Avaliaçao Emancipatoria Ana Maria Saul

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Ana Maria Avela Saul(1) A Avaliao Educacional

A avaliao um "casaco de vrias cores"(2). Quando falamos em avaliao, com certeza no estamos fazendo referncia sempre mesma coisa; isso porque no h um s tipo de avaliao sobre o qual exista consenso. A avaliao uma constante em nosso dia-a-dia. No aquela que fazemos ou que estamos comprometidos a fazer quando nos encontramos na Escola, mas um outro tipo, como aquele em que avaliamos impresses e sentimentos. Ao longo de um seminrio, por exemplo, todos estaremos fazendo avaliaes, procurando respostas a questes do tipo: Como que sinto? Estou gostando? Est valendo pena? Estou de fato construindo um novo conhecimento? assim que, nas interaes cotidianas, em casa, em nossa trajetria profissional, durante o lazer, a avaliao sempre se faz presente e inclui um julgamento de valor sobre ns mesmos, sobre o que estamos fazendo, sobre o resultado de trabalhos. Na ao escolar, a avaliao incide sobre aes ou sobre objetos especficos - no caso, o aproveitamento do aluno ou nosso plano de ao. Avaliao, portanto, no pode ser confundida, como por vezes se faz, com o momento exclusivo de atribuio de notas ou com momentos em que estamos analisando e julgando o mrito do trabalho que os alunos desenvolveram. Vale dizer que a avaliao recai sobre inmeros objetos, no s sobre o rendimento escolar. Portanto, alm de ser uma atividade associada intrinsecamente nossa experincia cotidiana, a avaliao, quando se formaliza, considerada de vrias maneiras. No se trata de um termo, como me referi inicialmente, que todos entendem da mesma forma. A prpria literatura educacional aponta diversos tipos de avaliao; por isso h quem se refira a ela como sendo "um casaco de vrias cores", figuradamente, justamente para mencionar essa variedade - desde os tipos mais conhecidos, como avaliao da aprendizagem escolar ou do rendimento escolar, at as modalidades de avaliao de cursos, programas, projetos, currculos, sistemas educacionais, polticas pblicas. Enquanto professores, estamos mais inseridos na rea da avaliao conhecida como avaliao da aprendizagem ou do rendimento escolar; h tambm quem se refira avaliao do aluno. ela que nos preocupa. No entanto, por vezes, somos solicitados tambm a nos pronunciarmos sobre outros objetos de avaliao. Por exemplo, quando

1 Professora e Coordenadora do Ps-graduao em Superviso e Currculo da PUC/SP; Especialista em Avaliao e em Pesquisa em Educao. 2 Expresso utilizada por Maria Amlia AZEVEDO, em seu artigo Avaliao Educacional: medo e poder!!!, in: Educao e Avaliao, So Paulo, Cortez, 1980.

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assumimos a Diretoria de Orientao Tcnica, da Secretaria Municipal de Educao de So Paulo, estvamos tambm preocupados com outras duas reas da avaliao educacional - a de currculo e a de polticas pblicas. Tivemos ento de responder, enquanto co-responsveis pela direo da Secretaria de Educao, se a poltica educacional em desenvolvimento, nesta gesto, no estava correspondendo ao que se props. O quanto ela se aproximava ou se distanciava dessa proposta? Tentamos solucionar as questes crticas que foram diagnosticadas? Como isto se pe hoje? Esta avaliao pode e deve ser desencadeada, de um lado, por aqueles que esto dirigindo, que so responsveis pelos programas da Secretaria e, de outro, pelos usurios, a quem as aes da poltica pblica se dirigem. No caso da Educao, da Escola, os usurios diretos so os alunos, as famlias e tambm os professores e especialistas, uma vez que a poltica educacional da Secretaria prev o trabalho de formao permanente e em conjunto com os profissionais que atuam diretamente com os alunos.

Minha inteno at aqui foi mapear, em linhas gerais, o campo da avaliao educacional e apresentar alguns exemplos. Trataremos, daqui para a frente, especificamente da avaliao da aprendizagem. Esta dimenso, como a prpria literatura mostra, numa reviso bibliogrfica feita por DAVID NETO (1977), foi, at meados de 1950, o foco mais freqentemente estudado na rea. De 1950 para c, vamos encontrar outros focos de avaliao - de projetos alternativos, por exemplo. Assim, em 1957, para citar um exemplo, quando a questo do conhecimento em Cincias preocupava sobremaneira os norte-americanos, ressentidos de no terem sido os primeiros a lanar o Sputinik -responsabilidade dos russos -, o que aconteceu? Comearam a produzir rapidamente programas alternativos de Cincias e Fsica e, conseqentemente, surgiu a preocupao com o efeito desses programas nas escolas. Isto ocorreu tambm no Brasil, s que com uma distncia de quase duas dcadas. Nessa poca, principalmente em So Paulo, as secretarias de Educao comearam a produzir propostas alternativas nas reas do conhecimento e a se preocupar com a avaliao dessas aes curriculares. O Ministrio da Educao e Cultura - MEC tambm passou a incentivar alguns projetos alternativos aos livros didticos, o que, em geral, se fez acompanhar de um trabalho de treinamento de professores para desenvolverem tais projetos. Por que essa defasagem de duas dcadas em relao aos Estados Unidos? Seu entendimento passa necessariamente pela anlise do contexto das relaes mais amplas que se estabeleciam entre a sociedade brasileira e a norte-americana, principalmente na rea da Educao. Trazemos ainda uma forte marca norte-americana nas formas de trabalho, nos livros-texto, nas programaes, nas aes de alterao curricular e, conseqentemente, nas formas de avaliao. Isto tudo no se deve ao acaso, mas explicvel por vrias indicaes de contexto. De um lado, podemos entender por que essa transferncia tem-se dado dessa forma, quando analisamos as relaes econmicas internacionais. Os emprstimos contrados pelo Brasil envolvem, contratualmente, o uso de uma parcela na Educao. No se trata apenas de uma recomendao. Junto a essa deciso definem-se tambm os meios como sero empregados os recursos. No Brasil, principalmente nos anos 60 e 62

70, tivemos uma grande incidncia de recomendaes explcitas nos acordos internacionais, que previram, inclusive, a presena de tcnicos norte-americanos para treinamento de professores brasileiros. De outro lado, tivemos, nessa poca, um grande trnsito de professores brasileiros que faziam seus mestrados e doutorados nos Estados Unidos, trazendo toda uma bibliografia norte-americana que influenciou os cursos de nossas universidades. Em decorrncia disso tudo, vieram a ser produzidas aes ministeriais e das secretarias de Educao. Essa "transferncia cultural", no entanto, no se deu de forma cabal, felizmente. Isto porque houve e h, sempre, um espao para a produo da contra-ideologia, dentro tanto do Pas como da Escola, particularmente. As teorias que at recentemente foram estudadas como teorias da reproduo social e que destacam a Escola como um "aparelho reprodutor do Estado" hoje mostram um avano. Vrios autores conseguiram teorizar o cotidiano e a prtica social, mostrando que as escolas possuem dentro delas, e a sociedade tambm, formas de resistncia, no sentido de se oporem e recriarem a ideologia. No entanto, as formas de resistncia, conforme alguns autores, dentre eles Henry GIROUX(3), existem em potencial na prtica social das escolas e da sociedade como um todo, e por isso que a Histria tem graus maiores ou menores de mobilidade. Do contrrio, haveria um imobilismo. As vezes, esta contra-ideologia demora a aparecer devido forte dominao, ao autoritarismo, mas a Histria atesta que esse movimento possvel. H pouco, abordei brevemente a trajetria histrica da avaliao educacional, demarcando e fazendo a "crtica da transposio cultural". Com isto no quero negar o necessrio conhecimento e o intercmbio com a produo internacional. Uma coisa a "transposio" como rplica, o que indesejvel. No entanto, no podemos cair numa posio dogmtica, sectria, xenfoba, ingnua, que afirma que vamos comear a produzir tudo nacionalmente, num ufanismo nacionalista; isto seria um absurdo em termos do avano da cincia, do conhecimento. Devemos ter a necessria acuidade crtica para ver o que internacionalmente produzido e verificar como nos posicionamos ante essa produo de conhecimento internacional, e como construmos um novo conhecimento a partir das nossas necessidades e a partir do conhecimento produzido nacional e internacionalmente. Com esse breve histrico, entendemos por que a avaliao da aprendizagem da forma que . H alguns anos, tive a oportunidade de fazer pesquisas por solicitao de alguns rgos pblicos sobre avaliao do rendimento escolar. Essas pesquisas vinham sempre com a seguinte encomenda: modificar o sistema de avaliao da aprendizagem, colocado como uma das necessidades das escolas. Os professores consideravam a avaliao da aprendizagem um problema crtico; no estavam satisfeitos com a avaliao realizada e queriam mud-la. Essa colocao eu a tenho visto repetida em vrias pesquisas da Universidade e de rgos pblicos. Os professores no esto satisfeitos (salvo excees) com a avaliao que fazem. Querem melhorar o processo de avaliao e, mais ainda, consideram que mudando a avaliao melhora-se a qualidade de ensino.

3 Ver, a respeito, Henry GIROUX, Teoria critica e resistncia em educao, Rio de Janeiro, Vozes, 1986.

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Essa tem sido uma fala freqente de rgos pblicos, de grupos de professores e at mesmo das universidades. Muitas vezes, fui chamada Universidade para dar assessoria no tocante avaliao. Por que solicitaram a assessoria? Porque queriam mudar a avaliao para melhorar a qualidade do ensino. O que isto quer dizer? Em primeiro lugar, quero ressaltar que esta uma afirmativa que, isoladamente, no pode ser sustentada. Por qu? Porque a avaliao intrinsecamente ligada ao processo pedaggico que ns estamos desenvolvendo. A avaliao faz parte desse processo, mas no podemos fazer o caminho inverso - ter a crena de que mudando o processo de avaliao, exclusivamente, melhora-se a qualidade da Educao. Isto se toma um fetiche, quando colocado desta forma. E avaliao acabou virando um fetiche, assim como qualidade de ensino. Toma-se uma entidade que toma conta de ns, dirige nossas aes, sem muita conscincia do que ela .

A avaliao tem sido colocada como o grande vilo da Escola brasileira, da educao infantil, passando pelo 19 e 2Q Graus, chegando at a Universidade. A imprensa tem mostrado muito a questo da avaliao das universidades. Isto acaba levando a concluses lineares. Se se resolver o problema da avaliao, se todos fizerem uma avaliao bem-feita, estar resolvida a questo da qualidade do ensino. Estas afirmaes acabam fazendo parte do iderio dos educadores e at mesmo do senso comum. A avaliao deve ser melhorada sim, mas dentro do conjunto das prticas educativas do qual ela faz parte. Sem isto, no tem sentido trabalhar especificamente sobre a avaliao. E, por causa desse fetichismo que tomou conta de conceitos e prticas como esses, est havendo uma grande inverso no cotidiano das escolas brasileiras. A avaliao est-se tornando o centro da aula, em torno do qual tudo gira. S que em vez de centralizar a ao nos processos de produo de conhecimento, de ensino--aprendizagem que envolvem as pesquisas e as relaes professor-aluno, tudo voltado para a avaliao. Em nome da avaliao, o aluno vai ou no vai para a Escola, faz ou no faz a lio, fala ou no fala determinadas coisas, comporta-se de uma maneira ou de outra; isto porque tem a avaliao. Os pais tambm caminham em funo de perseguir como est a avaliao do aluno na Escola, e os professores, em geral, utilizam, durante a maior parte do tempo, a avaliao como sistema de controle da disciplina, das tarefas e de tudo o que acontece. Isso aparece nas pesquisas do cotidiano da Escola. As falas so mescladas de colocaes ameaadoras: "Olha l, logo vamos fazer uma prova", "Se vocs brincarem, a prova vai ser mais difcil", "Eu vou fazer uma prova-relmpago", "Cuidado com a sua nota", "Vou tirar dois pontos". O tempo todo a avaliao domina o cenrio da sala de aula.

Dentre os autores nacionais, um colega nosso, o professor Cipriano LUCKESI, da Bahia, vem tratando essa questo com a "pedagogia do exame". Em substituio pedagogia do ensino-aprendizagem, da produo do conhecimento, encontramos hoje, nas escolas brasileiras, a pedagogia do exame. Esse tema originalmente foi 64

tratado pelo professor Atinge Diaz BARRIGA em seu livro Currculo e Avaliao Escola(4). Este autor mostra essas inverses e como a avaliao passou a ser o centro controlador, transformando-se em instrumento de poder do professor. "A avaliao uma arma na mo do professor", diz a professora Maria Amlia AZEVEDO. No entanto, a avaliao, como a vejo, pode ser uma "grande janela", atravs da qual podemos entrar e alterar as nossas prticas cotidianas, ou seja, o nosso projeto pedaggico. Com isso queremos significar que atravs da janela da avaliao possvel alterar o que desenvolvemos na sala de aula, a relao com os colegas da Escola, prevendo a prpria concepo da Escola como um todo. possvel, portanto, atravs da preocupao com a avaliao, trabalhar no sentido de reviso do projeto pedaggico. Nas pesquisas que desenvolvi ou que outros colegas desenvolveram, vamos ver que alm da grande preocupao com a avaliao, da insatisfao dos professores com a avaliao, ela tem-se caracterizado como uma prtica centrada numa devoluo de informaes. Quando perguntvamos ao professor: "O que que voc avalia?", ele respondia: "Eu avalio o conhecimento, os aspectos cognitivos dos alunos". E quando perguntvamos aos alunos: "O que os professores avaliam?", a resposta era: "Avaliam os conceitos, as informaes que foram transmitidas". Isso muito prximo do que trata BARRIGA. A pedagogia do exame (provas, testes, ritual da avaliao) est intimamente ligada corrente neoliberal de Educao entendida como transmissora do conhecimento. importante entender essas relaes. Por que a avaliao se tomou uma prtica educacional to poderosa? Ela faz o qu? Ela se tornou uma prtica ameaadora, uma prtica autoritria. Mas ela no isoladamente autoritria. Ela o , porque est no bojo de um conjunto, de uma Educao entendida como transmissora de informaes, que igualmente autoritria. neste sentido das relaes da avaliao com a concepo da Educao que importante entender que, se ns vamos mudar a avaliao, se estamos insatisfeitos com ela, para onde vamos mud E em que relao com a concepo que temos da Educao?
Nas pesquisas realizadas sobre avaliao, quando os professores disseram que queriam melhor-la, referiam-se aos instrumentos - "Queremos aprender a fazer melhor as nossas provas"; "Ns achamos que se construirmos melhor as nossas provas, estaremos melhorando a qualidade do ensino e a gente estar sendo mais justo". O que essa preocupao com a questo da justia? Isto est relacionado a uma concepo de que um instrumento, quanto mais objetivo puder ser, conseguir avaliar com maior justia os alunos. Isto merece uma discusso. Isoladamente, o fato de se ter uma prova objetiva, com os maiores cuidados de fidedignidade, de validade, no produz a maior justia que o professor busca. H uma srie de compreenses de como ele trabalhou durante o ms, durante o bimestre, que a questo da justia no

4 ngel Diaz BARRIGA. Curriculum y evaluacin escolar. Buenos Aires: Instituto de Esladroe y Accin Social. Rey Argentina S.A. Arque Grupo Editor S.A., 7990.

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resolve. importante verificar como podemos avanar e melhorar nos nossos instrumentos, mas no esse o n principal do processo educacional. Isso precisa vir no conjunto das transformaes das aes que se do em sala de aula e na Escola. Se no invertermos a pedagogia da avaliao pela pedagogia do ensino-aprendizado, no vamos alterar o processo educacional. Podemos, sim, comear pela avaliao. Em vrias assessorias das quais participei, comeando pela avaliao - O que existe? Como fazem? Por que no satisfaz? -, verificamos o que acontecia do ponto de vista dos professores e do ponto de vista dos alunos. E a, pela janela da avaliao, pde-se trazer para os vrios grupos de professores como os alunos entendiam a avaliao, como se sentiam diante dela e o que acontecia com ela. A pesquisa envolvia a viso e os depoimentos dos professores, tanto da tica da crtica da avaliao, como da de suas perspectivas. Eles sabiam que os alunos tambm estavam sendo ouvidos, em depoimentos a respeito da avaliao. Os resultados dos alunos eram trabalhados com os professores, verificando-se as coincidncias e as diferenas entre eles, dando-se incio a uma discusso que partia da avaliao e ia para o projeto pedaggico da Escola. Nesse confronto de posies, eles mesmos perceberam que a questo no era apenas a avaliao e que a questo inicial no era a atribuio de notas ou conceitos, ou a diversificao e apurao dos instrumentos, ou a simplificao de snteses, mas o projeto pedaggico proposto (pesquisa feita em trs escolas tcnicas federais para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais- INEPE-1983). Os depoimentos dos alunos a respeito de como eram avaliados e o que faziam com os resultados da avaliao, quando recebiam as notas, foram os seguintes: "Quando a nota boa, tico contente", "Quando a nota ruim, eu fico triste, me sinto culpado, acho que no estudei o suficiente ou no entendi direito". Poucos disseram que precisavam melhorar a produo. pergunta "O que acontece quando voc fira notas baixas, alm desses sentimentos?", raramente um ou outro fez referncias a retomadas, pelos professores, do que no sabiam. Isto significa que os resultados no chegavam a ser mobilizadores nem para os alunos, no sentido de fazer com que eles se envolvessem mais no processo ensino-aprendizagem, nem para os professores, no sentido de fazer com que houvesse uma retomada do trabalho.

Na discusso desses dados, o prprio grupo de professores, analisando todas as snteses, perguntou-se para que servia, ento, a avaliao. Se ela no serve aos propsitos nem de mobilizar o aluno para que se reveja, perceba o patamar de conhecimento onde est, nem de mobilizar o professor para retomar o trabalho, ento ela no est cumprindo seu papel principal, que , realmente, diagnosticar como o aluno est e poder atravs desse diagnstico, analisado de diferentes pontos de vista, superar o que est ocorrendo no processo ensino-aprendizagem, no sentido de rever o que se est fazendo, dos pontos de vista do professor, do aluno e da relao ensino-aprendizagem. A avaliao tambm no est servindo, no caso, para que o aluno tome conscincia de que isso ocorre inserido num contexto educacional como um todo.

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O que acontece que os alunos se sentem culpados pelas notas baixas e, algumas vezes, os prprios professores costumam afirmar que se o aluno no foi bem porque no estudou, porque no teve apoio em casa ou porque no se concentrou nas aulas. Isto apontado tanto pelos alunos quanto pelos professores. E a a questo dos maiores resultados acaba ficando uma questo individual do aluno. Esta tem sido a tnica, a caracterstica marcante do processo de avaliao. O contexto como um todo no analisado. claro que o fato de o aluno se interessar, estar atento, realizar uma srie de aes complementares dentro e fora da Escola est associado e importante para seu desempenho. No entanto, no o nico determinante do bom desempenho. Pensar e afirmar isto estar apoiando o nosso raciocnio e a nossa concluso em pressupostos individualistas, ainda de corte neoliberal: o sucesso depende do esforo individual; quem se esfora, vence, quem no se esfora, sai-se mal. Muitas vezes, esses pressupostos no so conscientes, no so explicitados, mas esto embalando as afirmaes e a prtica educacional. Esta mesma anlise est presente na explicao da obteno do sucesso na sociedade. As pessoas esforadas so as que vencem. Essas explicaes no levam em conta uma anlise mais global da situao: que ausncia de condies a sociedade impe grande maioria, e que privilgios concede a alguns, a uma pequena faixa desta sociedade? Esta anlise est pouco presente no dia-a-dia das pessoas. A lgica do senso comum impregnada por uma ideologia conservadora de carter individualista, que coloca sobre o indivduo todo o poder e a responsabilidade de seu sucesso ou fracasso: "Ele conseguiu, porque se esforou"; "O estrangeiro, com esforo, conseguiu; o brasileiro preguioso, por isso no consegue se sair bem na vida". Esta anlise conservadora mostra-se com outra roupagem, mas do mesmo jeito, dentro da Escola e dentro da avaliao. Ela veste-se de outras palavras. Ento o aluno diz: "Eu no consegui"; e o professor: "Voc no conseguiu, porque voc no presta ateno, voc est no mundo da lua, preocupado com outras coisas"; e os pais: "Olha, professor, o senhor pode puxar a orelha, pode repreend-lo como se fosse eu". No raro os pais delegarem o poder de autoritarismo fsico. Os prprios pais reprimem, do castigos fsicos, quando os filhos chegam com notas baixas em casa. Isso muito comum e h pesquisas que o comprovam. Este um quadro grave, decorrente desta avaliao, que possui um carter ameaador e que tem legitimado toda uma ideologia conservadora. A questo, portanto, no est exclusivamente na avaliao. Trabalhar com avaliao importante, no sentido de que a entendamos vinculada a uma prtica educacional necessria para que se saiba como se est, enquanto aluno, professor e conjunto da Escola; o que j se conseguiu avanar, como se vai vencer o que no foi superado e como essa prtica ser mobilizadora para os alunos, para os professores, para os pais. A sim, vale a pena pensar na reformulao do processo de avaliao, juntamente com a reformulao de todo o processo da Educao, servindo s nossas crenas, s nossas atuaes, s nossas aes do cotidiano. por esta razo que, diante do trabalho que vimos desenvolvendo durante estes quase trs anos de administrao, fizemos o esforo de trabalhar simultaneamente a 67

mudana e a reorientao do currculo da Escola e acentuar o trabalho todo de projetos pedaggicos prprios das escolas, para que elas possam estar avanando nisso. E avanar nesse processo requer, necessariamente, uma formao permanente e constante dos profissionais, de todos os envolvidos no processo de Educao. No seria possvel, e seria tambm uma prtica autoritria, fazer alteraes do projeto poltico-pedaggico dentro da Secretaria da Educao sem uma discusso de fundo com as escolas, com os professores, e sem acoplar a isso um programa permanente de formao. E por isto tambm que acreditamos que o regimento, o qual as escolas acabaram de discutir, numa primeira anlise, contempla um conjunto de alteraes, na perspectiva de poltica educacional e de avaliao do processo ensino-aprendizagem; contempla, conjuntamente, um processo de alteraes, que no posto hoje, mas que, acreditamos, avana, considerando a histria da Rede Municipal de Ensino de So Paulo, no sentido de uma reviso deste processo, na busca de uma Escola Pblica popular, democrtica e de boa qualidade.

Referncias Bibliogrficas AZEVEDO, Maria Amlia. Avaliao educacional: medo e poder!!! In: Educao e Avaliao. So Paulo: Cortez, 1980. BARRIGA, ngel Diaz. Curriculum y evaluacin escolar. Buenos Aires: Instituto de Estudos y Accin Social. Rey Argentina S.A. Arque Grupo Editor S.A., 1990. GIROUX, Henry. Teoria crtica e resistncia em educao. Rio de Janeiro: Vozes, 1986. SAUL, Ana Maria A. Avaliao emancipatria, desafio teoria e a prtica de avaliao e reformulao de currculo. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1988.

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