Lies de boemia O lcool e os bares nos cadernos de Paulo Mendes Campos por ELVIA BEZERRATamanho da letra: A -A +A +/-Imprimir: "Por

que bebemos tanto assim?, quis saber Paulo Mendes Campos na crnica que incluiria em Homenzinho na Ventania,de 1962, seu segundo livro no gnero. Estava com 40 anos de idade quando escreveu, e tinha a resposta: Bebemos para empatar com o mundo. O mundo est sempre a ganhar da gente, de 1 a 0, 2 a 0... bebe-se na esperana de igualar o marcador. At chegar a essa concluso, fizera um percurso respeitvel pelas mesas do planeta declarava-se conhecedor de botequins de Minas Gerais China e Rssia. Como homem viajado, anotara suas preferncias de bares em Xangai e Leningrado, cidades que visitou em 1957, passando pela alem Gttingen at a mineira Sabar, entre dezenas de outras. Alm de ter se dedicado ao tema em crnicas, voltou a trat-lo na poesia e mesmo nas escolhas que fez para a sua produo de tradutor. A boemia nunca impediu Paulo Mendes Campos de trabalhar, e muito, em quase todos os peridicos do Rio de Janeiro a partir de meados da dcada de 40, poca em que eram abundantes. Somou s rodadas de chope e produo jornalstica uma disciplina incomum: o que revelam os 55 cadernos de notas que deixou em seu arquivo de 5 520 documentos, sob a guarda do Instituto Moreira Salles desde abril de 2011.[1] No sem motivo, muitos dos seus pares o consideravam o mais preparado dos quatro cavaleiros de um ntimo apocalipse, expresso que Otto Lara Resende criou para denominar o quarteto completado por ele mesmo, Fernando Sabino e o psicanalista Hlio Pellegrino. Todos nascidos em Minas Gerais na dcada de 20, o que levou Mrio de Andrade a nome-los os vintanistas. Quando atingiu 60 anos e j tinha feito histria nas boates Vogue, Maxims e Sachas, na Copacabana do final da dcada de 40, incio de 1950, Mendes Campos disse em entrevista ao colega Joel Silveira: Hoje me defino como um erudito sem erudio. [...] Tenho uma facilidade danada para guardar coisas, relacionar coisas, e tal. Daria um grande arquivista da onu, talvez pudesse ser um grande historiador, qualquer coisa assim. Mas no desenvolvi essa qualidade de guardar as coisas, e isso principalmente porque na minha vida eu sempre preferia mais o Vogue, o Sachas do que a Biblioteca Nacional. Em carta a Otto de 1o de dezembro de 1945, quando sofria de saudades dos amigos que tinham ficado em Belo Horizonte, ele confessava: Assim como, sem o Hlio, somos um hospcio sem loucos, sem o Fernando somos um parque de diverses sem roda-gigante. E, sem mim, sem mim vocs so um compndio sem prolegmenos e sem erratas. Anos depois, em entrevista revista O Prelo, reafirmava seu gosto paciente pela procura, pela comparao, pela classificao, pela pequena vitria e pelo fracasso instrutivo. Seus manuscritos do testemunho de muitas horas destinadas a leituras e reflexes sobre a solido e a morte h um caderno para cada um desses ns da existncia , assim como bebida e ao lcool. Ao ttulo Bares do meu caminho, no topo de um dos seus cadernos, segue-se uma relao dos quase vinte textos que publicou sobre o tema. s vezes anotava pargrafos ou aforismos, dando a impresso de que a frase lhe saltara inesperada e precisava registr-la imediatamente. assim que, em meio a consideraes sobre msica, l-se: Aviso aos jovens abstmios: a velhice uma ressaca diria. E sem cura. Ou ainda: Sabedoria... seria anoitecer como um bbado e amanhecer como um abstmio. Salpicou muitos desses aforismos no seu repertrio de cronista, que admite desde o texto curto, convencional, passando por pargrafos extensos e independentes, at coletneas de frases, poemas em prosa, de modo a oferecer, tambm na forma, uma peculiar paleta literria, nas palavras do jornalista Flvio Pinheiro, superintendente-executivo do ims e organizador da reedio[2] das obras do autor. Ao estudar o lcool, Paulo Mendes Campos preparou em um de seus cadernos uma Galeria de bbados famosos. Listava nela os bons de bico por nacionalidade. Comeando pela Grcia, com Anacreonte, passando pela China, com o poeta Li Po (ou Li Bai), at o Brasil, com Vinicius de Moraes e Lima Barreto, sem levar em conta o nvel de relao de cada um com o lcool. Bbados, apenas. D-me mais vinho, porque a vida nada concluiu Fernando Pessoa, um dos includos na galeria, no poema em que considera os inelutveis sofrimentos humanos. Pessoa morreu de uma crise heptica, e Edgar Allan Poe se foi depois de cinco dias de internao com um episdio de delirium tremens. No precisaram de justificativa para beber. Bbados, apenas. Para Mendes Campos o pior bbado o que tem razo para beber. De olho no assunto, ele transcreveu notcia publicada na imprensa americana: dos seis americanos que ganharam o Prmio Nobel de Literatura, quatro (Eugene ONeil, Sinclair Lewis, William Faulkner e Ernest Hemingway) eram alcolatras, e um quinto (John Steinbeck) bebia pra valer.

Paulo Mendes Campos podia utilizar os cadernos igualmente para rascunhar uma crnica, como fez com Rquiem para os bares mortos, publicada em O Anjo Bbado, de 1969. No esboo l-se: Prosa para os bares mortos: as tardes lentas da Brahma. A partir disso, pode-se constatar o processo de depurao por que passou o texto. Processo que restringe, neste caso, a linhagem dos inimigos dos bares. Em vez de escrever lugares detestados por mes, esposas, filhos dos filhos, maridos e pais, como no rascunho, o cronista optou por: Antros de perdio verdade , os bares so odiados por mes, esposas, filhos. Maridos, pais e netos foram poupados na verso final. Na sua opinio, a mesa de bar, de certa maneira, foi criada nos altares das reli-gies antigas, nos momentos em que o homem se punha em comunicao com o esprito divino. Ligava cu e terra, transcendia-se, afirma ele, ainda em Por que bebemos..., e arremata: O homem entra no bar para transcender-se eis a miservel verdade. Aos que tendem a simplificar seus argumentos, alerta: Queira entender-me com um pouco mais de sutileza, se me faz o favor. [...] O usque no me interessa, o que me interessa a criatura humana, esta pobre e arrogante criatura, j confrangida por um destino obscuro. A curiosidade quase cientfica pela bebida aparece numa espcie de fichamento encontrado em seu arquivo sob o ttulo O lcool no meu laboratrio de pesquisas. Resulta da leitura que fez de The Neutral Spirit: A Portrait of Alcohol, do jornalista e mdico americano Berton Rouech, que escreveu sobre sua rea durante cinquenta anos narevista New Yorker. A aprendizagem no livro de Rouech rendeu a Mendes Campos trs crnicas para a Manchete, publicadas em maro de 1968, em sequncia, a primeira delas sob o ttulo lcool, amigo e inimigo (1). Sobre o livro de Rouech, ele escreve: Eu o recomendaria a bbados e abstmios, e sobretudo aos nossos editores, que deveriam mandar traduzi-lo. Pare-ce que o apelo foi em vo; no consta que a obra tenha sido traduzida no Brasil. Ao lado do interesse cientfico, se evidencia o gosto pelo vinho, que mereceu outras tantas pginas de estudo e mais algumas crnicas. Numa delas, sob o ttulo Bleu, blanc, rouge, fez vinte caracterizaes saborosas de vinhos associadas a nomes de escritores ou artistas: Un Beaujolais fruit/ comme la langueur de Verlaineou Un malvoisie tendre/ comme les enfants de Renoir,[3] para citar duas. Longe de devotar-se bebida sem pensar no dia seguinte, o escritor anotou, provavelmente traduzindo do ingls, algumas receitas para ressaca. Esto em folhas avulsas e at hoje inditas de seu arquivo, intituladas Revivers (levanta-defunto) ou Profilticas, e rechearam a crnica A verdadeira receita, publicada na Mancheteem 22 de fevereiro de 1963 e at hoje no includa em livro. Depois de fornecer dicas preciosas ao adepto do copinho, o cronista resume: Enfim, o negcio o seguinte: da prxima vez, voc engula uns tabletinhos de sal, mastigue plulas de hidrato de alumnio, meta na geladeira aquela mistura de frutose, guarde umas aspirinas no bolso. E v em frente. Receitava com a autoridade de quem queria empatar com o mundo desde o tempo de juventude em Belo Horizonte, no Minas Tnis Clube e nos bons botecos da cidade. As horas ritualsticas nos bares do Rio de Janeiro comearam em 1945, no momento em que Paulo Mendes Campos fez as malas e rumou para a ento capital do Brasil, a fim de conhecer Pablo Neruda, que visitava a cidade. Aos 23 anos, o mineiro no ofereceu qualquer resistncia ao espontneo aliciamento que se fez entre os amigos para festejar o poeta chileno. Da casa de Vinicius de Moraes, no Leblon, na poca casado com Tati, ao bar Alcazar, na altura do Posto 4, em Copacabana, o grupo dos happy fewque recepcionava Neruda inclua, alm de outros, Rubem Braga, Fernando Sabino e o arquiteto e artista plstico Carlos Leo. Na casa de Vinicius todos tomaram muito usque, conversaram madrugada adentro e ouviram a leitura de Alturas de Machu Picchu da boca de seu autor, que depois o incluiria em Canto General, de 1950. No perfil que escreveu de Paulo Mendes Campos, depois coletado em O Prncipe e o Sabi e Outros Perfis, Otto Lara Resende se refere invaso do grupo, em sua maioria abaixo dos 30 anos de idade, casa do poeta Augusto Frederico Schmidt, na poca morador do 10 andar do edifcio Alcazar, na avenida Atlntica. O bar homnimo representou a primeira bssola do cronista no Rio, alm da casa de Fernando Sabino, que inicialmente hospedou o conterrneo em seu apartamento na avenida Nossa Senhora de Copacabana, 769: O Alcazar do Posto 4 era tudo em nossa vida: o bar, o lar, o chope emoliente, a arte, o oceano, a sociedade e principalmente o amor eterno/casual escreveria Mendes Campos na crnica Copacabana-ipanemaleblon. Ao recm-chegado, as uiscadas em torno de Neruda no foram mais que um aperitivo para as numerosas e mesmo contnuas noitadas que ele teria no Rio, onde morou at que a morte o apanhasse em sua casa, aos 69 anos, em 1 de julho de 1991. A causada morte foi um ataque cardaco.

Naquela segunda metade da dcada de 40, a tradio dos bons bomios se mantinha no Centro da cidade, onde a Casa Pardellas era das mais prestigiadas. O bar, no fundo da loja, era protegido pelas frutas, biscoitos e doces que se projetavam bem na frente, disfarando as altas funes etlicas do local. Imagino que usavam o feminino, aPardellas, os que- ali buscavam a quitanda. O masculino ficava para os frequentadores do fundo, alm dos produtos alimentcios. Do Pardellas, que tinha em Mendes Campos um fregus dirio, pulava-se para as cadeiras de palha do Vermelhinho, em frente ao edifcio da Associao Brasileira de Imprensa (a ABI), ou deste para aquele, sem medo de ferir a hierarquia. Em Copacabana-ipanemaleblon, o autor lembraria que bebia-se com destemor, verdade, mas naquele tempo o usque era sempre do melhor e os nossos fgados jovens ainda podiam transformar o lcool etlico em arroubos de amor e poesia. Quando Paulo Mendes Campos aportou no Rio, um caf no se diferenciava de um bar ou restaurante populares, tambm conhecidos como casas de pasto. Tuberculoso diligente, mas sem abrir mo de uma boemiazinha moderada, Manuel Bandeira conta que no Restaurante Reis, na dcada de 20, um bife moda da casa dava para cinco pessoas, mas reforado com muito po e muito arroz. Foi no Bar Nacional, ele relata na crnica O Bar, que lhe relumeou de repente a clula de muito poema de Libertinagem e de Estrela da Manh, coletneas lanadas em 1930 e 1936, respectivamente. Bandeira deu sua cota para preservar a memria desses bares onde se podia at deixar recado, bilhete ou encomenda para um amigo (inimigo tambm). E Paulo Mendes Campos recolheu e transmitiu em sua obra boa parte dos hbitos e dos menus das mesas para alm dos lares cariocas. Na crnica Os bares morrem numa quarta-feira, ele louva as instalaes do Jucas Bar, na rua Senador Dantas, que inovou com o ar-condicionado; homenageou o rosbife servido de entrada no bar do Hotel Central, na praia do Flamengo; exaltou o Nacional e o Lidador, dos bares mais tradicionais que conheceu nos primeiros meses de Rio de Janeiro. Foi para o Centro do Rio, onde se concentravam as redaes dos jornais, que ele se dirigiu assim que Augusto Frederico Schmidt lhe ps em contato com Paulo Bittencourt, dono do Correio da Manh. Quando o novo redator publicou o artigo Paul Valry no Correio, em dezembro de 1945, dando incio vida de jornalista morador da cidade, despediu-se das areias de Copacabana, onde at ento era visto entre dez da manh e 13h30, em frente ao Alcazar. Como a admisso no jornal no dispensasse o bar, passou a frequentar o Pardellas e o Vermelhinho, mais perto da avenida Gomes Freire, 471, onde ficava a sede do jornal. No Dirio Carioca ele assinava, a partir de 1946, a coluna Semana literria, que em 1950 passaria a ser diria, sob o ttulo de Primeiro plano. Como naquele tempo o Dirio ficava na praa Tiradentes, no prdio colado gafieiraEstudantina, precisava pegar o bonde de Copacabana para o Centro. O bondee o bar, e isso demandava percia. Advertiu ele que to desagradvel quanto tomar um bonde errado tomar um bar errado. Ningum da turma de Paulo Mendes Campos se opunha convocao que fizera Baudelaire num de seus famosos poemas em prosa: era preciso embriagar-se sempre de vinho, de poesia ou de virtude, escolha de cada um. Quanto ao cuidado para no tomar o bar errado, a intuio do grupo no costumava falhar. O apelo do poeta francs, atendido prontamente por Mendes Campos e amigos como Srgio Porto, Fernando Lobo, Antnio Maria, Jos Lins do Rego, Ary Barroso e tantos outros, recebia adeses entusiasmadas. Quando a Casa Villarino Bar foi inaugurada, em 1953, l estavam os companheiros reunidos em muitas aventuras que Fernando Lobo, fregus vitalcio, contou em Mesa do Villarino. To masculino quanto o Pardellas, o Villarino nunca saiu da avenida Calgeras, 6, esquina com a avenida presidente Wilson, onde resiste at hoje. Passou por reformas, natural, e se no conserva os desenhos, autgrafos e rabiscos feitos em suas paredes por artistas como Antonio Bandeira, poetas como Vinicius de Moraes ou compositores como Ary Barroso, a foto panormica da mesa com os frequentadores clebres em torno, Paulo Mendes Campos inclusive, permanece l, como registro do passado de glria da Casa, ou do Bar, dependendo do gosto e do perfil do fregus. Fernando Lobo conta que de l mesmo Adolfo Bloch arrebanhou Paulo Mendes Campos, Srgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), Antnio Maria e outros para revigorar a Manchete, cujos primeiros nmeros, com muitas cores e fotos, mas pouco miolo, no a faziam concorrente dO Cruzeiro. Passaria a ser depois da chegada do time de bomios e bambas. Vendo hoje os documentos do arquivo de Paulo Mendes Campos, fica-se assombrado diante da lista de peridicos em que ele trabalhou. So quatro pginas manuscritas, feitas por ele mesmo, reveladoras de uma atividade febril na imprensa. Atuou em pelo menos 25 ttulos. S na Manchete escreveu aproximadamente 770 crnicas entre 1958 e 1974. Num dos textos para o jornal Sombra, de Niteri, ele cita Machado de Assis: A embriaguez causada pelo bacilo zigue-zague. Na pontuao originalmente machadiana, l-se em A Semana, de 9 de dezembro de 1892: O bacilo zigue-zague, causa da embriaguez.

Por volta de 1952, j era evidente a migrao dos bomios para Copacabana, onde Nora Ney sangrava coraes com o clssico Ningum Me Ama, de Antnio Maria e Fernando Lobo. Joaquim Ferreira dos Santos diz no perfil biogrfico Antnio Mariaque, no incio da dcada de 50, quem sabia das coisas frequentava o Vogue e o Maxims. Mendes Campos no negava erudio: tomava usque no Pardellas e de l seguia para o Vogue. Apesar de no ser exatamente um p de valsa, colava o rosto no de um broto disponvel para, uh-la-l, danar Cest Magnifique. A primeira coisa que reparava numa mulher, depois da qualidade de expresso, era a tonalidade da voz. Atributo indispensvel na moa a quem se enlaava para deslizar seu corpo de homem magro, de 1,67 metro, ao som de Unforgettable, que tambm arrancava suspiros, ainda que no passassem de uma noite. Isso at conhecer a inglesa Joan Abercrombie, futura senhora Mendes Campos, com quem danou no Vogue algumas vezes, antes que em 1955 um incndio destrusse a casa. Os bolsos da rapaziada preferiam os chopes, mas ningum deixou de sucumbir ao usque, mais do que referendado por Vinicius de Moraes. Aos que no compreendiam como jornalistas que tinham de brigar pelo dinheirinho de cada dia se esbaldavam no bom scotch, Paulo Mendes Campos justificava na crnica Srgio e Stanislaw Ponte Preta: J que o dinheiro era pouco, o jeito era gast-lo no essencial: o apartamento prprio que esperasse. No caso dele, valeu a pena esperar. Tratou de publicar A Palavra Escrita, seu primeiro livro de versos, em 25 de outubro de 1951, mesmo dia em que se uniu a Joan Abercrombie. Ainda que o casamento no o tenha feito abdicar dos conselhos baudelairianos, o trabalho continuava frentico. Foi imbatvel na conjugao de boemia com disciplina, at, na ltima dcada de vida, ser castigado pelo alcoolismo, que, em crnica, chamou de vcio roaz. O assunto certamente lhe doa: quando, em maro de 1984, Maria Julieta Drummond de Andrade o entrevistou para OGloboe quis saber o que o lcool representava para ele, Mendes Campos preferiu responder com o conselho que ouvira do pai: Meu filho, o lcool um dos maiores amigos do homem. Insensatez transform-lo em inimigo. O ingls Chesterton tinha, afinal, razo ao confessar: Quando tomo um drinque me sinto um outro homem, e este outro homem pede logo um drinque. Nos ltimos 25 anos de sua vida, o cronista morou na rua Carlos Gois, no Leblon, mas no abandonou os bares ipanemenses Jangadeiros e Zeppelin, este reconhecvel pelas paredes revestidas pelo verde mais arrogante e desentoado que j existiu: o verde-Oskar. Oskar, que chegou ao Brasil com o circo Sarrazani, era forte, bonito e alemo, conforme sua descrio. Trabalhava no escritrio de sua casa o seu laboratrio de pesquisas , e l produziu a admirvel obra de poeta, cronista e tradutor, sob as bnos de Li Po, bomio exemplar do sculo viii, representado sempre com um copo na mo. A esttua do poeta, em marfim, fica at hoje na estante que foi do autor de O Anjo Bbado, conservada pela famlia. Aos 60 anos, Paulo Mendes Campos foi visto com Joan, de mos dadas, tomando vinho branco e sussurrando no cantinho de um restaurante em Petrpolis. Ela se recorda muito bem dessa noite. O restaurante chamava-se Le Moulin, e j foi posto abaixo. Eram casados havia trinta anos. Juntos tinham criado o casal de filhos e visto os netos crescerem. Paulo atribuiu o xito do casamento bondade e pa-cincia da mulher, que deu azar dizia ele de encontr-lo, enquanto ele tivera a sorte de conhec-la. A verdade que a ternura de Joan Abercrombie Mendes Campos pelo marido reconhecvel at hoje no olhar e na voz. Conserva um pouco do sotaque pronuncia o paspirado, do ingls, quando fala Paulo. Sorri, delicada, ao evocar a memria do companheiro ou episdios vividos juntos. Entendeu profundamente que mesmo abstmio, o poeta costuma ser um anjo bbado. [1]O presidente do IMS, Joo Moreira Salles, um dos fundadores de piau. [2]Os ttulos esto sendo lanados pela Companhia das Letras. Um dos fundadores de piau scio minoritrio da editora. [3]Um Beaujolais frutado/ como o langor de Verlaineou Uma malvasia tenra/ como as crianas de Renoir.