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1. OBJETIVOS
Identificar os nveis ontolgicos do ser humano e desenvolver uma reflexo sobre as caractersticas ou dimenses centrais da existncia. Reconhecer a liberdade como um conceito intersubjetivo e entender a estrutura de relao que prpria do ser humano. Estabelecer debates sobre a importncia da relao com o outro.
2. CONTEDOS
Liberdade da Vontade, caracterstica central da existncia da pessoa humana. Dimenso intersubjetiva: alteridade e unicidade. Valor e sentido.
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5) Ao pesquisar, voc no impe fronteiras em sua aprendizagem e pode construir um conhecimento amplo e profundo sobre o assunto consultado. Sugerimos, portanto, que voc leia as obras citadas no tpico Referncias Bibliogrficas. 6) Juan De Sahagun Lucas nasceu em Rolln (Espanha), em 1930. Doutor em Filosofia, filologia e Letras, professor da Universidade de Salamanca. Alm disso, autor de obras fundamentais para o estudo e para o desenvolvimento da Antropologia Filosfica, dentre as quais podemos citar: Alcances Significativos del Lenguage Humano sobre Dios (1975), Antropologia del Siglo XX (1983), e El Hombre Quin es? (1988).
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4. INTRODUO UNIDADE
Sabemos que o homem tem como caracterstica destacar-se do meio. Como indivduo, vive num meio humano sustentado pela cultura, porm, como pessoa, distingue-se de tudo o que no ele (e de todos). No ser espiritual, podemos destacar duas capacidades principais: capacidade intelectual e vontade livre. Afirmar que a vontade livre no homem equivale a afirmar que ele possui um princpio que lhe possibilita levar adiante o seu projeto de vida de forma autnoma.
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para compreender a multiplicidade da verdade o obrigam ao dilogo ao intercmbio. Para um homem s, a tarefa de desenvolver as cincias seria fantstica, como seria fantstico educar a conscincia moral sem uma orientao, sem acompanhamento. Lvinas alerta para o fato de que a singularidade do outro, sua liberdade, nunca deve perder-se nem deve ser desrespeitada, nunca devo pretender dispor do outro:
O absolutamente Outro Outrem; no faz nmero comigo. A coletividade em que eu digo "tu" ou "ns" no um plural de "eu". Eu e tu, no so indivduos de um conceito comum. Nem a posse, nem a unidade do nmero, nem a unidade do conceito me ligam a outrem [...]. Ausncia de ptria comum que faz do Outro O Estrangeiro que o perturba em sua casa. Mas o Estrangeiro quer dizer tambm o livre. Sobre ele no tenho poder, porquanto escapa ao meu domnio num aspecto essencial, mesmo que eu disponha dele: que ele no est inteiramente no meu lugar. Mas eu, que no tenho conceito comum com o Estrangeiro, sou tal como ele, sem gnero. Somos o Mesmo e o Outro. A conjuno e no indica aqui nem adio, nem poder de um termo sobre outro (LVINAS, 2008, p. 25-26).
Esse movimento contnuo de intercmbio, referido no texto principal, sucede sem que se perca sua individualidade e sem que se amalgame com o entorno. Unicidade Quando voc estuda os delineamentos da Antropologia Filosfica, l, com frequncia, definies como esta: a pessoa "substncia", uma substncia concreta que existe em si mesma. O que significa dizer, pois, que a pessoa uma substncia? Pode-se dizer que a pessoa ela mesma quanto mais diferente ela , quanto mais peculiar em relao aos outros seres humanos, ou seja, quanto mais indivisa seja e mais forte seja a presena do seu ncleo espiritual. Ser pessoa significa ter autonomia racional para atuar de forma independente, ou seja, ser dona de seus atos morais, poder ser um perante o mundo.
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Portanto, para ser pessoa, o ser precisa: Ser um desde uma perspectiva ontolgica. Ser nico diante dos seres da natureza e das outras pessoas. Como diziam os escolsticos, a pessoa : indivisum in se et divisium a quolibet alio, ou seja, a individualidade ontolgica a que possibilita a personalidade. A seguir, leiamos um pouco sobre a intersubjetividade.
Informao Complementar
M. Buber (1976), em Que o homem?, descreve um dos fenmenos mais importantes do homem; a relao com o outro, que ele chama intersubjetividade. Esse fenmeno sempre destacado pelos pensadores da filosofia personalista e fenomenolgica. A intersubjetividade uma experincia comum a todos os homens, e Nunzio Galantino (2003), na obra Dizer o homem hoje, a denomina experincia originria. A reciprocidade est relacionada com a dimenso transcendente, uma orientao tica para o tu. Nasce da dimenso ontolgica e uma categoria constitutiva da pessoa. Encontra sua explicao na relao (beziehung), no encontro com o outro (begesnung). O eu no existe em si mesmo, como pretendiam na modernidade, o eu sempre est em relao com um tu e, tambm, com o "ele" (as coisas do mundo). O que provoca a alteridade a presena do esprito que originria do homem, cada um existe no mundo em relao ao tu, o eu est aberto ao tu. O eu, ontologicamente irredutvel, constitui-se na relao com o tu. O homem precisa do tu. O homem forma parte da sociedade como pessoa, o homem, mesmo dentro da sociedade, livre para perseguir sua plenitude e a sociedade, como conjunto dos homens, um meio para esse aperfeioamento. Numa descrio antropolgica do ser homem, ento, possvel afirmar que: por possuir esprito, um "eu", tem conscincia de si prprio, se conhece e se sabe diferente do tu e do ele, pelo esprito tem conscincia de ser um sujeito e que deve estar no mundo compartindo sua existncia com outros sujeitos; um indivduo, mas forma parte de uma sociedade que a soma das individualidades.
A esse respeito, podemos, ainda, dizer que: para a Antropologia Filosfica, essas duas categorias (unicidade e alteridade) so fundamentais para entender o homem. Pelo comportamento, deduz-se que a estrutura dialogal constitutiva do ser humano, com base numa disposio espiritual. Alguns autores descrevem outras categorias. J. Y. Jolif (1969, p. 149-154), por exemplo, descreve cinco categorias ou estruturas formais para conhecer o ser humano no nvel filosfico. So estas:
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1) 2) 3) 4) 5)
O importante na hora de pensar o ser humano que ele ama, fala, troca ideias, projetos, solidrio e "dialogal" na existncia com os outros "eus" e coisas do mundo. Essa concepo de homem contrria ideia de ser individualista, que o neoliberalismo e linhas de pensamento positivista defendem hoje. A estrutura dialogal do homem uma condio necessria da existncia humana, a prpria existncia vem acompanhada da compreenso do outro como ex-istente, como sujeito. A concepo individualista est to arraigada no pensamento que o prprio Heidegger, cone existencialista, considera que o eu no est para o tu e sim com seu prprio ser, o do Dasein (HEIDEGGER, 2001). O outro no aparece em sua antropologia em relao dialogal. Quando diz que o ser-no-mundo um ser com os outros, no enxerga o outro como seu prximo e sim como outro.
Sobre esses temas, sugerimos a leitura da seguinte obra: Antropologia Filosfica, de Vaz H C L, livro II, cap. II.
6. LIBERDADE
Por nossa condio espiritual, somos seres dotados de liberdade.
[...] a propriedade de um ser espiritual sua independncia, liberdade ou autonomia essencial perante os contratempos e presso do orgnico da vida [...]. Tal ser espiritual no est limitado pelos impulsos e o meio, aberto ao mundo (SAHAGUN 996, p. 146).
A liberdade uma caracterstica central da existncia: supe que a pessoa, ainda que ligada ao mundo pelo corpo, no est condicionada, como o animal, pelos impulsos. No depende exclusiClaretiano REDE DE EDUCAO
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vamente das pulses, do patrimnio gentico, do meio social, das caractersticas histricas. Em outras palavras, no est determinada pelas foras da natureza. Como diz V. Frankl (1995, p. 111): "O homem o ser especial que possui contnua liberdade de deciso, apesar de todos os vnculos". As pulses existem, mas de forma "pensada"; a gentica est presente, mas de forma assumida. A pessoa, por ser espiritual, atua sabendo o que est fazendo e, especialmente, podendo concordar ou no segundo o juzo da razo. A liberdade da vontade a possibilidade de construir-se de que o homem dispe; uma propriedade especfica, pertence ao prprio ser. No uma caracterstica adquirida, social; constitutiva do ser homem; nunca uma imposio, por si mesma; o homem livre porque no pode ser de outra forma ou no seria um ser humano. Como diz Sartre (2009, p. 42): "O homem est condenado a ser livre, condenado porque no se criou a si prprio e no entanto livre pelo fato de que est no mundo". Pela liberdade, o homem pode planificar e executar a idealizao de sua vida. Ningum, nem o prprio Deus, pode posicionar-se no lugar do homem e decidir por ele. Na liberdade, est radicada a possibilidade de realizao ou de fracasso do projeto pessoal. A pessoa, pela liberdade, sente-se capaz do progresso, da realizao do humanismo, de ser mais do que ela sempre foi. Mesmo depois do mais terrvel fracasso, da mais completa alienao, continuamos a ter uma conscincia livre palpitando dentro de ns. Mesmo ante tal cenrio de onipotncia e imprio, variados so os impedimentos da liberdade: h os impedimentos psquicos e, tambm, a possibilidade de que indivduos que no estejam enfermos caream de liberdade so aqueles que se deixaram alienar. Por que sucede isso? Porque, em qualquer desses casos, o esprito no consegue expressar-se, fica impedido de se atualizar. Octavio Dirisi (1985) explica que a liberdade no sentido estrito
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consiste no autodomnio da vontade sobre sua prpria atividade, em poder querer ou no alguma coisa, em poder escolher entre esta ou outra coisa. O termo liberdade acompanha o termo homem, uma condio considerada por praticamente todas as correntes de pensadores que estudam o homem: Os kantianos veem na liberdade a ideia suprema para alcanar a perfeio. Concebem-na iluminada pelos ditados da razo prtica. Nessa concepo, a vontade fica submetida moral decorrente dessa razo prtica, e os princpios da razo prtica devem ser de plena realizao, sem esperar nenhuma recompensa. Esse momento reconhecido pelo pensamento kantiano como "de total liberdade". Os materialistas so rgidos ao extremo na defesa da liberdade do homem. Nesse ponto, coincidem com os existencialistas, que so ainda mais radicais na hora de conceber a liberdade. Sartre, que, olhando Nietzsche, adere no existncia de valores absolutos, v na prpria liberdade o fundamento para o sentido e o valor. O ponto mximo da liberdade , para o existencialismo, possibilitar a liberdade dos demais. Para Sartre, os valores so projetos que o homem prope baseados no que ele quer ser sem poder pensar que exista um futuro e sem necessidade de um princpio caracterizador. Diferentemente dos materialistas, ele rejeita qualquer princpio naturalista. Para ele, o homem transcende as estruturas naturais e as verdades anteriores, tudo deve ser produto de sua liberdade (SARTRE, 2003). As posturas mais radicais sobre a ontologia da liberdade, como a sartreana, argumentam: no existem determinismos no homem, sempre possvel agir de outra maneira. Na perspectiva antropolgica, Sartre no cr em determinismo teolgico, biolgico ou social. Como escreve na obra O existencialismo um humanismo, que contm as principais ideias da
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conferncia que deu em Paris em 20 de outubro de 1945: nela expressa as ideias de que nem Deus, nem a natureza, nem a sociedade determina absolutamente nossas possibilidades, predispomos nossa conduta na mediao da liberdade (SARTRE, 2009, ps. 31,36, 43, 55, 77). Esse autor considera que o homem um ser "para-si", ou seja, que no tem uma essncia definida antecipadamente, nunca resultado de uma ideia preexistente; o homem um fazer-se contnuo, "Somos o que temos querido ser e sempre poderemos deixar de ser o que somos" (2009, p. 61). Segundo Sartre, s o homem o responsvel pelo que . Essa responsabilidade no est restrita ao mbito individual, e, sim, corresponde totalidade da humanidade. Quando decidimos pelo casamento, aceitamos seguir a monogamia. Sempre que aderimos a uma ideia poltica ou a um ideal, estamos tomando partido de uma forma de humanidade. Sartre explica: "Se Deus no existe, no h valores ou ordens que modelem nossa conduta. Estamos ss, o homem o ser condenado a ser livre" (2009, p. 42-43). No mundo (na existncia), o homem responsvel por tudo o que faz ou deixa de fazer; ele o nico responsvel por suas paixes, pela moral que adota. "No h signos no mundo que digam ou indiquem o que devemos fazer" (2009, p. 50). Para esse pensador, os fins que perseguimos no so dados nem do exterior nem do interior, no existe nenhuma suposta natureza, na liberdade que cada um se escolhe; cada "Para-si" tem a liberdade de fazer de si o que quiser.
[...] o homem est condenado a ser livre. Condenado porque no se criou a si prprio e no entanto livre pelo fato de estar no mundo. Assim o homem comea a existir para logo, na sua existncia, definir-se (2009, p. 42-43).
O primeiro princpio do existencialismo sartreano : o homem o nico ser que pode ser tal como ele se quer. Segundo o autor como no temos uma natureza ou essncia, no estamos determinados; como no escolhemos ser livres, no somos livres de deixar de ser livres (2009, p. 60-63). A liberdade to importante
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nesta antropologia porque ela o fundamento de todos os valores. Tambm princpio de responsabilidade: "Querer a liberdade respeitar a liberdade do outro" (SARTRE, 2009, p. 77). O homem de boa f procura a liberdade pela liberdade. Mesmo defendendo que o homem deve obrar de forma humana em relao humanidade, que est representada por ele prprio e pelos outros homens, para executar sua liberdade, essa "liberdade" proposta por Sartre totalmente autnoma. Nesse ponto, criticvel, j que a verdadeira liberdade no existe se no est orientada perfeio, humanizao e plenitude do prprio ser humano caso contrrio, pode ser uma "libertao". Liberdade est sempre acompanhada pelo vocbulo "responsabilidade". A seguir, um excerto de Sartre, veja como o filsofo francs interrelaciona a liberdade e a responsabilidade pela liberdade.
Existencialismo um Humanismo
Dostoievski escreveu: "Se Deus no existisse, tudo seria permitido". Eis o ponto de partida do conceito de liberdade sustentado pelo existencialismo. De fato, tudo permitido se Deus no existe, e, por conseguinte, mas o homem est desamparado porque no encontra nele prprio nem fora dela nada a que se agarrar. Para comear, no encontra desculpas. Com efeito, se a existncia precede a essncia, nada poder jamais ser explicado por referncia a uma natureza humana dada e definitiva; ou seja, no existe determinismo, o homem livre, o homem liberdade. Por outro lado, se Deus no existe, no encontramos, valores ou ordens prontas que possam legitimar a nossa conduta. Assim, no teremos nem atrs de ns, nem na nossa frente, o reino luminoso dos valores transcendentes, no podemos apelar a nenhuma justificativa e nenhuma desculpa. Estamos ss, sem desculpas. o que posso expressar dizendo que o homem est condenado a ser livre. Condenado, porque no se criou a si mesmo, e como, no entanto, livre, uma vez que foi lanado no mundo, responsvel por tudo o que faz. O existencialismo no acredita no poder da paixo. Ele jamais admitir que uma bela paixo uma corrente devastadora que conduz o homem, fatalmente, a determinados atos, e que, conseqentemente, uma desculpa. Ele considera que o homem responsvel por sua paixo. O existencialista no pensar nunca, tambm, que o homem pode conseguir o auxlio de um sinal qualquer que o oriente no mundo, pois considera que o prprio homem quem decifra o sinal como bem entende. Pensa, portanto, que o homem, sem apoio e sem ajuda, est condenado a inventar o homem a cada instante. Ponge escreveu, num belssimo artigo: "O homem o futuro do homem" (SARTRE, 2011, p. 6).
Vamos continuar analisando o que liberdade para entender plenamente essa passagem.
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Liberdade para e liberdade de No podemos falar em "liberdade total", j que todo ato requer um limite, mesmo assim a liberdade aquela realidade que permite que o homem no sucumba ante o destino gentico, psicolgico, biolgico, social ou histrico. No h liberdade sem condio tica, no h liberdade sem responsabilidade. J que a liberdade, por ser da pessoa, supe sempre uma dimenso interpessoal, o homem sempre um eu no mundo com outros "eus", situao essa que exige reciprocidade de condutas, porque a liberdade supe um sentido. Pela liberdade, dimenso essencial, o homem considerado um sujeito de responsabilidades e direitos. Caso contrrio, seria uma coisa dirigida. Mesmo assim, voc livre: pode ser responsvel ou no. A liberdade condio do ser racional e com vontade. O ser humano o nico com possibilidade de agir ou no agir, de fazer isto ou aquilo, e, portanto, de praticar atos pensados, deliberados. De assumir responsabilidades. Justamente na dinmica entre liberdade e responsabilidade que o ser humano possui a capacidade de mudar, de transformar sua vida e sua forma de ver o mundo. Liberdade no pode significar indeterminismo, como diz Bento XVI na homilia na festa do Corpo de Deus, 22.5.2008:
Deus criou-nos livres, mas no nos deixou ss: Ele mesmo se fez 'caminho' e veio caminhar conosco, para que a nossa liberdade tenha tambm um critrio para discernir a estrada certa para percorrer (BENTO XVI, 2008)
O termo liberdade na sociedade atual tem correspondncia com a ideia de liberum arbitrium ou livre arbtrio termo utilizado pelos pensadores antigos do cristianismo que conforma um dos pontos fundamentais da teologia crist. Somos livres para atuar. Porm, a liberdade deve ser vista como um caminho para progredir em direo plena humanidade, o que possibilita uma sociedade justa e equitativa. Desse prin-
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cpio, surge o conceito de "Liberdade para", que corresponde ao ideal de poder assumir a prpria responsabilidade para conceber uma sociedade justa, regida por leis justas, sem limitaes para as potencialidades que so prprias da pessoa e concordantes com a ordem do ser. No sempre que o homem pode exercer, de forma autnoma, sua "liberdade para". Historicamente, debate-se entre alienao e subjugao. Muitas vezes, na histria, o homem somente teve a possibilidade de vivenciar uma liberdade pessoal de forma privada, interior, sem poder estend-la no campo das realizaes humanas, que o seio da sociedade. A "liberdade para" no pode ser interpretada como "liberdade de", que sinnimo de uma libertao, que no possui o mesmo suporte de sentido. Nem como a "experincia de liberdade psicolgica" que experimentamos quando escolhemos entre diferentes marcas, diversos estabelecimentos, ou profissionais. A "liberdade de" nos abre para o mundo, mas se a interpretamos como liberdade completa ela pode nos levar a executar, de forma arbitrria, a moral individual. Esse foi o caso da maioria dos ditadores do mundo, que, longe de dotar de sentido a existncia de quem a exerce ou a sofre, altera a ordem moral e provoca consequncias existenciais totalmente negativas pela ptica humana. A "liberdade para" a ferramenta de que o homem dispe para forjar seu destino, nunca condio para estabelecer um mundo arbitrrio (FRANKL, 1978). Para o cristianismo, o homem aperfeioa-se atuando porque livre. Agostinho de Hipona diferencia entre libertas (liberdade radical) e liberum arbitrium (que significa liberdade da vontade), tendo iniciado desde essa perspectiva o caminho para o estudo da liberdade psicolgica e a liberdade de conscincia que prpria do homem. Toms de Aquino baseia a liberdade na racionalidade, ou seja, em decidir ou no agir de uma determinada forma, dependendo da apreciao. "A raiz de toda liberdade est constituda na racionalidade" (LUCAS, 1996, p. 204).
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Para uma melhor compreenso do tema aqui abordado, vamos analisar o que Juan de Sahagun Lucas, na obra Las Dimensiones del Hombre, escreve sobre liberdade e indeterminao. Juan de Sahagun Lucas estuda a liberdade em trs aspectos: Fenomenolgico. Metafsico. Antropolgico. Na dimenso fenomenolgica, diferenciam-se dois conceitos parecidos, mas de caractersticas diferentes: indeterminao e liberdade. "Indeterminao" refere-se a um conceito negativo de no dependncia teleolgica, no necessidade. Cria uma sensao psicolgica de liberdade, mas no liberta. O segundo termo (liberdade) um conceito positivo que significa viver as potencialidades de forma consciente e assumida. Atuar com liberdade fazer sabendo o que est sendo feito e para que est sendo feito. O conceito de liberdade mostra-se no exerccio da vontade durante o percurso da vida pessoal. O homem, complementa Juan de Sahagun Lucas, exerce sua liberdade como existente quando realiza, a partir da conscincia, aes sem a obrigatoriedade de agentes externos (LUCAS, 1996). Isso concorda com o conceito de liberdade presente na obra tica, de Spinoza. Sobre a liberdade, ele afirma:
Diz-se livre a coisa que existe exclusivamente pela necessidade de sua natureza e que por si s determinada a agir. E diz-se necessria, ou melhor, coagida, aquela coisa que determinada por outra a existir e a operar de maneira definida e determinada (tica, Primeira parte, Def. 7).
Essa afirmao leva em conta que o homem um "ser corporizado", que est no mundo e, portanto, nasce com determinismos. Que no pode prescindir de contribuio e participao do outro; pensemos que todos ns precisamos de um guia e de bons
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exemplos no campo espiritual. Essas situaes existenciais no representam uma coero do nosso ser livre. Liberdade leva a ter dignidade, ambas so constitutivos essenciais da pessoa humana. O homem, pela dimenso espiritual, livre e pode sobrepor-se a todas as situaes de determinismo, situar-se por cima delas e atuar em relao a cada uma, mas o homem no est livre dos condicionamentos do mundo, livre para tomar uma posio diante deles e, nesse ponto e escolha, radica sua responsabilidade.
Informao Complementar
Porque estamos no mundo e porque realizamos nosso projeto pessoal nele somos movimentados por impulsos que, segundo Jung (2005), so produto de milhes de anos de evoluo. Baseado nesse postulado, esse psiclogo descreve o problema do "inconsciente coletivo", o que define como "o sedimento da experincia universal de todos os tempos, portanto uma imagem de mundo que se formou h muitos anos (eocenos)". Imagens depositadas no crebro sobre diferentes acontecimentos psquicos nos impulsionam a ter prejuzos, medos e, at, alguma forma de angstia. Por outro lado, somos motivados por sentimentos e paixes que, muitas vezes, desafiam o pensamento lgico, a razo. Em algumas pessoas, esses componentes psquicos impossibilitam o desenvolvimento e no lhes permite atuar livremente. Nessa mesma ordem esto as necessidades corporais que o homem precisa satisfazer para sobreviver. Mas esse conjunto de caractersticas s uma pequena parcela das motivaes humanas, a pessoa no se aquieta como o felino depois de ter comido e bebido, suas necessidades so essas e outras, o objeto convida constantemente o homem a descobrir coisas novas, os bens particulares esto sempre despertando algum grau de interesse, um livro, um poema, a viso da pessoa amada, compaixo, autossuperao, so o combustvel que impulsionam a vontade em direo a um objetivo. Tambm no uma verdade absoluta que todo objeto externo leve o homem para o caminho da constante superao. Na sociedade tecnolgica contempornea a pessoa estimulada ao consumo, voracidade, ao sexo, ao individualismo, a ter e a possuir. Esses estmulos so veiculados pelos meios de difuso, TV, revistas, cinema etc., so provocados pela propaganda e promovem uma atitude passiva, levam massificao, perda da individualidade etc., desembocam em estados de nimo que tm como consequncia o tdio, a falta de sentido e, como diz V. Frankl (1995, p. 89-119), acabam em crises noticas (existenciais), porque esses bens no so o bem que promove o sentido verdadeiro, so realizaes passageiras e alheias nossa natureza. O homem "normal", pelo poder de oposio do esprito, pode tomar uma atitude porque, como diz Hartmann (apud. Frankl, 1995), a liberdade do homem uma liberdade apesar da dependncia.
Sobre esse tema, sugerimos a leitura da obra: Antropologia Filosfica, de E Rebuske, cap. III.
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Liberdade e sentido existencial O que d sentido existncia a capacidade espiritual que possibilita lutar por uma causa nobre, um ideal, uma iluso. Esse movimento de sentido tem relao com a "liberdade para". Podemos, em outras palavras, assim entender: O homem livre para o bem, para a verdade, para concretizar suas realizaes dentro de um projeto de vida, esse o caminho que liberta. Existe no homem uma direo para o bem, para os valores, para o sentido, e o homem livre para segui-la ou no. Observando o animal, vemos que ele est determinado por leis naturais, que vo das muito rgidas at as mais adaptveis. J o ser humano no tem limites infranqueveis, capaz at de imolar-se por um ideal de liberdade. A liberdade um constitutivo antropolgico da pessoa, anterior ao. Como a pessoa tem a capacidade de ordem ontolgica de tomar as decises desde o centro do ser, continuar tendo autonomia ainda carecendo de meios para exercer fisicamente sua liberdade. Somente o homem, ser de liberdade, pode transcender ao mbito do fsico, das pulses, do medo, do crculo fechado do egocentrismo.
7. HISTORICIDADE
Voc percebeu por que o ser humano diferente dos outros seres da natureza? Seu comportamento outro. Enquanto os animais se ajustam ao conjunto da natureza, o ser humano sente necessidade de construir acima do natural. Para satisfazer essa necessidade, ele parte da cultura que herda de seus antecessores. O homem o ser que sempre est a caminho, entende sua existncia em termos de "progresso". Com base nessa particularidade humana, a Antropologia Filosfica conclui que o homem atua assumindo o passado para
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construir o presente, tendo em vista uma realizao futura. A esse processo de tempo humano, os antroplogos denominam historicidade (LUCAS, 1996, p. 219). A historicidade uma propriedade humana que:
Depende da liberdade, da comunidade humana e da cultura. dinmica, por estar motivada pela dimenso de liberdade. Abarca o passado, o presente e o porvir. Tem um significado oposto ao historicismo. Precisa partir essa historicidade da existncia do humanismo herdado do passado para se dirigir a um futuro que esteja aberto liberdade.
8. COMUNICAO
O homem um ser no mundo, possui um corpo biolgico que o sujeita ao mundo fsico e, por ser no mundo, precisa das coisas e das outras pessoas para realizar seu projeto pessoal. No mundo, o "eu" est sempre em comunicao com os outros "eus", seu corpo serve para se comunicar. A comunicao a caracterstica que possibilita ao homem atravessar com xito a existncia. O homem um ser que recebe e transmite cultura, informaes, sentimentos, direo tica etc. Palavra O homem expressa-se por ser um ser social, porque vive numa comunidade. O homem constitutivamente um ser de linguagem. Na palavra utilizada, esto comprometidas tanto a dimenso espiritual como a fsica, porque a palavra a exteriorizao do conceito ou da ideia. No chegaria a ser palavra propriamente se no existisse um pensamento que a legitimasse e uma condio fsica que a divulgasse.
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Homem: ser social O homem no um ser autossuficiente: da mesma forma que necessita dos elementos que lhe fornece a natureza para poder sobreviver, tambm precisa das outras pessoas, do prximo. A personalidade do homem forjada pela existncia que desenvolve no mundo juntamente com outros "eus" ou sujeitos (em suas relaes, amado e ama, troca ou compartilha pensamentos e projetos). Como explica Lvinas (1980) em Totalidade e infinito, o outro demanda uma conduta tica. A simples existncia do outro exige uma resposta; no uma resposta simplesmente intelectual, uma resposta que brote da orientao ontolgica do ser. Para compreender melhor esse tema, definamos o que o outro para ns: 1) O outro nunca um ser indiferente, um ser que chama, exige um comportamento tico. 2) O reconhecimento do outro de carter objetivo, o outro no um "amigo invisvel". 3) A acolhida do outro no est dentro do universo daquilo que construdo na cultura como algo aprendido e sim como algo dado e constitutivo. uma exigncia interior que se projeta numa dimenso transcendente. 4) Por meio do outro, descobrimos o sentido ltimo por nos transportar relao com o divino, numa dimenso transcendente. A relao pessoal fundamental na constituio da pessoa humana, que possui como constitutivo a "alteridade". Isso implica que o homem nunca est sozinho, que um "ser-com-os-outros"; sua existncia pessoal sempre est orientada aos outros, a existncia no mundo sempre uma "coexistncia". M. Buber (1976) explica que at quando o homem se encontra s, a dimenso dialogal continua por ser essa de carter transcendental. O ser humano existe como um "eu" capaz de autocompreender-se, autodeterminar-se, o que o faz nico e irrepetvel, ou
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seja, pessoa. Em nenhum caso, a pessoa pode ser instrumentalizada para algum fim que seja alheio sua natureza de desenvolver sua personalidade em liberdade. A sociedade neoliberal reduz o ser humano s funes de produo e consumo, submetendo-o a projetos de carter econmico em nome do progresso. verdade que o progresso tecnolgico trouxe grandes benefcios para a humanidade, mas, como diz Jung Mo Sung:
No vivemos mais em uma civilizao em que se trabalha para viver, onde as questes econmicas como consumo, trabalho e acumulao de bens estavam subordinadas a viver bem; mas em uma civilizao onde devemos trabalhar para ganhar mais dinheiro e consumir mais, e o viver bem foi identificado com o sucesso profissional ou a capacidade de consumo (2007, p. 101).
A liberdade individual est em perigo porque, como diz Frankl, a liberdade de resposta ante cada situao particular confere ao homem a condio de ser nico e irrepetvel:
A vida humana no se apresenta como uma obra acabada, mas como um projeto a ser realizado. Toda pessoa humana representa algo nico algo que no se repete. Cada misso concreta de um homem depende relativamente desse "carter de algo nico", dessa irrepetibilidade. por isso que um homem s pode ter, em cada momento, uma misso nica, e assim que essa peculiaridade de que nica comunica a tal misso o carter de absoluto (FRANKL, 2003, p.75).
A pessoa, um fim em si mesma "Eu penso que a cultura do consumo e a ideologia neoliberal estabelecem unilateralmente o parmetro para o sentido da vida na nossa sociedade". Com essa frase, Jung Mo Sung (2007, p. 120) evidencia um dos maiores problemas que est acontecendo com a organizao social marcada pela forma de produo neoliberal: a reduo do ser humano condio de coisa. A sociedade atual est caracterizada pelos grandes progressos no campo da tecnologia, da planificao, da produo e da comunicao. Essa nova realidade trouxe grandes benefcios para a humanidade, mas tambm gerou importantes mudanas nas relaes interpessoais. A vasta produo
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de objetos oferecidos ao consumo junto com o consumo exacerbado de bens (necessrios e suprfluos) de informaes e de servios levou as pessoas a adotarem novas formas de pensar, sentir e agir. Assim foram perdendo os grandes ideais que caracterizavam a modernidade (Deus, estado, sociedade, famlia, igualdade, fraternidade etc.). O que ficou no lugar foi a ideia de que tudo transitrio e mediato. Hoje nos toca viver num mundo de valores tumultuados, onde o consumo, o lucro (a qualquer custo) e o individualismo trouxeram uma crise de valores e colocaram em risco a autoconscincia e a autodeterminao que definem que o ser humano seja pessoa. Isso nos leva a esquecer de um dos alicerces do humanismo: a pessoa sujeito, centro e fim da ao humana. A seguir, apresentamos alguns excertos de pensadores que analisam o problema do homem ante a presso dos mercados:
A presso dos mercados
O mercado de trabalho um dos muitos mercados de produtos em que se escrevem as vidas dos indivduos; o preo de mercado da denominada "mo-de-obra" apenas um dos muitos que precisam ser acompanhados, observados e calculados nas atividades da vida individual. Mas em todos os mercados valem as mesmas regras. Primeira: o destino final de toda mercadoria colocada venda ser consumido por compradores. Segunda: os compradores desejam obter mercadorias para consumo se, apenas se, vo ser consumidas para algo que sirva para satisfazer seus desejos. Terceira: o preo que o potencial consumidor em busca de satisfao est disposto a pagar depender da credibilidade da promessa de satisfazer seus desejos e da intensidade desses desejos. Os encontros dos potenciais consumidores com os potenciais objetos de consumo tendem a tornar as principais unidades na rede peculiar de interaes humanas conhecidas, como sociedade de consumidores. Ou melhor, o ambiente existencial que se tornou conhecido como "sociedade de consumidores" se distingue por sua reconstruo das relaes humanas a partir do padro, e semelhana, das relaes entre os consumidores e o objeto do consumo. Esse feito notvel foi alcanado mediante a anexao e colonizao, pelos mercados de consumo, do espao que entende entre os indivduos esse espao em que se estabelecem as ligaes que conectam os seres humanos e se erguem as cercas que os separam. Numa enorme distoro e perverso da verdadeira substncia da revoluo consumista, a sociedade de consumidores com muita frequncia representada como se estivesse centralizada em torno das relaes entre consumidor, firmemente es-
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tabelecido na condio de sujeito cartesiano, e a mercadoria, designada para o papel do objeto cartesiano, ainda que nessas representaes o centro de gravidade do encontro sujeito-objeto seja transferido, de forma decisiva, da rea da contemplao para a esfera da atividade. Quando se trata de atividade o sujeito cartesiano (pensante, que percebe, examina, compara, calcula, atribui relevncia e torna inteligvel) se depara tal como ocorreu durante a contemplao com uma multiplicidade de objetos espaciais (de percepo, exame, comparao, clculo, atribuio de relevncia, compreenso), mas agora tambm com a tarefa de lidar com eles: moviment-los, apropriar-se deles, us-los, descart-los. O grau de soberania em geral atribudo ao sujeito para narrar a atividade de consumo questionado e posto em dvida de modo incessante [...]. Na sociedade de consumidores ningum pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ningum pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perptua as capacidades esperadas exigidas de uma mercadoria vendvel. A "subjetividade" do sujeito, e a maior parte de aquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentrar-se num esforo sem fim para ela prpria se tornar, e permanecer uma mercadoria vendvel. A caracterstica mais proeminente da sociedade de consumidores ainda que cuidadosamente disfarada e encoberta a transformao dos consumidores em mercadoria; ou antes, sua dissoluo no mar de mercadorias em que, para citar aquela que talvez seja a mais citada entre muitas sugestes citveis de Georg Simmel, os diferentes significados das coisas, " portanto as prprias coisas, so vivenciados como imateriais", aparecendo "num tom uniformemente montono e cinzento" enquanto tudo "flutua com igual gravidade especfica na corrente constante do dinheiro". A tarefa dos consumidores. E o principal motivo que os estimula a se engajar numa incessante atividade de consumo, sair dessa invisibilidade imaterialidade cinzenta e montona, destacando-se da massa de objetos indistinguveis "que flutuam com igual 'gravidade especfica' e assim captar o olhar dos consumidores". [...] Escrevendo de dentro da incipiente sociedade de produtores, Karl Marx censurou os economistas da poca pela falcia do "fetichismo de mercado": O hbito de, por ao ou omisso, ignorar ou esconder a interao humana por trs do movimento das mercadorias. Como se estas, por conta prpria, travassem relaes entre si a despeito da mediao humana. A descoberta da compra e venda da capacidade de trabalho como a essncia das "relaes industriais" ocultas no fenmeno da "circulao de mercadorias", insistiu Marx, foi to chocante quanto revolucionria: um primeiro passo rumo restaurao da substncia humana na realidade cada vez mais desumanizada da explorao capitalista. Um pouco mais tarde, Karl Polanyi abriria outro buraco na iluso provocada pelo fetichismo da mercadoria: sim, diria ele, a capacidade de trabalho era vendida e comprada como se fosse uma mercadoria como outra qualquer, mas no, insistiria Polanyi, a capacidade de trabalho no era nem poderia ser uma mercadoria "como" qualquer outra. A impresso de que o trabalho era pura e simplesmente uma mercadoria s poderia ser uma grande mistificao do verdadeiro estado das coisas, j que "a capacidade de trabalho" no pode ser comparada nem vendida em separado dos seus portadores. De maneira distinta de outras mercadorias, os compradores no podem levar a sua compra para casa. O que compraram no se torna sua propriedade exclusiva e incondicional, e eles no esto livres para utere et abutere (usar e abusar) dela vontade, como esto no caso de outras aquisies. A transao que parece "apenas comercial" (recordemos a queixa de Thomas Carlyle no incio do sculo XX, de que relaes humanas multifacetadas tinham sido reduzidas a um mero "nexo financeiro") inevitavelClaretiano REDE DE EDUCAO
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mente liga portadores e compradores num vnculo mtuo e numa interdependncia estreita. No mercado de trabalho, um relacionamento humano nasce de cada transao comercial; cada contrato de trabalho outra refutao do fetichismo da mercadoria, e na sequncia de cada transao logo aparecem provas de sua falsidade, assim como da iluso ou auto-iluso subseqente. Se foi o destino do fetichismo da mercadoria ocultar das vistas a substncia demasiado humana da sociedade de produtores, papel do fetichismo da subjetividade ocultar a realidade demasiado comodificada da sociedade de consumidores. A "subjetividade" numa sociedade de consumidores, assim como as "mercadorias" numa sociedade de produtores, (para usar o oportuno conceito de Bruno Latour) um fetiche um produto profundamente humano elevado categoria de autoridade sobre-humano mediante o esquecimento ou a condenao irrelevncia de suas origens demasiado humanas, juntamente com o conjunto de aes humanas que levaram ao aparecimento e que foram condio sine qua non para que isso ocorresse. No caso da mercadoria na sociedade de produtores, foi o ato de comprar e vender sua capacidade de trabalho que, ao dot-lo de um valor de mercado, transformou o produto do trabalho numa mercadoria de uma forma no visvel (e sendo oculta) na aparncia de uma interao autnoma de mercadorias. No caso da subjetividade na sociedade de consumidores, a sua vez de comprar e vender os smbolos empregados na construo da identidade a expresso supostamente pblica do "self" que na verdade o "simulacro" de Jean Baudrillard, colocando a "representao" no lugar daquilo que ela deveria representar , a serem eliminados da aparncia do produto final (BAUMAN, 2008, p. 18-24) Eu penso que a cultura do consumo e a ideologia neoliberal estabelecem unilateralmente o parmetro para o sentido da vida na nossa sociedade. No vivemos mais em uma civilizao em que se trabalha para viver, onde as questes econmicas como consumo, trabalho e acumulao de bens estavam subordinadas a viver bem; mas em uma civilizao onde devemos trabalhar para ganhar mais dinheiro e consumir mais, e o viver bem foi identificado com o sucesso profissional ou a capacidade de consumo. Antes a vida ou certo aspecto da vida e a natureza eram encantados porque eles eram a fonte de encanto das pessoas. Hoje, o encanto se transferiu para o mudo do consumo, para o artificial, para as mercadorias de marcas famosas, e a vida ficou desencantada. A vida sem consumo de mercadorias objetos de desejo se tornou quase que insuportvel, sem nenhum encanto. E como no queremos viver uma vida desencantada, fria, sem graa, corremos atrs de mercadorias que encantem a nossa vida. Ir ao Shopping Center para fazer compras quando nos sentimos "desanimados" ou meio chateados (parecendo que nossa humanidade ficou diminuda, achatada) uma expresso clara desse fenmeno. O sentido da vida no est mais na vida mesma, mas em consumir mercadorias que encantem a nossa vida. O problema que quando fazemos do "consumir mais" o sentido ltimo da vida camos numa armadilha que nos conduz a uma ansiedade sem fim (sempre h novas coisas para consumir e assim causar inveja nas outras pessoas ou padecer a inveja de no possuir o que outro tem) e nos leva promessa de um "paraso" a plenitude do consumo que muito solitrio e frio. Falta nele o calor humano do encontro das pessoas na amizade e gratuidade sem a concorrncia e inveja da lgica do consumo. Quando o sentido da vida no est nela mesma, a educao tambm perde o seu sentido original de possibilitar uma vida boa e formar uma pessoa "de bem"
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e se concentra em capacitar tecnicamente os jovens para o sucesso econmico. Assim, o valor e o sentido da vida e da mesma educao passam a ser medido atravs do clculo econmico (JUNG MO SUNG, 2007, p. 12). [...] H um texto de Joo Sayad, um importante economista brasileiro, que chegou s minhas mos por acaso, nesses lances de sorte na vida, que sintetiza bem o drama da nossa sociedade que estamos abordando. "H trezentos anos que o capitalismo transforma todas as coisas a nossa volta em quantidade dlares, francos ou reais. No sabemos bem quem somos, mas sabemos quanto valemos: somos o carro, a lancha, a casa ou os quadros que temos. A economia capitalista focaliza tudo em torno de cifres. Em compensao, embaa tudo o mais. Cada vez nos tornamos mais eficientes, mais baratos e mais produtivos. Mais ricos, ficamos cada vez mais po-duros. Sobram produtos agrcolas que so jogados nos rios ou estragam nos armazns. Sobram produtos industriais que atendem necessidades que precisam ser criadas. Sobra mo-de-obra porque gente custa salrio. No podemos gastar dinheiro com os ineficientes, com os aposentados ou com os mais pobres. Sabemos exatamente quanto custa cada coisa e cada deciso. Tudo muito ntido e claro em reais ou dlares. Mas no temos tempo de nos perguntar sobre o sentido de tudo isso. Por isso o mundo nos parece embaraado e fora de foco." (SAYAD, 1998). [...] A reduo de tudo ao clculo econmico deixa tudo "muito ntido e claro em reais ou dlares", mais, por isso, "O mundo nos parece embaado e fora de foco". Uma das razes para isso que "no temos tempo para nos perguntar sobre o sentido de tudo isso". A busca obsessiva por mais dinheiro e mais consumo, uma corrida sem fim porque a linha de chegada vai se afastando na medida em que nos aproximamos, nos deixa cegos ou desfocados para ver o "resto" que compe a vida. E o que fica completamente fora de foco o sentido da vida, pois nessa corrida por consumo ou ostentao. O objetivo a ser alcanado est sempre se movendo para mais longe e tomando as mais diversas formas que nos deixa aturdidos. Mas o sistema de mercado tambm oferece uma soluo para isso. A propaganda "se dirige desolao espiritual da vida moderna e prope o consumo como cura" (LASCH, 1983, p. 103). Os efeitos desse encantamento hipnotizador no recai somente sobre as pessoas que procuram a cura em mais consumo. Muito pelo contrario, as conseqncias mais devastadoras recai tambm sobre os mais pobres da sociedade, que sofrem com a excluso social, e o meio ambiente. De uma forma ou outra, todos ns perdemos. Diante de uma sociedade que reduz tudo ao clculo econmico, clculo que desfoca o sentido da vida e desencanta tudo o que na vida no acumulao e consumo, inclusive a educao, vrios autores de diversos campos do saber tem proposto o reencantamento da natureza, da vida e da educao. Estas propostas devem ser entendidas no como uma simples volta a uma civilizao baseada na religio ou em uma viso mgica do mundo, mas como uma tentativa de ir alm dessa reduo da natureza, das pessoas e das atividades sociais ao clculo econmico. Em outras palavras, encontrar valores nas coisas, nas atividades e nas pessoas que transcendam o valor econmico e que revelem um sentido de vida que seja muito mais humano e profundo do que simplesmente acumular riqueza e ostentar bens de consumo (JUNG MO SUNG, 2007, p. 101-103).
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umas so boas, outras ms. O individuo se relaciona com aquelas que so importantes para sua existncia, descartando as desnecessrias e ignorando as que lhe so indiferentes. O que sucede que, ante as coisas, adotamos posies crticas, porque todas as coisas tm "valor". Perante as coisas, formulamos um juzo, que pode ser: Juzo de existncia: quando dizemos o que o objeto . Juzo de valor: nada altera a existncia do objeto. Esse juzo no agrega elementos coisa nem os tira. Concordamos ou no com a coisa, mas no a modificamos por meio desse juzo. O que fazemos com os juzos de valor destacar impresses que so prprias do objeto, no subjetivas. Leia o texto a seguir, que lhe possibilitar refletir um pouco mais sobre valor e sentido.
Informao Complementar
Como o sentido e o valor so coisas afins, a possesso do valor pode aliviar o homem na hora de ter que procurar o sentido de cada situao. Se eu me oriento pelos valores universalmente aceitos, vou transitar, por concomitncia, pela linha do sentido, sempre que no acontea um conflito de valores. Os mandamentos so valores universalmente aceitos. Se, em cada ocorrncia, eu os coloco em prtica, estou atuando com sentido; se eu roubar ou matar ou trair para conseguir um fim, estou realizando uma ao sem sentido. Agora, se fao isso para defender minha vida ante uma injustia, o sentido muda, porque a vida o valor principal. Devemos destacar que os mandamentos "eram" valores universais na poca de Abrao, mas, hoje, possivelmente, necessrio complement-los. O homem moderno descobriu que h novas dimenses existenciais, novas realidades, o trnsito por elas "novidade" e, portanto, sem antecedentes. Mesmo assim, devemos aceitar que no esto defasados: posso, perfeitamente, orientar meu comportamento pelos mandamentos e, sem dvida, estaria levando adiante a existncia com sentido. Isso possvel porque h uma relao entre realizao existente, sentido e valor. Lembremos que, sempre que as aes de sentido saem do particular para o universal, convertem-se em valor.
Lotze, filosofo alemo, foi quem explicou que os valores valem e as coisas so. Isso significa que os valores esto fora das categorias do ser. Assim, os valores no tm ou carecem de substncia por si mesmos. No se pode dizer belo, deve-se dizer belo em a
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relao alguma coisa, j que belo uma qualidade da coisa e no a coisa em si. Lotze introduziu o conceito de valor e, Nietzsche, a palavra "valor". Mas foi com Brentano, em 1889, ao lanar o livro A origem do conhecimento moral, que se inaugurou o que, hoje, conhecemos por axiologia (HESSEN, J. 1980).
Impresses subjetivas e valor Alm desses juzos, tambm formulamos impresses subjetivas. Dentro dessa denominao esto contidos os sentimentos, que so fenmenos psquicos. Usamos a denominao "impresses subjetivas" porque representam vivncias internas, podem ser o produto de uma vivncia alojada no subconsciente de carter positivo ou objetivo. Os valores, por outro lado, representam qualidades objetivas das coisas. Podemos dizer que objetivo se existe independentemente de um sujeito ou de uma conscincia valorativa. Em contrapartida, ser subjetivo se sua existncia, sentido ou validez dependerem das reaes fisiolgicas ou psicolgicas do sujeito que valora. Por exemplo: olhando para uma determinada pessoa na fila de um cinema, dois amigos conversam e um comenta: "Essa pessoa tem cara de 'nojenta'". O outro discorda, por consider-la simptica; aprofundando na qualificao subjetiva, o primeiro se lembrou de que parecia com um antigo professor com quem tivera diferenas, enquanto o outro o viu parecido com um antigo amigo de seu pai. Ambos fizeram um juzo subjetivo baseado em vivncias psquicas, que no tinha fidelidade em relao coisa investigada nesse caso, uma pessoa desconhecida. Lotze resgatou o termo valor do universo da economia e colocou-o dentro da terminologia filosfica, diferenciando muito bem o valor econmico do valor espiritual (DURKHEIM, 2003).
Os clssicos utilizavam o termo bem no lugar do termo moderno valor. Mesmo assim, so eles que explicam que existem as coisas que so portadoras de valor Bona, e o valor da coisa ratio bonitatis.
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O que os filsofos deixam muito claro, baseados na concepo de valor e de valer de Lotze, que o homem o centro dos valores, o receptor dos valores. Mesmo assim, as coisas tm sentido independentemente do homem. Como diz Heidegger (1967, p. 69), inspirando-se na filosofia clssica, "o homem o pastor e no o criador do ser". O homem tem a capacidade de optar pelo valor, pelo bem, e, o que mais importante, de transmiti-lo aos semelhantes. Nosso sistema de valores ticos e suas consequentes normas de conduta so formados dentro da tradio psquico-espiritual do Ocidente, que, em geral, tem sua base na revelao. Em nossa sociedade, esses valores so especialmente amor, individualidade, compaixo, empatia, esperana no futuro etc., todos eles de tradio religiosa ou humanstica. Contudo, h os valores criados por grupos de interesses que atuam na sociedade. Esses valores, produtos de ideologias, no so necessrios para orientar o comportamento humano e, s vezes, so negativos: estamos falando de valores como o de propriedade, consumo, posio social, vcios, possesso etc. Quais valores voc acha que orientam o comportamento das pessoas que formam parte da sociedade atual? Analise como os dois autores citados a seguir classificam os valores. Classificao dos valores Hessen (1962), na obra Tratado de Filosofia III, descreve quatro tipos de valores espirituais: 1) Lgicos. 2) Estticos. 3) ticos. 4) Religiosos. Os valores estticos e os religiosos so necessrios para a interpretao do sentido da vida, do mundo. So os primeiros na hierarquia dos valores.
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J M. Scheler (1989), na obra El Formalismo en la tica y la tica Material de los Valores (ttulo original Der Formalismus in der Ethik und die materielle Wertethik), primeira grande obra de sua carreira, desenvolve uma vastssima investigao sobre o fenmeno do valor e das essncias em geral. Coloca como objeto a antropologia da pessoa, estuda o problema da fundamentao gnosiolgica e antropolgica da tica, estabelece as relaes de grau e hierarquia dos valores entre si, e a relao de fundamentao do valor com o bem. Scheler (1989) classifica os valores em: a) teis: conveniente, inconveniente... b) Vitais: forte, fraco... c) Lgicos: verdade, falsidade... d) Estticos: belo, feio... e) ticos: justo injusto... f) Religiosos: profano, sacro... Scheler explica que os valores no so entes, mas, sim, qualidades dos entes mas no qualquer qualidade: so "qualidades valentes". Esse mesmo autor descreve, tambm, uma hierarquia dos valores. Nessa fase de sua vida, ele no pensava em termos religiosos. Colocou os valores religiosos como os mais elevados, juntamente com os ticos, por darem sentido vida.
A existncia (vida) sempre compreende o ntico (o eu pensante) e o ontolgico (so as coisas que o eu pode pensar).
Resumindo, diramos que os valores no podem ser captados pela razo. Os clssicos dizem que no a ratio, mas, sim, o intuito que capta o sentido do mundo e, tambm, que os valores espirituais (que, para serem valores, nunca podem ser criao nossa) se percebem de forma instintiva, brilham ante nossa inteligncia.
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Percebemos que, executando valores, encontramos sentido no mundo, e, nesse movimento, assimilamos que nossa existncia tem um sentido. Terapeutas como V. Frankl, em Psicoterapia e Sentido da Vida, concluem, por meio de uma anlise fenomenolgica, que a pessoa que realizar valores de atitude consegue dar sentido existncia. Esses gestos, considerados "valores atitudinais", devem ser dirigidos ao tu e poderiam ser traduzidos como aes sociais. Voc acredita que a maioria das pessoas da nossa sociedade est mesmo preocupada em multiplicar esse capital social, e que pensam no prximo? (FRANK, 2003).
Etchebehere citando Plato explica que o drama humano est na eleio da prpria vida: de muitos que poderamos ser temos que escolher ser um. Ainda que a alma seja em essncia todas as coisas, deve determinar-se a ser uma s coisa. H um livro da vida onde nossos nomes esto escritos, ainda que caiba a cada um de ns escrever a histria de nosso nome. Assim apresentado, no incio da filosofia, em Plato, o mito de ER que veremos agora.
O mito de Er
A verdade que o que te vou narrar no um conto de Alcnoo, mas de um homem valente, Er, o Armnio. [...] "A virgem Lquesis, filha da Necessidade, declara: Almas efmeras, vais comear outra vida de carter transitrio, entrars em um novo corpo mortal humano. No um demnio que vos escolher, mas vs que escolhereis o demnio. O primeiro a quem a sorte couber ser o primeiro a escolher uma vida a que ficar ligado pela Necessidade. Mas a virtude no tem dono, cada um poder t-la em maior ou menor grau, conforme a honrar ou desonrar. A responsabilidade de quem escolhe. A Divindade isenta de culpa". Ditas estas palavras, atirou com os lotes para todos e cada um escolheu o que caiu perto de si, exceto Er, a quem isso no foi permitido. A variedade era infinita, ao apanh-lo, tornaram-se evidentes para cada um a ordem que lhe cabia para escolher. Seguidamente, disps no solo, diante deles, os modelos de vida, em nmero muito mais elevado do que o dos presentes. Havia de todas as espcies, vida de todos os animais, e bem assim de todos os seres humanos. Entre elas, havia tiranias, umas duradouras, outras derrubadas a meio, e que acabavam na pobreza, na fuga, na mendicncia. Havia tambm vidas de homens ilustres, umas pela forma, beleza, fora e vigor, outras pela raa e virtudes dos antepassados; depois havia tambm as vidas obscuras, e do mesmo modo sucedia com as mulheres. Mas no continham as disposies do carter, por ser foroso que este mude, conforme a vida que escolhem. Tudo o mais estava misturado entre si e com a riqueza e a indigncia, a doena e a sade, e bem assim o meio termo entre estes predicados. a que est, segundo parece, meu caro Glaucn, o momento crtico para o homem, e por esse motivo se deve ter o mximo cuidado, e que cada um de ns ponha por cima de tudo buscar e adquirir a cincia de
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distinguir uma vida honesta da que m e de escolher sempre em toda a parte tanto quanto possvel a melhor. Calculando que efeito tem, em relao com virtude em uma vida, para prever o mal que produz a beleza, por exemplo, unida riqueza ou a pobreza, as consequncias que tem o nascimento ilustre ou escuro, os cargos pblicos ou a condio de simples particular, ou a debilidade fsica, a facilidade ou dificuldade []. Ora, ento, anunciou o mensageiro do alm, o profeta falou deste modo: "Mesmo para quem vier em ltimo lugar, se escolher com inteligncia e viver honestamente, espera-o uma vida apetecvel, e no uma desgraada. Nem o primeiro deixe de escolher com prudncia, nem o ltimo com coragem". Ditas estas palavras, contava Er, aquele a quem coube a primeira sorte logo se precipitou para escolher a tirania maior, e, por insensatez e cobia, arrebatou-a, sem ter examinado capazmente todas as consequncias, antes lhe passou despercebido que o destino que l estava fixado comportava comer os prprios filhos e outras desgraas. Mas, depois que a observou com vagar, batia no peito e lamentava a sua escolha, sem se ater s prescries do profeta. Efetivamente, no era a si mesmo que se acusava da desgraa, mas sorte e s divindades, e a tudo, mais do que a si mesmo. Ora, esse era um dos que vinham, do cu, e vivera, na encarnao anterior, num Estado bem governado; a sua participao na virtude devia-se ao hbito, no filosofia. Pode-se dizer que no eram menos numerosos os que vindos do cu, se deixavam apanhar em tais situaes, devido sua falta de treino nos sofrimentos. Ao passo que os que vinham da terra, na sua maioria, como tinham sofrido pessoalmente e visto os outros sofrerem, no faziam a sua escolha s pressas. Por tal motivo, e tambm devido sorte da escolha, o que mais acontecia s almas era fazerem a permuta entre males e bens. [] Era digno de se ver esse espetculo, contava ele, como cada uma das almas escolhia a sua vida. Era, realmente, merecedor de piedade, mas tambm ridculo e surpreendente. Com efeito, a maior parte fazia a sua opo de acordo com os hbitos da vida anterior. Dizia ele que vira a alma que outrora pertencera a Orfeu escolher uma vida de cisne, por dio raa das mulheres, porque, devido a ter sofrido a morte s mos delas, no queria nascer de uma mulher; vira a de Tamiras escolher uma vida de rouxinol; vira tambm um cisne preferir uma vida humana, e outros animais msicos procederem do mesmo modo [...]. "Assim que todas as almas escolheram as suas vidas, avanaram, pela ordem da sorte que lhes coubera, para junto de Lquesis. Esta mandava a cada uma o demnio que preferira para guardar a sua existncia e fazer cumprir o destino que escolhera". (PLATO, Repblica, Livro X, p. 614-620) A eleio do tipo de vida , como diz Plato, o momento crtico para o homem, tanto que nesse momento coloca em jogo seu destino. "No ser um demnio quem escolhe, e sim voc quem escolher o demnio". Isto , no uma fora cega quem nos dirige e sim ns prprios, por intermdio de nossas aes, que vamos configurando nosso carter, moldando nosso demnio. (ETCHEBEHERE, 2008, p. 138-142, traduo nossa).
Ante a exigncia de escolher nossa vida, Plato orienta a procurar um conhecimento que nos permita discernir entre uma vida que boa e aquela que no .
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so interpessoal, o homem sempre um eu no mundo com outros "eus". Esta forma de liberdade denominada: _________________________. b) O homem nasce sem nenhuma norma ou modelo portanto, com uma liberdade sem limites. A minha responsabilidade limitada ante a liberdade. A vontade livre e ela impe a ao. Esta forma de liberdade denominada ________________________. 4) Como pessoas humanas, organizamos nossa existncia a partir de valores. O homem um ser aberto ao mundo. no mundo que vai desenvolver seu projeto pessoal. Quais valores voc acha que orientam o comportamento das pessoas que formam parte da sociedade atual? Caso tenha dvidas, compare sua resposta com a anlise dos dois autores que so citados no tpico Classificao dos valores.
11. CONSIDERAES
Nesta unidade, voc pde aprender sobre as caractersticas centrais da existncia, sobre a radical liberdade do homem e a estrutura que o compe. Alm disso, pde constatar a importncia do "tu" no desenvolvimento da personalidade, ou seja, a importncia do outro.
12. E-REFERNCIAS
Sites pesquisados
Bento XVI. Homilia na festa do Corpo de Deus, 22.5.2008. Disponvel em: <http://noticias. cancaonova.com/noticia.php?id=260781>. Acesso em 12 jan. 2012.
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FRANK, V. Obras. Disponvel em: <http://www.centroviktorfrankl.com.ar/bibliografia. html>. Acesso em: 12 jan. 2012. SARTRE, J-P. O existencialismo um humanismo. Disponvel em: <http://www. diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/sugestao_leitura/ filosofia/texto_pdf/existencialismo.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2012.
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