Marcelo Ridenti. Cultura e Política - Os Anos 1960-1970

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Cultura e poltica: os anos 1960-1970 e sua herana

*
Marcelo Ridenti
**
Tempos revolucionrios
Talvez os anos 1960 tenham sido o momento da histria republicana mais marcado
pela convergncia revolucionria entre poltica! cultura! vida p"blica e privada! sobretudo
entre a intelectualidade#
1
$nt%o! a utopia &ue ganhava cora'(es e mentes era a revolu'%o )
n%o a democracia ou a cidadania! como seria anos depois )! tanto &ue o prprio movimento
de 196* designou+se como revoluo# ,s propostas de revolu'%o poltica! e tamb-m
econ.mica! cultural! pessoal! en/im! em todos os sentidos e com os signi/icados mais
variados! marcaram pro/undamente o debate poltico e est-tico# Rebeldia contra a ordem e
revolu'%o social por uma nova ordem mantinham dilogo tenso e criativo! interpenetrando+se
em di/erentes medidas na prtica dos movimentos sociais! e0pressa tamb-m nas
mani/esta'(es artsticas# 1ara pensar o esprito revolucionrio da -poca! tenho usado a meu
modo o conceito de romantismo revolucionrio! /ormulado por Michael 2345 e Robert
6a5re 719989#
$ram anos de guerra /ria entre os aliados dos $stados :nidos e da :ni%o 6ovi-tica!
mas surgiam esperan'as de alternativas libertadoras no Terceiro Mundo! at- no ;rasil! &ue
vivia um processo acelerado de urbaniza'%o e moderniza'%o da sociedade# <a&uele conte0to!
certos partidos e movimentos de es&uerda! seus intelectuais e artistas valorizavam a a'%o para
mudar a =istria! para construir o homem novo! nos termos de Mar0 e >he ?uevara# Mas o
modelo para esse homem novo estava no passado! na idealiza'%o de um autntico homem do
povo! com razes rurais! do interior! do @cora'%o do ;rasilA! supostamente n%o contaminado
pela modernidade urbana capitalista! o &ue permitiria uma alternativa de moderniza'%o &ue
n%o implicasse a desumaniza'%o! o consumismo! o imp-rio do /etichismo da mercadoria e do
dinheiro# 6%o e0emplos no Bmbito das artesC o indgena e0altado no romance Quarup! de
,ntonio >allado 7196D9E a comunidade negra celebrada no /ilme Ganga Zumba! de >arlos
Fiegues 7196G9! e na pe'a Arena conta Zumbi! de ;oal e ?uarnieri 719689E os camponeses no
/ilme Deus e o Diabo na Terra do Sol! de ?lauber Rocha 7196G9! etc# $m suma! buscava+se
no passado uma cultura popular autntica para construir uma nova na'%o! ao mesmo tempo
moderna e dasalienada! no limite! socialista#
Hormulavam+se vers(es de es&uerda para as representa'(es da mistura do branco! do
negro e do ndio na constitui'%o da brasilidade! n%o mais no sentido de Iusti/icar a ordem
*
$ste te0to consta do livro Brasil epublicano 7*J vol#9! organizado por Korge Herreira e 2uclia <eves# Rio de
KaneiroC >iviliza'%o ;rasileira! L00G 7no prelo9# ,&ui retomo e sintetizo id-ias e0postas mais longa e
sistematicamente em alguns de meus "ltimos escritos sobre cultura e poltica a partir dos anos 60# M o caso do
livro !m busca do povo brasileiro" artistas da revoluo# do $%$ & era da T' 7L000a9 e de alguns artigos
7199N! L000b! L0019#
**
1ro/essor 2ivre+Focente do Onstituto de Hiloso/ia e >incias =umanas da :nicamp 7Fepartamento de
6ociologia9#
1
Ontelectualidade entendida como @categoria social de/inida por seu papel ideolgicoC eles s%o os produtores
diretos da es/era ideolgica! os criadores de produtos ideol(gico)culturaisA! o &ue engloba @escritores! artistas!
poetas! /ilso/os! sbios! pes&uisadores! publicistas! telogos! certos tipos de Iornalistas! certos tipos de
pro/essores e estudantes etc#A! como de/ine Michael 2345 719D9! p# 19#
1
social e0istente! mas de &uestion+la# M a isso! em linhas gerais! &ue se pode chamar de
romantismo revolucionrio brasileiro do perodo! sem nenhuma conota'%o peIorativa#
Recolocava+se o problema da identidade nacional e poltica do povo brasileiro! buscava+se a
um s tempo suas ra*+es e a ruptura com o subdesenvolvimento! numa esp-cie de desvio P
es&uerda do &ue se convencionou chamar de era 'argas! caracterizada pela aposta no
desenvolvimento nacional! com base na interven'%o do $stado#
$ssa vers%o brasileira n%o se dissociava de tra'os do romantismo revolucionrio da
-poca em escala internacionalC a libera'%o se0ual! o deseIo de renova'%o! a /us%o entre vida
p"blica e privada! a Bnsia de viver o momento! a /rui'%o da vida bomia! a aposta na a'%o em
detrimento da teoria! os padr(es irregulares de trabalho e a relativa pobreza! tpicas da
Iuventude de es&uerda na -poca! s%o caractersticas &ue marcaram os movimentos sociais nos
anos 60 em todo o mundo! /azendo lembrar a velha tradi'%o romBntica#
,o longo do s-culo QQ! acompanhando o tortuoso processo de instaura'%o e
consolida'%o da racionalidade capitalista moderna no ;rasil ) &ue alguns autores chamariam
de @revolu'%o burguesaA ) desenvolveu+se o modernismo nas artes! &ue pode ser
contraditoriamente caracterizado ao mesmo tempo como romBntico e moderno! passadista e
/uturista# ,ssim! a a/irma'%o romBntica das tradi'(es da na'%o e do povo brasileiro como
base de sustenta'%o da modernidade /ez+se presente nos mais di/erentes movimentos est-ticos
a partir da 6emana de ,rte Moderna de 19LLC Rerde+amarelismo e $scola da ,nta 719L6 e
19L9! &ue se apro0imariam politicamente do integralismo de 1lnio 6algado9! seus
adversrios 1au+;rasil e ,ntropo/agia 719L6 e 19LN! liderados por Ss4ald de ,ndrade9!
passando pela incorpora'%o do /olclore proposta por Mrio de ,ndrade ou por Rilla+2obosE
nos anos G0 e *0 viria a crtica da realidade brasileira! associada P celebra'%o do carter
nacional do homem simples do povo! por e0emplo! na pintura de 1ortinari e nos romances
regionalistas! at- desaguar nas mani/esta'(es dos anos 60# <esse sentido! o cineasta >arlos
Fiegues observa numa entrevistaC @a minha gera'%o /oi a "ltima sa/ra de uma s-rie de
redescobridores do ;rasil# S ;rasil come'a a se conhecer! sobretudo com o romantismo T###T
a&uele deseIo de uma identidade T###T Minha gera'%o! do >inema <ovo! do tropicalismo! - a
"ltima representa'%o desse es/or'o secularA#
L
, modernidade capitalista ) desenvolvida ao longo do s-culo QQ! com a crescente
industrializa'%o e urbaniza'%o! avan'o do comple0o industrial+/inanceiro! e0pans%o das
classes m-dias! e0tens%o do trabalho assalariado e da racionalidade capitalista tamb-m ao
campo etc ) viria a consolidar+se com o desenvolvimentismo nos anos 80 e especialmente
aps o movimento de 196*! implementador da moderni+ao conservadora! associada ao
capital internacional! com pesados investimentos de um $stado autoritrio! sem contrapartida
de direitos de cidadania aos trabalhadores# :ma parte da intelectualidade brasileira!
particularmente no meio artstico! viria a politizar+se criticamente nesse processo,
<os conte0tos scio+econ.mico+polticos brasileiros a partir dos anos L0 )
notadamente na d-cada de 1960! no olho do /urac%o do processo da revolu'%o burguesa )
colocar+se na contram%o da modernidade! recuperando o passado! di/icilmente seria
dissocivel das utopias de constru'%o do /uturo! &ue envolviam o horizonte do socialismo#
Fa! dever+se relativizar anlises como a de Rouanet! &uando aponta &ue o povo @dos anos 60
tinha muitas vezes uma semelhan'a incon/ortvel com o vol- do romantismo alem%o U###VC a
L
Ss depoimentos sem indica'%o e0plcita da /onte /oram dados a mim ou a outros pes&uisadores! e usados no
livro I re/erido Ridenti! Marcelo 7L0009#
L
na'%o como individualidade "nica! representada pelo povo! como singularidade irredutvelA
719NN! p# F+G9# 6ucede &ue os nacionalismos das es&uerdas brasileiras nos anos 60 n%o
tinham semelhan'a propriamente incon.ortvel com o romantismo conservador alem%o do
s-culo passado! pois n%o se tratava da mesma coisa! embora /ossem romBnticos e portanto
semelhantes em alguns aspectos! basicamente o de colocar+se na contram%o do capitalismo!
resgatando as id-ias de povo e na'%o# $m outro conte0to! a valoriza'%o do povo n%o
signi/icava criar utopias anticapitalistas regressivas! mas progressistasE implicava o parado0o
de buscar no passado 7as razes populares nacionais9 as bases para construir o /uturo de uma
revolu'%o nacional modernizante &ue! no limite! poderia romper as /ronteiras do capitalismo#
,percebendo+se disso! sabiamente de seu ponto de vista! as classes dominantes trataram de
/azer sua contra)revoluo preventiva em 196*! um movimento &ue soube incorporar
des/iguradamente as utopias libertadoras nacionais# Mas antes de entrar nesse tema! vale a
pena nos determos um pouco mais no pr-+196*#
Artistas da revoluo !rasileira
$m 1988! um grupo de Iovens comunistas da :ni%o 1aulista do $studantes
6ecundaristas ) na maioria /ilhos de militantes do 1artido >omunista 71>;9! alguns dos &uais
eram artistas ) recebeu uma tare/a partidria para politizar seus colegasC /undar um grupo de
teatro! &ue /icaria conhecido como Teatro 1aulista do $studante 7T1$9# >ome'ava a ser
escrito um importante captulo da histria da cultura nacional! numa -poca de busca da
brasilidade e estreita vincula'%o entre arte e poltica! &ue marcou um /lorescimento cultural
&ue se estenderia at- o /inal de 196N! com a edi'%o do ,to Onstitucional n
o
8 7,O+89# <o T1$
atuavam Sduvaldo Rianna Hilho 7Rianinha9! Rera ?ertel! ?ian/rancesco ?uarnieri! entre
outros# $ra o incio de uma sucess%o de empreitadas do teatro engaIadoC T1$! Teatro de
,rena! >entros 1opulares de >ultura 7>1>9! Teatro Spini%o etc#
S &ue no incio parecia ser apenas uma tare/a poltica logo se tornou uma pai0%o pela
arte do teatro! &ue levaria os integrantes do T1$! a partir de 1986! a associar+se a um teatro
at- ent%o pouco destacado! o ,rena! &ue /uncionava desde 198G! tendo como responsvel o
diretor Kos- Renato# $ssa associa'%o gerou uma renova'%o da dramaturgia nacional!
especialmente a partir de /evereiro de 198N! com a estr-ia da pe'a de ?ian/rancesco
?uarnieri! !les no usam blac-)tie! pioneira em colocar no palco o cotidiano de
trabalhadores! buscando um teatro participante e autenticamente brasileiro#
6urgiram ent%o os /amosos seminrios de dramaturgia! promovidos em 6%o 1aulo
pelo Teatro de ,rena! a partir de 198N! incentivando a escritura e a encena'%o de pe'as de
autores nacionais! &ue e0pressassem os dilemas do povo# <%o se &ueria mais apenas importar
as pe'as do primeiro mundo! como era usual at- ent%o# <esses seminrios destacou+se a
lideran'a de ,ugusto ;oal! &ue se Iuntara ao ,rena! depois de um perodo de estudos nos
$stados :nidos! onde estivera no Actor/s Studio! aprendendo para depois recriar a&ui o
@m-todo de 6tanislavsWiA! de laboratrio de trabalho com atores 7pouco depois viria a
incorpora'%o do teatro e do m-todo crtico de ;recht9# ;uscava+se a de/ini'%o de uma
dramaturgia verdadeiramente brasileira! n%o s pela temtica! mas tamb-m na dire'%o!
interpreta'%o e produ'%o de te0to# Ss seminrios deram /rutos para /ora do ,rena! como no
caso do outro grupo teatral paulista &ue /ez -poca nos anos 60 e D0! o S/icina! &ue esteve
inicialmente muito ligado a ;oal e ao ,rena! no /inal dos anos 80# $stavam na ordem do dia
a nacionaliza'%o e a populariza'%o do teatro#
G
2ogo apareceriam divergncias sobre como construir um e/etivo @teatro popularA! por
e0emploC terminadas as apresenta'(es em 6%o 1aulo! Blac-)tie seguiu para o Rio de Kaneiro!
onde /icou em cartaz um ano e meio# ,ps a temporada! Rianinha e >hico de ,ssis
resolveram permanecer no Rio! com a utopia de criar uma rela'%o orgBnica entre as artes e os
movimentos populares insurgentes no pr-+196*# $m 6%o 1aulo! o proIeto do ,rena
continuava! capitaneado por ;oal! ?uarnieri! Kuca de Sliveira! 1aulo Kos- e Hlvio Omp-rio!
&ue promoveram a @nacionaliza'%o dos clssicosA! reinterpretando e reelaborando te0tos
c-lebres da dramaturgia mundial de &ual&uer -poca! em a/inidade com a realidade brasileira
do momento#
S Teatro de ,rena sempre /oi um plo de atra'%o para Iovens artistas engaIados
politicamente na capital paulista! al-m de intelectuais e estudantes# $le atraa artistas de
vrios campos! do cinema Ps artes plsticas! vrios dos &uais participaram das encena'(es
com m"sicas 7como $du 2obo9! ou na cenogra/ia 7caso de Hlvio Omp-rio9# Fepois do golpe
de 196*! o ,rena viria a se constituir num dos baluartes da resistncia cultural# <o perodo!
al-m das pe'as &ue procuravam re/letir sobre a conIuntura nacional! &uase todos os seus
integrantes militavam ou simpatizavam com organiza'(es de es&uerda#
Roltando ao incio dos anos 60! o grupo de dissidentes do Teatro de ,rena! aps
temporada no Rio de Kaneiro! procurou a :ni%o <acional dos $studante 7:<$9 para
atividades conIuntas# Fessa apro0ima'%o nasceu o proIeto de /azer uma arte popular em
diversas reas! teatro! cinema! literatura! m"sica e artes plsticas! chamado >entro 1opular de
>ultura 7>1>9! a partir da iniciativa e da lideran'a de Rianinha! 2eon =irszman e >arlos
$stevam ) este um socilogo originrio do Onstituto 6uperior de $studos ;rasileiros 7O6$;9#
S sucesso do >1> generalizou+se pelo ;rasil com a organiza'%o da 01! 'olante! em
&ue uma comitiva de dirigentes da entidade e integrantes do >1> percorreram os principais
centros universitrios do pas! no primeiro semestre de 196L! levando adiante suas propostas
de interven'%o dos estudantes na poltica universitria e na poltica nacional! em busca das
re/ormas de base! no processo da revolu'%o brasileira! envolvendo a ruptura com o
subdesenvolvimento e a a/irma'%o da identidade nacional do povo# Hoi grande o impacto da
:<$ Rolante de 196L! numa -poca sem rede de televis%o nacional! em &ue a malha viria
ainda estava pouco desenvolvida e a comunica'%o entre os estados era di/cil! num pas com
dimens%o continental# , :<$ Rolante semeou doze /ilhotes do >1> nos &uatro cantos do
pas#
$st ligado ao >1> um e0emplo e0pressivo do romantismo revolucionrio do pr-+
196*C a edi'%o ) em parceria do >1> com a editora >iviliza'%o ;rasileira! do empresrio
comunista Xnio 6ilveira ) dos trs livros da cole'%o 'iolo de rua! com o subttulo revelador
de poemas para a liberdade 7Heli0! 196L e 196G9# 2iberdade evocada no sentido da utopia
romBntica do povo+na'%o! regenerador e redentor da humanidade# <os poemas &ue comp(em
os trs volumes! transparece a emo'%o dos poetas pelo so/rimento do pr0imo! a den"ncia
das condi'(es de vida sub+humanas nas grandes cidades e! sobretudo! no campo# $n/oca+se
especialmente o drama dos retirantes nordestinos# , &uest%o do lati/"ndio e da re/orma
agrria - recorrente! em geral associada P conclama'%o aos homens do povo brasileiro para
realizar sua revolu'%o! por e0emplo! seguindo as 2igas >amponesas# , evoca'%o das lutas de
povos pobres da ,m-rica 2atina e do Terceiro Mundo aparece vrias vezes#
Ss poetas engaIados das classes m-dias urbanas insurgentes elegiam os deserdados da
terra! ainda no campo ou migrantes nas cidades! como principal personi/ica'%o do carter do
*
povo brasileiro! a lutar por melhores condi'(es de vida no campo ou nas /avelas# Yuase todos
os poemas e0pressavam a recusa da ordem social instituda por lati/undirios! imperialistas e
) no limite! em alguns te0tos ) pelo capitalismo# 1airava no ar a e0perincia de perda da
humanidade! certa nostalgia melanclica de uma comunidade mtica I n%o e0istente e a
busca do &ue estava perdido! por interm-dio da revolu'%o brasileira# $ra o tempo das 2igas
>amponesas! celebradas em vrios poemas! como 2oo Boa)Morte 3cabra marcado para
morrer4! de Herreira ?ullarC Que 5 entrando para as 6igas7 8ue ele derrota o patro# 7 8ue o
caminho da vit(ria7 est na evoluo 7vol# O! p# LL+G89#
6e os poemas trazem uma idealiza'%o do homem do povo! especialmente do campo!
pelas camadas m-dias urbanas! por outro lado! essa idealiza'%o n%o era completamente
abstrata! ancorava+se numa base bem realC a insurgncia dos movimentos de trabalhadores
rurais no perodo# Ss poetas buscavam+se solidarizar com eles! como e0pressa! por e0emplo!
Rincius de Moraes! autor de 9s homens da terra! &ue traz a seguinte dedicatriaC @$m
homenagem aos trabalhadores da terra do ;rasil! &ue en/im despertam e cuIa luta ora se
iniciaA# 7vol# O! p# NL+N89
Ss operrios tamb-m s%o tematizados no 'iolo de rua! por-m com menor
intensidade &ue os trabalhadores rurais# Mas predominam as re/erncias ao @povoAC os
pobres! os homens e seres humanos miserveis! desumanizados# $m suma! nos poemas da
cole'%o! h uma busca da humanidade perdida! a ser resgatadaE a aspira'%o a um
reencantamento do mundo# Trata+se de mani/esta'%o e0emplar do romantismo no sentido
pleno! tal como concebido por 2345 e 6a5reC @a&uele em &ue os di/erentes temas s%o
integrados! organicamente! em um conIunto cuIa signi/ica'%o global tende para a recusa
nostlgica da rei/ica'%o+aliena'%o modernaA 71998! p# L809#
On/luenciado pelo clima poltico da -poca com a ascens%o de movimentos populares!
tamb-m pelas id-ias de revolu'%o nacional e democrtica do O6$; e do 1>;! 'iolo de rua
e0pressa a utopia do povo como regenerador e redentor da humanidade! mesclada a um
mar0ismo humanista! e0plcito no pre/cio de Moac5r Heli0! &ue aponta @duas verdades &ue
cada vez mais v%o se clari/icando no cora'%o do povo brasileiroC uma! a identi/ica'%o da luta
contra os imperialismos! sobretudo o norte+americano! com a luta pela nossa emancipa'%o
econ.micaE outra! mais /unda! a da incompatibilidade essencial entre o regime capitalista e a
liberdade ou constru'%o do homemA 7Heli0! 196G! p# 109# Su seIa! no 'iolo de rua! a utopia
mar0ista con/unde+se com a utopia romBntica da a/irma'%o da identidade nacional do povo
brasileiro! com razes pr-+capitalistas#
1or outro lado! no incio dos anos 60! a poesia concreta dos irm%os >ampos /azia um
contraponto literrio ao nacional popular# Ralorizava sobretudo a /orma literria e a/astava+se
de &ual&uer retorno a supostas origens pr-+capitalistas# Mas o &ue importa ressaltar - &ue o
apelo P a'%o poltica na -poca era /orte a ponto de sensibilizar at- mesmo os concretistas!
cultores do /ormalismo! para &ue propusessem o @salto participanteA em sua poesia! pelo &ual
procuravam sintonizar+se com os movimentos populares! por-m com uma linguagem tamb-m
revolucionria /ormalmente#
Ss anos 60 /oram ainda a era do >inema <ovo! composto por ?lauber Rocha! <elson
1ereira dos 6antos! >ac Fiegues! 2eon =irszman! Koa&uim 1edro de ,ndrade! <elson
1ereira dos 6antos! Ru5 ?uerra! Zelito Riana! [alter 2ima Kr#! ?ustavo Fahl! 2uiz >arlos
;arreto! Favid <eves! $duardo >outinho! ,rnaldo Kabor! 1aulo >-sar 6araceni e outros
cineastas &ue de/endiam posi'(es de es&uerda# S cinema estava na linha de /rente da re/le0%o
8
sobre a realidade brasileira! na busca de uma identidade nacional autntica do cinema e do
homem brasileiro! em busca de sua revolu'%o#
6egundo artigo de Maurice >apovilla! publicado no momento mesmo em &ue surgia o
>inema <ovo! @/oi gra'as aos artigos de ?lauber Rocha nos Iornais da ;ahia e no 2ornal do
Brasil e aos artigos de ?ustavo Fahl e Kean+>laude ;ernardet no 6uplemento 2iterrio de 9
!stado de S, %aulo! &ue o movimento se estruturou! de /orma talvez super/icial! mas ganhou
repercuss%oA# 7196L! 1NL+1NG9 Tendo como princpio a produ'%o independente de bai0o custo
e como temtica os problemas do homem simples do povo brasileiro! o >inema deslanchou
em longas metragensC na ;ahia com a cria'%o da Oglu Hilmes e no Rio de Kaneiro com a
/ilmagem de $inco ve+es .avela! patrocinado pelo >1> da :<$! tematizando o cotidiano em
/avelas cariocas! nos cinco episdiosC @>ouro de gatoA! de Koa&uim 1edro de ,ndradeE @S
/aveladoA! de Marcos de HariasE @Z- da >achorraA! de Miguel ;orgesE @1edreira de 6%o
FiogoA de 2eon =irszmanE e @$scola de 6amba ,legria de RiverA! de >arlos Fiegues#
2ogo depois de $inco ve+es .avela! alguns cineastas a/astaram+se do >1>!
discordando da instrumentaliza'%o poltica da arte# Mas eles permaneciam na perspectiva de
de/esa de uma arte nacional+popular! &ue colaborasse com a desaliena'%o das conscincias!
destacando! contudo! a autonomia est-tica da obra de arte# 1or essa -poca! ?lauber Rocha I
estava no Rio! constituindo+se o grupo &ue /icaria conhecido como $inema 1ovo! de &ue
/aziam parte tamb-m cineastas &ue continuaram ligados ao >1>! como =irszman e $duardo
>outinho# $m 1968! ?lauber Rocha escreveria seu mani/esto !+tet:-a da .ome! e0pressando
a insurgncia de um cinema terceiro+mundista#
Rrios On&u-ritos 1oliciais Militares 7os O1Ms9 /oram abertos! depois de 196*! contra
os adversrios do golpe! incluindo artistas considerados subversivos pelos novos donos do
poder# $les buscavam intimidar a es&uerda cultural! &ue entretanto n%o se dei0ou abater!
constituindo+se num dos poucos /ocos de resistncia ao movimento de 196*#
A reao cultural e poltica ao "olpe de 196#
Ap$s o "olpe de 196#% os artistas no tardaram a or"ani&ar protestos contra a
ditadura em seus espetculos' Ainda mais por(ue os setores populares )oram
duramente reprimidos e suas or"ani&a*es praticamente invia!ili&adas% restando
condi*es melhores de or"ani&ao poltica especialmente nas camadas m+dias
intelectuali&adas% por e,emplo% entre estudantes% pro)issionais li!erais e artistas' -sse
perodo testemunharia uma superpoliti&ao da cultura% indissocivel do )echamento
dos canais de representao poltica% de modo (ue muitos !uscavam participar da
poltica inserindo-se em mani)esta*es artsticas' .esse perodo% como testemunha
Carlos .elson Coutinho% /a es(uerda era )orte na cultura e em mais nada' 0 uma coisa
muito estranha' 1s sindicatos reprimidos% a imprensa operria completamente ausente'
- onde a es(uerda era )orte2 .a cultura3' -m seu c+le!re ensaio da +poca% 4o!erto
5ch6ar& 719789 che"ou a )alar em /he"emonia cultural3 de es(uerda'
1 primeiro marco cultural da es(uerda depois de 196# )oi o show 1pinio' Ap$s
o "olpe% prota"onistas destacados do C:C ; como <ianinha% =erreira >ullar% ?oo das
.eves% Armando Costa% :aulo :ontes e @enoA de 1liveira ; or"ani&aram o show
1pinio% (ue viria a dar o nome ao teatro onde era montado' Consolidava-se a
apro,imao do teatro com a mBsica popular !rasileira 7+ dessa +poca a criao do
termo C:D9% (ue vinha de antes de 196#% com a politi&ao de compositores ori"inrios
6
da Dossa .ova% como Carlos EAra% 5+r"io 4icardo e mais tarde -du Eo!o' .o
espetculo Opinio% contracenavam um sam!ista representante das classes populares
ur!anas 7F+ G+ti9% um compositor popular do campo nordestino 7?oo do <ale9% e a
menina de classe m+dia 7.ara Eeo% depois su!stituda por Caria DethHnia9'
4epresentavam os trIs setores sociais (ue poderiam se insur"ir contra a ditadura%
con)orme se acreditava'
1 Opinio )e& enorme sucesso e estimulou outras iniciativas artsticas na
resistIncia J ditadura' :or e,emplo% em 196K% L9 artistas plsticos or"ani&aram no 4io
de ?aneiro a mostra Opinio 65' :articiparam Antonio @ias% 4u!ens >erchman%
<er"ara% -scoste"ui% M+lio 1iticica% :as(ualini% Eandim% Naldemar Cordeiro etc' -m
1966% seria or"ani&ado o 1pinio 66% de (ue participou EA"ia ClarO% entre outros
artistas nacionais e estran"eiros' <iriam ainda a mostra .ova 1!Petividade Drasileira e
outras inBmeras mani)esta*es crticas da ordem no campo das artes plsticas% em (ue
se destacava o crtico Crio :edrosa% (ue depois seria o!ri"ado a e,ilar-se' Al"uns
artistas plsticos che"aram mesmo a vincular-se or"anicamente com partidos e
movimentos de es(uerda% como 5+r"io =erro% Carlos Flio% 4enato da 5ilveira% 5+r"io
5ister e vrios outros (ue )oram presos% al"uns dos (uais )undaram um ateliI no
:resdio Tiradentes% em 5o :aulo'
<oltando ao Teatro 1pinio% ele encenou tam!+m peas como Liberdade,
liberdade, de Cillor =ernandes% Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come% de
<ianinha e >ullar e outros sucessos' Tornou-se ainda% at+ 1968% um espao de reunio
de opositores da ditadura'
1utro "rupo destacado nos anos 60 )oi o do Teatro 1)icina' -le se ori"inou do
teatro de estudantes da =aculdade de @ireito da Q5:% em 19K8% passou pela )ase de
li"ao com o Teatro de Arena% pela e,ploso criativa de 1967 e 68% se"uida do
estreitamento de hori&ontes a partir de 1969% at+ che"ar o incio dos anos 70% (uando
vrios mem!ros dei,aram o "rupo e o diretor ?os+ Celso e,ilou-se' 5e"undo Armando
5+r"io da 5ilva% a encenao de pea de >orOi% /Pequenos Burgueses% !em como o "olpe
de -stado no :as% )oram um marco decisivo na hist$ria do Teatro 1)icina' A partir de
ento a !alana (ue oscilava entre o e,istencial e o social comeou a pender para esse
Bltimo3 71981% p' 1RL9' Cas seria com a encenao da pea de 1s6ald de Andrade% O rei
da vela% (ue esse "rupo "anharia impacto artstico e poltico nacional% propondo uma
/revoluo ideol$"ica e )ormal3 (ue% em 1967% encontraria paralelo no )ilme de >lau!er
4ocha% Terra em Transe% e no tropicalismo musical de Caetano <eloso e plstico de
M+lio 1iticica' 1 impacto dessa monta"em seria se"uido pelo sucesso da pea de Chico
Duar(ue% oda!viva% recriada pelo diretor ?os+ Celso Cartine& CorrIa% numa encenao
da (ual o restante da e(uipe do 1)icina no participou'
<ale reiterar (ue o "rupo do 1)icina nasceu do )lorescimento cultural
es(uerdista dos anos 60' @epois de 196#% passou a ser premente para o "rupo ; mas de
uma $tica di)erente do chamado nacional-popular ; /estudar a Scultura !rasileiraT% de
se encontrar o homem !rasileiro e seu meio "eo"r)ico social e poltico' U'''V Tam!+m de
encontrar uma nova )orma% uma maneira nativa para se comunicar a realidade do
:as3' Wsso seria !uscado no 1s6ald de Andrade de O rei da vela% (ue% /por meio de uma
lin"ua"em a"ressiva e irreverente% e,p*e% como auto"o&ao do su!desenvolvimento% a
dependIncia econXmica em (ue vivem as sociedades latino-americanas' 0 por meio do
D
de!oche (ue se concreti&a a stira violenta ao conchavo poltico ou J cnica aliana das
classes sociais3 75ilva% 1981% pp' 1#L-1#R9'
-nto% a pro!lemtica romHntica permanece% de um outro modo: encontrar o
homem !rasileiro pela re"resso antropo)"ica ao ndio devorador dos representantes
da cultura ocidental' @e um modo di)erente da tradio nacional-popular ; (ue se"undo
?os+ Celso s$ )a&ia consolar a plat+ia acomodada% por interm+dio de uma catarse
coletiva apa&i"uadora% en(uanto seu teatro pretendia )a&er o pB!lico de classe m+dia
reconhecer seus privil+"ios e mo!ili&ar-se ; continuava no centro a (uesto da
identidade nacional% do su!desenvolvimento e do carter do povo !rasileiro' Com isso% o
1)icina seria parte constitutiva de um movimento conhecido como tropicalismo'
Tropiclia
1 tropicalismo% movimento de 1967-68% teve desta(ue especialmente na mBsica
popular% com Caetano <eloso% >il!erto >il% Tom F+% Capinan% >al Costa% Tor(uato
.eto% a (ue se a"re"aram os maestros e arranPadores 4o"+rio @uprat% ?Blio Ceda"lia e
@amiano Co&&ella% al+m do "rupo de roc" 1s Cutantes% entre outros' Cas o
tropicalismo tam!+m envolveu artistas de diversos campos% como: M+lio 1iticica%
4o"+rio @uarte% ?os+ Celso Cartine& CorrIa e >lau!er 4ocha' 5e"undo Carlos .elson
Coutinho% o tropicalismo )oi desencadeado pelas id+ias de >lau!er:
/5e ele se considerava tal% ou se ele se reunia com o "rupo (ue depois aplicou o
tropicalismo J mBsica% eu no sei' Cas% sem dBvida% >lau!er )a&ia parte dessa
id+ia de um pas ca$tico% contradit$rio% onde a ra&o meramente )ormal no
daria conta dessas contradi*es' .esse sentido% Terra em #ranse + de certo modo
precursor do (ue viria depois% U'''V um )ilme com tendIncias irracionalistas% U'''V
uma certa valori&ao do irracional como uma coisa pr$pria dos pases do
Terceiro Cundo'3
:arece (ue e,iste a)inidade entre as o!ras de >lau!er e o tropicalismo% no
sentido apontado por Coutinho' <ale di&er% >lau!er pre&ava no tropicalismo o (ue ele
tinha de inventivo% anticonvencional e irracional em sua !rasilidade e auto-a)irmao
cultural do Terceiro Cundo ; mas com!atia o (ue achava ser a americani&ao
tam!+m presente no movimento' M um )rase su"estiva de >lau!er nesse sentido% em
carta a Cac @ie"ues: /Caetano se reapro,ima atrav+s de ?ohn Eennon mas no tenho
o menor interesse em ?ohn Eennon% apesar de ter o maior interesse por Caetano3 71997%
p' 11#9'
1u sePa% >lau!er se a)astava de uma das in)luIncias !sicas do tropicalismo: a
contracultura% impulsionada nos -stados Qnidos pelas mani)esta*es contra a "uerra do
<ietn% pre"ando /pa& e amor3% convocando o Povem para (ue /)aa amor% no )aa
"uerra3' .o campo musical% esse movimento )oi especialmente si"ni)icativo nas can*es
de ?anis ?oplin% ?immA Mendri,% The Camas and the :apas% 5imon Y >ar)unOel%
dentre outros% cuPos precursores )oram Do! @Alan e ?oan Dae&% (ue cantavam
denBncias ao racismo e J "uerra do <ietn% em 1968' Dandas in"lesas )amosas
internacionalmente% como os Deatles e os 4ollin" 5tones% tam!+m estavam a)inadas com
a contracultura% em!ora muito !em inseridas no mercado e na indBstria cultural'
N
:aralelamente% desenvolvia-se a pop ar#% com AndA Narhol% 4oA Eichtenstein e ?asper
?ohns'
Al+m da nova mBsica e do parentesco com mani)esta*es em todas as artes% a
contracultura caracteri&ava-se por pre"ar a li!erdade se,ual e o uso de dro"as ; como a
maconha e o E5@% cuPo uso era considerado uma )orma de protesto contra o sistema' 1
amor livre e as dro"as seriam li!eradores de potencialidades humanas escondidas so! a
couraa imposta aos indivduos pelo moralismo da chamada /sociedade de consumo3'
Alis% contra os valores dessa sociedade% comearam a se )ormar comunidades
alternativas% com economias de su!sistIncia no campo e um modo de vida inovador%
como as do movimento hippie'
? num (uadro de declnio da importHncia do chamado /nacional-popular3 no
Drasil% a contracultura encontraria a)inidade em artistas tropicalistas% como M+lio
1iticica% autor do termo Tropic$lia% ori"inalmente um proPeto am!iental% (ue inspiraria
o movimento' 1iticica escreveu um te,to so!re seu proPeto Tropic$lia% de 1968% do (ual
)a&em parte as se"uintes asser*es: /Tropiclia + a primeirssima tentativa consciente%
o!Petiva% de impor uma ima"em o!viamente S!rasileiraT ao conte,to atual da van"uarda
e das mani)esta*es em "eral da arte nacional3Z e ainda: /:ara a criao de uma
verdadeira cultura !rasileira% caracterstica e )orte% e,pressiva ao menos% essa herana
maldita europ+ia e americana ter (ue ser a!sorvida% antropo)a"icamente% pela ne"ra e
ndia de nossa terra3'
.o meio dos artistas plsticos% a temtica nacional )oi especialmente relevante
em 1iticica' Contudo% di)erentemente do nacional!popular% con)orme depoimento de
Carlos Flio% no haveria inteno de ser porta-vo& do mar,ismo e da revoluo' -ra
uma posio an#i!Belas %r#es% (ue reivindicava uma /arte li"ada J reprodu#ibilidade% ao
industrial% J sociedade de massa3' Tam!+m se li"aram ao tropicalismo outros artistas
plsticos% como EA"ia ClarO e 4u!ens >erchman% autor da capa do E: Tropic$lia'
4etomando as palavras do militante tropicalista% Tor(uato .eto% na +poca:
/Qm "rupo de intelectuais ; cineastas% Pornalistas% compositores% poetas e artistas
plsticos ; resolveu lanar o tropicalismo' 1 (ue +2 Assumir completamente
tudo (ue a vida dos tr$picos pode dar% sem preconceitos de ordem est+tica% sem
co"itar de ca)onice ou mau "osto% apenas vivendo a tropicalidade e o novo
universo (ue ela encerra% ainda desconhecido' -is o (ue +3 7Citado em A"uiar%
199#9'
Caetano <eloso% em suas mem$rias% intituladas &erdade #ropical% ressalta na
Tropiclia sua prtica da conviv'ncia na diversidade' :ara ele% a palavra-chave para
entender o tropicalismo seria sincre#ismo 71997% pp' L81 e L9L9'
5e"undo o crtico 4o!erto 5ch6ar&% num te,to da +poca:
/o e)eito !sico do tropicalismo est Pustamente na su!misso de anacronismos
desse tipo% "rotescos J primeira vista% inevitveis J se"unda% J lu& !ranca do
ultra-moderno% trans)ormando-se o resultado em ale"oria do Drasil' A reserva
de ima"ens e emo*es pr$prias ao pas patriarcal% rural e ur!ano% + e,posta J
)orma ou t+cnica mais avanada ou na moda mundial U'''V 0 nesta di)erena
9
interna (ue est o !rilho peculiar% a marca de re"istro da ima"em tropicalista'
U'''V 5o!re o )undo am!"uo da moderni&ao% + incerta a linha entre
sensi!ilidade e oportunismo% entre crtica e inte"rao3 71978% p' 7#-K9'
? Celso =avaretto% analista simptico ao movimento% esclarece (ue o
tropicalismo sur"iu ap$s o )estival da cano de 1967% da T< 4ecord de 5o :aulo% com
>il!erto >il cantando seu (omingo no parque e Caetano %legria, alegria' .asceu como
/modaZ dando )orma a certa sensi!ilidade moderna% de!ochada% crtica e
aparentemente no empenhada' @e um lado% associava-se a moda ao
psicodelismo% mistura de comportamentos hippie e mBsica pop% indiciada pela
sntese de som e corZ de outro% a uma revivescIncia de arcasmos !rasileiros% (ue
se chamou de Sca)onismoT' U'''V [uando Pustap*e elementos diversos da cultura%
o!t+m uma suma cultural de carter antropo)"ico% em (ue contradi*es
hist$ricas% ideol$"icas e artsticas so levantadas para so)rer uma operao
desmisti)icadora' -sta operao% se"undo a teori&ao os6aldiana% e)etua-se
atrav+s da mistura dos elementos contradit$rios ; en(uadrveis !asicamente nas
oposi*es arcaico-moderno% local-universal ; e (ue% ao inventari-las% as devora'
-ste procedimento do tropicalismo privile"ia o e)eito crtico (ue deriva da
Pustaposio desses elementos3 71996% pp' L1 e LR9'
1s te,tos citados indicam (ue + praticamente consenso ; para os inte"rantes do
movimento e para seus estudiosos% tanto na +poca como hoPe ; (ue o tropicalismo
articula elementos modernos e arcaicos% em!ora variem as interpreta*es so!re o
si"ni)icado est+tico e poltico dessa articulao' :arece (ue h no movimento al"o (ue se
pode chamar de con)un*o #ropicalis#a% a (ual retoma criativamente a tradio cultural
!rasileira ; o (ue Caetano <eloso chamou em 1966% num de!ate na evis#a +ivili,a*o
Brasileira% de /linha evolutiva da C:D3 ; e a incorporao an#ropof$gica a ela de
in)luIncias do e,terior% sim!oli&ada nos anos 60 pela to comentada introduo da
"uitarra na C:D'
.otadamente os tropicalistas !aianos nutriram-se da instalao de uma
van"uarda artstica europ+ia em 5alvador% no )inal dos anos K0 e incio dos 60% por
interm+dio de uma e(uipe convidada pelo reitor universitrio -d"ard 5antos'
=ascinavam-se com o som 7inter9nacional da Dossa .ova' Cais tarde% entraram em
contato com os poetas concretistas% sintoni&ados com as van"uardas culturais mundiais'
@ei,aram-se in)luenciar ainda pelo cinema e,perimental de >odard% pelos Deatles e
outros "rupos de roc"% em se"uida pela onda da contracultura' Tam!+m lhes causavam
impacto os acontecimentos internacionais% como a revoluo cu!ana'
-m 5o :aulo% os !aianos desco!riram 1s6ald de Andrade% cuPa pea O rei da
vela era encenada pelo Teatro 1)icina' As id+ias an#ropof$gicas da(uele modernista
caam como uma luva nos pontos de vista dos tropicalistas% por(ue permitiam conPu"ar
a amplitude cultural da +poca em escala internacional com outra tradio i"ualmente
importante de sua )ormao: a cultura !rasileira (ue "erou o Cinema .ovo% os Centros
:opulares de Cultura da Q.-% a utopia da li"ao entre os intelectuais e o povo
!rasileiro% empenhados na constituio de uma identidade nacional' <ale lem!rar (ue
Caetano% >il e outros de seu "rupo !aiano deram al"uns dos primeiros passos da
carreira% no sudeste% convidados por Au"usto Doal 7sho6 de 196K% %rena can#a Bahia9% e
pelo Teatro 1pinio% autInticos representantes de um movimento nacional-popular (ue%
10
em parte% viria a insur"ir-se contra o tropicalismo% em resposta Js crticas (ue este lhe
)ormulou no )inal dos anos 60'
1 livro de mem$rias de Caetano <eloso est repleto de crticas aos nacionalis#as
da -PB 71997% p' 1699% ao nacionalismo es#rei#o das can*es de protesto% a reprodu&ir
slogans ideol.gicos 7p' 1R19% aos /nacionalistas passadistas U'''V liderados teoricamente
pelo soci$lo"o ?os+ 4amos Tinhoro3 7p' L099' -ndossa a crtica dos concretistas /J
)olclori&ao mantenedora do su!desenvolvimento% e uma tomada de responsa!ilidade
pelo (ue se passa no nvel da lin"ua"em por parte da(ueles (ue tra!alham diretamente
com ela3 7p' L169' 1s pruridos nacionalis#as seriam #ris#es anacronismos 7p' L9L9' A
Tropiclia teria des#ronado o nacionalismo populis#a 7p' ##79% presente por e,emplo no
espetculo (ue lanou Caria DethHnia no cenrio )ederal% o musical Opinio% /um sho6
de !olso de es(uerda populista nacionalista3 71997% p' R1K9' :retendia-se /aca!ar de ve&
com a ima"em do Drasil nacional-popular3 71997% p' K09'
-ssas crticas parecem diri"ir-se especialmente ao nacionalismo das correntes
(ue )icariam conhecidas como nacional!popular% li"adas ideolo"icamente ao :artido
Comunista e a outras )oras de es(uerda' :ara Caetano% /o nacionalismo dos
intelectuais de es(uerda% sendo uma mera reao ao imperialismo norte-americano%
pouco ou nada tinha a ver com "ostar das coisas do Drasil ou ; o (ue mais me
interessava ; com propor% a partir do nosso Peito pr$prio% solu*es para os pro!lemas
do homem e do mundo3 7<eloso% 1997% p' 879'
-ssas palavras atestam (ue as crticas tropicalistas ao nacional-popular no
implicavam uma ruptura com o nacionalismo% antes constituam uma variante dele: a
preocupao !sica continuava sendo com a constituio de uma nao desenvolvida e
de um povo !rasileiro% a)inados com as mudanas no cenrio internacional% a propor
solu*es J moda !rasileira para os pro!lemas do mundo' Caetano sempre viu a
necessidade de /a!rir um respiradouro nesse universo )echado (ue + o Drasil3% pas (ue
precisaria /a!rir dilo"os mundiais )rancos% livrar-se de tudo (ue tem mantido )echado
em si mesmo como um escravo descon)iado3 7<eloso% 1997% p' #R#9' 1s tropicalistas
/(ueriam poder mover-se al+m da vinculao automtica com as es(uerdas%
dando conta ao mesmo tempo da revolta visceral contra a a!issal desi"ualdade
(ue )ende um povo ainda assim reconhecivelmente uno e encantador% e da )atal e
ale"re participao na realidade cultural ur!ana universali&ante e internacional%
tudo isso valendo por um desvelamento do mist+rio da ilha Drasil3 7<eloso% 1997%
p' 169'
-sse trecho da introduo a &erdade #ropical d !em a medida da preocupao
central do tropicalismo de Caetano <eloso% preocupao (ue sempre o acompanharia%
como atesta o livro: o /Drasil3' Wsso s$ se pode compreender levando em conta o
conte,to social% poltico e cultural em (ue a "erao de Caetano se )ormou% nos anos
19K0 e 1960' 1 livro comea e termina discutindo essa na*o falhada 71997% p' 1R9% na
sua /eterna inde)inio entre ser o aliado natural dos -stados Qnidos em sua estrat+"ia
internacional e ser o es!oo de uma nova civili&ao3 71997% pp' #97-#989' 0 nessa
Bltima hip$tese (ue Caetano sempre apostou% desde a )ase tropicalista% (ue tentava
/e,trair ener"ia ori"inal dessa tenso3 71997% p' #989'
A id+ia de for*as regeneradoras + uma constante no livro' 0 por meio dela (ue
Caetano indica uma /identi)icao po+tica3 dos tropicalistas com a es(uerda armada%
11
dadas as /ima"ens violentas3 nas letras de suas can*es% as atitudes a"ressivas% o horror
J ditadura a trans)ormar-se em violIncia re"eneradora' :or e,emplo% a luta armada P
estaria pre)i"urada na letra de (ivino, maravilhoso 71997% p' RR09 e a admirao por
>uevara era ine(uvoca em So/ loco por #i, %m0rica 71997% p' R#R9' .o livro% Caetano
)ala da simpatia /ntima e mesmo secreta por Cari"hella e os iniciadores da luta
armada3% (ue /no era do conhecimento nem dos radicais nem dos conservadores3
71997% p' R#R9' 4e)ere-se J /violIncia sa"rada dos (ue partiram para a luta armada e da
violIncia maldita dos (ue detinham o terrorismo o)icial3 71997% p' #K69' 5o!re o perodo
do e,lio londrino% Caetano a)irma:
/Acompanhvamos de lon"e o (ue se passava no Drasil' 5em (ue eu estivesse
certo do (ue poderia resultar de uma revoluo armada% o herosmo dos
"uerrilheiros como Bnica resposta radical J perpetuao da ditadura merecia
meu respeito assom!rado' .o )undo% n$s sentamos com eles uma identi)icao J
distHncia% de carter romHntico% (ue nunca tnhamos sentido com a es(uerda
tradicional e o :artido Comunista' .$s os vamos ; e um pouco nos sentamos ;
J es(uerda da es(uerda3 71997% p' #L79'
1 tropicalismo marcou o eplo"o do /ensaio "eral de sociali&ao da cultura3
7para usar o termo de Nalnice .o"ueira >alvo ; 199#9% )erido de morte em 1R de
de&em!ro de 1968% (uando o re"ime civil-militar !ai,ou o Ato Wnstitucional nBmero K
7AW-K9% conhecido como /o "olpe dentro do "olpe3' Com ele% os setores militares mais
direitistas ; (ue haviam patrocinado uma s+rie de atentados com autoria oculta%
so!retudo em 1968 ; lo"raram o)iciali&ar o terrorismo de -stado% (ue passaria a dei,ar
de lado (uais(uer pruridos li!erais% at+ meados dos anos 70' A"ravava-se o carter
ditatorial do "overno% (ue colocou em recesso o Con"resso .acional e as Assem!l+ias
Ee"islativas estaduais% passando a ter plenos poderes para: cassar mandatos eletivos%
suspender direitos polticos dos cidados% demitir ou aposentar Pu&es e outros
)uncionrios pB!licos% suspender o habeas corpus em crimes contra a se"urana
nacional% le"islar por decreto% Pul"ar crimes polticos em tri!unais militares% dentre
outras medidas autoritrias' :aralelamente% nos por*es do re"ime% "enerali&ava-se o uso
da tortura% do assassinato e de outros desmandos' Tudo em nome da /se"urana
nacional3% indispensvel para o /desenvolvimento3 da economia% do posteriormente
denominado /mila"re !rasileiro3'
Com o AW-K% )oram presos% cassados% torturados ou )orados ao e,lio inBmeros
estudantes% intelectuais% polticos e outros oposicionistas% incluindo artistas' 1 re"ime
instituiu r"ida censura a todos os meios de comunicao% colocando um )im J a"itao
poltica e cultural do perodo' :or al"um tempo% no seria tolerada (ual(uer
contestao ao "overno% se(uer a do Bnico partido le"al de oposio% o moderado
Covimento @emocrtico Drasileiro 7C@D9' -ra a +poca do slogan o)icial /Drasil% ame-o
ou dei,e-o3'
Coordenadas hist$ricas do )lorescimento cultural e poltico
, agita'%o cultural e poltica internacional dos anos 60 ligava+se a uma s-rie de
condi'(es materiais comuns a diversas sociedades! al-m das especi/icidades locais ) no caso
1L
brasileiro! em especial! as lutas pelas re.ormas de base no pr-+196* e contra a ditadura aps
essa data! &ue levaram alguns ao e0tremo da luta armada# $ssas condi'(es comuns estavam
presentes especialmente na $uropa Scidental e nos $stados :nidos! mas eram
compartilhadas tamb-m por pases em desenvolvimento! como o ;rasilC crescente
urbaniza'%o! consolida'%o de modos de vida e cultura das metrpoles! aumento &uantitativo
das classes m-dias! acesso crescente ao ensino superior! peso signi/icativo dos Iovens na
composi'%o etria da popula'%o! incapacidade do poder constitudo para representar
sociedades &ue se renovavam! avan'o tecnolgico 7por vezes ao alcance das pessoas comuns!
&ue passaram a ter cada vez mais acesso! por e0emplo! a eletrodom-sticos como aparelhos de
televis%o! al-m de outros bens! caso da plula anticoncepcional ) o &ue possibilitaria
mudan'as considerveis de comportamento9! etc# $ssas condi'(es materiais n%o e0plicam por
si ss as ondas romBnticas de rebeldia e revolu'%o! apenas deram possibilidade para &ue
/ruti/icassem a'(es polticas e culturais inovadoras e diversi/icadas! apro0imando a poltica
da cultura e da vida cotidiana! buscando colocar a imaginao no poder#
Horam caractersticas dos movimentos libertrios dos anos 60! particularmente de
196N! no mundo todoC inser'%o numa conIuntura internacional de prosperidade econ.micaE
crise no sistema escolarE ascens%o da -tica da revolta e da revolu'%oE busca do alargamento
dos sistemas de participa'%o poltica! cada vez mais desacreditadosE simpatia pelas propostas
revolucionrias alternativas ao mar0ismo sovi-ticoE recusa de guerras coloniais ou
imperialistasE nega'%o da sociedade de consumoE apro0ima'%o entre arte e polticaE uso de
recursos de desobedincia civilE Bnsia de liberta'%o pessoal das estruturas do sistema
7capitalista ou comunista9E mudan'as comportamentaisE vincula'%o estreita entre lutas sociais
amplas e interesses imediatos das pessoasE aparecimento de aspectos precursores do
paci/ismo! da ecologia! da antipsi&uiatria! do /eminismo! de movimentos de homosse0uais!
de minorias -tnicas e outros &ue viriam a desenvolver+se nos anos seguintes#
<o caso do ;rasil! o ensaio geral de sociali+ao da cultura nos anos 60 construiu+se
sobre coordenadas histricas espec/icas! &ue podem ser observadas nas sociedades &ue
adentram de/initivamente na modernidade urbana capitalista! con/orme sugest%o de 1err5
,ndersonC a @intersec'%o de uma ordem dominante semi+aristocrtica! uma economia
capitalista semi+industrializada e um movimento operrio semi+insurgenteA# Su seIa! o
modernismo caracteriza+se historicamenteC 19 pela resistncia ao academicismo nas artes!
indissocivel de aspectos pr-+capitalistas na cultura e na poltica! em &ue as classes
aristocrticas e lati/undirias dariam o tomE L9 pela emergncia de novas inven'(es
industriais de impacto na vida cotidiana! geradora de esperan'as libertrias no avan'o
tecnolgicoE G9 e pela pro;imidade imaginativa da revoluo social! /osse ela mais @genuna
e radicalmente capitalistaA ou socialista 7,nderson! 19N6! pp# 1N+199#
K argumentei em outra oportunidade &ue as coordenadas histricas do modernismo
sugeridas por ,nderson estavam presentes na sociedade brasileira! do /inal dos anos 80 at-
por volta de 196NC havia luta contra o poder remanescente das oligar&uias rurais e suas
mani/esta'(es polticas e culturaisE um otimismo modernizador com o salto na
industrializa'%o a partir do governo \ubitscheWE tamb-m um impulso revolucionrio!
alimentado por movimentos sociais e portador de ambig]idades nas propostas de revolu'%o
brasileira! democrtico+burguesa 7de liberta'%o nacional9! ou socialista! com diversas
grada'(es intermedirias 7Ridenti! 199G! pp# D6+N19#
1G
1s anos pra"mticos
>om a derrota das es&uerdas brasileiras pela ditadura e os rumos dos eventos polticos
internacionais nos anos D0! perdeu+se a pro;imidade imaginativa da revolu'%o social!
paralelamente P moderniza'%o conservadora da sociedade brasileira e P constata'%o de &ue o
acesso Ps novas tecnologias n%o correspondeu Ps esperan'as libertrias no progresso t-cnico
em si# $nt%o! /icou e0plcito &ue o /lorescimento cultural n%o bebia na /onte da eterna
IuventudeE e o ensaio geral de sociali+ao da cultura /rustrou+se antes da realiza'%o da
esperada revolu'%o brasileira! &ue se realizou pelas avessas! sob a bota dos militares! &ue
depois promoveriam a transio lenta# gradual e segura para a democracia! garantindo a
continuidade do poder poltico e econ.mico das classes dominantes#
1arado0al - &ue a nova ordem da ditadura ) uma vez devidamente punidos com
pris(es! mortes! torturas e e0lio os &ue ousaram se insurgir abertamente contra ela ) soube
dar lugar aos intelectuais e artistas de oposi'%o# , partir dos anos D0! concomitante P censura
e P repress%o poltica! /icou evidente o es/or'o modernizador &ue a ditadura I vinha
esbo'ando desde a d-cada de 1960! nas reas de comunica'%o e cultura! incentivando o
desenvolvimento capitalista privado ou at- atuando diretamente por interm-dio do $stado#
,s grandes redes de TR! em especial a ?lobo! surgiam com programa'%o em Bmbito
nacional! estimuladas pela cria'%o da $M;R,T$2! do Minist-rio das >omunica'(es e de
outros investimentos governamentais em telecomunica'(es! &ue buscavam a integra'%o e
seguran'a do territrio brasileiro# ?anhavam vulto diversas institui'(es estatais de
incremento P cultura! como a $M;R,HO2M$! o Onstituto <acional do 2ivro! o 6ervi'o
<acional de Teatro! a H:<,RT$ e o >onselho Hederal de >ultura# ^ sombra de apoios do
$stado! /loresceu tamb-m a iniciativa privadaC criou+se uma ind"stria cultural! n%o s
televisiva! mas tamb-m /onogr/ica! editorial 7de livros! revistas! Iornais! /ascculos e outros
produtos comercializveis at- em bancas de Iornal9! de agncias de publicidade etc# Tornou+
se comum! por e0emplo! o emprego de artistas 7cineastas! poetas! m"sicos! atores! artistas
gr/icos e plsticos9 e intelectuais 7socilogos! psiclogos e outros cientistas sociais9 nas
agncias de publicidade! &ue cresceram em ritmo alucinante a partir dos anos D0! &uando o
governo tamb-m passou a ser um dos principais anunciantes na /lorescente ind"stria dos
meios de comunica'%o de massa#
:m e0emplo do rearranIo pragmtico dos artistas de es&uerda com a ordem
estabelecida a partir dos anos D0 - o caso dos herdeiros do >inema <ovo# Fepois do impacto
da derrota de 196*! permaneceu na maioria desses cineastas a busca romBntica da identidade
nacional do homem brasileiro# Mas /oram mudando as caractersticas desse romantismo! &ue
ia dei0ando de ser revolucionrio! para encontrar seu lugar dentro da nova ordem
estabelecida# 6e! na primeira d-cada do movimento de 196*! os herdeiros do >inema <ovo
estranharam+se com a ditadura! a situa'%o mudou com a abertura poltica promovida pelo
presidente ?eisel e a reorganiza'%o da estatal $M;R,HO2M$! com a &ual passaram a
colaborar! em sua maioria! na gest%o P /rente da empresa do cineasta Roberto Harias! entre
19D* e 19D9# Mas isso n%o impedia &ue a censura do governo por vezes proibisse a
veicula'%o de /ilmes &ue ele mesmo /inanciara por interm-dio da $M;R,HO2M$#
>elso Hrederico! seguindo trilhas abertas por Kameson! d pistas signi/icativas para
compreender a inser'%o de setores artsticos e intelectuais de es&uerda nesse processo# 1ara
ele! com a terceira revolu'%o tecnolgica capitalista! a partir dos anos 60! @a es/era cultural e
artstica! totalmente envolvida pela mercantiliza'%o! dei0ou paulatinamente de ser um campo
1*
P parte dentro da vida socialA# >om a ocupa'%o &uase completa do espa'o cultural pela lgica
mercantil! tendia a diluir+se a presen'a da es&uerda nessa rea! na &ual permanecera at- ent%o
como @reduto! plo de resistncia contra os e/eitos desumanizadores da lgica do capitalA
7Hrederico! 199N! pp# L9N+L999#
, atua'%o cultural do regime civil+militar tamb-m implicou a moderniza'%o
conservadora da educa'%o! com a massi/ica'%o 7e a degrada'%o9 do ensino p"blico de
primeiro e segundo grau! o incentivo ao ensino privado e a cria'%o de um sistema nacional de
apoio P ps+gradua'%o e P pes&uisa para as universidades! nas &uais a ditadura encontrava
alguns dos principais /ocos de resistncia! &ue reprimiu duramente! mas sem dei0ar de
o/erecer uma alternativa de acomoda'%o institucional# ;uscava+se atender! dentro dos
parBmetros da ordem estabelecida! Ps reivindica'(es de moderniza'%o &ue haviam levado os
estudantes Ps ruas nos anos 60#
<a es/era dos costumes! as /or'as da ordem tamb-m souberam adaptar para seus
propsitos o &ue originariamente eram transgress(es ) e isso n%o ocorreu s na sociedade
brasileira# 1or e0emplo! num artigo provocativo! @, consola'%o da revolu'%o se0ualA! Kean+
>laude ?uillebaud observa &ue a libera'%o se0ual teve um sentido de es&uerda nos anos 60!
ao @sacudir a velha moral! o velho mundo pudico! autoritrio! patriarcal! arcaicoA! em &ue sua
gera'%o /oi criada 71999! p# 1D69# >ontudo! essa libera'%o nos dias de hoIe teria perdido seu
carter subversivo! ao contrrio das auto+ilus(es dos militantes de 196N! &ue! derrotados na
poltica! teriam como consolo a suposta vitria da revolu'%o se0ual# $sta! de /ato! teria sido
digerida e reaproveitada pelo capitalismo! &ue soube trans/orm+la em mercadoria! num
tempo marcado pelo &ue alguns especialistas chamam de desemprego estrutural! em &ue n%o
se precisa mais canalizar para o trabalho todas as energias da popula'%o! a &uem o mercado
busca o/erecer op'(es 7inclusive se0uais9 de divers%o! para acomod+la P ordem e lucrar#
=oIe! segundo ?uillebaud ) invertendo as condi'(es de 196N )! @a virtude! a moral! a /amlia
s%o estruturas parasitas &ue se op(em P tirania do mercadoA 71999! p# 1D99#
S /ato - &ue a sociedade brasileira /oi ganhando nova /ei'%o e a intelectualidade &ue
combatia a ditadura aos poucos se adaptava P nova ordem! &ue criava at- mesmo um nicho de
mercado para produtos culturais crticos! censurando seletivamente alguns deles#
:niversidades! Iornais! rdios! televis(es! agncias de publicidade! empresas p"blicas e
privadas tendiam a /ornecer timas oportunidades a pro/issionais &uali/icados! dentre os
&uais se destacavam os &ue se consideravam de es&uerda! e0poentes da cultura viva do
momento imediatamente anterior#
, situa'%o n%o se alterou muito aps a redemocratiza'%o da sociedade brasileira! a
partir de 19N8! &ue daria sinal verde para uma parcela signi/icativa dos intelectuais de
oposi'%o comprometer+se com a 1ova ep<blica# $ram as @aves de arriba'%oA! a dei0ar o
campo de uma oposi'%o mais consistente P ordem estabelecida! na e0press%o de um artigo da
-poca de Hrancisco de Sliveira 719N89#
.ada ser como antes' .ada2
,o menos desde o /inal da d-cada de 19D0 7em 19D9 entrou em vigor a lei da anistia
aos condenados polticos pela ditadura! em 19N0 ressurgiria o pluripartidarismo! dentre outras
medidas &ue mudavam a cena poltica brasileira9! ia /icando cada vez mais evidente a
necessidade de renovar os parBmetros da es&uerda! em busca da revaloriza'%o da democracia!
18
da individualidade! das liberdades civis! dos movimentos populares espontBneos! da
cidadania! da resistncia cotidiana P opress%o! das lutas das minorias! entre outras#
=ouve uma in/inidade de mani/esta'(es nos di/erentes campos da sociedade a
e0pressar essa virada no pensamento e na prtica de es&uerda# <a es/era poltica! /oi criado o
1artido dos Trabalhadores 71T9! ancorado num trip-C as >omunidades $clesiais de ;ase da
OgreIa >atlica! inspiradas na teologia da 2iberta'%oE o chamado novo sindicalismo! liderado
pelos metal"rgicos do ,;> paulistaE al-m de intelectuais e remanescentes de organiza'(es
polticas mar0istas+leninistas derrotadas pelo regime civil+militar# S 1T procurava dar vez e
voz aos deserdados! &ue haviam come'ado a organizar+se em movimentos sociais a partir de
meados dos anos D0# 1aralelamente! surgia uma literatura para teorizar a importBncia e a
autonomia desses movimentos em rela'%o ao $stado e outras institui'(es! inclusive os
partidos# 1or e0emplo! num artigo muito di/undido! Tilman $vers 719N*9 celebrava a
independncia dos movimentos e seu carter libertrioE apostava no 1T como partido servo
dos movimentos! Iamais seu guia! como os tradicionais partidos de es&uerda# ,lguns anos
depois! $der 6ader /aria um balan'o da e0perincia desses movimentos em Quando novos
personagens entram em cena 719NN9# 1or sua vez! vrios intelectuais procuravam
compreender os dilemas da es&uerda! como os &ue participaram do debate! depois
trans/ormado em livro! As es8uerdas e a democracia ) dentre eles! >arlos <elson >outinho!
Hrancisco [e//ort! Maria Rictria ;enevides! Marco ,ur-lio ?arcia e Faniel ,ar%o Reis
7?arcia! 19N69#
G
Ss acontecimentos dos anos N0 ) da re/ormula'%o partidria brasileira de 19N0!
passando pelo /im da ditadura civil+militar no incio de 19N8! at- a &ueda do Muro de ;erlim
em 19N9! episdio emblemtico da derrocada dos regimes pr+sovi-ticos! &ue no ;rasil
culminaria com a auto+e0tin'%o do 1artido >omunista ;rasileiro! I na d-cada de 1990 )
consolidaram o esgotamento do modelo bolchevi&ue de partido revolucionrio no ;rasil!
embora uma ou outra organiza'%o continuasse posteriormente a estruturar+se nesses moldes#
Fentre outras raz(es! por&ue os militantes I n%o encontravam motivos para o auto+sacri/cio
em nome do 1artido e da revolu'%o# 6e o sacri/cio da individualidade parecera+lhes /azer
sentido em conIunturas passadas! isso I n%o ocorreria no presente# 1ara a maioria! n%o teria
mais cabimento integrar partidos &ue impusessem aos militantes o &ue Faniel ,ar%o Reis
Hilho chamou de @estrat-gia da tens%o m0imaA# $ssa estrat5gia envolveria uma s-rie de
mecanismosC o comple;o da d*vida do militante com a organiza'%o comunista! o le8ue das
virtudes do revolucionrio modelo! o massacre das tare.as com &ue o 1artido sobrecarregaria
seus integrantes! a celebrao da autoridade dos dirigentes! a ambival=ncia das orienta>es
partidrias! bem como a s*ndrome da traio ) pela &ual seriam renegados a&ueles &ue
dei0assem o 1artido 7Reis Hilho! 19919#
?anhavam proIe'%o! nos anos N0! correntes de es&uerda ) &uer se autodesignassem
mar0istas! &uer n%o ) &ue buscavam contato com a realidade imediata das vidas cotidianas!
com as lutas dos movimentos sociais por direitos de cidadania! contra a vis%o doutrinria
/echada de certas vertentes do mar0ismo#
Mas h o outro lado da moeda# ^s vezes a 7auto9crtica do engaIamento dos anos 60
n%o /oi sen%o a mscara para o triun/o da concep'%o 7neo9liberal do indivduo! da sociedade e
G
Ss livros mencionados s%o uma amostragem relativamente aleatria de um movimento intelectual e poltico
muito mais amplo# $les s%o citados por indicarem re/le0(es de intelectuais engaIados! como sintoma da procura
de novos caminhos por parte das es&uerdas! valorizando os @sinais das ruasA e a democracia#
16
da poltica# <o lugar do intelectual indignado! dilacerado pelas contradi'(es da sociedade
capitalista! agravadas nas condi'(es de subdesenvolvimento! passava a predominar o
intelectual pro/issional competente e competitivo no mercado das id-ias! centrado na carreira
e no prprio bem+estar individual#
$ntrava em /ranco declnio o modelo de intelectual ou artista de es&uerda dos anos
60! engaIado! altrusta! em busca da liga'%o com o povo ) tido hoIe por muitos como mera
e0press%o do populismo! manipulador dos anseios popularesE ou! na melhor das hipteses!
como ar&u-tipo do intelectual &ui0otesco e ingnuo# Oa+se estabelecendo o prottipo do
scholar contemporBneo! egocntrico! desvinculado de compromissos sociais! a n%o ser &ue
eles signi/i&uem avan'o em suas carreiras pro/issionais individuais! como as dos in"meros
pro/essores &ue I /oram crticos da ordem capitalista a ocupar cargos p"blicos em governos
&ue adotam medidas neoliberais# ,tuam como t-cnicos a servi'o do /uncionamento saudvel
da ordem estabelecida! sem maiores dramas de conscincia! talvez se agarrando ainda P
ideologia de &ue est%o no poder para o bem do povo e da na'%o! uma vez amadurecidos e
livres das utopias voluntaristas dos anos 60! &ue s aparentemente teriam sido
revolucionrias#
Ss tempos mudaram e! especialmente a partir dos anos N0! I era visvel o progressivo
traIeto de desaparecimento do intelectual ou artista atormentado com sua condi'%o
relativamente privilegiada numa sociedade subdesenvolvida e desigual! como a brasileira#
?radativamente! a Bnsia de muitos intelectuais de es&uerda ia dei0ando de dirigir+se para a
ruptura coletiva da condi'%o do subdesenvolvimento nacional e da e0plora'%o de classeE a
busca passaria a ser o acesso individual ao desenvolvimento de um mundo globalizado! ainda
&ue muitas vezes o discurso continuasse com tons es&uerdistas! por vezes re/erindo+se P
democracia e P cidadania #
,os poucos! /oi+se esgotando o ar&u-tipo do intelectual ou artista rebelde! cada vez
mais raro nos dias de hoIe# Ss intelectuais crticos e comprometidos com a supera'%o das
contradi'(es da modernidade capitalista tendem a dar lugar a intelectuais resignados!
contemplativos das eternas contradi'(es! contra as &uais pouco ou nada poderiam /azer# S
intelectual militante! libertrio! - substitudo pelo intelectual passivo! a /ruir sem culpa sua
liberdade e relativa autonomia na modernidade em eterna muta'%o# ,o inv-s do colocar+se
em sintonia com @os sinais da ruaA! como por e0emplo sugere ;erman 719N6 e 19ND9! esse
intelectual+narcisista apenas observa o movimento perp-tuo da rua! instalado na Ianela P
prova de balas de seu con/ortvel gabinete! com vista para o mar! &ue n%o cansa de mirar!
aguardando notcias da "ltima moda intelectual no e0terior! ou a oportunidade de con/eri+la
pessoalmente em 1aris! 2ondres ou <ova _orW#
S acerto de contas com os anos 60 colocava a intelectualidade brasileira dos anos N0
na /ronteira entre uma 7auto9 crtica &ue poderia redundar na continuidade do engaIamento
contra a ordem estabelecida! agora num patamar superior ) o intelectual ao mesmo tempo
dilacerado pelas contradi'(es da modernidade e engaIado prazerosamente no processo de
trans/orma'%o! sem renunciar P sua individualidade )! ou uma 7auto9 crtica &ue envolveria o
desaparecimento do intelectual incon/ormista! tendncia &ue ganharia cada vez mais /or'a
nos anos seguintes# ,s personalidades modernas! ao @assumir a /luidez e a /orma aberta dessa
sociedadeA 7;erman! 19N6! p# 9*9! podem implicar o reconhecimento de &ue pouco caberia
/azer para mudar as encruzilhadas histricas! para resolver as contradi'(es da modernidade!
1D
&ue teria um movimento prprio de eterna autodestrui'%o criadora! a &ue todos deveriam se
aIustar#
, vivncia das contradi'(es da modernidade pode levar o intelectual e o artista ao
engaIamento na mudan'a! ou a pre/erir adaptar+se P ordem em trans/orma'%o constante!
aceitando o @destinoA! livre do dilaceramento e0istencial# ,o inv-s do intelectual revoltado
contra o mundo! ou revolucionrio a propor um novo mundo ) tpico dos anos 60 )!
consolida+se o intelectual reconciliado com o mundo! no &ual reconheceria o eterno e
inevitvel movimento em &ue deve se inserir! e n%o combater! usu/ruindo ao m0imo o
prazer e a dor de viver em meio Ps intemp-ries da modernidade#
Fe modo &ue se estabeleciam tardiamente ) durante o perodo da ditadura!
consolidando+se posteriormente com a redemocratiza'%o no ;rasil ) novas condi'(es &ue
/azem lembrar os comentrios de Kacob5 719909 sobre o declnio do intelectual atuante na
vida p"blica da sociedade norte+americana I na d-cada de 1980C os intelectuais e artistas
estariam ocupados e preocupados especialmente com as e0igncias das carreiras
pro/issionais! como na :niversidadeE P medida &ue a vida pro/issional prospera! a cultura
p"blica /icaria mais pobre e mais velhaE haveria a substitui'%o crescente de empresrios!
trabalhadores e pro/issionais independentes por empresas corporativas! processo
indissocivel da e0plos%o da educa'%o superiorE desaparecimento do espa'o urbano barato e
agradvel &ue podia nutrir uma intelligentsia bomia! modelar de uma gera'%o de intelectuais
7di/erente da bomia massi/icada de hoIe! comercializada e popularizada9E elimina'%o das
moradias baratas! restaurante! ca/-s e livrarias modestasE comercializa'%o acelerada da
cultura! num cenrio em &ue @a literatura e a crtica se tornam carreiras! n%o voca'(esA! com
autores independentes dando lugar P pro/issionaliza'%o da vida cultural#
, institucionaliza'%o de intelectuais e artistas neutralizaria a liberdade de &ue em
teoria disp(em! de modo &ue eventualmente o sonho com a revolu'%o conviveria com o
investimento na pro/iss%o! na &ual prevaleceria a realidade cotidiana da burocratiza'%o e do
emprego# , pro/issionaliza'%o da vida intelectual nos limites do campus universitrio
conduziria P privatiza'%o ou P despolitiza'%o! P trans/erncia da energia intelectual de um
domnio mais amplo para uma disciplina mais restrita! em &ue as press(es da carreira e da
publica'%o intensi/icariam a /ragmenta'%o do conhecimento# $sse processo ocorreria
lentamenteC @a trans/orma'%o do ambiente do intelectual tradicional n%o - instantBneaE ela -
paralela ao declnio das cidades! ao crescimento dos sub"rbios e P e0pans%o das
universidadesA 7Kacob5! 1990! p# L*89# Tudo isso misturado a uma recomposi'%o do p"blico!
ao sucesso da televis%o! P e0pans%o dos sub"rbios! deteriora'%o das cidades e incha'o das
universidades#
<%o seria o caso de retomar a&ui todo o pensamento de Kacob5 para aIudar a e0plicar
em outro conte0to o declnio p"blico da intelectualidade brasileira de es&uerda# Mas pode+se
imaginar um e0emplo de como se esgar'ou o espa'o para a produ'%o de uma intelectualidade
radicalC a 6%o 1aulo dos anos 60 contrastada com a de hoIe# <a&ueles anos! o ponto
nevrlgico de encontro de artistas e intelectuais estava num breve espa'o geogr/ico no
centro da cidade! em &ue se concentravam o Teatro de ,rena! o >ine ;iIou! a Haculdade de
Hiloso/ia e outras da :niversidade de 6%o 1aulo 7:619! o Teatro Municipal! a ;iblioteca
Mrio de ,ndrade! livrarias! escritrios de ar&uitetos! advogados e outros pro/issionais
liberais engaIados! todos se encontrando em restaurantes e bares da regi%o! como o Redondo!
na con/luncia entre a avenida Opiranga e as ruas da >onsola'%o e Teodoro ;aima# ,li
1N
circulavamC o pessoal de teatro dos inovadores ,rena e S/icina! escritores! cineastas! artistas
plsticos! Iovens representantes da insurgente m"sica popular brasileira! pro/essores da :61!
militantes do movimento estudantil e de organiza'(es de es&uerda! en/im! todo um conIunto
&ue representava o /lorescimento cultural do perodo#
=oIe alunos e pro/essores est%o instalados no distante campus universitrio da :61 no
;utant%! e muitos deles se espalharam pelas in"meras universidades p"blicas e privadas &ue
surgiram pelo interior do estado e por outras unidades da /edera'%o ao longo dos anos! onde
encontraram seu lugar pro/issional# S pessoal do teatro em geral alcan'ou 0ito na televis%o
ou na ind"stria dos espetculos teatrais# Ss cineastas encontraram apoio na $M;R,HO2M$ e
outras alternativas de /inanciamento p"blico &ue a sucederam! &uando n%o nas agncias de
publicidade# ,rtistas plsticos viram /ruti/icar um mercado rentvel para suas obras!
escritores se deram bem em Iornais ou na e0pans%o da mdia em geral! sem contar a
crescentemente prspera ind"stria do livro# Rrios m"sicos da M1; alcan'ariam sucesso de
mercado maior &ue artistas de &ual&uer outro setor# $ os polticos radicais de ent%o
encontrariam lugar nos mais diversos partidos da ordem! do 1MF; ao 16F;! passando at-
pelo 1T ) cada vez mais con.ivel ) e outros partidos! pelos &uais muitas vezes chegaram a
governos municipais! estaduais e /ederais# Onviabilizava+se a condensa'%o de uma
intelligentsia crtica num espa'o geogr/ico e histrico criativo# Talvez uma das imagens
mais e0pressivas da mudan'a e do esvaziamento desse espa'o esteIa no destino do local do
/amoso bar RedondoC virou uma loIa de .ast .ood#
,ssim pode+se constatar! com certo desencanto! os rumos &ue tomou uma parcela da
intelectualidade e do meio artstico! &ue I se propusera a mudar o mundo e a vida# 6ua
despolitiza'%o ) &uando n%o mudan'as de rota em dire'%o P direita ) talvez n%o se deva
apenas e essencialmente P vontade dos agentes! mas Ps prprias trans/orma'(es por &ue
passou a sociedade brasileira#
Yue ningu-m se iludaC n%o h como voltar Ps circunstBncias do passado# M sabido &ue
a tendncia P /ragmenta'%o social do capitalismo de hoIe di/iculta proIetos coletivos
alternativos! como a&ueles dos anos 60! levando muitas vezes os atuais artistas e intelectuais
engaIados a meramente trans/erir a uma dada causa seus apoios e prestgios pessoais! por
e0emplo! declarando apoio a certos candidatos ou partidos no horrio poltico obrigatrio na
televis%o# Mas nem por isso seria ade&uado con/ormar+se com o presente de burocratiza'%o
ino/ensiva das atividades intelectuais e artsticas#
1ara um estudo do en/ra&uecimento da arte poltica nos anos D0 e sobretudo nos N0 e
90! - instigante a anlise de Kameson 7199*9 sobre os problemas envolvidos na produ'%o de
uma arte poltica em nossos dias! em &ue o capitalismo &uase inviabilizaria &uais&uer
atividades grupais &ue pudessem embasar socialmente uma arte subversiva! numa era de
ocupa'%o &uase completa do espa'o cultural pela lgica mercantil# =averia uma atomi+ao
rei.icada# imposta pelo capitalismo de hoIe# Kameson admite! contudo! como /undamento
social para uma nova arte poltica e uma produ'%o cultural autntica a ser criada! a
constitui'%o de um grupo novo e org?nico! por meio do &ual o coletivo abriria caminho na
atomiza'%o rei/icada da vida social capitalista! a partir da luta de classes#
6eria e&uivocado reproduzir ao p- da letra propostas culturais e polticas dos anos 60#
Mas parece &ue seria possvel encontrar alternativas melhores de inser'%o da sociedade
brasileira e de sua cultura no mundo de hoIe do &ue o ceticismo passivo! de submiss%o P nova
ordem mundial do @consenso de [ashingtonA# <%o cabe reviver o passado! mas isso n%o
19
implica a inviabilidade de retomar suas esperan'as! apostar em novos proIetos coletivos de
trans/orma'%o social ) inclusive nas es/eras intelectuais e artsticas ) ao inv-s da carreira
individual de cada um no mercado#
<esses anos todos! a sociedade brasileira continuou submetida P `subordina'%o
interiorizada e imperceptvel` de um `comple0o de e0perincias! rela'(es e atividades` &ue
constituem a hegemonia burguesa! para usar uma /ormula'%o de >hau 719ND! pp# L1+LL9# $la
est ancorada no conceito de hegemonia de Ra5mond [illiams! derivado de ?ramsci! &ue
envolve @um conIunto de prticas e e0pectativas! sobre a totalidade da vidaC nossos sentidos e
distribui'%o de energia! nossa percep'%o de ns mesmos e nosso mundo# M um sistema
vivido de signi/icados e valores ) constitutivo e constituidor ) &ue! ao serem e0perimentados
como prticas! parecem con/irmar+se reciprocamente# >onstitui assim um senso da realidade
para a maioria das pessoas na sociedade! um senso de realidade absoluta! por&ue
e0perimentada! e al-m da &ual - muito di/cil para a maioria dos membros da sociedade
movimentar+se! na maioria das reas de sua vida#` 7[illiams! 19D9! p# 11G9#
<%o h d"vida de &ue na entrada do s-culo QQO predomina o senso de realidade
e;perimentada &ue sup(e a reprodu'%o eterna da sociabilidade capitalista# Mas por &ue n%o
inventar uma contra+hegemonia para os novos tempos! alternativa P hegemonia neoliberal e P
atomi+ao rei.icada da sociedade do espetculo! nos termos respectivamente de Kameson
7199*9 e Febord 7196D9a :topia irrealizvela Talvez n%o# S Hrum 6ocial de 1orto ,legre
em L001 e L00L! o movimento Arte contra a barbrie ) &ue desde 1999 tem mobilizado
artistas e intelectuais comprometidos com a @/un'%o social da arteA no ;rasil ) e outros
indcios sinalizam &ue a roda+viva da =istria n%o parou na posi'%o mais con/ortvel para os
donos do poder#
Di!lio"ra)ia
A"uiar! Koa&uim ,lves de# 199*# 1anorama da m"sica popular brasileiraC da bossa nova ao rocW dos anos N0# Wn
5osno6sOi% 6aul b 5ch6art&! Korge 7orgs#9# Brasil" o tr?nsito da mem(ria# 6%o 1aulo! $F:61#
Anderson! 1err5# Hev# de 19N6# @Modernidade e revolu'%oA# Wn 1ovos !studos $!BA%# 6%o 1aulo! v# 1*#
Derman! Marshall# 19N6# Tudo 8ue 5 s(lido desmancha no ar# 6%o 1aulo! >ompanhia das 2etras#
\\\\\\\\\\\\\\\# Hev# de 19ND# @Ss sinais da ruaC uma resposta a 1err5 ,ndersonA# Wn %resena# Rio de
Kaneiro! n# 9#
Callado! ,ntonio# 196D# Quarup# L
c
ed# Rio de Kaneiro! >iviliza'%o ;rasileira#
Capovilla! Maurice# MaioTIun# de 196L# >inema <ovo# Revista Brasiliense# 6%o 1aulo! n# *1#
Chau! Marilena# 19ND# $on.ormismo e resist=ncia# L
a
ed# 6%o 1aulo! ;rasiliense#
@e!ord! ?u5# 196D# 6a soci5t5 du spetacle# 1aris! ;uchet+>hastel#
-vers! Tilman# ,bril de 19N*# @Odentidade! a /ace oculta dos movimentos sociaisA# Wn 1ovos !studos $!BA%#
6%o 1aulo! v# L! n# *#
=avaretto! >elso# 1996# Tropiclia alegoria alegria# L
a
# ed# rev# 6%o 1aulo! ,teli $d#
=eli,! Moac5r 7org#9# 196LT196G# 'iolo de rua @ poemas para a liberdade# Rols O! OO e OOO# Rio de Kaneiro!
>iviliza'%o ;rasileira#
=rederico! >elso# 199N# @, poltica cultural dos comunistasA# Wn [uartim de Coraes! Ko%o 7org#9# Aist(ria do
mar;ismo no Brasil# BBB, Teorias, Bnterpreta>es# >ampinas! $d# da :nicamp#
>alvo! [alnice <ogueira# 199*# ,s /alas! os silncios# Wn 5osno6sOi! 6aulE 5ch6ar&! Korge 7orgs#9# Brasil" o
tr?nsito da mem(ria# 6%o 1aulo! $F:61#
>arcia! Marco ,ur-lio 7org#9# 19N6# As es8uerdas e a democracia# Rio de Kaneiro! 1az e TerraT>$F$>#
>uille!aud! Kean+>laude# 1999# , consola'%o da revolu'%o se0ual# Wn ?arcia! Marco ,ur-lio e Rieira! Maria
,lice# ebeldes e contestadores @ CDEF" Brasil# Grana# Alemanha# 6%o 1aulo! $d# Hunda'%o 1erseu ,bramo#
?aco!A! Russell# 1990# 9s <ltimos intelectuais# 6%o 1aulo! $duspTTraIetria >ultural#
?ameson! H# 199*# @Rei/ica'%o e utopia na cultura de massaA# $r*tica Mar;ista! vol# 1! n# 1! 6%o 1aulo!
;rasiliense#
E]6A! Michael# 19D9# %ara uma sociologia dos intelectuais revolucionrios# 6%o 1aulo! >incias =umanas#
E]6A! MichaelE 5aAre! Robert# 1998# evolta e melancolia + o romantismo na contram%o da modernidade#
1etrpolis! Rozes#
L0
1liveira! Hrancisco de# Sut#Tdez# de 19N8# @,ves de arriba'%oC a migra'%o dos intelectuaisA# 6%o 1aulo! 6ua
1ova! v# L! n# G#
4eis =ilho! Faniel ,ar%o# 1991# A revoluo .altou ao encontro# 6%o 1aulo! ;rasiliense#
4identi! Marcelo# 199G# 9 .antasma da revoluo brasileira# 6%o 1aulo! $d# :nesp#
\\\\\\\\\\\\\\# 199N# @S sucesso no ;rasil da leitura do Mani/esto >omunista /eita por Marshall ;ermanA#
Wn 4eis =ilho! Faniel ,ar%o 7org#9# 9 Mani.esto $omunista CHI anos depois# Rio de KaneiroT6%o 1aulo!
>ontrapontoTHund# 1erseu ,bramo#
\\\\\\\\\\\\\\# L000# !m busca do povo brasileiro" artistas da revoluo# do $%$ & era da T', Rio de
Kaneiro! Record#
\\\\\\\\\\\\\\# L000b# Ontelectuais! artistas e estudantesC 1aris! 196N# Wn 4eis =ilho! Faniel ,ar%o 7org#9#
Bntelectuais# hist(ria e pol*tica 3s5culos JBJ e JJ4# Rio de Kaneiro! D 2etras#
\\\\\\\\\\\\\\# ,brilTIunho de L001# @Ontelectuais e romantismo revolucionrioA# So %aulo em %erspectiva
) Revista da Hunda'%o 6$,F$# Rolume 18T no#L#
4ocha! ?lauber# 199D# $artas ao mundo# Srg# Ovana ;entes# 6%o 1aulo! >ompanhia das 2etras!#
4ouanet! 6-rgio 1aulo# 1L#0G#19NN# <acionalismo! populismo e historismo# Golha de So %aulo! caderno F#
5ader! $der# 19NN# Quando novos personagens entram em cena# Rio de Kaneiro! 1az e Terra#
5ch6ar&! Roberto# 19DN# >ultura e poltica! 196*+1969# Wn 9 pai de .am*lia e outros estudos# Rio de Kaneiro!
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5ilva! ,rmando 6-rgio da# 19N1# 9.icina" do teatro ao te)ato# 6%o 1aulo! 1erspectiva#
<eloso! >aetano# 199D# 'erdade tropical# 6%o 1aulo! >ompanhia das 2etras#
Nilliams! Ra5mond# 19D9# Mar;ismo e literatura# Rio de Kaneiro! Zahar#
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