariam de igualar.
Dada a sua essncia mgica, a fabricao da mscara requer a observncia de
algumas regras precisas e de atos rituais obrigatrios. Anstes de mais nada, deve ser
autorizada por aqueles que tem o cargo de chefe religioso da aldeia e que, com frequencia,
tambm o dentendor de um reconhecimento poder poltico. Seria a pessoa que, em nossa
terminologia corrente, chamada "feiticeiro". Entre as suas funes est a de "chefe das
mscaras", e ele preside a todas as reunies de ordem ritual em que a mscara aparece,
dirigindo todo o cerimonial. A nova mscara nasce para subsitituir outra, que j no pode ser
utilizada, devido ao desgate provocado pelo tempo ou pela perda de seu poder. O escultor,
uma vez recebidos do chefe das mscara o engargo e os conselhos capazes de evitar os
perigos que derivariam da infrao de certas normas ou tabus rituais, deve submmeter-se a um
rito de purificao e, enfim, conseguir o mateial adequando execuo de sua obra, material
que, como j foi dito, normalmente a madeira.
No entando,nem todas as madeiras podem ser utilizadas, seja por limitaes rituais (
prescrita, por exemplo, uma madeira expecfica para cada tipo de mscara), seja pelas
qualidades negativas atribuidas a determinadas plantas, nas quais habitam espritos malignos,
que poderaim ser perigosos para o homem que entalha a madeira e, alm disso, limitar a
eficcia da mascara. Todavia, essas mesmas madeiras so expressamente procurarasd
quando se quer fazer uma mscra-fetiche, que ter, uma vez esculpida, graas a preparados
mgicos, um poder aprotropaico e protetor. Essa mscara costuma ser propriedade pessoal de
um s indivduo, que faz sacrifcios a ela para reverenciar os antepassados e obter favores
especiais. Ele se dirige mscra para se aconselhar por ocasio de decises importantes, ou
antes de empreender qualquer iniciativa de particular empenho. Alungs artistas costumam
oferecer-lhe um sacrifcio antes de iniciar uma escultura.
Uma vez encontrada a rvora adequada, o escultor tira a parte necessria da madeira
e a transporta para um lugar isolado e protegido de olhares indiscretos; a, consumados alguns
rituais, fica trabalhando at terminar a nova mscara. Como ferramentas, emprega a tpica
machadinha de lmina perpendicular ao cabo, uma faca curva para escabar o interior da pea,
algumas facas para o trabalho de detalhe e um puno para praticar furos e gravuras a fogo.
Esses instrumentos, que muitas vezes o artista constri sozinho, so considerados, em virtude
da sua funo, objetos de carter sagrado, no sendo raro se trabalhar a madeira fresca,
porque, quando envelhece,ela fica muito mais difcil de e entalhada. Alm disso, a pea inteira,
ao secar, costuma rachar, tornando-se inutilizvel para o entalhe de uma mscara. S ao cair
da noite o escultor volta aldeia, onde esconde junto ao chefe das mscaras seja a nova obra
inacabada, seja o seu modelo, para peg-lo ao alvorecer e voltar a seu refgio. Conclundo o
trabalho de bentalhe, para lixar a superfcie da mscara ele utiliza folhas rugosas, cips, tiras
de pele de animais, areia, pedras ou fragmentos de osso; para obter uma cor de base mais
escura do que a natural, recorre a corantes vegetais obtidos de folhas maceradas imerso na
lama ou ao escurecimento a fogo. A [atina propriamente dita que cobre as mscaras mais
antigas s se forma com o tempo, atravs do uso prolongado, da uno com leos vegetais -
que, por outro lado, regulam a secagem da madeira e impedem a formao de rachaduras -, a
enfumagem, a aplicao de ps corantes e a asperso com lquidos sacrificais. Presume-se
que a ptina tenha tido, originalmente, uma funo no de embelezamento, mas de
necessidade prtica: ela protegia e conservava melhor o objeto, facialmente danificvel por sua
natureza. Mas, gradativamente, o fator esttico deve ter prevalecido, e, se a funo protetora
da ptina continua sendo vlida, seu dom essencial torna-se o de complemento esttico, a
ponto de ser considerada um dos elementos fundamentais na apreciao qualitativa de uma
obra. A superfcie da mscara constuma ser coberta com diversas cores, de origem orgnica
ou mineral. Esse hbito, que tem o objetivo de pr em relevo detalhes da estrutura ou de
acrescentar a ela certos efeitos, sempre foi uma prerrogativa dos povos primitivos de todas as
origens. Na Antiguidade, mesmo entre povos de nvel cultura extremamente elevado, como os
egpcios, os gregos, os mexicanos da poca pr-colombiana e povos de quase toda a sia,
essa tcnica teve ampla adoo. Foi apenas a ao implacvel do tempo que mudou o aspecto
exterior dessas obras, debilitando ou apagando completamente a sua decorao policroma e
tornando-a, a nossos olhos e para o nosso gosto atual, de uma despojada essencialidade que
no estava na inteo de seus artfices. Sempre com a inteno decorativa, alguns detalhes da
mscara africana so proporcionados pelo acrscimo de materiais heterogneos, como dentes,
chifres, plos, conchas, fribras begetais, espelhos, miangas, sementes, pedaos de metal e
faixas de tecido; o resultado obtido surpreendente e contribui para intensificar de maneira
dramtica a expressividade e o profundo sentimento mgico e sagrado, em geral intrnseco ao
objeto.
As mscaras so conservadas, em lugares seguros e protegido, pelo proprietrio ou
pelo chefe do cerimonial religioso, a quem so confiadas depois do uso. Em algumas ocasies,
essa incumbncia cabe ao prprio artista que as produziu. Quando sobrevm a morte do seu
dono, a mscara passa para um herdeiro dele no seio da famlia ou a um seu sucessor no
mbito da mesma sociedade secreta. O fato de ser nomeado portador de uma mscara deveria
ser entendido como um privilgio, que no entanto, no sendo isento de obrigaes e sanes
particulares, nem sempre expressamente buscado.
A arte na frica teve uma funo eminente social, isto , era entendida como meio de
ensinamento e motivao da existncia cotidiana e metafsica do homem, a quem explicava o
sentido da vida e indicava a posio correta no seio do grupo. Por isso, suas manifestaes
eram intimamente ligadas aos acontecimentos recorrentes da vida da comunidade: a iniciao,
os atos da sociedade secreta, os ritos fnebres e agrcolas, as cerimnias pblicas. De acordo
com a sua funo, as mscaras de distinguem em diferenes categorias: primeiro vm as que
simbolizam o antepassado ou outras s quais se fazem sacrificios em seu nome; depois, as
mscaras que administram a justia e punem os culpados (o carter annimo que elas
conferem aos punidores faz com que a condenao seja aceita sem animosidade para com
pessoas especficas).
Na estao dos trabalhos agrcolas, mscaras particulares aparecem em danas
pblicas, para pedir a chuva, a germinao das semeaduras, a abundncia das colheitas ou
para supervisionar o cuidado dos campos.
Uma ltima categoria compreende as mscaras que comparecem s festas destinadas
a divertir os habitantes da aldeia. Embora sua funo seja principalmente recreativa, nunca
est ausente uma finalidade didtica, na medida em que se alternam com as mscaras que
divertem, sobretudo com o canto, a dana, a ironia, outras que narram as faanhas de certos
personagens do cl ou a epopia de seu povo. Todas, porm, so respeitadas e temidas, pois
sempre aparecem como a manifestao de seres sobrenaturais.
Podemos dizer que um nico princpio constitui o suporte de toda a arte africana na sua
expresso morfolgica: um simbolismo ligado a uma complexa mitologia cosmognica, parte
integrante da vida cotidiana tanto do inficduo como da comunidade.
A influncia da arte africana na pintura do brasileiro Rubem Valentim
daqueles artistas realmente singulares, que alcanou uma linguagem individual que o
tornou facilmente reconhecvel at para um pblico leigo atravs da realizao de uma
antropofagia de fato, reunindo influncias externas para criar uma arte autenticamente
brasileira, partindo de imagens subjetivas mas construindo sua obra objetivamente.
Esta autenticidade pode ser observada nos seus emblemas que, a partir de signos do
candombl, se transformam em uma simbologia construtiva consoante com a linguagem
internacional.
Virtuoso, mestre das cores e geometrias, Valentim no poderia ter nascido em ano
mais inspirador. Baiano de Salvador, o artista nasceu em 1922, meses depois da polmica e
discutvel Semana de Arte Moderna de 22, que representou uma ruptura na linguagem, na
busca pela experimentao e na liberdade artstico criadora nacional, apresentando ao pas as
peculiaridades do modernismo.
Autodidata, Valentim comeou a pintar em meados da dcada de 1940 quando, ao lado
de outros ento jovens artistas, como Mario Cravo Jnior e Carlos Bastos, contribuiu para o
movimento de renovao do panorama cultural baiano.
Formado em Odontologia, exerceu por alguns anos a profisso da qual foi se afastando
gradativamente para se dedicar cada vez mais pintura. Nesse mesmo ano ingressou no
Curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia, que concluiu em 1953.
Em 1949 participou pela primeira vez de uma coletiva - o Salo Baiano de Belas Artes,
no qual seria premiado em 1955 - e em 1954 fez a sua primeira individual, na Galeria Oxumar
de Salvador.
Suas primeiras experincias foram abstratas, e longo em seguida aparece a simbologia
mstica que ir marcar a sua obra: em um primeiro momento os signos litrgicos afro-brasileiros
aparecem agrupados sobre a tela, com uma organizao quase acidental, mas aos poucos vai
acontecendo uma espcie de limpeza e eles se organizam simetricamente sobre o quadro. As
cores sofrem uma grande mudana, j que os tons do lugar s cores puras em grandes
chapadas sobre a tela.
Em 1957 transfere-se para o Rio de Janeiro, e passa a participar ativamente da vida
artstica dessa cidade e da de So Paulo, expondo em inmeras coletivas, sales e certames,
como a Bienal de So Paulo e o Salo Paulista de Arte Moderna (medalha de ouro em 1962).
No Salo Nacional de Arte Moderna ganhou o prmio de viagem ao estrangeiro em
1962. Com esse prmio embarcou em 1963 para a Europa, fixando-se em Roma aps visitar
vrios pases.
Na capital italiana permaneceu por trs anos, realizando em 1965 uma individual na
Casa do Brasil, alm de participar de algumas coletivas.
Em setembro de 1966, aps tomar parte no Festival Mundial de Artes Negras de Dacar
(Senegal), retornou ao Brasil e se fixou em Braslia, atendendo a convite para dirigir o Ateli
Livre do Instituto Central de Artes da Universidade de Braslia, funo que desempenharia at
1968.
No mesmo ano do regresso participou com sala especial da I Bienal Nacional de Artes
Plsticas, em Salvador.
Nos prximos 20 anos, sempre residindo em Braslia, com fugas episdicas a So
Paulo ou a outras cidades brasileiras, Rubem Valentim integrou importantes coletivas
realizadas no Pas e no exterior, entre elas a Bienal de So Paulo (prmios de aquisio em
1967 e 1973), a Bienal de Arte Construtiva de Nuremberg (Alemanha, 1969), o Panorama de
Arte Atual Brasileira (MAM de So Paulo, 1969), a II Bienal de Arte Coltejer (Medelln,
Colmbia, 1970), o Salo Global da Primavera (Braslia, 1973 - prmio de viagem Europa),
Artes Plsticas Brasil-Japo (Tquio, 1975), Viso da Terra (MAM do Rio de Janeiro, 1977),
Geometria Sensvel (MAM do Rio de Janeiro, 1978) etc. Do mesmo modo, exps
individualmente em cidades como Rio de Janeiro, So Paulo, Braslia e Cuiab, destacando-se
as mostras de 1970 no MAM do Rio de Janeiro (31 Objetos Emblemticos e Relevos-
Emblemas de Rubem Valentim) e as de 1975 e 1978 em Braslia - Rubem Valentim: Panorama
de sua Obra Plstica e Mito e Magia na Arte de Rubem Valentim -, organizadas, ambas, pela
Fundao Cultural do Distrito Federal.
Rubem Valentim partiu de uma pintura que revelaria, no comeo, fortes influncias
parisienses; mas, olhando para dentro de si mesmo em meados da dcada de 1950 passou a
utilizar, como matria-prima do seu fazer esttico, sua ancestralidade africana, o ativismo
negro a que se referiria em 1966 o crtico italiano Giulio Carlo Argan, para quem a arte do
brasileiro corresponderia a uma "recordao inconsciente de uma grande e luminosa civilizao
negra anterior s conquistas ocidentais".
E o fez sem nenhuma concesso ao folclrico, ao turstico ou ao pitoresco, antes
interpretando a simbologia ritualstica de seus antepassados em termos de visualidade pura.
A fixao no Rio de Janeiro, em 1957, quando ia no apogeu o movimento concretista,
reforou, em Valentim, a necessidade construtiva, que j existia desde o incio, alis: mesmo
sem se filiar ao movimento, Valentim sentiu-lhe o impacto benfico, passando a estruturar
ainda com maior rigor suas obras, atenuando-as porm pelo colorido sensual e profundo.
A permanncia europia, de 1963 a 1966, revelou-lhe novas experincias e pesquisas -
das quais tomaria conhecimento sem abrir mo contudo das prprias convices estticas.
Finalmente, passando a residir em Braslia e possivelmente influenciado pela
espacialidade caracterstica da cidade, sentiu a necessidade de recortar, do suporte
bidimensional da pintura, seus smbolos e signos, concedendo-lhes a vida autnoma de
objetos tridimensionais.
Sua pintura transformou-se, assim, em totem, altar, estandarte, escultura pintada,
objeto emblemtico eivado de uma grave e recndita religiosidade.
Dessacralizador de fetiches e de objetos rituais, aos quais imprime os contornos de
uma semntica peculiar, Rubem Valentim tem sido considerado por alguns estudiosos, entre
eles Jos Guilherme Merquior, o pioneiro de uma arte semitica brasileira.
Em 1994 sua obra foi objeto de uma bem cuidada retrospectiva no Centro Cultural
Banco do Brasil, do Rio de Janeiro.
Faleceu na cidade de So Paulo, em 1991.
A descoberta da cor (por volta dos 5 ou 6 anos de idade, atravs de um caco de
vidro disputado com uma vizinha)
No sei que fim levou meu caco de vidro azul, mas o tenho at hoje no corao. Esse
foi meu primeiro contato com a mulher e com a cor. Ambas, posteriormente, marcariam minha
vida, irreversvel e duramente.
Primeiras habilidades manuais
Aos 9 anos, comecei a fazer meus prprios prespios. Pintava e armava as casinhas
de papelo, a igreja branca com janelas verdes, figuras de Maria e Jos, Ado e Eva com
serpente, ma e tudo, a lapinha, a cidade de Jerusalm (). Tudo era pintado no papelo e
recortado, preso num pedao de madeira atrs, para ficar de p. Mundo potico, popular, de
cor e riqueza imaginativa, que ficou em mim e influenciou profundamente a minha arte".
Influncia da arte contempornea
Meu primeiro contato importante com a arte contempornea ocorreu em 1948, na
exposio de artistas nacionais e estrangeiros organizada por Marques Rebelo na Biblioteca
Pblica de Salvador. Fui v-la vrias vezes, deslumbrado, perdido, chocado com aquele mundo
fantstico e to novo para mim. Aluguei uma sala num velho sobrado de trs andares, com
sacada de ferro. Pela manh desenhava composies com garrafas, latas, moringas, vasos,
ex-votos e cermica popular.
Elaborava esquemas de cor e valores. tarde, fazia pesquisas formais livres,
imaginosas. Ou ia ao Museu de Arte conversar com Jos Valladares, que me emprestava livros
e revistas sobre arte.
Reproduzia imagens de um livro grosso sobre Czanne, copiando-as a leo, com
valores em cinza. Com Czanne aprendi a compor. Fiz cpias tambm de Modigliani, Matisse,
Braque, Picasso e Chagall. Atravs de Klee compreendi a liberdade da expresso plstica e o
valor fundamental da imaginao criadora. Sempre lutando para vencer as dificuldades de
execuo. Nunca fui muito habilidoso felizmente. Vivia com sacrifcio, sem dinheiro.
ReligiosidadeCu. Purgatrio. Inferno. Ensinaram-me que havia pecados e que um
deles era o pecado original, me falaram do nada e da criao do mundo. Fiquei ao lado de
Cristo contra os que o mataram. Comecei a ir s igrejas e me perdia na contemplao: o ouro
dos altares, as imagens, o silncio, o cheiro de incenso e o de vela. () Ao lado da igreja,
comecei a conhecer tambm o outro universo fantstico do candombl. Um fenmeno tpico da
Bahia: minha famlia, catlica, de quando em vez ia ver um caboclo num candomb. E l ia eu,
penetrando nele sem querer mais sair. O baiano, para sua felicidade, catlico animista.
Natureza e forma de sua linguagem artsticaCom o peso da Bahia sobre mim a
cultura vivenciada com o sangue negro nas veias o atavismo com os olhos abertos para o
que se faz no mundo a contemporaneidade criando meus signos-smbolos, procuro
transformar em linguagem visual o mundo encantado, mgico e provavelmente mstico que flui
continuamente dentro de mim. O substrato vem da terra, to ligado ao complexo cultural da
Bahia. Partindo desses dados pessoais e regionais, busco uma linguagem autntica para me
expressar artisticamente.
No tenho ambies vanguardistas, ou melhor, no quero ser um eterno profissional
das vanguardas.
Sobre o concretismoNunca fui concreto. Tomei conhecimento do Concretismo atravs
de amizades pessoais com alguns de seus integrantes. Mas logo percebi, pelo menos entre os
paulistas, que o objetivo final de seu trabalho eram os jogos ticos, e isto no me interessava.
Meu problema sempre foi conteudstico (a impregnao mstica, a tomada de conscincia de
nossos valores culturais, de nosso povo, do sentir brasileiro). Claro, mesmo no tendo
participado do Concretismo, percebi entre seus valores a idia da estrutura que se adequava
ao carter semitico de minha pesquisa plstica. Mas posso dizer que sempre fui um
construtivo.
Sobre a descoberta da arte negra e dos signos do candombl
sobretudo os objetos e instrumentos do culto nag-geg. Encontro consciente com o
ox de Xang: o machado duplo, do mesmo eixo central, recriado por mim, posteriormente, e
transformado em forma fundamental da minha pintura. O xarar de Omolu, o ibiri de Nn, o
abeb de Oxum, os smbolos de ferro de Osanhe e de Ogum, o pachor de Oxal. () A
organizao compositiva, quase geomtrica, dos pegis. Um amor imenso construo
geomtrica, que sentia como inerente a todas as coisas orgnicas e inorgncias. As contas e
colares coloridos dos Orixs. Na pintura buscava uma linguagem, um estilo para expressar
uma realidade potica, extraordinariamente rica, que me cercava, para torn-la universal,
contempornea. Pacientemente fazia o transpasse de todo esse mundo para o plano esttico.
Outros artistas modernos e a arte africana
Alm de Pablo Picasso (1881-1973), diversos outros artistas ocidentais do sculo XX
tambm assimilaram criativamente a influncia da arte africana, permitindo que ela renovasse
seus prprios meios de expresso. Um desses artistas foi Henri Matisse. Conforme registra
Jos D'Assuno Barros em um artigo sobre As influncias da Arte Africana na Arte Moderna,
o dilogo com as variadas formas africanas de expressar e representar o mundo e as
expectativas sobrenaturais aparece bastante em uma parte relevante da produo matissiana,
que se desenvolve paralelamente quela pintura que o celebrizou, e que se caracteriza
essencialmente pelas cores fortes e puras. O autor se refere, neste caso, escultura de
Matisse, que nem sempre to lembrada como sua arte pictrica, mas que ocupa certamente
um lugar singular na histria da arte ocidental. A escultura matissiana especialmente
inspirada na estaturia africana particularmente a partir de algumas peas que o artista
francs adquirira em 1906 e revela-se a um dos gneros atravs dos quais as diversas
formas de expresso africanas puderam penetrar mais decisivamente na arte moderna, alm
daquele outro gnero que incidiu mais diretamente sobre a pintura cubista de Pablo Picasso, e
que foi a arte das mscaras ritualsticas.