O Direito Da Crianca Surda Crescer Bilingue

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Direito da Criana Surda de Crescer Bilnge

Franois Grosjean Universidade de Neuchtel Sua Toda criana Surda, qualquer que seja o nvel da sua perda auditiva, deve ter o direito de crescer bilnge. Conhecendo e usando a lngua de sinais e a lngua oral (na sua modalidade escrita e, quando for possvel, na sua modalidade falada) a criana alcanar um completo desenvolvimento das suas capacidades cognitivas, lingsticas e sociais. O que a criana Surda necessita fazer com a linguagem? Atravs da linguagem a criana Surda deve cumprir uma srie de tarefas: 1. Comunicar-se com seus pais e familiares o mais cedo possvel. Uma criana ouvinte, normalmente, adquire a lngua nos primeiros anos de vida se est exposta a ela e pode perceb-la. O uso da lngua um meio importante para estabelecer e solidificar os vnculos sociais e pessoais entre a criana e seus pais. O que uma realidade para a criana ouvinte deve ser tambm para a criana Surda. A criana Surda deve ser capaz de comunicar-se com os seus pais atravs de uma lngua natural to pronta e integralmente quanto possvel. Atravs da linguagem ocorre grande parte do estabelecimento de vnculos afetivos entre a criana e seus pais. 2. Desenvolver suas capacidades cognitivas durante a infncia. Atravs da lngua a criana desenvolve suas capacidades cognitivas, capacidades de importncia crtica para seu desenvolvimento pessoal. Entre estas capacidades encontramos diferentes tipos de raciocnio, pensamento abstrato, memorizao, etc. A ausncia total de uma lngua, a adoo de uma lngua no natural ou o uso de uma lngua que pobremente percebida ou conhecida pode ter conseqncias negativas no desenvolvimento cognitivo da criana. 3. Adquirir conhecimentos sobre o mundo. A criana adquirir conhecimentos sobre a realidade exterior principalmente atravs do uso da lngua. Comunicando-se com os seus pais, familiares e outras crianas ou adultos, a criana intercambiar e processar a informao sobre o mundo que a rodeia. Estes conhecimentos serviro como base para as atividades que ocorrero na escola e facilitaro a compreenso da lngua. No existe uma verdadeira compreenso da lngua sem o apoio de tais conhecimentos. 4. Comunicar-se integralmente com o mundo circundante. A criana Surda, como a criana ouvinte, deve ser capaz de se comunicar de modo integral com todas aquelas pessoas que formam parte de sua vida (pais, irmos, grupos de pares, professores, adultos, etc.). A comunicao deve proporcionar uma certa quantidade de informaes numa lngua apropriada para o interlocutor e a adequada ao contexto. Em alguns casos ser a lngua de sinais, em outros ser a lngua oral (em alguma de suas modalidades) e noutros sero ambas as lnguas alternadamente. 5. Pertencer culturalmente a dois mundos. Atravs do uso da lngua a criana Surda dever converter-se progressivamente em membro do mundo ouvinte e do mundo Surdo. Dever identificar-se, ao menos em parte, com o mundo ouvinte que quase sempre o mundo de seus pais e familiares (90% das crianas Surdas tm pais ouvintes). Mas a criana

tambm dever entrar em contato, logo que possvel, com o mundo das pessoas Surdas, seu outro mundo. A criana dever sentir-se cmoda em ambos os mundos e dever ser capaz de identificar-se com cada um deles na medida do possvel. O bilingismo o nico modo de satisfazer estas necessidades O bilingismo o conhecimento e o uso regular de duas ou mais lnguas. Um bilingismo lngua oral/lngua de sinais a nica via atravs da qual a criana Surda poder ser atendida nas suas necessidades, quer dizer, comunicar com os pais desde uma idade precoce, desenvolver suas capacidades cognitivas, adquirir conhecimentos sobre a realidade externa, comunicar-se plenamente com o mundo circundante e converter-se num membro do mundo Surdo e do mundo ouvinte. Que tipo de bilingismo? O bilingismo da criana Surda implica no uso da lngua de sinais, usada pela comunidade Surda, e da lngua oral usada pela maioria ouvinte. Esta ltima adquire-se na sua modalidade escrita e, quando possvel, na sua modalidade falada. Em cada criana as duas lnguas jogaro papis diferentes: em algumas crianas predominar a lngua de sinais, em outras predominar a lngua oral e noutras haver um certo equilbrio entre ambas as lnguas. Ainda, devido aos diferentes nveis de surdez e complexa situao de contato entre ambas as lnguas (quatro modalidades lingsticas, dois sistemas de produo e dois de recepo, etc.) podemos encontrar diferentes tipos de bilingismo, isto , a maioria das crianas Surdas adquirir nveis distintos de bilingismo e biculturalismo2 . Nesse sentido no se diferenciam de metade da populao mundial, aproximadamente, que convive com duas ou mais lnguas (estima-se que h no mundo, atualmente, tantas pessoas se no mais bilnges quanto monolnges). Como outras crianas bilnges, as crianas Surdas usaro ambas as lnguas nas suas vidas cotidianas como membros integrantes de dois mundos, neste caso, o mundo ouvinte e o mundo Surdo.

Qual o papel da lngua de sinais? A lngua de sinais deve ser a primeira lngua (ou uma das primeiras) adquirida pelas crianas com uma perda auditiva a partir de severa. A lngua de sinais uma lngua natural, plenamente desenvolvida, que assegura uma comunicao completa e integral. Diferentemente da lngua oral, a lngua de sinais permite s crianas Surdas, em idade precoce, comunicar-se com os pais plenamente, desde que ambos adquiram-na rapidamente. A lngua de sinais tem papel importante no desenvolvimento cognitivo e social da criana e permite a aquisio de conhecimentos sobre o mundo circundante. Permitir criana um desenvolvimento de sua identificao com o mundo Surdo (um dos dois mundos aos quais a criana pertence) logo que entre em contato com esse mundo. E mais, a lngua de sinais facilitar a aquisio da lngua oral, seja na modalidade escrita ou na modalidade falada. sabido que uma primeira lngua adquirida com normalidade, trate-se de uma lngua oral ou uma lngua de sinais, estimular em grande medida a aquisio de uma segunda lngua. Finalmente, o fato de ser capaz de utilizar a lngua de sinais ser uma garantia de que a criana maneja pelo menos uma lngua. Apesar dos considerveis esforos feitos por parte das crianas Surdas e dos

profissionais que as rodeiam, e apesar do uso de suportes tecnolgicos, o fato que muitas crianas Surdas tm grandes dificuldades para perceber e produzir uma lngua oral na sua modalidade falada. Esperar vrios anos para alcanar um nvel satisfatrio que pode no ser alcanado, e negar durante esse tempo o acesso da criana Surda a uma lngua que satisfaa as suas necessidades (a lngua de sinais) praticamente aceitar o risco de um atraso no seu desenvolvimento lingstico, cognitivo, social ou pessoal. Qual o papel da lngua oral? Ser bilnge significa saber e utilizar duas ou mais lnguas. A segunda lngua das crianas Surdas ser a lngua oral usada pela comunidade ouvinte qual tambm pertencem. Esta lngua, na sua modalidade falada e/ou escrita, a lngua de seus pais, irmos, parentes, futuros amigos, empregados, etc. Quando aqueles que convivem com a criana Surda no conhecem a lngua de sinais importante que a comunicao se faa, ainda que isto s possa ocorrer atravs da lngua oral. Tambm a lngua oral, principalmente na sua modalidade escrita, ser um meio importante para a aquisio de conhecimentos. Grande quantidade do que aprendemos se transmite atravs da escrita, tanto em casa como na escola. Por isso, o xito acadmico da criana Surda e seus futuros sucessos profissionais dependero, em grande parte, de um bom manejo da lngua oral na sua modalidade escrita e, quando possvel, na modalidade falada. Concluses nosso dever permitir criana Surda a aquisio de duas lnguas, a lngua de sinais da comunidade Surda (como primeira lngua se a sua perda auditiva severa) e a lngua oral da maioria ouvinte. Para isso, a criana deve ter contato com as duas comunidades lingsticas e deve sentir a necessidade de aprender e usar ambas as lnguas. Contar exclusivamente com uma lngua, a lngua oral, devido aos recentes avanos tecnolgicos, jogar com o futuro da criana Surda. arriscar seu desenvolvimento cognitivo e pessoal e negar-lhe a possibilidade de se identificar culturalmente com os dois mundos aos quais pertence. Ter contato desde uma idade precoce com duas lnguas oferecer criana muito mais recursos do que tendo apenas uma lngua, qualquer que seja seu futuro e qualquer que seja o mundo em que escolher viver (as vezes s num deles). Ningum se arrepende de saber vrias lnguas mas sim quando sabe pouco, ainda mais quando o prprio desenvolvimento est em jogo. A criana Surda deveria ter o direito de crescer bilnge e nossa responsabilidade ajud-la nisso.

Do mesmo autor: Grosjean, F. (1982) Life with two languages: an introduction to Bilingualism. Cambridge, MA : Harvard University Press. Grosjean, F. (1987) Bilingualism. In: Gallaudet Encyclopedia of Deaf People and Deafness. New York : McGraw-Hill. Grosjean, F. (1992) The bilingual and the bicultural person in the hearing and in the deaf world. Sign Language Studies, 77, 307-320. Grosjean, F. (1993) La personne bilingue et biculturelle dans le monde des entendants et des sourds. Nouvelle pratiques sociales, 6(1), 69-82. Grosjean, F. (1993) Le bilinguisme et le biculturalisme: ssai de dfinition. TRANEL (Travaux neuchtelois de linguistique), 19, 13-42. Grosjean, F. (1994) Individual bilingualism. In: The Encyclopedia of Language and Linguistics. Oxford : Pergamon Press. Grosjean, F. (1994) Sign bilingualism: issues. In: The Encyclopedia of Language and Linguistics. Oxford : Pergamon Press. Grosjean, F. (1996) Living with two languages and two cultures. In: Parasnis, I. (Ed.) Cultural and Language Diversity: reflections on the Deaf experience. (p. 20-37) Cambridge : Cambridge University Press.

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