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O REALISMO NA TEORIA DAS RELAES INTERNACIONAIS

Andressa de Melo Santos 1. INTRODUO As teorias das Relaes Internacionais tm como finalidade elaborar mtodos, e conceitos, de modo a facilitar o entendimento da natureza e do funcionamento do sistema internacional, bem como estudar os fenmenos, atores e acontecimentos importantes que moldam a poltica mundial. Devido sua grande ligao com outras disciplinas, tais como antropologia, cincia poltica, filosofia e sociologia, o estudo das Relaes Internacionais tornou-se indispensvel para uma melhor compreenso sobre o mundo. Contudo, esta apenas uma concepo atual acerca deste assunto. Por muito tempo os assuntos internacionais eram vistos como questes que s importavam para a elite, como os diplomatas, e no diziam respeito ao restante da populao. Hoje fcil ter acesso a notcias internacionais e muitas delas tm algum impacto, mesmo que indireto e lento, sobre o nosso mundo. Com os tratados de paz de Westflia, em 1648, inaugurou-se o sistema moderno do Estado, onde se deu pela primeira vez o reconhecimento da soberania de cada Estado. No ano de 1998, o ento secretrio geral da OTAN (Organizao do Tratado do Atlntico Norte), Javier Solona, afirmou que humanidade e democracia (foram) dois princpios especialmente irrelevantes ordem original de Westflia. Outro fator importante a ser considerado a frequente alegao que a globalizao est trazendo uma evoluo do sistema internacional que vai alm da soberania estabelecida nos tratados westfalianos. Desenvolvido a partir da contribuio de Edward Carr (1946), ao criticar o pensamento idealista em sua obra Vinte Anos de Crise: 1919 1939, e posteriormente por Hans Morgenthau em sua obra de 1948, Politics Among Nations. Em sua obra, Morgenthau estabelece os pressupostos tericos e analticos do realismo clssico. Mais tarde, no ano de 1979, Kenneth Waltz publica Theories of International Politics, onde ele divulga sua teoria neorrealista como resposta para as deficincias do realismo clssico.
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Desse modo, esta obra ter duas abordagens principais: o realismo clssico e o neorrealismo. De tal forma a englobar os conceitos estabelecidos por Morgenthau, Herz e Waltz. A corrente realista um dos grandes paradigmas do estudo das Relaes Internacionais, juntamente com o liberalismo. Outras vertentes tericas podem surgir, mas importante retomar s duas que serviram de alicerce para o estudo da teoria das relaes internacionais.

2. O REALISMO CLSSICO
Existem duas caractersticas comuns a vrios realistas, mas que no so propriamente conceitos: a primeira a nfase no que acontece no sistema internacional, o que se traduz por considerar que o que ocorre dentro dos Estados no relevante para a anlise das relaes internacionais. o que alguns chamam da imagem do Estado como uma caixa preta A segunda um pessimismo pronunciado e definitivo em relao natureza humana. (NOGUEIRA E MESSARI, 2005, p. 23 e 24)

Apesar de suas vertentes, o paradigma realista apresenta algumas caractersticas gerais que podem ser notadas, com mais ou menos enfoque, nas teorias apresentadas. O realismo tem como uma de suas premissas bsicas o Estado sendo cerne das Relaes Internacionais, de tal modo a ser um ator unitrio representando uma totalidade e racional maximizando ganhos e minimizando perdas. Em segundo lugar, todas as obras de autores realistas consideram a anarquia do sistema, ou seja, percebem que no h no ambiente internacional uma autoridade suprema acima dos Estados. Para eles, o cenrio internacional visto tal como o estado de natureza de Hobbes, onde h vrios Estados e cada um unicamente responsvel por sua prpria sobrevivncia. Contudo, o estado de anarquia internacional contrape-se ao estado de natureza no que se diz respeito criao de um soberano nacional, pois os realistas consideram impossvel o estabelecimento de um Leviat no plano internacional. O cenrio anrquico prope um ambiente altamente competitivo, onde h enorme desconfiana por parte do Estado, que todos visam sua sobrevivncia (terceira premissa, que ser vista a

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seguir) e tm a segurana como um bem de soma zero, pois a segurana de um Estado s pode ser atingida quando os outros Estados esto sem segurana. A terceira premissa realista tem a sobrevivncia como o maior desejo do Estado. Ela deriva do conceito de anarquia, onde h ausncia de Governo mundial, que engendra a busca pela sobrevivncia no cenrio internacional, visando sua permanncia no sistema. Sob essa perspectiva, dois filsofos influenciaram decisivamente o estudo do realismo, so eles: Maquiavel definindo como obrigao do prncipe a luta pela sobrevivncia e qualquer outro objetivo s vlido se no se opor a ela e Weber. Ambos distinguem no que Weber chama de tica da convico e de tica da responsabilidade, onde a segunda livre das limitaes morais que ficam presas na primeira, tendo como nico objetivo alcanar a segurana coletiva. O estudo do poder como elemento fundamental nas relaes internacionais, considerado a quarta premissa realista. Desse modo, ressalta-se que o poder do Estado no definido por suas prprias capacidades, mas sim pela comparao com os demais Estados rivais. notvel a influncia realista de Tucdides ao afirmar que o medo do concorrente se tornar mais poderoso considerado a causa da guerra. Mais adiante, ao falarmos sobre a teoria neorrealista veremos que Waltz define o poder como um meio de garantir a segurana e a sobrevivncia. Derivada do conceito de poder surge a balana/equilbrio de poder, onde um Estado se une a uma grande potncia para assegurar melhor seu interesse nacional. Desse modo, constata-se uma atitude poltica que extrnseca ao poder, a garantia do interesse nacional, que a busca por esse interesse no garante que a balana fique equilibrada entre os vrios e que inexiste um sistema unipolar no cenrio internacional. Outrossim, faz-se importante destacar a ltima premissa para perceber a forma como essa corrente das relaes internacionais avalia a poltica no campo internacional. A forma como os Estados interagem tida como um sistema de autoajuda. Significando que como no h um Governo mundial, ou qualquer outra autoridade supranacional, para que seja assegurado o cumprimento de regras e a segurana dos Estados, os mesmos agem de forma autointeressada. Comportando-se, assim, de forma egosta. notvel que tudo isso se deve anarquia internacional, pois todos tm que lutar por sua sobrevivncia e utilizar de

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todos os meios que lhes so disponveis, pois nenhum Estado pode contar com outro para lhe ajudar, mesmo que essa ajuda seja apenas parcial.

2.1 HANS MORGENTHAU

O estudo das relaes internacionais tem a publicao de Politic Among Nations como um divisor de perodos, pr e ps Morgenthau, pois esta obra deu consistncia ao estudo do realismo. Neste livro, ele estabelece seis princpios bsicos para lidar e analisar as Relaes Internacionais. Estes so os princpios que divergem o realismo de qualquer outro paradigma da teoria das Relaes Internacionais. So eles: 1 Princpio: a poltica, tal como a sociedade em geral, governada por leis objetivas, que refletem a natureza humana; 2 Princpio: todo e qualquer interesse dos atores internacionais deve ser traduzido em sua pretenso de alcanar mais poder para si. Para Nogueira e Messari, Morgenthau acredita que esse segundo princpio protege o realismo de duas falcias: a preocupao com as motivaes e com as preferncias ideolgicas; e para ele o uso da razo caracteriza a esfera poltica. (NOGUEIRA E MESSARI, 2005, p.34); 3 Princpio: o conceito de interesse traduzido em poder uma categoria objetiva de validade universal, ou seja, constante na histria da humanidade; 4 Princpio: os princpios morais universais no podem ser aplicados aos atos dos Estados, seno filtrados e analisados a partir das circunstncias de tempo e lugar. Este princpio enfatiza a ideia da separao entre moral e ao poltica, isto , a poltica dominada pelo poder e, dessa forma, quando se analisa qual a influncia da moral e da tica na poltica, percebe-se que eles geralmente so usados como mecanismos de justificao e legitimao do Estado; 5 Princpio: as aspiraes morais de uma nao em particular no podem ser identificadas com os preceitos morais que governam o mundo. Os princpios morais de um Estado no podem nem devem ser considerados princpios morais universais, expansveis para toda a humanidade;
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6 Princpio: a esfera poltica autnoma, ou seja, no subordinada a nenhuma outra esfera, como a econmica, poltica ou religiosa. A compreenso do universo da poltica internacional independe da compreenso do universo econmico ou do direito, porque o universo poltico internacional tem suas prprias lgicas e leis.

Assim, a partir da anlise desses princpios, pode-se concluir que, para Morgenthau, a poltica visa trs objetivos: manter, aumentar ou demonstrar o poder. Sendo assim, estes trs objetivos responsveis pela manuteno do status quo do Estado, pela manuteno ou pela busca do prestgio.

2.2 JOHN HERZ

Contemporneo de Morgenthau, Herz define as Relaes Internacionais como leis gerais que regem as relaes dentro de determinados grupos. Questes como supremacia, poder e sobrevivncia caracterizam no apenas as relaes entre Estados, mas tambm entre gangues urbanas ou at mesmo as relaes entre animais. (NOGUEIRA E MESSARI, 2005). O grande legado de Herz para as relaes internacionais foi um conceito que ele denominou de Dilema de Segurana. Este conceito se define como quando um Estado quer garantir sua segurana e termina influenciando os outros Estados a ficarem contra ele. Por exemplo, quando um Estado X se sente ameaado e investe em armamentos desperta medo nos seus rivais, fazendo com que estes tambm se armem contra o Estado X. Dessa forma, todos os Estados acabam em uma situao pior que a inicial, mesmo que o objetivo tenha sido aumentar a segurana, pois gera uma tenso maior entre os Estados.

3. O NEORREALISMO

O realismo clssico posto em xeque na dcada de 1970. Quando a crise econmica do petrleo ps em dvida o Estado como cerne das Relaes Internacionais. Nesse contexto, Kenneth Waltz publica, em 1979, seu livro Theory of International Politics.
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Em sua obra, Waltz prega que o realismo tem a necessidade de estabelecer bases mais slidas e cientficas. Por esse motivo, seu realismo tambm pode ser chamado de realismo estrutural. Ele preocupou-se em explicar o porqu da continuidade e das repeties, no das singularidades, utilizando um modo de pensar que se prope a explanar sobre a inevitabilidade da mudana para explicar a continuidade, o que se denomina de teoria sistmica. Waltz toma a anarquia como motivo de todas as guerras existentes no sistema internacional, e qualquer explicao a nvel estatal, seria uma resposta reducionista, pois desconhecem o nvel estrutural, j as que focam o sistema internacional so sistmicas. Ele considera que a estrutura no s a soma das partes que a compe, mas sim determinada pela forma de como as partes se posicionam e que ela constrange, limita e orienta a ao dos agentes atravs de dois mecanismos: a socializao e a competio. a estrutura que estabelece os padres do que ou no aceitvel nas tomadas de decises dos agentes. A socializao produz os padres que vo limitando e moldando o comportamento esperado pelos atores e a estrutura, por meio dela, induz o Estado a evitar certos comportamentos. Da mesma maneira que a socializao faz com que os atores adotem determinado comportamento, a competio tambm trabalha nesse sentido. Os Estados competem para sobreviver no cenrio internacional, levando-os a se comportarem de maneira racional. Segundo Sarfati (2005), nas Relaes Internacionais a competio leva os Estados a proceder racionalmente, de forma que aqueles mais bem adaptados sobrevivam no sistema internacional. As estruturas polticas internacionais, para Waltz, so determinadas por trs fatores: pelo princpio do ordenamento, pela diferenciao funcional e pela distribuio das capacidades. Primeiramente, situaremos o primeiro fator dentro das estruturas domsticas.
As estruturas domsticas so definidas como hierrquicas, porque as instituies se relacionam entre si, mas se submetem a um poder central. O princpio de ordenamento estabelece quais as regras bsicas dos relacionamentos entre as instituies do poder, colocando atribuies exclusivas aos poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, de forma que todo ordenamento interno de um Estado definido em torno de quem manda em qu. (SARFATI, 2005, p. 147)

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Tomando o sistema internacional como anrquico e descentralizado, o sentimento egosta e competitivo dos atores que faz com que o sistema seja organizado de modo racional. O desejo por sobrevivncia um pr-requisito para a racionalidade dos Estados. Sob a tica de Sarfati (2005), as mudanas no princpio de ordenamento so apenas as de ordem anrquica para hierrquica, e s as desse tipo so consideradas mudanas estruturais. Do ponto de vista interno, cada instituio do Estado tem seu papel delimitado como h tambm uma ligao subordinativa entre suas partes. J no mbito internacional, os Estados podem ser tidos como unidades no diferenciadas entre si, j que todos executam as mesmas funes, logo, o sentido da ausncia de diferenciao dado em termos funcionais. Segundo Waltz, os Estados tm a caracterstica de serem soberanos, decidindo por si s como gerenciar problemas internos e externos. Desse modo, a diferena entre os atores dada por variaes da capacidade de executar e gerenciar determinadas funes. Na poltica internacional, essa capacidade deve ser analisada comparativamente a outros Estados. essa capacidade relativa, principalmente no que se diz respeito segurana nacional, o elemento central das relaes entre os Estados. importante destacar que a anarquia internacional no equivale ao caos em termos domsticos. Ela se assemelha com uma economia de mercado, onde no o Governo que define a variao de preos nem cria ou fecha empresas. O efeito de mercado gera uma competio e faz com que as empresas respondam a choques exgenos,

independentemente do Estado. Por fim, Waltz estabelece seu conceito de balana de poder na teoria neorrealista. No difere muito da balana definida no realismo clssico, pois seus requisitos so iguais, ordem anrquica e desejo de sobrevivncia. Mas, contraditoriamente ao que acontece no realismo clssico, no neorrealismo, os Estados no se balanceiam automaticamente, pois eles podem exibir um comportamento de grupo (bandwagon). Quando um Estado se caracteriza como lder todos os outros tendem a segui-lo, pois eles podem querer estar

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prximos aos ganhadores. Na competio pela liderana, bandwagon um importante componente da formao da coalizo em torno do lder. (SARFATI, 2005) Enquanto o sistema permanece anrquico e quando no h uma diferena de unidades que cause alguma mudana estrutural, h condies do sistema internacional permanecer estvel. A anarquia, por incrvel que parea, sinnimo de estabilidade, e ela est ligada quantidade de partes do sistema, no caso, ao nmero de Estados. Por fim, o sistema bipolar, para Waltz, o mais estvel. Um sistema multipolar implica em vrios Estados tentando entrar em acordo e impondo suas vontades, deixando o sistema altamente instvel (distrbio na balana de poder). 4. CONSIDERAES FINAIS

O objetivo deste breve ensaio foi apresentar duas importantes correntes de estudo das teorias de relaes internacionais, que esto incorporadas ao paradigma realista. Podese observar que tanto o realismo clssico quanto o neorrealismo revelam um mundo hostil, propenso a conflitos. Os realistas, de modo geral, enxergam o cenrio da poltica internacional como um palco propcio para conflitos, j que os Estados so livres para tomarem suas prprias decises, no havendo um Governo mundial. So tidos como atores racionais, que buscam zelar pela segurana de tal modo a garantir a sobrevivncia no sistema. Independentemente das razes, tanto o realismo clssico quanto o neorrealismo salientam que as relaes de poder e a lgica da autoajuda so caractersticas fundamentais das relaes entre os Estados em um ambiente anrquico. No entanto, para os neorrealistas, os Estados, ao se comportarem de forma racional, devem levar em considerao o comportamento dos outros Estados. Desse modo, a forma como os Estados se relacionam influencia no comportamento de cada membro do sistema internacional. Assim, a grande diferena entre as duas vertentes do paradigma realista, est no nvel de anlise. O realismo clssico atribui os resultados das relaes internacionais ao comportamento de cada Estado, de forma individual, enquanto o neorrealismo atribui esses resultados a toda estrutura do sistema, no s ao Estado.
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5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

MORGENTHAU, H.J. A Poltica Entre As Naes: A Luta Pelo Poder e Pela Paz. Editora da Universidade de Braslia. Braslia. 2003. NOGUEIRA, Joo Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relaes Internacionais Correntes e Debates. Elsevier. Rio de Janeiro. 2005. SARFATI, Gilberto. Teoria de Relaes Internacionais. Editora Saraiva. So Paulo. 2005. WALTZ, Kenneth. Teoria das Relaes Internacionais. Gradiva Publicaes. Lisboa. 2002.

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