Redução de Danos e SUS - Enlaces, Contrubuiçoes e Interfaces

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Reduo de Danos e SUS: enlaces, contribuies e interfaces.

Christiane Sampaio 1 Deisi Sangoi Freitas2 Vrios tipos de categorias profissionais vem sendo convidadas a exercer funes policiais cada vez mais precisas: professores, psiquiatras, educadores de todo tipo. Michel Foucault. Como se constitui a poltica de Reduo de Danos e suas interfaces com o SUS?

Os conhecimentos advindos da Reforma Sanitria e constitutiva do SUS esto em sintonia com a Poltica de Reduo de Danos, que transversaliza os saberes acertar da epidemiologia e da sade mental. No h como esquecer que o bero das aes de Reduo de Danos constituiu-se na cidade de Santos-SP, onde predominava na poca o movimento sanitarista progressista. No caso da cidade de Santos a Poltica de HIV/AIDS envolveu a comunidade e as demandas de um grupo minoritrio e marginalizado, os homossexuais, que se mostravam disponveis e estabeleceram ao longo do tempo, atravs da organizao em grupo, condies cidads e menos estigmatizantes vinculado possibilidade de suas escolhas sexuais e que acabaram desviando foras para o enfretamento da epidemia de HIV/AIDS. As aes de Reduo de Danos na cidade de Santos-SP ocorreram em 1989 e sofreram extrema resistncia poltica, chegando a gerar processos jurdicos3 para os profissionais de sade e gestores que ousaram permitir a distribuio ou distriburam na poca hipoclorito de sdio para higienizao de seringas e agulhas aos usurios de drogas injetveis. Nessa poca a cidade de Santos apresentava altos ndices de infeco do HIV por via endovenosa. Vale destacar que os Programas de Reduo de Danos receberam nesse momento grande influncia da experincia internacional de pases como Holanda e Inglaterra (WODAK, 1998) que j desenvolviam tais programas. Aps esse processo conflituoso tivemos um novo momento para as aes de RD, iniciada em 1994, incentiva e constituda em parceria com Ministrio da Sade, que vem se sustentando at hoje. As estratgias de resposta epidemia de HIV/AIDS no Brasil foram historicamente apoiadas em projetos especficos, direcionados a segmentos populacionais mais vulnerveis.

Psicloga, Especialista na Clinica das Toxicomanias pelo NEPAD da UERJ, Consultora do Estado do Rio Grande do Sul para implantao das aes de Reduo de Danos em SAE, ps - graduanda em Sade Coletiva pela UNIFRA, mestranda em Educao pela UFSM. 2 Professora Orientadora (Doutora em Educao pela UNICAP e Professora do Departamento de Metodologia do Ensino da UFSM) do artigo em pauta fruto do trabalho final do Curso de Especializao em Sade Coletiva pela UNIFRA. 3 Com base na interpretao da lei 6368 que regularizava na poca as questes relacionadas ao consumo, produo e venda de drogas. 1

Na Reduo de Danos no foi diferente, foram constitudos os Programas de Reduo de Danos (PRD) 4 que nascem nas Universidades e nas Coordenaes Municipal-Estaduais de Sade, j que no existiam grupos organizados de usurios de drogas, nem ONGs5 envolvidas com a temtica da RD no Brasil. No inicio das aes, ao tentarmos estabelecer contato com os usurios de drogas, muitos PRD procuraram as Unidades Bsicas de Sade (UBS) e nessa busca verificamos que esse grupo praticamente estava ausente desses servios ou eram invisveis para os profissionais de sade. O processo de implantao ocorreu ento fora desses espaos sendo realizado nas comunidades, por profissionais de sade com diferentes experincias no campo da sade. As primeiras parcerias feitas para ampliar o leque de possibilidades, foram com os servios de atendimento especifico ao HIV/AIDS, dentre eles os SAE (Servios de Atendimento Especializado em HIV/AIDS) e CTA (Centro de Testagem Annima) ficando uma lacuna significativa no que se refere s Unidades Bsicas de Sade. Tambm eram poucas as instituies de referncia para tratamento do uso de drogas, j que o SUS praticamente no tinha esse tipo de espao. A sade mental incorporava muito pouco questo da drogadio, nesse momento estvamos em meados da dcada de 90 e provavelmente muitos usurios de drogas em tempos anteriores devem ter sido submetidos a tratamentos psiquitricos, estilo manicmiais. A questo do uso de drogas no estava claramente identificada e reconhecida como problema de sade pblica; estava praticamente nas mos dos grupos de mtua-ajuda, nos espaos reclusos das fazendas teraputicas, em alguns leitos de desintoxicao dos hospitais gerais, atravs de atendimentos ambulatoriais e na forma de internaes nos hospitais psiquitricos. Os CAPS (Centro de Ateno Psicossocial) apesar de serem a referencia no SUS para o atendimento de usurios de drogas em termos prticos isso quase no acontecia, sendo muito mais efetivos no tratamento de doenas psiquitricas, prova disso que em 2002 inicia-se a implantao dos CAPS AD (Centro de Ateno Psicossocial em lcool e Drogas) como forma de constituir uma rede especializada com vistas situao de escassez de servio com esse perfil no SUS. Quero mostrar com isso que a RD nasce no SUS, porm h uma desintegrao com espaos importantes como Ateno Bsica e Servios Especializados para Tratamento de uso abusivo de drogas. H ainda uma ntida ausncia de uma Poltica de Ateno ao Uso de lcool e outras drogas que pudessem garantir verdadeiramente o acesso dos usurios de drogas ao SUS. A Reduo de Danos tentou lidar com parte desse problema buscando sensibilizar os Profissionais de Sade das UBS (Unidades Bsicas de Sade), PSF (Programa de Sade da Famlia), PACS (Programa de Agentes Comunitrios de Sade), CAPS (Centro de Ateno Psicossocial) entre outros para acolhimento das questes relacionadas ao uso de drogas e comeamos a deflagrar o que j percebamos na interface com os usurios de drogas, eles nos informavam durante os nossos trabalhos de campo, que tinham dificuldades em freqentar os servios de sade por interpretarem que os profissionais de sade eram preconceituosos, exigiam abstinncia como condio essencial para o tratamento da AIDS e demais patologias
Os componentes de um PRD variam de acordo com as diferentes realidades: epidemiolgica, padro de consumo, tipo de droga relevante, diferente formao de equipe etc. No Brasil as principais atividades desenvolvidas so: disponibilidade de equipamento estril e descartvel para injeo, informao, disponibilizao de material informativo, disponibilizao de preservativos, aconselhamento, encaminhamento aos servios de sade e assistncia social, vacinao contra hepatite B, aes de advocacy (advogar em favor de uma causa) e comunicao social, vigilncia epidemiolgica, formao continuada de agentes redutores de danos (agentes treinados que efetivam as aes de campo com os usurios de drogas e suas redes de interface), seguidos de avaliaes sistemticas das aes citadas. 5 Organizao No Governamental 2
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e na melhor das hipteses os tratavam sem muita credibilidade, atrelando descrdito a possibilidade deles enquanto usurios regularem o uso de drogas em prol da melhoria de suas condies de sade. Por outro lado a viso dos profissionais de sade de que h um distanciamento dos usurios de drogas dos servios e reconhecem que eles enquanto profissionais sentem-se despreparados para lidar com as realidades que envolvem o uso de drogas. H nitidamente um desengate entre os dois elementos de elo, usurios de drogas e profissionais de sade, envolvidos nessa cadeia de interfaces. Vale destacar que em alguns casos tivemos profissionais de sade parceiros nos servios e que passaram a ser referncia para os encaminhamentos dos usurios de drogas por ns acessados e que demandavam auxilio de outros servios. Esse processo manteve-se assim por muitos anos, sendo foco de muitos debates, apontados em Fruns, Conferncias, Seminrios. Sugeria-se nesses momentos que os servios de sade que tinham maior proximidade com os usurios de drogas, portadores de HIV e doentes de AIDS tais como os CTA, SAE e CAPS que adotassem os princpios da Reduo de Danos e desenvolvessem aes inspiradas nesses princpios. Porm responder a essa demanda sempre foi muito complicado para os profissionais que alegavam despreparo e atrelavam essas intervenes a especialista na rea, nitidamente vinculados idia de tratamento da dependncia como nica alternativa de interface com os usurios de drogas. At que em 2004 iniciamos um projeto piloto tendo em vista validar as estratgias de melhoria da qualidade de ateno aos usurios de drogas infectados pelo HIV nos Servios de Assistncia Especializada SAE, na perspectiva da Reduo de Danos. Esse projeto tambm busca estabelecer a incorporao da RD no SAE e a definio de papis na perspectiva da construo de uma rede de promoo sade voltada as pessoas que fazem uso e/ou abuso de drogas. Esta rede, composta por ONGs, comunidades teraputicas, Programas de Reduo de Danos (PRD), rede de ateno bsica, servios de DST/AIDS, SAE e servios de sade mental (em especial, mas no exclusivamente os CAPS AD Centro de Ateno Psicossocial em lcool e Drogas). Nesse sentido a idia fazer operar de forma articulada uma rede que possua papis, complexidade e resolutividade distintos, de forma a construir potencialidades diversas e complementares. Sem esquecer que para essa rede possa operar efetivamente necessrio trabalharmos as fantasias e concepes de ordem moral que se constituram entre profissionais da sade e usurios drogas, esse desafio no se destinge muito de outras realidades referente a outros segmentos socais ditos diferentes (profissionais do sexo, homossexuais, presidirios), ou seja, populaes que de alguma forma so atrelados e se atrelam a marginalidade. Tambm em 2004 o Ministrio da Sade apresenta suas diretrizes para uma Poltica de Ateno Integral ao Uso de lcool e outras drogas, reconhecendo a necessidade de superar o atraso histrico de assuno desta responsabilidade pelo SUS, visando subsidiar a construo coletiva de seu enfrentamento. Desde ento muitos entraves foram vivenciados, desde as propostas de implantao dos CAPSAD at os desafios de garantir diretrizes inclusivas e democrticas junto a SENAD (Secretaria Nacional Anti-Drogas), rgo oficial ligado a Presidncia de Republica, que consolida as polticas publicas brasileira de reduo de oferta e demanda de drogas. Processo esse que vem constituindo-se de acordo com a complexidade dos desafios impostos. A lgica aplicada pela RD de territrio e rede, constitudas atravs do trabalho de campo, se vincula ao meio cultural e comunidade em que esto inseridos os usurios de drogas, vem se mostrando um excelente exemplo que de alguma forma pode contribuir e auxiliar a Poltica de Ateno Integral ao Uso de lcool e outras drogas a planejar suas aes de acordo com os princpios da Reforma Sanitria.

1. Os fortes elos que compe a clnica ampliada e as aes de RD


Em linhas gerais podemos dizer que a clnica ampliada atende as demandas do SUS. Ela no uma clnica de nenhum especialismo, mas ela uma direo para todas as clnicas, justamente porque estando qualquer clnica da sade pblica, inserida no SUS, todas elas devem atender aos preceitos de universalidade, participao social, integralidade e equidade. Ou seja, a clnica ampliada no se confunde com clnica da psicanlise, com a clnica da reforma, com a clnica psiquitrica, mas certamente produz uma ressignificao das mesmas (informao oral)6.

A clnica ampliada, constituda em parte para dar conta das demandas do SUS e fazer operar a Reforma Sanitria tambm opera ou deveria operar em rede, constituindo diferentes enlaces seja dentro sade coletiva, seja conjugando outras polticas pblicas, tais como: educao, assistncia social, justia e sem a menor sombra de dvida estabelecendo enlace com as diferentes redes sociais (movimento de mulheres, movimento gay, movimento de sade mental entre muitos outros) objetivando aperfeioar a participao, coresponsabilizando os sujeitos envolvidos, aproximando-os de uma ao poltica, onde seja possvel protagonizar as diversas cenas no campo da sade e da cidadania. Percebe-se nessa concepo de clnica ampliada que no h espao para o especialismo, pois ela lana seu olhar para uma enorme diversidade onde est includo o ser humano e as suas diferenas, que vai de encontro aos pressupostos do SUS. Como efeito podemos tomar novamente o exemplo das aes de Reduo de Danos que transversaliza diferentes campos como a preveno das DST/AIDS e ateno ao usurio de drogas, e ainda inclui outros temas importantes para viabilizar esses campos atravs de pressupostos que atravessam questes como: respeito-mtuo, auto-cuidado, cidadania que esto sustentados em manejos educacionais que tm como base o espao comunitrio, construdos nos alicerces populares, arraigados em uma lgica que respeita e interage com os ditos e vivencias que sustentam a constituio desses sujeitos. Nesse trabalho aqueles que intervm tambm se permitem sofrer interveno, numa lgica dialogal, em que no h uma verdade, mas a interface entre saberes que iram auxiliar a construo de manejos no trato com a sade. Apesar dessa ntida relao entre a Reforma Sanitria e as concepes que constituem a Poltica de Reduo de Danos a execuo das aes no campo prtico, s conseguiu obter sucesso, ou seja, estabelecer contato com os usurios de drogas e iniciar as mais diversas trocas, incluindo objetivamente a troca de seringas usadas por novas, quando incorporou os redutores de danos7, esses pouco sabiam sobre SUS e seus principais conhecimentos estavam relacionados dinmica das comunidades, as prticas relacionadas ao uso de drogas, a violncia estruturada, entre outros fatores, pela guerra as drogas, a vivncia de preconceito, a ausncia de condies dignas de sade em que muitas vezes a populao carente est submetida. Muito sbia foi iniciativa dos dirigentes dos PRDs em dar voz e espao para o trabalho desses sujeitos, que sobre orientao de tcnicos, com diferentes experincias no campo da sade, deram vida e ao aos trabalhos de RD. Na minha experincia a construo das aes seguiu uma lgica muito pouco academicista, misturando diferentes experincias no campo da sade, vivenciando muitos fracassos, medos, perdas e aprendendo a fazer fazendo, construindo estratgias, compartilhando sadas e experincia, constituindo novas frentes de ao, trocando tecnologia
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Curso: de Reduo de Danos: um modelo de clnica ampliada, ocorrido no I Encontro Nacional de Reduo de Danos em Servio, na cidade de Santo Andr - So Paulo nos dias 26, 27 e 28 de Junho de 2006, ministrado por Tadeu de Paula Mestrando da UFF-RJ. 7 Agentes treinados que efetivam as aes de campo com os usurios de drogas e suas redes de interface, na maioria dos casos usurios de drogas, ex-usurios, pessoas com perfil e atuao no espao comunitrio, incluindo moradores das comunidades e profissionais de sade se identificavam com o trabalho de campo. 4

com outros grupos que vivenciavam o enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS, integrando e transversalizando diferentes campos. O efeito desse processo foi abertura das aes, que estamos chamando nos ltimos tempos de Reduo de Danos Ampliada que compe preveno ao HIV e Hepatites no campo do consumo de drogas, constituindo novas estratgias para intervir e pensar o fenmeno das drogas, lutando nas bases da Poltica de drogas brasileira e com isso constituindo novas alternativas no trato com o fenmeno das drogas, abrindo espao para organizao dos usurios de drogas na sua interface psicossocial.

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