BHAGWAN SHREE RAJNEESH

A HARMONIA OCULTA
Discursos sobre os fragmentos de Herclito.

Editora Cultrix

Sumrio

Introduo...................................................................................................7 1. Melhor do que a Harmonia aparente................................................13 2. Cada um tem um mundo particular.................................................44 3. A Sabedoria Una e nica.................................................................74 4. A natureza do Dia e da Noite uma s..........................................104 5. Tal a Profundidade de Seu Significado........................................126 6. O fanatismo a doena sagrada......................................................153 7. Uma Alma Seca Mais Sbia e Melhor..........................................182 8. O Logus comum a todos................................................................206 9. O Sol Novo a Cada Dia..................................................................237 10. A Natureza adora se ocultar...........................................................267 11. Voc no pode pisar duas vezes no mesmo rio...........................290

Introduo

Aos dez anos de idade eu j me sentia perplexa diante do mundo. Ainda me lembro da sbita clareza que me atingiu um dia aps ruminar sobre os mistrios da vida e da morte. Estava convencida de que as respostas estavam do outro lado da morte, e de que s os que haviam morrido podiam ter conhecimento delas. Quando algum morre, pensava eu, fica sabendo no apenas o que est alm da morte, mas o que constitui a vida tambm o porqu de estarmos aqui, ou mesmo como chegamos aqui; como nos metemos nesta confuso, e como a resolveremos. Mas ento, pensava eu, a soluo parece impossvel, pois se a pessoa j morreu, quem est vivo na terra no pode entrar em contato com as respostas. Isso significa que algum teria de voltar. Mas como? Ento fui atingida: Algum que estivesse pronto para perder a vida, isto , a sua existncia como alma, sua identidade como uma coisa individual, algum que estivesse pronto para se dissolver, para sacrificar tudo e tornar-se nada, s ele poderia voltar e nos dizer. Quase que simultaneamente a essa idia, pude compreender que isso era precisamente o que Jesus havia feito! Mas to rapidamente quanto essa idia, seguiu-se o devastador: Mas as pessoas no o ouviram! No o compreenderam! Na verdade, o mataram! no, no, no! A nica chance que tivemos e veja o que 7

aconteceu, veja o que fizemos! A partir desse instante, at sair de casa aos dezoito anos, fui uma pessoa miservel, uma abandonada por Deus, um espcime de vida desamparado e desesperado. E claro que por ter sido educada numa atmosfera de cristianismo, automaticamente presumi que Jesus era a nica chance de salvao que havamos tido. Uma segunda vinda me parecia de certa maneira impossvel. Mas talvez no... Uma vez longe da famlia e fora do seu alcance, a esperana brotou novamente. Comeou uma busca que, embora no fosse realmente consciente, sei agora que era por um outro Jesus. Essa busca comeou ao me familiarizar com as filosofias e religies orientais. Atravs delas comecei a aceitar que devia haver muitas pessoas como Jesus, e que era mais do que provvel que algumas estivessem por a. Passei nove anos me envolvendo em vrias buscas, experimentando e desenvolvendo "viagens". Eram acompanhadas de um fascnio intelectual, de uma angstia existencial e de uma constante apreenso de que ainda estava perdendo algo. Nenhuma dessas viagens parecia suprir tudo o que era necessrio para substituir o que havia em minha cabea. Mas finalmente, depois de me levarem atravs de uma srie de lgubres contos de fadas, elas me trouxeram para uma clareira no meio da floresta: Bhagwan Shree Rajneesh. Quando encontrei Bhagwan, h dois anos atrs, tudo comeou a entrar em seus devidos lugares. Ele tem o amor, o poder, o conhecimento, mas, acima de tudo, tem o Ser para vir-lo, para ergu-lo, para derrub-lo, mas mais do que tudo, para lhe dar confiana. Bhagwan Shree Rajneesh algum nico. o meu sonho dos dez anos de idade que se realizou. Felizmente fui abenoada com ouvidos para ouvir pelo menos o suficiente para chegar at ele. Agora estou aqui, e, embora no tenha a menor idia de para onde esteja indo, minhas dvidas e 8

medos esto gradualmente se dissolvendo conforme cresce a minha confiana nesse milagre. Infelizmente, embora eu esteja a favor de Bhagwan e no contra como estivemos com Jesus, ainda no o ouo sempre que o escuto. E ele est soletrando o ABC da Iluminao! cristalino... Assim, evidentemente, escutar no o suficiente, como no o foi com Jesus algo mais necessrio. Este livro constitudo de onze palestras, colhidas entre as feitas diariamente por Bhagwan. Costumo assistir suas palestras para saber o que ele diz. Mas agora, mais como estar ouvindo msica e poesia; e de vez em quando, se estou suficientemente aberta, como estar sendo banhada pelas emanaes de seu Ser, flutuando nele e deslizando para dentro e para cima. E estas palestras sobre os fragmentos de Herclito so poesia pura. Herclito deve ter sido tambm uma pessoa nica, pois seus fragmentos so como setas lanadas dos profundos mistrios do corao da vida e da morte. Ele, como Bhagwan, tambm fluentemente lrico. Sua sabedoria tem inocncia e simplicidade e, ao mesmo tempo, tremendamente enternecedora. "Se ele tivesse nascido na ndia", diz Bhagwan, teria sido conhecido como um Buda. Mas para a histria da Grcia, para a filosofia grega, ele era um estranho, um estrangeiro. conhecido na Grcia, no como um Iluminado, mas como Herclito, o Obscuro, Herclito, o Enigmtico, Herclito, o Ambguo. E o pai da filosofia grega e do pensamento ocidental, Aristteles, no o considerava nem mesmo um filsofo. Aristteles disse: "No mximo, ele um poeta", mas at mesmo isso foi difcil para ele aceitar. Mais tarde, em outros trabalhos, disse: "Deve haver alguma deficincia no carter de Herclito, alguma coisa biologicamente errada; por isso que ele fala de maneira to obscura e paradoxal." Bem, quando Herclito diz coisas como "A harmonia oculta superior aparente", ou "Deus dia e noite, vero e inverno, guerra e paz, saciedade e desejo", e especialmente "As pessoas no 9

compreendem como o divergente consigo mesmo concorda", a mente ocidental, lgica e racional, pode simpatizar com Aristteles. Mas Bhagwan diz que exatamente este o ponto: a vida um paradoxo. E s atravs da tenso dos opostos que a vida continua. Na verdade, se Aristteles tivesse sido totalmente seguido, o mundo h muito teria deixado de existir. "Conta-se", diz Bhagwan numa anedota, "que um dia Aristteles caminhava pela praia, e viu um homem que trazia gua do mar numa colher de ch e a jogava num buraquinho que havia cavado perto do mar. Aristteles estava s voltas com seus prprios problemas. No deu importncia a isso uma, duas vezes, Aristteles se aproximou e viu o homem, mas este estava to absorvido. Ia at o mar, enchia a colher, trazia a gua, punha no buraco, voltava de novo... Por fim, Aristteles disse: "Espere! No quero perturb-lo, mas o que est fazendo? Est me deixando muito curioso." O homem respondeu: "Vou colocar o oceano inteiro neste buraco." Aristteles, at mesmo ele, riu. Disse: "Voc louco! Isso no vai acontecer. Voc est simplesmente doido e est perdendo seu tempo! Veja a vastido do oceano e a pequenez do buraco e com uma colher de ch voc pretende colocar o oceano neste buraco? Voc louco! V para casa e descanse." O homem riu mais alto que Aristteles, e disse: "Sim, eu irei, porque meu trabalho est feito." Aristteles disse: "O que voc quer dizer?" "Que voc est fazendo a mesma coisa" disse o outro s que de um modo mais tolo. Olhe para a sua cabea: menor do que o meu buraco. E olhe para o Divino, para a Existncia: mais vasta do que o oceano. E veja seus pensamentos sero maiores do que a minha colher?" Bhagwan suspeita que o homem dessa estria era Herclito, e diz que se Herclito tivesse sido aceito, a histria do Ocidente teria 10

sido totalmente diferente "mas ele no foi absolutamente entendido. Tornou-se cada vez mais .separado da corrente principal do pensamento e da mente Ocidentais. O solo grego no foi nada bom para ele. Teria sido uma grande rvore no Oriente: milhares teriam aproveitado, teriam encontrado o caminho atravs dele. Mas para os gregos ele era um estrangeiro, um excntrico, um aliengena. No pertencia a eles. por isso que seu nome ficou de lado, pelos cantos escuros. Aos poucos foi sendo esquecido." E agora parece ser o tempo apropriado para lembr-lo novamente. No Ocidente ns nos movemos demais para o extremo do positivo, da bondade, da retido, Deus, e tentamos evitar tudo que fosse considerado mau, negativo, demonaco, do Diabo. Mas, mais cedo ou mais tarde, isso teria que irromper; no poderia simplesmente ser banido da existncia. a reao igual e oposta que agora se manifesta, especialmente no Ocidente a venerao do Demnio; a extrema violncia, na maioria das vezes gratuita; perverses de todos os tipos; e outras tendncias destrutivas eram, de certa maneira, de se esperar. claro que tudo isso muito desconcertante. E o problema bsico com o qual todos os pensadores, poetas e at mesmo os cientistas eventualmente se deparam precisamente a reconciliao da aparente dualidade que existe em todos os nveis: Deus, Demnio; mente, matria; instinto, razo; corpo, alma; criao, destruio. Ns chegamos ao ponto crtico onde todos os nossos valores esto sendo postos em questo. Na verdade, diz Bhagwan, um tempo como esse, onde h a possibilidade de muitos se tornarem Iluminados, s acontece a cada vinte e cinco sculos "Quando as coisas so lquidas, a transformao fcil." Se algum conseguir abandonar a lgica, o que afinal no uma coisa do outro mundo, e olhar um pouco mais fundo na natureza das coisas, como Bhagwan nos ajuda a fazer nestes discursos, ento pode-se comear a sentir o ritmo da vida, a pulsao que faz com que tudo entre nos, eixos a harmonia dos 11

opostos. E somente algum como Bhagwan ou Herclito, que aceita e abarca todas as dualidades, pode ajudar a ns, que estamos nos empenhando e tateando na escurido. Somente eles podem nos ajudar a desenvolver a perspectiva necessria para compreendermos e utilizarmos o caos e a destruio que nos envolve no presente. Eles esto tentando o impossvel: transmitir o que no pode ser dito em palavras o prprio veculo que geralmente serve para perpetuar a dualidade. Observe-os enquanto danam e cantam juntos no decorrer destas pginas, criando uma sinfonia da qual voc, leitor, est convidado a participar e a celebrar. Tente penetrar na harmonia aparente das palavras, e permita-se ser levado para alm delas, para o mais profundo mistrio da harmonia oculta... MA YOGA ANURAG

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Melhor do que a Harmonia aparente

(1 discurso - 21 de dezembro de 1974)

A harmonia oculta superior aparente. A oposio traz concrdia. Da discrdia nasce a mais bela harmonia. na mudana que as coisas encontram repouso. As pessoas no compreendem como o divergente consigo mesmo concorda. H uma harmonia de tenses contrrias assim como a do arco e da lira. O nome do arco vida, mas sua funo a morte.

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H muitas vidas que estou apaixonado por Herclito. Na verdade, Herclito foi o nico grego pelo qual me apaixonei com exceo, claro, da Mukta, da Seema e da Neeta! Herclito realmente belo. Se ele tivesse nascido na ndia ou no Oriente, teria sido considerado um Buda. Mas na histria da Grcia, para a filosofia grega, ele foi um estranho, um marginal. Na Grcia, ele no conhecido como um Iluminado, mas como Herclito, o Obscuro, como Herclito, o Tenebroso, como Herclito, o Enigmtico. E o pai da filosofia grega e do pensamento ocidental, Aristteles, nem mesmo o considerava um filsofo. Aristteles disse: "No mximo, um poeta", mas mesmo isso era-lhe difcil aceitar. Mais tarde, ele afirmou: "Deve haver algum defeito no carter de Herclito, algo biologicamente errado; por isso que ele fala de um modo to obscuro, de uma maneira to paradoxal". Aristteles julgava-o um pouco excntrico, um pouco louco e Aristteles domina todo o Ocidente. Se Herclito tivesse sido aceito, a histria do Ocidente teria sido totalmente diferente. Mas ele no foi compreendido. Cada vez mais foi se distanciando da corrente principal do pensamento e da mente ocidentais. Herclito era como Gautama, o Buda, como Lao-Ts ou Bash. O solo grego no foi nada bom para ele. Teria sido uma grande rvore no Oriente: milhes de pessoas teriam aproveitado, teria encontrado seus caminhos atravs dele. Mas para os gregos ele era apenas um aliengena, um excntrico um tanto estranho; no pertencia a eles. por isso que seu nome permaneceu desprezado, num canto escuro; e aos poucos foi sendo esquecido. No momento em que Herclito nasceu, precisamente naquele momento, a humanidade alcanou um pico, um momento de transformao. Isso acontece humanidade assim como ao indivduo: existem momentos em que as mudanas acontecem. A cada sete anos o corpo muda, e continua mudando se voc viver durante setenta anos, todo o seu sistema biofsico mudar dez 14

vezes. E se voc usar esses intervalos de mudana do corpo, ser muito fcil entrar em meditao. Por exemplo, aos catorze anos o sexo torna-se importante pela primeira vez, o corpo passa por uma mudana bioqumica. Se nesse momento voc for introduzido na dimenso da meditao, ser muito, muito fcil penetr-la. Porque o corpo ainda no se fixou: o velho padro desapareceu e o novo ainda no se instalou ocorre um intervalo. Aos vinte e um anos, aconteceram novamente profundas mudanas, porque a cada sete anos o corpo se renova completamente: as velhas clulas desaparecem e as novas passam a existir. Aos trinta e cinco anos isso acontece novamente, e assim por diante. A cada sete anos seu corpo chega a um ponto onde o velho desaparece e o novo se instala mas existe um perodo de transio. Nesse perodo tudo lquido. Se voc quiser que uma nova dimenso se introduza em sua vida, precisamente esse o momento. Exatamente da mesma maneira isso ocorre na histria da humanidade como um todo. A cada vinte e cinco sculos acontece um clmax e se voc souber usar esse momento, poder facilmente tornar-se Iluminado. Em outras pocas no ser to fcil. Mas nesse clmax o prprio rio est fluindo nessa direo, tudo fluido e nada fixo. H vinte e cinco sculos atrs nasceram: Gautama, o Buda, e Mahavir, o Jaina, na ndia; Lao-Ts e Chuang-Tzu, na China; Zarathustra, no Ir; e Herclito, na Grcia eles so os picos. Tais alturas jamais foram atingidas antes, ou se o foram, no fazem parte da histria, pois a histria comea com Jesus. Voc no sabe o que aconteceu nesses vinte e cinco sculos que se passaram. Novamente o momento se aproxima, estamos outra vez num estado fluido: o velho no significa nada, para voc o passado no tem nenhuma importncia, e o futuro incerto o 15

intervalo est aqui. E novamente a humanidade alcanar um pico, o mesmo que alcanou na poca de Herclito. Se voc estiver um pouco alerta, poder usar este momento poder simplesmente sair da roda da vida. Quando as coisas so lquidas, a transformao fcil. Quando as coisas so fixas, a transformao difcil. Voc tem sorte por ter nascido numa poca em que as coisas esto novamente em estado lquido. Nada certo, todos os velhos cdigos e leis tornaram-se inteis. Os novos padres ainda no se estabeleceram mas logo isso acontecer; o homem no pode permanecer nesse estado para sempre, pois quando no h nada estabelecido, no existe segurana. As coisas novamente se assentaro; este momento no persistir eternamente, mas apenas por alguns anos. Se voc puder us-lo, alcanar o pico que em outras pocas ser muito, muito difcil alcanar. Se o perder, este momento ser perdido novamente por mais vinte e cinco sculos. Lembre-se disso: a vida move-se num crculo, tudo se move em crculos. A criana nasce, depois vem a juventude, a velhice, a morte. Move-se como se movem as estaes: vem o vero, depois as chuvas, em seguida o inverno, e assim tudo continua num crculo. O mesmo acontece na dimenso da conscincia: a cada vinte e cinco sculos o crculo se completa mas antes que o novo comece, h um espao atravs do qual voc pode escapar; a porta est aberta por alguns anos. Herclito uma florescncia realmente rara, uma alma das mais profundamente penetrantes, dessas que se tornam como o Everest, o pico mais alto do Himalaia. Tentar compreend-lo difcil; por isso chamado de Herclito, o Obscuro. Ele no obscuro. Compreend-lo difcil; para entend-lo ser necessrio um tipo diferente de ser esse o problema. Por isso fcil classifica-lo de obscuro e depois esquec-lo. 16

Existem dois tipos de pessoas. Se voc quer compreender Aristteles no precisa mudar nada em seu ser, precisa somente de algumas informaes. Uma escola pode providenciar algumas informaes sobre lgica e filosofia; voc rene algum conhecimento intelectual e assim pode compreender Aristteles. No precisa se transformar para compreend-lo, s tem de acrescentar algumas coisas ao que j sabe. O ser permanece o mesmo, voc permanece o mesmo. No preciso estar num plano diferente de conscincia; isso no exigido. Aristteles claro. Se voc quiser compreend-lo, basta um pequeno esforo; qualquer pessoa de inteligncia mediana pode compreend-lo. Mas para compreender Herclito, o terreno acidentado e difcil, porque tudo o que voc souber no o ajudar muito; uma cabea muito bem educada no ir servir para nada. Voc vai precisar de uma outra qualidade de ser e isso difcil; voc precisar de uma transformao. Por isso chamam-no de obscuro. Ele no obscuro! Voc que est abaixo do nvel de ser no qual ele pode ser compreendido. Quando voc alcana esse nvel de ser, subitamente toda a escurido que o envolvia desaparece. Ele se torna um dos seres mais luminosos; no obscuro, no absolutamente obscuro voc que est cego. Lembre-se sempre disso, porque se disser que ele obscuro, estar jogando a responsabilidade sobre ele e tentando fugir de uma transformao possvel, atravs da qual pode encontr-lo. No diga que ele obscuro. Diga: "Somos cegos"; ou: "Nossos olhos esto fechados". A est o sol: voc pode parar diante dele com os olhos fechados e dizer que ele escuro. s vezes tambm acontece de voc abrir os olhos, mas a luz tanta que se fica temporariamente cego. luz demais para suportar, insuportvel subitamente tudo escurece. Os olhos esto abertos e o sol est a, mas ele demais para os seus olhos e voc sente a escurido. 17

E esse o caso Herclito no obscuro. Ou voc est cego ou seus olhos esto fechados, ou h ainda uma terceira possibilidade: quando voc olha para Herclito, ele um ser to luminoso que seus olhos simplesmente perdem a capacidade de ver; insuportvel, a luz demais para voc. Voc no est acostumado a tanta luz e por isso ter de fazer alguns ajustamentos antes de compreender Herclito. E quando ele fala parece enigmtico, parece gostar de charadas, porque usa paradoxos para falar. Aqueles que sabem, sempre falam atravs de paradoxos. H alguma coisa nisso no so enigmticos, so muito simples; mas o que podem fazer? Se a prpria vida paradoxal, o que eles podem fazer? Para evitar paradoxos voc pode criar teorias ntidas e claras, mas sero falsas, no sero verdadeiras em relao vida. Aristteles muito ntido e claro; ele se parece com um jardim cultivado. Herclito parece enigmtico ele uma floresta selvagem. No h nenhum problema com Aristteles; ele evitou o paradoxo e construiu uma doutrina ntida e clara atraente. Voc ficar assustado diante de Herclito, porque ele abre a porta da vida, e a vida paradoxal. Buda paradoxal, Lao-Ts paradoxal, todos os que sabem so paradoxais. O que se pode fazer? A prpria vida paradoxal, e eles tm de ser verdadeiros para com a vida. A vida no lgica. um Logos, mas no lgica. um cosmo, no um caos mas no lgica. A palavra 'Logos' precisa ser entendida, porque Herclito a usar. E a diferena entre 'Logos' e 'lgica' tambm precisa ser entendida. A lgica uma doutrina sobre o que a verdade, e o Logos a prpria verdade. O Logos existencial, a lgica no ; a lgica intelectual, terica. Tente entender. Se voc olhar para a vida, dir que a morte tambm existe. Como evitar a morte? Se voc olhar para a vida, ela est implcita. Cada momento de vida tambm um momento de morte; no possvel separ-las. Isso se torna uma coisa enigmtica. 18

Vida e morte no so dois fenmenos separados; so os dois lados de uma mesma moeda, so dois aspectos de uma mesma moeda. Se voc penetrar profundamente ver que a morte vida e que a vida morte. No momento em que voc nasce, comea a morrer. E sendo assim, quando voc morre comea a viver novamente. Se a morte est implcita na vida, ento a vida tambm est implcita na morte. Uma pertence outra, so complementares. A vida e a morte so como duas asas ou duas pernas: no se pode andar s com a perna direita ou s com a esquerda. Na vida, no se pode ser direitista ou esquerdista, preciso ser ambos ao mesmo tempo. Com uma doutrina pode-se ser direitista ou esquerdista. A doutrina nunca verdadeira para com a vida e no pode ser, porque a doutrina da necessidade precisa ser limpa, ntida e clara, e a vida no assim a vida vasta. Em algum lugar, Whitman, um dos maiores poetas do mundo, disse: "Contradigo a mim mesmo porque sou vasto". Atravs da lgica voc obter uma mente muito estreita no poder ser vasto. Se voc temer as contradies, no poder ser vasto. Ter de escolher, reprimir, evitar a contradio, ter de ocult-la mas ocultando-a, ela desaparecer? Pelo simples fato de no olhar para a morte, voc no morrer? Pode-se evitar a morte, pode-se voltar as costas para ela, pode-se esquec-la completamente. por isso que no falamos sobre a morte; no faz parte das boas maneiras. No falamos sobre ela, ns a evitamos. A morte acontece diariamente, acontece em todo lugar, mas ns a evitamos. No momento em que um homem morre, apressamo-nos em acabar rpido com ele. Fazemos nossos cemitrios fora das cidades para que ningum v. Construmos tmulos de mrmore e neles escrevemos belas frases. Colocamos flores nos tmulos o que se pretende com tudo isso? Tentar enfeit-la um pouco. No Ocidente, ocultar a morte tornou-se uma profisso. Existem profissionais que ajudam evit-la, tornando o corpo morto 19

mais bonito, como se ainda estivesse vivo. O que se est tentando fazer? isso ajuda de alguma maneira? A morte existe. Voc est se dirigindo para o tmulo; onde quer que voc o construa, no faz diferena voc chega l. J est a caminho, est esperando um pouco na fila; est apenas na fila para morrer. Como se pode escapar da morte? Mas a lgica tenta ser clara, e apenas para ser clara ela evita a morte. Diz que vida vida e que morte morte elas esto separadas. Aristteles diz que A A, e nunca B. Isso se tornou a pedra fundamental de todo o pensamento ocidental: evita a contradio amor amor, dio dio; amor nunca dio. Isso tolice porque todo amor implica dio, tem de implicar; assim que a natureza . Voc ama uma pessoa e odeia a mesma pessoa; e assim que tem de ser; no se pode evitar isso. Se voc tentar evitar, tudo se tornar falso. por isso que o seu amor se tornou falso: no verdadeiro, no autntico; no pode ser sincero, uma fachada. Por que isso? Porque voc est evitando o outro. Diz: "Voc meu amigo e um amigo no pode ser inimigo". Ou: "Voc meu inimigo, no pode ser meu amigo"; Mas esses so dois aspectos da mesma moeda o inimigo um amigo oculto, e o amigo um inimigo oculto. O outro aspecto est oculto, mas presente. Isso seria demais para voc. Se voc visse a ambos, isso seria insuportvel. Se voc enxergasse o inimigo no amigo no seria capaz de am-lo. Se pudesse ver o amigo no inimigo no seria capaz de odi-lo. A vida inteira se tornaria um enigma. Herclito chamado de 'O Enigmtico'. Ele no enigmtico, ele verdadeiro para com a vida. Ele simplesmente a relata da maneira como ela . No possui nenhuma doutrina sobre a vida, no um construtor de sistemas simplesmente um espelho. Ele a retrata da maneira como ela . Se o seu rosto muda, o espelho retrata essa mudana; se voc est amando, o espelho retrata esse 20

amor; se no momento seguinte voc est cheio de dio, o espelho retrata esse dio. O espelho no ambguo, verdadeiro. Aristteles no como um espelho, mas como uma fotografia morta. Ela no muda, no se move com a vida. por isso que Aristteles diz que existe alguma falha nesse tal Herclito, alguma falha em seu carter. Para Aristteles, a mente deve ser clara, sistemtica e racional; a lgica deve ser o objetivo da vida e no se deve misturar os opostos. Mas quem os est misturando? Herclito no os est misturando. Eles esto a, misturados. Herclito no responsvel por isso. E como se pode separ-los se na prpria vida eles esto misturados? Sim, pode-se tentar atravs dos livros, mas esses livros sero falsos. Uma afirmao lgica ser basicamente falsa porque no pode ser uma afirmao vital. E uma afirmao vital ser ilgica porque a vida existe atravs das contradies. Olhe para a vida: h contradies em todo lugar mas no h nada de errado na contradio; s porque ela insuportvel sua mente lgica. Se voc atinge uma percepo mstica, ela se torna bela. Na verdade, sem essa percepo no pode haver beleza. Se voc no puder odiar a mesma pessoa que ama, no haver nenhuma tenso em seu amor. Ele ser uma coisa morta, no ter nenhuma polaridade, e tudo ficar velho. O que acontece? Se voc ama uma pessoa, de manh est amando e tarde o amor tornou-se dio. Por qu? Qual a razo disso? Por que isso ocorre na vida? Porque odiando, voc separa; a distncia original outra vez recuperada. Antes de se apaixonarem, vocs eram dois indivduos. Apaixonando-se, tornaram-se uma unidade, tornaram-se uma comunidade. Voc tem de entender esta palavra, 'comunidade'; muito bonita significa unidade comum. Voc se torna uma comunidade, alcana uma unidade comum. A comunidade bela por alguns momentos, mas depois se parece com a escravido. Alcanar a unidade comum durante alguns momentos muito 21

bonito, leva s alturas, a um pico mas no se pode viver para sempre nesse pico. Quem ento iria viver no vale? E o pico s belo porque existe o vale. Se voc no puder voltar de novo ao vale, o pico perder toda a sua altivez. em oposio ao vale que ele um pico. Se voc construir nele uma casa, esquecer que um pico toda a beleza do amor se perder. De manh voc ama, tarde est cheio de dio. Moveu-se para o vale, moveu-se para a posio inicial onde estava antes de se apaixonar agora ambos so novamente indivduos. Ser um indivduo tambm belo porque um relaxamento. Estar no vale escuro calmo, ajuda a recuperar o equilbrio. Depois voc estar novamente pronto para subir ao pico; noite estar amando novamente. Este um processo de separao, depois novamente de unio repetindo-se mais e mais vezes. Quando voc novamente se apaixona depois de um momento de dio, uma nova lua-demel. Se no h nenhuma mudana, a vida se torna esttica. Se voc no se mover para o oposto, tudo envelhecer e ficar aborrecido. por isso que as pessoas que so muito educadas se aborrecem com facilidade porque esto sempre rindo, nunca se zangam. Voc as insulta e elas riem, voc as elogia e elas riem, voc as condena e elas riem so insuportveis. E o sorriso delas perigoso. No pode ser um sorriso profundo, permanece apenas nos lbios, uma mscara. Elas no esto rindo, esto apenas obedecendo a um cdigo. O sorriso delas feio. As pessoas que esto sempre amando e nunca odeiam, nunca se zangam, sero sempre superficiais porque se voc no vai para o oposto, de onde ganhar profundidade? A profundidade vem atravs do movimento para o oposto. Amor dio. Na verdade, no deveramos usar as palavras 'amor' e 'dio'; deveramos usar uma nica palavra, 'amordio'. Um relacionamento amoroso um relacionamento de 'amordio' e muito bonito! Nada h de errado com o dio, porque atravs do dio que se ganha o amor. 22

No h nada de errado em sentir raiva, porque atravs da raiva que voc chega a uma quietude silenciosa. Voc j observou? Todas as manhs os avies passam por aqui um som alto. E ao passarem, deixam em seus rastros um profundo silncio. No parecia to silencioso antes do avio passar, no. Depois que o avio passa, o silncio maior. Caminhando pela rua numa noite escura, de repente passa por voc um carro em alta velocidade; os seus olhos ficam ofuscados pela luz depois que ele passa, a escurido maior do que antes. Atravs do oposto, atravs da tenso dos opostos, tudo vive e torna-se mais profundo. Afaste-se para que voc possa se aproximar; mova-se para o oposto para poder retornar novamente. Um relacionamento amoroso um relacionamento onde se entra tantas vezes quanto possvel em lua-de-mel. Se a lua-de-mel acaba e tudo se acalma, ele est morto qualquer coisa estabelecida est morta. A vida persiste atravs de um movimento constante qualquer coisa que se torne estvel, torna-se morta. As suas contas bancrias so os seus cemitrios; nelas voc morreu. Se voc est totalmente estabilizado, j no est mais vivo, porque estar vivo basicamente mover-se entre os opostos. A doena no m: atravs da doena que voc recupera a sade. Tudo se ajusta na harmonia e por isso que Herclito chamado de o Enigmtico. Lao-Ts o compreenderia profundamente, mas Aristteles no. Infelizmente, Aristteles tornou-se a fonte do pensamento grego. E o pensamento grego, por um infortnio ainda maior, tornou-se a base de toda a mente ocidental. Qual a mensagem de Herclito, a mensagem mais profunda? Entenda-a para que possamos continuar. Ele no acredita em coisas, acredita em processos 'processo', para Herclito, Deus. E se voc observar cuidadosamente, ver que no mundo no existem coisas tudo 23

um processo. Na verdade, errado usar existencialmente a palavra '', porque tudo um vir-a-ser. Nada '', nada! Voc diz: "Isto uma rvore". No momento em que diz isso, ela j cresceu; a sua afirmao j falsa. A rvore no esttica, como ento usar a palavra ''? Ela sempre se transforma, torna-se uma outra coisa. Tudo est crescendo, movendo-se, em um processo. Vida movimento. como um rio sempre se movendo. Herclito diz: "No se pode entrar duas vezes no mesmo rio", porque no momento em que voc for entrar nele pela segunda vez, ele j ter se movido. um fluxo. Pode-se encontrar duas vezes a mesma pessoa? Impossvel! Voc esteve aqui ontem pela manh tambm mas eu sou o mesmo? Voc o mesmo? Os dois rios mudaram. Amanh talvez voc esteja aqui, mas no me encontrar; outro estar aqui. Vida mudana. "Somente a mudana eterna", diz Herclito. E s a mudana no muda nunca. Tudo o mais est mudando. Ele acredita numa revoluo permanente. Tudo est em revoluo. assim que tudo . Ser significa vira-ser. Permanecer significa mover-se no se pode parar, nada esttico. At mesmo as montanhas, os Himalaias, no so estticas; esto se movendo rapidamente. Nascem e depois morrem. Os Himalaias so a cordilheira mais jovem que existe no mundo, ainda esto crescendo. Ainda no atingiram o clmax, ainda so muito jovens, anualmente crescem alguns centmetros. Existem montanhas mais velhas cujos picos j atingiram o seu ponto mais alto; agora esto desmoronando, esto velhas, suas encostas esto se curvando. Essas paredes que vocs esto vendo ao redor, cada uma de suas partculas est em movimento. No se pode ver o movimento porque muito rpido e sutil. Atualmente os fsicos concordam com Herclito e no com Aristteles, lembre-se disso. Sempre que qualquer cincia chega muito perto da realidade, tem de concordar 24

com Herclito e Lao-Ts. Hoje os fsicos dizem que tudo est em movimento. Eddington disse que a nica palavra falsa 'imobilidade'. Nada est imvel, nada pode estar imvel; essa uma palavra falsa, no corresponde a nenhuma realidade. '' existe apenas na linguagem. Na vida, na existncia, no existe nenhum '' todas as coisas so um vir-a-ser. O prprio Herclito, quando fala sobre o rio o smbolo do rio muito, muito profundo em Herclito diz que no se pode entrar duas vezes no mesmo rio, e que mesmo que voc o faa, voc o mesmo e no o mesmo. Parece o mesmo apenas na superfcie no s o rio mudou, voc tambm mudou. Aconteceu de um homem procurar Buda e insult-lo deulhe um tapa no rosto. Buda passou a mo pelo rosto e perguntou ao homem: "Tem algo mais a dizer?" como se ele tivesse dito alguma coisa. O homem ficou confuso, porque no esperava uma resposta dessas. Foi embora. No dia seguinte voltou novamente, pois no conseguira dormir durante toda a noite. Sentiu que havia feito alguma coisa errada e se sentia culpado. Na manh seguinte, chegou, caiu aos ps de Buda e disse: "Perdoe-me". E Buda disse: "Quem ir perdo-lo agora? O homem que voc agrediu no est mais aqui, e o homem que veio aqui para agredir tambm no est assim, quem perdoar quem? Esquea isso, agora nada mais se pode fazer. O que aconteceu no pode ser desfeito acabou! Porque no h ningum, as duas partes esto mortas. O que se pode fazer? Voc um homem novo e eu sou um homem novo". A mensagem mais profunda de Herclito esta: tudo flui e tudo muda; tudo se move, nada esttico. E quando voc se apega a alguma coisa, perde a realidade. Apegar o problema, pois a realidade muda e voc no flui com ela. 25

Ontem voc me amava. Agora sente raiva. Agarrado ao passado, eu lhe digo: "Voc tem de me amar, porque ontem voc me amava e disse que sempre me amaria o que aconteceu?" Mas o que voc pode fazer? Ontem, quando disse que sempre me amaria, no estava sendo falso, mas tambm no estava fazendo uma promessa estava simplesmente expressando um estado de nimo e eu acreditei demais nele. Quando voc o sentiu, quando sentiu que me amaria eternamente, no estava mentindo, lembre-se disso. Naquele momento isso era verdadeiro, era o que voc estava sentindo, mas agora esse sentimento se foi. Aquele que o sentiu no est mais aqui. E o que passou, passou; nada pode ser feito. Voc no pode forar o amor. o que estamos fazendo e com isso causamos muito sofrimento. O marido diz: "Ama-me!". A esposa diz: "Ama-me! Voc prometeu me amar j se esqueceu de quando namorvamos?" Mas esses j se passaram. Aquelas pessoas que estavam l no existem mais. Aquele jovem de vinte anos, lembra-se? voc ainda o mesmo? Muito se passou; o Ganges j correu muito voc j no est mais l. Ouvi contar que certa noite a mulher de Mulla Nasrudin lhe disse: "Voc no me ama mais, no me beija mais, no me abraa mais. Lembra-se de quando me cortejava? voc costumava me morder e eu gostava tanto disso! Pode me morder mais uma vez?" Nasrudin levantou da cama e comeou a andar. Sua mulher perguntou: "Onde voc vai?" Ele respondeu: "Ao banheiro, buscar os meus dentes". No, no se pode entrar duas vezes no mesmo rio. impossvel. No se prenda; se voc se prender criar um inferno. Prender-se o inferno; uma conscincia solta est sempre no paraso move-se de acordo com a situao, aceita-a, no resiste mudana; no h rancores, no h reclamaes, porque assim a 26

vida, assim so as coisas. Voc pode brigar, mas isso no mudar nada. Quando uma pessoa jovem, claro que existem diferentes disposies, porque a juventude tem diferentes estaes. Como poderia um velho ser igual? Um velho com essas disposies parecer ridculo. Como poderia dizer as mesmas coisas? tudo mudou. Quando voc jovem, romntico, inexperiente, sonhador. Quando envelhece, todos os sonhos desaparecem. No h nada de mau nisso, porque quando os sonhos desaparecem voc est prximo da realidade agora entende mais. Voc menos potico, porque agora j no pode sonhar, mas no h nada de errado nisso. Sonhar era uma disposio, uma estao isso muda. E preciso ser verdadeiro para com o estado em que nos encontramos em determinado momento. Seja verdadeiro para com o seu eu mutante, porque essa a nica realidade. por isso que Buda diz que no existe eu. Voc um rio. No h nenhum eu porque no h nada imutvel em voc. Buda foi rejeitado na ndia porque a mente indiana, particularmente a dos Brahmins, dos hindus, acreditava num ser permanente o Atma. Eles sempre disseram que h algo permanente, e Buda disse que somente a mudana permanente nada permanente. Por que voc quer ser uma coisa permanente? Por que quer estar morto? S uma coisa morta pode ser permanente. As ondas vm e vo e por isso o oceano est vivo. Se as ondas parassem, tudo no oceano pararia. Seria uma coisa morta. Tudo vive atravs da mudana e mudar significa mudar para a outra polaridade. Voc se move de um plo a outro, e assim que voc se torna cada vez mais vivo e novo. Durante o dia voc trabalha muito, noite relaxa e vai dormir. De manh voc est novamente vivo e novo para trabalhar. J observou a polaridade? O trabalho ope-se ao relaxamento. Se voc trabalha muito torna-se tenso, cansado, exausto, mas depois cai no profundo vale do repouso, num profundo relaxamento. Voc se afasta da 27

superfcie e move-se para o centro. No mais idntico quele que era na superfcie, no mais aquele nome, aquele ego; no leva consigo nada da superfcie. Simplesmente se esquece de quem , e pela manh sente-se novo. Esse esquecimento bom, renova-o. Tente ficar sem dormir durante trs semanas voc enlouquecer, porque se esqueceu de ir para o oposto. Se Aristteles estivesse certo, ento no dormindo nunca, no se movendo para o oposto, voc se tornaria um homem Iluminado. Mas assim voc ficaria louco. E por causa de Aristteles que existem tantos loucos no Ocidente. Se no se ouvir o Oriente, se no se ouvir Herclito, mais cedo ou mais tarde todo o Ocidente enlouquecer. inevitvel, porque se perdeu a polaridade. A lgica lhe dir exatamente o contrrio. Para que voc possa dormir profundamente noite, a lgica lhe dir para repousar durante todo o dia, para praticar o repouso o dia todo. Isso lgico: pratique o repouso! o que fazem os ricos: repousam o dia inteiro, depois tm insnia e dizem: "No conseguimos dormir". E esto descansando o dia todo deitados em suas camas, em suas espreguiadeiras, repousando o tempo todo. E depois, noite, descobrem que no podem dormir. Esto seguindo Aristteles, so lgicos. Um dia, Mulla Nasrudin foi ao mdico. Entrou tossindo e o mdico lhe disse: "Parece que sua tosse est melhor". Nasrudin disse: " claro que est melhor eu a pratiquei a noite toda". Se voc repousar o dia inteiro, noite estar agitado. Ficar o tempo todo se virando na cama: isso apenas um exerccio que o corpo faz para que se torne possvel algum repouso. No na vida no existe um homem mais errado que Aristteles. Mova-se para o oposto: trabalhe muito durante o dia e dormir profundamente noite. Durma profundamente e pela 28

manh descobrir que capaz de fazer muito trabalho, ter uma infinita energia. Atravs do repouso obtm-se energia; atravs do trabalho obtm-se repouso exatamente o oposto. As pessoas me procuram e dizem: "Temos insnia, no podemos dormir, diga-nos como relaxar!" elas so aristotlicas. Eu digo a elas: "Vocs no precisam relaxar. Dem uma longa caminhada, corram loucamente duas horas de manh, duas horas tarde, e o repouso vir automaticamente. o que sempre acontece! Vocs no precisam de tcnicas de relaxamento; precisam de tcnicas de meditao ativa, no de relaxamento. Vocs j esto relaxados demais; isso o que a insnia significa, que vocs j esto relaxados demais no precisam relaxar mais." A vida move-se de um oposto ao outro. E Herclito diz que esse o segredo, a harmonia oculta; essa a harmonia oculta. Ele muito potico e precisa ser. No pode ser filosfico, porque filosofia significa razo. A poesia pode ser contraditria; pode dizer coisas que os filsofos sentiriam vergonha de dizer a poesia mais verdadeira para com a vida. E os filsofos ficam dando voltas: jamais atingem o ponto central; ficam andando em crculos. A poesia atinge diretamente. Se voc quiser alguns paralelos com Herclito no Oriente, poder encontr-los nos mestres Zen, nos poetas Zen e particularmente na poesia conhecida como haiku. Um dos maiores poetas de Haiku Bash. Bash e Herclito esto incrivelmente prximos, profundamente enlaados; so quase um s. Bash no escreveu nada de um modo filosfico; escreveu em pequenos haikus, apenas trs linhas, haikus de dezessete slabas, pequenas peas. Herclito tambm escreveu fragmentos; no escreveu um sistema tal como o fizeram Hegel ou Kant; ele no um sistematizador escreveu apenas mximas oraculares. Cada fragmento completo em si mesmo, assim como um diamante; cada um perfeito em si mesmo, no tem necessidade de se relacionar com outros. Ele falou de um modo oracular. 29

O mtodo da mxima oracular desapareceu do Ocidente. Somente Nietzsche voltou a escrever dessa maneira: o seu livro "Assim Falava Zaratustra" consiste de mximas oraculares mas depois de Herclito, apenas Nietzsche. No Oriente, todos os que se iluminaram escreveram dessa maneira. So assim os Upanishads, os Vedas, Buda, Lao-Ts, Chuang-Tzu, Bash: apenas mximas. So to pequenas que preciso penetr-las, e na tentativa de entend-las voc acaba se transformando o intelecto no est altura delas. Num pequeno haiku, diz Bash: Na velha lagoa o sapo salta na gua-som Fim! Ele disse tudo. pictrico: pode-se ver uma velha lagoa, um sapo sentado na margem, e o salto do sapo. Pode-se ver a gua espirrando e o som que ela faz. E Bash diz: "Tudo foi dito". Isso tudo o que a vida : uma velha lagoa... o salto do sapo, o som da gua e o silncio. isso que voc ; isso que tudo silncio. Herclito fala da mesma maneira no seu fragmento sobre o rio. Primeiro usa "os sons de um rio" (autoisi potamoisi); antes de dizer qualquer coisa ele usa "o som do rio", e depois a mxima: No se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Ele um poeta, mas no um poeta comum. Os hindus sempre chamaram os poetas de rishis. Existem dois tipos de poetas: um que est sempre sonhando e criando poesia a partir de seus sonhos um Byron, um Shelley, um Keats; e h um outro tipo de poeta, um rishi, que no est mais sonhando olha a realidade, e da realidade nasce a poesia. Herclito um rishi, um poeta que no est mais sonhando, que encontrou a existncia. Ele o primeiro existencialista do Ocidente. Agora, tente penetrar nesta mxima. 30

A harmonia oculta superior aparente.

Por qu? Por que a harmonia oculta superior aparente? Porque a aparente est na superfcie e a superfcie pode enganar; a superfcie pode ser cultivada, pode ser condicionada. No centro voc existencial, na superfcie voc social. O casamento est na superfcie, o amor no centro. O amor possui uma harmonia oculta, o casamento possui uma harmonia aparente. V casa de um amigo. Se voc olhar pela janela e puder vlo brigando com a esposa, notar como o rosto deles feio no momento em que voc entra, tudo muda: eles so to polidos, falam um com o outro com tanta amabilidade. Essa uma harmonia aparente, uma harmonia artificial. No fundo no existe harmonia, mas apenas maneirismos, s uma demonstrao. Um homem real pode parecer desarmnico na superfcie, mas sempre ser harmonioso no centro. Mesmo que se contradiga, em suas contradies haver uma harmonia oculta. Uma pessoa que nunca se contradiz, que totalmente coerente na superfcie, jamais viver uma harmonia real. Existem pessoas coerentes: se amam, amam, se odeiam, odeiam no permitem que os opostos se fundam e se diluam. So absolutamente claras no que diz respeito aos seus inimigos e amigos. So superficiais e inventam uma coerncia. Mas no uma coerncia real: no fundo as incoerncias esto fervilhando; na superfcie so, de certa forma, manipuladas. Voc as conhece porque elas so voc! Na superfcie voc manipula, mas isso no ajuda em nada! No se preocupe demais com a superfcie. Mergulhe mais fundo e no tente escolher um dos dois opostos. Voc ter de viver ambos. E, se puder viv-los sem apego, desligado, se puder viver os dois se puder amar e permanecer uma testemunha, se puder odiar e permanecer um observador, essa observao ser a 31

harmonia oculta. Saber ento que so apenas climas, mudanas de estaes, estados que vm e vo e ver neles a gestalt. Esta palavra alem, gestalt, bela. Afirma que existe uma harmonia oculta entre a figura e o fundo. No so opostos, parecem ser. Por exemplo, numa escola voc v o quadro-negro, e nele o professor escreve com giz branco. Branco e preto so opostos. Sim, para as mentes aristotlicas so opostos: preto preto e branco branco, so as polaridades. Mas por que esse professor escreve em branco no fundo preto? No poderia escrever com giz branco num fundo branco? No poderia escrever em preto sobre preto? Poderia, mas seria intil. O preto precisa ser o fundo e o branco torna-se a figura sobre ele: eles contrastam, h uma tenso sobre os dois so opostos e existe uma harmonia oculta. O branco parece mais branco sobre o preto; essa a harmonia. Sobre o branco, o branco simplesmente desaparecer porque no existe tenso, no existe oposio. Lembre-se: Jesus teria desaparecido se os judeus no o tivessem crucificado. Eles criaram uma gestalt: com a cruz como fundo, Jesus tornou-se mais branco. Jesus teria desaparecido completamente. Por causa da cruz ele permaneceu. E por causa da cruz ele penetrou no corao das pessoas mais do que Buda, mais do que Mahavir. Quase metade do mundo apaixonou-se por Jesus por causa da cruz. Ele era uma linha branca num quadro-negro. Buda uma linha branca num quadro branco: o contraste no existe, no h gestalt; o fundo exatamente igual figura. Se voc apenas amar e no for capaz de odiar, o seu amor no valer a pena, ser simplesmente intil. No ter nenhuma intensidade, no ser uma chama, no ser uma paixo; ser simplesmente frio. Ele pode tornar-se uma paixo e 'paixo' uma bela palavra porque tem intensidade mas como o amor torna-se paixo? Quando o mesmo homem que ama capaz de odiar tambm. A compaixo tem intensidade se o mesmo homem capaz de sentir raiva tambm. Se for incapaz disso, a sua compaixo 32

ser impotente simplesmente impotente! Ele no capaz de fazer nada, e por isso tem compaixo. No pode odiar e por isso ama. Quando se ama apesar do dio, h paixo. Ento torna-se um fenmeno de figura e fundo, h gestalt. E Herclito est falando de uma gestalt mais profunda. A harmonia aparente no realmente harmonia, a harmonia oculta a harmonia real. Portanto, no tente ser coerente na superfcie; em vez disso, encontre uma coerncia nas profundas incoerncias, descubra uma harmonia entre os mais profundos opostos.

A harmonia oculta superior aparente.

Esta a diferena entre um homem religioso e um homem de moral. Um homem de moral harmonioso s na superfcie; um homem religioso harmonioso no centro. Um homem religioso ser sempre contraditrio; um homem de moral sempre coerente. Voc pode contar com um homem de moral, mas no pode contar com um homem religioso. Um homem de moral previsvel; um homem religioso no o nunca. Nunca se sabia como Jesus iria se comportar seus discpulos mais prximos perceberam que no podiam prever o que ele faria. Um homem imprevisvel; fala de amor e de repente entra num templo, tira um chicote e expulsa os mercadores; fala de compaixo, fala em termos de 'amar os inimigos' e arruina todo o templo um rebelde. Um homem que fala de amor parece ser incoerente. Bertrand Russell escreveu um livro chamado "Por que no sou cristo". Nesse livro ele levanta todas as incoerncias. Diz: "Jesus incoerente e parece ser neurtico. Num lugar diz para amar os inimigos, e depois se comporta como se estivesse cheio de raiva no s com as pessoas, mas tambm com as rvores: amaldioou uma figueira. Aproximaram-se de uma figueira e sentiram fome, mas no era poca de figos. Olharam para a rvore e no havia 33

frutos, e conta-se que Jesus amaldioou a rvore. Que homem esse? E fala de amor!" Ele possui uma harmonia oculta, mas Bertrand Russell no pode encontr-la porque um Aristteles moderno. No pode encontr-la, no pode entend-la. bom que ele no seja cristo, muito bom. No pode ser um cristo, no pode ser um religioso. Ele um moralista; cada ato precisa ser coerente mas em relao a qu? Em relao a quem? Com quem deveria ter coerncia? Com o seu passado? Uma assero minha deveria ser coerente com a outra por qu? Isso s seria possvel se o rio no estivesse fluindo. Voc j observou um rio? s vezes vai para a esquerda, s vezes para a direita, s vezes vai para o sul, s vezes para o norte, e voc pode ver o quanto ele incoerente mas h uma harmonia oculta; ele chega ao oceano. Onde quer que esteja indo, a meta o oceano. s vezes ele se move para o sul porque a inclinao para o sul; outras vai para o lado oposto, para o norte, porque a inclinao para o norte mas em todas as direes que ele se move est buscando o mesmo objetivo: o oceano. E voc pode ver que ele o alcana. Imagine um rio coerente, um rio que diga: "Sempre me dirijo para o sul; como posso me mover para o norte? as pessoas diriam que sou incoerente". Esse rio jamais chegaria ao oceano. Os rios dos Russells e dos Aristteles jamais chegam ao oceano; so coerentes demais, so superficiais demais. E no conhecem a harmonia oculta: atravs dos opostos pode-se alcanar o mesmo objetivo. O mesmo objetivo pode ser alcanado atravs dos opostos. Esta possibilidade completamente desconhecida por eles mas ela existe.

A harmonia oculta superior aparente.

Mas difcil, porque voc ter constantes dificuldades. As pessoas esperam coerncia de sua parte e a harmonia oculta no pertence sociedade. Pertence ao cosmo, mas no sociedade. A 34

sociedade um acontecimento criado pelo homem, e todo o plano elaborado por ela considera as coisas estticas. Criou milhes de moralismos, de cdigos, como se tudo fosse imvel. por isso que os moralismos permanecem durante sculos. Tudo muda e as regras mortas permanecem. Tudo est sempre mudando e os chamados moralistas esto sempre pregando as mesmas coisas que so absolutamente irrelevantes mas so coerentes em relao ao passado. Coisas absolutamente irrelevantes permanecem... Por exemplo: no tempo de Maom, os pases rabes tinham quatro vezes mais mulheres do que homens, porque os rabes eram guerreiros e estavam constantemente guerreando, continuamente se matando e cometendo assassinatos entre eles. As mulheres nunca foram to tolas, e assim sobreviveram em nmero cada vez maior: quatro mulheres para cada homem o que fazer ento? Se numa sociedade h quatro vezes mais mulheres, possvel entender o quanto difcil existir nela algum moralismo; a partir da surgem muitos problemas. Assim Maom criou uma lei pela qual cada muulmano poderia se casar quatro vezes... e ainda hoje essa lei vlida. Agora isso se tornou uma coisa feia, mas eles se dizem coerentes em relao ao Alcoro. Agora a situao inteiramente outra, absolutamente diferente: j no existe o qudruplo de mulheres mas a lei permanece. E uma coisa que numa dada situao particular da histria foi uma bela resposta, agora se tornou muito feia. Mas eles obedecem porque os muulmanos so pessoas muito coerentes. No podem mudar; e no podem consultar Maom outra vez, ele no est mais aqui. E os muulmanos so muito espertos: fecharam as portas para quaisquer novos profetas que possam vir; eles poderiam fazer alguma coisa, alguma mudana. Assim, Maom o ltimo a porta est fechada mesmo que o prprio Maom queira voltar. Ele no pode vir porque eles fecharam as portas. Isso sempre acontece. 35

Os moralistas sempre fecham as portas porque qualquer novo profeta sempre criar problemas, pois no ser coerente em relao s regras. Viver o momento. Ter seus prprios discpulos ser coerente com a realidade atual. Mas quem garante que ser coerente com o passado? No existe garantia. Assim, toda tradio moral fecha suas portas. Os jainistas fecharam suas portas: dizem que Mahavir o ltimo e que agora no h mais Teerthankers. Os muulmanos dizem que Maom o ltimo; os cristos dizem que Jesus o filho unignito de Deus, agora nunca mais haver outro todas as portas esto fechadas. Por que os moralistas sempre fecham as portas? Apenas por medida de segurana, porque se um profeta vier, um homem que vive cada momento, virar tudo de pernas para o ar, criar um caos. De alguma maneira voc se estabeleceu: numa igreja, num moralismo, num cdigo; tudo fixo e voc obedece as regras. Na superfcie voc conseguiu uma harmonia aparente. Novamente vem um profeta e recria tudo, perturba tudo, comea a criar tudo outra vez. Um moralista um homem superficial. ele quem vive para as regras, e no as regras para ele. Vive para as escrituras, e no as escrituras para ele. Ele obedece s regras, e no conscincia. Se voc obedecer conscincia, observao, alcanar uma harmonia oculta. No ficar preocupado com os opostos, poder us-los. E quando se pode usar os opostos, tem-se uma chave secreta: pode-se tornar o amor mais bonito atravs do dio. O dio no inimigo do amor. Ele o prprio sal que torna o amor mais belo o fundo. Assim, voc pode intensificar a sua compaixo atravs da raiva, e elas no sero opostas. E isto que Jesus afirma quando diz: "Ame os seus inimigos". Significa: ame os seus inimigos, pois eles no so inimigos so amigos, voc pode us-los. Numa harmonia oculta eles tombam e tornam-se um. A raiva o inimigo use-a, transforme-a num amigo! O dio o inimigo use-o, transforme-o num amigo! Permita que o 36

seu amor cresa mais atravs dele, faa dele um solo e ele se tornar um solo. Esta a harmonia oculta de Herclito: ame o inimigo, use o oposto. O oposto no o oposto apenas o fundo.

A oposio traz concrdia. Da discrdia nasce a mais bela harmonia.

Herclito jamais foi superado.

na mudana que as coisas encontram repouso. As pessoas no compreendem como o divergente consigo mesmo concorda. H uma harmonia de tenses contrrias assim como a do arco e da lira. O nome do arco vida, mas sua funo a morte.
claro que para o racionalista ele parecer enigmtico, obscuro, tenebroso. Mas ser? Ele to cristalino quanto se pode ver, to luminoso. Mas se voc est preso mente racional, torna-se difcil, porque ele diz que da desarmonia nasce a mais bela harmonia: a oposio traz concrdia ame o inimigo. A vida no ter nenhum sabor se a oposio for simplesmente destruda. Imagine um mundo onde no exista o mal. Voc acha que existir o bem? Imagine se no existissem pecadores. Voc acha que todos seriam santos? O santo no pode existir sem o pecador ele precisa do pecador. O pecador no pode existir sem o santo ele precisa do santo. Existe uma harmonia, uma harmonia oculta: so polaridades. E a vida bela por causa de ambos. Deus no pode existir sem o Demnio. Deus eterno, o Demnio tambm eterno. 37

As pessoas me perguntam: "Por qu? Se Deus existe, por que h tanta misria, tanto mal por qu?". porque Deus no pode existir sem isso isso o fundo. S Deus, sem o Demnio, no ter sabor nenhum, ser enjoativo voc O vomitar, no conseguir com-Lo ser nauseante e enjoativo. Deus conhece a harmonia oculta; no pode existir sem o Demnio, portanto no odeie o Demnio use-o. Se Deus o est usando, por que no voc? Se Deus no pode existir sem ele, como voc pode? Assim, os santos reais, os santos que tm intensidade, so como Gurdjieff. Man Watts escreveu a respeito de Gurdjieff: "Ele o santo mais velhaco que conheci!" isso mesmo: ele um velhaco mas o mais sagrado. O prprio Deus assim velhaco, o mais sagrado. Se voc eliminar o Demnio, simultaneamente estar matando Deus. O jogo precisa das duas partes. Quando Ado foi tentado pelo Demnio, era o prprio Deus que o estava tentando. Era uma conspirao. A serpente estava a servio de Deus, o Demnio tambm. A palavra 'Demnio', em si, muito bela; vem da raiz snscrita que significa Divino. 'Divino' vem da mesma raiz, dev, assim como 'Demnio': as duas palavras vm da mesma raiz. como se a raiz fosse a mesma e os galhos diferentes: num galho est o Demnio, no outro est o Divino mas a raiz a mesma: dev. Foi necessria uma conspirao, se no o jogo no poderia continuar. Deve existir uma profunda harmonia essa a conspirao. Deus diz a Ado: "No coma da rvore do Conhecimento". Aqui comea a conspirao, comea o jogo; agora, as primeiras regras foram criadas. O cristianismo perdeu muitas coisas bonitas porque tentou criar uma harmonia aparente. H vinte sculos os telogos cristos preocupam-se com o Demnio: "Como explic-lo?" No preciso, simples, Herclito sabe disso. muito simples, no h necessidade de explicaes. Mas os cristos tm se preocupado porque se o 38

Demnio existe, Deus deve t-lo criado; caso contrrio, como existiria? Se o Demnio existe, Deus deve ter permitido isso; seno, como existiria? E se Deus no pode destru-lo torna-se impotente, e ento voc no pode cham-lo de onipotente. E se Deus criou o Demnio sem saber que iria ser Demnio, ento Ele no onisciente. Ele criou o Demnio sem saber que isso perturbaria o mundo inteiro. Ele criou Ado sem saber que ele comeria o fruto da rvore! Proibiu isso! ento Deus no onisciente. E se o Demnio existe, ento Deus no pode ser onipresente, pois quem ento estaria presente no Demnio? Portanto, Deus no pode estar em toda parte. Pelo menos no no corao do Demnio. E se Ele est no corao do Demnio, por que ento condenar o pobre Demnio? Existe uma conspirao uma harmonia oculta. Deus proibiu Ado de comer s para tent-lo: esta a primeira tentao, porque sempre que se diz "no faa isso", a tentao acontece. O Demnio s vem mais tarde a primeira tentao vem do prprio Deus. Se no fosse assim, se Ado agisse por si mesmo, seria quase impossvel que ele encontrasse a rvore do Conhecimento, pois existiam milhares de rvores no Jardim do den quase impossvel! Inacreditvel! At hoje no descobrimos todas as rvores desta terra; muitas ainda so desconhecidas, no classificadas; h muitas espcies ainda para serem descobertas. E esta terra no nada o Jardim do den era o jardim de Deus: milhares e milhares de rvores, infinitas. Ado e Eva, por si mesmos, jamais teriam encontrado mas Deus os tentou. Nisso eu insisto: a tentao vem de Deus. E o Demnio apenas o outro parceiro do jogo. Ele tentou "no coma!" e imediatamente a rvore foi conhecida, e assim surgiu o desejo. Por que Deus proibiu? Deve haver algum motivo. Para Deus no proibido; Ele prprio come dessa rvore; proibido para ns a mente comeou a funcionar, o jogo comeou. E ento, como parceiro na conspirao, vem o Demnio, a serpente, e diz: 39

"Comam! Porque se comerem, sero como deuses". Este o desejo mais profundo da mente humana: ser como deuses. O Demnio usou o truque porque sabia da conspirao. No se aproximou diretamente de Ado, fez atravs de Eva porque se voc quer tentar o homem, s pode faz-lo atravs da mulher. Diretamente, no h tentao. Toda tentao vem atravs do sexo, toda tentao vem por intermdio da mulher. A mulher mais importante para que o Demnio faa o jogo porque impossvel dizer no a uma mulher que o ama. Pode-se dizer no ao Demnio, mas mulher... E o Demnio veio sob a forma de serpente. um smbolo flico, um smbolo do rgo sexual, pois no existe nada como a serpente para representar o rgo sexual masculino so exatamente iguais. E veio atravs da mulher, pois como dizer no a uma mulher? Mulla Nasrudin arrumou tudo para que sua mulher fosse para as montanhas por causa de sua asma. Mas ela no estava querendo ir e recusou. Disse: "Temo que o ar das montanhas entre em desavena comigo". Mulla Nasrudin disse: "Minha querida, no se preocupe. No existe nenhum ar nas montanhas que seja to valente a ponto de entrar em desavena com voc. No se preocupe". impossvel discordar da mulher que se ama, por isso elas se tornam fceis aliadas do Demnio. A tentao se instalou e Ado comeu a ma da rvore, o fruto do Conhecimento e por isso voc est fora do Jardim do den... e o jogo continua. uma profunda harmonia oculta. Deus no pode agir sozinho. Seria como a eletricidade funcionando apenas com o plo positivo, sem o negativo; Ele estaria funcionando s com o homem, sem a mulher. No, isso Ele j havia tentado antes, mas falhou. Primeiro fez Ado, mas falhou, pois com Ado sozinho o jogo no avanava, no havia continuidade. Ento Deus criou a mulher. 40

E a primeira mulher que Deus criou no foi Eva. Foi Lilith mas ela devia ser adepta do Movimento de Liberao Feminina. Criou problemas, porque disse: "Sou to independente quanto voc". E no primeiro dia, quando foram dormir, comearam os problemas, pois tinham uma s cabana, uma s cama. Quem iria dormir na cama e quem dormiria no cho? Lilith simplesmente disse: "No! Voc dorme no cho". Foi assim que comeou o Movimento de Liberao Feminina. Ado no ouviu e Lilith desapareceu. Ela foi a Deus e disse: "No vou jogar esse jogo". E assim que no Ocidente a mulher est desaparecendo Lilith est desaparecendo e com ela a beleza, a graa, e tudo o mais. Todo o jogo corre perigo, pois existem mulheres que dizem: "No ame um homem". Estive lendo um panfleto que dizia: "Matem o homem! Acabem com todos eles! Se o homem viver no haver liberdade para a mulher". Mas se voc matar o homem, como poder existir? O Jogo precisa dos dois. Lilith desapareceu, e por isso o jogo no podia continuar. Assim Deus teve de criar uma mulher. por isso que Ele tentou dessa vez com um osso do prprio homem, pois uma mulher criada em separado traria os mesmos problemas. Assim, ele usou uma costela de Ado para criar a mulher. Por isso h uma polaridade e tambm uma unidade. So dois, mas pertencem ao mesmo tempo a um s corpo. Este o significado: so dois, opostos, e ao mesmo tempo pertencem ao mesmo corpo, no fundo a raiz a mesma; no fundo so um s corpo. por isso que quando se encontram num abrao profundo e amoroso, tornam-se um s corpo; chegam ao estado em que Ado estava quando s; tornam-se um, fundidos e diludos. Existe oposio para que haja o jogo, mas no fundo h uma unidade interior. As duas coisas so necessrias para que o jogo continue: oposio e ainda assim harmonia. 41

Se houver harmonia absoluta o jogo desaparecer com quem voc iria jogar? E se houver discrdia completa, oposio absoluta, se no houver nenhuma harmonia, ento o jogo tambm desaparecer. A harmonia na discrdia, a unidade na oposio, eis a chave de todos os mistrios.

na mudana que as coisas encontram repouso. As pessoas no compreendem como o divergente consigo mesmo concorda.
O Demnio concorda com Deus, Deus concorda com o Demnio por isso que o Demnio existe.

H uma harmonia de tenses contrrias assim como a do arco e da lira.

Um msico toca com um arco e uma lira; a oposio est apenas na superfcie. Na superfcie h uma coliso, uma luta, um confronto, uma discrdia, mas disso nasce uma bela msica.

A oposio traz concrdia. Da discrdia nasce a mais bela harmonia. O nome do arco vida, mas sua funo a morte.
E morte o seu trabalho, o resultado final. Morte e vida tambm no so dois:

O nome do arco vida, mas sua funo a morte.

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Assim, a morte no pode ser realmente o oposto ela tem de ser a lira. Se o nome do arco vida, o da lira tem de ser morte. E entre ambos surge a mais bela harmonia da vida. Voc est exatamente entre a vida e a morte e no nem uma, nem outra. Por isso no se prenda vida e no tema a morte. Voc a msica entre a lira e o arco. a coliso, o encontro, a fuso, a harmonia e o que de mais belo pode da nascer. No escolha! Se voc escolher, estar errado. Se voc escolher, ficar preso a um s, identificado com um s. No escolha! Deixe que a vida seja o arco e a morte seja a lira e seja a harmonia, a harmonia oculta.

A harmonia oculta superior aparente.

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Cada um tem um mundo particular

(2 discurso - 22 de dezembro de 1974)

Em seus momentos despertos os homens so to negligentes e descuidados com aquilo que os circunda como o so quando adormecidos. Tolos! Embora ouam, so como surdos; a eles aplica-se o adgio: mesmo presentes esto sempre ausentes. No se deve agir ou falar como os que dormem. Os despertos tm um mundo em comum; os adormecidos, cada um o seu prprio mundo privado Tudo o que vemos quando despertos morte, quando adormecidos, so sonhos.
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Herclito toca o problema mais profundo do homem, o de permanecer profundamente adormecido mesmo quando desperto. Voc dorme quando dorme, mas dorme tambm quando est desperto. O que isso significa? pois isso o que diz Buda, o que diz Jesus, o que diz Herclito. Voc parece bem acordado, mas apenas na aparncia; no fundo est sempre dormindo. At mesmo agora est dormindo por dentro: continuam mil e um pensamentos e voc no tem conscincia do que est acontecendo, no percebe o que est fazendo, no sabe quem voc . Move-se como as pessoas que se movem dormindo. Voc j deve ter visto algum que se move dormindo, faz uma coisa, faz outra, e depois volta para a cama. H uma doena chamada sonambulismo. Muitos levantam-se noite de suas camas; seus olhos esto abertos, podem se mover! movimentam-se, encontram a porta. Vo cozinha, comem alguma coisa, voltam e deitam-se na cama. E se de manh algum pergunta o que fizeram, eles no sabem dizer. No mximo, se tentarem se lembrar, acharo que noite tiveram um sonho no qual se levantaram e foram cozinha mas, no mximo, foi um sonho; mesmo isso difcil lembrar. Muitas pessoas cometeram crimes; muitos assassinos disseram no tribunal que no se lembravam de ter feito tal coisa. No que estivessem tentando enganar a corte. No. Agora os psicanalistas descobriram que eles no esto enganando, no esto mentindo; acreditam totalmente nisso. Eles cometeram assassinato quando dormiam profundamente; realmente cometeram como num sonho. Esse sono mais profundo que o comum. Esse sono como estar bbado: voc pode se movimentar um pouco, fazer algumas coisas, pode tambm estar um pouco consciente mas bbado; no sabe exatamente o que est acontecendo. O que voc fez no passado? Pode se lembrar exatamente? Por que fez o que fez? O que aconteceu com voc? Estava alerta enquanto estava acontecendo? Voc se apaixona e no 45

sabe por qu, sente raiva e no sabe por qu. claro que pode encontrar desculpas; racionaliza tudo o que faz mas racionalizao no conscincia. Conscincia significa que tudo o que est acontecendo no momento acontece com plena conscincia: voc est presente. Se voc est presente quando a raiva est acontecendo, a raiva no acontece. S pode acontecer se voc estiver profundamente adormecido. Quando est presente, comea uma transformao imediata em seu ser, porque quando se est presente, atento, muitas coisas simplesmente no so possveis. Tudo o que se chama de 'pecado' no possvel quando voc est alerta. Assim, na verdade s existe um pecado, que a inconscincia. A origem da palavra 'pecado' estar ausente. No significa cometer alguma coisa errada; significa simplesmente estar parte, estar ausente. A raiz hebraica para a palavra 'pecado' significa estar ausente. Isso ocorre em algumas palavras inglesas: 'misconduce' (ausncia de conduta) e 'misbehavior' (ausncia de comportamento). O verbo 'to miss' significa no estar presente, fazer alguma coisa sem estar presente este o nico pecado. E a nica virtude consiste em fazer alguma coisa em completo alerta o que Gurdjieff chama de lembrana de si, o que Buda chama de estar corretamente atento, o que Krishnamurti chama de conscincia, o que Kabir chamou de surati: estar presente! Isso tudo o que preciso, mais nada; voc no precisa mudar nada. E mesmo que tente ajudar, no pode. Voc tem tentado mudar muitas coisas dentro de si. Conseguiu? Quantas vezes decidiu no sentir raiva novamente? O que houve com a sua deciso? Quando chega a hora voc cai de novo na mesma armadilha: sente raiva e quando a raiva se vai, voc se arrepende. Tornou-se um crculo vicioso: descarrega a raiva e se arrepende, depois est pronto para descarregar outra vez. Lembre-se: mesmo quando est se arrependendo, voc no est presente; esse arrependimento tambm faz parte do pecado. 46

por isso que nada acontece. Voc continua tentando, tentando, toma muitas decises, faz muitas promessas, mas nada acontece voc permanece igual, exatamente o mesmo que quando nasceu, nem uma leve mudana aconteceu em voc. No que voc no tenha tentado, no que no tenha feito o suficiente. Voc tentou, tentou, tentou, e fracassou, porque no uma questo de esforo. Mais esforo no vai adiantar. uma questo de estar alerta, e no de se esforar. Se voc est alerta, muitas coisas simplesmente desaparecem; voc no precisa abandon-las. Quando se est alerta certas coisas so impossveis. Esta minha definio de pecado: estando alerta, certas coisas no so possveis elas so pecados; estando alerta, somente certas coisas so possveis as virtudes. No existe nenhuma outra definio, nenhum outro critrio. Voc no pode se apaixonar se estiver alerta; apaixonar-se um pecado. Voc pode amar, mas isso no ser uma queda, ser uma ascenso. Por que se usa o termo 'cair de amor'? uma queda; voc est caindo, no se elevando. Em estado de alerta, cair impossvel nem mesmo por amor. No possvel, simplesmente impossvel! Estando alerta, impossvel voc se eleva no amor. E elevar-se no amor um fenmeno totalmente diferente de cair de amor. Cair de amor um estado de sonho. Por isso possvel ver as pessoas apaixonadas pelos seus olhos: como se elas estivessem mais adormecidas do que as outras, estivessem intoxicadas, sonhando. Pode-se ver que os seus olhos revelam uma sonolncia. As pessoas que se elevam no amor so totalmente diferentes. Pode-se ver que elas no esto mais num sonho, esto vendo a realidade e crescendo atravs dela. Caindo de amor voc permanece criana; elevando-se no amor voc amadurece. E aos poucos o amor vai se tornando no um relacionamento, mas um estado de ser. E, assim, voc no ama mais isso ou aquilo, no voc simplesmente ama. Seja quem for que se aproxime, voc compartilha. D o seu amor a tudo o que est 47

acontecendo. Toca uma pedra como se estivesse tocando o corpo da pessoa amada. Olha as rvores como se estivesse olhando para a pessoa amada. Torna-se um estado de ser, No que voc esteja amando agora, voc amor. Isto elevar-se e no cair. O amor belo quando atravs dele voc se eleva, e o amor torna-se sujo e feio quando atravs dele voc cai. E mais cedo ou mais tarde voc acaba descobrindo que um veneno, torna-se uma escravido. Voc foi apanhado nele, a sua liberdade foi massacrada, as suas asas foram cortadas, agora voc no mais livre. Cair no amor tornar-se possessivo; voc possui e permite que o outro o possua. Voc se torna uma coisa e tenta transformar o outro por quem voc se apaixonou numa coisa. Veja um marido e uma esposa: ambos tornaram-se objetos, no so mais pessoas. Ambos esto tentando possuir um ao outro somente as coisas podem ser possudas, as pessoas jamais! Como se pode possuir uma pessoa? Como se pode dominar uma pessoa? Como se pode converter uma pessoa em posse? Impossvel! Mas o marido est tentando possuir a esposa; a esposa est tentando a mesma coisa. H ento uma coliso, ambos se tornam basicamente inimigos, destroem-se mutuamente. Aconteceu que certa vez Mulla Nasrudin foi ao escritrio de um cemitrio e reclamou ao gerente: "Sei que minha esposa est enterrada aqui em seu cemitrio, mas no consigo encontrar o seu tmulo". O gerente consultou os registros e perguntou: "Qual o nome dela?" Mulla respondeu: "Senhora Mulla Nasrudin". Ele olhou novamente e disse: "No h nenhuma Senhora Mulla Nasrudin, mas sim um Mulla Nasrudin". E continuou: "Sentimos muito, parece que h alguma coisa errada no registro". Nasrudin disse: "No h nada errado. Onde o tmulo de Mulla Nasrudin? porque tudo est no meu nome". 48

At mesmo o tmulo da esposa! Possessividade... todos esto querendo possuir: a pessoa amada, o amante. Isso no amor. Na verdade, quando voc possui uma pessoa, est odiando, destruindo e matando, voc um assassino. O amor deveria ser liberdade; amor liberdade. O amor deixa a pessoa amada cada vez mais livre, o amor d asas e abre um vasto cu ele no pode tornar-se uma priso, uma clausura. Mas esse amor voc no conhece porque ele s acontece quando se est alerta; essa qualidade de amor s vem quando h conscincia. Voc conhece o amor que um pecado, porque ele vem do seu sono. E assim com tudo o que voc faz. Mesmo que tente fazer alguma coisa boa, voc causa danos. Veja os benfeitores: sempre causam danos, so as pessoas mais nocivas do mundo. Os reformadores sociais, os chamados revolucionrios, so as pessoas mais nocivas. Mas difcil ver onde est o veneno porque so pessoas muito boas, esto sempre fazendo o bem aos outros esta a maneira de criarem uma priso para o outro. Se voc permitir que faam algo de bom a voc, acabar sendo possudo. Comeam massageando seus ps, e mais cedo ou mais tarde voc percebe que as mos j alcanaram o seu pescoo; comeam pelos ps e acabam no pescoo porque eles no tm conscincia, no sabem o que esto fazendo. Aprenderam um truque: se voc quiser possuir algum, faa o bem. Nem mesmo tm conscincia de que aprenderam esse truque. Mas eles acabam causando danos porque qualquer coisa, qualquer coisa que seja uma tentativa de possuir outra pessoa, sob qualquer nome ou forma, irreligiosa, um pecado. As suas igrejas, os seus templos, as suas mesquitas, todos pecaram em relao a voc porque tornaram-se possuidores, so formas de dominao. Toda igreja contrria religio porque religio liberdade. O que acontece? Jesus tenta dar liberdade, dar asas a voc. O que acontece depois, como aparece a igreja? Ela aparece porque Jesus vive num plano de ser totalmente diferente, o plano da conscincia; 49

e aqueles que o ouvem, aqueles que o seguem, vivem no plano do sono. Interpretam tudo o que ouvem; interpretam atravs de seus prprios sonhos e tudo o que eles criam pecado. Cristo lhes oferece religio e depois as pessoas que esto dormindo profundamente convertem isso numa igreja. Conta-se que, certa vez, Sat, o Demnio, estava muito triste sentado sob uma rvore. Passou por ali um santo, olhou para Sat e disse: "Ouvimos dizer que voc no repousa nunca, que est sempre fazendo maldades num lugar ou noutro. O que est fazendo aqui sentado sob uma rvore?" Sat estava realmente deprimido. Disse: "Parece que os padres assumiram a direo do meu trabalho e eu no posso fazer nada estou completamente desempregado. s vezes penso em me suicidar porque esses padres fazem tudo to bem". Os padres tm trabalhado muito bem porque converteram a liberdade em priso, converteram a liberdade em dogmas converteram todas as coisas do plano da conscincia em coisas do plano do sono. Procure entender o que exatamente esse sono, porque se voc puder sentir o que , j comeou a ficar alerta! j est a caminho de sair dele. O que esse sono? Como ele acontece? Qual o mecanismo? Qual o seu modus operandi? A mente sempre est no passado ou no futuro este o seu modus operandi jamais est no presente. No pode estar no presente, absolutamente impossvel para a mente estar no presente. Quando voc est no presente, a mente no est mais, porque mente significa pensamento. Como se pode pensar no presente? Pode-se pensar no passado; ele j se tornou parte da memria, a mente pode manipul-lo. Pode pensar no futuro; ele ainda no existe, a mente pode sonhar com ele. A mente pode fazer duas coisas: mover-se para o passado h bastante espao para se 50

mover no vasto espao do passado, voc pode ir at onde quiser; ou mover-se para o futuro outra vez um vasto espao, sem fim, no qual voc pode imaginar e sonhar vontade. Mas como a mente pode funcionar no presente? No h nenhum espao; o presente no tem espao para que a mente se movimente. O presente somente uma linha divisria, nada mais. No tem nenhum espao, divide o passado e o futuro; s uma linha divisria. Pode-se estar no presente, mas no se pode pensar; para pensar necessrio espao. Os pensamentos precisam de espao, so como as coisas lembre-se disso. Os pensamentos so coisas sutis, so concretos; no so espirituais, pois a dimenso do espiritual s comea quando no existem pensamentos. Os pensamentos so coisas materiais, muito sutis, e tudo o que material precisa de espao. No se pode estar pensando no presente; o momento em que voc comea a pensar, j passado. Voc v que o sol est nascendo; v e diz: "Que belo nascer de sol" ele j passado. Quando o sol est nascendo no h margem nem para se dizer: "Que bonito!", porque ao pronunciar essas palavras, a experincia j se tornou passada, a mente j a apreendeu na memria. Mas exatamente no momento em que o sol est nascendo, exatamente quando est se erguendo, como se pode pensar? Voc pode estar com o sol nascente, mas no pode pensar. H espao suficiente para voc, mas no para os pensamentos. Ao ver uma bonita flor no jardim, voc comenta: "Que rosa bonita". Nesse momento, j no est mais com a rosa; ela j uma memria. Quando a flor e voc esto presentes, ambos presentes, um diante do outro, como voc pode pensar? O que pode pensar? Como o pensamento possvel? No h espao para isso. O espao to estreito na verdade no h nenhum espao que voc e a flor nem mesmo podem existir como dois, porque no h espao suficiente para dois. Somente um pode existir. por isso que numa profunda presena voc a flor e a flor torna-se voc. Voc tambm um pensamento a flor tambm 51

um pensamento na mente. Quando no h pensamento, quem a flor e quem a est observando? O observador torna-se o observado. De repente os limites se perdem. De repente voc penetrou na flor e a flor penetrou em voc. De repente vocs no so dois s existe um. Quando comea a pensar, voc se torna dois novamente. Se voc no pensa, onde est a dualidade? Quando voc existe com a flor, sem pensar, h um dilogo; no um dueto, mas um dilogo. Quando voc est com o seu amante h um dilogo, no um dueto, pois no existem dois. Sentado ao lado da pessoa que voc ama, de mos dadas com ela, voc simplesmente existe. No pensa nos dias passados que j se foram; no pensa no futuro que ainda no veio est aqui e agora. E to belo estar aqui e agora, e to intenso; nenhum pensamento pode penetrar nessa intensidade. E a passagem estreita a porta para o presente estreita! Nem mesmo dois podem entrar juntos, apenas um. No presente, no possvel pensar, no possvel sonhar, pois sonhar nada mais do que pensar com figuras. Ambos so coisas, ambos so materiais. Quando voc est no presente sem pensar, pela primeira vez est sendo espiritual. Uma nova dimenso se abre essa dimenso a conscincia. Por voc ainda no conhecer essa dimenso, Herclito diz que voc est dormindo, no est alerta. Estar alerta significa estar to totalmente no momento, que no h nenhum movimento em direo ao futuro todo o movimento cessa. Isso no significa que voc se torne esttico. Um novo movimento tem incio, um movimento em profundidade. Existem dois tipos de movimento isso que a cruz de Jesus significa; indica dois movimentos, um cruzamento. Um deles linear: voc se move numa linha, de uma coisa para outra, de um pensamento para outro, de um sonho para outro; de A para B, de B para C e de C para D. assim que voc se move, linearmente, horizontalmente. esse o movimento do tempo; o movimento de 52

quem est dormindo profundamente. um vai e vem, para frente e para trs h uma linha. Voc pode ir de B para A ou de A para B h uma linha. Existe um outro movimento que acontece numa dimenso totalmente diferente. Esse movimento no horizontal, vertical. Voc no vai de A para B, de B para C; vai de A para um A mais profundo: de A1 para A2, A3, A4, em profundidade ou em altura. Quando o pensamento pra, esse novo movimento tem inicio. Agora voc cai nas profundezas, num fenmeno semelhante a um abismo. As pessoas que esto meditando profundamente, mais cedo ou mais tarde chegam a esse ponto; depois sentem medo, pois como se um abismo infinito estivesse aberto; voc se sente tonto, sente medo. Gostaria de se prender ao velho movimento porque era conhecido; este lhe d uma sensao de morte. o significado da cruz de Jesus: a morte. Morrer ir do horizontal para o vertical esta a morte real. Mas uma morte unilateral; do outro lado est a ressurreio; morrer para renascer; morrer numa dimenso e renascer em outra. Na horizontal, voc Jesus; na vertical, voc se torna Cristo. Se voc vai de um pensamento para outro, permanece no mundo do tempo. Se voc se move no momento, e no no pensamento, move-se na eternidade; voc no esttico nada neste mundo esttico, nada pode ser mas h um novo movimento, um movimento desmotivado. Lembre-se destas palavras. Na linha horizontal voc se move com uma motivao. Tem de conseguir alguma coisa dinheiro, prestgio, poder, ou Deus; mas tem de conseguir alguma coisa, h uma motivao. Movimento motivado significa sono. Um movimento desmotivado significa conscincia voc se move pelo puro prazer de se mover, move-se porque movimento vida, move-se porque vida energia e energia movimento. Voc se move porque energia prazer por mais nada. No h nenhum 53

objetivo, voc no est atrs de nada. Na verdade, no est indo a parte alguma, nem mesmo est indo est simplesmente se deleitando com a energia. No h nenhum objetivo alm do movimento; o movimento tem seu prprio valor intrnseco, nenhum valor extrnseco. Um Buda tambm vive; um Herclito tambm vive; eu estou aqui, respirando mas em um tipo diferente de movimento: desmotivado. Algum esteve perguntando h poucos dias atrs: "Por que voc auxilia as pessoas na meditao?" E eu respondi: "Por prazer. No existe um por que simplesmente gosto". Assim como algum gosta de plantar sementes num jardim esperando pelas flores, eu gosto de ver voc florescer. como a jardinagem. Quando algum floresce h um puro deleite. E eu compartilho. No h nenhum objetivo nisso. Se voc fracassa, eu no me sinto frustrado. Se voc no floresce, tambm est tudo bem, pois no se pode forar uma florescncia. No se pode forar um boto a se abrir pode-se faz-lo, mas ento ele morrer. Talvez se parea com um desabrochar, mas no . O mundo inteiro se move, a existncia se move para a eternidade; a mente se move no tempo. A existncia est se movendo para baixo e para o alto; a mente se move para frente e para trs. A mente se move horizontalmente: isso sono. Se voc pode se mover verticalmente, isso conscincia. Esteja no momento. Traga todo o seu ser para o momento. No permita que o passado interfira, e no deixe o futuro entrar! No h mais passado, ele est morto. E Jesus diz: "Deixe que os mortos enterrem seus mortos". O passado no existe mais! Por que voc se preocupa com ele? Por que fica ruminando sem parar? Voc enlouqueceu? Ele no existe mais est apenas em sua mente, apenas uma memria. O futuro ainda no existe. O que voc vai pensar a respeito do futuro? Como se pode pensar naquilo que ainda no ? Que plano se pode fazer? Tudo o que voc fizer a 54

respeito dele no ir acontecer e voc se frustrar, porque o Todo tem seus prprios planos. Por que voc quer ter os seus planos em contraposio aos planos do Todo? A Existncia tem seus planos, mais sbia do que voc o Todo tem de ser mais sbio do que a parte. Por que voc finge ser o Todo? O Todo tem seu prprio destino, a sua prpria satisfao. Por que voc se preocupa? Assim, tudo o que voc fizer ser pecado porque estar perdendo o momento, este momento. E se isso se tornar um hbito e torna-se; quando voc comea a perder o momento, isso se torna uma coisa habitual quando o futuro vier, mais uma vez voc o perder, porque ento no ser um futuro, ser um presente. Ontem voc estava pensando sobre hoje, porque hoje ainda era amanh; agora hoje e voc est pensando no amanh; e quando o amanh vier ser hoje pois tudo o que existe, existe aqui e agora, no pode ser diferente. E se voc tiver uma maneira fixa de pensar, de modo que sua mente olhe sempre para o amanh, quando voc viver? O amanh nunca vem. Voc estar sempre deixando passar e esse o pecado. Esse o significado da raiz hebraica de 'pecar'. No momento em que o futuro entra, entra o tempo. Voc pecou contra a existncia, deixou-a passar. E isso se tornou um padro fixo: como um rob, voc a vai deixando passar. Existem pessoas que me procuram vindas de pases distantes. Quando esto l, pensam em mim e ficam muito excitadas a meu respeito; elas lem, pensam e sonham. Quando chegam aqui comeam a pensar em suas casas; mal acabaram de chegar j querem voltar. Comeam a pensar em seus filhos, suas mulheres, no trabalho, em mil e uma coisas. E eu vejo toda a tolice. Voltaro e outra vez estaro pensando em mim. Elas perdem o momento, e isso pecado. Enquanto voc estiver aqui comigo, esteja comigo; esteja totalmente aqui comigo para que possa aprender um outro movimento, para que possa se mover na eternidade e no no tempo. 55

O tempo o mundo e a eternidade Deus; o mundo horizontal e Deus vertical. Ambos se encontram num ponto onde Jesus crucificado. Ambos se encontram, o horizontal e o vertical se encontram num ponto o ponto aqui e agora. A partir do aqui e do agora pode-se iniciar duas jornadas: uma jornada no mundo, no futuro; ou uma jornada para Deus, para as profundezas. Esteja cada vez mais atento, cada vez mais alerta e sensvel para o presente. O que voc far? Como poder tornar isso possvel? Pois voc est to adormecido, que pode fazer disso tambm um sonho. Pode fazer disso um objeto de pensamento, um processo de pensamento. Pode tornar-se to tenso a respeito que isso bastar para impedi-lo de estar no presente. Se voc pensar demais em como estar no presente, isso no o ajudar. Se voc se sentir muito culpado... acontecer de s vezes voc se mover para o passado; isso tem sido uma longa rotina e s vezes voc comear a pensar no futuro imediatamente voc se sentir culpado por ter pecado novamente. No se culpe; entenda o pecado, mas no se culpe e isso muito delicado. Se voc se culpar ter deixado passar tudo. Agora, de uma nova maneira, o velho padro se repetir: voc se sentir culpado porque deixou passar o presente. Agora voc pensa no passado porque esse presente no est mais presente; j passado e voc est se sentindo culpado por isso ainda est deixando passar. Portanto, lembre-se de uma coisa: sempre que perceber que foi para o passado ou para o futuro, no crie problemas por isso; simplesmente venha para o presente, sem criar problemas. Tudo bem! Apenas retome a conscincia. Perder milhes de vezes; isso no vai acontecer agora, imediatamente. Pode acontecer, mas no acontece por sua causa. O seu comportamento est fixado a tanto tempo, que voc no pode mud-lo agora. Mas no se preocupe, Deus no tem pressa; a eternidade pode esperar eternamente. No crie uma tenso em relao a isso. Sempre que voc sentir que 56

deixou passar, volte; s isso. No se sinta culpado; isso um truque da mente, ela est outra vez fazendo um jogo. No se arrependa por ter-se esquecido. Apenas, quando pensar, volte ao que estava fazendo: se estava tomando banho, volte; se estava comendo, volte; se havia sado para um passeio, volte simplesmente, inocentemente. No crie culpa. Se voc se sentir culpado perder o ponto. Existe pecado, no existe culpa mas isso difcil para voc. Se voc sente que existe alguma coisa errada, imediatamente se sente culpado. A mente ladina demais. Se voc se sente culpado porque o jogo acaba de comear; o terreno novo, mas o jogo velho. As pessoas me procuram e dizem: "Estamos sempre nos esquecendo". E esto to tristes quando dizem: "Estamos sempre nos esquecendo. Tentamos, mas s conseguimos lembrar durante alguns segundos. Permanecemos alerta, lembrando-nos de ns mesmos, e ento deixamos passar o que fazer?" Nada pode ser feito. No se trata de fazer coisa alguma. Fazer o qu? A nica coisa possvel no criar culpa. Simplesmente, volte. Quanto mais voc voltar... simplesmente, lembre-se, no com uma cara muito sria, no com muito esforo; simplesmente, inocentemente, no faa disso um problema, porque a eternidade no tem nenhum problema. Todos os problemas existem num plano horizontal; esse tambm existe num plano horizontal. O plano vertical no conhece problemas puro deleite; sem qualquer ansiedade, sem qualquer angstia, sem qualquer preocupao, sem qualquer culpa, sem nada. Seja simples e volte. Muitas vezes voc deixar passar isso certo; mas no se preocupe com isso, assim mesmo. Deixar passar muitas vezes, mas no esse o ponto. No preste muita ateno ao fato de que muitas vezes voc perdeu: d mais ateno ao fato de que muitas vezes voc recuperou a lembrana. Lembre-se disso. A nfase no deve ser dada ao fato de ter perdido muitas vezes, mas sim ao fato 57

de ter recuperado a lembrana a cada vez. Sinta-se feliz por isso. Que voc perca, claro, o que tem de ser. Voc humano, viveu no plano horizontal durante muitas vidas, portanto, natural. O que belo que muitas vezes voc voltou. Voc fez o impossvel; sinta-se feliz por isso! Em vinte e quatro horas, deixar passar vinte e quatro mil vezes, mas recuperar todas as vinte e quatro mil. Agora uma nova maneira comear a funcionar. Muitas vezes voc voltar para casa e assim, aos poucos, uma nova dimenso ir se abrindo. Cada vez mais conseguir estar atento, e cada vez menos ir para frente e para trs. A distncia entre as idas e vindas ser cada vez menor. Cada vez menos voc esquecer, e cada vez mais se lembrar voc est entrando na vertical. Um dia, subitamente, a horizontal desaparece. H uma intensidade de conscincia e o horizontal desaparece. por isso que os shankaras, os vedantas e os hindus chamam este mundo de ilusrio. Porque quando a conscincia torna-se perfeita este mundo, este mundo que voc criou a partir da sua mente, simplesmente desaparece. Outro mundo se revela a voc. Maya desaparece, a iluso desaparece. A iluso existe por causa do seu sono, da sua inconscincia. como um sonho. noite voc se movimenta no sonho, e enquanto est sonhando, tudo verossmil. Alguma vez voc j pensou, enquanto sonha: "Isso no possvel"? No sonho o impossvel acontece, mas no se pode duvidar. Voc tem tanta f quando sonha; nos sonhos ningum ctico, nem mesmo Bertrand Russell. No! Nos sonhos, todos so como crianas, acontea o que acontecer. Voc v num sonho a sua mulher chegando de repente ela se torna um cavalo. Nem por um momento voc diz: "Como isso possvel?" Sonhar confiar, ter f. No se pode duvidar num sonho. Se voc duvida num sonho, infringe as regras. Quando voc duvidar, o sonho comea a desaparecer. Se pelo menos uma vez 58

voc se lembrar que um sonho, isso subitamente se tornar um choque, o sonho ser despedaado e voc despertar completamente. Este mundo que voc v sua volta no um mundo real. No que ele no exista. Existe mas voc o v atravs de uma tela de sono, entre ambos h uma inconscincia. Voc olha para ele, interpreta-o sua maneira, voc exatamente como um bbado. Certa vez, Mulla Nasrudin chegou correndo. Estava totalmente bbado e o ascensorista j ia fechar a porta do elevador, mas de alguma maneira Nasrudin foi empurrado para dentro. Estava superlotado. Todos perceberam que ele estava bbado; cheirava a bebida. Tentou disfarar; tentou se virar para a porta, mas no via nada seus olhos tambm estavam bbados e sonolentos. Tentava ficar em p, mas era impossvel. Sentiu-se ento muito envergonhado porque todos o olhavam e achavam que ele estava completamente bbado; ele podia sentir isso. Ento, de repente, esqueceu-se de onde estava e disse: "Vocs devem estar se perguntando porque organizei esta reunio". Vendo tantas pessoas ao redor, ele pensou que tinha marcado uma reunio e que as pessoas queriam saber o motivo. As pessoas comearam a rir. Na manh seguinte, ele j estava bom. E ele mesmo comeou a rir como elas. Todos os Budas riem quando acordam. Riem como um leo rugindo. Riem, no de voc, mas de toda a piada csmica. Viviam num sonho, num sono, completamente intoxicados pelo desejo, e atravs desse desejo olhavam para a existncia. E a existncia no era real, eles projetavam nela o sonho que era deles mesmos. Voc toma toda a existncia como uma tela, depois projeta nela a sua prpria mente e v coisas que no existem, deixando de ver as que existem. E a mente tem explicaes para tudo. Se voc levanta uma dvida, a mente explica. Cria teorias, filosofias, 59

sistemas, s para se sentir confortvel, assegurando-se de que no h nada errado. Todas as filosofias existem para tornar a vida conveniente, para que tudo parea bem, para que no haja nada errado mas tudo est errado quando voc est adormecido. Um homem me procurou. Estava preocupado; era pai de uma linda menina. Estava muito preocupado. Disse: "Todas as manhs ela se sente mal, e eu a tenho levado a todos os mdicos e eles dizem que no h nada errado. O que fao?" Ento eu lhe disse: "Procure Mulla Nasrudin; o cara mais sbio que h por aqui e conhece tudo, pois nunca o ouvi dizer: 'Eu no sei'. V at l". Ele foi. Eu fui atrs s para ver o que Nasrudin ia dizer. Nasrudin fechou os olhos, contemplou o problema, depois abriu os olhos e disse: "Voc d leite para ela antes de dormir?" O homem respondeu: "Sim!" Nasrudin continuou: "Encontrei o problema: se voc d leite a uma criana, ela fica se revirando na cama, de um lado para o outro, e com essa agitao o leite coalha. A coalhada torna-se queijo, o queijo torna-se manteiga, a manteiga torna-se gordura, a gordura torna-se acar e o acar torna-se lcool e claro que de manh ela est de ressaca". Assim so todas as filosofias; algumas explicaes para as coisas; algumas explicaes para coisas que no podem ser explicadas; pretenses de conhecimento sobre alguma coisa que no conhecida. Mas elas tornam a vida mais conveniente. Voc consegue dormir melhor, so como tranqilizantes. Lembre-se, esta a diferena entre religio e filosofia: a filosofia um tranqilizante, a religio um choque; a filosofia ajuda-o a dormir bem, a religio o retira do sono. A religio no uma filosofia uma tcnica para arrebat-lo da sua inconscincia. 60

E todas as filosofias so tcnicas para ajud-lo a dormir bem; oferecem-lhe sonhos, utopias. A religio priva-o de todos os sonhos, de todas as utopias. A religio o traz para a verdade e a verdade s possvel quando voc no est sonhando. Uma mente sonhadora no pode ver a verdade. Uma mente sonhadora converte a prpria verdade em sonho. Voc j observou? Voc liga o despertador; precisa acordar s quatro horas da manh, precisa pegar o trem. De manh o despertador toca e a sua mente cria um sonho: voc est num templo e os sinos do templo esto soando e tudo est explicado. O alarme no pode mais acord-lo, no mais problema; voc j o explicou imediatamente! A mente sutil. E agora os psicanalistas esto muito preocupados sobre como isso acontece, sobre como a mente pode criar de imediato, to imediatamente. difcil! a mente deve projetar de antemo. Como, de repente, voc se encontra numa igreja ou num templo onde os sinos esto tocando? O alarme toca imediatamente voc tem uma explicao dentro do sonho. Est tentando evitar o alarme, no quer se levantar, no quer sair da cama numa noite to fria. A mente diz: "Isso no o alarme, um templo que voc est visitando". Tudo se explica e voc volta a dormir. isso o que as filosofias esto fazendo, e por isso que existem tantas filosofias porque cada um precisa de uma explicao diferente. Uma explicao que ajude uma outra pessoa a adormecer no servir para voc. E isso o que Herclito diz nesta passagem.

Em seus momentos despertos os homens so to negligentes e descuidados com aquilo que os circunda como o so quando adormecidos.
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Dormindo, voc no percebe aquilo que est acontecendo sua volta, mas durante as horas em que est acordando voc tem conscincia das coisas que o rodeiam? Muita pesquisa tem sido feita. Noventa e oito por cento das mensagens que chegam sua mente no tm permisso para entrar noventa e oito por cento! E os dois por cento restantes a mente interpreta. Eu digo uma coisa e voc ouve outra qualquer. Eu digo uma coisa e voc a interpreta de uma maneira tal que no perturbe o seu sono. Imediatamente sua mente lhe d uma interpretao. Voc encontra na mente um lugar para ela e a mente a absorve; torna-se parte da mente. , por isso que estamos sempre perdendo os Budas, os Cristos, os Herclitos e os outros. Eles falam com voc; dizem-lhe que encontraram alguma coisa, experimentaram alguma coisa, mas quando lhe dizem isso, voc imediatamente interpreta. Voc tem os seus prprios truques. Aristteles ficou muito perturbado com Herclito. Chegou concluso de que esse homem tinha falhas de carter e pronto! Voc j rotulou porque ele no concordava com voc, ele o perturbava. Herclito deve ter sido um grande peso para a mente de Aristteles porque Aristteles move-se na horizontal, o mestre disso, e aquele homem estava tentando empurr-lo para o abismo. Aristteles move-se no terreno plano da lgica e aquele homem estava tentando empurr-lo para o mistrio. Alguma explicao necessria. Aristteles diz: "Esse homem deve ter alguma falha biolgica, fisiolgica, 'caracterolgica' tem alguma falha. Seno, por que insistiria no paradoxo? Por que insistiria no mistrio? Por que insistiria em que existe uma harmonia entre os opostos? Opostos so opostos. No h nenhuma harmonia. Vida vida e morte morte. Esclarea as coisas, no as misture esse homem deve ser um desordeiro". Lao-Ts sentiu o mesmo. Disse: "Todos parecem ser sbios, menos eu. Todos parecem espertos, menos eu sou um tolo!" LaoTs um dos melhores, uma das pessoas mais sbias nascidas at 62

hoje, mas ele sente que, entre vocs, um tolo. Lao-Ts diz: "Todos parecem ter pensamentos to claros e eu sou um desordeiro". O que Aristteles diz sobre Herclito, Lao-Ts diz sobre si mesmo. Lao-Ts diz: "Quando algum ouve os meus ensinamentos sem a mente, torna-se iluminado. Se algum os ouve atravs da mente, encontra as suas prprias explicaes as quais no tm nada a ver comigo. E quando algum ouve sem ouvir nada existem pessoas que ouvem sem ouvir quando as pessoas ouvem como se estivessem ouvindo sem ouvir, ento riem das minhas tolices". Esse terceiro tipo de mente a da grande maioria. E Lao-Ts diz: "Se a maioria no ri de voc, fique atento, porque voc deve estar dizendo alguma coisa errada. Se a maioria ri, s ento voc est dizendo algo verdadeiro". Quando a maioria o considera um tolo, s ento h a possibilidade de voc se tornar um sbio; caso contrrio, no existe essa possibilidade. Herclito parece um desordeiro para Aristteles. Pode parecer tambm para voc porque Aristteles conquistou todas as universidades, todos os colgios do mundo. Agora, em todos os lugares, eles ensinam lgica, no mistrios. Em todos os lugares voc aprende a ser racional e no mstico. Todos so treinados para serem claros. Se voc quiser ser claro ter de se mover na horizontal, onde A A; B B, e A nunca B. Mas no abismo misterioso da vertical, as fronteiras diluem-se e fundem-se: homem mulher e mulher homem; certo errado e errado certo; luz escuro e escuro luz; vida morte e morte vida todas as fronteiras diluem-se, fundem-se. Por isso, Deus um mistrio e no um silogismo. Aqueles que provam Deus fazem simplesmente o impossvel; no possvel dar provas de Deus. As provas s existem na horizontal. Isso o que significa confiar: cair num abismo, experimentar o abismo, desaparecer simplesmente dentro dele... e conhecer. Voc s conhece quando a mente no est, nunca antes. 63

Tolos! Embora ouam, so como surdos; a eles aplica-se o adgio: mesmo presentes esto sempre ausentes.
Qualquer que seja o lugar em que voc esteja presente, esse exatamente o lugar onde voc est ausente. Voc pode estar em qualquer outro lugar, mas no nesse onde est. Seja onde for que voc esteja, voc no est a. Diz-se nas velhas escrituras tibetanas que Deus vem a voc muitas vezes, mas nunca o encontra onde voc est. Bate sua porta, mas o anfitrio no est est sempre num outro lugar qualquer. Voc est em sua casa, em seu lar, ou em outro lugar? Como Deus pode encontr-lo? Voc no precisa ir at Ele, basta ficar em casa que Ele o encontrar. Ele est sua procura, assim como voc est procura Dele. Esteja em casa, assim, quando Ele chegar, Ele poder encontr-lo. Deus vem, bate milhares de vezes, espera na porta, mas voc nunca est. Herclito diz:

Tolos! Embora ouam, so como surdos; a eles aplica-se o adgio: mesmo presentes esto sempre ausentes.
Este o sono: estar ausente, no estar presente no momento presente, estar em qualquer outro lugar. Aconteceu: Mulla Nasrudin estava sentado num caf falando sobre a sua generosidade. E quando ele fala, chega a extremos alis, como todos, pois se esquece do que est dizendo. Algum lhe disse: "Nasrudin, se voc to generoso por que nunca nos convida para ir sua casa? Nunca nos convidou para comer alguma coisa. Que tal a idia?" 64

Ele estava to excitado que se esqueceu completamente da esposa e disse: "Venham agora mesmo!" Conforme iam se aproximando da casa, ele ia se tornando mais srio. Ento lembrou-se da esposa e ficou com medo estava levando trinta pessoas. Quando chegaram ao porto, ele disse: "Esperem aqui! Vocs sabem que tenho uma esposa. Vocs tambm tm esposas e sabem como . Esperem. Primeiro vou persuadi-la e depois os chamo para entrar". Assim, ele entrou e desapareceu. Os homens esperaram por algum tempo e ele no voltou; ento bateram na porta. Nasrudin havia contado esposa tudo o que havia acontecido, que havia falado demais sobre a sua generosidade e que o haviam apanhado. Sua esposa lhe disse: "Mas no temos nada para servir a trinta pessoas e a essa hora da noite no se pode conseguir nada para comprar". Nasrudin disse: "Faa o seguinte: quando eles baterem, saia e diga que Nasrudin no est em casa". Assim, quando eles bateram, a esposa saiu e disse: "O Nasrudin saiu". Eles disseram: ", surpreendente, pois viemos juntos, ele entrou e no o vimos sair. E somos trinta esperando aqui na entrada ele deve estar a. Entre e encontre-o. Ele deve estar escondido em algum lugar". A esposa entrou e disse: "O que fazer?" Nasrudin ficou excitado. Disse: "Espere!" Foi l fora e falou para eles: "Isso no quer dizer nada! Ele pode ter sado pela porta dos fundos!" Isso possvel, est acontecendo diariamente com voc. Ele se esqueceu completamente de si; foi o que aconteceu esqueceuse de si mesmo pela lgica. A lgica est certa, o argumento est certo. "Vocs esto esperando na porta da frente e ele pode ter sado 65

pela porta dos fundos". A lgica est certa, mas Nasrudin se esqueceu completamente que ele prprio estava dizendo isso. Voc no est presente. No est presente nem para o mundo nem para si mesmo. Isso dormir. Como pode ento ouvir? Como pode ver? Como pode sentir? Se voc no est presente aqui e agora, ento todas as portas se fecham. Voc uma pessoa morta, no est vivo. por isso que Jesus diz tantas vezes aos que o esto ouvindo: "Se voc tiver ouvidos, oua-me; se tiver olhos, veja-me!" Herclito deve ter encontrado muitas pessoas que escutavam, mas no ouviam; que olhavam, mas no viam porque suas casas estavam completamente vazias. O senhor no est em casa, os olhos esto olhando, os ouvidos esto escutando, mas o senhor no est dentro. Os olhos so apenas janelas; no podem ver a menos que voc veja atravs deles. Como uma janela pode ver? Voc tem de estar diante dela para poder ver. Como? s uma janela, no pode sentir. Mas se voc estiver l ser totalmente diferente. O corpo todo como uma casa e a mente est viajando, o senhor est sempre viajando para algum lugar e a casa permanece vazia. E a vida bate sua porta pode cham-la de Deus, ou do que quiser, o nome no importa; chame-a de existncia ela bate sua porta, est sempre batendo, sem parar, mas voc nunca encontrado ai. Isso dormir.

No se deve agir ou falar como os que dormem.

Aja, fale, com plena ateno e ento sentir uma profunda mudana em voc. O prprio fato de estar atento transforma os seus atos. Ento no se pode cometer pecado e isso no significa que voc se controle, no! O Controle um pobre substituto da ateno, um substituto muito pobre; no ajuda muito. Se voc est atento no precisa controlar a raiva; na ateno, a raiva nunca surge. Elas no podem existir juntas; no h coexistncia para elas. Na ateno, 66

o cime nunca surge. Na ateno, muitas coisas simplesmente desaparecem, tudo o que negativo desaparece. assim como a luz: quando a luz est em sua casa, como pode existir escurido? Ela simplesmente desaparece. Quando a sua casa est iluminada, como voc pode tropear? Como pode bater nas paredes? A luz est acesa, voc conhece a porta, chega at ela, entra ou sai. Quando est escuro, voc tropea, esbarra nas coisas e cai. Quando voc est desatento, esbarra nas coisas, tropea e cai. A raiva nada mais do que um tropear; o cime nada mais do que tatear no escuro. Tudo o que est errado, est errado, no pela coisa em si, mas porque voc vive na escurido. Se Jesus quiser sentir raiva, ele poder; poder usar a raiva. Voc no pode us-la est sendo usado por ela. Se Jesus sente que pode ser bom e til, pode usar qualquer coisa ele um Mestre. Jesus pode sentir raiva sem estar com raiva. Muitas pessoas trabalharam com Gurdjieff, e ele era um homem terrvel. Quando sentia raiva, enraivecia terrivelmente, parecia um assassino; mas era apenas um jogo; s um jogo, s uma situao para ajudar algum. E imediatamente, simultaneamente, ele olhava para outra pessoa e sorria. Olhava outra vez para a pessoa a quem dirigia a sua raiva, novamente se enraivecia e fazia uma cara terrivelmente feia. Isso possvel. Quando se est consciente pode-se usar tudo. At mesmo o veneno se torna um elixir quando voc est atento; mas quando est dormindo at um elixir pode ser venenoso porque tudo depende do seu estado de alerta. Os atos no significam nada. Os atos no tm importncia. Voc, a sua ateno, o seu estar consciente, atento, o que interessa. O que voc faz no importa. Aconteceu: havia um grande Mestre, um Mestre budista, Nagarjuna. Um ladro o procurou. O ladro havia se apaixonado pelo Mestre porque nunca vira ningum to bonito, com uma graa to infinita. Perguntou a Nagarjuna: "Existe alguma possibilidade 67

de que eu tambm cresa? Mas uma coisa precisa ser esclarecida: sou um ladro. E outra coisa: No posso abandonar isso, portanto, que no seja essa a condio. Farei tudo o que voc disser, mas no posso deixar de ser um ladro. J tentei muitas vezes nunca consegui, por isso abandonei todos os esforos. Aceitei o meu destino, o de ser um ladro, e continuar sendo, por isso no diga nada sobre isso. Desde o comeo quero deixar isso claro". Nagarjuna disse: "Do que voc tem medo? Quem vai dizer alguma coisa sobre o fato de voc ser um ladro?" O ladro respondeu: "Mas sempre que procuro um monge, um religioso ou um padre, eles dizem: "Antes, pare de roubar!" Nagarjuna riu e disse: "Ento voc deve ter procurado ladres; seno, por que se importariam? Eu no me importo!" O ladro estava feliz. Disse: "Ento tudo bem. Parece que agora posso me tornar um discpulo. Voc o Mestre certo". Nagarjuna aceitou. Disse: "V e faa o que quiser. Somente uma condio deve ser seguida: esteja alerta! V, arrombe as casas, entre, pegue coisas, roube; faa o que quiser, isso no da minha conta, no sou um ladro mas faa com toda a ateno". O ladro no podia entender que estava caindo numa armadilha. Disse: "Est bem. Tentarei". Trs semanas depois ele voltou e disse: "Voc usou um truque, pois se estou alerta no posso roubar. Se roubo, a conscincia desaparece. Estou em apuros". Nagarjuna disse: "No fale mais em ser ladro e roubar. No estou interessado nisso, no sou um ladro. Agora, decida! Se quiser estar consciente ter de decidir. Se no quiser, tambm ter de decidir". O homem disse: "Mas agora difcil. Experimentei um pouco e to bonito abandonarei tudo, tudo o que voc disser". E continuou: "Ontem noite entrei no palcio real pela primeira vez. Abri o tesouro. Poderia ter-me tornado o homem mais rico da terra mas voc estava atrs de mim e eu tive de estar 68

alerta. Quando estava alerta, subitamente desapareceram as motivaes, os desejos. Quando estava alerta, os diamantes eram pedras, pedras comuns. Quando perdi esse estado, o tesouro estava ali outra vez. Esperei e fiz isso muitas vezes. Alerta, tornei-me um Buda, e no pude nem mesmo tocar em nada, pois tudo parecia tolice, estupidez apenas pedras, o que estou fazendo? Perdendo a mim mesmo por causa de pedras? Mas depois eu perdia a conscincia; a iluso retornava e de novo elas tornavam-se belas. Mas no final decidi que no valia a pena". Quando voc conhece a conscincia, nada mais vale a pena voc j conheceu a maior graa da vida. Ento, subitamente, muitas coisas simplesmente desaparecem; tornam-se estpidas, tolas. A motivao no existe, o desejo no existe, os sonhos ruram.

No se deve agir ou falar como os que dormem.

Esta a nica chave.

Os despertos tm um mundo em comum; os adormecidos, cada um o seu prprio mundo privado

Os sonhos so privados, absolutamente privados! Ningum pode entrar em seus sonhos. Voc no pode compartilhar um sonho com a pessoa amada. Maridos e esposas dormem na mesma cama, mas sonham separadamente. impossvel compartilhar um sonho porque este no nada como se pode compartilhar o nada? como uma bolha, absolutamente no-existencial; no se pode compartilh-lo, voc tem de sonhar sozinho. por isso, por causa dos que dormem, de tantos adormecidos, que existem tantos mundos. Voc tem o seu prprio mundo; se voc est dormindo, vive enclausurado em seus prprios pensamentos, conceitos, sonhos e desejos. Sempre que encontra 69

outra pessoa, dois mundos se chocam; mundos em coliso esta a situao. Observe! Observe um marido e uma esposa conversando; no esto absolutamente conversando. O marido pensa no trabalho, no salrio; a esposa pensa nos vestidos para o Natal. Interiormente, eles tm seus mundos privados, mas esses mundos privados encontram-se em algum lugar, colidem, porque o vestido da esposa depende do salrio do marido, e o salrio do marido tem de incluir o vestido da esposa. Ela diz: "Querido", mas por trs da palavra 'querido' esto os vestidos; ela est pensando neles. O 'querido' no significa o que est escrito nos dicionrios, pois sempre que uma mulher diz 'querido', apenas uma fachada e o marido imediatamente fica com medo. Ele no demonstra isso, claro, pois se algum diz 'querido', no se pode demonstrar medo. Ele responde: "O que , querida? Como est voc?" Mas ele sente medo, porque est pensando em seu salrio, sabe que o Natal est chegando e existe perigo. A mulher de Mulla Nasrudin dizia a ele: "O que aconteceu? H pouco eu estava chorando, soluando, as lgrimas escorrendo pelo meu rosto e voc nem perguntou: 'Por que est chorando?" Nasrudin disse: "Chega! sai muito caro perguntar. J cometi muitas vezes esse erro no passado; lgrimas no so s lgrimas so vestidos, casa nova, mveis novos, um carro novo, muitas coisas se ocultam por trs das lgrimas. Elas so apenas um comeo". No possvel nenhum dilogo quando existem dois mundos privados. Somente o conflito possvel. Os sonhos so privados, a verdade no . A verdade no pode ser privada ela no pode ser sua ou minha, no pode ser crist ou hindu, no pode ser indiana ou grega. A verdade no pode ser privada. Os sonhos so privados. Tudo o que privado, lembre70

se, pertence ao mundo dos sonhos. A verdade um cu aberto, para todos, una. por isso que quando Lao-Ts fala, a linguagem pode ser diferente; Buda fala, a linguagem diferente; Herclito fala, a linguagem diferente mas eles dizem a mesma coisa, indicam a mesma coisa. No vivem num mundo privado. O mundo privado desapareceu junto com os seus sonhos, com os desejos com a mente. A mente tem um mundo privado, mas a conscincia no tem.

Os despertos tm um mundo em comum;

Todos os que esto despertos tm um mundo em comum a existncia. E todos aqueles que esto adormecidos e sonhando tm seus mundos prprios. O seu mundo tem de ser abandonado; esta a nica renncia que eu lhe peo. No digo para abandonar sua esposa; no digo para abandonar seu emprego: no digo para abandonar seu dinheiro ou o que for, no! Digo simplesmente: abandone o seu mundo privado de sonhos. Para mim, isso sannyas! O velho sannyas abandonava este mundo, o visvel. A pessoa ia para o Himalaia, abandonava a mulher e os filhos; isso no importante. No este o mundo que se deve abandonar. Como se pode abandon-lo? Os Himalaias tambm pertencem a este mundo. O mundo real que deve ser abandonado o da mente, o mundo privado dos sonhos. Se voc renunciar a ele, mesmo sentado no meio de uma praa, estar nos Himalaias. Se no renunciar, tambm nos Himalaias criar um mundo privado ao seu redor. Como se pode fugir de si mesmo? Onde quer que voc v, estar consigo mesmo. Onde quer que v se comportar da mesma maneira. As situaes podem ser diferentes, mas como voc pode ser diferente? Estar dormindo nos Himalaias. Que diferena far dormir em Poona, em Boston, em Londres ou nos Himalaias? Onde 71

quer que esteja, estar sonhando. Pare de sonhar! Torne-se mais alerta! De repente os sonhos desaparecero, e com os sonhos desaparecero todas as misrias.

Tudo o que vemos quando despertos morte, quando adormecidos, so sonhos.

Isso realmente belo: onde quer que voc adormea, ter sonhos, iluses, miragens; a sua prpria criao, o seu prprio mundo privado. Quando voc est desperto, o que v? Herclito diz: "Quando voc acorda, v a morte ao seu redor". Talvez seja por isso que voc no quer ver. Talvez seja por isso que voc sonha e cria uma nuvem de sonhos sua volta, para no precisar encarar o fato da morte. Mas lembre-se, um homem s se torna religioso quando defronta a morte, nunca antes. Quando voc est diante da morte, cara a cara, quando no a evita, quando no se esquiva, quando no foge, quando no cria uma nuvem ao seu redor, quando a encara, enfrenta o fato da morte, de repente torna-se consciente de que morte vida. Quanto mais voc se aprofunda na morte, mais se aprofunda na vida porque, diz Herclito, os opostos se encontram e diluem-se, eles so um. Se voc est tentando fugir da morte, lembre-se, est fugindo tambm da vida; por isso que voc parece to morto. Este o paradoxo: fuja da morte e permanecer morto; enfrente a morte e se tornar vivo. No momento em que voc encara a morte to profunda e intensamente a ponto de sentir que est morrendo toca e sente a morte no s por fora, mas por dentro tambm vem a crise. Essa a cruz de Jesus, a crise da morte. Nesse momento, voc morre para o mundo o mundo horizontal, o mundo da mente e ressuscita num outro mundo. A ressurreio de Jesus no um fenmeno fsico. Os cristos criaram desnecessariamente muitas hipteses sobre isso. No uma 72

ressurreio na dimenso de um outro corpo, que nunca morre. Este corpo temporal, o outro eterno. Jesus ressuscita em outro mundo, o mundo da Verdade; o mundo privado desapareceu. No ltimo momento, Jesus diz que est preocupado, transtornado. At mesmo um homem como Jesus se preocupa quando est morrendo, e tem de ser assim. Ele diz a Deus, ele grita: "O que est fazendo comigo?" Gostaria de se prender ao horizontal, de se prender vida mesmo algum como Jesus. Portanto, no se sinta culpado em relao a si mesmo; voc tambm quer se prender. Isto o humano em Jesus, e ele mais humano do que Buda ou Mahavir. Isto humano: o homem est diante da morte e teme, grita, mas no recua, no cai. Imediatamente ele se conscientiza do que est pedindo. E ento diz: "Seja feita a Tua vontade!", relaxa e se rende. Imediatamente a roda gira ele no est mais na horizontal; entrou na vertical, na profundidade. Ressuscitou na eternidade. Morra no tempo para ressuscitar na eternidade. Morra para a mente para se tornar vivo na conscincia. Morra para o pensamento para renascer na conscincia. Herclito diz: "Tudo o que vemos quando despertos morte..." por isso que vivemos com sonhos, sonos, tranqilizantes, narcticos e txicos para no enfrentar o fato. Mas o fato tem de ser encarado. Se voc o encara, o fato se torna a verdade; se voc foge, vive em mentiras. Se voc encara o fato, ele se torna a porta para a verdade. O fato a morte; precisa ser encarado. E a verdade a vida a vida eterna, a vida em abundncia, a vida que no acaba nunca. Ento a morte no morte. Vida e morte so ambas uma s, como duas asas eis a harmonia oculta.

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A Sabedoria Una e nica

(3 discurso - 23 de dezembro de 1974)

prprio a todos os homens o conhecer a si mesmo e ser moderado. Ser moderado a maior virtude. A sabedoria consiste em falar e agir segundo a verdade, observando cuidadosamente a natureza das coisas. Ouvindo a mim, embora no oua o Logos, sbio admitir que todas as coisas so uma s. A sabedoria uma s conhecer a inteligncia pela qual todas as coisas so dirigidas por todas as coisas. A sabedoria una e nica; relutando e todavia almejando ser chamada pelo nome de Zeus.
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Algumas coisas antes de introduzirmos estes sutras de Herclito. Primeiro: conhecer a si mesmo a coisa mais difcil. No deveria ser assim. Deveria ser exatamente o oposto a coisa mais simples. Mas no por muitas razes. Tornou-se to complicado, pois voc investiu tanto na auto-ignorncia que parece quase impossvel retornar, voltar fonte, encontrar a si mesmo. Toda a sua vida, tal como ela , como aprovada pela sociedade, pelo Estado, pela Igreja, est baseada na auto-ignorncia. Voc vive sem se conhecer, porque a sociedade no quer que voc se conhea. perigoso para a sociedade. Um homem que conhece a si mesmo est destinado a ser rebelde. O conhecimento a maior das rebeldias quer dizer, o auto-conhecimento, no o conhecimento acumulado atravs de escrituras, no o conhecimento encontrado nas universidades, mas o conhecimento que acontece quando voc encontra o seu prprio ser, quando chega a si mesmo na sua nudez total; quando voc se v como Deus o v, no como a sociedade gostaria de v-lo; quando voc v o seu ser natural, no seu florescimento total e selvagem no o fenmeno civilizado, condicionado, educado, polido. A sociedade est interessada em fazer de voc um rob, no um revolucionrio, porque o rob mais til. fcil dominar um rob; quase impossvel dominar um homem de autoconhecimento. Como se pode dominar um Jesus? Como se pode dominar um Buda ou um Herclito? Ele no ceder, no obedecer a ordens. Ele se mover atravs de seu prprio ser. Ser como o vento, como as nuvens; ele se mover como os rios. Ser selvagem naturalmente belo, natural, mas perigoso para a falsa sociedade. Ele no se ajustar. A menos que criemos no mundo uma sociedade natural, um Buda continuar sendo sempre um desajustado, um Jesus certamente ser crucificado. A sociedade quer dominar; as classes privilegiadas querem dominar, oprimir, explorar. Gostaria que voc permanecesse 75

completamente inconsciente de si mesmo. Esta a primeira dificuldade. E a pessoa tem de nascer numa sociedade. Os pais fazem parte da sociedade, os professores fazem parte da sociedade, os padres fazem parte da sociedade. A sociedade est em toda parte sua volta. Parece realmente impossvel como escapar? Como encontrar a porta que leva de volta natureza? Voc est cercado por todos os lados. A segunda dificuldade vem do seu prprio ser porque voc tambm gostaria de oprimir, de dominar; voc tambm gostaria de possuir, de ser poderoso. Um homem de autoconhecimento no pode ser escravizado, e tambm no pode escravizar ningum. No se pode oprimir um homem de conhecimento e um homem de conhecimento no pode oprimir ningum. Ele no pode ser dominado e no domina. A dominao simplesmente desaparece nessa dimenso. Voc no pode possu-lo e ele no possui ningum. Ele livre e ajuda os outros a serem livres. Esta uma dificuldade ainda maior do que a primeira. Voc pode evitar a sociedade, mas como evitar o seu prprio ego? Voc sente medo porque um homem de conhecimento simplesmente no pensa em termos de posse, de domnio, de poder. inocente como uma criana. Ele gostaria de viver totalmente livre, e gostaria que os outros tambm vivessem livres. Esse homem ser uma liberdade aqui neste seu mundo de escravido. Voc gostaria de no ser explorado? Sim, voc responder, voc gostaria de no ser explorado. Gostaria de no ser um prisioneiro? Sim, voc gostaria de no ser um prisioneiro. Mas gostaria tambm da outra coisa? de no prender ningum? No dominar, no oprimir e explorar? No matar o esprito, no transformar o outro num objeto? Isso difcil. E lembre-se: se voc quiser dominar, voc ser dominado. Se voc quiser explorar, voc ser explorado. Se voc quiser que algum seja seu escravo, voc ser escravizado. Os dois lados pertencem mesma moeda. Esta a 76

dificuldade do auto-conhecimento. Seno, o auto-conhecimento seria a coisa mais simples, a mais fcil. No haveria nenhuma necessidade de se fazer qualquer esforo. Os esforos so necessrios para essas duas coisas, elas so as barreiras. Observe e veja essas duas barreiras, e comece abandonando a sua. Primeiro, pare de dominar, de possuir e explorar, e de repente ser capaz de escapar da armadilha da sociedade. O ego o problema, por isso que voc no se pode conhecer. O ego lhe d indubitveis imagens falsas de si mesmo. E se voc carrega essas imagens consigo durante muito tempo, comea a sentir medo. Teme que se a sua imagem desmoronar, a sua identidade ser quebrada. Voc cria uma falsa face e depois sente medo: se essa mscara cair, quem ser voc? Voc enlouquecer. Voc investiu demais nela. E todos pensam em si mesmos em termos to elevados, em termos to falsos; ningum concorda com eles, ningum os aprova, mas o ego deles acha que todos esto errados. Eu conhecia um homem muito velho. Vivia numa cidade, na mesma casa, h quase meio sculo; nunca sara da cidade, na verdade nem mesmo conhecia a cidade. Ficava sempre em casa, era um tipo de homem muito introvertido e isolado; no tinha amigos, no se casara, era um solteiro; no tinha filhos, e seus pais j haviam morrido era s. As pessoas o consideravam um pouco excntrico, um pouco louco. Ningum jamais o visitava e ele nunca saa para ver ningum. Ento, de repente, surpreendeu toda a cidade e a vizinhana: estava mudando para a casa do lado. Os vizinhos perguntaram: "Por que?" Durante meio sculo ele tinha vivido na mesma, casa por que, to de repente? O homem disse: "Rapazes, parece ser o cigano que existe em mim." 77

 a imagem dele. Se voc concorda ou no, no interessa; mas ele acha que um cigano. E assim que vocs todos esto carregando suas prprias imagens. Surge o primeiro problema: se voc quer conhecer a si mesmo tem de abandonar suas falsas imagens, tem que se ver como voc e isso no muito bonito, esse o problema. No muito bonito, e por isso que voc criou belas imagens para se esconder. Se voc se vir na sua nudez total, no ver uma cena muito bonita: ver raiva, ver cime, ver dio, ver milhes de coisas erradas ao seu redor. E voc se considera um grande amante e tem cime, possessividade, dio, raiva, e todos os tipos de negatividade. Voc se considera uma pessoa muito bonita mas quando entra dentro de si mesmo, encontra a feira... e imediatamente d as costas. por isso que h milhares de anos os Budas tm ensinado: "Conhece-te a ti mesmo." Mas ningum os ouve. Conhecer-se parece ser uma coisa to difcil por que? Porque voc tem de enfrentar fenmenos feios. Eles existem e preciso passar por eles. Voc tem um belo ser interior, mas esse belo ser no est na periferia, est no centro. Para alcanar o centro, voc tem de passar pela periferia. E voc no pode fugir, no h como escapar, preciso passar por ela. Voc tem de atravessar toda a feira, toda a negatividade, dio, cime, violncia, agresso, e se estiver pronto e maduro o suficiente para passar pela periferia, s ento alcanar o centro. A a cena muda. No centro, voc Deus; na periferia, o mundo e o mundo feio. Na periferia voc nada mais que uma sociedade em miniatura, e a sociedade feia. Na periferia voc um Napoleo, um Hitler, um Gengis Khan, um Timur Leng, todos os polticos e todos os loucos do mundo. Na periferia voc uma miniatura de tudo isso; toda a histria da agressividade, da violncia, da opresso, da escravido. Na periferia, lembre-se, voc a histria que pertence a este mundo. Tudo est envolvido; tem de ser assim 78

porque a mente no lhe pertence, um produto social. A mente carrega todos os germes do passado, todos os males do passado, toda a feira do passado, porque a mente pertence ao coletivo. Existem determinados momentos em que voc pode ver ou observar o seu prprio Gengis Khan, o seu prprio Hitler. Existem momentos em que voc pode ver que gostaria de assassinar, de matar e destruir o mundo inteiro. Voc precisa ser corajoso para passar pela periferia, para ser uma testemunha. E se voc conseguir penetrar nessa periferia, nessa sociedade, na histria, ento voc ser, no centro, o prprio Deus. H ento uma beleza infinita mas essa beleza infinita intocvel pela sociedade, no a periferia. Ento voc inocente como um recm nascido, fresco como uma gota de orvalho pela manh, incontaminado. Mas para chegar a isso, voc tem de passar por toda a feira. Toda a histria do homem tem de ser atravessada. Voc no pode simplesmente evit-la. isso o que voc tem feito. E por isso que o autoconhecimento tornou-se difcil voc quer evit-lo. A nica maneira de evit-lo fechar os olhos, no ver. Criar como contrapartida um sonho privado. Olhar para voc mesmo como voc gostaria de ser todos os ideais, utopias, belas imagens. Fazer um pequeno nicho perto da periferia bonito, enfeitado e no olhar para a periferia, ficar de costas para ela. E ento Herclito diz: "Conhece-te a ti mesmo", porque essa a nica sabedoria. Voc tem medo de sair do seu lugar enfeitado, porque bem perto dele est o vulco entrar em erupo a qualquer momento. Assim, as pessoas falam sobre o autoconhecimento, discutem a respeito, escrevem sobre ele, criam sistemas, mas nunca o experimentam. Mesmo os que esto sempre falando em conhecer o ser, falam apenas nisso, argumentam a respeito, discutem, mas nunca o experimentam na realidade efetiva. E o auto-conhecimento uma experincia existencial, no uma teoria. Teorias no funcionaro. Teorias tambm sero apenas parte 79

da sua decorao. Elas no quebraro o gelo. Elas no rompero a periferia. No o levaro para o centro. Voc ouve as pessoas: se elas dizem que voc Deus, voc se sente muito feliz; se dizem que voc uma alma eterna, voc se sente muito feliz. Mas voc pinta e enfeita essas teorias tambm. Elas tambm so um truque, so fugas no o ajudaro. Ande pela ndia, todos sabem que o mundo todo parte de Deus, todos so 'brahmans', e veja como suas vidas so feias. Olhe para a vida dessas pessoas que falam sobre Deus; voc no encontrar nem uma nica partcula, nem mesmo uma partcula atmica daquilo que elas esto dizendo. Elas no falam para convenc-lo, mas sim para convencerem a si mesmas. Entretanto, continuam na periferia e tambm sentem medo de se mover. O medo existe. Tem de ser abandonado. Lembre-se: antes de alcanar a suprema graa voc ter de passar por um longo sofrimento. Antes de alcanar o infinito, o eterno, voc ter de passar pelo temporal, por toda a histria do homem. inerente, est em todas as clulas do seu corpo, em todas as clulas da sua mente e crebro e voc no pode evitar isso. Todo o passado est a com voc, est em voc, tem de ser atravessado. um pesadelo, um pesadelo muito, muito longo, milhes de anos, mas necessrio passar por ele essa a dificuldade. O sofrimento tem de ser vivido; esse o significado de Jesus na cruz. Atravs do sofrimento ele alcana a ressurreio; atravs do sofrimento voc alcanar o auto-conhecimento. Portanto, no tente evit-lo no possvel evit-lo. Quanto mais o fizer, mais oportunidades estar perdendo. Enfrente! No h nada a ser feito, exceto enfrent-lo. E quanto mais intensamente voc o enfrentar, mais depressa ele desaparecer. Chega um momento no qual voc estar absolutamente pronto para enfrent-lo, seja ele o que for voc abandona todas as imagens. At mesmo num nico momento de intenso estado de alerta, voc pode chegar ao centro. Mas nesse nico momento voc 80

ter de sofrer todo o passado da humanidade, toda a histria; voc ter de sofrer tudo o que aconteceu. Conta-se, voc j deve ter ouvido, que se uma pessoa afunda nas guas do mar ou de um rio, numa nica frao de segundo relembra todo o passado desde o nascimento at as dores do parto num instante, num 'flash', a vida inteira passa. Isso verdade. E o mesmo acontece quando voc alcana o momento do samadhi, a morte suprema, quando o ego morre completamente. Isso acontece! Mas num nico instante voc sofre todo o passado da humanidade, no o seu prprio. Esta a cruz. Voc sofre todo o passado da humanidade, porque agora est transcendendo a humanidade. Tem de passar por tudo o que a humanidade j viveu. Tem de sofrer tudo isso. imenso! A angstia absoluta! E s ento voc chega ao centro e a graa torna-se possvel. O auto-conhecimento difcil porque voc no est pronto para passar por nenhum sofrimento. Voc pensa no autoconhecimento em termos de tranqilizantes; pensa que o autoconhecimento um tranqilizante. As pessoas vm a mim e pedem: "D-nos a paz, o silncio". E se algum promete o silncio e a paz sem sofrimento, est enganando-o e facilmente voc cair na armadilha, porque isso o que voc gostaria de ter. Esse o apelo usado no ocidente por pessoas como Maharishi Mahesh Yogi. Elas no esto lhe dando meditao real, esto lhe dando tranqilizantes. Porque uma meditao tem de passar pelo sofrimento; no uma brincadeira. Voc tem de atravessar o fogo e s nesse fogo o seu ego desaparecer. Olhando para toda a sua feira, ele desaparece automaticamente. Mas Maharishi Mahesh Yogi e outros dizem que o sofrimento desnecessrio: "Eu lhe darei uma tcnica faa tal coisa durante dez minutos de manh e tarde e seu ser se tranqilizar. Voc sentir uma paz infinita e tudo ficar bom; em poucos dias voc estar iluminado." 81

No to fcil rduo. Truques no funcionaro. No perca seu tempo com truques. Apenas repetindo um mantra durante dez minutos, como possvel tornar-se Iluminado? Voc passou pela histria e chegou a um ponto, aqui, voc chegou a este momento; atravessou milhes de anos quem vai querer voltar atrs? Porque meditar significa retornar fonte. Voc chegou a este ponto no tempo; precisa voltar, precisa regredir, precisa alcanar o ponto original onde a jornada foi iniciada. E apenas cantando uma mantra durante dez minutos toda manh voc pensa que conseguir isso? Quem voc pensa que est enganando? Voc est enganando a si mesmo. No foi cantando mantras que voc chegou onde est. A humanidade viveu, e viveu de milhes de maneiras erradas vagando, se perdendo, cometendo pecados e assassinatos; guerra, explorao, opresso, dominao. Voc tem colaborado com isso, responsvel por isso. S cantando um mantra durante dez minutos acredita que a responsabilidade desapareceu, que voc transcendeu? Chama a essa cantilena de meditao transcendental? Quem voc pensa que est enganando? A transcendncia possvel, mas no atravs de truques to fceis. A transcendncia s possvel atravs da cruz. S possvel atravs do sofrimento. E se voc estiver pronto, poder sofrer todo o passado num nico instante mas ser um intenso pesadelo. por isso que um Mestre necessrio porque voc pode enlouquecer completamente. mover-se em terreno perigoso. O autoconhecimento a maior entre todas as coisas, mas tambm a mais perigosa. Um passo em falso e voc enlouquecer. por isso que os Budas no so ouvidos. Voc tambm sabe que isso perigoso. Mover-se em si mesmo perigoso! Um Mestre necessrio para observar cada passo, seno voc cair num abismo; ficar tonto, a mente simplesmente se fragmentar e ser difcil repar-la. So esses os problemas, e por isso que o homem ouve Herclito, Lao-Ts, Buda, Jesus, mas nunca tenta. Somente alguns 82

poucos tentam. Se voc est pronto para tentar, precisa ter conscincia do que isto significa. Apenas o desejo de ser feliz no basta. O desejo de conhecer a verdade, sim, no o desejo de ser feliz. Porque o homem que quer ser feliz busca tranqilizantes e narcticos. A meditao tambm ser um narctico para ele. Quer dormir bem, quer se desligar do que est acontecendo. Ele gostaria de ter um mundo privado de sonhos claro, belos sonhos e no pesadelos. Isto s o que ele quer. Mas um homem que est em busca da verdade no pensa em termos de felicidade. Felicidade ou infelicidade, no esse o ponto. "Preciso conhecer a verdade. Mesmo que doa, mesmo que me conduza ao inferno, estou pronto para passar por ela. Onde quer que me conduza, estou pronto para ir." Existem apenas dois tipos de pessoas: uma que est em busca da felicidade; o tipo mundano. Pode ir para o mosteiro, mas o tipo no muda; l, ela tambm pede pela felicidade, pelo prazer e gratificao. Agora, de maneira diferente atravs da meditao, da prece, de Deus est tentando ser feliz, cada vez mais feliz. H, depois, o outro tipo de pessoa e s existem dois tipos que est em busca da verdade. E isso um paradoxo: aquele que busca a felicidade, nunca a encontra, pois ela no possvel a menos que voc encontre a verdade. A felicidade apenas uma sombra da verdade; em si mesma no nada apenas uma harmonia. Quando voc se sente uno com a verdade, tudo se agrega, tudo se harmoniza. Voc sente um ritmo e esse ritmo felicidade. No se pode busc-la diretamente. A verdade tem de ser procurada. A felicidade encontrada quando se encontra a verdade, mas a felicidade no o objetivo. E se voc buscar a felicidade diretamente, ser cada vez mais infeliz. E sua felicidade ser, no mximo, apenas um intoxicante para que voc esquea a infelicidade; s o que vai acontecer. A felicidade como uma droga LSD, maconha, mescalina. 83

Por que o Ocidente chegou s drogas? um processo muito racional. Teve de chegar a elas porque, na busca da felicidade, mais cedo ou mais tarde chega-se ao LSD. O mesmo aconteceu antes na ndia. Nos Vedas, eles chegaram ao soma, ao LSD, porque estavam buscando a felicidade; no eram realmente buscadores da verdade. Buscavam mais e mais gratificao chegaram ao soma. Soma a suprema droga. E Aldous Huxley, falando sobre a suprema droga, a ser encontrada em algum lugar no sculo vinte, chamou-a outra vez de 'soma'. Sempre que uma sociedade, um homem, uma civilizao, buscam a felicidade, tm de chegar de alguma forma s drogas porque a felicidade a busca pelas drogas. A busca da felicidade uma busca do auto-esquecimento; isso o que a droga ajuda a fazer. Voc esquece de si e assim no h mais misria. Como pode haver misria se voc no est? Voc est dormindo profundamente. A busca da verdade est exatamente na dimenso oposta: no gratificao, no prazer, no felicidade, mas Qual a natureza da existncia? O que a verdade? Um homem que busca a felicidade nunca a encontrar encontrar, no mximo, o esquecimento. Um homem que busca a verdade a encontrar, porque para busc-la ele prprio ter de se tornar verdadeiro. Para buscar a verdade na existncia, primeiro ter de buscar a verdade em seu prprio ser. Ter de se tornar cada vez mais atento em relao a si mesmo. Estes so os dois caminhos: o auto-conhecimento o caminho do mundo; e a lembrana de si mesmo o caminho de Deus. E o paradoxo que aquele que busca a felicidade nunca a encontra; e aquele que busca a verdade e no se importa com a felicidade, encontra-a sempre. Herclito diz que esta a primeira coisa a ser entendida: O auto-conhecimento tem que ser a nica busca, tem que ser o nico objetivo; porque se voc conhecer todo o resto sem conhecer a si mesmo, isto no significar nada. Voc pode chegar a conhecer 84

tudo, exceto voc mesmo, mas o que isso significa? No pode ter nenhum significado porque se o prprio conhecedor ignorante. O que pode significar esse conhecimento, o que o seu conhecimento pode lhe dar? Quando voc mesmo permanece na escurido, pode reunir milhes de luzes sua volta, mas elas no o preenchero de luz. Apesar delas voc continuar na escurido. Viver e se mover na escurido. A cincia esse tipo de conhecimento. Voc conhece um milho de coisas, mas no conhece a si mesmo. Cincia o conhecimento de tudo menos de si mesmo, exceto do auto-conhecimento; o prprio buscador permanece no escuro. Isso no adianta muito. A religio basicamente autoconhecimento. Voc tem de estar iluminado por dentro, a escurido deve desaparecer do seu interior, e ento por onde quer que voc ande, a sua luz interior incidir sobre o caminho. Onde quer que voc v, faa o que fizer, tudo ser iluminado pela sua luz interior. E esse movimento com luz lhe d um ritmo, uma harmonia, que a felicidade. Ento voc no tropea, no esbarra, no tem mais conflitos. Voc se move mais facilmente, seus passos so uma dana, e tudo satisfao. Voc no quer mais que alguma coisa extraordinria acontea. Voc feliz. simplesmente feliz no seu ser comum. E a menos que voc se sinta feliz sendo comum, jamais ser feliz. Voc feliz apenas por respirar, voc feliz por ser; feliz apenas por comer, por poder dormir mais uma noite. Voc feliz. Agora a felicidade no deriva de nada ela voc. Um homem que se conhece feliz, no por qualquer razo, sua felicidade no tem causa. No uma coisa que lhe acontece, toda a sua maneira de ser. simplesmente feliz. Para onde quer que se mova, leva consigo a sua felicidade. Se voc o atira no inferno, ele cria sua volta um paraso; com ele, um paraso penetra no inferno. Como voc , ignorante sobre si mesmo, se pudesse ser jogado no paraso, conseguiria criar um inferno, porque voc 85

carrega consigo o seu inferno. V aonde for, isso no far muita diferena, voc ter sua volta o seu prprio mundo. Esse mundo est dentro de voc, a sua escurido. Essa escurido interior precisa desaparecer isso o que significa auto-conhecimento. A segunda coisa que Herclito diz que ser fcil alcanar isso se voc estiver atento e no se mover para os extremos. Fique no meio o meio dourado; o que Buda chama de majjhim nikaya, o caminho do meio. Fique no meio, no v para os extremos. Porque quando voc se move para os extremos, pensa que est indo para o oposto, mas o oposto no exatamente o oposto, um todo complementar. E isso tudo o que ele ensina. Observe as pessoas e observe a si mesmo. Uma pessoa excede-se nos prazeres do sexo. Esse excesso traz o fastio, a excitao acaba, a pessoa fica simplesmente entediada. Ento comea a pensar no celibato porque no quer mais saber desse excesso. Agora ela no se interessa absolutamente mais por sexo. Gostaria de ser um monge, gostaria de ir para o convento, fazer voto de brahmacharya. Assim, est indo para o outro extremo, isto , de novo um excesso. O extremo o excesso. O sexo em si no um excesso mas levado ao extremo, sim. Existe apenas um excesso: se exceder nos extremos. A pessoa se excedeu num extremo, agora est se movendo para o outro; isso tambm excesso. Mais cedo ou mais tarde tambm acabar se cansando. Agora os monges catlicos esto cansados, e por isso esto se casando. J fizeram demais. preciso saber onde parar e o caminho o meio. Se voc conseguir permanecer no meio, a mente desaparecer porque a mente vive nos extremos. Voc come demais, ento jejua, e continua jejuando. A primeira coisa era estpida; a segunda tambm . O corpo no precisa de muita comida e nem precisa jejuar. Precisa simplesmente de um meio termo; precisa da quantidade certa de comida. Primeiro voc come demais, enche demais o corpo, fica pesado. Carreg-lo torna-se um peso para voc; no um prazer sentir o corpo. Ento voc vai para o outro 86

extremo. Agora jejua: isso tambm destrutivo. Por que no ficar no meio? Por que no pode comer a quantidade e o tipo certo de alimento? Por que no pode ficar no meio? Se voc permanece no meio, a mente desaparece. A mente existe nos extremos porque a mente precisa pensar, pensar e pensar. Quando voc come demais, pensa em jejum; quando jejua, pensa em comida. Mas quando est exatamente no meio, equilibrado, vai pensar em qu? Um homem que est no meio no tem no qu pensar. Se sente fome, ele come acabou! Se sente sono, ele dorme acabou! O que h para pensar? Mas voc no dorme e ento pensa em dormir; assim, dormir torna-se um fenmeno cerebral, a mente interfere nele. Voc no come ou come demais, depois tem de pensar a respeito; isso entra na mente. Ou voc se excede no sexo, ou torna-se um brahmacharin. Assim, em ambos os casos torna-se cerebral. O sexo penetra na mente, e depois a mente fica dando voltas e mais voltas. Pensar existe por causa dos extremos. Sempre que voc est exatamente no meio, no h porque pensar, no h nada em que pensar. No meio, o pensamento desaparece. Quando voc est realmente harmonioso, voc atingiu um ritmo. Satisfaz suas necessidades; no escravo delas, nem seu inimigo. No algum que se excede, nem um asceta. Permanece simplesmente no meio. Tudo se torna pacfico. A isto Herclito chama ser temperado, ser moderado, ser equilibrado. preciso conseguir o equilbrio em todas as coisas. Atravs do equilbrio voc chega mais perto da verdade, porque a verdade o supremo equilbrio. Quando voc est equilibrado, subitamente as portas se abrem. Tente agora entender estes sutras:

prprio a todos os homens o conhecer a si mesmo e ser moderado.

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Ser moderado a maneira de se conhecer. Observe a sua mente e ver que a mente sempre insiste nos extremos; ela gosta dos extremos, entrega-se a eles. Quando voc est exatamente no meio, a mente est desocupada, desempregada. Algum perguntou a um Mestre Zen: "Qual o seu caminho?" Ele respondeu: "Quando sinto fome, como; quando sinto sono, durmo esse o meu caminho. Nunca como quando no tenho fome e nunca jejuo quando estou com fome esse o meu caminho!" O homem disse: "Mas isso no parece ser um caminho todos ns fazemos isso." O Mestre riu: "Se todos fizessem isso, no teriam necessidade de me procurar." Ou voc come demais, ou come de menos. E a mente tem uma tendncia para encontrar sempre motivos para se sentir miservel. simplesmente admirvel, a mente realmente admirvel! to hbil em encontrar motivos para ser miservel. Ela cria todas as suas misrias porque num estado de graa, a mente morre. Ela contra todas as graas. Voc se sente miservel ela insinua a voc que isso no bom, faa aquilo... e sugere exatamente o oposto. Fique alerta. Quando a mente lhe sugerir exatamente o oposto, no a siga! Encontre sempre o meio termo. No oua a mente saiba onde parar. Lao-Ts disse: "Confio-lhes trs tesouros. Um deles : ame, O segundo tesouro : no v nunca para o extremo. E o terceiro : seja natural." E ele diz que tudo se resolver por si mesmo. Por que tudo se resolver por si mesmo se voc seguir essas coisas simples? A mente uma perfeita especialista em criar misrias. 88

Um jovem me procurou e disse: "Gostaria de viver apenas de gua." Por que? Por que s de gua? Ele j era miservel. Costumava comer demais. E isso se tornara um inferno, agora ele queria criar um outro inferno como se pode viver s de gua? Isso ser um outro inferno. E desse inferno ele ir para um outro. A vida da mente ir de um inferno para outro. E em algum lugar entre os dois infernos, est o paraso, mas a mente sempre passa ao largo. Entre os dois infernos est o cu, por isso saiba bem onde parar. Exatamente no meio pare! No coma demais, e no jejue. Mas ento voc no conseguir ser muito egosta a esse respeito; s comendo demais voc pode ser egosta. Mulla Nasrudin est sempre falando sobre a sua capacidade de comer, e muitas vezes escutei-o dizer: "Posso comer noventa e nove kachoris!" Ento eu lhe disse: "Por que voc no diz logo que come cem?" Ele respondeu: "O que voc pensa de mim? Acha que vou passar por mentiroso s por causa de um kachori? Por que mentir?" Contar vantagem as pessoas contam vantagens sobre o quanto podem comer e contam vantagens sobre o quanto podem jejuar, mas a vaidade a mesma. Os criminosos se vangloriam e os que voc chama de santos tambm. Ambos esto no mesmo barco porque o barco a vaidade. Ouvi contar que um criminoso entrou na cela de uma priso. O outro, que j estava l, perguntou: "Por quanto tempo voc vai ficar aqui?" Ele era um velho mestre. O jovem, um novato, respondeu: "Apenas quinze anos." O velho disse: "Ento deixe a sua cama perto da porta, voc sair logo. Eu tenho de ficar aqui por mais vinte e cinco anos."

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Se voc condenado a vinte e cinco anos, um grande criminoso mas se s por quinze anos! Voc apenas um iniciante, um imaturo. At mesmo os criminosos se vangloriam do quanto podem fazer, do quanto fizeram. Se cometeram um assassinato, proclamam sete. E os santos tambm fazem o mesmo. Ento, qual a diferena? Na ndia, os santos publicam por quantos dias jejuaram durante o ano. Um homem e sua esposa me procuraram, e ela comeou a falar a respeito dele: " um homem muito, muito generoso" seu marido "at agora j doou um milho de rpias." O homem olhou para ela e corrigiu: "Um milho, no. Um milho e cem." Voc d e no d porque se o ego se satisfaz por estar dando, nada est sendo dado. O ego no pode compartilhar. O ego no pode nunca ser generoso; essa no a sua natureza. O ego se satisfaz sempre com o oposto. Conhea bem essa armadilha. Herclito diz:

prprio a todos os homens o conhecer a si mesmo e ser moderado. Ser moderado a maior virtude.
Realmente . Nunca encontrei nada maior do que ser moderado. No h nada igual. Por que? Por que a maior virtude? Porque ela simplesmente destri o seu ego. E o ego o nico pecado. Por causa do ego voc perde o Divino. E sendo apenas comum, estando no meio, o que possvel proclamar? Voc pode proclamar que come a quantidade certa de alimento? Pode proclamar que se relaciona sexualmente na medida certa, exatamente no meio? Estando no meio, voc capaz de proclamar 90

alguma coisa? No, isso no possvel. Entregue-se ao sexo e voc ter o que proclamar; mesmo com cinqenta anos voc pode fazer amor trs vezes por dia. Ou torne-se um brahmacharin, um celibatrio, e proclame que voc virgem, que nunca fez amor com ningum. Mas simplesmente estando no meio, o que se pode proclamar? Apenas estando no meio, no h nada a proclamar. E quando no h nada a declarar, o ego no alimentado. Seja simplesmente comum e esteja no meio esta a maior virtude. Ser comum a maior virtude porque quando voc apenas comum, quando no h do que se vangloriar, seja a respeito deste ou do outro mundo, o ego desaparece. O ego se alimenta do desequilbrio. Alimenta-se dos extremos. O ego vive nas polaridades no meio, ele desaparece. E em todas as reas, em todas as direes da vida, lembre-se disto: pare no meio e logo descobrir que a mente parou, o ego parou. No tendo o que proclamar, ele desaparece. E quando ele desaparece voc se torna virtuoso. Agora a porta est aberta para o Divino. No meio, voc O encontra; nos extremos, voc O perde.

A sabedoria consiste em falar e agir segundo a verdade, observando cuidadosamente a natureza das coisas.
Herclito como Lao-Ts, exatamente igual. Diz: A sabedoria consiste em falar e agir segundo a verdade. Tente, porque para conhecer a verdade a jornada ser longa. Ser preciso muito preparo. Antes que a verdade possa descer sobre voc, voc ter de se tornar um veculo, ter de se esvaziar completamente para que o hspede chegue porque s o seu vazio pode se tornar o anfitrio. O que fazer exatamente agora? Se voc um buscador da verdade, "Ento", diz Herclito, "fale e aja segundo a verdade." Se 91

voc fala a verdade, no h muito a dizer; automaticamente voc se torna cada vez mais silencioso. Aconteceu num clube de senhoras: uma senhora acabara de sair e as outras estavam falando sobre ela. Uma disse: "Ela parece ser muito doce, mas bl-bl-bl, e eu no podia nem imaginar como ela conseguiria parar." Outro membro do clube disse: "Mas tudo o que ela diz verdade?" "Eu diria que no", disse uma terceira, "simplesmente porque no existe tanta verdade!" Se voc quiser ser verdadeiro ter de se tornar silencioso porque noventa e nove por cento do que voc diz absolutamente falso; automaticamente o bl-bl-bl desaparece. E existem dois tipos de silncio. Aquele que voc fora a si mesmo, que no realmente um silncio. Voc pode cortar sua lngua, mas no ser silncio. Voc pode fechar sua boca, mas esse no ser o silncio verdadeiro porque, por dentro, o bl-bl-bl continua sem parar. O verdadeiro silncio vem quando voc comea a falar a verdade. Diga apenas aquilo que voc sabe que verdade; seno, no fale. E, ento, o que resta para dizer? no muito... Assim, um silncio desce sobre voc, o que totalmente diferente. No um silncio forado. Vem espontaneamente porque no h nada para dizer. E quando voc no tem nada para dizer, primeiro comea a ficar em silncio com as pessoas; fala menos e ouve mais. A conversa interior tambm vai parando aos poucos, porque se voc no pode dizer inverdades a outras pessoas, como pode continuar a diz-las interiormente? Tudo se torna absurdo. Voc fala demais interiormente porque assim ensaia como falar para fora. Se voc puder ouvir as pessoas, no falando muito, s a verdade o tanto que voc possa garantir, o tanto que voc possa dizer, "sou uma 92

testemunha" um silncio chegar a voc. Um silncio no forado, um silncio no disciplinado, um silncio que vem naturalmente. Herclito diz: "Fale a verdade e aja segundo a verdade, aja apenas de acordo com o seu sentimento de verdade." No incio isso ser difcil, porque a vida inteira depende das mentiras. No incio voc se sentir fora de compasso em relao aos outros, mas logo tudo se assentar novamente num novo padro, surgir uma nova gestalt. O perodo intermedirio ser difcil. Primeiro observe de quantas maneiras voc mente. Voc sorri e no sente vontade de sorrir. uma mentira. No sorria, porque est violentando seus lbios, seu rosto. E se voc continuar durante muito tempo fazendo isso, esquecer completamente a sensao de um sorriso, do que um verdadeiro sorriso. S as crianas pequenas o conhecem; voc j esqueceu completamente o que um sorriso verdadeiro. Voc simplesmente sorri, um gesto falso. Sorri por delicadeza. Sorri porque as pessoas esperam que voc sorria. Sorri sem saber o que est fazendo. Por que est forando os seus lbios? E se o seu sorriso se tornou falso, o que mais pode ser verdadeiro em voc? As suas lgrimas tambm se tornaram falsas. Voc chora quando se pede que chore, seno voc reprime. Observe os milhes de maneiras como voc se tornou falso. Voc diz coisas que no quer dizer. Voc usa as palavras em completa inconscincia e depois, atravs delas, cai numa armadilha. Diz a algum: "Voc bonito". Para voc pode ter sido s um maneirismo, mas voc tocou a outra pessoa, provocou alguma coisa nela. Ela pode comear a achar que voc sente isso mesmo. Ento, comeam as expectativas e logo viro as frustraes porque voc s disse isso por acaso, nunca sentiu realmente que fosse verdade. Agora voc est numa armadilha: ter de satisfazer as expectativas. Agora sente-se pesado. 93

Seja verdadeiro e se sentir menos pesado. Seja verdadeiro; no crie falsas expectativas ao seu redor, seno voc cair numa armadilha, estar numa priso! Diga exatamente o que sente e diga sempre: " o que eu senti nesse momento. Em relao ao prximo momento, no posso dizer nada quem sabe o que acontecer depois? Amo voc agora, mas como posso falar sobre o futuro?" S uma pessoa Iluminada pode dizer alguma coisa em relao ao Momento seguinte, pois ela chegou a um ponto onde tudo eterno. Mais como voc pode falar sobre o prximo momento? Os seus humores variam. Nesse momento voc sente: "Eu estou amando" e agora pode dizer: "Amarei voc para sempre". Isto verdade s nesse momento; como se pode dizer qualquer coisa sobre o momento seguinte? Fique alerta e afirme condicionalmente: "Isso agora assim que eu sinto. Ningum sabe sobre o momento seguinte. Eu no posso prometer." Todas as suas promessas so falsas como voc pode prometer? Porque prometer significa dizer que voc alcanou um centro cristalizado. Como pode manter uma promessa? Voc diz a uma mulher: "Eu te amarei para sempre". Como poder manter essa promessa? E apenas alguns dias depois, voc sente que a excitao desapareceu, agora j no existe mais amor o que fazer? A voc tem de sorrir falsamente, tem de beijar essa mulher, tem de fazer amor com ela porque voc prometeu. Agora tudo ser falso. Voc se torna mentiroso. Sente-se culpado por no poder satisfazer a promessa. Se satisfizer, ser mentira, voc estar representando. Isso no o levar ao xtase criar mais ansiedade e pesos. Isso no pode ser uma satisfao ser uma frustrao. E quanto mais voc forar a si mesmo a amar essa mulher, mais se vingar, pois essa mulher tornou-se uma pedra amarrada em volta do seu pescoo. Agora voc sente: "Se ela morrer, ser timo, se de alguma maneira ela desaparecer, ser bom." E assim tentar encontrar uma maneira de fugir. S por causa de uma promessa! 94

Uma promessa feita num momento, e no possvel para voc mant-la por uma vida. Voc vive em momentos. Voc ainda no tem um centro eterno em seu interior, tem apenas uma periferia que se move como uma roda. E assim que voc cai nas armadilhas. Voc no pode amar, no pode rir, no pode chorar, tudo falso e voc est em busca da verdade. No, isso no possvel. Voc tem de ser verdadeiro para encontrar a verdade, porque s os iguais podem encontrar os iguais. Uma pessoa mentirosa no pode encontrar a verdade; s uma pessoa verdadeira pode alcanar a verdade. Esteja alerta, no prometa! Diga apenas que nesse momento parece ser assim. claro que isso lhe dar uma sensao de impotncia; o ego no pode suportar. O ego pode dizer: "Eu farei isso para todo o sempre." Voc se sentir impotente por no ser capaz de manter nem mesmo essa promessa, mas estar sendo verdadeiro. E eu sei que se mesmo por um momento voc puder amar totalmente uma outra pessoa, isso o transformar, dar-lhe- um sabor de verdade. Mas seja verdadeiro. Diga o que sente. Se voc no souber, se numa situao voc estiver confuso, no fale ou simplesmente exponha a sua confuso, expresse-a. Antes de agir, aja com plena conscincia de que isso lhe tornar um ser mais verdadeiro. Seja autntico! Voc continua fazendo milhes de coisas que no quer fazer. Quem o est forando? Voc simplesmente deriva, ningum o est forando a fazer tais coisas. Por que as faz? Voc no est atento. apenas uma cadeia: voc faz uma coisa, depois uma outra surge. Uma coisa leva outra e assim por diante. Quando voc vai parar? Todo momento o momento certo para parar. Observe e comece a cair fora da cadeia de mentiras que voc criou. claro que voc se sentir muito humilhado, desamparado e impotente. Mas essa a verdade sinta-a. Chore quando quiser chorar, quando vier do seu corao. No pare; no diga: "Sou um homem, no posso ser um maricas, no posso comportar-me como 95

uma mulher." No diga isso. Ningum to totalmente homem e no pode ser. O homem tambm mulher; e a mulher tambm homem; ambos encontram-se e fundem-se interiormente. Chore, porque se no puder chorar com autenticidade, no poder sorrir. E ento sentir medo. Quando quiser rir, sentir medo porque as lgrimas podero vir; elas esto reprimidas a e voc no poder rir. E quando voc no pode rir tambm no pode chorar torna-se um crculo vicioso. Quando voc sentir raiva, sinta a raiva e assuma as conseqncias enraivea-se de verdade. Eis o que tenho observado: se voc se enraivece de verdade, ningum se ofende com isso ningum! Mas a sua raiva impotente, morta. Se voc um pai e sente raiva do seu filho, manifeste essa raiva e seu filho jamais sentir qualquer antagonismo em relao a voc. Mas voc sente raiva e sorri, a criana detecta isso porque inocente, ela tem olhos claros, tem mais clareza do que voc. Simplesmente detecta a falsidade: voc sente raiva e est sorrindo. Ela jamais conseguir perdo-lo por ter sido falso. Uma criana nunca se sente to mau em relao s coisas como se sente em relao falsidade. Seja autntico! Se voc sentir vontade de bater na criana, bata nela, mas no seja falso. E quando sentir arrependimento, tambm pea perdo, e seja verdadeiro quanto a isso. Um marido que jamais disse nada com raiva sua esposa, no ser capaz de amar, pois tudo permanecer falso, superficial. Se voc no puder sentir profunda raiva, como poder sentir um amor profundo? E se tem tanto medo de sentir raiva, isso prova que voc no confia no amor. Teme que as coisas possam se quebrar, que o relacionamento se rompa; por isso voc sente medo. Mas ento esse relacionamento no tem muito valor. Se ele no pode passar pela raiva e amadurecer, no vale muita coisa. Abandone-o antes que se torne um compromisso mas seja verdadeiro. Voc ter de sofrer pela verdade, mas esse sofrimento necessrio. E atravs do sofrimento voc amadurecer, o seu ser 96

interior amadurecer. Voc alcanar uma agudez e uma clareza que s aparecem atravs dos confrontos, que s vem quando os fatos so encarados. Quando voc sentir raiva, enraivea-se de verdade para que possa tambm perdoar verdadeiramente. Quando voc no quiser dar uma coisa, diga simplesmente: "No quero dar", mas no encontre desculpas. No se desculpe, porque a cada momento estar criando padres, e esses padres podem se tornar to entranhados que voc ter de segui-los. Saia deles e qualquer momento o momento certo.

A sabedoria consiste em falar e agir segundo a verdade, observando cuidadosamente a natureza das coisas.
Olhe para a natureza das coisas. Observe o natural abandone o artificial. O artificial pode parecer bonito, mas no vivo. Observe o natural e mova-se sempre de acordo com natureza. Jamais se mova artificialmente. A civilizao artificial, sociedade artificial tudo parece ser artificial. e a a

Certa vez conheci um homem, um velho professor aposentado, meu vizinho. As pessoas o consideravam um pouco doido; um professor de filosofia aposentado no pode ser mesmo muito normal... Mas, como no fao julgamentos, eu ouvia as pessoas, mas no pensava nada a respeito dele. At que um dia tive de pensar, porque o vi regando o jardim com um regador sem fundo. O regador no tinha fundo. No havia gua, e ele se movimentava como se estivesse molhando as plantas. Eu perguntei: "Ei, o que est fazendo? O seu regador no tem fundo!" Ele disse: "Sei disso, mas no faz mal porque estas flores so artificiais." 97

Toda a sua vida tornou-se artificial flores de plstico. distncia elas pareciam belas, mas quando voc chegava perto elas eram de plstico. claro, elas no morriam. No podiam morrer, eram flores de plstico, mas uma coisa que no pode morrer no est viva. Uma flor real tem de passar por milhes de riscos. Como humilde! Como frgil! De manh l est ela, como frgil! e contrria a todo este mundo. Vem a tempestade, vm as nuvens, a chuva, os animais, as crianas e tudo o mais; e apesar de tudo isso a frgil flor existe esta a beleza. E noite j no existe mais. Voc no a encontrar outra vez, ela no estar mais l mas ela est viva. De manh, ela existe em toda a sua beleza, e noite empalidece, vai embora, volta ao p mas viveu. A sua flor de plstico est morta e por isso no pode morrer. Tudo o que vivo morrer, s as coisas mortas nunca morrem. Lembre-se disso: no tema a morte, no tema o desaparecimento das coisas. O que falso nunca morre. A verdade morre milhes de vezes e ressuscita outras tantas. Lembre-se disso. A falsidade como uma flor de plstico, segura. por isso que o casamento seguro. Um casamento arranjado pelos pais, pela sociedade, mais seguro ainda. O amor frgil como a flor na manh, noite ela j no existe mais. Ningum sabe como ela vem nem como vai embora. um mistrio. O casamento no tem mistrio, um clculo. Voc procura um astrlogo, ele faz um mapa e arruma tudo. claro que os pais so mais sbios do que voc, mundanamente sabem muito mais. Eles arrumam tudo, buscam muitas coisas que os amantes jamais pensam a respeito o dinheiro, o prestgio e milhes de coisas; pensam em segurana. Mas quando algum se apaixona, no pode pensar em mais nada. Mas lembre-se de uma coisa: uma coisa morta no morre nunca essa a sua segurana mas est morta. sempre possvel que uma coisa viva possa desaparecer a qualquer 98

momento; esse o problema em relao vida mas ela est viva e vale pena correr todos os riscos. Seja verdadeiro haver mil problemas, mas cada problema o tornar mais maduro. E sendo verdadeiro, falando, agindo com a verdade, voc estar se aprontando para que a verdade desa sobre voc. Quando voc atinge uma certa maturidade, de repente as portas se abrem. E no existe outro caminho.

Ouvindo a mim, embora no oua o Logos, sbio admitir que todas as coisas so uma s.
Herclito diz: "Ouvindo a mim" eu tambm digo: "Ouvindo a mim, sbio admitir que todas as coisas so uma s." Se voc ouvir ao Logos... Logos significa a Lei, o Tao, o Rit; o estrato bsico, o estrato supremo da existncia o Logos. Voc no sabe nada sobre isso. Jamais penetrou em tal profundidade. Ele est tambm em voc, perto do centro, mas voc tem vivido na periferia e por isso no sabe nada a esse respeito. Herclito diz: "Mas ouvindo a mim" ouvindo a um Buda, a Herclito, a Lao-Ts " bom admitir que todas as coisas so uma s." Isso no faz parte da sua experincia. Aqui entra a confiana, shraddha, a f. E a religio no pode existir sem a confiana, porque voc no conhece o supremo estrato, no sabe o que . E no h como prov-lo, no h como discuti-lo. Se voc conhece, conhece; se no conhece, no conhece. O que fazer, ento? Existe apenas uma nica possibilidade: ouvindo a Herclito no apenas o que ele diz, mas ouvindo o seu ser, o que ele talvez voc venha a admitir uma coisa, que o uno existe na diversidade, na multiplicidade do mundo; por trs disso, o uno existe. Voc tem me ouvido. Voc tem me ouvido nas mais diferentes dimenses. Na periferia, sente s vezes que eu sou contraditrio; mas se voc ouvir no s as minhas palavras, mas a 99

mim, minha presena, jamais sentir qualquer contradio. E se sentir, no apenas pensar, comear a perceber aos poucos que tudo o que eu digo igual. Se falo atravs de Herclito, de Jesus ou atravs de Buda, Lao-Ts, Chuang-Tzu, diga eu o que disser, falo sempre a mesma coisa a linguagem muda, as palavras mudam, mas no o Logos.

Ouvindo a mim, sbio admitir que todas as coisas so uma s.

Quando voc puder ouvir o prprio Logos, ento conhecer; no haver necessidade de admitir. Ento saber; no haver necessidade de confiar. A confiana necessria porque voc no sabe e precisa de algum que saiba. Precisa da mo de algum que saiba, que possa lev-lo do conhecido para o desconhecido, que possa lev-lo ao inexplorado. E sem confiar no possvel, seno como voc vir comigo ao desconhecido? Se voc no confiar em mim, como poder vir comigo ao desconhecido? Voc estar sempre agarrado s fronteiras do conhecido. Dir: "At aqui eu conheo e estou seguro, alm daqui est a imensido. E quem voc para me levar para a imensido? E como posso confiar em voc?" No limite onde o conhecido e o desconhecido se encontram, no h outro caminho, exceto a confiana. Voc tem de estar amando um Mestre, menos que isso no adiantar porque s o amor pode confiar. Precisa ser de corao para corao, um relacionamento profundo; precisa ser ntimo. por isso que continuo insistindo no sannyas e na iniciao. A menos que voc confie em mim, totalmente, voc se prender ao conhecido, se agarrar mente, ao ego e de que serve isso? Voc tem de dar pelo menos um passo comigo sem perguntar por qu. O amor nunca pergunta por qu, o amor confia. 100

Uma criana tem de confiar em seu pai; o pai pega a sua mo e a criana o segue. Ela no est preocupada; onde quer que o pai v, ela vai, feliz. Ela no est preocupada com o que vai acontecer isso confiana. Se a criana parar e disser: "Onde voc est indo e para onde est me levando? E o que voc quer dizer com confiana, como posso confiar em voc?", a criana parar imediatamente de crescer, no haver possibilidade de crescimento. A criana tem de confiar na me, no pai. O Mestre nada mais do que um pai no desconhecido. Voc est reaprendendo a andar, reaprendendo a buscar, est outra vez movendo-se para alguma coisa voc no sabe o que , qual o rumo. isso o que Herclito quer dizer:

Ouvindo a mim, sbio admitir que todas as coisas so uma s. A sabedoria uma s conhecer a inteligncia pela qual todas as coisas so dirigidas por todas as coisas. A sabedoria una e nica; relutando e todavia almejando ser chamada pelo nome de Zeus.
Zeus o deus supremo. E a sabedoria reluta e, todavia almeja ser chamada de deus supremo. paradoxal e muito difcil para a mente entender. Buda diz que no h nenhum deus. Buda diz: "No precisa adorar-me, voc encontrar a sua prpria luz" a sua sabedoria, a sua conscincia reluta em declarar ser o deus supremo. E no momento seguinte ele diz: "Venha e renda-se a mim" se contradiz. Por que assim? Porque um homem que alcanou, que chegou, no tem ego, sendo difcil para ele proclamar qualquer coisa reluta. A sabedoria est relutando em se declarar supremo 101

deus, mas ela . O ego no est presente para proclamar, mas assim, um fato, por isso tambm no pode ser negado. O que fazer ento? Se um Buda diz: "Eu no sou o Supremo deus", est sendo falso. Se ele diz: "Eu sou o deus supremo", h um toque do ego. O que ele deve fazer ento? Tanto um caminho quanto o outro apresentam dificuldades. Se ele disser: "Eu sou Deus", voc poder consider-lo um egosta. Se disser: "No sou deus nenhum", isso ser falso. Por isso s vezes ele diz: "Sim, eu sou"; outras vezes diz: "Eu no sou". E voc tem de encontrar o equilbrio entre os dois, em algum ponto no meio ele ambos. Ele no um deus porque no mais um ego, no h ningum para proclamar e um deus, precisamente porque no h ego, precisamente porque no h ningum para proclamar.

A sabedoria una e nica; relutando e, todavia almejando ser chamada pelo nome de Zeus.
Da todas as contradies de todos os Iluminados. Precisam contradizer imediatamente tudo o que dizem, pois esto dizendo algo que nico, uno. E o que nico no pode ser expressado em nenhuma linguagem, pois a linguagem depende da dualidade. Se eles dizem: "Eu sou luz", ento quem ser a escurido? Porque a linguagem depende da dualidade: luz significa negao da escurido. Mas um homem que alcanou ao mesmo tempo luz e escurido. Ele as duas coisas todas as dualidades juntas este o mistrio. E por causa desse mistrio Aristteles diz: "Esse homem, Herclito, tem algum defeito. Talvez sua mente seja defeituosa, talvez o seu carter, porque ele diz absurdos." Arthur Koestler foi ao Oriente para observar as pessoas que haviam alcanado o samadhi, e quando voltou ao Ocidente relatou o seguinte: "So loucos, so absurdos, pois dizem absurdos. Num momento falam uma coisa, no momento seguinte se contradizem." 102

A sabedoria vasta, contm todos os opostos reunidos. E voc precisa de um corao sensvel para penetrar nesses absurdos; essa a verdade. A confiana a arma para penetrar no absurdo de um homem Iluminado ento, de repente, tudo se ajusta. Subitamente voc ver, atravs do absurdo todo, o uno, o nico.

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A natureza do Dia e da Noite uma s

(4 discurso - 24 de dezembro de 1974)

Deus dia e noite, inverno e vero, guerra e paz, saciedade e desejo. A gua do mar muito pura e, ao mesmo tempo, muito suja: bebvel e saudvel para os peixes, mas imbebvel e mortal para os homens. A natureza do dia e da noite uma s. A subida e a descida so uma e a mesma. Mesmo os que esto adormecidos trabalham e colaboram com o que acontece no universo. No crculo, o princpio e o fim so comuns.
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Deus no uma pessoa. Mil e uma dificuldades surgiram porque o homem sempre considerou Deus como uma pessoa. Todos os problemas com os quais a teologia se preocupa so apenas exerccios fteis basicamente porque Deus tomado como uma pessoa. Deus no uma pessoa e no pode ser permita que isso penetre o mais fundo possvel em voc, pois esta ser uma porta, uma abertura. difcil principalmente para os que foram educados como judeus, cristos e muulmanos conceber Deus como qualquer coisa que no seja uma pessoa isso se torna um fechamento. Pensar em Deus como uma pessoa antropocntrico. Na Bblia est escrito: "Deus criou o homem Sua imagem", mas a verdade parece ser exatamente o contrrio o homem criou Deus sua prpria imagem. E os homens diferem, por isso que existem tantos deuses no mundo. Quando os missionrios cristos chegaram pela primeira vez frica, tiveram problemas pois pintavam Deus como sendo branco e o Demnio como preto, e os negros sentiram-se muito ofendidos com isso. No os ouviam; porque desde o incio a imagem era conflitante. Ento um missionrio teve uma idia: mudou as cores. Pintou Deus de preto e o Demnio de branco, e os negros ficaram muito felizes puderam aceitar. Um negro sempre pintar seu Deus sua prpria imagem, um chins idem e um indiano tambm. Pintamos Deus como o nosso prprio reflexo perfeito, claro , mas a sua imagem no pode ser Deus. Voc s uma parte, uma parte mnima, um tomo na existncia. Como o todo pode ser conhecido imagem da parte? O todo transcende a parte, o todo infinitamente vasto. Se voc se prender ao tomo, se voc se apegar parte, perder o todo. Deus no deve ser concebido sua imagem; pelo contrrio, voc tem de abandonar a sua imagem, tem que se destituir da sua imagem ento, e s ento, voc se torna um espelho e o todo se reflete em voc. 105

 medida que o homem tem buscado mais e mais, isso vem se tornando cada vez mais claro: Deus como uma pessoa cria problemas, porque ento voc est sempre em conflito com outros deuses. por isso que existe o Deus judeu, o Deus hindu, o Deus muulmano, o Deus cristo isso um absurdo total! Como Deus pode ser cristo, hindu ou muulmano? Mas existem deuses diferentes porque os judeus tm suas prprias idias em relao a Deus, os hindus tm suas prprias idias em relao a Deus, e o conflito tem de existir. Os hindus pensam que Deus fala em snscrito; os ingleses acham que ele um cavalheiro ingls. Conta-se que um alemo e um ingls estavam conversando, e o alemo disse: "Ns planejamos tudo, mas por que sempre somos derrotados?" O ingls disse: "Vocs tm de ser derrotados porque sempre que comeamos a lutar, primeiro rezamos a Deus e Ele cuida de ns. Vocs tm de ser derrotados; jamais sero vitoriosos." O alemo disse: "Mas ns tambm fazemos isso, tambm rezamos." O ingls riu e disse: "Mas quem entende alemo?" Para um ingls, Deus ingls. Para Adolf Hitler devia ser nrdico, tinha de ser porque criamos nossas prprias imagens. H pouco estive lendo as memrias de um capelo do exrcito. Esse capelo pertencia ala de Montgomery, e um dia, quando estavam prontos para atacar, o cu estava cheio de nuvens, havia tanta nvoa e fazia tanto frio que qualquer movimento parecia impossvel. O padre escreveu em suas memrias que o General Montgomery chamou-o e disse: "Reze a Deus e diga-lhe imediatamente que ns, os seus soldados, estamos em marcha, e o que que Ele pretende? Est conspirando com o inimigo? Diga-lhe para parar imediatamente com tudo isso!" 106

O padre ficou surpreso: "Um homem como Montgomery sobre o que ele estava falando?" E disse: "Mas isso no me parece direito. No me parece direito perguntar a Deus o que que Ele est pretendendo e dizer a Ele que pare porque somos seus soldados e estamos avanando." O padre sentiu-se um pouco embaraado, mas Montgomery disse: "Oua as minhas ordens! Voc o meu capelo, ligado ao meu exrcito, e tudo o que eu digo voc tem de fazer. V e reze, imediatamente!" Isso acontece. Parece tolo e absurdo, mas est acontecendo o tempo todo, com todas as pessoas. Se voc toma Deus por uma pessoa, isso fatalmente acontece. Voc comea a comunicar-se com Ele como uma pessoa e Ele no uma pessoa. Existem milhes de ateus justamente porque vocs tomaram Deus como uma pessoa. O ateu no contra Deus, mas contra o seu conceito de Deus como uma pessoa, porque o conceito inteiro uma tolice. E pense em que angstia voc deve est colocando seu Deus, pois os alemes rezam pela sua vitria, os ingleses rezam pela sua e todos pensam que Deus est com eles, est do seu lado. Ouvi contar que Junnaid, um mstico Sufi, certa vez sonhou que estava morto e viu que o maior pecador da cidade tambm estava morto, e ambos bateram porta de Deus. O pecador foi aceito e o santo rejeitado. Ele se sentiu muito magoado. Sempre esperou ser recebido, ser bem vindo, e o que estava acontecendo? exatamente o oposto. Ele conhecia aquele homem que estava sendo recebido com tanta cerimnia. Quando a cerimnia acabou e o pecador foi enviado sua morada, o santo disse: "Tenho s uma pergunta para fazer a Deus: O que Voc est fazendo? Tenho rezado constantemente, vinte e quatro horas por dia, dia e noite, chamando Seu nome, orando. Mesmo em meu sono tenho chamado e cantado o Seu nome!" 107

Deus disse: "Exatamente por isso voc tem me importunado tanto que agora estou realmente com medo de que voc venha para o cu. O que vai fazer aqui? Se na Terra, de to longe, voc no conseguiu deixar-me em paz nem um momento! Esse homem bom, por isso estamos celebrando. Nunca me aborreceu, nunca me incomodou; nunca usou meu nome, nunca criou nenhum problema para mim." Deus como pessoa uma tolice, o conceito inteiro tolo. E Ele no pode ser uma pessoa porque tem de ser todas as pessoas como Ele pode ser uma pessoa? No pode ser algum porque todos, e no pode estar num lugar determinado porque est em toda a parte. No se pode defini-Lo, e a personalidade uma definio. No se pode limit-Lo, e como uma pessoa Ele se torna limitado. A personalidade como uma onda que vai e vem, e Ele como o oceano. imenso Ele permanece. Personalidades vo e vm, elas so formas; esto presentes e logo depois no esto mais. As formas mudam; as formas mudam constantemente para os opostos e Deus a ausncia de forma. No pode ser definido, no se pode dizer quem Ele . Ele tudo. Mas no momento em que voc diz: "Ele tudo", cria um problema: como se comunicar? No h necessidade; no possvel comunicar-se com Ele como pessoa. Voc tem de se comunicar com Ele numa dimenso totalmente diferente a dimenso da energia, a dimenso da conscincia, no a da personalidade. Deus energia. conscincia absoluta. Deus graa, xtase; indefinvel, ilimitado; no tem comeo nem fim; para todo o sempre, eterno, atemporal, alm do espao porque Deus significa totalidade. O todo no pode ter uma personalidade esta a primeira coisa que deve ser entendida muito profundamente; no apenas intelectualmente, mas o mais totalmente possvel, pois se voc puder conceber, puder sentir, puder buscar Deus como uma 108

totalidade, a sua prece ser diferente. Sua prece no ser tola. Ele no pode estar ao seu lado est em todos os lados. Est com o seu inimigo, tanto quanto com voc, e est tanto no santo quanto no pecador pois Ele tudo! Est tanto no escuro quanto na luz. Ele compreende tudo. Nele, todos os opostos se encontram, fundem-se e tornam-se um s. Por causa do conceito de Deus como pessoa, tivemos de criar um Demnio contraposto a Deus, devido a todas as negatividades! onde voc as colocaria? Voc tem de criar algum sobre quem seja possvel jogar todas as negatividades. Ento o seu Deus tornase falso, e o seu Demnio tambm torna-se falso, pois o negativo e o positivo coexistem, no esto separados. Mas tudo o que voc gosta pe do lado de Deus, e tudo o que no gosta pe do lado do Demnio. A diviso sua. Deus no pode ser dividido Ele indivisvel. Primeira coisa: Deus no uma pessoa. E lembre-se: voc tambm no uma pessoa. Isso ignorncia, auto-ignorncia: por isso que voc parece ser uma pessoa. Se voc for mais fundo, logo a personalidade comear a ficar embaada; chegar um momento no qual voc no saber quem . Voc j deve ter observado isso: s vezes, quando algum o desperta subitamente, acontece de, de repente, voc no saber onde est se de manh ou de noite, se est em sua casa ou em algum outro lugar, que cidade ; por um momento tudo fica confuso, no tem noo de espao, no tem noo de tempo, e voc no sabe quem voc . Por que isso acontece? Porque dormindo profundamente voc se move para o centro, claro que inconscientemente, mas no centro no existe personalidade existe uma energia impessoal. E se de repente algum o desperta, voc tem de se mover do centro para a periferia to depressa, que simplesmente no h tempo para recobrar a personalidade. Nessa pressa voc simplesmente perde a identidade e essa a sua realidade, isso o que de fato voc . 109

Em profunda meditao, cada vez mais voc se tornar consciente do indefinvel, do ilimitado. No comeo se parecer com um fenmeno anuviado, e voc poder at sentir medo, ficar assustado. O que est lhe acontecendo? Est perdendo a cabea? Est ficando louco? Se voc sentir medo, perder. No se preocupe, natural voc est se movendo do definido para o indefinido; no meio haver um terreno onde tudo ser confuso. por isso que os Mestres Zen disseram: "Antes da pessoa entrar no caminho, os rios so rios e as montanhas so montanhas. Quando ela entra no caminho, os rios no so mais rios e as montanhas no so mais montanhas. E quando ela alcana o objetivo, outra vez os rios so rios e as montanhas so montanhas." O que eles querem dizer? Querem dizer que chega um momento no qual tudo se torna confuso. E nesse momento necessria uma escola, um Mestre, pois quando tudo est confuso voc de novo uma criana desamparada, sem saber quem , perde a identidade, no sabe para onde est indo, no sabe o que est acontecendo; uma escola necessria. Esta a utilidade de um ashram, de um mosteiro, onde h muitas pessoas em diferentes nveis que podem ajudar-se mutuamente. E h um Mestre no nvel supremo voc no precisa ter medo, pode olhar sempre para ele. Quando voc perde sua identidade, o Mestre a sua nica fonte de sanidade voc est insano. Muitas pessoas trabalham sozinhas e muitas enlouquecem. Se voc viajar pelo Oriente, encontrar muita gente abatida. So pessoas que tm trabalhado sem um Mestre; chegaram ao territrio obscuro agora no sabem para onde ir. J se esqueceram de onde vieram e no sabem para onde ir. No sabem quem so. Esto completamente loucas. Esto melhores do que voc, mas loucas. E nesse ponto no podem dar nenhum passo, pois quem dar o passo e para onde? Nesse momento um Mestre necessrio. Um dos maiores trabalhos que Meher Baba fez em sua vida ele viveu parte de Poona e um dos grandes Mestres esse 110

trabalho jamais havia sido feito antes: ele viajou por toda a ndia durante anos, entrando em contato com essas pessoas loucas. No fazia mais nada alm disso: ia de uma aldeia a outra, estabelecendo contato com essas pessoas que haviam enlouquecido, que esto num plano melhor do que o seu, mas que precisam de um auxlio basta um empurro. Um empurro para que os rios voltem a ser rios, as montanhas voltem a ser montanhas; e outra vez adquiram uma nova identidade. A velha identidade apoiava-se na forma; a nova identidade existir com a ausncia da forma. A velha identidade apoiava-se no nome; a nova existir com o anonimato. A velha identidade era deste mundo, a nova identidade ser do outro mundo. Mas voc poder ficar preso entre as duas se no houver uma escola, se no houver um Mestre para auxili-lo a sair. Voc poder entrar nessa imensido, mas sair sozinho ser difcil... h excees, pois s vezes, acidentalmente, algum sai isso no o mais importante mas como regra geral quase impossvel sair por si mesmo. Tenho visto muitas pessoas loucas. E sempre que algum me procura e quer fazer tudo sozinho, eu sinto muito, pois essa pessoa no sabe o que est falando. Mas esse o problema. No posso forar nada, pois quanto mais se fora, mais ela foge. Posso dizer apenas: "timo, faa o que quiser" mas sinto profundamente, pois sei onde essa pessoa est indo sem saber. Deus energia e se voc no estiver preparado ela poder ser destrutiva. Deus uma energia to infinita e vital que, se o seu veculo no estiver pronto, voc simplesmente quebrar. Portanto, a questo no apenas conhecer Deus. A questo mais profunda estar pronto antes de poder dizer: "Agora venha", antes de poder convid-Lo pois voc to pequeno e Ele to vasto. como se uma gota de gua convidasse o oceano para entrar. O oceano pode vir a qualquer momento, mas o que acontecer gota? Ela tem de atingir uma capacidade, uma receptividade infinita, a ponto do oceano se abandonar e desaparecer dentro da gota sem que ela seja 111

esfacelada. Esta arte grandiosa, essa arte Religio, Yoga, Tantra, ou seja qual for o nome que voc queira dar. E no olhe para Deus de acordo com suas concepes: judia, crist ou hindu. Abandone-as! Elas so apegos periferia, ao conhecido. Voc se prende a tudo que lhe ensinaram, e Deus no pode ser aprendido, ningum pode ensin-Lo pode-se indicar, claro, mostr-Lo de maneiras sutis e indiretas, mas Ele no pode ser ensinado. Tudo o que voc sabe sobre Deus est errado e digo 'tudo' incondicionalmente. Qualquer coisa que voc saiba est errada porque ela vem de ensinamentos; algum lhe ensinou um conceito, uma teoria, e Deus no um conceito, no uma teoria; Deus no uma hiptese. No nada que se assemelhe a isso absolutamente diferente. Abandone todos os conceitos e s ento estar pronto para dar o primeiro passo. V a Ele nu, sem nenhum conceito, sem roupas no corpo. V a Ele vazio, sem nenhuma idia a Seu respeito na mente. V a Ele vazio, porque essa a nica maneira de ir: vazio voc se torna uma porta, Ele pode entrar. Somente a receptividade necessria, no os conceitos, no as filosofias, no as doutrinas isso que Herclito quer dizer. Estas palavras so maravilhosas. Oua-as:

Deus dia e noite, inverno e vero, guerra e paz, saciedade e desejo.

Nunca palavras to bonitas foram pronunciadas antes, e nunca mais desde ento.

Deus dia e noite, inverno e vero, guerra e paz, saciedade e desejo.

Muitos falaram sobre Deus, mas ningum que se compare a Herclito. Alguns disseram: "Deus luz", mas, ento, onde voc 112

situar a escurido? Ser preciso explicar de onde vem a escurido. "Deus dia", disseram muitos, "Deus sol, luz, fonte de luz", mas, ento, de onde vem a noite? De onde vem o escuro, o Demnio, o pecado? De onde? E por que as pessoas falaram de Deus como luz? Algo psicolgico est envolvido. O homem teme a escurido; o homem sente-se muito bem quando h luz faz parte do seu medo. Por que voc chama Deus de luz? O Alcoro diz: "Deus luz"; os Upanishads dizem: "Deus luz"; a Bblia diz: "Deus luz". Existiu apenas uma pequena escola e nessa escola Jesus foi ensinado e educado para receber o Divino essa pequena escola era conhecida como "Essnios"; eles foram os professores e mestres de Jesus. Somente essa escola diz: "Deus escurido, noite." Mas nunca dizem: "Deus luz"; eles vo para o outro extremo. Mas so pessoas maravilhosas. Tente entender o smbolo: luz-e-escurido. Voc no sente medo na luz porque pode ver. Ningum pode atac-lo facilmente. Voc pode se defender, pode fugir, pode lutar ou levantar vo. Pode fazer alguma coisa, tudo conhecido. A luz o smbolo do conhecido no se teme o que se conhece. A escurido o desconhecido surge um medo no corao. Voc no sabe o que est acontecendo ao redor. Qualquer coisa possvel e voc est indefeso. Luz segurana, escurido insegurana. A luz assemelha-se vida e a escurido morte. Temeroso, assustado no s psicologicamente, mas tambm biologicamente, pois o homem viveu milhares de anos no escuro, na noite, nas florestas e cavernas selvagens, e os problemas surgiam noite: os animais selvagens podiam atacar e o homem estava indefeso. Assim, quando o fogo foi inventado, o fogo se tornou o primeiro Deus; tornou-se uma proteo, uma segurana. Com o dia est bem, com a noite voc no sabe onde est noite tudo desaparece. Assim o homem tende a identificar Deus com a luz. A luz tem algumas coisas bonitas: clida, uma fonte de energia voc 113

no pode viver sem o sol, nada pode existir sem ele. Toda a vida, no fundo, energia solar, a energia que vem do sol. Voc come essa energia, bebe essa energia vive atravs dela. Se o sol simplesmente desaparecer, esfriar, em dez minutos a vida neste planeta desaparecer. Em dez minutos, pois o raio de sol leva dez minutos para nos alcanar. Se o sol morrer, durante dez minutos os ltimos raios continuaro chegando, mas passado esse tempo no chegaro novos raios e tudo morrer. Nem mesmo perceberemos o que est acontecendo; ningum saber que morremos. Todo o planeta morrer as rvores, os animais, os pssaros, o homem, tudo! A vida existe atravs do sol ele clido, receptivo. A escurido tambm tem sua beleza. infinita. A luz tem sempre um limite; a escurido ilimitada. E, no fundo, a luz excitante, ela o excita; a escurido no absolutamente excitante. A luz quente, a escurido fria, fria como a morte, misteriosa. A luz vem e desaparece; a escurido permanece. por isso que os Essnios diziam que Deus o escuro, a noite, pois a luz vem e vai, a escurido permanece, a escurido eterna. A luz parece ser um episdio, ela acontece. Voc pode planejar a luz, mas no a escurido; ela parece estar alm de voc. Voc pode acender a luz, pode apag-la, mas no pode acender e apagar a escurido. Ele parece estar alm de voc e est! A luz manipulvel. Se est escuro voc pode iluminar, mas no pode escurecer, no pode manipular a escurido; ela est alm do controle. Voc acende a sua luz, mas sabe que ela momentnea. Quando o combustvel acabar, a luz desaparecer mas a escurido eterna, ela est sempre presente. Existe como se no houvesse uma causa aparente, no causada; sempre esteve, sempre estar. Por isso os Essnios escolheram a escurido como smbolo de Deus, mas s Herclito escolheu ambos. Escolher um extremo ainda lgico, racional; a razo est trabalhando. Escolher os dois ao mesmo tempo irracional, a razo se confunde completamente. Deus dia e noite ambos ao mesmo 114

tempo, no h escolha vero e inverno, guerra e paz. Ser difcil para pessoas como Tolstoi, Gandhi, Bertrand Russell, se Deus for guerra e paz. Eles pensam que Deus paz; a guerra foi criada pelos homens. A guerra feia, alguma coisa o Demnio deve ter inventado Deus paz. Tolstoi no pode concordar, Gandhi no pode concordar que Deus tambm seja guerra. Um Hitler no pode concordar que Deus seja paz tambm. Deus guerra; Nietzsche no pode concordar que Deus tambm seja paz, Deus guerra. Existem os que escolhem; Herclito no um deles, ele simplesmente uma conscincia sem escolha. Ele no tem escolha, ele simplesmente diz que seja o que for. No o induz a qualquer moralismo, no o induz mente dele, simplesmente reflete, um espelho. Gandhi, Tolstoi, Ruskin, so dos que escolhem; impem a Deus suas prprias idias. Impem a idia de paz, que Deus paz; a guerra passa ento a ser o Demnio, Mas isso no possvel. O que a paz sem a guerra? Existe alguma possibilidade de paz sem guerra? E essa paz no seria simplesmente morta se no houvesse guerra? Pense nisso: se no houvesse no mundo nenhuma guerra, apenas paz que tipo de paz seria essa? Seria fria, seria uma noite escura, morta. A guerra traz intensidade, tonalidade, nitidez, vida. Mas se houver somente guerra e no houver paz, a morte tambm acontecer. Se voc escolher um oposto da polaridade, se escolher uma polaridade, tudo ser morto porque a vida existe entre as polaridades guerra e paz, ambas; saciedade e carncia; contentamento e descontentamento, ambos; fome, carncia, desejo, paixo, paz, saciedade, contentamento; o caminho e o objetivo, ambos. Difcil compreender, mas essa a verdade. Deus que deseja em voc e Deus que se torna sem desejos em voc. Isso aceitao total. Deus que uma paixo em voc e Deus que se torna Iluminado em voc. Deus que sente raiva em voc e Deus que se transforma em compaixo em voc. No h o que escolher! Mas veja s o fato: se no h nada para escolher e tudo Deus, o seu ego simplesmente desaparece, porque ele existe com a 115

escolha. Se no h nada para escolher e tudo como , nada pode ser feito e Deus tanto uma coisa quanto outra. O ego desaparece juntamente com quem escolhe e com a escolha. Ento voc aceita, simplesmente aceita! to belo comer quanto sentir fome. Isso difcil para a mente. A mente cambaleia, desnorteia-se, perde o apoio, sente-se tonta como se voc estivesse beira de um abismo. Por que isso acontece? Porque a mente quer uma escolha definida: "Ou isso ou aquilo." E Herclito diz: "Nem isso, nem aquilo ou ambos." Pergunte a Mahavir, pergunte a Buda, e eles diro: "Desejo? Abandone o desejo! Torne-se sem desejos escolha! Fique contente, profundamente contente; abandone o descontentamento!" Herclito penetra ainda mais fundo. Diz: "Quem existe para abandonar? Quem abandonar? Deus as duas coisas!" E quando voc pode sentir isso, que Deus as duas coisas, que tudo abenoado, tudo se torna sagrado. H ento uma alegria tambm quando h fome. No desejo h tambm um no-desejo. Na raiva h tambm compaixo. E se voc no conheceu a raiva que compassiva, a raiva que compaixo, ainda no conheceu realmente a vida. Se ainda no conheceu a escurido que tambm luz, a frigidez que tambm clida se ainda no conheceu isso, deixou passar o grande clmax. O xtase, o supremo, o supremo orgasmo com o universo acontece onde os opostos se encontram onde os opostos se encontram. Deus ambos; homem e mulher, guerra e paz. E o homem tem estado em dificuldade porque esteve sempre escolhendo. A sociedade tem permanecido sempre desequilibrada, todas as sociedades e civilizaes tm permanecido desequilibradas, porque tudo depende da escolha. Ns criamos uma sociedade no mundo que orientada para o masculino, orientada para a guerra. A mulher foi eliminada, no tem contribuies a fazer ela escura, paz, silncio, passividade, compaixo, no guerra; a mulher saciedade e no desejo. O homem desejo a excitao, a 116

aventura, a guerra; est sempre indo a algum lugar, sempre chegando em algum lugar, encontrando alguma coisa, buscando, procurando. O homem o vagabundo, a mulher o lar. Mas quando ambos se encontram, quando o vagabundo chega em casa, quando o desejo e a saciedade se encontram, quando atividade e passividade se encontram, a surge a maior harmonia a harmonia oculta. Ns criamos a sociedade orientada para o masculino e por isso existe guerra e a paz no verdadeira. Nossa paz apenas um intervalo entre duas guerras; no verdadeira, s uma preparao para outra guerra. Volte atrs e olhe para a histria: a Primeira e a Segunda Guerra Mundial o intervalo entre as duas no foi de paz. Foi apenas uma preparao para outra guerra. No foi de paz real, foi s uma preparao. E se a paz no for real, a guerra tambm ser irreal. No passado, as guerras eram belas; agora so feias, pois no h o que se oponha a elas. No passado os guerreiros eram belos; agora so simplesmente feios. A guerra no lhes d nada; se fosse real seria uma aventura, os levaria a um pico da existncia. Voc se colocaria totalmente nela. Os guerreiros eram belos: eles enfrentavam a morte, iam ao encontro da morte no campo de batalha. Agora os guerreiros no esto mais vista ocultam-se por trs dos tanques, atiram bombas sem saber o que ser destrudo. Pode-se chamar de guerreiro esse homem que soltou a bomba atmica sobre Hiroshima? Que tipo de guerreiro e esse? Solta a bomba atmica, mata milhes de pessoas imediatamente, sem saber quem est matando, quem o inimigo crianas pequenas... Eu estava olhando uma foto que algum me enviou do Japo. Uma criana estava subindo a escada para seu quarto, onde iria estudar e depois dormir; uma criana bem pequena, com sua pasta de escola nas mos e pensando na lio de casa, estava indo fazer seu dever de casa e depois iria para a cama. J havia chegado ao 117

patamar quando a bomba caiu. Ela ficou totalmente queimada e se tornou apenas uma mancha na parede, com os livros, com a pasta queimada, ainda nas mos, a mente pensando na lio de casa do dia seguinte, amanh de manh tudo ali queimado. E o homem que soltou a bomba no sabia quem iria morrer; e depois voltou para casa e dormiu muito bem. Havia cumprido o seu dever, ocultando a si mesmo que tipo de guerra essa? Tornou-se uma coisa muito feia. Antigamente, ser um guerreiro era uma das maiores possibilidades elevar ao mximo o seu potencial. Mas agora no nada, como um dever mecnico qualquer: voc aperta o boto, a bomba cai e mata voc no est confrontando-se. A guerra sem uma paz real tambm se torna falsa. E quando a guerra falsa, como a paz pode ser real? Voc tem escolhido. Criamos as sociedades de acordo com os padres masculinos. O homem se tornou o centro, a mulher foi afastada do centro. Est desequilibrado. Agora existem mulheres pensando em criar uma sociedade que siga os padres da mulher, onde o homem esteja afastado do centro. Isso tambm ser desequilbrio. Deus tanto masculino quanto feminino; no existe escolha. E o masculino e o feminino so apostos: escurido e luz, vida e morte. E os opostos esto presentes. Uma harmonia oculta tem de ser procurada. Aqueles que chegaram a conhecer a harmonia oculta realizaram a verdade.

Deus dia e noite, inverno e vero, guerra e paz, saciedade e desejo. A gua do mar muito pura e, ao mesmo tempo, muito suja: bebvel e saudvel para os peixes, mas imbebvel e mortal para os homens.
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Tudo bom e tudo mau depende. s vezes a guerra boa, s vezes a paz m isso depende. s vezes a paz nada mais que impotncia, ento no boa; pode ser paz, mas no boa. s vezes a guerra no nada alm de loucura, ento ela no boa. E preciso que se observe, e veja sem nenhum preconceito. Nem toda guerra m e nem toda a paz boa; para Gandhi, toda paz boa ambos so viciados. E Deus ambos. Herclito diz:

A gua do mar muito pura e, ao mesmo tempo, muito suja...

Para os peixes ela vida; para voc pode tornar-se morte. Portanto, no crie idias absolutas, mantenha-se flexvel. E lembrese: uma coisa pode ser boa para voc hoje, e amanh pode no ser, pois a vida vai mudando e voc no pode pisar duas vezes no mesmo rio. E mesmo que pise, voc no o mesmo e ainda assim o mesmo tudo est em movimento, tudo um fluxo, no se fixe. Este um dos males da mente humana: voc se fixa, perde a flexibilidade e flexibilidade vida. Olhe para uma criana, ela flexvel; olhe para o velho, ele se tornou inflexvel. Quanto mais flexvel, mais vivo, fresco e jovem voc . Quanto mais inflexvel voc se torna... voc j est morto. E o que flexibilidade? Flexibilidade responder ao momento sem nenhuma idia preconcebida; responder ao momento, no atravs de idias preconcebidas diretamente, imediatamente. Imediatismo flexibilidade. Voc olha para a situao, percebe a situao, sensvel a ela e ento age. A ao vem atravs do confronto entre voc e a situao, no vem da mente ligada ao passado.

A natureza do dia e da noite uma s.

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A guerra e a paz so uma s; o desejo e a ausncia de desejo so um s. O fenmeno o mesmo: paz guerra inativa; guerra paz ativa. A natureza do homem e da mulher uma s: a mulher o homem passivo, inativo; o homem a mulher ativa. por isso que atraem um ao outro, porque se voc os toma separadamente, so apenas metades. Quando se tornam um, o todo criado; ambos se encontram e tornam-se um essa unidade a busca. Se voc os toma separadamente, como fizeram todas as religies no passado catlicos, jainistas, budistas, todos eles separaram totalmente as mulheres dos homens. E todas essas religies permaneceram divididas, no podem ser totais, no podem aceitar o todo. So um semicrculo e um semicrculo no absolutamente um crculo, pois um crculo, para ser um crculo, precisa ser total um semicrculo no um crculo. Por isso o cristianismo como um todo tornou-se feio, o jainismo tornou-se feio, o budismo tornou-se feio. Voc no pode dividir, tem de aceitar a totalidade. A beleza o todo e a feira vem de uma parte dilacerada. Tudo que total belo, completo o crculo se completou.

A natureza do dia e da noite uma s.

O dia tornou-se noite, a noite tornou-se dia. Voc capaz de distinguir onde est o dia e onde est a noite? Voc pode demarcar? No existe demarcao o dia aos poucos vai se tornando noite; a noite aos poucos vai se tornando dia. uma s roda. E se voc puder ver todos os opostos como uma roda, transcender. No ser mais um homem e no ser mais uma mulher, pois o homem torna-se mulher e a mulher torna-se homem muitas vezes. Se voc se observar durante vinte e quatro horas, descobrir em que momento foi uma mulher e em que momento foi um homem; poder descobrir quando passivo e quando ativo. Quando 120

passivo voc uma mulher, quando ativo um homem e os dois se ocultam dentro de voc. Agora a psicologia aceita isso: que o homem bissexual todo homem mulher tambm e toda mulher homem tambm. A diferena s de quantidade, de grau, e no de qualidade. Se voc um homem, isso significa que pode ser cinqenta e um por cento homem e quarenta e nove por cento mulher essa a diferena. por isso que possvel mudar de sexo. uma diferena de graus. Apenas uma pequena mudana hormonal e o sexo mudar. No preciso nem mudar os hormnios: se voc simplesmente transformar a sua psique, a mudana acontecer. Aconteceu a Ramakrishna. Ele tentou muitos caminhos para chegar ao Divino. Mesmo quando alcanou, continuou tentando todos os caminhos s para ver se todos levavam a Ele. Na ndia existe um caminho, um caminho muito bonito, que : conceber Deus como o nico homem e tornar-se feminino, a bem amada. Seja voc homem ou mulher isso no importa Deus o macho e voc a fmea; Deus Krishna e todos so suas bem amadas. Assim todos os que seguem esse caminho comeam a se comportar como mulher no podem usar roupas masculinas, usam roupas de mulher; dormem com uma imagem de Krishna. Esquecem-se completamente se so homens ou mulheres sejam o que forem, tornam-se femininos. A cada quatro semanas, durante cinco dias, agem como se estivessem menstruados. No incio apenas representam, mas aos poucos as mudanas comeam a acontecer. Aconteceu que Ramakrishna se transformou completamente em mulher. Isso permaneceu um mistrio. Como possvel? As menstruaes comearam realmente a acontecer! Ele eliminava sangue mensalmente durante trs ou quatro dias. Seus seios tornaram-se femininos, eles cresceram; sua voz mudou, tornou-se feminino; ele comeou a caminhar como uma mulher. Durante seis meses esteve nesse caminho ele se transformou completamente numa mulher. 121

E isso um mistrio, pois houve mdicos que testemunharam esses sangramentos a menstruao havia chegado. Apenas a mente mudou todo o corpo. E depois de ter chegado por esse caminho e t-lo abandonado e comeado a tentar outra coisa, mesmo depois disso, durante um ano o corpo continuou igual levou um ano para voltar, para tornar-se outra vez homem. Por dentro voc ambos; apenas uma questo de nfase. E Herclito chegou a compreender isso:

A natureza do dia e da noite uma s. A subida e a descida so uma e a mesma.

Paraso e inferno so um s. Deus e Demnio so um s pois tm de ser assim: dois plos do mesmo fenmeno.

Mesmo os que esto adormecidos trabalham e colaboram com o que acontece no universo.
Mesmo os que esto adormecidos so responsveis. O que Herclito est querendo dizer? Diz que a responsabilidade no individual, o karma no individual total. Essa uma compreenso rara. Concordo absolutamente com ele. uma rara compreenso, porque na ndia acredita-se que o karma individual mas isso tambm prender-se ao ego. Por que? Se no h ego, e voc insiste em que no h ego, por que o karma deveria ser individual? Se o karma individual, ento voc no pode abandonar o ego. Na verdade, ele se prender de uma maneira muito sutil: tenho de cumprir o meu karma e voc tem de cumprir o seu onde nos encontramos? Eu me tornarei iluminado e voc permanecer ignorante onde nos encontraremos? Se a compreenso de Herclito for entendida, isso significa: no existem indivduos, no existem ilhas; o homem no uma ilha, 122

somos parte de um todo. Assim, nem mesmo o karma individual. Isso implica muitas coisas, abre-se uma vasta dimenso. Isso significa que se algum comete um assassinato em algum lugar, eu estou envolvido nisso. Mesmo que eu esteja dormindo eu estava dormindo, no conheo o homem em questo, nunca ouvi falar a respeito dele e algum, em algum lugar, nos Himalaias, cometeu um crime; se no somos individualistas, eu estou envolvido com ele, eu tambm sou responsvel. No to fcil se livrar da responsabilidade: "No estou cometendo um assassinato, sou um santo." Nenhum santo santo porque nele se incluem todos os pecadores. E estpido proclamar: "Sou um santo porque no estou cometendo nenhum assassinato, nenhum roubo, nenhum pecado." Mas no mundo existem pecadores, e se todos ns somos um s, um vasto continente, no apenas ilhas, mas estamos interligados, ento como voc pode pecar sem mim? No, isso no possvel. Como posso me tornar Iluminado sem que voc tambm se torne Iluminado? No, isso no possvel. Isso significa que sempre que um pecado cometido, o todo est envolvido. E sempre que existe um fenmeno de Iluminao, o todo est envolvido. por isso que sempre que um homem se torna Iluminado, imediatamente muitos o seguem em seu despertar, tornam-se Iluminados, pois ele cria uma possibilidade para o todo. mais ou menos assim: se a minha cabea di, no apenas a cabea est doente, mas todo o meu organismo tambm minhas pernas tambm sentem, meu corao, minhas mos tambm sentem, porque sou um. A dor pode estar focada na cabea, tudo bem, mas todo o corpo est doente. Um Buda se torna iluminado se ele est focado nesse estado, isso tudo, porque ningum mais est nele. s uma questo de foco, mas ele vibrar em tudo. A existncia como uma teia de aranha. Voc toca na teia em qualquer lugar e o todo vibra. O toque focado num determinado lugar, est certo, mas o todo vibra. Esse o significado e voc 123

precisa entender isso. Sempre que voc faz alguma coisa, no s voc que est envolvido o todo est envolvido. A sua responsabilidade grande. E no se trata apenas de acabar com o seu prprio karma; a sua biografia toda a histria do mundo. Mesmo quando estou dormindo, estou colaborando e cooperando, e por isso cada passo tem de ser muito responsvel e alerta. Se voc comete um pecado o todo que voc arrasta para o pecado, no s voc, pois voc no est separado. Se voc medita, se voc se torna alerta, se est se sentido pleno de graa, o todo que voc est levando a um clmax. Voc pode estar focado, mas o todo est sempre envolvido. Lembre-se disso: o que quer que voc faa, Deus est fazendo; e o que quer que voc seja, Deus ; e o que quer que voc venha a ser, Deus ser. Voc no est s, voc o destino do todo.

Mesmo os que esto adormecidos trabalham e colaboram com o que acontece no universo. No crculo, o princpio e o fim so comuns.
Se voc faz um crculo, o incio e o fim se encontram s ento ele est completo! Se voc se torna um crculo, inteiro, total, em voc o princpio e o fim se encontram. Voc a prpria fonte do mundo e tambm o seu prprio clmax. Voc ambos, alfa e mega. E a menos que voc se torne ambos, algo est incompleto; e enquanto algo est incompleto voc permanece miservel. A nica misria que conheo ser incompleto. O ser inteiro tende a ser completo, precisa ser completo, e o incompleto se transforma numa tortura. O ser incompleto o nico problema. E quando voc se torna completo, o incio e o fim se encontram em voc. Deus como fonte e Deus como florescimento supremo encontram-se em voc. 124

Pondere sobre esses pequenos fragmentos. Cada um deles pode se tornar uma vasta contemplao, e cada um pode lhe dar uma compreenso de si mesmo e da realidade. Esses fragmentos no so filosficos, so as percepes de Herclito ele sabe, ele chegou a ver, no est teorizando. Ele tocou a realidade, penetrou nela. E cada fragmento completo em si mesmo; no um sistema. Esses fragmentos so como gemas, destacadas individualmente; cada gema completa em si mesma. Penetre simplesmente num fragmento e atravs dele poder tornar-se totalmente diferente um nico fragmento pode tornar-se a porta para o infinito. Medite, pondere sobre Herclito, sobre o que ele est dizendo. Ele pode lhe causar um grande impacto. Ele pode se tornar uma transformao para voc.

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Tal a Profundidade de Seu Significado

(5 discurso - 25 de dezembro de 1974)

No faamos conjecturas arbitrrias sobre os grandes temas. Muito aprendizado no ensina compreenso. Os que buscam ouro cavam muita terra e pouco encontram. Voc no poderia descobrir as limites da alma mesmo que para isso percorresse todas as estradas tal a profundidade de seu significado.
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A filosofia inteira no passa de conjecturas arbitrrias. Se voc quiser evitar o conhecimento real, se quiser evitar o existencial, ento no h nada como a filosofia. Fuja para a filosofia e poder evitar tudo, tudo o que crie problemas. A filosofia uma soluo barata. Sem entrar, sem encarar a realidade, voc simplesmente teoriza. E teorias nada mais so do que palavras. Os argumentos, as racionalizaes, as explanaes nada mais so do que truques. Nada se resolve porque voc permanece o mesmo. O filsofo a pessoa mais iludida do mundo, porque pensa que sabe tudo sem saber absolutamente nada. Herclito riu de Pitgoras, um dos maiores filsofos que o mundo j conheceu. Muitas vezes Herclito diz: "Se filosofando algum pudesse tornarse um conhecedor, ento Pitgoras seria o maior conhecedor do mundo" porque Pitgoras viajou pelo mundo todo daquela poca. Chegou at a ndia; viveu no Egito, viajou por toda parte, reuniu muito conhecimento. Pitgoras foi contemporneo de Herclito e mais conhecido do que ele. Na histria da filosofia, Pitgoras um marco. Reuniu muita coisa, conheceu muito, mas sem saber absolutamente nada. O que fez ele? Juntou informaes atravs de escrituras, de professores, de escolas, de ashrams, de sociedades secretas. Quando voc junta informaes, elas se tornam parte da sua memria voc no afetado. Seu corao no tocado, seu ser nem mesmo tem conscincia daquilo que voc guardou em sua memria. A menos que seu ser seja tocado e transformado, esse conhecimento ignorncia e muito mais perigoso do que a ignorncia comum, pois uma pessoa ignorante comum sabe que ignorante, e o filsofo pensa que sabe. E uma vez que voc se afeioa s informaes, pensa que essas informaes so conhecimento. claro que voc sabe demais, mas no fundo nada foi conhecido, nada mudou; voc no evoluiu para um plano superior de ser. 127

O conhecimento real consiste em se alcanar nveis mais altos de ser, planos superiores de ser no mais informaes, mas mais ser. Ser mais, no saber mais, o caminho real. Saber mais e no ser mais um falso caminho. Os filsofos falam sobre as coisas. Eles no tm nem mesmo um vislumbre de Deus, de moksha, de libertao, de outros mundos, de cu e inferno. No apenas falam sobre isso, mas falam com autoridade mas no podem enganar. No esto enganando ningum exceto eles mesmos. Conta-se que um dia, andando pelo cemitrio, Mulla Nasrudin encontrou o tmulo de um filsofo da cidade que havia morrido pouco antes. Na lpide estava escrito: "Estou dormindo, no estou morto." Mulla deu uma gargalhada e disse: "Voc no est enganando ningum, s voc mesmo!" Mas o filsofo engana a si mesmo continuamente. Em vez de conhecer, ele depende da informao. Quando o conhecimento conseguido existencialmente, autntico. Por exemplo, voc pode reunir muito conhecimento sobre o amor sem nunca ter se apaixonado. As bibliotecas esto repletas de informaes; voc pode ir e coletar tudo o que j foi dito sobre o amor mas 'sobre' o amor no amor, 'sobre' Deus no Deus. Saber sobre o amor significa ficar dando voltas sem nunca penetrar no centro. Amar totalmente diferente. Voc pode teorizar sobre o que o amor, pode concluir sobre a natureza do amor, mas se voc nunca se apaixonou, para qu serve esse conhecimento? O que voc ganha com ele? O que voc vai encontrar atravs disso? Uma decepo, talvez. Conhecendo sobre o amor voc pode comear a acreditar que conhece o amor; e se isso acontecer voc ter fechado as portas para a possibilidade de se apaixonar. 128

Apaixonar-se perigoso. Conhecer sobre o amor esperto e ladino. Apaixonar-se significa mudar a si mesmo; apaixonar-se significa encarar milhes de dificuldades, pois interagir com uma pessoa viva penetrar no desconhecido. Ningum sabe o que vai acontecer no momento seguinte. Voc tirado da sua clausura, est sob cu aberto, e a cada momento havero novos problemas para serem resolvidos, novas ansiedades a serem superadas. Tem de ser assim, pois os problemas e as ansiedades so os passos. Se voc d esses passos, voc cresce; se fica atemorizado e foge, permanece juvenil. O amor uma oportunidade para crescer, mas o crescimento sempre doloroso porque alguma coisa tem de ser destruda antes que voc possa criar alguma coisa. O passado tem de ser destrudo antes que um novo futuro nasa. Todo crescimento como a dor da me ao dar luz um filho. Todo crescimento significa que voc est constantemente dando luz a si mesmo; a cada momento uma criana nasce. E um processo contnuo, no pra nunca; nunca chega a um fim. Voc pode descansar por algum tempo, mas a jornada interminvel. Voc tem de dar a luz a si mesmo constantemente, e a cada momento haver dor. Mas se voc puder ver que a partir da dor nasce uma nova vida, se aceitar isso, no s aceitar, mas dar boas vindas, ser belo pois atravs dela que se cresce. No h outra maneira de crescer. O amor lhe trar dor, o amor o far sofrer, porque atravs do amor se cresce. Nunca houve crescimento sem sofrimento. Este o significado da cruz: Jesus sofre, e sofre totalmente. Quando ele sofre totalmente, renasce totalmente, ressuscita. Ento no mais um homem, torna-se um deus. Ele amou a humanidade to profundamente que o amor pela humanidade transformou-se na cruz. Voc tem medo de amar um nico indivduo. Como crescer? E voc pode enganar sua mente. Pode ir biblioteca, pode 129

coletar informaes sobre o amor e sobre os amantes, e pode saber muito sem conhecer absolutamente nada. E isso acontece em todas as dimenses da vida. Sempre que os grandes temas so tocados, assim que voc engana. Rezar difcil; ser um padre fcil. Um padre um homem que reuniu tudo sobre a prece, mas orar difcil. como a morte, porque a menos que voc morra, como pode convidar o Divino a entrar em voc? A menos que voc se torne um vazio, como Ele pode entrar em voc? Soren Kierkegaard disse: "No comeo, quando comecei a rezar, costumava falar muito com Deus. Depois, aos poucos, compreendi a bobagem que estava fazendo. Eu estava falando como falar pode ser prece? A prece s pode ser uma profunda escuta, no uma fala. Voc precisa estar em silncio para que Deus possa ser ouvido. Precisa estar muito silencioso para que a palavra quieta e silenciosa de Deus possa penetr-lo. Nesse silncio, o Divino revelado." Orar no falar, ouvir alerta, passivo, aberto, pronto, disponvel como um tero. A prece feminina e um padre um fenmeno masculino. O padre agressivo: est fazendo alguma coisa. Orar no absolutamente uma ao, simplesmente ser receptivo, simplesmente estar aberto. Uma porta se abre e voc est esperando. infinita pacincia e espera. O padre agressivo. Voc pode aprender isso: o sacerdcio uma arte, pode-se aprendla. A prece no uma arte, no se pode aprend-la em nenhum lugar. Voc s pode aprend-la na vida. No existem escolas, no existem universidades que possam ensin-lo a orar s a vida. Voc se move na vida, sofre muito, cresce, e, aos poucos, sente a sua total impotncia. Aos poucos voc sente que todas as reivindicaes egostas so estpidas pois, quem voc? Sendo jogado daqui para l e de l para c, deriva, como um pedao de madeira ao mar... quem voc? 130

Quando voc sente: "No sou ningum", a primeira semente da prece entrou em voc. Quando sente: "Sou impotente, no posso fazer nada, pois h tanto tempo tenho feito e nada acontece exceto misria, nada acontece atravs dos meus esforos", ento voc pra de se esforar. Nesse momento de impotncia a prece d um segundo passo. No que na sua impotncia voc comece a exigir de Deus: "Faa isso por mim porque eu no posso faz-lo" no! Se voc estiver realmente impotente no poder nem mesmo exigir e desejar, pois acabar percebendo que: "Tudo o que eu disser estar errado, tudo o que eu pedir estar errado. Eu sou errado e, por isso, tudo o que vier por meu intermdio estar errado". Ento voc dir: "Seja feita a Tua vontade... no me oua, faa o que voc quiser, estou pronto para obedecer." Isso prece no sacerdcio. Voc pode ser treinado para ser padre; existem colgios para isso. Cada gesto da orao ensinado: como sentar, como se curvar, que palavras usar e quais no usar. Leon Tolstoi escreveu uma pequena parbola. Um homem procurou um padre, o maior sacerdote da Rssia, e disse: "Conheo trs santos. Eles vivem numa ilha, e chegaram a Deus." O padre disse: "Como possvel que isso tenha acontecido? Sou o mais alto sacerdote de todo o pas. Sem me conhecerem, sem que eu tenha tido conhecimento do fenmeno, como possvel que trs pessoas tenham chegado a Deus? Vou procur-las." E saiu num barco. Chegou ilha. Aquelas trs pessoas simples estavam sentadas ao p de uma rvore fazendo suas oraes. Ele ouviu as preces, deu uma gargalhada e disse: "Seus tolos! Onde aprenderam essa orao? Nunca ouvi tamanho absurdo em toda a minha vida, e sou o mais alto sacerdote deste pas. Que tipo de prece essa?"

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Os trs comearam a tremer de medo e disseram: "Perdoenos! No sabemos, ns nunca aprendemos. Ns mesmos criamos essa prece". A prece era simples. Dizia: "Ns somos trs" e os cristos acreditam na Trindade, por isso disseram: "Fizemos uma orao: Ns somos trs, voc tambm trs tenha piedade de ns! Ns mesmos a fizemos: Somos trs, voc trs tenha piedade de ns! Fazemos isso constantemente, mas no sabemos se est certo ou errado." O padre disse: "Est absolutamente errado e eu lhes ensinarei o certo, a verso autorizada." Era uma longa orao da Igreja. Os trs ouviram, tremendo. O padre ficou muito feliz. Voltou pensando que havia realizado um ato virtuoso, um trabalho realmente bom: convertera trs pagos ao cristianismo. "E aqueles tolos! eles se tornaram famosos. Muitas pessoas foram ter um darshan com eles, tocaram seus ps e os adoraram!" Quando estava voltando, muito feliz por ter feito o que fez, viu de repente que alguma coisa, como uma turbulncia no lago, aproximava-se. Ele ficou com medo. Depois olhou... os trs santos estavam chegando, correndo sobre a gua. Ele no podia acreditar no que seus olhos viam. Os trs santos vieram e disseram: "Por favor, diga outra vez aquela orao porque ns a esquecemos! longa demais e somos pessoas simples, incultas. S mais uma vez..." Conta-se, escreve Leon Tolstoi, que o padre caiu aos ps deles e disse: "Perdoem-me! Cometi um pecado. Continuem a fazer como sempre fizeram. A prece de vocs est certa porque ela brotou de seus coraes. A minha intil porque veio do meu aprendizado. No me ouam. Simplesmente esqueam e faam o que estavam fazendo." A prece no pode ser aprendida. Voc precisa passar pela vida com os olhos abertos, com um corao compreensivo, para chegar a orar. Ento, a prece ser sua. Ela brotar de seu corao, 132

verter de seu corao. As palavras no significam muito o corao que est por trs delas. Mas pode-se aprender muito atravs da mente; pode-se esquecer completamente o corao porque o corao cresce atravs da experincia, e a mente cresce atravs do pensamento. E o pensamento simplesmente morto. No existe nenhum crescimento atravs do pensamento. Voc pode ficar dando voltas na mente. A mente apenas um computador, um computador biolgico; coleta informaes. O mesmo pode ser feito por um computador, ainda melhor do que por sua mente. Mas o corao no um computador. O corao totalmente diferente da mente: ele no coleta, no tem memria simplesmente vive cada momento; responde ao momento vivo de uma maneira viva. Conheci uma pessoa, um colega de universidade. Estava doente e alguma coisa sempre estava errada com ele. Eu lhe disse: "Por que no procura um mdico? Por que no consulta algum sobre o seu corpo? Est sempre reclamando de uma coisa ou outra." Ento, ele foi. No dia seguinte, ele veio me ver e disse: "O doutor disse que terei de desistir de metade da minha vida sexual." Fiquei surpreso e disse: "O que voc decidiu?" Ele respondeu: "Obedecerei." Ento eu lhe perguntei: "Que metade? a que voc fala ou a que pensa a respeito." Porque eu conhecia o homem: ele no tinha nenhuma vida sexual, mas falava e pensava sobre ela. Existem pessoas que no tm vida religiosa. Falam sobre ela, pensam a respeito, mas no tm vida religiosa; se voc ouvir o que elas dizem pode achar que so religiosas. Religio no uma coisa relacionada ao falar ou pensar mas sim relacionada ao viver. Ou voc a vive ou no a vive. um jeito de viver, no uma filosofia; 133

no so teorias sobre grandes assuntos, mas um profundo interrelacionamento com tudo o que a vida significa. Observe sua mente, como ela aproveita as oportunidades nas quais voc poderia ter se tornado religioso. Voc v uma flor e comea a pensar sobre ela no vive o momento. A flor est ali, abrindo suas ptalas um fenmeno imensamente belo, um milagre. Os cientistas dizem que a vida um milagre no h razo para ela, por que deveria haver? Milhes e milhes de planetas e estrelas, e apenas nesta pequena terra, e ainda assim somente h alguns milhares de anos que a vida tem existido. Ningum sabe porque, no se sabe por quanto tempo existir, ningum sabe porque, qual o seu destino, a sua fonte. E os cientistas dizem, no mximo, que simplesmente um milagre, parece ser apenas um acidente. No se pode dizer nada. A flor um milagre porque est viva. Neste universo morto milhes de planetas, milhes de estrelas, que so s pedras e mais pedras, infinitamente rochosas uma pequena semente tornou-se planeta e a planta est celebrando. Uma flor desabrocha e voc comea a pensar e a falar sobre ela. Diz: "Que linda!", e perde toda a beleza, pois se ela realmente bela voc se torna silencioso. Sempre que alguma coisa grandiosa encontrada, to misterioso o seu assombro, voc fica to maravilhado, como possvel falar? Falar uma profanao. Nesse momento, falar uma tolice voc no est aproveitando. Simplesmente permanea em silncio, beba, saboreie o momento; permita que a flor desabroche dentro de voc. De uma maneira sutil, a dualidade sujeito e objeto desaparece. Voc no mais o sujeito e a flor no mais o objeto; as fronteiras se diluem e fundem-se. De repente a flor est dentro de voc e voc est na flor pois a vida uma s. Voc tambm uma flor; a conscincia um florescimento. por isso que os hindus sempre a simbolizaram por um ltus, pelo desabrochar de uma flor. E uma flor tambm uma conscincia, viva. 134

Encontre-se com a flor, no comece a falar e a pensar. Ento saber o que uma flor. Talvez voc no seja capaz de dizer o que uma flor. Talvez voc seja capaz de dizer o que conhece, no consiga criar uma teoria sobre o seu conhecimento. difcil quando se conhece, muito difcil criar uma teoria a respeito. to vasto, a experincia to vasta, e a teoria to estreita. Voc talvez no seja capaz de filosofar, mas esse no o ponto voc conhece, esse o ponto. Esse ponto o ponto de interseco em que os filsofos e os religiosos se separam. Os filsofos continuam falando e pensando e os religiosos seguem aprofundando suas experincias e chega um momento no qual se perdem completamente. O filsofo no final toma-se apenas um ego, e a pessoa religiosa simplesmente se perde. Voc no pode encontr-la, no pode saber onde ela est. Se voc puder compreender isso, ento esses fragmentos se tornaro muito, muito significativos e so.

No faamos conjecturas arbitrrias sobre os grandes temas.

O que pode fazer a sua mente? Uma coisinha to pequena. Conta-se que um dia Aristteles caminhava pela praia, perto do mar, quando viu um homem trazendo gua do mar numa colher e jogando-a num pequeno buraco que havia cavado na areia. Aristteles estava s voltas com os seus prprios problemas. No deu muita importncia ao fato uma vez, duas, chegou mais perto e ficou olhando para o homem, mas este estava to absorto que Aristteles ficou curioso: "O que est fazendo?" Era difcil acreditar, o homem estava completamente absorto ia at ao mar, enchia a colher, trazia a gua, colocava-a no buraco, voltava para o mar... Por fim, Aristteles disse: "Espere! No quero perturb-lo, mas o que voc est fazendo? Est me deixando tremendamente curioso." 135

O homem disse: "Vou colocar todo o oceano neste buraco." Aristteles, at mesmo ele, riu. Disse: "Voc um tolo! Isso no vai acontecer. Voc simplesmente louco e est perdendo sua vida! Olhe a vastido do oceano e a pequenez do seu buraco e com uma colherzinha voc pretende trazer o oceano para esse buraco? Est simplesmente louco! V para casa e descanse um pouco." O homem riu ainda mais alto do que Aristteles e disse: "Sim, irei, pois meu trabalho est feito." Aristteles disse: "O que voc quer dizer com isso?" Ele disse: "O mesmo que voc s que a sua uma tolice ainda maior. Olhe para a sua cabea: ela menor do que o meu buraco. E olhe para o Divino, para a Existncia: mais vasta do que a minha colher?" E o homem se foi, s gargalhadas. Isso chocou Aristteles. Ningum sabe se isso aconteceu ou no porque Aristteles continuou o mesmo. Essa estria deve ter sido inventada por Herclito eu desconfio. Ou at possvel que esse homem tenha sido Herclito disso eu tambm desconfio. O que a mente pode fazer? Quando voc pensa nisso, parece simplesmente absurdo. Como se pode entender tal vastido atravs da cabea? Todo o esforo parece ser ftil. Abandone a cabea e depois olhe! No olhe atravs da cabea e voc tambm ser vasto. s por estar olhando atravs da cabea que voc tambm se tornou pequeno. s por causa da estreiteza da cabea que voc tambm estreito. Jogue fora essa cabea! e olhe para a existncia sem ela. Isso significa: sem pensar; estando completamente alerta, mas sem um nico pensamento na mente, sem teorizar, vivendo apenas.

No faamos conjecturas arbitrrias

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E as nossas conjecturas so todas arbitrrias. O que se pode dizer? Algum pergunta: "Deus existe?" O que dizer? Se voc disser sim, ser tambm uma conjectura voc o conheceu? Se disser no, ser uma conjectura voc sabe? Como pode dizer alguma coisa? Se disser sim, estar errado. Se disser no, estar errado. por isso que os Budas permaneceram em silncio. Se voc perguntar a Buda sobre Deus, ele nada dir. Simplesmente permanecer em silncio, como se voc no tivesse perguntado nada. Ele jamais dir uma nica palavra sobre Deus. Sabe o quanto a pergunta estpida. E sabe que quando voc responde a uma pergunta estpida, voc tambm estpido. Assim, permanece em absoluto silncio, no diz sim nem no porque so todas conjecturas. O que voc pode dizer? Os telogos cristos parecem tolos diante de um Buda. Eles tentam at provar, do at mesmo provas de que Deus existe. Fornecem fundamentos lgicos da existncia de Deus. Mas Deus precisa dos seus apoios lgicos? O Todo precisa que voc d alguma prova dele? Voc o juiz. O que pode provar? E tudo o que voc pode provar, pode ser refutado pela mesma mente, pois a lgica uma espada de dois gumes pode provar e pode refutar. A lgica no uma bela amada, a lgica uma prostituta. Trabalha para quem pagar melhor. Conheci um homem era um advogado, um dos melhores, famoso; era uma autoridade em leis, mundialmente famoso; mas era um homem muito esquecido, muito distrado. Certa vez, numa Assemblia Privada em Londres, ele estava defendendo um Maraj indiano. Era um grande caso. Ele se distraiu e argumentou durante uma hora contra o seu prprio cliente. At o juiz ficou preocupado. O promotor no podia acreditar no que estava acontecendo: "O que ele vai fazer agora?" pois aquele homem estava usando todos os argumentos que o promotor havia preparado. Tudo ficou virado de pernas para o ar, e a corte no podia acreditar no que estava 137

acontecendo. E o homem era uma autoridade to grande que ningum ousou interromp-lo; mesmo o seu assistente tentou muitas vezes pux-lo pela roupa e lhe dizer o que estava fazendo. Quando ele acabou, o assistente sussurrou em seu ouvido: "O que voc fez? Destruiu completamente o caso. Ns no estamos acusando o homem ns estamos defendendo-o!" O advogado disse ao juiz: "Meritssimo, estes so os argumentos que podem ser usados contra o meu cliente agora vou contradiz-los." E comeou a contradizer tudo. Ele venceu o caso. A lgica uma prostituta. Voc pode argumentar a favor de Deus e usar o mesmo argumento contra Ele. Por exemplo: todas as religies do mundo, todos os padres, os bispos, papas, telogos, usaram como prova bsica, como prova fundamental de seus argumentos a favor de Deus, o fato de que tudo requer um criador: se voc olhar um mvel, saber que um marceneiro o fez. Se olhar um quadro, fatalmente ter de haver um pintor. Como um quadro pode existir sem um pintor? Uma criao to vasta, se desenrolando to sistematicamente, obedecendo a um curso to disciplinado, precisa de um criador. "A criao pressupe um criador." Oua ento um ateu. Ele diz: "Se isso verdade, quem ento criou o criador? Pois se nada pode existir sem um criador, se um quadro no pode existir sem um pintor, quem criou o pintor? E se voc disser que o pintor no foi criado, ento voc tolo, pois se um quadro, uma coisa to pequena como essa, no pode existir sem um criador, como pode o pintor existir sem um criador?" A sua prpria lgica se volta contra voc. E se voc disser: "Sim, Deus foi criado por outro Deus", ento a regresso ser infinita... O Deus A foi criado pelo Deus B, o Deus B foi criado pelo Deus C, e assim por diante, infinitamente. Por fim, a pergunta permanecer a mesma; 138

no foi respondida: quem criou o Deus Z? A pergunta continuar a mesma. A lgica no responde nada. E o mesmo argumento que pode ir a favor pode ir contra. Herclito diz:

No faamos conjecturas arbitrrias

No faa nenhuma conjectura, todas as teorias so conjecturas.

...sobre os grandes temas.

melhor no fazer nenhuma conjectura.

Muito aprendizado no ensina compreenso.

E voc pode aprender muito sobre essas conjecturas, as quais so todas arbitrrias, pode tornar-se um grande pndita, um grande erudito. Em primeiro lugar, so todas conjecturas, e em segundo lugar, voc acumula todo esse lixo e torna-se um grande estudioso; as pessoas o respeitaro e acharo que voc sabe mas voc sabe? Falando sobre Deus, provando a favor ou contra, voc consegue chegar a alguma concluso? Os testas, os ateus, esto todos no mesmo barco. Conta-se que Mulla Nasrudin trabalhava como maquinista dirigindo uma balsa. Um dia, um padre estava atravessando para a outra margem. Exatamente na metade do caminho, perguntou a Nasrudin: "Voc chegou a aprender alguma coisa, Nasrudin?" E ele respondeu: "Sou ignorante, no sei nada nunca estive numa escola."

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O padre disse: "Ento metade da sua vida foi praticamente desperdiada, pois o que um homem sem instruo?" Nasrudin no disse nada. Veio ento uma tempestade e a balsa comeou a afundar. Ele disse: "Oh, grande pndita, voc aprendeu a nadar?" O homem disse: "No, nunca. Eu no sei nadar." Mulla disse: "Ento toda a sua vida foi desperdiada, pois eu j estou indo!" Informaes no podem se transformar em natao e a existncia necessita de experincia. Informao no pode ser conhecimento. Conhecer alguma coisa que voc experimentou e voc chegou a conhecer. O conhecer sempre original, a informao sempre emprestada. Os outros podem ter conhecido, podem no ter conhecido; voc no pode decidir simplesmente acredita. Lembre-se: a crena no servir; ela faz parte da informao. A confiana, a f, totalmente diferente. Voc experimentou alguma coisa e ento veio a confiana. Se voc no experimentou, a confiana no existe, existe apenas uma crena superficialmente forada. Voc acredita; a crena emprestada, morta. E quanto mais voc acredita, mais morto se torna. Confiar totalmente diferente. No crena, no descrena. No tem nada a ver com a crena, com a descrena ou com a mente. As pessoas dizem: "Acreditamos em Deus". E existem pessoas que dizem: "No acreditamos em Deus". Um homem procurou Sri Aurobindo e perguntou: "Voc acredita em Deus?" Aurobindo disse: "No!" O homem no podia acreditar no que ouvia, pois tinha vindo de um pas muito distante para questionar esse homem e achava que ele tinha de acreditar em Deus e Sri Aurobindo disse 'No'. 140

O homem disse: "O que voc est dizendo? No posso acreditar no que estou ouvindo e vim de to longe s para ouvir um homem que conhece." Aurobindo disse: "Mas eu no disse nada sobre conhecer. Eu no acredito eu conheo." A crena um substituto pobre para o conhecimento; na verdade, no absolutamente um substituto. Voc no acredita no sol voc o conhece. Eu estou aqui voc no acredita em mim, voc me conhece. Voc est sentado a voc no acredita que est sentado, voc conhece o fato. Voc acredita em Deus, voc no O conhece. A ignorncia pode se tornar uma crena ou uma descrena, mas a ignorncia continua sendo ignorncia. O conhecer necessrio. E saiba desta sutil distino: no uso a palavra 'conhecimento', uso a palavra 'conhecer' pois conhecer um processo e conhecimento algo j terminado. O conhecimento como uma coisa acabada; pode-se possu-lo, pode-se t-lo nas mos, pode-se manipul-lo, est completo. Conhecer um processo, um rio; est sempre acontecendo; nunca se pode possu-lo; no se pode dizer que est acabado. A existncia eterna, como pode acabar? Como possvel chegar a um ponto onde se possa dizer: "Agora j conheo tudo"? Esse ponto no chega nunca. Quanto mais voc conhece, mais as portas se abrem. Quanto mais voc flui, mais os mistrios esto prontos para lhe serem revelados. Quanto mais voc conhece, mais se torna capaz de conhecer e isso no tem fim. por isso que uso a palavra 'conhecer' e no 'conhecimento'. Conhecimento uma coisa morta, passado, j foi para o tmulo. Conhecer est sempre no presente; um fluxo, como um rio. Herclito concordar comigo: concordar com o conhecer; com o conhecimento, no. 141

O conhecimento um produto acabado, o conhecer uma coisa crua. Est sempre se fazendo, est sempre se tornando. Est sempre mudando, fluindo, tomando novas formas, novas configuraes, e no se pode acab-lo porque voc faz parte dele. Quem pode acab-lo? Voc pode se tornar aquilo que conhece, mas nunca um conhecedor. E o mesmo vlido para o amor, o mesmo vlido para a prece, e o mesmo vlido para a meditao, para todos os grandes temas. Na verdade, usar a palavra 'amor' no bom "amar" d a sensao de processo. Usar a palavra 'prece', no bom, a prece morta 'orar' d uma sensao de fluxo, de movimento, de vitalidade. "Experincia" no bom 'experimentar'. 'Meditao' no bom... A linguagem d sempre a sensao de coisas mortas e a vida no est morta. At mesmo para um rio voc diz: "O rio ", at para ele voc usa '' o rio nunca ''. O rio est sempre sendo, sempre se movendo. Nada , tudo flui, tudo assume novas formas, configuraes e nomes, e todas as coisas fluem para outras coisas. Experimentar, conhecer, amar, orar, meditar lembre-se disso, a vida um processo, no uma coisa. um movimento de uma eternidade para outra. Est sempre no meio, sempre no meio voc est sempre no meio. um movimento constante e vivo. A informao pode lhe dar produtos mortos, s a vida pode lhe dar processos. Voc no pode possuir nada na vida, no pode possuir nem a si mesmo. E se voc tiver uma mente possessiva, tornar-se- um conhecedor. Da a insistncia na no possessividade, na mente no possessiva. No possua nada. No possua nem o seu filho ele no uma coisa. No possua a pessoa a quem voc ama, ela no uma coisa. No possua nada voc no pode! E se possuir, voc matar, destruir. O mesmo acontece em relao ao que se aprende: ns queremos possuir. As pessoas vm a mim e dizem: "Gostaramos de conhecer Deus", mas por que? Por que voc gostaria de conhec-Lo? Voc quer se tornar um conhecedor. Gostaria de possuir tambm a Ele. 142

Gostaria de poder exibi-lo tambm, mostrar que no possui s mveis, casas ou carros, mas que possui tambm Deus: "Ele est aqui, venha e veja. Eu o agarrei." Voc gostaria de transformar Deus numa mercadoria e j conseguiu isso. No, voc no pode possuir. O conhecer no algo que possa ser possudo. A informao pode ser adquirida. O conhecer no pode ser ensinado, preciso que se cresa dentro dele. E no seguro, pois quem pode estar seguro em relao a um processo? Nunca se est a salvo; quem pode estar a salvo num processo? S existe segurana com coisas mortas. sempre perigoso, pois voc se move do conhecido para o desconhecido, da luz para o escuro, do dia para a noite. Est sempre se movendo da vida para a morte. E se voc puder descobrir o segredo da harmonia oculta que transcende a ambas, que se move dentro de ambas e ao mesmo tempo as transcende, ento ter chegado a conhecer a verdade. E isso o que Herclito quer dizer em relao aos grandes assuntos:

Muito aprendizado no ensina compreenso.

Voc j viu pessoas que sabem demais, mas que agem de maneira estpida? Isso acontece quase sempre: o homem que sabe demais torna-se cada vez menos atento. Age atravs do seu conhecimento, no atravs da situao real. Torna-se um tolo, comporta-se de maneira estpida, porque para que algum se comporte sabiamente, necessrio haver resposta, e essa pessoa age sempre a partir de um passado morto. Age sempre a partir de uma prontido, de uma preparao. Jamais est despreparada. Ouvi contar sobre um grande professor de filosofia. Estava estudando em seu quarto quando sua esposa entrou muito excitada, dizendo: "O que voc est fazendo? J viu os jornais? Dizem que voc morreu." 143

O professor, sem mesmo levantar os olhos para a esposa ou para o jornal, respondeu: "Ento, lembre-se de que no devemos nos esquecer de enviar flores sempre que algum morre preciso enviar flores" s isso. Ele nem ouviu. No possvel surpreender um homem de conhecimento, no. Ele sempre sabe. No se pode assombr-lo, ele perdeu a dimenso do assombro. No mais uma criana; ele sabe, sabe tudo. Ouvi contar no posso jurar que seja verdade porque apenas me contaram um amigo me disse que certa vez estava conversando com Mulla Nasrudin e falavam sobre muitas coisas e se divertiam muito, quando de repente entrou o cachorro de Nasrudin e disse: "Algum viu o jornal de hoje?" O amigo ficou simplesmente pasmado, no podia acreditar! Mulla deu o jornal ao cachorro e quando o cachorro saiu, o amigo conseguiu se recobrar e disse: " um milagre esse cachorro consegue ler?" Mulla disse: "No se deixe enganar ele apenas olha os quadrinhos." Existem pessoas que no possuem o senso do assombro e do mistrio. No podem se admirar, no se pode surpreend-los. O que aconteceu? Elas esto sempre prontas, e quando se sabe como possvel se surpreender? Uma criana se maravilha diante das coisas e esse o significado das palavras de Jesus. "A menos que voc seja como as crianas, no entrar no Reino do meu Deus". Por que? Porque o assombro a porta e s um corao inocente pode se maravilhar. E quando voc tem um corao inocente, voc se maravilha tudo lhe causa surpresa. Uma borboleta que imenso mistrio!

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Chuang-Tzu estava sentado ao p de uma rvore e duas ou trs borboletas voavam uma atrs da outra... Ele escreveu um pequeno poema: "Parece-me que essas borboletas so flores as flores que uma vez caram no cho e agora voltaram, esto de volta rvore." As flores caem no cho e depois desaparecem. ChuangTzu diz: "Agora voltaram para a rvore como borboletas." Esse homem entrar no Reino de Deus, mas voc no. Se algum lhe pergunta qualquer coisa sobre uma borboleta, imediatamente voc abre um livro e consegue dizer tudo o que se diz sobre 'borboletas' mas voc pensa que tudo o que pode ser dito o total? Tudo o que se diz tudo? No existe alguma coisa que tenha ficado sem ser dita, que permanecer para sempre sem ter sido dita e que nunca ser possvel que algum possa diz-la? Se voc acha que no restou nada a ser dito, como pode ento se assombrar? voc perdeu a sensao da surpresa. Este sculo sabe mais do que qualquer outro j soube, e est mais distante de Deus do que qualquer outro sculo j esteve pilhas de informaes, bibliotecas cada vez maiores, e todos sabem muito. Mesmo as crianas pequenas so foradas por ns a saber no atravs do conhecer, no que a vontade de saber cresa nelas e elas se tornem cada vez mais misteriosas; que por dentro, por fora, elas sintam mais mistrio; que sejam tocadas pelas flores, pelas borboletas e pelas pedras. No. Ns enchemos suas mentes de conhecimento, e Herclito diz:

Os que buscam ouro, cavam muita terra e pouco encontram.

Essas pessoas que sabem, os pnditas, cavam muita terra, mas pouco encontram. Removem toda uma montanha e dela sai um rato. O que conseguem eles? So como cavadores de ouro: muito esforo, e tudo o que conseguem apenas parece valioso. por isso 145

que ele usa a palavra 'ouro', pois que valor tem o ouro? Na verdade, que valor ele tem? O valor que voc d a ele apenas uma conveno. Somos ns que damos valor ao ouro, no que ele tenha um valor intrnseco. Se o homem no existisse, voc acha que o ouro teria algum valor? Os animais no se importam, no ligam para ele. Se voc puser na frente de um cachorro um punhado de ouro e um osso, ele escolher o osso; no se importar com o ouro. Que valor tem o ouro? Tem algum valor intrnseco? Nenhum valor, apenas uma projeo social. Se voc acha que valioso, ele se torna valioso. Tudo o que voc considera de valor, torna-se valioso.

Os cavadores de ouro, cavam muita terra e pouco encontram.

E isso o que est acontecendo aos que esto cavando conhecimento, e no experincia; cavando a verdade, e no a vida... e vida verdade! E qualquer que seja a verdade que voc cave das teorias e do conhecimento, ela ser algo morto.

Voc no poderia descobrir as limites da alma mesmo que para isso percorresse todas as estradas tal a profundidade de seu significado.
Tente entender trs palavras: uma palavra "conhecido", o que j se conhece; h ento uma outra palavra, o "desconhecido", aquilo que ainda no conhecemos, existindo toda a possibilidade de conhecermos. A cincia divide a existncia nestas duas palavras: 'conhecido' e 'desconhecido'. O conhecido, que conhecemos, e o desconhecido, que conheceremos; s precisamos de tempo. A religio divide este mundo em trs palavras, no em duas: o 'conhecido', o 'desconhecido' e o 'incognoscvel'. No podemos esgotar o incognoscvel. 146

O desconhecido se tornar conhecido e o conhecido poder se tornar de novo desconhecido. Aconteceu muitas vezes. Muitas coisas foram conhecidas e depois tornaram-se desconhecidas, porque a sociedade se desinteressou por elas. Isso aconteceu muitas vezes. Se voc voltar atrs e perguntar s pessoas que trabalharam profundamente com o passado, elas diro que quase tudo o que conhecemos foi conhecido em alguma poca anterior e depois foi esquecido. Colombo no foi o primeiro homem que descobriu a Amrica; muitas pessoas a descobriram antes dele, e depois a Amrica foi esquecida. No Mahabharat uma das mais antigas escrituras da ndia, com pelo menos cinco mil anos de idade, talvez mais o Mxico foi mencionado: Arjuna teve muitas mulheres, uma era mexicana. Em muitas outras escrituras do mundo a Amrica mencionada. Colombo no foi o primeiro a descobri-la ele a redescobriu. Existem menes sobre avies em muitas escrituras; no esta a primeira vez que ns os descobrimos; ns os descobrimos e depois nos desinteressamos; eles foram deixados de lado. Nunca encontrei nada que no tenha sido descoberto antes. Todas as coisas foram descobertas e perdidas. Depende da sociedade: se a sociedade se interessa, tudo bem; seno, se perde. O conhecido se tornar desconhecido, o desconhecido se tornar conhecido. Mas existe uma terceira dimenso: o incognoscvel. A cincia no acredita no incognoscvel. Diz: "O incognoscvel nada mais do que o desconhecido". E a religio diz que aquilo que permanecer desconhecido para sempre est numa dimenso totalmente diferente pois tal a sua natureza intrnseca que a mente no agenta. O vasto, o infinito, o interminvel, o que no tem comeo, o total o total no pode ser compreendido de modo algum pela parte, pois como pode a parte compreender o total? Como pode a mente compreender aquilo de onde a mente surge? Como pode conhecer aquilo para onde ela ir retornar? 147

impossvel! simplesmente impossvel. E como podemos conhecer aquilo de onde viemos? Somos como ondas como pode uma onda compreender todo o oceano? Ela pode proclamar, pois o oceano jamais refuta coisa alguma simplesmente ri. como uma criana proclamando alguma coisa para os pais. Eles riem. O incompreensvel existe o incognoscvel existe. Herclito diz:

Voc no poderia descobrir as limites da alma mesmo que para isso percorresse todas as estradas tal a profundidade de seu significado.
Como voc pode conhecer a si mesmo? Todas as religies dizem: "Conhea a ti mesmo!" Mas como voc pode realmente se conhecer? Quem ento ser o conhecedor e quem ser o conhecido? pois o conhecimento depende de uma diviso. Eu posso conheclo, voc pode me conhecer, porque eu me torno um objeto e voc se torna o conhecedor mas como voc pode conhecer a si mesmo? E, se tentar, aquilo que voc vier a conhecer no ser voc. O conhecedor estar sempre por trs; o que for conhecido estar sempre associado como objeto e voc estar associado como sujeito. Por exemplo: voc pode conhecer o corpo. por isso que todos os que conhecem dizem que no somos o corpo porque podemos conhec-lo. Voc pode conhecer a mente. por isso que os que conhecem dizem que voc no a mente pois a mente se torna o objeto e voc o conhecedor. Voc fica por trs, continua ficando sempre por trs, voc uma transcendncia sutil. Tudo o que voc conhecer ser imediatamente transcendido. No momento em que se torna conhecido voc est separado dele. Se voc diz: "Eu conheci a mim mesmo", o que significa isso? Quem conheceu quem? Voc o conhecido? ou o conhecedor? Se voc o conhecedor, ainda assim permanece desconhecido. O autoconhecimento impossvel. 148

Mas por que sempre se diz: "Conhece-te a ti mesmo"? Isso tem sido dito porque s pelo esforo para conhecer se chegar dimenso do incognoscvel. Tem-se insistido: "Conhece-te a ti mesmo" no que voc possa conhecer, no se engane com isso. Ningum jamais se conheceu, jamais ningum se conhecer. E todos os que conheceram sabem disso: que o grandioso, o vasto, o Supremo permanecem incognoscvel. H uma insistncia: Conhecete a ti mesmo! Eu tambm insisto: Conhece-te a ti mesmo! s para lev-lo ao ponto onde voc tem conscincia de ser esse o porto para o incognoscvel. S se esforando para conhecer voc vir a conhecer o incognoscvel. E quando digo que voc conhecer o incognoscvel, no quero dizer que voc o conhecer. No! Voc entrar dentro dele. Nunca um conhecimento, um salto. Voc salta no mar e se perde. No que voc o conhea voc se transforma nele. claro, voc o conhece de maneira muito sutil e ao mesmo tempo no o conhece. por isso que Herclito parece paradoxal, parece defeituoso, um pouco louco. Mas assim a natureza das coisas, assim a profundidade das coisas, assim a profundidade de seus significados nada pode ser feito. Por isso acontece que, se voc se mover para o incognoscvel sem estar pronto para encar-lo, poder ficar louco. O paradoxo tal que no se pode decifr-lo. A infinitude tal que quanto mais voc penetrar, mais se perder. A profundidade tal que voc jamais chegar ao fundo. No se pode possu-lo nunca, voc s pode ser possudo. Deus no pode ser possudo, voc s pode permitir que Ele o possua. tudo o que se pode fazer. Por isso uma rendio. Voc permite que Ele o possua, voc est pronto para ser possudo. E nessa prontido, voc precisa estar pronto para perder seu racionalismo, sua razo, pois ela loucura pura. No h nada claro, tudo se toma confuso e enevoado. Parece confuso e enevoado porque voc tem tentado esclarecer isso. No possvel. A vida compreende tudo o que paradoxal. 149

Voc no poderia descobrir as limites da alma mesmo que para isso percorresse todas as estradas tal a profundidade de seu significado.
Voc pode trilhar todos os caminhos mas nunca chegar ao objetivo. Todos eles confluem e voc nunca chegar ao objetivo. Por que? Porque a vida no tem objetivo. uma celebrao. No tem nenhum propsito, um ir a lugar nenhum. um simples deleite em ir, sem ir a lugar algum. uma brincadeira, um jogo. E no seja srio em relao a isso, seno voc perder. Seja sincero, mas no srio. A sinceridade uma coisa, a seriedade outra. Se voc for srio, estar pensando em termos de objetivos, meios e fins, meios e aquisies; voc ser ambicioso. Seriedade ambio, um mal. Talvez voc tenha desviado a sua ateno deste mundo, mas agora a sua mente ambiciosa est pensando no outro. A seriedade no religiosa. Um homem srio automaticamente se torna filosfico; comea a pensar. A seriedade mental. por isso que uma pessoa sria, um pensador, est sempre carrancudo. Nunca consegue rir, no pode sorrir, no pode brincar, porque est sempre pensando: "O que conseguirei com isso?" Ele transforma a vida num meio e a vida em si o objetivo. Uma pessoa sincera totalmente diferente. A sinceridade vem do corao. Essa pessoa verdadeira, mas no sria. Est buscando, mas no com um objetivo. Est buscando, mas como as crianas buscam as coisas: se encontrar, timo; se no encontrar, timo tambm. Uma criana est correndo atrs de um cachorro, mas no meio do caminho encontra uma borboleta; a criana muda. Comea a perseguir a borboleta, e ento, bem ao lado, ela v uma flor esquece-se da borboleta e a flor atrai toda a sua ateno. A criana no sria, muito sincera. Sempre que tem alguma coisa em mente, entra totalmente nisso, seja o que for isso 150

sinceridade. Esqueceu-se da borboleta e do cachorro e a flor tornouse tudo. Quando voc consegue prestar toda ateno a alguma coisa, isso sinceridade. E quando usa a sua ateno apenas como meio, isso ser ladino. Voc quer realmente atingir o objetivo e esse apenas um meio. Voc est explorando; explorando o caminho para alcanar o objetivo. Para a criana, o caminho a meta. Tambm para o religioso, o caminho a meta. Onde quer que eu esteja, essa a meta. Neste momento, toda a minha vida converge para mim no h nenhum outro lugar para se ir. preciso apenas celebrar este momento na sua totalidade. isto que um ser religioso : despreocupado, no est indo a lugar algum, apenas caminhando pela manh. diferente. Voc passa por um caminho quando vai de manh para o seu trabalho, e depois passa pelo mesmo caminho para passear o caminho o mesmo, a casa a mesma, tudo igual; voc o mesmo, as suas pernas so as mesmas, mas quando voc sai para um passeio matinal tudo diferente. Uma pessoa religiosa est sempre caminhando como se estivesse dando um passeio; a pessoa no religiosa est sempre indo a algum lugar ao escritrio, s compras h sempre um objetivo. O homem mundano orientado para um objetivo; seja ele qual for, mesmo Deus; um homem mundano orientado para um objetivo. Uma pessoa no-mundana no orientada para um Objetivo. Vive aqui e agora, tudo converge para o aqui e agora. E esse aqui-agora torna-se ento infinito. Todos os caminhos levam a ele, mas ainda assim ele permanece inatingvel. Assim tambm a beleza. Se pudesse ser alcanada, tudo se perderia. Se pudssemos conhecer a ns mesmos, e da? Voc iria simplesmente se cansar de si mesmo. No, esse fastio nunca acontece porque um processo contnuo, infinito, de uma infinitude a outra infinitude. 151

Lembre-se destas palavras no mentalmente, permita que se aprofundem e se instalem em seu corao:

No faamos conjecturas arbitrrias sobre os grandes temas. Muito aprendizado no ensina compreenso. Os que buscam ouro cavam muita terra e pouco encontram. Voc no poderia descobrir as limites da alma mesmo que para isso percorresse todas as estradas tal a profundidade de seu significado.

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O fanatismo a doena sagrada

(6 discurso - 26 de dezembro de 1974)

Quando alguns visitantes inesperadamente encontraram Herclito aquecendo-se diante do fogo, ele lhes disse: Os deuses esto aqui tambm. Eu mesmo os procurei. O tempo uma criana movendo as peas de um jogo; o poder real o da criana. O fanatismo o mal sagrado.

Existem duas maneiras de se buscar a verdade: uma tomar emprestado o conhecimento; a outra buscar por si mesmo. claro que fcil tomar emprestado, mas tudo o que voc toma 153

emprestado no seu, e o que no seu no pode ser verdadeiro. Esta condio tem de ser cumprida: a verdade tem de ser sua. Eu posso ter conhecido a verdade, mas no posso transferi-la para voc. No prprio ato de transferir, ela se transforma numa mentira. Essa a natureza da verdade. Portanto, ningum pode dla a voc, voc no pode tom-la emprestado, no pode roub-la, no pode compr-la tem de conhec-la. E a menos que voc conhea, o seu conhecimento no ser um conhecer e sim um esconderijo para a sua ignorncia. Voc est enganando a si mesmo, est completamente desorientado. A primeira coisa a ser lembrada que a verdade um fenmeno vivo. Quem pode viver por voc? Voc tem de viver por si mesmo, ningum pode substitu-lo. Quem pode amar por voc? Os empregados no podem fazer isso, os amigos no podem ser de nenhuma ajuda voc tem de amar. Jean Paul Sartre diz em algum lugar, que mais cedo ou mais tarde chegar o momento em que as pessoas contrataro empregados para amar por elas. claro, os ricos j esto nesse caminho. Mais cedo ou mais tarde, os que tiverem recursos para isso no iro se aborrecer. Por que se aborrecer se um criado pode fazer isso? Voc pode encontrar um que seja belo, que seja um bom criado, e ele pode amar por voc. Voc tem coisas mais importantes para fazer o amor pode ficar para os criados. Mulla Nasrudin disse-me certa vez: "Estou muito interessado na felicidade da minha esposa." Eu lhe perguntei: "O que voc est fazendo para isso?" Ele respondeu: "Contratei um detetive particular para descobrir porque ela est feliz." Mas outra pessoa pode amar por voc? No, no existe nenhuma possibilidade. No se pode viver por procurao, no se pode amar por procurao e no se pode alcanar a verdade por 154

procurao. Essa a prpria natureza das coisas. No h como ser esperto em relao a isso, no h como ser ladino. O homem tem tentado. "Existe algum que sabe, podemos conseguir isso com ele, podemos pedir emprestado." Mas a verdade tem de ser vivida. No algo externo, um crescimento interior. No uma coisa, no um objeto, a sua subjetividade. A verdade subjetiva, ento como consegui-la atravs de outra pessoa, atravs das escrituras, dos Vedas, dos Alcores e das Bblias? No, Jesus no vai ajudar muito, tampouco Buda. Voc tem de passar por ela, no existe atalho; voc precisa viajar, sofrer. Muitas vezes voc fracassar, muitas vezes cometer erros, muitas vezes se perder mas assim mesmo. Tente nova e novamente; recomece a busca outra e outra vez. Muitas vezes o caminho se perde; outras tantas voc anda em crculos, volta repetidamente ao mesmo ponto. Parece que no h progresso mas continue buscando. Continue a busca e no se sinta impotente ou deprimido. Mantenha a esperana: essa a qualidade do buscador. Um buscador confia, tem esperana, pode esperar, pode esperar infinitamente. Tem pacincia e continua buscando. No que todos os passos conduzam ao alvo; s vezes ele est se movendo exatamente na direo oposta. Mas mesmo indo na direo oposta, aprende-se; at mesmo o erro faz parte do aprendizado. Ningum pode aprender se sentir muito medo de errar. Se algum tem muito medo de se perder, no tem nenhuma possibilidade de viajar. por isso que a mente diz: "Pergunte aos Acordados, queles que sabem informe-se com eles." Mas ento a verdade de segunda mo, e no existe verdade de segunda mo, isso simplesmente uma mentira. A verdade de segunda mo uma mentira. Uma verdade, para ser verdadeira, tem que ser de primeira mo, tem que ser original. Tem que ser nova, voc precisa alcan-la ela sempre virgem. Herclito diz: 155

Eu mesmo os procurei.
Est dizendo: "No estou dizendo coisas que ouvi busquei por mim mesmo. No so coisas que aprendi, so coisas que desenvolvi por mim mesmo. um crescimento, uma subjetividade minha prpria experincia." E quando a experincia sua, ela o transforma. Jesus diz: "A verdade libera". Mas voc conhece muitas verdades que no o liberaram. Pelo contrrio, tornaram-se prises, so como grilhes que o prendem. A verdade libera, as mentiras tornam-se uma priso. Por isso que Herclito diz:

O fanatismo o mal sagrado.

Um homem que conhece a si mesmo jamais fantico, jamais sectrio; nunca fica obcecado por uma teoria. Nunca proclama que s ele verdadeiro, pois quando se conhece a verdade, sabe-se que ela multifacetada e que existem milhares de maneiras de se olhar para ela. E sempre que algum se aproxima, tudo o que v individual. Nunca foi daquela maneira antes, e jamais ser igual porque esse indivduo nunca esteve l antes e esse indivduo totalmente nico. Portanto, cada viso, cada encontro com a verdade nico. No pode ser comparado. Um homem que conheceu passa a saber que existem milhes de caminhos e so milhares as faces da verdade. Como pode ser fantico? Como pode dizer: "Somente a minha verdade verdadeira, somente o meu deus Deus; o seu deus falso"? Essa a linguagem daqueles cujas verdades so emprestadas. V-se milhares de pessoas religiosas por todo o mundo proclamando a verdade. Elas no chegaram a conhecer, no buscaram por si mesmas, seno, como no entenderiam isso? Como poderiam no entender a experincia multifacetada, o fenmeno da verdade? 156

Como poderiam dizer: "Somente a minha verdade a verdade", porque quando algum chega a conhecer que no existe nenhum 'eu', como pode reivindicar isso? Como o possvel o fanatismo? Uma pessoa realmente religiosa no tem reivindicaes: ela se acomoda. No tolera, pois quando se diz: "Eu tolero", h intolerncia. Ela no diz: "Sou um cristo, voc um hindu. Sim, sou um homem tolerante, eu o tolero. Voc tambm pode estar certo; eu estou certo, voc tambm pode estar. Eu o tolero", mas a tolerncia sempre esconde a intolerncia, a prpria palavra intolerante. Portanto, sempre que uma pessoa diz: "Sou tolerante", ateno ela uma pessoa intolerante, est se escondendo. O que significa a sua tolerncia? Voc acha que de alguma maneira superior e est tolerando os que esto abaixo, sentindo pena deles. Ou, no mximo, um cristo dir: "Sim, existem muitos caminhos, mas o meu o melhor. Sim, outras pessoas alcanaram por outros caminhos, mas o meu o superior." Isso tambm intolerncia. Por que dizer isso? Por que esse 'eu'? Por que esse ego? E por isso que as religies se tornaram to briguentas. Elas assassinaram, mataram, cometeram todos os tipos de pecado. Esto aqui para liberar o homem, e esto aqui para levar o homem para alm de todos os pecados, mesmo que eles tenham cometido todos os pecados. As religies mataram mais que qualquer outra coisa, e criaram misrias, rivalidades, lutas e conflito, mais do que tudo nesta terra. Este mundo feio por causa de tantas igrejas, templos e mesquitas. Elas no uniram os homens, elas os dividiram. No fizeram da humanidade uma s. Elas falam sobre o amor, mas criaram o dio. Falam de paz, mas criaram todo tipo de razes para a violncia. Alimentam a violncia e falam de paz. Por qu? A razo no a religio, mas o fanatismo. Herclito diz:

O fanatismo o mal sagrado.

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As doenas so ms e, quando sagradas, so piores ainda, claro. Quando uma doena vista como sagrada, voc acha que ela a sade suprema. Sempre que algum proclama: "Sou a nica verdade", e essa proclamao pode ser feita de maneira muito sutil, ento a feira entra. Esses loucos chegaram at mesmo a forar seus deuses a dizer coisas que parecem absurdas. Os muulmanos dizem: "Deus disse: Sou o nico Deus, e Maom o nico profeta." O que significa isso? Que Deus se exauriu em Maom? Ento Deus muito pobre. E Mahavir? E Buda? E Krishna, Lao-Ts, Jesus e Herclito? E todos aqueles que um dia ou outro se tornaro profetas? E o Todo? Maom belo, mas os muulmanos alegam que ele o nico profeta, ento a feira entra. Jesus maravilhoso, mas os cristos dizem que ele o filho unignito. Por que o filho unignito? O que so ento todos voc? Bastardos? Se ele o filho unignito, o que ento a existncia toda? De onde voc vem se ele vem de Deus? Quem o seu pai? No, Deus infinitamente potencial. Milhes de Jesus podem vir dele e ele permanece o mesmo, ele no se exaure esse o significado de 'onipotente'. Se ele s tem um filho, parece ser mais impotente do que onipotente. Ele continua criando e a criatividade no termina nunca essa a sua infinitude. Mas os cristos alegam que Jesus o nico filho. Por que isso? Para que possam alegar que o livro deles o nico. A palavra 'Bblia' significa livro. Este nome foi dado porque para eles esse o nico livro, tudo o mais lixo. E os Upanishads? E as palavras de Buda? E o Tao-Teh-King, de LaoTs? Por que a Bblia seria a nica? bela, mas quando se torna o livro nico, torna-se doente. Esta a doena sagrada. Quando voc alega que a sua verdade absoluta, o ego entrou. A verdade no precisa de nenhuma alegao. Est simplesmente presente com toda a sua beleza; voc pode v-la, mas ela no exige o seu reconhecimento. Na realidade, a verdade jamais tenta converter ningum. Ela auxilia, ela 158

o ama, gostaria que voc fosse transformado, mas no faz nenhum esforo para converter. Mas os hindus tentam converter os cristos ao hindusmo e os cristos tentam converter os hindus ao cristianismo para qu esse esforo? Porque acreditam que s eles possuem a chave exclusiva, a chave nica, e que todos os demais iro para o inferno. Quando as pessoas comeam a converter, tornam tudo muito estreito. O caminho infinito, pois conduz ao infinito. Se a meta infinita, como pode o caminho ser to estreito? Na verdade, sempre que um homem religioso, ele no cristo, nem hindu nem muulmano. isto o que estou tentando auxili-lo a ser: nem cristo, nem hindu, nem muulmano. Por que voc no pode simplesmente ser? Qual a necessidade de carregar o rtulo de uma seita? Se voc se sente bem, se ama Jesus, isso muito bonito. Se ama Buda, timo mas por que se tornar um fantico? Por que ser preconceituoso? O seu amor belo, e se ele o ajuda, timo mova-se com ele. Mas existem milhares de pessoas que se movem em caminhos diferentes. Deixe-as moverem, auxilie-as; aonde quer que estejam indo, auxilie-as. Ajude-as a se moverem em seus prprios caminhos, a fazerem suas prprias coisas. No as force e no tente convertlas. Se elas olharem para voc, se virem alguma coisa e quiserem mudar de caminho, isso com elas. por isso que Herclito est completamente esquecido, pois jamais criou uma seita ao seu redor. Tinha seguidores, mas jamais criou uma seita e jamais proclamou o que quer que seja. Nunca disse: "Esta a nica verdade." Por que isso atrai? Quando algum diz: "Esta a nica verdade", por que isso atraente? Voc est to inseguro e confuso que quando algum declara que a nica verdade, voc pensa: "Ele deve saber, seno como poderia declarar isso?" A declarao tornase uma influncia sutil, a pessoa aparenta autoridade. Mas lembrese bem: Um homem de conhecimento, um homem de compreenso, 159

hesita sempre. No assim autoritrio porque v a verdade e sente que ela no pode ser expressa ele hesita. Voc encontrar poesia em suas palavras, mas no encontrar afirmaes. Ele tem ao seu redor um aroma sutil que lhe d uma sensao de certeza, mas essa certeza no vem das suas afirmaes. Suas afirmaes so sempre hesitantes; antes de dizer qualquer coisa ele hesita pois sabe que qualquer coisa dita no pode ser a verdade, e sabe que seja o que for que esteja tentando fazer uma coisa perigosa. arriscado, pois as palavras destroem, e quando voc ouvir as palavras dar a elas o seu prprio significado. Um homem de compreenso hesita. No sabe o que acontecer s suas palavras. O que voc far delas no se sabe, e cada uma delas pode tornar-se muito significativa para voc, ou um esforo significativo da sua parte. Ele hesita, observa-o, olha sua volta, tenta encontrar o centro de seu ser ento diz alguma coisa; de modo que no se torne um mal entendido, de modo que no o desoriente; de modo que suas palavras possam ajudar e no serem prejudiciais a voc ele hesita. Mas um homem de conhecimento emprestado jamais hesita. Ele tem muita, muita certeza. V e oua os missionrios cristos: eles parecem to certos que a sua prpria certeza diz o quanto so estpidos. Por que essa certeza? E eles nada sabem, foram treinados foram treinados para tudo. Eu costumava visitar um colgio de teologia, um colgio de teologia crist. Observava como se preparavam os padres e ministros, e me espantava tudo parecia to estpido. At mesmo os gestos eram ensaiados; como ficar no plpito, o que dizer, como dizer; quando erguer a voz, e quando sussurrar; como levantar a mo e exatamente quando faz-lo tudo treinado. Eles parecem atores. E no sabem nada, mas jamais hesitam, porque foram treinados. O treino no pode torn-lo religioso, a disciplina no pode torn-lo religioso, o aprendizado no pode torn-lo religioso. Voc pode se tornar um ator, um ator muito talentoso. Pode tornar160

se hbil a ponto de no enganar apenas os outros, mas tambm a si mesmo. Se voc perguntar aos psicanalistas, eles tero uma resposta: o homem que se sente hesitante interiormente sempre cria uma certeza exterior. Ele teme a prpria incerteza e por isso se prende a certas informaes. Um homem que seguro interiormente no se importa: pode hesitar, pode se permitir a hesitao, no tem medo. Pode dizer 'Talvez', no sente necessidade de ter certeza. Pode dizer: "Deus vero e inverno; Deus dia e noite; Deus saciedade e fome; Deus tanto repouso quanto agitao" pode ser paradoxal. O paradoxo usado apenas para lhe dar a sensao de que o homem no est declarando nada, est simplesmente tentando enunciar o fato. E se o fato complexo, que seja. Se contraditrio, que a afirmao seja tambm contraditria que seja um reflexo verdadeiro. No se pode pedir a um homem instrudo que seja to paradoxal Deus vero e inverno no. Ele tem certeza absoluta do que Deus : Deus dia, e jamais noite; Deus luz, jamais escurido; Deus bom, jamais mau; Deus paz, nunca guerra. Quando Deus as duas coisas, guerra e paz, o que de voc? Voc se torna incerto, hesita. Herclito diz: "Tenho buscado por mim mesmo" e por isso to paradoxal. Procure sempre o paradoxo. Voc o encontrar sempre que um homem buscou por si mesmo, pois ento o que ele pode fazer? Se a existncia paradoxal, o que ele pode fazer? Tem de represent-la como . Mas veja um missionrio ele nunca buscou. Ele aprendeu demais, pode citar escrituras. Na verdade, ele no pode fazer nada alm de citar escrituras. E voc sabe muito bem que o Demnio muito hbil em citar escrituras o missionrio perfeito.

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Quando alguns visitantes inesperadamente encontraram Herclito aquecendo-se diante do fogo, ele lhes disse: Os deuses esto aqui tambm.
Ele nunca foi a um templo porque se voc um homem perceptivo, se seus olhos esto abertos, se pode ouvir e sentir, ento qual a necessidade de ir a um templo? Os deuses esto aqui tambm. Deus no uma pessoa. Deus tudo o que acontece. Deus a existncia. Imagine a cena: Herclito sentado ao p do fogo, aquecendose. A madeira estalando, as chamas se erguendo para o cu, o calor. Deve ter sido uma noite fria de inverno inesperadamente, alguns visitantes chegam e perguntam: "O que est fazendo?" E ele diz: "Os deuses esto aqui tambm." O que est dizendo uma prece, o fato de estar se aquecendo uma prece quando o fogo se torna um fenmeno divino. Isso me lembra o Mestre Zen Ikkyu. Ele estava viajando e parou num templo para pernoitar. A noite estava muito fria e ele acendeu fogo. Mas no encontrando madeira em lugar nenhum, usou uma esttua de Buda uma esttua de madeira que havia no templo e a queimou. O sacerdote dormia profundamente... o rudo, o fogo, e Ikkyu andando de l para c. Ele olhou, abriu os olhos, olhou, e ficou horrorizado, no podia acreditar, pois ali estava um monge budista, e no apenas um monge, mas um Mestre muito famoso. O sacerdote saltou da cama, saiu correndo e disse: "O que voc est fazendo? Queimou um Buda!" Ikkyu pegou um pedao de madeira e comeou a buscar pelo Buda entre as cinzas a esttua havia quase desaparecido, no 162

restava quase nada. O padre disse: "O que est procurando? J no existe mais nada." Ikkyu disse: "Estou procurando os ossos, Buda deve ter ossos." O padre riu e disse: "Agora tenho certeza de que voc louco. Como um Buda de madeira pode ter ossos?" Ikkyu disse: "Ento traga tambm os outros dois Budas, porque a noite est muito fria e mal comeou, e o Buda que h dentro de mim necessita de um pouco de calor. Esses Budas no servem para nada, no tm ossos, por isso no se preocupe." O sacerdote o expulsou do templo. A noite estava muito fria, mas existem pessoas que adoram os Budas de madeira e jogam fora o Buda real. De manh ele saiu para ver o que havia acontecido a Ikkyu: estava sentado do lado de fora do templo perto de um marco de pedra e o adorava. O sol nascia, a manh era bela e ele havia colhido algumas flores em algum lugar. Havia colocado essas flores no marco de pedra e o adorava. O padre veio correndo e disse: "O que est fazendo? Est completamente louco! Durante a noite voc queimou um Buda e agora est adorando um marco de pedra." Ikkyu disse: "Aqui tambm est um deus." Herclito diz:

Os deuses esto aqui tambm.

Se voc puder sentir, todo momento ser divino e tudo ser divino, tudo o que existe ser sagrado. Se no puder sentir, v aos templos, v s mesquitas e igrejas, mas nada encontrar l tambm pois voc que precisa de transformao e no a situao que precisa mudar. A situao permanece a mesma: no templo, fora do templo, Deus est em todo lugar. voc que no pode ver e por isso muda de lugares: de casa voc vai ao templo em busca de Deus. 163

Voc precisa de uma transformao interior. A mudana de situao no adiantar. Voc precisa de uma reorientao psicolgica. Precisa de uma maneira totalmente nova de olhar para as coisas, e ento, de repente, o mundo inteiro se torna o templo e no existe nada mais. E para Herclito, o fogo tornou-se o smbolo e o fogo realmente um belo smbolo. Herclito diz que o fogo a substncia bsica da vida. E ! Atualmente os fsicos concordam com Herclito. Concordam que a eletricidade a base de toda a existncia, que tudo no passa de formas de eletricidade. Herclito diz que o fogo. Qual a diferena? E a palavra 'fogo' mais bela do que 'eletricidade'. Fogo d uma sensao de maior vitalidade do que eletricidade, fogo mais selvagem do que eletricidade. Quando voc diz que a eletricidade a base, isso soa como se o universo fosse algo mecnico, porque a eletricidade tornou-se associada a mecanismos; e nesse caso Deus parece uma mquina mas eletricidade fogo. Os hindus chamaram esse elemento bsico de prana, vitalidade mas vitalidade fogo. Quando voc vital, quando est vivo, voc flamejante, inflamado. Henri Bergson chamou a base de tudo de lan vital, exatamente como prana. Aqueles que tm buscado, de uma maneira ou de outra se aproximaram do fogo. No fundo, esta existncia fogo. Fogo vida. E Zaratustra est certo: fez do fogo o deus supremo. Ele deve ter concordado com Herclito eram contemporneos, Zaratustra e Herclito. O fogo tornou-se o deus supremo para os seguidores de Zaratustra. O fogo contm no fundo muitas coisas. Voc precisar entender o fenmeno do fogo, o smbolo, porque essa uma maneira de falar, uma metfora. Herclito quer indicar alguma coisa profunda quando diz que o fogo o substrato. Observe o fogo numa noite de inverno; sente-se perto dele tambm e apenas observe, simplesmente sinta o calor. O frio morte, o calor vida. Um corpo morto frio, um corpo vivo quente e voc tem de manter um certo calor 164

constantemente. Existe no homem um mecanismo interno para manter o calor sempre dentro de um certo limite, porque somente entre esses determinados graus a vida possvel. A vida humana s existe entre noventa e cinco e cento e dez graus, apenas entre esses quinze graus. H outras vidas que existem em outras temperaturas, mas a vida humana tem um espectro de apenas quinze graus. Mulla Nasrudin estava muito, muito doente, com febre, uma febre alta. O mdico tomou sua temperatura e disse: "Cento e cinco." Mulla abriu os olhos e perguntou: "Qual o recorde mundial?" porque o ego sempre pensa em termos de recordes mundiais. Ele estava pensando: "Talvez eu no possa vencer ningum de nenhum outro modo, mas talvez possa quebrar o recorde mundial de febre". Mas no existe recorde alm dos cento e dez graus, porque ento o homem simplesmente desaparece, no se pode absorver tanto fogo. Abaixo dos noventa e cinco voc desaparece: com tal frio, a morte sobrevm. por isso que dizemos: "Meus calorosos cumprimentos", e no "Meus frios cumprimentos"; amor quente e no amor frio porque o frio simboliza a morte, o calor simboliza a vida. O sol a fonte, a energia solar fogo. Observe: noite tudo se torna triste. At mesmo as rvores, os pssaros, tornam-se completamente silenciosos, sem cantar, todas as canes desaparecem. As flores se fecham e toda a terra espera pela manh. E pela manh, o sol ainda no surgiu e a terra comea a se preparar para receb-lo. Os pssaros comeam a cantar antes mesmo que o sol tenha surgido isso um sinal de boas vindas. As flores comeam a se abrir de novo, tudo se torna vivo outra vez, o movimento comea. O fogo um smbolo bastante significativo tambm de outras maneiras. Se voc observar o fogo, ver um constante movimento ascendente. A gua flui para baixo, o fogo flui para cima por 165

isso que os hindus falam do 'fogo da kundalini'. Quando voc ascende, no est sendo como a gua, mas como uma chama de fogo. Quando o seu ser interior muda, voc sente uma chama ascendendo. A gua, at mesmo a gua, quando em contato com o fogo, comea a evaporar para cima. Nas escrituras tibetanas muito antigas, diz-se que um Mestre como o fogo e o discpulo como a gua. Se o discpulo entra em contato profundo com o Mestre, a qualidade do discpulo muda e torna-se a qualidade do fogo, assim como a gua evapora quando aquecida. A gua sem o fogo move-se para baixo. Com o fogo imediatamente uma mudana acontece. Alm dos cem graus, o fogo torna a gua pronta para ascender; a dimenso muda. O fogo move-se sempre para cima mesmo que voc vire a chama para baixo, ela sempre sobe, no pode descer. O fogo um esforo para alcanar o ponto mais alto, o ponto mega. Outra coisa: quando voc observa uma chama, s pode v-la por alguns segundos, por uma frao de segundos, e depois ela desaparece. Quanto mais alto voc vai, mais desaparece; quanto mais voc desce, mais slido se torna. Observe a gua: quanto mais ela desce, mais esfria, comea a congelar, torna-se gelo; ento como uma pedra, todo o movimento cessa ela fica morta. Quando a gua congela, fica morta, j no vive mais. Voc tem de derret-la com fogo para que o movimento recomece. Tem de aquec-la muito para que atinja os cem graus, e comece a mover-se para cima. Portanto, existem trs estgios: nenhum movimento, o que acontece quando voc est congelado; o movimento descendente, que acontece quando voc como a gua o primeiro estgio como o gelo, o segundo como a gua e o terceiro quando voc evapora: ento o movimento ascendente. Em voc os trs estgios existem simultaneamente. Alguma parte de voc como o fogo, movendo-se para cima; uma parte muito pequena, mnima por isso que voc me procurou, seno no haveria necessidade. 166

Por que voc veio aqui? Deve existir uma pequena parte em voc que est se movendo para cima, e essa pequena parte sente-se como se estivesse sendo puxada para baixo por todo o seu ser essa a angstia. Voc sabe que alguma coisa em voc caminha em direo ao Divino. Em alguns momentos sente-se como um pssaro, e pode simplesmente voar, mas apenas por alguns momentos. E mesmo nesses momentos a maior parte de voc est pendente como uma pedra. Uma parte pende como pedra. Quase noventa por cento de voc como o gelo, Nove por cento move-se como gua, para baixo. No sexo, na raiva, no dio, voc se move para baixo mas melhor mover-se para baixo do que no se mover. por isso que sinto demais o ser congelado em voc, digo-lhe para se apaixonar, para se mover no sexo, porque isso pelo menos o derreter. claro que voc no estar voando nas alturas, estar se movendo para baixo, mas pelo menos o movimento bom. E uma vez que existe movimento, a direo pode ser mudada, a dimenso pode ser mudada. Mas congelado? ... Se quiser ver exemplos perfeitos de gelo, v aos mosteiros e olhe. V aos mosteiros catlicos ou jainistas. L encontrar perfeitos cubos de gelo, no homens porque eles so contra o sexo, so contra a comida, so contra tudo. So apenas negativos, esto sempre negando. E se voc nega, aos poucos a vida perde o fogo pois o fogo uma fora positiva. Se voc nega torna-se frio. A negatividade um mtodo suicida. Aos poucos, voc vai morrendo; aos pedaos, voc vai se matando e depois congela. Mas nada se consegue com isso; na verdade, isso uma queda. Eu digo s pessoas: "Se voc est congelado, mova-se para o sexo, isso o ajudar". claro, no o levar em direo ao Supremo, mas uma coisa vai acontecer: voc comear a se mover. Quando voc ama uma pessoa, quando sente alguma coisa por outra pessoa, a sua bioenergia comea a se mover. por isso que no sexo voc se sente muito excitado o fogo comeou a agir; e quando voc faz 167

amor, a temperatura do seu corpo sobe. O amor como a febre, uma febre temporria criada pela sua mente. por isso que depois do amor voc relaxa completamente, sente um fluxo. Se voc tem um orgasmo sexual, aconteceu um fluxo completo, a sua bioenergia est se movendo. Essas pessoas que no podem ter orgasmos profundos tm dificuldade para meditar tambm pois se so podem se mover, como podero ascender? A primeira coisa o movimento. A segunda coisa tornar o movimento ascendente. E muitas pessoas no podem se mover, sentem medo, esto congeladas. Pode-se ver claramente seus corpos como fenmenos de congelamento. Voc as toca e sente que seus corpos esto frios. Voc segura em suas mos e sente que est dando a mo a um galho morto de uma rvore, no h nenhum movimento. Toma as mos delas nas suas e no sente que a energia est sendo transmitida. A mo est l como um galho seco. No d, no recebe, no comunica. E voc pode observar as pessoas: s pelo andar, pelo rosto, pelos movimentos, voc pode ver se so orgsticas ou no. A primeira coisa que um Mestre deve saber sobre voc se voc orgstico ou no. Se for, se todo o seu ser vibra quando voc faz amor, e o fenmeno da vibrao to profundo que voc no existe mais claro que por apenas um segundo ento voc se torna apenas um fluxo, da cabea aos ps a energia se move como uma correnteza: no existem em voc blocos de gelo, tudo se dilui. Depois de fazer amor, voc dorme profundamente como uma criana, porque a energia circulou. Voc brincou bastante, est cansado, mas esse cansao muito bom. Esse cansao relaxante, agora voc pode relaxar e o corpo sente-se vivo. Por isso h tanta atrao pelo sexo porque, na verdade, ele o seu corpo tentando encontrar uma maneira de ser orgstico, de ser como um rio, no congelado. Quando voc est congelado no pode se relacionar. Quando est congelado, est fechado dentro de si mesmo, cria um aprisionamento e nessa priso no h caminho 168

para Deus. Voc precisa se derreter. E antes de alcanar o Divino, antes de poder se relacionar com o Divino, ter que se relacionar com outras pessoas neste mundo. Porque quando voc se relaciona com outras pessoas isto , quando ama, quando acaricia o seu corpo dilui, ele flui. Quando ele flui, um outro passo pode ser dado. Numa energia fluente muito simples aquecer o corpo interiormente. Todas as meditaes so mtodos para fornecer calor, mais calor do que o sexo pode dar. As meditaes, em particular aquelas que so feitas aqui, visam todas criar fogo dentro de voc. Atravs da respirao, lhe traz cada vez mais oxignio, e quando h mais oxignio, mais fogo acontece; sem oxignio no h fogo. Quando uma chama arde, ela arde por causa do oxignio. Se no h oxignio, o fogo se apaga automaticamente. Mais oxignio deve ser trazido para dentro do seu corpo porque voc est congelado. Voc no est suficientemente vivo, no est suficientemente aquecido. As pessoas me procuram, em particular as que esto congeladas, e dizem: "No gostamos dessa meditao dinmica." No gostam porque esto congeladas e investiram demais em seus congelamentos. Elas no amam, mas pensam que so brahmacharins, que so celibatrias esto simplesmente congeladas, so cubos de gelo. No h nenhum movimento em suas vidas, mas elas pensam que esto desapegadas. claro que h um desapego quando voc flui ascendentemente, mas esse desapego totalmente diferente. E h um desapego que acontece quando voc no est fluindo de modo algum. claro que um homem morto est desapegado, um homem morto celibatrio um homem morto est completamente morto. Voc pode estar desapegado como um homem morto; o que acontece em todos os mosteiros do mundo inteiro. E voc pode estar desapegado de uma maneira completamente diferente, de um modo qualitativo e diametralmente oposto. quando voc est to vivo que o fogo 169

atinge um ponto onde a gua no flui para baixo, mas comea a fluir para cima. Mais fogo precisa ser criado dentro de voc, voc tem de se tornar uma fornalha. Absorva mais oxignio, esforce-se mais, permita que o corpo se movimente o mximo possvel, trazendo energia, pulsando de energia. Ela existe s faz-la pulsar. Viva como uma chama que arde de ambos os lados ao mesmo tempo. E s ento, de repente, um dia voc descobrir que a energia est ascendendo, que voc se tornou uma chama. Ento pode ver a si mesmo at um certo ponto, e depois no existir mais. Subitamente voc desaparece no cosmo, une-se ao Divino. Este o smbolo do fogo: voc pode v-lo apenas por alguns segundos e ento ele comea a desaparecer. Um Buda est sempre desaparecendo. Olhe para mim: se puder me ver, ver que estou constantemente desaparecendo; voc s pode ver at um certo ponto. por isso que se pode ver a aura em torno de um homem Acordado a aura nada mais que o fogo desaparecendo, um fogo constantemente desaparecendo. At certo ponto voc pode v-lo da a aura. Alm dessa aura, no h nada, ele desaparece. Herclito est muito certo ao usar o smbolo. No uma afirmao filosfica, mas na histria da filosofia grega pensa-se que Herclito est propondo algo como os outros como Thales, Anaxgoras, Anaxmenes e outros filsofos gregos; pensam que ele est propondo um elemento, pois existem quatro: a terra, a gua, o fogo e o ar. Existem filsofos que propem a terra como elemento bsico. Outros propem a gua como elemento bsico, outros o fogo, outros o ar. Herclito prope o fogo como elemento bsico, mas ele no deve ser entendido da maneira como se entende Thales, no. Isso no uma afirmao. No uma afirmao sobre um tema filosfico ou uma teoria, ele no est propondo uma doutrina. Herclito um poeta, no absolutamente um filsofo. Ele est 170

usando um smbolo e o smbolo significa muito mais do que a palavra 'fogo'. Observe o fogo exterior, depois observe o fogo interior, e torne-se o mais possvel semelhante a uma chama. por isso que:

Quando alguns visitantes inesperadamente encontraram Herclito aquecendo-se diante do fogo, ele lhes disse: Os deuses esto aqui tambm. Eu mesmo os procurei.
E no estou dizendo isso s porque os outros disseram eu sei por mim mesmo.

O tempo uma criana movendo as peas de um jogo; o poder real o da criana.

"O poder real o da criana e o tempo uma criana movendo as peas de um jogo" todo o conceito de leela, de brincadeira, condensado por ele nestas poucas frases. A vida como um brinquedo no faa dela um negcio ou voc a perder. Voc a perde porque faz dela um negcio ao invs de uma brincadeira. Brinque bastante, mas no queira conseguir nada com isso. Seja como uma criana: ela brinca, no est preocupada em conseguir nada com isso. As crianas pequenas, mesmo quando so vencidas no jogo, saltam e sentem-se muito felizes. A derrota no uma derrota se for uma brincadeira; o fracasso no fracasso se for uma brincadeira. Se no for, se for um negcio, mesmo a vitria ser uma derrota. Pergunte aos Napolees e Alexandres at mesmo a vitria uma 171

derrota. O que voc encontra no final? Voc venceu e nada conseguiu. Desejou tanto isso e agora conseguiu e sente apenas frustrao; toda a sua vida est perdida. Lembre-se, a sua vida ser perdida se voc estiver atrs de objetivos, pois a vida no tem objetivo. uma brincadeira sem propsito. No leva a nenhum lugar. simplesmente se divertir. Esta a coisa mais difcil de se entender, porque a mente matemtica. Ela diz: "Qual, ento, o significado disso, qual o propsito?" No h propsito nem significado. Ento a mente imediatamente diz: "Se a vida no tem significado, ento por que viver? Por que no se suicidar?" Mas veja: se houver significado tudo se tornar feio, ser como um negcio. Se houver propsito, ento a vida toda perder a poesia. A poesia existe porque no h nenhum propsito. Por que a rosa existe? Pergunte a ela e ela dir: "Eu no sei mas florescer to belo, para que saber?" O florescer em si, intrinsecamente, to belo! Pergunte a um pssaro: "Por que voc canta?" e ele simplesmente no entender a pergunta absurda que voc fez. Cantar to belo, uma beno to grande por que levantar essa questo? Mas a mente procura um objetivo, a mente uma aquisidora no pode simplesmente sentir. Alguma coisa tem de existir no futuro para ser adquirida, algum objetivo a ser alcanado, ento a mente sente-se bem. Se no h nada para adquirir, ela bloqueia, mas esse todo o esforo deixar que ela bloqueie! No h nenhum propsito, no h nenhum objetivo. Neste momento, toda a existncia est celebrando tudo, exceto voc. Por que no participar? Por que no ser como uma flor, florescendo sem nenhum propsito? E por que no ser como um rio, fluindo sem nenhum propsito? E por que no ser como um oceano, mergulhando, apenas curtindo? isso o que Herclito diz: 172

O tempo uma criana movendo as peas de um jogo; o poder real o da criana.

E toda criana um rei. Observe-a cada criana simplesmente um rei, um imperador. Olhe o movimento: mesmo que ela esteja nua, nenhum imperador pode competir com ela. Por que a criana to bela? Toda criana bela, sem nenhuma exceo. Qual a beleza da criana? Ela ainda no est contaminada pela mente que busca propsitos, que busca significados e objetivos. Ela apenas brinca, no se importa com o dia seguinte. Uma criana chegou em casa. Sua me estava muito zangada e disse: "As outras crianas me contaram que voc jogou lama na boca de uma menina e precisou ser punida ficou fora da classe durante o dia inteiro!" Ela disse: "Sim". A me ficou horrorizada e disse: "Por que? Por que atirou a lama?" A criana sacudiu os ombros e disse: "Bem, a boca estava aberta." O porqu no tem importncia. suficiente! Ela estava com a lama na mo e a boca estava aberta, e da? Simplesmente aconteceu. Ns estamos perguntando por qu. O por qu irrelevante para a criana como aconteceu! A boca estava aberta e ela tinha a lama. No que ela tenha feito isso realmente: ns a punimos desnecessariamente, ela no fez nada aconteceu, simplesmente aconteceu assim. Por coincidncia, a garota estava parada com a boca aberta. A outra criana no tinha inteno nenhuma, no queria fazer mal nenhum, no tinha inteno de insultar. Simplesmente aproveitou a oportunidade e divertiu-se. Mas ns perguntamos por qu. 173

Entre uma criana e um adulto existe um abismo; so plos isolados. A criana no pode entender o que esto dizendo porque ela vive numa dimenso totalmente diferente a dimenso da brincadeira. E os adultos no podem entender o que a criana est fazendo porque eles so negociantes, vivem no mundo dos porqus, das razes e das causas. Nunca se encontram, no podem se encontrar, no h possibilidade de se entenderem a menos que o adulto se torne outra vez uma criana. S um santo, um verdadeiro sbio, pode entender uma criana, porque tambm criana. Ele pode entender. Eu li h pouco o dirio de uma criana. No dia vinte e cinco de Dezembro estava escrito: "Ganhei uma espingarda de presso do Tio Joe. O Tio Joe o melhor tio do mundo. Nunca existiu um tio assim e nunca existir, etc., etc. Mas est chovendo e eu no posso sair. Gostaria de ir caar agora mesmo." 26 de Dezembro: "Ainda est chovendo e estou ficando inquieto." 27 de Dezembro: "Ainda est chovendo e sinto-me frustrado, agressivo e violento." 28 de Dezembro: "Ainda est chovendo eu mato o Tio Joe." Este o mundo da criana. Ela se move sem propsitos, move-se brincando. A brincadeira em si suficiente. Se voc puder voltar a ser criana, ter conseguido tudo. Se no puder, voc perder. Um sbio uma criana renascida. As que nascem pela primeira vez no so realmente crianas, porque tero de crescer. O segundo nascimento o nascimento real, pois quando algum renasce, d luz a si mesmo uma transformao, tornase de novo uma criana. No pergunta as razes e os porqus, simplesmente vive. Seja qual for o momento presente, a pessoa move-se com ele; no tem planos nem projees. Vive sem exigir 174

nada, e essa a nica maneira de viver; seno voc simplesmente aparenta viver, mas no est vivo. Para a criana no h nada de mau, nada de bom, no h Deus, no h Demnio, uma criana aceita tudo. De novo, um sbio aceita tudo. por isso que pode dizer que Deus inverno e vero, Deus paz e guerra. Deus Demnio e bondade ambos. Para um sbio, desaparece todo o moralismo, todas as distines caem por terra; tudo santificado e todos os lugares so sagrados. Eu costumava visitar uma famlia, uma famlia crist. A me dizia criana: "Isso no bom, voc no precisa rezar to alto. Est quase aos gritos, as preces no devem ser feitas aos gritos. Deus pode ouvir, no precisa gritar tanto." A criana disse: Mas a orao diz: "Exaltado seja o Teu nome!" A criana vive num outro espao. A me ficou muito zangada. Eu disse a ela: "Deixe-a em paz, no perturbe essa criana, ainda muito cedo. Deixe-a rezar sua prpria maneira, ela gosta disso. E esse prazer o que vale, no a forma. Ela salta e grita o nome de Deus, e isso bonito! Por que voc est ensinando? assim que deve ser; se voc sente prazer, isso se torna uma prece. Se no sente, se para voc isso uma disciplina que os outros foraram, ento voc se sente prisioneira. Deixe-a gritar, deixe-a pular e eu posso testemunhar que Deus a ouve. No interessa se ela grita ou no, o importante que sinta prazer." Um homem que est cheio de graa no precisa orar a orao um substituto menor. Um homem cheio de graa no precisa meditar. Aquele que est cheio de graa pode viver o momento graciosamente, faz tudo o que pode ser feito. Tudo santificado e sagrado: voc pode comer o seu alimento de tal maneira que venha a se tornar uma prece. Pode amar um homem de 175

tal maneira que isso venha a se tornar uma prece. Pode cavar um buraco em seu jardim de tal maneira que isso se torne uma prece. A prece no uma coisa formal a qualidade do estado de prece que o leva a alguma coisa.

...o poder real o da criana.

Por que? Porque o 'poder real' significa inocncia. Deus vem a voc quando voc inocente. Quando esperto, as portas se fecham. Nunca destrua a inocncia de ningum, nunca crie dvidas em algum inocente, pois a inocncia o poder real. Nunca crie dvidas em ningum, pois quando a f destruda e a inocncia quebrada, ento muito difcil exatamente como quebrar um espelho. Esse o problema do Mestre: vocs so todos como espelhos quebrados, pois em algum lugar no caminho da vida a confiana foi destruda. Vocs no podem acreditar, foram educados para duvidar, tm uma mente muito educada e sofisticada. Este o problema. Nada pode acontecer a vocs: Deus no, isso no! a menos que a confiana seja recriada. Vocs so como espelhos quebrados, e insistem em ser um espelho quebrado. Vocs pensam que duvidar coisa muito grande essa a pobreza. O corao da criana o poder real com inocncia o poder real vem a voc. E quando eu digo "confie", todos os Mestres do mundo dizem: Confie!, Isso significa: Torne-se inocente! Mas voc insiste em duvidar, em argumentar, em racionalizar primeiro. Voc insiste em que, antes, precisa ser convencido sobre alguma coisa, depois dar o passo e esse o problema, o problema precisamente esse. Se voc puder dar um passo no escuro, puder confiar, tudo se tornar possvel. Mas voc no pode dar um passo. E veja: o que voc conseguiu atravs da dvida, onde chegou com esse espelho quebrado? Voc se viciou nele e por isso est h tanto tempo com ele. 176

Mulla Nasrudin estava ensinando a seu filho uma bela criana os caminhos do mundo. Disse-lhe para subir numa escada. A criana obedeceu; ela sempre gostava, de subir em coisas e se surpreendeu, porque Mulla sempre dizia: "No suba na rvore, no suba na escada", por que ento? Mas ficou feliz. Subiu, chegou ao alto e Mulla disse: "Agora pule." A criana hesitou um pouco, mas Mulla disse: "Sou seu pai, por que sente medo? Pule!" A criana pulou... e Mulla saiu de baixo. A criana caiu no cho e comeou a chorar. Perguntou: "Por que fez isso comigo?" Mulla disse: "Agora no se esquea mais: no acredite em ningum, nem mesmo em seu pai. O mundo assim e eu o estou aprontando. No acredite em ningum, mesmo que seja o seu pai. Voc aprendeu uma boa lio: No confie!" assim que todos os pais, todas as mes, todos os professores, escolas e universidades esto preparando voc: no confie em ningum, pois algum pode ser desonesto; pode ser uma fraude, pode engan-lo mas esse o problema. Mesmo que todo o mundo o engane, voc nada perder. Se duvidar, perder tudo. A dvida o verdadeiro enganador, pois no final voc perder Deus. Deus vem pela porta da inocncia. Voc pode confiar em alguma coisa na sua vida? Se procurar, no vai encontrar ningum, nada em que possa confiar. Um homem procurou um grande mstico, Nagarjuna. Nagarjuna lhe disse: "Voc ama algum, confia em algum?" O homem disse: "No amo ningum e no confio em ningum exceto em minha vaca." Nagarjuna disse: "Isso serve. Acredite completamente que sua vaca Deus ame-a, confie nela, alimente-a, cuide dela, e depois de trs meses volte a me procurar." Mas o homem disse: "Como assim s por amar a vaca e confiar nela?" 177

Nagarjuna disse: "No se preocupe. Procure-me daqui a trs meses". O homem voltou completamente transformado. Disse: "Que milagre foi esse? No posso acreditar nisso, mas aconteceu; s por confiar na vaca, por am-la e sentir carinho por ela, experimentei alguma coisa que me tornou um homem completamente diferente. Eu renasci! Mas como pde isso acontecer apenas confiando na vaca?" Nagarjuna disse: "No se trata de confiar na vaca, trata-se de confiar." Se voc puder confiar pelo menos numa pequena coisa, a porta se abrir. E quando voc experimenta a confiana, torna-se mais capaz de confiar. Quando experimenta mais, torna-se cada vez mais capaz, e pode ento dar o salto supremo.

O tempo uma criana movendo as peas de um jogo; o poder real o da criana.

Herclito no tem nenhuma teoria matemtica sobre o tempo tambm. Ele diz que o tempo como uma criana movendo as peas de um jogo: o dia e a noite, eles se movem. Herclito no acredita que o tempo esteja indo para algum lugar. Est se movendo, movendo em crculo. No linear, como uma roda. E isto algo a ser entendido: todos os cientistas pensam que o tempo linear, que est se movendo numa linha; e todos os que conhecem o interior dizem que uma roda no linear, circular. Parece haver motivos para isso. Os cientistas no podem ver o todo, vem apenas uma parte. A mente cientfica uma mente especfica, especializada. O cientista s pode ver uma parte, e ele divide a parte que v em partes ainda menores; e continua dividindo. O cientista no pode ver o todo. A prpria disciplina da cincia torna-o capaz de ver a parte com maior clareza. Ele vai vendo cada vez mais claramente, mas cada vez menos. Sua viso torna-se clara e penetrante, mas o seu objeto 178

torna-se cada vez menor. Ele chega ao tomo, ao menor; e com o tempo chega tambm ao instante, ao menor. Se voc tomar um pequeno setor de um crculo, ele parecer uma linha, mas o crculo vasto exatamente como a terra. Estamos sentados aqui; se desenharmos uma linha e voc pensar que uma linha reta, estar errado pois numa terra circular, como se pode desenhar uma linha reta? Se seguir desenhando essa linha, se continuar, ela se tornar um crculo, cobrir toda a terra. Assim, as linhas retas so apenas partes, fragmentos do grande e vasto crculo. A cincia no pode ver o todo, por isso parece ser linear. A religio v o todo a cincia perde a floresta, ela olha para as rvores; a religio no v a rvore, mas sim a floresta. E quando voc olha para o todo, tudo circular. Todo movimento circular, e o tempo tambm um movimento circular. um jogo, move-se sem ir a lugar nenhum. Se voc puder ver que o tempo no vai a lugar nenhum, mas move-se em crculo, ento toda a tenso da mente para chegar a um lugar desaparecer. Alcanar algum lugar no futuro torna-se ento intil, insignificante e voc comea a sentir o prazer do momento. A vida no um esforo para se chegar, uma celebrao.

O fanatismo o mal sagrado.

Mas at isso voc no deveria transformar em teoria, pois no momento em que o faz e diz: "Isso est certo", comea a converter as pessoas. No momento em que diz: "Est certo", o seu ego j tomou posse. Agora no se trata de estar certo voc est certo. Como pode estar errado? o mal sagrado entrou. Comigo tambm, lembre-se disso: no saia proclamando tudo o que eu digo. No faa uma crena das coisas que digo, no se feche com elas. E de tudo o que eu digo, lembre-se que o oposto tambm verdadeiro 179

porque se voc disser que o oposto est errado, se tornar intolerante. A intolerncia comear. Se eu digo que Deus inverno, Deus tambm vero. Haver momentos em que direi que Deus inverno porque ser til. Em outros momentos direi que Deus vero porque ser til. Para uns eu digo que Deus inverno, para outros digo que Deus vero no faa disso uma teoria. Eu tambm sou um poeta. Voc no precisa acreditar naquilo que eu digo, precisa apenas ser o que digo. Permita que isso se torne uma transformao e no uma teoria em voc. No faa disso uma seita, faa disso uma vida, viva-a! Se viver, ajudar tambm aos outros viv-la. S por viver voc ajuda, no por falar, no por converter, no por sair por a tornando as pessoas iluminadas, no! Isso uma fraude sutil. Seja iluminado e tenha dentro de voc uma luz para que as pessoas venham e bebam dela, no h necessidade de sair do caminho. E se algum estiver seguindo o seu prprio caminho, no tente tir-lo dele. Quem sabe? pode ser o caminho certo para essa pessoa. Pode ser errado para voc, mas quem voc para decidir? No decida e no julgue, pois o fanatismo o mal sagrado. Sempre que uma pessoa se torna religiosa, o mal possvel. Sempre que algum se torna religioso, torna-se vulnervel a esse mal, ao fanatismo. muito difcil encontrar uma pessoa religiosa que no seja fantica. Certa vez, vi Mulla Nasrudin bebendo num bar e algum lhe perguntando: "Nasrudin, o que est fazendo? Ontem mesmo voc me disse que havia abandonado a bebida e se tornado um abstmio absoluto; o que est fazendo?" Nasrudin disse: "Sim, sou um abstmio absoluto mas no um fantico." Seja voc o que for, seja flexvel, crie uma moldura fixa sua volta, movimente-se e flua. s vezes preciso sair fora da disciplina 180

tambm. A vida maior do que a sua disciplina e s vezes preciso ir completamente contra as prprias regras porque Deus tanto inverno quanto vero. No seja vtima do fanatismo. Seja religioso, mas no seja hindu, muulmano, cristo. Deixe que a terra toda seja a sua igreja, que a existncia inteira seja o seu templo. E quando Deus como um todo est disponvel, por que se satisfazer com um fragmento? Por que se dizer cristo, por que se dizer hindu? Quando se pode ser um ser humano, para que escolher os rtulos? Abandone todos os rtulos e todas as crenas. Confie, a confiana totalmente diferente da crena. Confie na vida seja onde for que ela o leve, mova-se com ela; e ajude os outros a se moverem do jeito deles. Faa as suas coisas e que os outros faam as deles. Permanea aberto. Se voc puder permanecer aberto, auxiliando, cuidando, sem nada forar aos outros, ver que as pessoas comearam a beber de voc, que elas esto sendo auxiliadas por voc. Mas sirva-as diretamente, pois o servir, a compaixo, o amor, o cuidado, so todos indiretos. No salte sobre elas, no as force na direo do paraso, pois essa violncia tem sido a misria de todo o passado. Por causa dessa violncia, os cristos, os hindus, os muulmanos lutam entre si e matam-se uns aos outros chega disso, no mais preciso! Agora a terra tornou-se uma s. O globo inteiro tornou-se apenas uma pequena aldeia. Deixe que a humanidade se torne uma s uma s na busca, no nas crenas; uma s, porque tudo divino. Lembre-se sempre de Herclito:

Os deuses esto aqui tambm. Eu mesmo os procurei. o poder real o da criana. O fanatismo o mal sagrado.
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Uma Alma Seca Mais Sbia e Melhor

(7 discurso - 27 de dezembro de 1974)

Um bbado precisa ser conduzido por um menino, a quem segue cambaleando, sem saber para onde vai, pois sua alma est mida. As almas sentem prazer em se tornarem midas. Uma alma seca mais sbia e melhor.

Conforme eu disse ontem, a conscincia humana pode seguir dois caminhos. Um deles o da gua, fluindo para baixo; o outro caminho o do fogo, movendo-se para cima. gua e fogo so smbolos, mas muito significativos. 182

Quando voc flui para baixo, torna-se cada vez mais inconsciente. Quando flui para cima, torna-se cada vez mais consciente. Ascenso conscincia; queda inconscincia. Herclito chama o fluxo descendente da conscincia de estado de umidade, e a ascenso da conscincia de estado de secura. A umidade e a secura dependem do fogo e da gua. E diz que o esprito, a mente humana, sente prazer em estar mido. Todo prazer descendente. Seja onde for que voc esteja buscando prazer, voc descer pois prazer significa estar inconsciente. Prazer significa estar num certo estado onde no se conhece qualquer ansiedade no que elas tenham desaparecido, mas voc est inconsciente delas. O mundo permanece igual; as ansiedades esto esperando por voc, aumentando e no decrescendo, pois conforme o tempo passa elas aumentam. Os seus problemas permanecem os mesmos, embora tornem-se mais complicados. Enquanto voc est inconsciente, tudo est crescendo: nada espera que a sua conscincia esteja presente para crescer. A sua misria est crescendo, a sua angstia est crescendo, esperando por voc. Voc est inconsciente, portanto no est alerta. Sempre que voc volta conscincia, tem de encarar todos os problemas dos quais fugiu. Prazer fuga. por isso que no vale a pena. Na verdade, no prazer, uma espcie de suicdio. Voc foge dos problemas, d as costas a eles, mas essa no a maneira de resolv-los. Voc ter de voltar, pois uma vez que voc se torna consciente, a inconscincia no pode ser um estado permanente de acontecimentos. Voc pode dar um mergulho no inconsciente, mas por quanto tempo pode permanecer submerso? Por um segundo e novamente voc volta superfcie. No pode permanecer inconsciente por muito tempo. O lcool, as drogas, o sexo, tudo o que o torna inconsciente, tudo o que o faz perder por um momento as suas preocupaes, esquecer-se delas, um esquecimento, mas o esquecimento no pode ser um estado permanente. 183

Portanto, isso no ir ajud-lo em nada: o prazer no ajuda. Voc tem de voltar outra e outra vez e ento se torna um crculo vicioso. Quando volta e descobre que a angstia, que a ansiedade e os problemas o esperam e que, pelo contrrio, aumentaram voc sente medo, fica nervoso, todo o seu ser treme e sente medo, ento voc tem de fugir novamente. Quanto mais voc foge, mais os problemas aumentam. Quanto mais problemas voc encara, mais precisa de lcool. E a a quantidade de txicos tem de ser constantemente aumentada, pois voc se acostuma a ela. Voc toma uma certa quantidade de uma droga no primeiro dia voc se sente inconsciente. Depois de alguns dias no est mais inconsciente; ainda percebe as coisas, as preocupaes ainda esto batendo sua porta, voc pode ouvi-las... precisa de uma quantidade maior. A quantidade maior tambm se tornar pouca. Voc pode chegar at certo ponto... Na ndia j se tentou; existem algumas seitas que trabalham atravs do lcool, das drogas, tais como a maconha e a mescalina. No Ocidente, esse fenmeno novo; por isso que tanto se preocupam com isso. No Oriente, uma das coisas mais antigas. Certa seita de tntricos tem trabalhado atravs das drogas, encontrando um meio de alcanar a conscincia pelas drogas, e descobriu-se que, aos poucos, voc vai se acostumando de tal modo, que nada pode torn-lo inconsciente. Usam ento cobras venenosas com apenas uma picada um homem comum morre imediatamente. Quando nenhuma droga os afeta mais, eles colocam a cobra em suas lnguas e ela os pica. Normalmente, uma pessoa morreria imediatamente. Eles o fazem s para buscar inconscincia atravs do que h de mais venenoso mas nem mesmo isso os afeta. Chega um momento em que o homem vai completamente alm do mundo das drogas: no se pode torn-lo inconsciente, nada funciona. E se esse homem o morder, voc morrer imediatamente. Todo o seu corpo est envenenado. Na histria da antiga ndia, h uma referncia a certas mulheres espis. Todo rei tinha belas mulheres que eram treinadas 184

desde a infncia de tal maneira que todo o seu corpo tornava-se venenoso. Eram conhecidas como vishkanya, como mulheres venenosas eram muito belas. E ento o rei as enviava ao inimigo, ao rei inimigo, e elas eram to belas que fatalmente ele se sentia atrado. Quando beijavam o rei, ele morria. Eram totalmente venenosas. Um beijo bastava no era preciso morder. Chega um momento no qual nenhuma droga funciona. Esses tntricos estiveram trabalhando atravs das drogas em direo conscincia. Quando nenhuma droga o afeta, voc j est integrado, e pode mover-se para as alturas sem medo de cair pois no pode ficar inconsciente, cristalizou a sua conscincia. Mas, de um modo geral, as drogas no so usadas para se alcanar a conscincia, o caminho muito perigoso. Geralmente, a pessoa est buscando inconscincia, um pouco de esquecimento deste mundo de preocupaes, de angstia, de ansiedade, deste mundo que parece um inferno. A pessoa quer esquecer. Todos os seus prazeres so apenas esquecimentos. Herclito diz que esse um estado mido de conscincia. A palavra bela chama essas almas de 'almas midas'. E diz que elas gostam do prazer. Por que? Porque o prazer um mergulho. No preciso nenhum esforo: voc no precisa fazer nada, simplesmente afunda. como descer uma montanha; voc pode correr com facilidade. No necessrio nenhum esforo: a fora de gravidade o ajuda a descer. Mover-se para cima difcil, por isso que voc busca o prazer jamais procura a graa. A graa ascendente, o prazer descendente. O prazer um esquecimento, a graa uma recordao. Gurdjieff diz que a nica tcnica para se tornar integrado a lembrana de si mesmo, e todos os Mestres do mundo tm insistido em que se deve estar cada vez mais consciente. Quanto mais consciente voc se torna, mais alcana uma certa secura interior; literalmente, voc se torna cada vez mais seco, cada vez mais atento, 185

cada vez mais consciente e alerta porque ateno fogo, por isso que voc se torna cada vez mais seco. Oua estas palavras e tente entend-las. Sero de grande auxlio no caminho que voc est seguindo.

Um bbado precisa ser conduzido por um menino, a quem segue cambaleando, sem saber para onde vai, pois sua alma est mida.
Imagine a cena, visualize-a:

Um bbado precisa ser conduzido por um menino, a quem segue cambaleando, sem saber para onde vai, pois sua alma est mida.
Isso bastante simblico. Quando voc bebe, cai, regride, torna-se de novo um menino mas essa regresso no um crescimento. Voc tem de se tornar um menino, mas no pela regresso, e sim pelo crescimento frente, pelo crescimento adiante, pelo crescimento para cima. Voc tem de se tornar um menino, mas no voltando para trs e sim andando para frente. Voltando para trs voc se torna juvenil; voltando para trs, voc no ganha nada, voc perde; voltando para trs, todo o sistema interior torna-se aleijado. Por fora voc parece ser um adulto e por dentro apenas um menininho; no uma criana, mas infantil; no inocente, mas muito, muito ladino. E to profunda a sua esperteza que voc no ladino com os outros usa truques consigo mesmo, com a sua prpria conscincia, com o seu prprio futuro; usa truques com as suas prprias possibilidades. Est voltando para trs, est regredindo. Voc carrega todos os estgios pelos quais passou. Uma vez voc esteve no tero. Uma parte sua ainda permanece nesse estado 186

porque voc no se livra das coisas. Simplesmente cresce, e tudo o que se tornou passado torna-se a sua base. Tudo existe em voc; no apenas desta vida, mas tambm de outras; no apenas de outras vidas humanas, mas tambm de vidas animais e vegetais. Tudo existe, nada se perde. Voc carrega tudo do passado voc o seu passado. O passado inteiro est a e voc pode regredir a qualquer momento. como uma escada: voc pode voltar. E quando bebe, voc volta. No s se torna uma criana, como tambm um vegetal Observe um bbado cado na sarjeta: no parece humano; ele regrediu, est vegetando. No se pode nem dizer que esteja vivo. Como se pode dizer que seja humano? Que humanidade ele est demonstrando nesse momento? Qual a diferena entre ele e uma rvore? A nica diferena que a rvore est em melhor estado, pois pelo menos no est bbada. E esse homem voltou atrs, tornou-se como uma rvore. Voc pode ficar to drogado, no Ocidente usa-se a expresso 'bbado de pedra'. uma boa expresso voc se torna como uma pedra. Essa a ltima coisa. Nem mesmo um vegetal. como uma pedra, e todas as possibilidades so desperdiadas. Voc chegou ao ltimo degrau da escada, ao p da escada. Regrediu milhes de anos e isso pode acontecer em segundos. E voc se torna impotente, impotente de uma maneira negativa, imbecil. Comportase como um idiota, no sabe o que est fazendo. Na verdade, voc no ; est ausente, a sua presena se perde. No existe agora nenhum centro interior. Voc se torna como a gua, sem nenhum centro, e a gua transborda por toda parte sem nenhuma direo, sem nenhuma integridade interior. Se voc morrer nesse momento, nem mesmo perceber que est morto. Tudo o que acontecer nesse momento voc no saber. Voc no est. Esse um estado de mente ausente. Voc caiu completamente, chegou ao fundo. Isso fcil. E as almas gostam disso porque voc gosta de tudo o que fcil. No preciso nenhum esforo. Voc no precisa 187

seguir um caminho. No precisa fazer nada. No precisa se preocupar, no precisa pensar simplesmente fica largado. Na verdade, isso que estar 'largado'. Voc largou todo o esforo de evoluo. J no faz parte do crescimento da existncia, j no faz parte da divindade que evolui constantemente. Voc perdeu tudo. Esse estado o pior possvel. E acontece no apenas atravs dos txicos, mas tambm atravs de muitas coisas. Isso tambm precisa ser lembrado. Voc pode no estar usando nenhum txico, pode no estar tomando drogas, mas existem muitas drogas sutis qualquer 'viagem' pode se tornar uma droga. Pode estar cantando um mantra constantemente; sem nenhuma conscincia, apenas cantando. Quando voc canta um mantra sem conscincia, ele se torna inebriante, provoca uma inconscincia. Voc sente muito prazer, mas nenhuma graa. Est caindo para trs. Na ndia, isso tambm tem sido usado h milhares de anos, e milhares de pessoas cantam mantras continuamente. Se voc olhar para elas, descobrir que elas tambm esto dopadas atravs do mantra elas se tornaram inconscientes. claro que no tm nenhuma preocupao, porque para isso voc precisa ter conscincia. Elas so felizes, mas a felicidade delas como a morte, plida e petrificada. A felicidade delas no como uma flor desabrochando; como uma poa estagnada, no como um rio fluindo. Elas no esto se movendo, todo o movimento interior cessou. Eu lhes falei sobre dois tipos de movimento: um vertical e outro horizontal. Elas interromperam o movimento horizontal, mas no deram incio ao movimento vertical. Esto simplesmente mortas, enterradas vivas em seus prprios corpos; seus corpos tornaram-se tumbas. Voc pode encontrar muitas delas nos Himalaias, perto do Tibet; encontrar muitas pessoas simplesmente sentadas, cantando. O canto contnuo criou tal marasmo dentro delas que elas se tornaram estpidas, perderam toda a sensibilidade. No esto mais vivas por causa disso, esto menos 188

vivas. Podem ficar to estpidas que se deitam em camas de pregos porque no tm sensibilidade no corpo; elas minguaram por dentro. E isso um txico mais forte do que qualquer bebida alcolica at hoje inventada porque elas so as donas do prprio txico; elas podem cri-lo interiormente. Cantar uma palavra continuamente sem conscincia regredir. Se for para cantar, que seja feito com conscincia; voc precisa ser um observador. Se est cantando Aum, Aum, Aum, tem de permanecer como uma testemunha disso. O canto deve ser feito pelo corpo e voc deve permanecer como uma testemunha. Quando o observador se perde, o canto alcolico torna-se intoxicante. Existem outras maneiras. Um poltico est numa 'viagem de droga'; o poder, o prestgio, so todos inebriantes. Sempre que algum alcana o poder, j no est mais em si. O poder corrompe e corrompe completamente pois o poder uma droga. Quando voc poderoso j no est mais em sua conscincia. Comea a fazer coisas que jamais imaginou. No pode acreditar que est fazendo tais coisas. Leia Adolf Hitler e sua vida o que ele fez! E nunca fumou; era contra o lcool. Era um perfeito saniasin! Acordava cedo, dormia cedo; no fumava, no bebia, era vegetariano, no comia carne. E o que ele fez! No se pode encontrar um jainista mais perfeito em nenhum outro lugar e o que ele fez! Mas ele usava a maior das drogas. por isso que no precisava fumar cigarros, eles no eram nada. No havia necessidade de beber, porque ele j estava brio de poder. Aqueles que observaram Adolf Hitler dizem que quando ele comeava a falar, logo em seguida todos sentiam que havia acontecido uma transfigurao. Quando ele comeava era Adolf Hitler; aos poucos ia ficando completamente inconsciente, como se fosse hipnotizado por suas prprias palavras; seus olhos j no mostravam nenhuma vivacidade, como se ele no estivesse l, como se algum o tivesse possudo possudo! Ento sua possesso, seu 189

estado alcoolizado, sua umidade, imediatamente infectava os outros. Ele conseguia facilmente criar a loucura. Era to neurtico, tinha um carisma to neurtico, que tudo o que o rodeava se tornava neurtico; era um homem magneticamente neurtico. O lcool transbordava dele e as pessoas se intoxicavam foi como ele levou toda a raa germnica ao suicdio. O poder uma droga, uma das maiores que o mundo j conheceu. E isso bonito: os polticos esto sempre contra as drogas, mas so os maiores viciados, esto nas maiores viagens. Mas voc pode criar suas drogas privadas tambm. Riqueza: veja as pessoas que possuem riquezas j no existem mais, esto completamente ausentes! Movem-se, trabalham muito, mas no sabem o que esto fazendo. Esto completamente inconscientes. E existem as drogas privadas. Voc pode ser um pintor, pode ser um poeta, e isso pode se tornar a sua viagem. Qualquer coisa que o faa esquecer de si, qualquer coisa que o faa perder a conscincia, qualquer coisa com a qual voc se torne muito identificado (seja o que for que esteja fazendo), a ponto do observador se perder, uma droga. Herclito chama isso de estado mido.

As almas sentem prazer em serem midas.

No necessrio nenhum esforo, nenhuma tenso, nenhum confronto com a realidade. Voc simplesmente esconde. Esconde, foge, fecha os olhos, assim como um avestruz. E quando seus olhos esto fechados voc no pode ver nada est feliz. isso o que voc chama de felicidade. Mas essa felicidade no pode durar. momentnea. Quando voc ama uma pessoa, sente-se muito, muito feliz. Isso uma droga. a droga que os hormnios de seu corpo criam dentro de voc; a sua droga biolgica. A natureza tem de us-la porque a natureza no pode contar com voc. Pense nisso: se no 190

existisse o amor, o mundo pararia porque o sexo to ridculo; se no houvesse amor, o sexo pareceria to ridculo! Quem entraria no sexo se no houvesse nenhum txico que o envolvesse? O amor como uma isca. O desejo real da natureza reproduzir. Mas voc no pode contar com isso; se voc no se apaixonar, no reproduzir. Voc se apaixona a natureza est usando um truque. Est fornecendo uma droga, liberando uma droga em seu corpo. Existem glndulas dentro de voc que produzem e liberam a droga. uma droga natural, biolgica e hormonal. por isso que quando algum se apaixona, repare, caminha de um modo diferente. J no est mais aqui ausenta-se completamente vive na imaginao, no desejo, no sonho, no vive na realidade. Drogou-se sem saber. E depois de alguns dias, quando o amor se vai porque nenhuma droga dura eternamente no momento em que a lua-demel acaba, a droga tambm acaba. E voc comea a encarar a realidade. Comeam ento os problemas porque tudo o que prometeu, voc fez quando no estava consciente. Agora tem de cumprir as promessas feitas num estado mido, feitas num estado inconsciente; agora precisa cumprir as promessas e o peso cresce. Todos os casos de amor, no final, tornam-se feios. Por que? Todo casamento petrifica. Por que? Porque no um fenmeno consciente. Se voc ama conscientemente... ento o amor pode ser eterno, pois com conscincia tudo eterno. Com inconscincia tudo momentneo. Se voc puder amar conscientemente, no como uma vtima dos truques biolgicos, no como uma vtima da natureza, mas com um amor consciente, no cair de amor voc ascender de amor. O prprio amor se tornar uma fora de integrao e no de desintegrao. O prprio amor se tornar uma conscincia. E voc se tornar cada vez mais consciente no relacionamento. Cuidar do outro, mas no o usar. Cuidar e compartilhar, mas no possuir. 191

Voc liberar o outro e atravs da liberao do outro liberar a si mesmo. Vocs se tornaro parceiros na suprema jornada. Um ajudar o outro pois existem ciladas; o caminho longo e a jornada eterna. E muito bom estar com algum para compartilhar toda a angstia, para compartilhar toda a dor, para compartilhar o sofrimento, para compartilhar a felicidade, para compartilhar um momento de silncio, para se comunicar, para dizer o que lhe est acontecendo, com quem voc possa contar para auxili-lo seja no que for que lhe acontea, em quem voc possa confiar que o amar em todas as situaes boas ou ms, de raiva ou felicidade, de tristeza ou alegria. Voc no precisa esconder nada de algum que voc ama; pode permanecer aberto e vulnervel. E seja qual for a situao, o amor incondicional; independe das condies. Um amor consciente um fenmeno totalmente diferente. Acontece raramente, mas sempre que acontece uma das coisas mais belas possveis neste mundo. Mas geralmente o seu amor como uma droga. Observo isto diariamente: um casal me procura e os dois dizem que esto completamente apaixonados; no passa nem uma semana e eles voltam dizem que se separaram. S uma semana! E na semana anterior voc no poderia imaginar isso os olhos, os rostos estavam radiantes de amor; seus corpos estavam repletos de algo desconhecido, eles estavam intoxicados. Uma semana depois e tudo acabou! Que tipo de amor esse? No amor, absolutamente. Voc foi dopado pela natureza, a natureza usou de um truque com voc. A natureza quer que voc entre no sexo. Cria um mundo de sonhos em torno do sexo porque o sexo em si feio. realmente ridculo! Imagine: voc ter um relacionamento sexual com algum sem estar amando simplesmente feio. por isso que as prostitutas so feias. Por mais que seus corpos sejam bonitos, elas no podem ser bonitas, porque o prprio ato sem amor faz com que a vida delas seja feia e suja. 192

Voc s pode tolerar o sexo por causa do amor. Por causa do amor, o sexo tambm parece belo. Caso contrrio, as posturas, os gestos do sexo, so todos ridculos. Mas quando voc est drogado, no tem conscincia do que est acontecendo. Quando est drogado, nunca olha para si mesmo. O mundo todo parece ridculo, menos voc. Mulla Nasrudin foi psicanalizado. Quando foi ao psicanalista, este lhe fez algumas perguntas s para testar que tipo de pessoa Nasrudin era. Desenhou uma linha e perguntou: "O que o lembra isso?" Nasrudin respondeu: "Uma bela mulher, claro!" uma linha! O psicanalista no entendeu. Desenhou um crculo e perguntou: "O que o lembra isso?" Nasrudin respondeu: "Uma bela mulher, claro toda nua." Desenhou um tringulo, Nasrudin fechou os olhos e disse: "No, no faa isso." O outro perguntou: "Mas o que isso o lembra?" Nasrudin respondeu: "A mulher est fazendo uma coisa muito ruim." O psicanalista ento disse: "Parece que voc se preocupa muito com sexo." Nasrudin "O qu! Eu? Sou eu que estou preocupado com sexo ou voc? Quem est desenhando essas figuras feias no papel? voc ou eu?" Voc pode ver o mundo inteiro mas no se v a si mesmo. Esse o estado mido: quando a pessoa est completamente inconsciente, alheia ao que , ao que est fazendo, por que est fazendo. Quando voc comea a meditar, no incio fica muito, muito confuso, pois pela primeira vez est consciente O que est fazendo? Por que o faz? Para qu? Antes, voc no percebia. Agora, 193

sente-se muito confuso porque, pela primeira vez, seus olhos esto abertos para a realidade. Se voc no fugir, aos poucos sentir que est quebrando no s est confuso, como enlouquecendo! Sempre esteve louco, mas no havia percebido. Agora est consciente e a loucura tem de ser enfrentada. E se voc no a enfrentar, no poder crescer. Fugir no crescer, e todas as dimenses do txico so fugas. Quando voc est num estado inconsciente, pode achar que est fazendo alguma coisa importante, mas pura crena, sem nenhum fundamento. Quando se torna consciente, s ento vem a saber que cometeu simplesmente absurdos. Isso no o levou a lugar nenhum. E todas as suas crenas enganavam apenas a voc mesmo. Ouvi contar que Mulla Nasrudin bateu na porta de uma taverna s trs horas da madrugada. O proprietrio abriu a janela do andar de cima, muito zangado, claro, e disse: "V embora, seja voc quem for! Agora no hora de beber." Nasrudin disse: "Quem veio para beber? Vim buscar as minhas muletas. H pouco as deixei aqui, e como voc e todos sabem, no posso andar sem elas. Preciso voltar para casa quero que voc as devolva!" Ele sempre andara de muletas, sem saber que podia andar sem elas acreditava nelas. Inconscientemente, esqueceu as muletas na taverna, e ficou andando pela cidade durante toda a noite. E agora, ao recobrar a conscincia, queria suas muletas de volta porque: "Todo mundo sabe que no posso andar sem as minhas muletas." As coisas nas quais voc acredita so como muletas. Voc no pode andar sem elas, no pode viver sem elas. No pode pensar como ser sem as suas crenas elas so as suas muletas. Quando voc se torna consciente, simplesmente no pode pensar que viveu em tal estado de coisas por tanto tempo. 194

Mas num estado de mente mida, as coisas acontecem. Voc no tem controle de nada. As coisas vo simplesmente acontecendo e voc vai reagindo. Uma mulher sorri para voc, e voc se apaixona. Comea a falar com ela, a apreci-la e por isso ela comea a se apaixonar por voc. Os hormnios comeam a funcionar. E voc entra numa viagem de droga. Logo voc voltar conscincia e sair dela. Sempre que voc sai, doloroso. Voc no consegue tolerar a dor, demais, intolervel. E mais cedo ou mais tarde, s para se consolar, para se intoxicar outra vez, voc vai procurar outra mulher. O mesmo crculo continua a se repetir... um homem drogado pode acreditar em qualquer coisa. Uma vez perguntei a Mulla Nasrudin: "Como vai o seu relacionamento com a filha do banqueiro?" porque eu conhecia o banqueiro e a filha e isso parecia ser uma coisa difcil, quase impossvel. Mas Mulla Nasrudin sorriu, muito feliz. Disse: "Ultimamente tem havido sinais, dicas, indicaes. As coisas esto se definindo." Eu perguntei: "O que aconteceu? Ela comeou a sorrir para voc ou qualquer coisa assim?" Ele disse: "No, no bem isso mas na noite passada ela disse: "Esta a ltima vez que estou dizendo no a voc." Quando se est drogado, a pessoa faz suas prprias interpretaes. Quando voc no est consciente, no sabe o que sim e no significam. Voc no sabe nada, simplesmente levado. Esse estado o estado mido.

Um bbado precisa ser conduzido por um menino, a quem segue cambaleando, sem saber para onde vai, pois sua alma est mida.
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As almas sentem prazer em se tornarem midas.

Todos sentem prazer em tornarem-se midos, porque a coisa mais fcil que se pode fazer. Esse o nico prazer o mais fcil. Voc no precisa fazer nada. Simplesmente se deixa levar deriva. Cai na terra e a gravitao o puxa para baixo. Voc se sente muito, muito feliz porque no h esforo, no h tenso, no h nada! As pessoas me procuram e dizem que no conseguem levantar cedo para a meditao. At mesmo isso um esforo excessivo para voc. E se voc no consegue levantar-se cedo para meditar, o que mais pode fazer? O que mais voc acha que pode fazer? Voc no quer fazer nenhum esforo mas as suas exigncias so muito altas. At algum que no consegue levantarse cedo para meditar, pergunta como a paz possvel; pergunta: "Como conhecerei Deus?" e pede: "Ajude-me! No quero voltar de novo para este mundo" mas ningum vem para este mundo. Se voc vive deriva, se vive sempre caindo, escolhendo o mais fcil, escolhendo o caminho de menor resistncia, escolhendo o caminho onde no h desafios, no h luta, nada, apenas caindo, vivendo na gravitao ento voc no precisa fazer nenhum esforo para vir. No h necessidade de vir voc vir, pois assim que as pessoas vm ao mundo: um estado de mente mida estar sempre girando em torno deste mundo. Somente uma alma seca pode voar pelo cu, pois s ela no afetada pela gravitao; o rebaixamento no existe para a alma seca. O que significa ser seco? Ser seco significa: manter-se alerta; seja o que for que voc esteja fazendo, faa-o conscientemente seja o que for! Eu no digo: "No faa isso e no faa aquilo." Simplesmente esteja mais alerta em tudo o que fizer, e depois, aos poucos, cada ato o ajudar a se tornar cada vez mais seco. Acontece, ento, um destacamento. Estando alerta, automaticamente voc se destaca. 196

Voc ama uma pessoa, mas mesmo assim no est amarrado. Voc ama uma pessoa, tem carinho por ela, compartilha o seu ser, d tudo, mas mesmo assim no est amarrado est muito destacado. E no h nada igual a um amor destacado a mais linda florescncia. Amar e estar destacado significa compreender ambas as polaridades. paradoxal porque voc pode estar destacado sem amar ou pode amar sem estar destacado. fcil escolher um extremo, escolher uma polaridade. Escolher ambas ao mesmo tempo amar e estar destacado o que isso significa? Significa estar alerta; fazendo tudo o que precisa ser feito, mas estando alerta, voc permanece destacado. Pode ento viver neste mundo sem fazer parte dele. Voc est no mundo, mas o mundo no est em voc. Essa secura vem cada vez mais medida que voc vai fechando os caminhos da sonolncia, vai fechando as portas das quedas, fechando as portas do prazer voc no busca prazeres. Lembre-se: a felicidade no um prazer. A felicidade um fenmeno diferente um estado de ser. O prazer um esquecimento, a felicidade uma lembrana. E quando a lembrana torna-se absoluta, quando to absoluta que no h possibilidade de se cair dela, ento surge a graa. Entre a graa e o prazer est a felicidade. No pea pelos prazeres, pois se os pedir ser vtima do fluxo descendente, da gravitao. Veja as pessoas viciadas em comida: observe-as quando comem. Ver que esto completamente inconscientes pois quantas vezes, quantos milhares de vezes elas decidiram no comer demais? E quando a comida novamente vem, esquecem-se ou racionalizam: "Desta vez, s desta vez... da prxima resistirei." Mulla Nasrudin estava morrendo. E o mdico disse: "Esta a ltima vez. Se voc no me ouvir pode estar certo de que deixar o corpo. Voc vai morrer, porque o seu corao no pode agentar tanto peso." Ele j havia tido dois ataques. 197

No dia seguinte ele estava comendo, comendo o que quatro homens no conseguiriam comer. Ento, de repente, olhou para a esposa e disse: "O que est fazendo a sentada? No vai falar nada por eu ter sado da minha dieta?" A mulher at por isso ela responsvel no tem fora de vontade suficiente para faz-lo parar. Ningum pode faz-lo parar. A vontade de ningum o ajudar. Pelo contrrio, ela pode ser destrutiva. Se algum insistir em faz-lo parar, voc se voltar contra, voc reagir. O fluxo ascendente no pode ser forado por ningum. Este um fenmeno muito sutil e delicado que deve ser entendido. Se as pessoas insistirem em torn-lo bom, se fizerem esforos nesse sentido, elas o foraro para baixo porque o seu ego sentir uma resistncia. Isso muito delicado, pois os que querem ajud-lo a subir no podem for-lo, s podem persuadi-lo. Isso tudo o que estou fazendo. Mesmo que s vezes eu veja algo que pode ser interrompido, eu no posso interromper. Vejo que voc est dando um passo para baixo e poderia falar com voc, poderia fazer um esforo para alert-lo. Poderia dizer: "Pare, isso ser demais", mas no posso dizer, porque se eu insistir, isso o ajudar a descer. Voc dar o passo mais depressa ainda, pois o ego entrar. Posso apenas persuadi-lo. Posso distrair a sua mente. Posso lhe dar algo para brincar de modo que se esquea de que estava para dar aquele passo sua mente distrada. Mas eu no posso dizer: "No, no d esse passo." Se eu disser 'no', quase certo que voc o dar. Esse o problema. O Mestre precisa persuadi-lo. E isso est ficando cada vez mais difcil no mundo moderno.. Antigamente era mais fcil porque as pessoas eram ensinadas a obedecer. Agora so ensinadas a serem rebeldes. Antigamente as pessoas aprendiam a ser disciplinadas, agora aprendem a ser indisciplinadas. Agora, ser indisciplinado importante; ser disciplinado nada mais do que 198

fazer parte do sistema. Ser disciplinado ser quadrado; ser indisciplinado ser revolucionrio. Nos velhos tempos era mais simples porque o Mestre dizia "No", e podia contar que o 'no' funcionaria. Um simples 'no' evitava muitas vidas de lutas desnecessrias. Mas agora impossvel. Agora difcil: voc tem de ser persuadido por meios indiretos de modo que no sinta nunca que est sendo persuadido. Tem de ser distrado de modo to sutil que jamais perceba que est sendo levado para algum lugar. Se voc perceber que alguma coisa o est guiando, voc resistir e ento far exatamente o oposto. Isso cria no mundo um fenmeno muito novo, algo novo na nossa era. por isso que alcanar o Supremo tornou-se cada vez mais difcil um desperdcio desnecessrio de energia. Posso ver, estou vendo que voc est dando um passo no escuro, que voc cair, que ficar aleijado, mas mesmo assim no posso dizer: "No d esse passo", porque voc no ouvir. E se eu disser no voc se sentir ainda mais atrado por ele. Foi assim que Ado caiu. Deus lhe disse: "No, no coma a fruta dessa rvore!", e ento ele comeu. Caiu porque Deus disse no. Agora, se Deus criar outro Jardim do den, no vai cometer outra vez o mesmo erro. Em vez de fazer o que fez, ser melhor dizer: "Coma apenas os frutos desta rvore, todas as outras so proibidas", ento Ado no ser tentado, no se dirigir para essa rvore. O Ado, principalmente o moderno, est num estado de conscincia absolutamente baixa mido demais, caindo como um peso morto, constantemente caindo para o vale, num fluxo descendente. claro que subir vai exigir esforo.

As almas sentem prazer em se tornarem midas. Uma alma seca mais sbia e melhor.
Toda sabedoria consiste em tornar a alma seca. 199

Mas tente entender: 'seca' no significa tornar-se insensvel: 'seca' no significa deixar de ser carinhoso; 'seca' no significa tornar-se indiferente, isolado no. 'Seco' significa simplesmente tornar-se consciente; voc se preocupa, tem um profundo interesse, mas esse interesse jamais se torna uma ansiedade. Voc se preocupa: faz o mximo que pode pelos outros; por sua esposa, pelos amigos, pela filha, pelo filho, por seu marido, pai, me, faz tudo o que pode fazer de um modo total. S isso. Ento, seja o que for que acontea, voc aceita. Voc faz tudo o que possvel; ento, frustrar-se por que? No existe frustrao. Voc no se preocupa por no ter feito isso ou aquilo. No, voc fez tudo -- e acabou! Voc sai limpo de todos os relacionamentos, e no sujo. Se a alma est mida, voc sai sujo de todos os relacionamentos. O relacionamento no o limpa, deixa-o sujo. como quando suas roupas esto midas e voc sai para um passeio ao voltar est completamente sujo porque a poeira grudou na roupa; no porque as ruas estejam sujas, mas porque as suas roupas estavam midas. O mesmo acontece interiormente tambm: se a sua alma est mida, voc sai sujo de tudo o que faz porque toda a sujeira adere. Se voc est seco, nada adere a ela. A poeira passa, mas no adere em voc. Buda vive no mesmo mundo que voc, mas a cada dia voc vai se sujando. Buda permanece fresco, como se tivesse acabado de tomar um banho, limpo. A limpeza depende da secura e quanto mais voc se torna consciente, mais a secura vem. Estando consciente, por dentro voc se torna semelhante a uma chama. A chama vai queimando; queima, mesmo enquanto voc dorme. De um modo geral, mesmo quando despertos, vocs so como sonmbulos. Mas quando a chama est queimando e voc est alerta a tudo o que est acontecendo ao redor, alerta no de um modo concentrado, porque quando voc se concentrar, est alerta para um ponto e inconsciente para tudo o mais apenas alerta, uma abertura, como todas as portas abertas, com todas as 200

dimenses abertas, voc est simplesmente alerta, ento quando est dormindo, essas portas tambm permanecem abertas e o ar fresco vai fluindo. No fundo, uma chama arde em voc e essa chama seca a umidade, seca toda a inconscincia. isso o que significa estar iluminado. No chegar a algum deus no h nenhum , a algum que espera por voc. Pelo contrrio, tornarse mesmo um deus, pois quando est consciente, voc um deus; quando est perfeitamente consciente, voc um perfeito deus. Deus o estado de ser absolutamente seco. E quando voc se torna pelo menos um pouco seco uma alma seca melhor e mais sbia comea ento a se tornar mais sbio, porque toda a tolice consiste em ser inconsciente. Havia um processo contra Nasrudin no tribunal, e o juiz disse: "O qu? Voc outra vez? Desta vez eu no estava esperando por voc. Primeiro voc veio por estacionar em local proibido, depois veio por dirigir em alta velocidade, depois por falta de breques, depois porque os faris no estavam funcionando noite, depois por dirigir embriagado por que est aqui agora? da ltima vez eu cancelei, suspendi sua licena para dirigir!" Nasrudin parecia envergonhado e disse: "Por atravessar a rua quando o sinal estava aberto para os carros, Meritssimo." No preciso um carro. Se tudo lhe for tirado, tudo o que o faz pensar: "Por causa disso que estou inconsciente", isso no o ajudar voc ser apanhado por atravessar com o sinal vermelho. Far qualquer outra coisa porque voc continua o mesmo. As pessoas pensam que esto enrascadas por causa de suas esposas. Eles as deixam e vo para os Himalaias mas isso apenas uma suspenso da licena. No o ajudar porque voc no pode fugir de si mesmo. Continuar o mesmo nos Himalaias e criar de novo as mesmas situaes. A esposa existia por sua causa. Voc encontrar outra, encontrar qualquer outra coisa, e os mesmos problemas 201

surgiro. necessria uma alma seca isso so os Himalaias: a secura, o estado de alerta. Faa voc o que fizer, no o faa como se estivesse dormindo. Observe cada ato, cada pensamento, cada sentimento. Observe e mova-se. Cada momento muito precioso no o perca por estar dormindo. E se voc usar cada momento como uma oportunidade para se tornar mais consciente, aos poucos a conscincia ir crescendo. Um dia, subitamente, voc descobrir que h uma luz queimando interiormente. Se voc se esforar por ela, de repente um dia voc amanhecer um homem completamente novo seco, destacado, amando, mas de modo algum envolvido; permanecendo no mundo e, todavia observando do alto das montanhas. Este o paradoxo que precisa ser realizado: permanecer no mundo e ao mesmo tempo observ-lo das montanhas. Ao mesmo tempo, simultaneamente, estar no mundo e no estar nele. E esta a alma melhor e mais sbia. Voc tem o potencial. Assim como cada semente pode se tornar uma rvore, voc pode se tornar um Buda, um Herclito, um Jesus. Mas ter de trabalhar muito para isso. Meias medidas no o ajudaro. Voc tem de ferver completamente: a cem graus de ebulio a evaporao acontece. A gua mida, flui para baixo. O calor seco com o calor at a gua flui para cima. Com a chama da conscincia, at mesmo o que voc tem pensado de errado se tornar certo. O amor parece um emaranhado, uma priso com conscincia, torna-se liberdade. A raiva inconsciente uma fora destrutiva, uma fora suicida; ela o fere, o mata aos poucos, um veneno com conscincia, a mesma energia transfigurada, tornase compaixo. De seu rosto vem a mesma irradiao, mas no pela raiva pela compaixo. O mesmo sangue flui, a mesma qumica do corpo, mas um novo elemento aliengena entrou e toda a qumica mudou. assim que os metais bsicos so transformados em ouro. Inconsciente, voc um metal bsico; consciente voc se torna deus, 202

voc transformado. S necessrio o fogo da conscincia. Voc no precisa de nada, est tudo a. Com o fogo da conscincia acontece uma nova combinao. Lembre-se de que no lhe falta nada, voc tem tudo o que um Buda precisa. S est faltando uma coisa e ela tambm est profundamente adormecida em voc. Voc s tem de acordar, tem apenas de fazer alguns esforos para estar mais alerta. E lembre-se: preciso esforar-se agora mesmo. Herclito acredita no esforo. Os Mestres Zen acreditam no no-esforo, Herclito acredita no esforo mas, no fundo, o no-esforo tambm um esforo, porque voc precisa alcanar esse estado de no-esforo. No Ocidente, existe muita incompreenso em relao aos Mestres Zen porque eles falam do no-esforo. Mas veja: uma pessoa tem de ficar com os Mestres Zen durante vinte anos, trabalhando muito para conseguir o no-esforo. Com Herclito, o esforo a base, e se voc fizer um esforo real, automaticamente o no-esforo vir. Quando tiver feito tudo, voc se tornar hbil nisso. Tornar-se- to hbil que no ser preciso faz-lo acontecer. Se voc se esforar pela conscincia, pouco a pouco no haver necessidade de fazer nada sobre isso ela j est a, exatamente como a respirao. Mas assim como voc , Herclito ser mais til do que os Mestres Zen. Os Mestres Zen chegaram ao pice de uma escola, a escola budista. Mil anos de grandes esforos e ento os Mestres Zen floresceram. Os Mestres Zen esto apenas no final de um longo esforo, de uma longa jornada. A planta est absolutamente pronta, ento ela floresce. No h nenhum esforo no florescimento. O que voc faz? Nada necessrio a rvore est pronta e floresce por si mesma. Mas para torn-la pronta foi necessrio muito esforo. Pergunte ao jardineiro o quanto ele trabalhou. Voc apenas olha para a flor e pensa: "Nenhum esforo necessrio. Ela vem por si mesma." 203

O Zen o pice de um longo esforo que comeou com Buda. Herclito apenas o comeo. E isso uma pena: a mente grega perdeu Herclito completamente, no conseguiu entend-lo, e nunca conheceu um pice o florescimento nunca aconteceu. A mente grega seguiu um caminho totalmente diferente. Jamais ouviu a Herclito e o florescimento nunca aconteceu. As sementes se perderam, nunca brotaram. Mas foi tambm por isso que escolhi Herclito isso completar o todo. Tenho falado sobre os Mestres Zen; isso pode desvi-lo por ser o fim. Tenho de falar sobre Herclito para que voc possa entender tambm o comeo, pois tambm em voc preciso que haja um crescimento do comeo para o fim: voc tem de se mover de Herclito para Bash, da semente para a flor. Torne-se uma alma seca sem se tornar insensvel. Se voc se tornar insensvel, perder. Ento estar apenas seco, sem nenhuma conscincia. O fogo no se converteu em conscincia; ele simplesmente o secou. Isso no ajudar. A vida seca muitas pessoas dessa maneira, automaticamente. Olhe para as pessoas velhas esto secas. Olhe para uma criana est mida. Um velho est seco; a vida secou toda a umidade dele; pela batalha da vida ele se tornou insensvel; s para se proteger ele se isolou esse no o ponto. Voc tem de ser como uma criana viva, elegante, graciosa, gil e ao mesmo tempo seca como um velho. isso o que se conta sobre Lao-Ts, uma bela estria, que ele j nasceu velho. Ao nascer tinha oitenta e dois anos; viveu no tero de sua me durante oitenta e dois anos. Esse um belo fenmeno! Conta-se que nasceu com os cabelos brancos claro, oitenta e dois anos de idade! Era criana e ao mesmo tempo no era criana muito velho, completamente seco. Desde a infncia ele j era consciente. esse o significado: ele era perfeitamente consciente desde a infncia. 204

Conta-se que Buda, ao nascer, a primeira coisa que fez foi dar sete passos. A primeira coisa! devia ser muito velho. A primeira coisa, assim que saiu do tero. Nasceu em p e andou sete passos... com perfeita conscincia. A me no podia acreditar no que via. Todo o fenmeno era to absurdo que dizem que ela morreu com o choque. Diz-se que sempre que uma me d luz um Buda ela morre! demais! inacreditvel! Voc no pode compreender. Mas essas estrias dizem alguma coisa. No so verdades literais so simblicas, metafricas. Nunca pergunte pela histria do Oriente. As pessoas aqui no acreditam em histria. Acreditam em mitos e dizem que a histria intil. O que histria? s uma compilao de jornais, puro lixo; so jornais velhos, s isso. Eles nunca acreditam na histria, acreditam no mito. Dizem que o mito a essncia, a histria est s na periferia, nos fatos. O mito a prpria essncia de tudo o que h no centro. Seja como uma criana e como um velho seco, com todos os desejos conhecidos, acabados; com todas as experincias conhecidas, acabadas; voc andou pelo mundo todo, alcanou a si mesmo, chegou finalmente em casa sensvel como uma criana e seco como um velho. E a sabedoria s isso. assim que algum se toma sbio.

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O Logus comum a todos

(8 discurso - 28 de dezembro de 1974)

Embora este Logos seja eternamente vlido, ainda assim os homens so incapazes de compreend-lo no s antes de ouvi-lo, mas mesmo depois de t-lo ouvido. Deveramos nos permitir ser guiados por aquilo que comum a todos. Embora o Logos seja comum a todos, a maioria dos homens vive como se cada um tivesse uma inteligncia privada. A natureza humana no tem nenhuma compreenso real; s a natureza divina a tem. O homem no racional; s o que o cerca inteligente.
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O que divino foge percepo dos homens por causa da incredulidade deles. Apesar de intimamente ligados ao Logos os homens mantm-se contra ele. Como algum pode se ocultar daquilo que nunca se estabelece?

O LOGOS a lgica do Todo, a lgica da prpria Existncia. O Logos a lei suprema. o mesmo que Lao-Ts chama de 'no', que os Upanishads e os Vedas chamaram de Rit: a harmonia csmica onde os opostos se encontram e desaparecem, onde dois se torna um, onde no h polaridades, onde todos os paradoxos so dissolvidos, todas as contradies desaparecem. O que Shankara chama de 'Brahma', Herclito chama de 'Logos'. A mente humana lgica, e a lgica humana baseada na polaridade. como se voc estivesse na margem de um rio e no pudesse ver a outra margem, e tudo o que voc pensasse sobre margens de rios pertencesse a esta margem apenas mas o rio flui entre duas margens, no flui com apenas uma. A outra pode estar oculta pelo nevoeiro, pode estar to distante que no seja possvel v-la, mas ela existe. E a outra margem no oposta a esta, porque no fundo do rio elas se encontram. So uma s terra e ambas sustentam o rio como duas mos, ou como duas asas. O rio flui entre elas, uma harmonia entre as duas. Mas voc est parado numa das margens; no pode ver a outra e por isso acredita apenas nesta e cria um sistema baseado no conhecimento desta margem. E quando algum fala da outra voc acha que o esto contradizendo, pensa que esto lhe trazendo 207

algo irracional e misterioso. E a outra margem ter de ser oposta porque s a tenso dos opostos pode manter o rio. Mas a oposio no inimiga; a oposio uma amiga ntima o auge do amor. Este o problema a ser resolvido. Se voc puder solucion-lo poder entender Herclito e todos aqueles que se tornaram Acordados, que conheceram a outra margem. Tudo o que eles disserem ser contraditrio porque eles precisam compreender ambas. Eles precisam compreender tanto o vero quanto o inverno, tanto o dia quanto a noite, tanto a vida quanto a morte, tanto o amor quanto o dio, tanto o pico quanto o vale. Quando algum fala sobre o pico sem se referir absolutamente ao vale, suas afirmaes so muito racionais; voc pode entend-las, so fceis, so coerentes. Quando algum fala do vale sem nunca se referir ao pico, tambm racional. Todos os filsofos so racionais; voc pode entend-los com muita facilidade. Para entend-los voc s precisa de um pouco de treino e aprendizado, s isso, de uma disciplina. Mas os msticos so todos difceis de se compreender. Na verdade, quanto mais voc tenta compreend-los, mais eles se tornam misteriosos porque eles falam do pico e do vale ao mesmo tempo. Gostariam de falar sobre o pico e o vale simultaneamente. Diz-se nos Upanishads: "Ele est longe e perto". Que tipo de afirmao essa? Ou Ele est longe, ou est perto. Mas imediatamente o sbio diz: "Ele est longe, e acrescenta: 'Ele est perto' ". Ele o maior e o menor. Ele o tomo e o Todo. Ele est dentro e fora de voc. Herclito disse que Deus vero e inverno. Vero? timo, isso voc pode entender. S inverno? timo, tambm; voc consegue entender. Mas vero e inverno ao mesmo tempo? A voc se confunde. Ento a mente diz: "Essa afirmao contraditria." A lgica humana busca afirmaes no contraditrias e o Logos contraditrio. Usa a contradio assim como um arquiteto 208

ope os tijolos para construir um arco; coloca os tijolos em oposio. A oposio d a tenso e a fora, e sobre esse arco voc pode erguer um grande edifcio. Mas se voc colocar os tijolos sem ser em oposio de um modo lgico, coerente, assim como um pico ou um vale, esta ou aquela margem se no colocar os dois, o edifcio cair; o arco no poder ser construdo. A tenso dos opostos necessria para criar a fora. Por isso existem o homem e a mulher eles so os tijolos opostos da vida. A prpria oposio entre eles cria a situao para que esta vida possa existir; so as duas margens para que o rio possa fluir. Mas no momento em que voc fala do pico e do vale ao mesmo tempo, isso se torna incompreensvel. A lgica humana coerente. O divino Logos contraditrio, e ao mesmo tempo coerente. A lgica humana parcial. Tenta entender uma parte, e com isso evita tudo que a contradiga. Simplesmente quer esquecer tudo o que contraditrio. Mas o Divino tudo. Ele no escolhe, tudo est envolvido... ele vasto. No parcial, total. Esta a diferena entre uma abordagem religiosa e uma abordagem filosfica. Uma abordagem filosfica lgica; por isso que Aristteles diz que o homem um ser racional. E Herclito diz que o homem irracional porque a sua prpria razo o torna irracional. No momento em que voc escolhe a parte, voc falsifica o todo. Nesse momento, essa parte est s na sua mente. Na existncia, essa parte est sempre com o oposto, nunca est s. A lgica humana diz que Deus masculino; e existem alguns crentes que acham que Deus feminino mas o Logos tem de compreender os dois. Por isso os Hindus tm o conceito verdadeiro, ele vem de Logos. Parece contraditrio. Voc deve ter visto imagens de Shiva como meio-homem meio-mulher, metade com um seio, metade feminino, e metade masculino. Essa esttua parece absurda, mas essa a verdade. E todas as suas imagens de Deus como macho ou Deus como fmea so irracionais; no so verdadeiras como 209

Deus pode ser macho? De onde vem ento o feminino? Em quem o feminino chegar? Em que fonte o feminino existe? Voc se refere a Deus como 'Ele'; isso est errado. E existem pessoas que se referem a Deus como 'Ela'; isso tambm est errado. Ele 'ele' e mais 'ela' mas ento a mente no pode entender. A compreenso mental no absolutamente compreensiva. Voc s conseguir entender quando tentar entender a partir da sua prpria totalidade, no apenas da mente, pois dentro de voc esses dois opostos se encontram. Voc tambm um Ardhanarishwar; voc tambm tanto ele quanto ela. No macho nem fmea. Se puder entender a sua prpria totalidade, e se trouxer a sua totalidade para o universo, se voltar para o universo, voc conseguir compreender. Essa a viso mstica. Esse o Logos. Ento, o que fazer? De um modo geral, voc treinado para ser um homem ou uma mulher. Desde o incio ensinamos s crianas que: "Voc um menino comporte-se como um homem"; e para a menina: "Voc uma menina comporte-se como uma menina". Isso cria uma distino cada vez maior, e os plos se separam... Num mundo melhor ensinaremos a toda criana que: "Voc ambos"; a diferena apenas de nfase. "Voc no menino nem menina. Voc ambos" a diferena apenas de nfase. Ento todo o conceito de civilizao ser diferente. No haver inimizade entre o homem e a mulher. No haver problemas sobre quem domina quem. E voc ser capaz de ver a totalidade do seu ser e a totalidade bela. A parte sempre feia. como se voc pegasse uma rvore e cortasse suas razes. Por quanto tempo ela poder viver? Voc pegou o visvel a rvore visvel e as razes so invisveis e cortou as razes. A rvore cresce para cima e as razes para baixo voc fez uma coisa coerente. Disse: "No! Como essas duas dimenses opostas podem existir simultaneamente? A rvore cresce para cima e as razes para baixo, ento so duas coisas separadas corte-as!" Foi isso o que aconteceu. 210

O homem uma rvore visvel; a mulher como as razes. por isso que todos os velhos ensinamentos dizem que a mulher terra e o homem cu. Mas ambos esto juntos: o homem est enraizado na mulher, e a mulher est alcanando cada vez mais e mais alto atravs do homem eles so um s. O cu e o inferno no so dois, so a mesma escada. Herclito diz: "A subida e a descida so a mesma." Ento o inferno e o cu no podem estar separados. Este o Logos: ver toda a escada. Ento Deus e o Demnio no so dois. Mas os telogos no concordaro, diro que voc est criando uma confuso, que assim as pessoas ficaro confusas, no sabero quem quem. Mas as pessoas esto confusas, e esto confusas por causa da falsa lgica da mente humana, que parcial. Na verdade, tudo tudo o que h. Numa exposio local de ces, Mulla Nasrudin distribua os prmios, mas estava muito preocupado com uma coisa. Preocupava-se com o modo das pessoas se vestirem. Disse ento: "Veja! O que est acontecendo neste mundo? Olhe para aquele homem de cabelos curtos, calas compridas e cigarro na mo, com dois cachorrinhos. Agora no sei decidir se um homem ou uma mulher, um rapaz ou uma moa." Uma pessoa ao lado disse: " uma garota; minha filha." Mulla Nasrudin disse: "Sinto muitssimo! Se soubesse que voc era a me dela no teria falado to alto." A mulher disse: "No! No sou a me sou o pai!" Agora est acontecendo um encontro dos sexos. Na maneira de vestir, de viver, est acontecendo um encontro. Isso um bom sinal. O modo de vestir das pessoas est se tornando unissex um bom sinal! No h necessidade de estabelecer essas diferenas. Um todo indistinto a realidade. As diferenas tm sido feitas pela mente e isso tem criado problema porque voc ambos. Mas se voc se fixar apenas no 211

masculino, o que far com sua mulher interior? E a mulher est a. s vezes ela quer se lastimar e chorar, mas voc no pode voc um homem e tem de se comportar como tal. No ouve a natureza; ouve as teorias criadas pelo homem que lhe dizem que voc homem mas a natureza criou glndulas lacrimais em seus olhos. Se a natureza pretendesse que um homem no chorasse nunca, ento no existiriam glndulas lacrimais. Se a natureza quisesse que um homem no tivesse sentimentos, ento no haveria corao. Mas um homem sente tanto quanto uma mulher. Ento ele reprime a sua feminilidade; vai suprimindo-a isso cria um conflito interior. Em vez de usar as polaridades opostas para fluir, em vez de usar as duas polaridades como uma tenso, a qual cria a vivacidade, voc suprime a polaridade, o que o amortece, mata a sua sensibilidade; porque se um homem no for tambm mulher, ele metade, aleijado, metade de seu ser foi reprimido. E esse ser reprimido se vingar. Mais cedo ou mais tarde ele enlouquecer, porque a parte reprimida se voltar contra a parte dominadora. A poltica no se passa apenas exteriormente; os polticos criaram uma poltica dentro de voc. Criaram uma ciso, fizeram-no lutar consigo mesmo. Assim, a mulher est constantemente reprimindo a sua parte masculina. Essa parte irrompe. Vem tona muitas vezes porque ela est a! Em vez de criar uma harmonia entre essas duas notas opostas, voc tem estado guerreando, tem estado lutando, duelando. A situao teria sido bela se voc tivesse criado uma harmonia; ento uma qualidade superior do ser teria surgido dentro de voc. Lembre-se: todo crescimento dialtico. Essa palavra 'dialtica' precisa ser entendida. contrria a 'racional'. A razo um processo linear, vai de um passo a outro passo, mas o plano permanece o mesmo: de A para B, mas o plano permanece o mesmo. por isso que a razo muito entediante. No tem nenhuma qualidade de opostos; por isso entediante. 212

Simplesmente observe: vinte pessoas esto sentadas, todas do sexo masculino, e ento de repente entra uma mulher imediatamente h uma mudana de clima. Essas vinte pessoas estavam sentindo-se um pouco entediadas: todos homens, fatalmente entediados a menos que sejam homossexuais. Se forem pessoas saudveis fatalmente se aborrecero. Entra uma mulher e imediatamente o clima muda. Voc pode ver a mudana no rosto deles: comeam a sorrir, tornam-se mais polidos, no usam palavres, comportam-se s entrar uma mulher e tudo muda. Acontece um fenmeno sutil interiormente: a entrada da mulher torna-se uma profunda entrada para dentro deles mesmos, para dentro de suas mulheres interiores eles se completam. Por um momento no so mais partes. Olhe para vinte mulheres sentadas, falando, falando, e entra um homem imediatamente acontece uma mudana. Quando h um s sexo, a mesma qualidade continua; tornase um processo entediante. Dialtica significa movimento atravs dos opostos. Tese, anttese, sntese: isso dialtica. Uma coisa contra a outra, ento h aqui um desafio, uma tenso, e atravs dessa tenso surge uma terceira realidade; uma sntese. E a sntese sempre melhor; est num plano superior. A razo move-se horizontalmente, a dialtica move-se verticalmente. Se voc no tiver nenhum inimigo, se a sua vida for tal que voc no se oponha a nada, voc estar perdendo todo o sal da vida. Se voc no se opuser a nada, no ter nenhum sabor, ser como uma pedra morta e no como uma flor porque do oposto vem o movimento, a energia, o desafio... e ento voc cresce. Quando um homem encontra uma mulher, um processo dialtico se inicia. por isso que o amor to bonito e uma situao de crescimento to grande. Relacionar-se com o outro estar numa constante situao de desafio. Relacionar-se consigo mesmo apenas entediante no 213

h oposio a menos que voc consiga encontrar o oposto em seu prprio ser interior; ento pode mover-se sozinho. Este o significado: quando um homem se torna uma totalidade interior, no precisa da mulher. Quando a mulher tornase uma totalidade interior, no precisa do homem. Chega um momento em que Buda move-se s, Mahavir move-se s no precisam de nada. No que a mulher seja m, mas agora eles encontraram suas partes femininas interiores, a dialtica entrou em seus prprios seres no h necessidade de cri-las fora. Interiormente, existe agora uma constante tese, anttese e sntese. Agora eles crescem sozinhos mas tambm usam a mesma dialtica. Toda a vida dialtica, o Logos dialtico e a razo um processo do que igual. Voc pode pensar sobre isso nos seguintes termos: a dialtica heterossexual; a razo, o raciocnio, homossexual. O racionalismo homossexual. por isso que no Ocidente a homossexualidade est crescendo, pois o Ocidente aceitou Aristteles: a razo. Herclito heterossexual. Se ouvir a razo, toda a qualidade que vem dos opostos, toda a tenso, se perder. E quando ela se perde, a vida se torna entediante. Quando ela se perde, a vida perde o zest, o entusiasmo, a esperana, a possibilidade, tudo se perde porque todas as possibilidades so abertas pelos opostos. Quando pela primeira vez voc se apaixona, encontra o oposto. Imediatamente, como se voc tivesse criado asas, voc pode voar; a poesia brota em seu corao. O que est acontecendo? O oposto criou alguma coisa em voc. S o silncio no to belo, s o som no to belo, mas o encontro do som com o silncio muito, muito belo msica. O encontro do som com o silncio msica. Observe quando algum toca uma ctara, um piano, ou qualquer outro instrumento. O que acontece? O que a pessoa est fazendo? Est num processo dialtico. Ela cria os sons, e entre dois 214

sons cria um vale, um silncio. Quanto mais alto o pico, mais profundo ser o vale. Ela cria o som, cria o pico, move-se cada vez mais para o alto, alcana um clmax, e ento, de repente o intervalo, o silncio. Se voc ouve apenas o som e perde o silncio entre dois sons, voc no tem um ouvido musical. Quando ouve ambos, o som e o silncio, o pico e o vale, os dois juntos, ento encontra um novo fenmeno: cada pico cria um vale, cada vale cria um pico, ambos se movem como yin e yang movem-se num crculo ento h msica, a harmonia oculta existe. O Logos dialtico, heterossexual. Deus criou o mundo porque o outro necessrio Deus sozinho no pode existir, o mundo sozinho no pode existir. Se voc ouvir apenas o mundo, no chegar a conhecer a msica interior da Existncia. Se ficar cansado do mundo e o abandonar, ouvindo s a Deus ento de novo perder a harmonia. Quando voc ouve o mundo e ouve Deus ao mesmo tempo, quando o mundo se torna o plo oposto, quando o mundo se torna uma margem e Deus a outra, o rio flui flui tremendamente, flui lindamente, e voc ouve a harmonia. Aquele que ouve a harmonia entre este mundo e Deus um saniasin. Aquele que deixa o mundo est se movendo para o outro extremo. lgico, racional, mas no dialtico. por isso que nas lojas, nos mercados, quando voc olha para as pessoas so simplesmente inspidas... apenas deste mundo. De alguma forma elas vo trabalhando, vo sendo puxadas, arrastadas, porque existem mas e da? Esto fazendo alguma coisa. Mas no se ouve a msica nelas: o oposto no est presente, no h prece, no h orao, no h meditao, no h silncio. por isso que nos mercados h apenas runas, um caos. Depois v aos Himalaias e aos mosteiros onde tambm h pessoas; os mesmos comerciantes que deixaram o mundo esto l sentados. Neles tambm voc descobrir que no h vida; eles tambm so inspidos, a sujeira se acumulou sobre eles, esto mortos. Voc 215

encontrar pessoas mortas nos mercados assim como nos mosteiros. So as mesmas pessoas, apenas se moveram para o outro extremo. A harmonia se perdeu nos mercados e nos mosteiros. Um homem harmonioso complexo, sua simplicidade muito, muito complexa porque a oposio est envolvida na sua simplicidade. Ele tem uma profunda compaixo, mas pode ser raiva tambm. Est completamente destacado, mas tambm pode amar; ele ama e permanece destacado. Nele, o vale e o pico se encontram. Nele, o som e o silncio se encontram. E se voc tem um ouvido musical e um corao, ver harmonia nessa pessoa. Uma pessoa assim rara, pois ela prpria se transformou no Logos. Assim Krishna, Lao-Ts, Buda, Herclito, Jesus: eles vivem no Logos, so Logos em miniatura. O trabalho de seus seres o mesmo da existncia; em seus seres espelha-se a mesma existncia. No rejeitam nada, usam todas as coisas. Um homem que tudo rejeita no sabe o que est fazendo. Se um homem rejeitar o som, rejeitar tambm o silncio, pois ambos coexistem. Voc j ouviu algum silncio sem som? Pois o silncio tem seu prprio som. Se a noite est completamente silenciosa, sem trfego, ningum andando, todos dormindo, observe, oua, e descobrir que a noite tem seu prprio som muito sutil, mas um som que lhe prprio. E quando se entra profundamente dentro de si, na noite interior, onde todos os sons do dia cessaram, a tambm um som ouvido. Os hindus o chamaram de Aumkar, o som Supremo, Aum. Ele ouvido. Est presente. Quando o supremo silncio desce sobre voc, desce tambm o supremo som imediatamente! Esto juntos, no podem se separar. So dois lados da mesma moeda silncio e som. Sim, Deus silncio e tambm som. Esse o Logos. Tente agora seguir este sutra. muito significativo.

Embora este Logos seja eternamente vlido, ainda assim os homens so incapazes de compreend-lo
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 no s antes de ouvi-lo, mas mesmo depois de t-lo ouvido.

Porque no se trata de ouvir ou no ouvir. Trata-se de crescimento interior. Posso lhe falar sobre o Logos, posso tentar explic-lo e voc talvez at tenha um vislumbre intelectual do que ele mas isso no lhe dar compreenso. o mesmo que falar sobre sexo para uma criana pequena. Voc pode falar, pode trazer todos os seus Freuds e Reichs para falar, e mesmo que a criana oua, como pode entender? Se ela for muito inteligente, entender intelectualmente, mas para entender o sexo necessrio que haja um crescimento biolgico, uma certa maturidade das glndulas e hormnios. Para compreender o sexo a criana precisa chegar ao ponto em que ela deseja o sexo: s ento poder entender, seno, no. Eu estava passando por uma rua e dois menininhos estavam andando na minha frente. Um devia ter sete e o outro oito anos. O mais novo dizia ao outro: "Estou indo para a escola com uma menina. J carreguei a mala dela e seus livros umas oito vezes, e umas trs vezes comprei sorvete para ela. O que voc acha? devo beij-la agora ou no?" e outro ponderou e respondeu: "Pelo que vejo, voc j fez bastante por ela. No precisa fazer mais nada." Para uma criana, exatamente assim! No se pode falar sobre sexo a uma criana. Primeiro, o desejo sexual tem de surgir; primeiro, ela tem de se tornar sexual. Esse o problema tambm em relao religio. No se pode falar a ningum a menos que o desejo surja. A religio como o sexo. O sexo o desejo de encontrar o oposto a nvel de corpo, e a religio o desejo de encontrar o oposto a nvel de ser. um desejo. uma sede. Quando ela surge, s ento se pode falar a respeito. Voc pode levantar questes intelectuais; isso nada significa. Pode perguntar se Deus 217

existe ou no; esse no o ponto. Voc sente sede? Surgiu o desejo de encontrar o oposto a nvel de ser no a nvel de corpo ou de mente, mas ao nvel do ser, na sua totalidade? Voc est pronto para esse salto? Ento a compreenso possvel. E por isso que Herclito diz:

Embora este Logos seja eternamente vlido...

O Logos est presente em todos os lugares nas rvores, nas pedras, no cu, em todo lugar! em voc, sua volta, o Logos est presente, pois toda a vida est trabalhando atravs dos opostos. dialtico, e se enriquece atravs dos opostos. Move-se atravs da anttese, eleva-se at a sntese, e de novo a sntese torna-se tese. Novamente a anttese criada, e de novo uma sntese mais alta. A vida vai se movendo dessa maneira. dessa maneira em todo lugar. E isso vlido porque no um argumento assim que a existncia . Lembre-se disso: Herclito no est argumentando; est simplesmente fazendo uma afirmao. Eu tambm no estou argumentando, estou simplesmente afirmando um fato. como as coisas so! por isso que ele diz: "Eu mesmo os procurei..." e ele encontrou esta dialtica, um processo dialtico da existncia. Esta uma profunda percepo. vlida! No h o que argumentar a respeito. como a existncia .

... ainda assim os homens so incapazes de compreend-lo no s antes de ouvi-lo, mas mesmo depois de t-lo ouvido.
Porque ouvir no adiantar nada. A menos que voc mude, a menos que se torne aberto interiormente, a menos que voc no s tente seguir intelectualmente, entender intelectualmente, mas sentir, existir 218

atravs disso, ingeri-lo como alimento e digeri-lo para que flua em seus ossos, torne-se parte da sua existncia, s ento... Isso no so teorias. E voc precisa de um crescimento interior antes de poder entend-las.

Deveramos nos permitir ser guiados por aquilo que comum a todos.
O que fazer ento? Se voc no pode entender antes de ouvilo, e no pode entender depois de ter ouvido, o que fazer ento? Ele d uma sugesto muito bonita e que pode tornar-se realmente uma ajuda para voc. Ele diz:

Deveramos nos permitir ser guiados por aquilo que comum a todos. Embora o Logos seja comum a todos, a maioria dos homens vive como se cada um tivesse uma inteligncia privada.
O Logos comum a todos, o terreno comum, o Logos o continente comum. E vocs se imaginam ilhas, separados de todo o mundo, e seguem as suas prprias inteligncias. Essa a nica estupidez possvel: a inteligncia privada uma estupidez, a maior de todas. A existncia total, a inteligncia tambm , do todo, portanto voc devia olhar para o que comum. isso o que os Mestres Zen dizem: "Sejam normais! Sejam comuns! No tentem ser extraordinrios." Quanto mais comum voc se torna, quanto mais normal voc se torna, mais capaz voc de compreender o Logos. No tente ser muito extraordinrio, excepcional, pois quanto mais voc tentar, mais ser como uma ilha, fechado, enterrado em si mesmo. Estar 219

perdendo ento o que o prende existncia. Estar cortando as suas razes, estar se desenraizando. Isso aconteceu no Ocidente: uma sensao de desenraizamento. Ningum sabe onde esto as razes. E quando voc se sente desenraizado, voc se torna egosta, existe como uma entidade auto-suficiente e isso no possvel! A existncia est inter-relacionada, ns nos movemos um para dentro do outro. Quando estou falando com voc, o que estou fazendo? Estou me movendo em voc de um modo contnuo. Quando voc est me ouvindo, est aceitando, est me dando uma porta. Voc respira e a existncia entra em voc; voc abre os olhos e o sol entra em voc a todo momento, vinte e quatro horas, voc um cruzamento: milhares de pontos se encontram, milhares de linhas se encontram em voc. Voc no est separado! Pense nisso: voc pode existir separadamente? Voc pode viver totalmente isolado? Voc morrer dentro de segundos. Voc um ser poroso; a existncia vem e move-se atravs de voc. Voc como uma sala: o ar vem, o sol vem vai, o tempo todo; por isso que a sala permanece limpa e fresca. Se voc se fechar, morrer. Quanto mais aberto estiver, mais a existncia fluir atravs de voc. E quanto mais a existncia fluir, mais voc ser capaz de entender o que o Logos. Voc no . O todo . Voc uma entidade falsa. Da a insistncia de todos os lados na rendio. No lute com a existncia, porque voc no sabe o que est fazendo, com quem est lutando. Como voc pode lutar com a existncia? como se uma onda estivesse lutando com o oceano, uma folha estivesse lutando com a rvore tolice! E no tente ir contra a corrente: isso simplesmente o deixar exausto. Voc se cansar e se sentir frustrado porque no ser bem sucedido. Contra a existncia no h sucesso possvel. por isso que voc e todo o mundo so um fracasso to grande. Pergunte s pessoas que voc considera bem sucedidas; todas so um fracasso. No fundo, elas perderam. Os seus Napolees, os seus Hitlers, os 220

seus Rothschilds, pergunte a eles so fracassos, eles falharam. O que conseguiram? Eles lutaram, tentaram se mover contra a corrente, quiseram se tornar extraordinrios de uma maneira ou de outra e simplesmente destruram a si prprios. Tentar ser extraordinrio suicdio; um suicdio gradual, um envenenamento lento de todo o sistema. Renda-se existncia, flua com ela, onde quer que ela v quer queira quer no, v aonde ela for. A expresso 'quer queira, quer no' tima. 'Quer queira' significa: quer esteja de acordo com sua vontade; 'quer no' significa: quer no esteja de acordo. 'Quer queira' significa a favor da vontade e 'quer no' significa contra a vontade. Quer queira, quer no, voc se entrega para onde a existncia for, voc flui com ela. Nadando... na verdade, nem mesmo o nadar necessrio. Por que ter um objetivo pessoal? Por que no se mover com o destino do todo? Por que voc se preocupa tanto em conseguir algo por si prprio? E como conseguir? Voc no pode simplesmente impossvel. Somente o todo tem um destino, voc no. S o todo est indo a algum lugar, voc no. Se voc se render ao todo, conseguir tudo porque voc se transformar no todo, e o destino do todo se tornar o seu destino, o objetivo do todo o seu objetivo. O objetivo no est em nenhum outro lugar o todo feliz aqui e agora, cheio de graa aqui e agora. S voc est preocupado. Somente voc est preocupado porque no est fluindo com o rio. Est tentando partir pequenas margens para voc mesmo. E quem voc? E como voc acha que isso possvel? Voc simplesmente fracassar. O homem sempre fracassa somente Deus triunfa. Oua:

Deveramos nos permitir ser guiados por aquilo que comum a todos.
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Olhe para a comunidade das coisas e descubra o comum: quanto mais comum, mais verdadeiro; quanto mais excepcional, mais falso. Seja ordinrio e voc estar mais perto do cho, mais perto da verdade. Se conseguir ser absolutamente comum, o que mais ser necessrio? pois cada momento torna-se uma graa to grande... Qual o problema de ser absolutamente comum? Voc come e comer um sacramento. Voc dorme e dormir um sacramento. Caminha sob o sol o que mais necessrio? Voc respira o que mais precisa para ser feliz? Voc ama o que mais quer? Todas as coisas j foram dadas; voc est s tentando ser excepcional. Siga a regra geral, o comum, e no tente ser uma exceo, seno estar na misria. O inferno para todas as pessoas extraordinrias. Elas podem estar na poltica, na arte, na literatura, onde quer que estejam, o inferno para todos os gnios, para todas as pessoas extraordinrias, para todos os egostas. O ego o inferno, ele causa sofrimento porque voc comea a criar conflitos desnecessrios em todas as coisas. Nunca est vontade; o desconforto torna-se o seu estilo de vida com o ego, voc est sempre desconfortvel. O ego um desconforto; um prego no sapato; espetando o tempo todo, mas voc quer ser extraordinrio. Ento... Eu estava sentado com Mulla Nasrudin quando sua esposa passou e saiu pela porta. Ele disse: "Olhe, l vai uma grande mulher!" Eu perguntei: "O que voc quer dizer com 'grande'?" Ele disse: Ela est tentando usar um sapato nmero trinta e quatro num p trinta e seis l vai uma mulher extraordinria!" Ela estava sofrendo, mas tentando ser excepcional. Na China isso aconteceu com milhares de mulheres. S para que os ps diminussem, para que parecessem extraordinrios, usavam sapatos de ferro. As mulheres chinesas sofreram durante muito tempo, durante toda a vida, porque eram quase aleijadas. 222

Mas os ps grandes pertenciam aos trabalhadores, aos pobres, no aos ricos. Parece que a vida pertence aos pobres e no aos ricos. Assim, quanto mais alto era o status da mulher, a rainha... as rainhas da China, durante milhares de anos, nem mesmo conseguiam andar, to pequenos eram seus ps. Era impossvel porque os ps existem na proporo certa do corpo. Voc no pode ter ps pequenos porque a natureza sabe mais do que voc. Mas elas tentavam, tentavam melhorar a natureza, aperfeioar a natureza. Sofreram muito. E essa toda a misria do homem, que pode ser reduzida a uma nica lei: se voc tentar o excepcional, sofrer. Nada o satisfar; voc estar sempre descontente. Mulla Nasrudin foi internado num hospital. Estava doente. E criou um inferno sua volta porque no h pessoa que reclame mais do que Nasrudin; reclama o tempo todo. Todo o hospital se viu em apuros as enfermeiras, os mdicos. Para se verem livres, cuidaram dele o melhor possvel para que se recuperasse e fosse embora. Mas quando j estava bom e chegou o dia de receber alta, ele ainda reclamava. O doutor ouviu o barulho e perguntou enfermeira: "Do que ele est reclamando agora? No h do que reclamar. Ele vai embora hoje!" A enfermeira disse: "Agora ele est dizendo: 'Como posso estar curado antes de terminar os remdios? Como posso estar bom antes que todos os remdios tenham acabado? Deve haver alguma coisa errada' ". Esse tipo de mente automaticamente chega ao egosmo. Quer encontrar alguma coisa errada. E quando voc est procura, sempre encontra encontra mais do que quer. Este o problema do mundo: voc encontra tudo o que quer encontrar. Se voc estiver tentando encontrar coisas erradas... e o ego est sempre tentando encontrar coisas erradas porque precisa de um constante 223

desconforto, ele existe no desconforto. Quando tudo est bem, o ego desaparece. Chuang-Tzu diz: "Quando os sapatos servem, o corpo esquecido, os ps so esquecidos." E quando tudo esquecido, como voc pode se prender ao ego? O ego precisa de sapatos que machuquem o tempo todo para que voc se lembre de quem . por isso que um egosta no pode amar, no pode meditar, no pode orar, porque se ele orar realmente, ento tudo se encaixa e o ego desaparece. Ego significa conscincia do eu. Quando alguma coisa est errada, s ento h conscincia do eu. Quando tudo est certo, no h conscincia do eu. Olhe para o comum, observe o comum no tente ser excepcional. Mas ns queremos ser excepcionais. As pessoas me procuram. Se eu digo a elas: "Sentem-se em silncio, no se preocupem muito com meditao e prece, e aos poucos vocs crescero", elas dizem: "Mas ficar simplesmente sentado?..." Elas querem algo excepcional. Se eu disser: "fiquem de cabea para baixo", ento tudo bem. por isso que h tantos professores espalhados pelo mundo que o ensinam a ficar de pontacabea uma coisa difcil, desconfortvel, mas atraente. As pessoas tentam posturas difceis em nome da yoga. Simplesmente ridculo! Quanto mais ridculo, melhor; quanto mais difcil... se voc no pode faz-las, o seu ego aceita o desafio. E as faz! Faz posturas absurdas, e acha que est fazendo grande coisa. A vida simplesmente grandiosa. No h necessidade de melhor-la. Se a natureza quisesse que voc se sentasse ou se apoiasse na cabea, ela o teria criado desse modo. Oua a natureza e siga-a, sem criar conflitos com ela; siga-a e logo alcanar um profundo silncio que vem quando algum se torna comum. H poucos dias um problema constante na ndia um jovem me perguntou: "Devo ou no me casar?" E eu lhe disse: "Seja comum. Por que no casar?" 224

Mas ele no estava querendo no casar algo excepcional. Casar comum, ter filhos to comum, tornar-se um pai de famlia to comum... Ele disse: "Mas todos os grandes homens so solteiros." Eu lhe disse: "Se voc quer ser grande, v para outro lugar. Para mim, isso ruim. S me procure se voc quiser ser comum." Seja qual for a sua natureza, sejam quais forem os seus sentimentos... Pedi ento a ele: "Olhe para dentro de si. Feche os olhos e diga-me o que voc gostaria." Ele disse: " claro que eu gostaria de me casar, mas parece to comum: desperdiar toda uma vida com coisas comuns." Mas toda a vida consiste de coisas comuns. E a grandeza no est nas coisas a grandeza est na qualidade que voc d vida, s coisas comuns. Veja Jesus ceiando com seus amigos; parece mais comum que um Buda sentado ao p da Arvore 'Bodhi'. Mas o gesto de ser comum to belo; beber, comer com os amigos, to belo, ningum pode ser belo mais do que quando est sentado sob uma rvore 'Bodhi'. Jesus tem a qualidade de ser simplesmente comum. Buda continuou um rei mesmo sob a rvore. Nasceu excepcional, extraordinrio; viveu como um prncipe, foi educado como um prncipe; essa era a sua estrutura mesmo sob uma rvore ele no um mendigo. Quando voc se aproxima dele, pode sentir. Se voc encontrar um Jesus pela rua poder deix-lo passar mas no poder deixar passar um Buda. Mas eu lhe digo: Jesus est mais perto do Logos. Com Buda aconteceu assim porque ele foi educado desse modo; todo o seu passado foi assim. Mas quantas pessoas podem nascer como prncipes, e quantas podem ser educadas como tal? Jesus mais humano, mas em toda a sua humanidade ele divino, porque essa simplicidade consiste em seguir o comum. Os jainistas e os budistas vm a mim e dizem: "Mas isso Jesus! ele tambm bebe, come, como as pessoas comuns; convive com as pessoas comuns. Como se pode dizer que ele da mesma 225

envergadura de um Buda ou de um Mahavir?" Mas eu digo a eles que Jesus exatamente como se deve ser. Mahavir ou Buda podem ser excepcionais, mas nem todos podem ser excepcionais, e no h necessidade disso. Pode ser natural para eles, portanto timo que sigam as suas naturezas. Mas milhares de pessoas, milhares e milhes, no podem sentar-se sob uma rvore sem fazer nada. Precisam mover-se no mundo, trabalhar e fazer coisas. E se no houver meios de alcanar o Logos de uma maneira comum, ento isso continuar sendo apenas para alguns poucos escolhidos. Isso no parece justo; toda a existncia ento parece favorecer somente a alguns. Mas lembre-se: se a Existncia s favorece alguns, se parcial, ento para que nascer? No, a natureza nunca favorece ningum para todos, para todos os que esto prontos a participar. Essa graa para todos, se voc estiver pronto para participar. Jesus um filho de carpinteiro, um homem pobre. E para milhares de pessoas tambm assim. Uns so filhos de carpinteiros, outros de relojoeiros, outros de sapateiros assim a vida! Ns temos vivido muito de acordo com as pessoas excepcionais, e por causa disso tanta misria tem sido criada desnecessariamente. Viva de uma maneira comum, encontre o que comum e no tente o incomum, seno o prprio esforo cortar as suas razes do Logos.

O Logos comum a todos; e mesmo assim, os homens vivem como se cada um tivesse uma inteligncia privada.
E se voc viver de acordo com o que comum, se seguir o comum sem tentar tornar-se um indivduo, voc estar mais prximo do Logos e ser capaz de entend-lo. Este o paradoxo: aqueles que tentam ser indivduos excepcionais perdem, perdem toda a individualidade e perdem 226

tudo o que extraordinrio; aqueles que permanecem com o que comum, que so comuns, que no tm nada a reivindicar, aqueles que nunca se esforam para serem individuais, conseguem a maior individualidade que a existncia pode lhe oferecer. Aqueles que permanecem comuns so os mais extraordinrios. Mas o extraordinrio vem como um presente; no nada que voc faa, e nada pelo qual voc esteja lutando.

A natureza humana no tem nenhuma compreenso real; s a natureza divina a tem.

Sim, assim que deve ser. Ns viemos do todo, e voltaremos ao todo. Chegamos desconhecidos e desconhecidos iremos. No sabemos de onde viemos, e no sabemos para onde iremos. Todo o processo misterioso. Como voc pode ter uma inteligncia privada? Isso um pouco difcil; tem de ser entendido muito profundamente. um dos pontos mais importantes que Herclito nos transmitiu. A conscincia tambm comum. Assim como os peixes existem no oceano, no oceano comum, ns existimos numa conscincia comum. A sua conscincia e a minha no so duas, mas apenas dois centros da mesma conscincia. Tudo o que est sua volta conscincia. Somos todos forma, mas dentro da forma flui do mesmo modo o uno. por isso que s vezes voc tambm sente um terreno comum. Algum est triste. No lhe diz nem uma palavra. Est sentado ao seu lado de repente voc sente que do outro espalhase uma tristeza. Algum est feliz, apenas feliz, sem lhe dizer nada mas de repente voc sente que uma felicidade est entrando em voc. Se voc introduzir uma pessoa triste no meio de vinte pessoas alegres, em poucos minutos ela sentir uma mudana; o seu clima comear a mudar. Com pessoas tristes, voc entristece. Fica de cara 227

feia no meio de caras feias. Com pessoas felizes, voc fica feliz. por isso que voc se torna criana quando brinca com elas. Brincando com crianas, de repente voc se esquece do mundo e de todas as preocupaes torna-se como uma delas. muito refrescante. Como isso acontece? Acontece porque a conscincia um fenmeno comum. Quando voc brinca com uma criana tem de se tornar uma criana porque voc e a criana se encontram no terreno comum. Por causa disso, no Oriente, insiste-se em que estar simplesmente perto do Mestre, estar simplesmente perto de um Acordado, algo muito valioso simplesmente estar perto, na presena. No Ocidente no se entende isso: "O que quer dizer 'na presena'?" No Oriente dizem: "Vamos para um darshan." Darshan significa ver simplesmente o Mestre: sem nada perguntar, apenas esta na sim presena. Usam uma certa palavra para esse estar em presena chamam-no de satsang, estar perto da verdade. Se voc se senta em silncio com um Mestre, mais cedo ou mais tarde um se dissolve no outro. A conscincia se encontra. O Mestre entra em voc, voc entra no Mestre. Sem fazer nada, simplesmente estando perto do Mestre, um dia voc pode alcanar sem fazer nenhum esforo. Isso tambm possvel, mas ento preciso estar muito, muito aberto. Simplesmente sentado, em silncio, sem fazer nada, sem criar nenhuma barreira, relaxando, voc pode alcanar. Muitos alcanaram porque a conscincia o oceano e ns somos os peixes dentro dela. E tudo afeta todo o mundo. Tudo o que acontece nesta existncia afeta a todos. No apenas agora tudo o que aconteceu no passado est nos afetando. E no apenas isso tudo o que vai acontecer no futuro tambm est afetando, porque toda a existncia culmina neste momento; passado, presente e futuro convergem e culminam. No existe a possibilidade de uma inteligncia privada. E essas pessoas que consideramos geniais e talentosas tambm sentem isso. Pergunte a Einstein ou a Madame Curie; eles tambm sentem 228

isso. Einstein diz que tudo o que ele descobriu, descobriu nos momentos em que no estava em si quando subitamente foi possudo por alguma coisa a conscincia total. Pergunte aos poetas: dizem que sempre que algo acontece, eles no esto em si. Tornam-se veculos a conscincia comum se apossa deles. Madame Curie ganhou o prmio Nobel. O prmio Nobel deveria ser dado ao terreno comum. Ela fez o que pde para encontrar uma soluo para um problema matemtico, e no encontrava o caminho. Durante dois anos lutou e lutou, ento uma noite, cansada, sentiu sono. E no sono algo aconteceu porque no sono voc est mais aberto; no sono, voc no egosta; no sono, voc ningum; no sono, voc no se prende a uma identidade. por isso que de manh voc se sente fresco, mais jovem, rejuvenescido, pois esteve no terreno comum. Moveu-se para dentro da conscincia, do oceano. No esteve preso inteligncia privada. Por alguns segundos, abandonou-se ao Todo e o Todo o reviveu, o refrescou. Algo aconteceu durante a noite. Madame Curie levantou-se, foi sua mesa, e escreveu a soluo que h anos buscava. Depois dormiu e de manh se esqueceu completamente do que havia acontecido noite. Tomou seu banho, seu caf da manh e depois foi para a mesa... ficou simplesmente espantada l estava a soluo! "Mas quem fez isso?" No havia mais ningum s ela estava na sala; havia apenas um criado, mas ele no podia ter feito aquilo. Ela trabalhara tanto "O que est acontecendo?" Ento olhou minuciosamente era sua prpria caligrafia! Um pouco diferente, pois havia acontecido durante a noite, durante o sono. Ento, ela fechou os olhos e tentou se lembrar do que havia acontecido. Viu tudo como num sonho: viu que se levantou, que fez alguma coisa, que escreveu... A conscincia comum e desnecessariamente voc a proclama como sua. Nunca foi sua. Est sempre flutuando. Est em toda a sua volta. Torne-se mais poroso, mais permissivo, deixe-se levar profundamente porque somente o todo pode entender o 229

todo. Como pode a parte compreender o todo? Como pode um tomo compreender o todo? Mas o todo pode fluir atravs da parte, se a parte permitir... isto meditao; permitir que o todo flua; voc desaparece completamente de cena... e ento subitamente voc se torna o todo.

A natureza humana no tem nenhuma compreenso real; s a natureza divina a tem. O homem no racional; s o que o cerca inteligente.
No voc, mas o oceano que o circunda, que o rodeia, que o envolve no voc; o que est dentro e fora de voc, mas no voc, porque "voc" s uma fraude.

O homem no racional; s o que o cerca inteligente. O que divino foge percepo dos homens por causa da incredulidade deles.
Por voc duvidar, por no poder acreditar, por no poder confiar que o divino escapa percepo dos homens por causa da incredulidade. Existe somente uma barreira, que a dvida. E s existe uma porta que a confiana. Se voc confia, tudo se assenta em seus devidos lugares. Se voc desconfia da natureza, tudo perturbado. Mas por que to difcil ser natural? Somente uma dificuldade: se voc for natural, no poder ser algum no existe outra dificuldade. O sexo surge e voc deixa que acontea; o brahmacharya, o celibato, torna-se uma luta contra a natureza. 230

Quando voc no sente fome, voc se fora a comer; isso tambm vai contra a natureza. Quando no sente vontade de fazer amor e continua fazendo porque a esposa precisa, porque a sociedade... uma coisa e outra voc vai contra a natureza. Natureza significa seguir o ser interior, seja o que for que ele sinta, sem nenhuma imposio do seu ego. Isso destruir e massacrar o seu ego. Viva como um animal com uma nica diferena: alerta. S isso. Viva como um animal com uma nica diferena: consciente. No lute contra a natureza; seja apenas uma testemunha, permita-a. E onde for que ela o leve, timo. Todos os objetivos projetados por sua mente so falsos. E seja o que for que voc faa, no ser bem sucedido. No final, a natureza vence, porque no final, somente o Todo pode ser bem sucedido. Por que ento lutar desnecessariamente desde o princpio? Mas vejo pessoas lutando de milhares de jeitos mudam de extremos, mas lutam. No Oriente no passado, tambm no Ocidente as pessoas lutavam contra o sexo. Diziam que algo estava errado, que h algo errado no sexo porque no sexo voc se torna natural como um animal e todos os pregadores tm dito que voc no deve ser como um animal. O que h de errado em ser animal? Olhe para os pssaros, olhe para os animais, v s florestas e veja! No v aos zoolgicos, porque l no h animais reais; eles esto corrompidos pelos seres humanos. Procure o selvagem. O que h de errado com ele? Parece to belo, no h nada de errado em torno dele, mas todos os moralistas, todas as pessoas chamadas religiosas tm ensinado: "No seja um animal!" E o seu ego sente que esse um objetivo. Como se pode ser um animal? E o sexo o traz totalmente animalidade. No sexo voc se sente to animal. No se sente dessa maneira com nada mais porque tudo o mais foi mudado, polido. Voc pintou, educou, cultivou tudo! Voc come, mas fez um tal ritual em torno disso que no parece que isso esteja de modo algum relacionado com a fome nada se relaciona com a fome! O que 231

voc come no nutritivo; uma demonstrao, uma fachada. Tudo falso, so flores de plstico por toda a volta. Mas quando voc entra no amor, faz amor com uma mulher ou um homem, torna-se absolutamente animal. Voc tentou esconder isso tambm. por isso que o homem faz amor noite. S o homem faz amor noite; todos os outros animais fazem amor durante o dia. E se voc fizer durante o dia ser mais profundo, porque com o sol na atmosfera voc mais vital. A noite para o repouso, mas o homem faz amor noite porque os animais o fazem de dia, e tem de haver uma diferena. Que esforo egosta esse? E ento, no escuro, nem mesmo com a luz acesa, de modo a no encarar a realidade de que voc est se comportando como um animal. No faz nenhum som enquanto faz amor. Na verdade, voc faz amor como algo que precisa ser feito e acabado o mais rpido possvel; em poucos segundos acaba. Voc aprendeu a ser contra isso e o seu ego se sente bem. Agora, no Ocidente, a roda deu um crculo completo. Desde Freud e Wilhelm Reich que se vem ensinando cada vez mais sexo. E agora est acontecendo algo novo no Ocidente: se voc no faz amor um dia, sente-se culpado. Parece que voc tem de se sentir culpado, faa voc o que fizer. Antes, voc fazia amor e se sentia culpado: "Por que fazer amor?" Por que essa animalidade? Quando voc transcender isso? Quando chegar o dia em que voc no ir necessitar mais disso? Agora, no Ocidente, se num dia no est sentindo vontade de fazer amor, se est cansado, sente-se culpado, acha que est fazendo alguma coisa errada voc tem de fazer amor. Voc tem de fazer alguma coisa, no pode permitir que a natureza siga o seu prprio destino. Para mim, as duas coisas so iguais, no h diferena. No passado, no era permitido s mulheres sentir orgasmo, por que como uma mulher, to pura, pode ter orgasmo? Uma mulher uma deusa; deve se comportar como tal. Portanto, no 232

passado, as mulheres apenas toleravam o sexo, deitavam-se como cadveres, como corpos mortos. Mesmo que voc faa amor com um cadver, o cadver se mover um pouco, mas as mulheres no! so deusas! De natureza to pura, to inocentes, no sabem o que est acontecendo; o homem que as est levando a isso. Elas ento apenas se deitavam de olhos fechados pois se elas ficassem de olhos abertos, estariam sendo curiosas, estariam se interessando de olhos fechados. Agora, no Ocidente, criou-se o oposto. Se uma mulher no atinge o orgasmo, ento um problema, algo est errado. Agora, pecado no atingir orgasmo. Antes, o pecado era ter orgasmo. Assim, no Oriente, e no passado tambm no Ocidente, as mulheres esqueceram-se completamente de que podiam alcanar o orgasmo. Esqueceram-se completamente de que um belo xtase possvel atravs do sexo, porque se voc no se move... se a natureza permitida, os amantes sero completamente selvagens ao fazer amor: gritaro, faro rudos, enlouquecero e isso to animalesco. Eles ficaro num xtase to grande. E se voc puder se extasiar no amor, logo esse xtase abrir uma porta para um xtase mais alto. Voc transcender e s ento acontecer o real brahmacharya e ele no nada que voc possa forar a si mesmo; acontece atravs da prpria natureza. Quando se segue a natureza, alcana-se. No h necessidade de se fazer nenhum arranjo para que o objetivo supremo acontea a natureza j fez tudo. Voc uma semente, e quando voc permite a natureza, todo o programa j existe. como uma semente: ns a semeamos no solo e a semente j tem todo o programa toda a arquitetura da planta, cada uma das folhas do que acontecer no futuro, cada flor; a semente tem o programa inteiro basta que a natureza seja permitida. Voc tem de regar, tem de tomar conta, tem de contar com um bom solo, bons fertilizantes e acabou! No precisa fazer mais nada. No precisa ensinar semente: "Comportese assim ou assado. E no faa isso seno jamais ser uma planta." 233

Se voc ensinar s sementes, as plantas no existiro no mundo porque as sementes ficaro totalmente loucas sem saber o que fazer. A semente depende da conscincia universal, no da inteligncia privada. O homem est programado para ser um deus, nada menos que isso, s para ser um deus. O homem a semente de Deus porque a conscincia humana s um comeo. Tem de crescer e crescer e crescer, e chegar a um ponto onde ela se torne universal. Para isso, nada necessrio da sua parte nenhuma disciplina, nenhum credo, nenhum dogma, nenhuma religio, na verdade. A natureza suficiente! Voc tem simplesmente de permiti-la. Tem de ser receptivo a ela e agir com confiana, pois s na confiana voc pode se mover. Se a semente perguntar: "Quem garante que se eu sair da minha casca, que me cobre e me protege, me tornarei uma planta? Qual a garantia? Se no houver garantia, no sairei", o que acontecer? Se o pssaro no ovo disser: "Como posso sair? Quem pode me garantir que o mundo ser melhor do que este em que j estou?", o que acontecer ento? A casca uma segurana, ela protege. No ovo, o pssaro est belamente protegido mas isso no vida. como a morte completamente protegido, claro, mas protegido num tmulo. E quem pode oferecer essa garantia? No h ningum que garanta. Voc precisa confiar. A semente confia e se dissolve na terra, brota numa bela rvore, em flores, curte a existncia, extasia-se. O pssaro sai do ovo, deixa o conhecido pelo desconhecido, cria asas e voa pelo vasto cu. Ningum sabe o que vai acontecer. Sem nenhum objetivo em vista, sem nenhum propsito, sem planos, apenas cria asas, extasia-se nos ventos, voa, vai aos mais longnquos cantos do cu move-se no desconhecido.

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 o que vai acontecer tambm a voc. Voc uma semente, um ovo, uma possibilidade. E Herclito atinge exatamente o ponto, chega ao ponto exato onde voc se perde:

O que divino foge percepo dos homens por causa da incredulidade deles.
Por duvidar, voc perde. Confie e poder alcanar. Nada mais necessrio s confiar, para que a natureza possa se revelar.

Apesar de intimamente ligados ao Logos os homens mantm-se contra ele. Como algum pode se ocultar daquilo que nunca se estabelece?
A existncia vive sempre, sempre, sempre. Nunca se estabelece. Como voc pode se ocultar dela? Ela permanece sempre, sempre. Como pode lutar com ela? O que voc est fazendo simplesmente ridculo, absurdo. estpido lutar. A nica sabedoria consiste na rendio, no deixar acontecer. E ento tudo o que belo comea a acontecer. um acontecimento. No um fazer. Voc pode criar barreiras, mas no pode fazer com que acontea. Pode fugir, pode fechar os olhos para isso, mas no pode criar j est a, j o que ! Apenas voc est perdendo, porque est sentado com os olhos fechados... a dvida fecha seus olhos, a dvida fecha seu corao, a dvida como se voc estivesse dormindo, intoxicado pela dvida. Karl Marx disse: "A religio o pio do povo". A verdade exatamente o oposto: a dvida o pio, no a religio. Atravs da dvida voc perde a verdade. Atravs da confiana voc permite que a verdade o alcance, e se permite alcan-la. 235

Medite mais sobre a confiana. Embriague-se do sentimento de confiana. Vibre com um corao confiante. Cante, dance, ore com um corao confiante, e logo ver que no final s a confiana vale a pena. A dvida pode matar. negativa, no pode dar-lhe vida. Dvida morte. Confiana vida. E medida que a confiana cresce cada vez mais, uma vida mais abundante torna-se disponvel a voc.

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O Sol Novo a Cada Dia

(9 discurso - 29 de dezembro de 1974)

Este universo que o mesmo para todos, no foi feito por nenhum deus ou homem, mas sempre existiu, existe e existir um fogo eternamente vivo, que acende a si prprio por medidas regulares e se apaga por medidas regulares. As fases do fogo so o desejo e a saciedade. O sol novo a cada dia.

No h nenhum Deus como criador separado do mundo, e no pode haver porque a criao, o criador e a criatividade so a 237

mesma coisa, no esto separados. A existncia uma s como podem ento o criador e a criatura estarem separados? A existncia em si divina. No existe nenhum criador que a esteja criando. Ela mesma a criadora. Ela mesma a criatividade. Herclito um no-dualista. Todos os que conhecem acabam sabendo que essa dualidade existe por causa da mente, porque a mente no pode ver o um, s pode ver o dois. No momento em que percebe qualquer coisa, ela divide. Com a mente, o outro necessrio. Se ela v a criao, pensa imediatamente no criador, pois "Como a criao possvel sem um criador?" Mas se com essa mente voc encontra o criador, ento novamente ela achar que deve haver algum outro criador "do contrrio, como este criador poderia existir?" A mente uma regresso infinita. Est sempre dividindo. por isso que a mente jamais alcana qualquer estado conclusivo. A filosofia cr na mente; por isso tambm que a filosofia nunca chega a uma concluso. preciso ver a totalidade sem que a mente interfira, pois a mente o fator de dualidade: ela divide. A diviso a natureza da mente. Se voc diz 'dia', ela imediatamente introduz 'noite', pois como pode haver dia sem noite? Se voc diz 'amor', a mente introduz o 'dio': Como pode haver amor sem dio? Se voc traz a 'vida', a mente traz a 'morte': Como pode haver vida sem morte? Mas a vida e a morte so uma s um s fenmeno, uma s energia. A vida a manifestao dessa energia, e a morte um novo relaxamento. Vida chegar a uma forma, e morte mover-se outra vez para a no-forma. O fim e o princpio se encontram. A vida no est separada da morte; a morte no est separada da vida encontram-se e fundem-se. At mesmo dizer que elas se 'encontram' no est certo, posto que a mente imediatamente diz: "Se h um encontro, ento deve haver dois". No um encontro. um fenmeno. 238

Herclito diz 'desejo e saciedade' esses so dois. Voc sente fome, come e sente-se satisfeito. J observou que a fome e a saciedade so uma s? Tm de ser uma s, porque a mesma coisa, o alimento muda ambas. O alimento torna-se uma ponte entre a fome e a saciedade, o desejo e a ausncia de desejo. Se estivessem realmente separadas, no poderiam ser ligadas. Se fossem realmente diferentes, no haveria qualquer possibilidade de uma ponte. Ento a fome permaneceria fome e a saciedade permaneceria saciedade. Onde se encontrariam? E como se encontrariam? Mas elas se encontram. A mente pensa que a fome contra a saciedade. Tente entender isso. V um pouco mais a fundo. A mente diz que a fome diferente da saciedade; mas quando voc est satisfeito, um novo ciclo comea, o qual trar fome; e quando voc sente fome, um novo ciclo se inicia, o qual trar saciedade. So dois ou apenas um nico fenmeno? Quando voc come, a fome desaparece, mas no momento em que a fome desaparece um novo ciclo se inicia. A nova manh o comeo da noite. O novo nascimento o incio da morte. Mas voc no pode ver to longe. Toda manh voc sente fome, come e sente-se satisfeito. noite est de novo com fome, ento voc come e sente-se saciado mas jamais v que as duas coisas so uma s. Uma contribui para trazer a outra. Se voc nunca tem fome, como pode se sentir satisfeito? Existe alguma possibilidade de se saciar se voc nunca sente fome? Se voc nunca tem fome, no pense que est num estado de saciedade a saciedade no acontece sem a fome. Se no houver manh, no pense que haver uma eterna noite no haver nenhuma noite. E se no houver morte, no pense que haver vida eterna no haver vida alguma, porque a morte cria a situao, estabelece um fenmeno de energia. Toda vida traz a morte, toda morte traz de novo a vida. Para a mente, elas parecem ser duas porque a mente no pode ver atravs dos opostos. Quando voc no v pela mente, do 239

ponto de vista lgico, quando olha simplesmente para dentro do fenmeno em si, olha para a sua totalidade, os dois desaparecem e um s permanece. o que acontece com Deus como criador e o universo como criao. No s as pessoas comuns so enganadas pela mente os grandes telogos tambm so enganados por ela. Eles tambm dizem: "Deus criou o mundo". Essa afirmao imatura, infantil. Ningum criou a existncia ela . Est simplesmente a! Porque se voc introduz a criao surgem ento milhares de problemas. E por isso que os telogos levantam mais problemas e nenhuma soluo. Eles criam uma teoria, uma hiptese para solucionar vrios problemas e nada solucionado. Pelo contrrio, surgem em torno da hiptese novas questes. Eles tentaram solucionar o problema da existncia introduzindo Deus, Deus a teria criado, ento criaram milhares de problemas. E no foram capazes de solucion-los. Uma vez que voc comea por uma linha errada, estar sempre perdendo, pois uma coisa leva outra. E h uma relao: se uma coisa estiver errada, levar a uma outra proposio errada. A menos que voc comece desde o incio em direo verdade, jamais chegar pois o incio o fim. A teologia introduz Deus para solucionar alguns problemas; porque existem problemas: "Quem criou o mundo?" Surge a curiosidade: "Um fenmeno to belo! quem o criou?" A mente sente uma coceira isso deve ter uma resposta. "Quem criou?" Mas a primeira coisa a perguntar se a pergunta est certa. Nunca levante uma questo sem antes perguntar: "Esta questo relevante?" E qual o critrio para saber se uma questo relevante? O critrio que se a questo for de tal forma que, seja qual for a resposta dada, ela possa ser feita novamente ento ela irrelevante, no correta. Voc pergunta: "Quem criou o mundo?" Algum diz: "Deus!" Pode-se fazer a mesma pergunta novamente: "Quem criou Deus?" A 240

pergunta no muda, nem um pouco. A mesma questo continua sendo relevante. Ento algum diz: "Deus A criou o mundo", e voc pergunta: "Quem criou o Deus A?" A pessoa responde: "O Deus B", e ento voc pergunta: "Quem criou o Deus B?" E a resposta : "Foi o Deus C quem criou o Deus B" mas a pergunta continua a mesma de modo que todas as respostas so falsas. Se a questo no est mudando nem um pouquinho, ento voc no est absolutamente progredindo em direo verdade. E se todas as respostas a uma dada pergunta so falsas, ento, por favor, medite novamente sobre a pergunta. A questo deve estar basicamente errada; seno, como poderiam estar erradas as respostas? Pelo menos uma resposta tem de estar certa mas nenhuma resposta provou ser verdadeira. Os hindus, os muulmanos, os cristos, todos tm apresentado respostas, mas a pergunta permanece. Milhares de anos trabalhando sobre a questo 'Quem criou o mundo?' e no houve nenhuma resposta que satisfizesse. Isso significa que na prpria base, desde o princpio, voc tomou a linha errada de pesquisa, uma atitude errada desde o princpio. Ento, a primeira coisa quanto a uma pergunta questionar a prpria pergunta, se ela relevante. Esta questo irrelevante: "Quem criou a existncia?" por muitas razes. Porque, ento, possvel perguntar: "Por que Ele a criou? Qual foi a necessidade? Por que Ele no pde viver sem crila? Que desejo se apoderou Dele? E se Deus criou este universo, por que tanta misria, tantos sofrimentos e sofrimentos que no podem ser avaliados? Uma criana nasce aleijada, cega, doente porque? Se Deus o criador no pode Ele corrigir o padro do mundo? Ou o seu Deus um pouco neurtico? Gosta do sofrimento? um sdico? Gosta de torturar? Milhares de pessoas morrendo numa guerra? Sendo mortas, atiradas ao fogo e s cmaras de gs? Ele o criador e simplesmente no se preocupa! No pode nem fazer parar um Hitler matando milhes de judeus desnecessariamente, sem razo nenhuma. Que tipo de criador esse? Se Deus criou o mundo, 241

ento Ele deve ser um Demnio, pois o mundo no parece ser muito bom. No parece ter surgido do bem, parece incoerente com o que bom. Deus significa 'bondade', e este mundo no mostra qualquer sinal de bondade explorao, violncia, guerra, matanas, misrias, angstia, tenso, loucura. Para que foi tecida esta criao? E se Deus responsvel, ento Ele o maior criminoso..." Esses problemas surgem e os telogos no podem resolvlos. Ento tm de criar mais teorias falsas. Eles dizem que h tambm um Demnio, e que isso um trabalho do Demnio. Mas caem em suas prprias armadilhas. Primeiro, eles criam Deus, dizem que Deus criou o mundo, depois inventam o Demnio porque no podem explicar o mundo pela bondade. O mundo parece to mal que eles precisam inventar um Demnio. Surge ento a questo: "Quem criou o Demnio?" E assim por diante. E eles se dedicam a um esforo rido, que no os leva a lugar algum. Ningum l os seus grandes volumes sobre teologia ningum! Porque se voc comea, no chega a lugar nenhum, mas eles continuam. Parecem um gramofone quebrado: vo repetindo a mesma coisa; voc vai fazendo as mesmas perguntas e eles o vo rodeando. A teologia como o tatear do basto de um cego. Nem um s problema resolvido. A teologia o esforo mais intil que o homem j empreendeu. E ela comea com: "Deus criou o mundo." Homens como Herclito, Gautama Buda, Lao-Ts ou Zaratustra no falam dessas coisas. Dizem simplesmente: "A existncia Deus. Ningum a criou. No existe um criador que seja responsvel por ela, portanto no levante questes desnecessrias. E no perca seu tempo com respostas desnecessrias." A existncia e Deus no est separado dela. Deus a existncia, a totalidade, no um ser separado, uma pessoa a totalidade. Ela vem dela mesma... e se dissolve. Herclito diz: ela o fogo. O fogo um belo smbolo. D a voc uma energia muito dinmica, indica que a existncia uma 242

energia dinmica, dialtica move-se por si mesma. Quando voc diz 'energia', isso significa algo. Quando voc diz 'Deus', moveu-se para dentro de algo que no levar a lugar nenhum. A energia verdadeira. Voc pode senti-la aqui e agora: voc energia, os pssaros cantando nas rvores so energia, as rvores crescendo para o cu so energia; as estrelas se movendo, o sol erguendo-se diariamente tudo energia. E a energia no boa nem m. A energia sempre neutra. Assim, no h necessidade de criar nenhum Demnio, no h necessidade de explicar nada a energia neutra. Se voc miservel por sua causa, no por causa de Deus ou do Demnio. Se voc miservel, est se comportando com a energia de forma errada. Ser feliz e cheio de graa se mover-se com a energia. Quando voc se move contra ela, o responsvel voc. Lembre-se: se no existe nenhum Deus ento voc responsvel por tudo o que acontece. E se voc responsvel ento h uma possibilidade de se transformar a si mesmo. Se Deus responsvel, ento como algum pode se transformar a si mesmo? Deus parece ser um truque da mente para jogar a responsabilidade sobre os outros, pois a mente est sempre fazendo isso. Seja o que for que acontea, voc sempre joga a responsabilidade em algum. Se est com raiva, algum o insultou e esse algum provocou a raiva. Se est triste, algum o est deixando triste e infeliz. Se est frustrado, algum est bloqueando o seu caminho. Sempre alguma outra pessoa responsvel, nunca voc. Esta a atitude da mente: responsabilizar alguma outra pessoa. Ento voc se livra da responsabilidade. Mas... por isso que voc miservel. A responsabilidade sua. E se voc a toma como sua, pode fazer alguma coisa a respeito. Se for de outra pessoa qualquer o que se pode fazer? Se so os outros que provocam a tristeza, voc permanecer sempre triste porque no pode fazer nada a respeito. Milhares de pessoas esto sua volta. Se so os outros que o deixam frustrado, nada pode ser 243

feito. Voc permanecer frustrado, esse o seu destino pois como se pode mudar os outros? Se voc responsvel imediatamente torna-se o senhor, Agora pode fazer alguma coisa. Pode mudar a si mesmo, pode mudar as suas atitudes. Pode olhar para o mundo com uma atitude diferente, pode sentir que, se est miservel, em algum lugar no est ajustado ao sistema total de energia. isto o que significa pecado: estar desajustado, sem saber se mover nesse sistema total de energia. E o sistema de energia neutro. Se voc o obedecer, ser feliz. Se no o obedecer, ser miservel. Esse o Logos, o Rit, o Tao. Por exemplo: se voc est sentindo sede e no bebe gua, sente-se miservel, pois nesse sistema de energia a gua lhe d saciedade, e a sede desaparece. Se est sentindo frio, voc vai para perto do fogo, pois nesse sistema de energia o fogo a fonte de todo calor, de aquecimento. Mas se ao sentir frio voc se afasta do fogo, ento se sentir miservel. Ningum responsvel. Se ao sentir sede, calor, voc se aproximar do fogo, estar no inferno! Ouvi contar que um homem, um grande pecador, morreu. Todos sabiam que ele ia para o inferno. Era certo. Era bvio. No havia o que questionar. E quando o enterro ele era um grande pecador, mas era tambm um grande lder, um homem muito rico, pois o pecado traz muito sucesso, vale a pena deste mundo, da milhares de pessoas o acompanhavam, todas elas certas de que o homem iria para o inferno, mas mesmo assim ele era um homem poderoso quando o enterro estava se dirigindo para o cemitrio, um caminho carregado de carvo, acidentalmente, entrou na rua e comeou a seguir o fretro. Por coincidncia, o caminho do caminho era o mesmo do fretro. Mulla Nasrudin, um dos presentes, exclamou: "Eu tinha absoluta certeza de que esse homem ia para o inferno mas no podia imaginar que ele havia providenciado o seu prprio carvo!" 244

O inferno quente, fogo. Mas eu lhe digo: voc est providenciando o seu prprio carvo. assim que as coisas so. Se voc for contra a natureza, ser miservel. Misria significa mover-se contra a natureza; e a misria uma boa indicao se voc entender. Ela mostra que em algum ponto voc est errado, s isso. Coloque as coisas no lugar! A misria um auxilio. A angstia, a ansiedade, a tenso, indicam que em algum lugar alguma coisa est errada. Voc est com o total. Em algum lugar voc comeou um movimento seu, privado por isso est na misria. Herclito diz: A inteligncia privada falsa. A inteligncia est com o Todo. No seja esperto demais. Voc no pode ser inteligente por si mesmo. Se voc se mover com a Existncia, ser inteligente, ter uma clareza de percepo, ser sbio. Se voc se mover por si mesmo, ser um tolo. Um idiota uma pessoa que est completamente fechada em si mesma, est enterrada. No tem contato com o sistema total de energia. Essa a sua idiotice. E um homem sbio aquele que no est fechado de modo algum o ar flui atravs dele, o cosmo flui atravs dele. Ele no tem barreiras, no tem portas fechadas. No tem nenhuma privacidade de ser. poroso. E sempre que ele se sente miservel, imediatamente se acerta, imediatamente percebe a indicao. um sintoma! como a doena: quando voc no est se comportando naturalmente com o seu corpo, alguma doena irrompe. A doena amiga. Ela mostra: "Comporte-se, mude essas maneiras! Em algum lugar voc est indo contra a natureza." Se voc no come durante dois ou trs dias, sentir tonturas, fome, tristeza. O corpo inteiro est dizendo: "Coma!", pois o corpo precisa de energia. Lembre-se sempre: a energia neutra, portanto, toda a qualidade do seu ser depende de voc. Voc pode ser feliz, pode ser infeliz depende de voc. Ningum responsvel. 245

Quando sentir fome, coma. Quando sentir sede, beba. Quando sentir sono, durma. No force a natureza. Voc pode forla por algum tempo, porque existe essa liberdade. Se quiser jejuar, poder faz-lo por alguns dias, mas se sentir cada dia mais fraco, cada dia mais miservel. Se no quiser respirar, voc pode parar de respirar por alguns segundos, mas s por alguns segundos essa liberdade possvel. Mas no muita coisa, logo voc sentir um choque, uma sensao de morte se no respirar bem. Todas as misrias existem para indicar que em algum ponto voc est errado, saiu da trilha. Volte imediatamente! Se voc comear a ouvir o corpo, a ouvir a natureza, ouvir o ser interior, ser cada vez mais feliz. Torne-se um bom ouvinte da natureza. Oua o Logos. Oua aqueles que despertaram para o Logos e voc os achar naturais. Eles no foram nada, no empurram o rio, simplesmente fluem com ele e por isso esto cheios de graa. No h nenhum Deus que seja responsvel. Ns criamos Deus a partir do nosso prprio medo, necessidade e desejo. Sentimo-nos to impotentes em nossas misrias, to impossibilitados, to desamparados em nossa dor, que por medo criamos um Deus a quem possamos rezar, a quem possamos dizer: "No me d tantos problemas"; a quem possamos venerar e sentir que se ns o venerarmos, cada vez mais ele ser favorvel a ns. Voc acha que Deus pode ser preconceituoso? Voc acha que Ele ficar do seu lado s por rezar? Que se voc no rezar ento ele no estar do seu lado? Uma criana aprendeu com seus pais: "Se voc no se comportar bem, Deus o punir." No passado, a criana era sempre posta no bom caminho. Se no se comportasse bem ou se fizesse alguma coisa que os pais no achassem boa, eles usavam este truque: "Deus punir voc; ficar zangado", e isso sempre funcionava. Mas dessa vez a criana riu e disse: "No estou preocupado com Deus, Ele no me conhece!" 246

Os pais disseram: "Isso novidade! Voc nunca disse isso antes. Como ficou sabendo que Ele no o conhece?" A criana disse: "Durante duas semanas no rezei e no aconteceu nada. Assim, ou Ele pensa que estou morto, ou se esqueceu completamente de mim. No tenho mais com qu me preocupar. Agora estou livre! Foram duas semanas e no houve nenhuma indicao..." Ns criamos Deus a partir das nossas necessidades. Deus no o criou. Voc que criou Deus. uma necessidade sua porque impotente. E ento projeta Nele tudo o que voc deixou passar. Se voc impotente, diz que Ele onipotente. Se voc ignorante, diz que Ele sabe tudo. Se est cego e tateia na escurido, voc diz que Ele onisciente. Isso um truque da mente. Tudo que voc perde em si mesmo, projeta Nele, e ento pensa que o equilbrio foi recuperado: "Agora posso rezar a esse Ser onipotente, onisciente e onipresente, e Ele me ajudar." So truques. Voc s pode ser ajudado por si mesmo. claro que a natureza estar com voc se voc estiver com a natureza. Nenhuma outra prece funcionar. Essa a nica prece. Para mim, orar sentir, fluir com a natureza. Se voc quiser falar, fale, mas lembre-se, o que voc disser no ir afetar a existncia. Afetar voc, e isso pode ser bom, mas rezar no ir mudar a mente de Deus. Poder mud-lo, mas se no o estiver mudando um truque. Voc pode rezar durante anos, mas se isso no o mudar, esquea, jogue fora, lixo; no continue mais. A prece no vai mudar Deus. Voc sempre acha que se rezar, a mente de Deus mudar. Ele ser mais favorvel. Ele dar um empurrozinho para o seu lado. No h ningum ouvindo voc. Esse vasto cu no pode ouvir. Esse vasto cu pode estar com voc se voc estiver com ele no existe outra maneira de rezar. Eu tambm sugiro que se ore, mas orar precisa ser um fenmeno de energia; no um fenmeno devoto-Deus, mas um 247

fenmeno de energia. Torne-se simplesmente silencioso, simplesmente abra-se. Levante as mos para o cu, as palmas voltadas para cima, sentindo a existncia fluindo atravs de voc. Conforme a energia, ou prana, flui pelos seus braos, voc sentir um suave tremor como uma folha na brisa, tremendo. Permita, colabore. Ento deixe todo o seu corpo vibrar com a energia, deixe acontecer tudo o que estiver acontecendo. Voc sentir novamente um fluxo com a terra. Terra e cu, alto e baixo, ying yang, macho e fmea flua, dilua-se, abandonese completamente. Voc no est. Torne-se um... imerja. Depois de mais dois minutos, ou sempre que se sentir preenchido, curve-se para a terra e beije-a. Torne-se simplesmente um veculo, permitindo que a energia do divino una-se da terra. Esses dois estgios devem ser repetidos seis vezes para que cada um dos chakras seja desbloqueado. Pode-se fazer mais vezes, mas se fizer menos voc se sentir inquieto e no conseguir dormir. melhor fazer essa prece noite, no quarto escuro, e imediatamente depois deitar-se para dormir; ela pode ser feita pela manh, mas ento precisa ser seguida por quinze minutos de repouso. O repouso necessrio, ou voc se sentir como bbado, um torpor. A prece esse imergir na energia. Ela o muda. E quando voc muda, toda a existncia muda porque com a sua atitude, toda a existncia muda para voc. No que a existncia esteja mudando ela permanece a mesma mas agora voc est fluindo com ela, no h nenhum antagonismo. No h nenhuma luta, nenhuma disputa voc se rende a ela. Fora isso, tudo o mais so truques. E o homem os vai inventando. Ouvi contar que isso aconteceu: um rabino chegou com seu cavalo a uma aldeia. Ia para uma outra cidade qualquer. Estava muito cansado, queria repousar um pouco e entrou numa 248

hospedaria, deixando seu cavalo sob uma rvore com algum capim para que comesse e tambm descansasse. Mulla Nasrudin estava sentado sob uma outra rvore, bbado. O cavalo era bonito. Ele se aproximou para olhar. Quando chegou perto do cavalo passou um homem, um comerciante de cavalo. O cavalo era uma coisa rara, realmente belo. Perguntou a Nasrudin: "O cavalo seu?" Bbado, ou pensando que seria muito bom se o cavalo fosse dele, Nasrudin respondeu: "Sim". Mas uma coisa leva a outra. O homem perguntou: "Gostaria de compr-lo. Quanto voc quer por ele?" Nasrudin se viu em apuros. Resolveu pedir um preo simplesmente absurdo para que no tivesse nenhum problema. Disse: "Duas mil rpias." O cavalo no valia mais do que quinhentas rpias, assim ningum iria pagar duas mil e isso encerraria o assunto. Mas aconteceu que o homem disse: "Est bem, tome as duas mil rpias." Agora ele estava em dificuldade. Mas duas mil rpias. Pensou ento: "O rabino est l dentro e no sabe de nada por que no pegar esse dinheiro? No h ningum olhando, e no h nenhum problema." Logo que o cavalo se foi, o rabino saiu. Nasrudin no sabia o que fazer tinha duas mil rpias e estava to bbado que nem correr podia. Comeou a trabalhar ento a sua mente; encontrou a soluo. Ps-se de quatro como se fosse um cavalo e agarrou com os dentes um pouco de capim. O rabino no podia acreditar no que estava acontecendo. Disse: "O que est fazendo? Est louco?" Nasrudin disse: "Antes oua a minha estria." Agora sua mente trabalhava rpido ele havia se tornado um telogo: ele planejava uma resposta, depois outra pergunta, e ento caiu na sua prpria armadilha. Disse: "H vinte anos atrs eu era jovem e pequei com uma mulher. E o que fez Deus? Ficou to zangado que me puniu, transformando-me num cavalo no seu 249

cavalo, rabino. Durante vinte anos o servi, mas parece que agora a punio acabou e de novo recuperei a humanidade." O prprio rabino comeou a tremer, vendo que um pecador havia sido punido e quem no peca? O prprio rabino pecava com muitas mulheres, e comeou a tremer diante do fenmeno. Caiu de joelhos e comeou a rezar. Mas havia ento um problema prtico a ser resolvido. Disse: "Tudo bem. Mas preciso ir cidade, o que fao?" Nasrudin sugeriu: "O mercado no muito longe. Voc pode comprar um cavalo." O rabino foi ao mercado e l estava o seu cavalo com o comerciante! Comeou a tremer outra vez. Chegou perto do cavalo, perto do ouvido dele, e disse: "O qu, Nasrudin! Assim to rpido?" E a mente continua sempre e sempre usando truques, criando um deus, depois rezando, sendo punida, mandada para o cu ou para o inferno, e tudo no passa de imaginao. No h nenhum deus, nenhum cu, nenhum inferno s existe voc e a existncia, a energia, a energia infinita. Se voc est com ela, ela est com voc. Esse o estado de um Buda, de um Herclito: totalmente com o todo. Sem nenhum problema. Na verdade, ele no est presente para criar problemas. H ento uma graa quando voc no est, a graa est. Caso contrrio, se voc est lutando contra, se est se afastando, fazendo as coisas por conta prpria, pela sua inteligncia pessoal, est se comportando como uma ilha, ento ter problemas. Sejam quais forem as explicaes e as racionalizaes que voc crie, so fteis, no passam de imaginao. Todas as suas igrejas, templos e mesquitas existem pela frtil imaginao do homem. Todos os seus deuses e esttuas, todas as suas preces so criaes da sua imaginao. E voc os criou porque se sente miservel. Isso no ajudar. Os seus templos, as suas mesquitas e igrejas no! Os seus padres, papas e rabinos no! 250

Eles no ajudam. Esto explorando a sua imaginao. E isso um bom negcio. Voc tem que parar de imaginar. Tem que sentir que a misria vem quando voc sai de sintonia com a natureza, e a felicidade vem quando voc no est fora do compasso. Estar no inferno estar fora de compasso com o Logos. Estar no cu estar em sintonia com o Logos. E essa a harmonia oculta. Voc pode encontr-la e ser feliz. Se no puder encontr-la, voc ser miservel mais ningum responsvel. Voc tem que buscar e encontrar. No h nenhum Deus, mas todos so divinos. Toda a existncia divina, mas no existe Deus. Portanto, no perca seu tempo e no procure l em cima algum que o ajude. A ajuda vir, mas ningum vai d-la a voc voc tem de tom-la. Mas isso parece rduo, difcil, pois para isso voc tem de mudar a si mesmo. Estar em sintonia com a natureza exige transformaes radicais. Para evitar essa transformao radical, voc cria todos os tipos de explicaes. Tente agora entrar nestas belas linhas.

Este universo, que o mesmo para todos, no foi feito por nenhum deus ou homem, mas sempre existiu, existe e existir um fogo eternamente vivo, que acende a si prprio por medidas regulares E se apaga por medidas regulares.
Evoluo e involuo; as coisas chegam a um pico, depois desaparecem num vale; as ondas se erguem para tocar o cu, depois voltam para as profundezas do oceano em medidas regulares.

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Herclito diz: o mundo energia, a existncia fogo. Em medidas regulares ela se manifesta e depois se apaga. Assim como o dia e a noite: durante o dia voc trabalha, desperta, e noite voc descansa. Assim, h perodos em que a existncia est no dia, e h perodos em que a existncia move-se na noite... criao e no criao, evoluo e involuo, dia e noite, vero e inverno, vida e morte. Este um perodo de criao. Logo haver um de destruio. Os hindus chamam a isso de palaya, quando tudo desaparece. Os hindus criaram para isso uma bela teoria Herclito teria concordado com ela. Os hindus dizem que Brahma, o criador, tem seu prprio dia, um dia de vinte e quatro horas, um ciclo de vinte e quatro horas: doze horas dia e doze horas noite. O dia de doze horas criao nossa milhares e milhares de anos, eras e eras. Depois vem a noite de Brahma, ento tudo desaparece, dorme, repousa cansado, claro. Para se rejuvenescer, para voltar, tudo retorna no-existncia. A existncia o dia, a existncia desaparece, a energia repousa. Aps o repouso o dia novamente vem, o sol nasce; as coisas aparecem outra vez, tudo recomea. um crculo. Metade do crculo de manifestao e metade de nomanifestao. Assim como uma rvore cresce, cresce, cresce e depois morre mas no morre completamente: ela se recolhe nas sementes, torna-se no-manifesta, move-se para o sutil. As sementes caem no solo, a rvore desaparece, mas na estao certa as sementes de novo brotaro e a rvore inteira estar presente outra vez. E isso acontece no porque exista algum que controle, um deus ou um homem, ou alguma coisa no h ningum. A prpria energia suficiente. No precisa nenhum controle. No precisa que haja ningum. A energia tem sua prpria disciplina intrnseca. E isso parece estar exatamente correto, pois se voc observar, sentir como acontece. Se sente fome, voc come a fome desaparece. Para onde foi a fome? Tornou-se no manifesta, moveu252

se para a semente, para o sutil. No est na periferia; voltou outra vez para o centro. Depois de algumas horas voc sente fome novamente, a fome volta. Voc come e a fome desaparece. Para onde vai? Se ela desaparecesse completamente, no poderia voltar. E ela volta nova e novamente na mesma medida. Durante o dia voc est acordado. Para onde foi o sono? Moveu-se para a semente, tornou-se sutil; est l dentro de voc, observando a hora certa de voltar a se manifestar; depois, noite de novo se manifesta. Onde foi que desapareceu o seu dia? Voc j observou isso? Enquanto est dormindo, para onde foi todo o mundo do dia? O comrcio, a poltica, a identidade, tudo desapareceu voc voltou s sementes. Mas de manh o sol nasce e voc se levanta outra vez. De onde voc vem? Do no-manifesto novamente para o manifesto um movimento centrfugo e centrpeto. O ltus fecha, o ltus se abre... numa medida regular. E isso um fenmeno de energia, sem nenhuma personalidade, impessoal. Impessoal, belo. Se fosse pessoal se tornaria feio. Todas as religies tornaram-se feias porque fizeram desse fenmeno algo pessoal, criaram nele uma pessoa. Essa pessoa apenas um fenmeno imaginrio que voc criou. por isso que existem milhares de deuses e todo o mundo tem sua prpria noo de Deus. E quando se tem uma noo de Deus, as noes alheias parecem erradas, e ento surgem os conflitos, os argumentos. E a sua noo de Deus no pode estar certa, porque voc no est certo. Uma pessoa que est certa no precisa de nenhum Deus. Veja Buda, Herclito, eles no precisam de nenhum Deus. H.G. Wells escreveu que Buda o homem menos divino e ao mesmo tempo o mais divino. Pode-se encontrar algum mais divino do que Buda? e menos divino? Ele nunca fala sobre Deus porque no projeta. No tem nenhum medo interior para criar uma projeo. Ele no tem medo, ento Deus desaparece o seu medo a causa. E quando Deus desaparece, toda a existncia existe para 253

que voc sinta prazer e celebre. Energia deleite. Blake disse que energia deleite. Quando no h nenhum Deus voc livre, totalmente livre. Quando h um Deus l em cima manipulando, voc jamais pode ser livre s pode ser uma marionete, com todas as cordas presas em suas mos. Todas as pessoas religiosas tornaram-se marionetes porque para tudo existe alguma outra pessoa responsvel. Uma pessoa religiosa totalmente livre. Religiosidade liberdade. E com Deus no pode haver nenhuma liberdade. Como pode haver liberdade se existe um criador? Porque a qualquer momento Ele pode mudar de idia e Ele parece ser muito louco pode mudar de idia a qualquer hora e dizer: "Muito bem, desaparea!" Assim como a Bblia conta que Ele disse: "Faa-se a luz", e a luz foi feita, a qualquer momento Ele pode dizer: "Que no haja luz". E ento? a luz desaparecer. Ento vocs no passam de marionetes. Parece que Ele joga xadrez e vocs so apenas as peas do jogo; seja o que for que Ele queira fazer com voc, Ele faz. Isso parece muito feio. Se no existe liberdade no pode haver nenhuma conscincia, pois a conscincia cresce com a liberdade. E a liberdade total s possvel quando no h ningum controlando, manipulando, nenhum chefe; s ento h liberdade. Mas a liberdade lhe d medo. Voc no quer ser livre. Voc quer ser escravo por isso que inventa Deus. E se no existir nenhum Deus... por exemplo, os comunistas tentaram uma religio sem deus. Mas o homem to medroso que no pode viver sem deuses; assim os comunistas criaram os seus prprios deuses. Lnin tornou-se um deus; agora o adoram. Agora Lnin no um mortal comum um deus. Voc no pode escapar porque sente medo. Somente um homem que no sinta medo nenhum, que seja destemido, que tenha chegado a um acordo com a existncia, que tenha entendido que estar com a existncia e fluir com ela estar cheio de graa, pode viver sem imaginao pode viver com a verdade. , difcil viver 254

com a verdade muito fcil viver com mentiras. por isso que voc inventa mentiras ao seu redor. Noventa e nove por cento das coisas que o rodeiam so mentiras. Mas voc se sente confortvel com elas, sente-se acomodado; so mentiras confortveis. A verdade incmoda porque requer uma mudana radical. E esta a mudana mais radical que pode acontecer a um homem: viver sem Deus. E se voc puder viver sem Deus, voc se tornar um deus, tornar-se- divino. Se voc continuar imaginando um deus, permanecer um escravo. Com um deus sobre a sua cabea, voc ser um escravo. Quando no h mais nenhum chefe, voc mesmo se torna um deus. Eu lhe digo: no existe nenhum Deus mas todo mundo Deus, tudo divino. No h nenhuma pessoa controlando, porque ento a existncia inteira seria feia, uma escravido, um grande campo de concentrao; seria uma priso. Nenhum Deus: a vida uma liberdade voc pode escolher! Se quiser ser miservel, seja, a escolha sua. Se quiser ser feliz, seja, a escolha sua. Se voc se sente feliz sendo miservel, tudo bem. Existem pessoas que se sentem muito felizes sendo miserveis, porque atravs de suas misrias atraem a compaixo. Atravs de suas misrias elas pedem simpatia; atravs de suas misrias elas mendigam amor mas quem pode amar uma pessoa miservel? A menos que seja um Buda, impossvel amar um miservel. Voc est num caminho suicida. Se voc estiver pedindo amor atravs da sua misria, voc poder ganhar um pouco de simpatia, mas no amor. E essa simpatia ser dada com muita m vontade, pois quem est pronto para dar amor a uma pessoa miservel? E a prpria pessoa que d tem necessidade, ela mesma miservel. por isso que as pessoas falam demais a respeito de suas misrias. Oua o que elas dizem: noventa e nove por cento das pessoas falam a respeito das misrias, engrandecem suas misrias, fazem com que elas paream as maiores possveis. Isso impossvel, 255

pois voc pequeno demais para carregar misrias to grandes mas voc est pedindo simpatia. E o homem teme a liberdade. Existe um medo profundamente enraizado da liberdade, porque com ela vem a insegurana, com ela vem o desconhecido, com ela voc no sabe de antemo o que vai acontecer. Com um Deus e um destino tudo seguro. Voc pode perguntar ao astrlogo, pode consultar a cartomante e eles lhe diro sobre o seu futuro. Sem nenhum Deus no h nenhum destino. E os astrlogos so inteis. No se pode dizer nada sobre futuro. O futuro permanece uma situao aberta sem nada fixo, com tudo flexvel e fluido. Com a liberdade voc se torna uma fluidez. Com Deus como patro, voc est seguro; algum est tomando conta de voc e Ele sabe o que fazer e o que no fazer. Nesse sentido, a percepo de Herclito mais profunda do que a de Jesus. Nesse sentido, Herclito saiu-se melhor do que Jesus ou Maom sua percepo to profunda quanto a de Zaratustra, a de Buda e a de Mahavir porque Jesus est sempre falando em termos de Deus, de Criao, de Pai, de Filho. Talvez tenha falado nesses termos devido atitude infantil dos judeus, talvez pelas pessoas que o rodeavam. Mas Herclito no se importa com voc: diz exatamente qual a verdade. No se importa se voc ser capaz de entender ou no: simplesmente afirma a verdade. Se voc quiser entender, crescer. Ele no descer at voc, voc ter de ir at ele. E essa exatamente a minha atitude tambm. Direi exatamente o que sinto. Se voc quiser me entender, ter de crescer na minha direo. Eu no vou descer para lhe falar nos seus termos, porque isso no adianta nada. Por causa disso, Jesus deixou que a coisa toda se perdesse e o cristianismo nasceu, no sendo nada mais do que uma nova verso da religio judaica, nada de novo: o judasmo um pouco modificado aqui e ali, nada mais porque Jesus usou toda a terminologia judaica. Como se pode criar um mundo novo a partir do velho? Ele fez concesses porque Jesus 256

nunca pensou que haveria uma nova religio. Ele permaneceu judeu, morreu judeu; ele nunca foi cristo. E nunca imaginou que haveria algo novo; ele viveu na congregao. E usou palavras gastas, palavras do passado vem da a feia aparncia do cristianismo. Herclito absolutamente novo. por isso que a mente grega no podia absolutamente entend-lo ele no tinha nenhuma raiz no passado. Quando eu morrer, onde vocs me poro? Na ndia no podero encontrar razes para mim. Eu nasci jainista, mas voc no encontrar em mim qualquer raiz jainista; voc simplesmente no poder encontrar qualquer raiz. Se voc diz exatamente o que voc entendeu, o que voc compreendeu, ento no h nenhuma raiz, porque a Verdade no tem razes na sociedade tem razes na existncia, mas no na sociedade. por isso que um homem como Herclito to enigmtico, e at mesmo um gnio como Aristteles diz: "Esse Herclito absurdo. Cria enigmas, e a filosofia existe para resolver as coisas e no para criar enigmas." Ele no est criando nenhum enigma. Parece confuso porque est afirmando um novo fenmeno com o qual ele se deparou. No est usando termos velhos, usados, de segunda mo. Ele diz:

Este universo que o mesmo para todos, no foi feito por nenhum deus ou homem, mas sempre existiu, existe e existir um fogo eternamente vivo, que acende a si prprio por medidas regulares e se apaga por medidas regulares.
257

Essa energia tem seu prprio sistema intrnseco. um cosmo, no um caos e sem um chefe. energia mais liberdade, e mesmo assim h uma disciplina. E essa disciplina a harmonia oculta, a harmonia interior. No h nenhum chefe e mesmo assim no h caos; no h ningum dirigido, e todavia tudo dirigido de uma maneira to bela voc no pode aperfeio-la. Essa a harmonia oculta. Quando h um diretor e ele dirige, voc pode ter certeza de que num lugar ou noutro alguma coisa sair errada. O cosmo belo porque no h ningum que o dirija. Isso ser difcil de entender. As pessoas religiosas dizem: "Como esse mundo pode se tornar um cosmo se no h ningum que o controle? Sem um controlador tudo se despedaar." Mas Herclito dir: "Exatamente, precisamente por no haver ningum controlando que as coisas no podem se despedaar." Quando voc controla, voc administra mal. No se pode encontrar administradores piores do que os controladores eles administram mal. isso o que diz Lao-Ts. Ele diz: Quando no havia regras tudo era belo; quando no havia leis, no havia nenhum crime, e quando no havia homens sbios, no existiam tolos. As coisas se moviam em sua beleza csmica... ento apareceram, os reguladores. Disseram que as regras eram necessrias. Com as regras entraram os desregramentos, pois o oposto existe sempre. Vieram os sbios e disseram que o homem tinha de ser disciplinado. Ento os homens se tornaram rebeldes e tudo saiu errado. Viriam leis, leis e mais leis, e o homem tornou-se cada vez mais criminoso. isso o que Herclito diz. Diz que precisamente por no haver ningum para controlar, como podem as coisas sair do controle? A energia em si tem um guia interior, intrnseco. E oua isso tambm para a sua vida. Se voc guiado pelas suas percepes interiores, se pode ouvir o seu corao, no h necessidade de nenhuma disciplina. Voc pode se mover em 258

completa confiana. Tudo ser bom. Mas por voc no poder ouvir o seu prprio corao, precisa ouvir vrios manipuladores, que dizem: "Faa isso!" e eles dizem tanto "Faa isso! No faa aquilo!" que voc fica confuso, no sabe o que fazer. Uma religio ensina uma coisa, outra ensina outra coisa. Uma moral diz que uma coisa moral, outra diz que imoral. Voc simplesmente se confunde. E no pode encontrar o seu prprio corao, de onde vem o guia espontneo, intrnseco, natural. Quanto mais lhe ensinam, mais confuso voc se torna. Herclito diz que tudo se move por uma harmonia interior. Quem est controlando essas rvores? Quem as ensina que: "Agora hora de florescer"? Quem diz s nuvens que: "Agora hora de se aproximar e trazer chuva"? Ningum. Lembre-se: se houvesse algum, as coisas no dariam certo, pois como uma coisa to vasta pode ser controlada? Mesmo que houvesse um Deus, at Ele ficaria doido pense na imensido das coisas, na grandiosidade delas, na vastido! at mesmo Deus j teria endoidado a muito tempo, teria enlouquecido, simplesmente teria desaparecido do mundo ou o mundo teria desmoronado. O mundo s pode permanecer um cosmo porque a harmonia no est sendo forada de cima, a harmonia vem do interior. Existem dois tipos de disciplina. Uma disciplina que forada de fora: algum diz: "Faa isso!" e outra disciplina que vem de dentro: voc sente o que ser natural, sente onde o seu ser est fluindo, e move-se com os seus sentimentos; ento uma disciplina interior acontece. A disciplina exterior uma fraude e isso cria uma confuso, uma fenda em voc. O interior e o exterior se opem, tornam-se antagnicos. H poucos dias atrs, um homem me procurou e disse assim como todos os religiosos esto sempre dizendo ele disse: "Estou sempre me tornando vitima das coisas exteriores e me esqueo do interior." 259

Perguntei a ele: "Por favor, d-me um exemplo concreto o que voc quer dizer?" Ele disse: "Por exemplo, sei interiormente que deveria ser fiel minha esposa, mas sempre me apaixono por outras mulheres." Ento, tive de dizer a ele: "Voc parece estar confuso. No sabe o que interior e o que exterior. A esposa o exterior e voc pensa que o interior. Voc ama a sua esposa?" A esposa o interior forado pela sociedade, forado pelo seu prprio ego, um fingimento por voc querer manter uma imagem social de bom marido. Isso exterior e ele dizia que era o interior. E quando voc se apaixona por outra mulher sem que ningum o force a isso, pelo contrrio, esto todos impedindo isso interior! Mas a sociedade o confundiu completamente, deixou-o desorientado. Diz que o exterior o interior enganou-o completamente. Diz que o interior o exterior. Voc continua num jejum e pensa que ele a voz interior essa a sua religio, as suas escrituras, os seus sacerdotes, O seu interior diz: "Voc est com fome, coma!" E voc pensa que isso o exterior, que voc est sendo tentado pelo diabo. Que tolice! Os sacerdotes o tentaram a jejuar. No existe nenhum diabo! Os sacerdotes so as nicas foras demonacas deste mundo. A fome vem, ela o interior. O corpo todo, cada clula diz: 'Coma!' e voc diz: " o exterior. Algum est tentando-me, alguma fora do mal. Ou ento desejo, o corpo, e o corpo o inimigo minha alma est tentando-me, alguma fora do mal. Ou ento desejo, o corpo, e o corpo o inimigo minha alma est em Jejum." Alma em jejum? A alma jamais precisa de alimento, como pode jejuar? Voc est forando seu pobre corpo. Mas existe um jejum natural tambm; o dos animais. No existe nenhum pregador, nenhum sacerdote que os ensine, mas acontece. Se voc observar um cachorro, ver que ele no comer se no estiver se sentindo bem isso interno. O jejum de um 260

cachorro interno. Que absurdo! E o jejum de um homem quase sempre externo. Somente um cachorro pode jejuar interiormente porque ainda est em contato com a natureza, voc no. Quando o corpo est doente, nenhum animal pode ser forado a comer. Se voc o fora, ele vomita. Isso bonito. O corpo no precisa de alimento; est doente. Toda energia necessria para a cura do corpo, e essa energia ser desviada se voc ingerir alimentos, pois para digeri-los, necessria energia, o alimento ser um peso. O corpo no est em boas condies; toda a energia necessria para que o corpo se cure, e se for jogado alimento dentro dele, isso causar uma diviso. A energia como um todo no se mover para a cura; ser impedida antes o alimento ter de ser digerido. Se na sua doena voc simplesmente ouve o seu interior e no come, isso bonito. s vezes voc no sente fome e ento no come. Mas no jure que deixar de comer por alguns dias, porque quem sabe? noite voc talvez sinta fome. Mova-se com a natureza. Quando ela quiser que voc jejue, faa jejum. Quando quiser que voc coma, coma. O interior precisa ser encontrado porque a sociedade o confundiu completamente. O que interior e o que exterior: h uma grande confuso. E, quase sempre, tudo o que voc acha que exterior geralmente interior, e tudo o que voc acha que interior geralmente exterior, e tudo o que voc acha que interior, fatalmente exterior, porque os sacerdotes fizeram isso os sacerdotes so foras destrutivas. Para mim, existe apenas uma religio e essa religio encontrar a voz interior, o guia interior. E a pessoa que o ajuda a encontrar o seu guia interior o Mestre. Ele o ajuda no impor a voc mesmo uma disciplina exterior, simplesmente o ajuda a encontrar a harmonia interior, que lhe traz disciplina. E essa disciplina tem uma graa porque no forada. Essa disciplina tem uma beleza prpria porque sempre nova. E com essa disciplina voc no pode se desviar, pois com essa disciplina 261

voc no pode se rebelar. Ela voc, o seu centro mais profundo. E o mesmo est acontecendo em maior escala com todo o cosmo.

As fases do fogo so o desejo e a saciedade.

E o fogo tem duas fases: desejo ardente, quando voc est com fome... Os hindus o chamam de jatharagni, o fogo da fome. O seu estmago arde realmente quando voc sente fome quando est realmente com fome. Porque voc est num estado to mal que no sabe quando est com fome e quando no est. Todos os dias voc come a sua comida a uma hora, e diariamente, nessa mesma hora, a fome vem. Essa fome psicolgica. Voc no sente esse fogo no estmago; s por causa do relgio. O relgio diz que uma hora e a mente diz: "Est na hora de sentir fome." Imediatamente voc sente fome. Isso uma projeo. uma falsa fome. E se voc esperar meia hora, a fome desaparecer automaticamente. Como uma fonte de verdade pode desaparecer com tanta facilidade? A fome real aumentar cada vez mais. O fogo ficar cada vez mais ardente no estmago. Voc comear a sentir dor, como se o corpo estivesse queimando. Sentir febre. O corpo precisa ser saciado, ele est exigindo; precisa de energia. Mas se a fome for falsa, ela desaparecer. Quando o relgio apontar duas horas, a fome ter desaparecido. Observe! Sinta fome de verdade e ento coma. Observe! Sinta sono de verdade e ento durma. Levar alguns meses at que isso se estabelea, porque toda a civilizao, toda a cultura, toda a sociedade e educao ajudaram a desvi-lo do caminho certo. O caminho certo sempre natural o Logos.

As fases do fogo so o desejo e a saciedade.

So essas as duas fases do fogo, o biofogo interior, a bioenergia. Voc sente fome, come, sente-se satisfeito. Essa 262

satisfao tambm uma fase do fogo. O fogo baixou, agora no h chamas, ele desapareceu. um pralaya, uma descriao, uma involuo. Depois vem novamente a outra fase. O crculo se move, a roda gira: de novo vem a fase da fome, e outra vez a saciedade. Voc se sente sensual, vem a luxria, depois a saciedade. Voc sente o amor e a saciedade. Voc no pode amar vinte e quatro horas por dia porque o fogo tem duas fases. Os maridos e esposas tentam fazer o impossvel: querem amar um ao outro durante vinte e quatro horas, e ento tudo se perde. Voc no pode, porque ningum pode comer durante vinte e quatro horas. Amor alimento. Voc consegue comer durante vinte e quatro horas? Voc precisa de intervalos para que a comida seja absorvida, a energia seja usada e o corpo sinta fome novamente. Como se pode amar durante vinte e quatro horas? E se voc tentar o impossvel, ficar numa pssima situao. Quanto mais voc forar, mais as coisas se tornaro falsas. por isso que os maridos e esposas perdem toda a beleza do amor. Tudo se torna falso e forado. Quando eles eram amantes, tudo era belo, porque se encontravam uma vez ou outra e havia a fome que precisava ser saciada. s vezes tinham de esperar dias para que o amante viesse e havia fome. E quando h fome profunda, o amor satisfaz profundamente. Quando maridos e esposas esto pendurados um no outro vinte e quatro horas, ficam um em volta do outro como sombras, ento no h fome. E claro que no h saciedade tambm. Ento toda a beleza desaparece. Lembre-se disto: se voc ama uma pessoa, deixe-a ficar s para que a fome surja. Ela tem de ficar, ou ento o amor tambm seguir o relgio. Um dia Mulla Nasrudin chegou em casa e encontrou o seu melhor amigo beijando sua esposa. Ele disse: "O qu! No posso crer no que vejo! Tenho de acreditar, mas por que voc?" 263

Um marido no consegue acreditar porque o amor se torna um dever. Quando o amor se torna um dever, j est morto ento uma imposio exterior, e o interior se perde. O amor uma fonte, no um dever. Tem ento uma fase de saciedade. Quando o amor satisfeito voc se sente absolutamente abenoado; tudo est bem; voc pode abenoar toda a existncia e ser abenoado por ela. Tudo simplesmente maravilhoso... mas precisa ser atravs da fome. Herclito est dizendo que o homem uma miniatura de todo o cosmo. E o mesmo vlido para o Todo; o Todo passa por duas fases. Quando o Todo sente fome, h ento muita atividade e criao. As coisas crescem, manifestam-se, as plantas florescem, as pessoas amam, as crianas nascem tudo uma atividade dinmica. Ento, satisfeita, a Existncia move-se para a fase da saciedade tudo desaparece. Nenhuma planta, nenhuma terra, nenhuma estrela, nenhum sol o fogo repousa.

O sol novo a cada dia.

E esta uma das mximas mais penetrantes de Herclito.

O sol novo a cada dia.

A fome nova a cada dia. O amor novo a cada dia. A vida nova a cada dia. Dizer "a cada dia" no bom cada movimento, cada gesto, cada momento, tudo novo. De onde vem, ento, o velho? Por que voc fica enfastiado? Se tudo to novo, e voc no pode pular duas vezes no mesmo rio, no pode ver de novo o mesmo nascer de sol; se tudo to novo e fresco, por que voc se torna morto e entediado? Porque no vive a partir dessa harmonia interior. Voc vive pela mente. A mente velha. 264

A mente passado, memria acumulada. E se voc olha atravs da mente, ela atribui uma mortalidade e velhice a todas as coisas, ento tudo parece empoeirado e sujo por causa da mente. Ponha a mente de lado, ponha de lado as memrias! Se voc puder por as memrias de lado, a sua mulher ser nova a cada dia, porque s por causa das memrias que voc pensa que est vivendo com essa mulher h trinta anos e a conhece bem. Quem pode conhecer? Ningum conhece jamais. Permanecemos estranhos, eternamente estranhos. Como se pode conhecer uma pessoa? Uma coisa pode ser conhecida, uma pessoa no, porque uma coisa pode ser esgotada. Agora os cientistas dizem que at as coisas no podem ser conhecidas porque tambm no podem ser esgotadas. Como voc pode conhecer uma pessoa? Uma pessoa livre. Muda a cada momento. Se voc no pode pisar duas vezes num mesmo rio, como pode encontrar a mesma pessoa novamente? Se at mesmo os rios so to mutveis, a conscincia, a corrente da conscincia, no pode envelhecer. Se voc puser a mente de lado, se no olhar com velhos olhos, ento a sua esposa ser nova, cada gesto ser novo. H ento uma excitao constante e contnua em sua vida, uma contnua vivacidade. Hoje voc sentir fome essa fome nova. E hoje novamente, quando voc comer, essa comida ser nova porque nada pode ficar velho na existncia. A existncia no tem passado. O passado faz parte da mente. A existncia est sempre no presente, nova, fresca, sempre se movendo, uma fora dinmica, um movimento dialtico, como o fluxo de um rio. Se voc conseguir perceber isso, ento nunca ficar entediado. E o tdio o maior mal mata profundamente, um veneno lento. Aos poucos voc vai ficando to entediado que se torna um peso morto para si mesmo. Ento toda a poesia da vida desaparece. Nenhuma flor desabrocha e nenhum pssaro canta. Voc j est enterrado, j est sob o seu tmulo. 265

Diz-se que as pessoas morrem aos trinta e so enterradas aos setenta anos. Trinta anos j me parece muito; esse provrbio deve ser muito antigo; agora isso no mais verdade eu diria vinte anos. Mesmo isso j demais. Os jovens me procuram, gente jovem, com dezoito, vinte anos, e dizem: "Estou cansado." J esto velhos. Vocs j os ensinaram, j condicionaram suas mentes. Eles j esto morrendo. Antes de ficarem jovens, j esto morrendo. Lembre-se: a juventude uma qualidade do ser. Se voc puder olhar o mundo sem a mente, permanecer jovem para sempre. Mesmo na sua morte, voc ser jovem, se sentir excitado com a aproximao da morte; se sentir muito excitado uma grande aventura, uma culminao, uma porta que se abre para o infinito. A fome passou, agora vem a saciedade. Agora voc est entrando no repouso. Agora voc ser uma semente, e a semente repousar e dormir durante muitos anos. E de novo voc brotar, de novo abrir os olhos mas nunca ser o mesmo. Nada igual. Tudo continua mudando. S a mente est velha e morta. Ser capaz de olhar para a vida sem a mente meditao.

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A Natureza adora se ocultar

(10 discurso - 30 de dezembro de 1974)

melhor que as coisas no aconteam s pessoas exatamente como elas querem. A menos que voc espere o inesperado jamais encontrar a verdade, porque ela difcil de descobrir e difcil de se alcanar. A natureza adora se ocultar. O Senhor, cujo orculo est em Delfos no fala nem se cala mas d sinais.

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A existncia no tem linguagem e, se voc depender da linguagem, no poder haver comunicao com a existncia. A existncia um mistrio, voc no pode interpret-la. Se voc interpretar, errar o alvo. A existncia pode ser vivida, mas no pensada. Ela mais como a poesia e menos como a filosofia. Ela um sinal, uma porta. Ela mostra, mas nada diz. por isso que, por meio da mente, no h acesso existncia. Se voc pensar sobre ela, pode continuar a pensar e a pensar, sobre isto e aquilo, mas nunca a alcanar porque a barreira precisamente o pensar. Olhe! Perceba! Sinta! Toque! e voc estar mais prximo. Mas no pense. No momento em que entra o pensamento, voc saiu da trilha e caiu num mundo particular. O pensar um mundo particular, ele lhe pertence. Ento voc fica fechado, encapsulado, aprisionado dentro de si mesmo. Se no pensar, voc deixa de estar, deixa de ficar fechado. Se no pensar, voc se abre, fica poroso; a existncia flui em voc e voc nela. Mas a tendncia da mente interpretar. Antes de perceber algo, voc j o interpretou. Voc me ouve mesmo antes de eu dizer algo, voc j est pensando algo a respeito. assim que o ouvir se torna impossvel. Voc precisar aprender a ouvir. Ouvir significa estar aberto, vulnervel, receptivo, mas voc no est de maneira nenhuma pensando. O pensar uma ao positiva, o ouvir passividade: voc se torna como um vale, como um tero, e recebe. Se voc puder ouvir, ento a natureza fala mas no uma linguagem. A natureza no usa palavras. O que a natureza usa? Herclito diz que ela usa sinais. Uma flor est presente qual o sinal que ela transmite? Ela no est dizendo coisa nenhuma, mas voc pode dizer realmente que ela no est dizendo coisa nenhuma? Ela est dizendo muito, mas no est usando nenhuma palavra uma mensagem sem palavras. 268

Para ouvir a ausncia de palavras, voc precisar no ter palavras, porque somente semelhante pode ouvir semelhante. Ao sentar-se ao lado de uma flor, no seja um ser humano, seja uma flor; ao sentar-se ao lado de uma rvore, no seja um ser humano, seja uma rvore; ao tomar banho num rio, no seja um ser humano, seja um rio. E ento, milhes de sinais sero transmitidos a voc, e no se trata de uma comunicao, mas de uma comunho. A natureza fala, fala em milhares de lnguas, mas no em linguagem. Ela fala por meio de milhes de direes, mas voc no pode consultar um dicionrio a respeito, no pode perguntar a um filsofo o que ela quer dizer. No momento em que voc comea a pensar o que ela quer dizer, j est se extraviando. Um homem muito instrudo, um crtico, foi visitar Picasso. Ele olhou para as pinturas de Picasso e disse: "So bonitas, mas o que voc quer dizer com elas? Por exemplo, esta pintura, o que ela quer dizer?" Picasso deu de ombros e disse: "Olhe para fora da janela o que aquela rvore quer dizer? E aquele pssaro cantando? E qual o sentido do alvorecer? E, se este todo existe sem significar coisa nenhuma, por que minhas pinturas precisam ter algum significado?" Por que voc pergunta pelo significado? Voc quer interpretar, quer dar um padro lingstico, quer comunicar, e no comungar. No, a natureza no quer dizer coisa nenhuma. Ela est presente em sua glria total. Ela um significado, mas no quer dizer coisa nenhuma. O significado existencial. Olhe, observe, sinta, penetre nela, deixe que ela penetre em voc mas no faa perguntas. Se voc quer fazer perguntas, entre numa universidade; voc no pode entrar no Universo. Se voc quer entrar no Universo, no pergunte no h ningum para lhe responder. Voc precisar 269

ter uma qualidade de ser totalmente diferente e, somente ento, estar em contato com ele. H um relato sobre um mestre zen um fenmeno muito raro, inacreditvel, porque a mente se assusta que estava fazendo uma pintura no palcio do rei. E o rei repetidamente lhe perguntava se ela j estava pronta. O mestre dizia: "Espere um pouco mais, espere um pouco mais". Passaram-se anos e o rei disse: "Est levando muito tempo. Voc no deixa nem mesmo eu dar uma olhada" porque ele trancava o quarto em que pintava "e estou ficando velho. Estou cada vez mais curioso para saber o que voc est pintando. A pintura ainda no est pronta?" O mestre respondeu: "A pintura est pronta, mas estou esperando voc voc no est pronto. A pintura ficou pronta h muito tempo, mas esse no o ponto. A menos que voc esteja pronto, para quem eu a mostrarei?" A existncia est a, pronta, sempre esperando. A cada momento, a cada curva da estrada, logo na esquina, ela est sempre esperando e esperando. Ela tem uma pacincia infinita mas voc no est pronto. Diz-se que finalmente o rei ficou pronto e o pintor disse: "Tudo bem, chegou a hora". Eles entraram no quarto ningum mais teve permisso de entrar. A pintura era realmente maravilhosa. Era difcil dizer se era realmente uma pintura ela parecia real. O mestre fez uma pintura de colinas e vales que pareciam tridimensionais, como se existissem de fato. Entre as colinas havia um pequeno caminho levando a algum lugar. Agora vem a parte mais intricada da histria. O rei perguntou: "Esse caminho vai dar aonde?" 270

O pintor disse: "Ainda no andei por ele, mas espere, vou ver. Ele entrou no caminho e desapareceu alm das colinas e nunca mais voltou". isto o que significa um mistrio: ele diz muitas coisas sem nada dizer. Se voc for natureza para descobrir aonde ela vai dar, no fique de fora para perguntar, porque assim nada pode ser feito. Voc precisa penetrar nela. Se voc penetrar, nunca voltar, porque o prprio movimento em direo existncia... e voc perde o seu ego, voc desaparece. Voc atingir o objetivo, mas nunca voltar para relatar a histria. O pintor nunca voltou. Ningum voltou, ningum pode voltar, porque quanto mais existencial voc se tornar, mais seu ego se perder. A existncia abre milhes de portas para voc, mas voc fica de fora e quer saber algo respeito de fora. Na natureza, no existe fora. Tudo est dentro... porque como algo pode existir fora da natureza? O todo o interior. E a mente est tentando o impossvel, est tentando ficar de fora, observar, perceber o que ela significa. No, voc precisa participar, precisa entrar nela, se integrar e se dispersar como uma nuvem em algum lugar desconhecido. Agora preste ateno nestas palavras de Herclito:

melhor que as coisas no aconteam s pessoas exatamente como elas querem...

Por que? Por que no seria melhor? Porque tudo o que voc deseja est errado, pois voc est errado como voc pode desejar ou querer algo certo? Para desejar algo certo, em primeiro lugar, voc precisa estar certo. A partir da ignorncia, tudo o que for desejado o levar a um inferno cada vez mais profundo, porque um desejo parte de voc, ele vem de voc. Como algo diferente pode vir? Tudo o que vier ser voc. por isso que seus desejos criam cada vez mais problemas. Quanto mais voc desejar, mais 271

problemas criar. Quanto mais satisfizer seus desejos, mais estar em dificuldades. Mas no h retorno, voc precisa seguir em frente. Da a insistncia de todos os que sabem: para encontrar a existncia, o primeiro ponto entrar num estado de ausncia de desejos. Nada est errado em desejar; desejar, em si, belo... se um Buda desejar. Mas voc desejar? Como voc pode desejar algo que o conduzir ao estado de graa? No porque o desejo vem de voc, ele parte de voc. Ele uma continuidade e, se voc estiver errado, o desejo estar errado. Ele continuamente repetir voc em diferentes situaes, claro, em diferentes mundos, em diferentes planetas, em diferentes vidas, mas seu desejo repetir voc. Seu desejo no pode transform-lo. por isso que digo s pessoas: "Se voc tem inteno de ser iniciado, se tem a inteno de dar um salto no desconhecido, no pense a respeito deixe isso comigo". Por que a nfase em deixar comigo? Somente para que voc no o deseje. Deixe que seja algo que no venha de voc, porque tudo o que vier de voc ser voc modificado, colorido de maneiras diferentes, mas ser voc. Se voc for um negociante e deseja moksha, a libertao, isso ser um negcio, e no pode ser de outra maneira. Voc estar procurando lucros no outro mundo, claro, mas tudo o que vier de sua mente ser a partir do seu passado. E uma quebra necessria, uma completa ciso necessria, uma ciso intransponvel. Esse o significado de ir at um mestre e se entregar. O que voc entrega? Voc entrega o seu desejar o que mais voc pode entregar? Voc no tem mais nada. Voc diz: "Agora no desejarei. Agora diga algo e o farei". Voc est permitindo que uma outra coisa entre em seu passado. Se voc disser: "Sim, estou convencido, estou pronto a ser iniciado", a iniciao ser intil. Se a iniciao acontecer a partir da sua convico, ela no tem sentido. Mas este o problema: primeiro voc gostaria de ser convencido, primeiro gostaria de argumentar a respeito. Sua mente gosta de decidir. 272

Pessoas me procuram e dizem: "A menos que o desejo nasa em ns, como poderemos dar o salto?" Mas o problema precisamente esse. Continuamente voc tem desejado a partir de voc mesmo, por muitas vidas, e isso no o levou a lugar nenhum no pode levar. Voc pode perceber o ponto? Voc est errado, voc deseja, e o desejo est errado. isto. Voc est errado, voc acredita, e a crena est errada. Voc ouviu falar do rei Midas? Tudo o que ele tocava transformava-se em ouro. Tudo o que voc toca, mesmo se for ouro, imediatamente se transforma em poeira. A questo no um desejo correto ou incorreto. A questo no um ato correto ou incorreto. No existe tal coisa como um ato correto ou incorreto, e no existem desejos corretos ou incorretos. Existe somente um ser que deseja. Se ele for ignorante, tudo o que vier dele ser incorreto. E, se o ser que deseja no for ignorante, algo totalmente diferente nasce a partir dele. Lembre-se: o ser importa, e somente o ser importa e nada mais.

melhor que as coisas no aconteam s pessoas exatamente como elas querem...

Pare de querer! Voc tem vivido em infernos porque tem desejado. Pare de desejar! Pare de desejar e as portas se abrem. O desejo refora a sua mente. Tente entender a natureza do desejo. Desejar significa projetar o seu passado no futuro. E o futuro desconhecido, e tudo o que voc pedir ser a partir do passado. Todo desejo repetir continuamente o passado. Como voc pode desejar o desconhecido? Como pode desejar o que est no futuro? Voc no o conhece. O futuro o desconhecido, o passado o conhecido. Se voc desejar ser a partir do passado. 273

Mulla Nasruddin estava em seu leito de morte. Algum lhe perguntou: "Se voc nascer de novo, gostaria de viver de modo novo, ou gostaria de ter a mesma vida?" Mulla pensou bastante e, finalmente, abriu os olhos e disse: "Sempre quis partir o cabelo ao meio. Essa seria a nica mudana. Eu sempre penteio o cabelo para a direita, e sempre quis parti-lo ao meio. Quanto ao resto, tudo seria igual ao que ". Parece estpido, mas assim que acontece. Se voc pensar, se uma outra chance for dada a voc, o que voc faria? Todas as mudanas que voc gostaria de fazer no seriam mais do que o pedido de Mulla. Elas seriam apenas partir o cabelo ao meio. Voc gostaria de ter uma outra mulher mas que diferena faria? Voc gostaria de ter outra profisso. Que diferena isso faria? No seria mais do que partir o cabelo ao meio. Voc no pode pedir o passado, e o futuro desconhecido. Por voc ficar pedindo o passado, caminha num crculo vicioso. Esse crculo o mundo, o sansara, o ir e vir, o nascer de novo e o morrer de novo. Repetidamente voc faz a mesma coisa. Nenhuma mudana bsica! No pode haver, porque tudo o que voc pensar, pensa a partir do conhecido. O conhecido o seu passado. Ento, o que fazer? No deseje. Deixe que o futuro venha sem desej-lo. O futuro vir ele no precisa ser desejado. Ele j est vindo! Voc no precisa forar as suas projees sobre ele. Seja passivo, no seja ativo a respeito. Deixe que ele venha. No pea nada esse o significado da ausncia de desejo. No se trata de sair do mundo, de renunciar ao mundo e ir para o Himalaia todas essas coisas so imaturas. Partir, renunciar, significa no desejar e esperar sem qualquer desejo, apenas esperar: "Tudo o que acontecer, serei uma testemunha". Se voc puder esperar sem desejar, tudo acontecer a voc e acontecer a partir da totalidade, do todo, do prprio Deus. Se voc pedir, se desejar, acontecer, mas acontecer a partir 274

de voc mesmo. Voc se fecha em si mesmo e nunca permite que a existncia lhe acontea.

melhor que as coisas no aconteam s pessoas exatamente como elas querem...

Herclito diz: " bom que as coisas no aconteam como voc quer". Essa a nica possibilidade para o seu despertar. Por isso ele diz que bom porque, se todo desejo fosse satisfeito, voc ficaria completamente em coma, pois em voc no haveria mais perturbao. Voc desejou riquezas e as riquezas esto a; voc desejou belas mulheres e belas mulheres esto a; voc desejou sucesso e o sucesso est a; voc desejou uma escada para alcanar o paraso e a escada est a. Voc ficaria em coma, estaria num sonho. Se tudo fosse satisfeito, voc jamais tentaria procurar a verdade. No haveria intervalo para voc... porque somente a misria, dukkha, a infelicidade, o inferno que voc cria sua volta o ajudar a despertar. Isso o chacoalha para acord-lo. Na mitologia hindu est escrito que, num paraso de deuses, todos os desejos so satisfeitos imediatamente, sem nenhum intervalo de tempo. Na concepo hindu do paraso, existem rvores que satisfazem os desejos, kalptarus. Voc se senta sob elas e deseja qualquer coisa, e sem nenhum intervalo de tempo... aqui voc deseja e aqui recebe. Nem mesmo um nico momento perdido. Voc pede uma bela mulher e ela aparece. Mas esses deuses devem estar vivendo em sonhos, devem estar vivendo drogados. Os hindus dizem que do paraso no h caminho que leve verdade. Isso muito belo. Eles dizem que, se um deus deseja se libertar completamente, ter de vir terra. Por que? Porque no paraso no existe infelicidade, no existe misria para despertar algum. Trata-se de um sono longo e tranqilo, onde os sonhos so continuamente satisfeitos. Se todo sonho satisfeito, porque o 275

sonhador deveria abrir os olhos? Mesmo os deuses precisam vir terra, e somente ento podem ser libertados. Essa uma concepo rara. Os cristos no tm esse tipo de concepo; o paraso deles a ltima coisa. Mas os hindus dizem que ele no a ltima coisa ele apenas um estado de sono bom e belo. Bom, belo, longo, muito longo, pode durar milhares de anos, mas um estado de sonho. Para os deuses serem libertados, eles precisam descer de volta terra. Por que a terra? Porque na terra existe misria, dor, angstia... e somente a angstia necessria. Somente isso pode sobressalt-los e tir-los de sua soneca. Herclito est certo:

melhor que as coisas no aconteam s pessoas exatamente como elas querem...

Uma coisa ou outra sempre sai errada, e isso belo! Se nada sair errado, se tudo o que acontecer for o que voc gostaria que acontecesse, quem desejaria a verdade, quem procuraria a existncia, quem desejaria a liberdade, a liberdade total, moksha? Ningum! Por meio das drogas, as pessoas esto tentando ser como deuses do paraso hindu. Voc fuma maconha ou haxixe, ou toma LSD, e entra num estado de sonho, um belo estado de sonho, e fica sob uma rvore que satisfaz seus desejos. As drogas so contra a verdade, porque a verdade necessita de um despertar despertar do passado, despertar dos sonhos, despertar de seus desejos para perceber toda a falsidade que voc criou sua volta e para abandon-la. E abandon-la sem nenhum esforo, apenas perceber que ela est errada e abandon-la. Lembre-se: se voc fizer muito esforo para abandon-la, o prprio esforo o torna feio. A compreenso no precisa realmente de muito esforo. Voc compreende algo, percebe a realidade e o abandona. Voc no pode perceber que est infeliz devido a seus 276

desejos? Isso algo para argumentar, algo a se convencer? Voc no pode perceber isso? muito claro que a partir dos desejos voc criou um inferno. Ento, por que se esforar? Num puro e intenso momento de compreenso, por que no abandon-los imediatamente? E, se voc puder abandon-los imediatamente, ter uma beleza e uma graa. Voc no encontrar essa graa nos pretensos monges. Por todo o mundo, voc no encontrar essa graa nos monges catlicos, hindus e jainistas, porque eles esto tentando abandonar os desejos. O prprio esforo de abandonar mostra que eles ainda esto apegados; seno, por que se esforar? Eles gostariam de parar de desejar, mas esse tambm um desejo e por isso h esforo. Eles se apegam e gostariam de abandonar os desejos. Eles no atingiram um momento de compreenso, um momento de verdade. Todo o meu esforo para com voc lev-lo a um momento de compreenso no qual o esforo seja intil. O entendimento to intenso, to ardente, que tudo simplesmente se incendeia. Voc percebe, e sua prpria percepo se torna o abandonar. Isso possvel, aconteceu comigo e pode acontecer com voc. De maneira nenhuma sou excepcional; sou apenas uma pessoa comum. Se aconteceu comigo, uma pessoa comum, por que no com voc? Simplesmente faa uma busca intensa em direo compreenso. Compreenso transformao, mutao, revelao. A compreenso liberta. Preste ateno nestas palavras:

melhor que as coisas no aconteam s pessoas exatamente como elas querem. A menos que voc espere o inesperado jamais encontrar a verdade,
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porque ela difcil de descobrir difcil de se alcanar.

Deixe que estas palavras entrem em seu corao:

A menos que voc espere o inesperado jamais encontrar a verdade...

Porque a verdade no pode ser sua expectativa. Tudo o que voc esperar ser uma mentira, uma projeo, uma parte de sua mente. No, a verdade no pode ser prevista. Ela o toma de surpresa. Na realidade, ela vem quando voc no espera por ela. Ela uma iluminao repentina. A expectativa significa que o seu conhecido se projeta no futuro, no desconhecido. Por isso, digo que, se voc for cristo, hindu, budista ou jainista, errar o alvo pois o que significa ser cristo? Significa uma expectativa crist, significa um Deus visto por meio de olhos cristos, significa uma concepo, uma filosofia. O que significa ser hindu? Significa um sistema de crena. Isso lhe d uma expectativa, voc espera um Deus, espera a verdade. A verdade ser de uma certa maneira, o Deus ser de uma certa maneira a face, a figura, a forma, o nome que voc esperou. Sua expectativa a barreira, porque Deus o inesperado, a verdade o inesperado. Ela nunca foi teorizada, nunca foi trazida linguagem e no pode ser forada em palavras; ningum jamais conseguiu e jamais conseguir. Ela permanece o inesperado! Ela uma estranha. Sempre que Deus bater sua porta, voc no encontrar uma face familiar, no. Ele o no-familiar, o estranho. Voc nunca pensou sobre ele, nunca ouviu falar sobre ele, nunca leu sobre ele. Apenas o estranho... E, se voc no pode aceitar o estranho, se pedir o familiar, a verdade no para voc. A verdade uma estranha, ela vem sem dar aviso de que est vindo, ela vem quando voc no est esperando, no est aguardando. 278

Lembre-se disto: as pessoas meditam continuamente, e isso uma necessidade, mas a verdade nunca ocorre na meditao. Ela acontece fora. Mas a meditao ajuda-o, deixa-o alerta, faz com que voc fique atento, faz com que voc fique cada vez mais perceptivo e consciente. E subitamente, em algum lugar... ela acontece em momentos inesperados, voc no pode entender o motivo de Deus escolher momentos to inesperados. Uma monja est carregando gua, a ala de bambu quebra e o pote de barro cai e a gua escorre... e, repentinamente, ela desperta. O que aconteceu? Por quarenta, cinqenta anos ela meditou e ele nunca veio porque meditao significa que voc est esperando, est observando algo que ir acontecer. Sua mente est presente, funcionando muito sutilmente muito, muito sutilmente, voc pode at no detectar onde ela est. Voc pode achar que agora tudo est em silncio, nenhum pensamento, mas isso tambm um pensamento. Voc sente silncio absoluto, mas mesmo essa impresso de que agora existe um silncio absoluto e que logo a porta ir se abrir... isso um pensamento. Quando voc fica absolutamente silencioso, mesmo esse pensamento no est presente, que "Estou silencioso". Mas isso significa que voc no deve estar "meditando". E este o paradoxo: medite tanto quanto puder para trazer um momento de meditao no-meditativa. Isso aconteceu com a monja. Ao carregar gua, ela no estava preocupada com Deus; a ala de bambu era velha e ela estava preocupada com o bambu. Ela o segurava dessa e daquela maneira, com receio de que ele quebrasse a qualquer momento. E o pote era de barro e ele quebraria. Ela de maneira nenhuma estava porta da verdade, e a porta estava aberta porque ela meditou por quarenta anos. Assim, a porta estava aberta, mas ela no estava l... Subitamente, o bambu rompeu, o porte caiu e quebrou e a gua fluiu. Foi um choque! Por um momento, mesmo essa preocupao 279

de dissolveu. O que tinha de acontecer, aconteceu. Agora ela est em um momento no-meditativo e Deus est presente, e aconteceu. Sempre acontece dessa maneira e tais momentos a pessoa nunca espera. Quando voc espera, voc perde, porque voc est presente em sua expectativa. Quando voc no espera, acontece, porque o eu no est presente ningum est presente. Quando sua casa est totalmente vazia, to vazia a ponto de voc nem estar ciente de que "estou vazio"... porque esse tanto j ser uma perturbao suficiente... Quando mesmo o vazio jogado fora, ele vem.

A menos que voc espere o inesperado...

Abandone todas as suas noes sobre Deus. Todas elas so falsas. Deixe que Deus mesmo diga quem Ele a voc. Voc deve ter ouvido os hindus dizerem que as noes crists so falsas, os cristos dizerem que as noes hindus so falsas, os jainistas dizerem que as noes crists e hindus so falsas, os budistas dizerem que as noes jainistas, crists e hindus so falsas digo que todas as noes so falsas. No que a minha noo esteja correta no! Noo, como tal, falsa, porque ela faz uma teoria a partir do desconhecido, o que no possvel. Todas as teorias so falsas, sem exceo. Todas as teorias so falsas absolutamente, categoricamente, incluindo as minhas porque o inesperado permanece o inesperado.

A menos que voc espere o inesperado jamais encontrar a verdade, porque ela difcil de descobrir e difcil de se alcanar.
Na realidade, no rduo atingi-la e no rduo descobri-la. Por sua causa, rduo atingi-la e descobri-la pois como colocar essa mente de lado? A mente sutil, ela permanece mesmo ao 280

coloc-la de lado. Ela diz: "Tudo bem, no estarei aqui". Mas isso tambm mente. Ela diz: "Agora, deixe que Deus bata porta. Eu no estou". Mas isso tambm a mente. A mente diz: "Meditarei, abandonarei todos os pensamentos". Ela diz: "Olhe, abandonei todos os pensamentos. Olhe! Estou vazia". Mas isso tambm mente. Esse o problema, tudo o que voc faz, a mente est presente. Perceba o ponto nenhum esforo ajudar. Apenas perceba o ponto a mente existe por meio de pretenses... Perceba o ponto! Por que digo para perceber o ponto? Porque, se voc perceber o ponto, no haver pretenso. Se voc no perceber o ponto, a mente poder enaltecer-se: "Estou aqui sem pretenses". Perceba o ponto! O vazio necessrio, no a pretenso de que estou vazio. A conscincia necessria, no a pretenso de que sou a conscincia porque sempre que surge o "eu", voc entrou na noite escura da mente. Quando o "eu" no est presente, h luz, tudo fica claro. Uma clareza, uma percepo infinita voc pode perceber amplamente, pode perceber o todo. Dessa maneira, a nica coisa que pode ser feita observar as artimanhas da mente. E no tente fazer o oposto. Por exemplo, sua mente est repleta de pensamentos no tente lutar contra os pensamentos, porque esse lutador a mente. E, se voc lutar, a mente alegar o oposto: "Olhe! Abandonei todos os pensamentos. Agora, onde est Deus? Onde est a iluminao?" No faa o oposto, no crie uma luta, porque com a luta vem a pretenso. Simplesmente observe e relaxe. Simplesmente observe e divirta-se com as artimanhas da mente. Divirta-se, elas so to belas! Quo enganadoras, quo ilusrias! Como elas insistem em vir sem parar! Os hindus sempre dizem que elas so como a cauda de um co. Mesmo se ela for mantida na reta por doze anos, no momento em que o esforo for interrompido, a cauda se curva novamente. 281

Um dia eu conversava com uma criana e ela disse: "Estamos nos esforando para endireitar um amigo porque ele no acredita em Santa Clara". Num outro dia ele continuou: "Depois de sete dias de esforo, ele se rendeu e afirmou que agora acredita nela". Mas, no dia seguinte, o menino disse: "Precisamos nos esforar mais". Perguntei: "O que aconteceu? Ontem voc disse que ele tinha se endireitado. Ento, pra que se esforar agora?" O menino respondeu: "Ele deu pra trs de novo ns o endireitamos, mas ele sempre d para trs". Essa a natureza da mente. No h o que fazer. Essa a natureza da mente entenda-a, e isso tudo. O entendimento suficiente. Se no for assim, fica difcil... Voc pode insistir, mas a mente o seguir como uma sombra, e tudo o que voc alegar ser uma alegao da mente. por isso que todos os sbios dizem: "Os que alegam que sabem, no sabem. Os que dizem que atingiram, no atingiram". Por que? Porque a prpria alegao perigosa.

A menos que voc espere o inesperado jamais encontrar a verdade, porque ela difcil de descobrir e difcil de se alcanar. A natureza adora se ocultar.
Esse um jogo de esconde-esconde. Ele belo assim como ! A natureza no est na superfcie, ela est oculta no centro. A natureza como as razes das rvores, ela fica na profundidade do solo o mais essencial est oculto. Nunca considere que a rvore o mais essencial. Ela apenas a periferia de onde vm as flores, as folhas, os frutos; ela a periferia. A rvore verdadeira existe no subsolo, no escuro; ela est oculta no tero escuro da terra. Pode-se cortar a rvore e uma nova rvore brotar, mas corte as razes e tudo desaparece. 282

Voc no est na superfcie de sua pele; essa a periferia. Voc o subsolo profundo e oculto. E Deus no est na superfcie. A cincia aprende cada vez mais sobre a superfcie, aprende cada vez mais sobre a pele. No importa o quo fundo a cincia v, ela nunca vai realmente fundo, porque ela aprende de fora. De fora pode-se aprender somente sobre a pele. O real est oculto no interior, no santurio mais ntimo. Tambm em voc ele est oculto no santurio mais ntimo. Voc vive na periferia e assim o perde. E a existncia tem um centro o centro est oculto.

A natureza adora se ocultar.

Por que? Por que a natureza adora se ocultar? Porque esse um jogo. Em sua infncia voc deve ter brincado de escondeesconde. Para Herclito, a existncia um jogo, uma leela, uma brincadeira. Ela se oculta, e isso belo! e voc precisa descobrir. E no prprio esforo de descobrir, voc cresce. Existem dois tipos de pessoa. Um chamo de nodescobridoras: elas permanecem na periferia. E as descobridoras: elas caminham e direo ao centro. As pessoas que vivem na periferia so mundanas. O mundo dos negcios periferia, a poltica periferia, sucessos e conquistas so periferia. Elas no so descobridoras, no so aventureiras. Mesmo se forem para a lua, isso no uma aventura, porque elas permanecem na periferia. A aventura verdadeira religiosa, caminhar para o prprio centro do ser. Primeiro voc precisa entrar em voc mesmo, porque voc um mundo em miniatura. Voc caminha para o seu centro e, a partir desse centro, tem o primeiro vislumbre de como as coisas so. O real est oculto. Na periferia esto as ondas, os sonhos; na periferia h apenas uma representao. Na profundidade, no mago mais profundo da existncia, est o oculto. Herclito o chama de harmonia oculta. 283

Caminhe em direo ao ser, ao centro, prpria base. Procure sempre as razes, e no se deixe enganar pelas folhagens. Mas voc enganado pelas folhagens se uma pessoa bonita na superfcie, voc se apaixona; voc se apaixonou pela folhagem. Mas a pessoa pode no ser bonita por dentro, ela pode ser absolutamente feia e voc caiu na armadilha. H uma graa interior quando a luz brilha por dentro e chega tambm na periferia; no se pode ver de onde ela est vindo. Voc pode ver uma pessoa bonita e, ainda assim, feia, e pode ver justamente o oposto tambm acontecendo: uma pessoa feia e, ainda assim, bonita. Quando uma pessoa feia bela, no se pode encontrar a fonte, onde ela est, porque a pele, a superfcie, a estrutura e a fisiologia no so atraentes mas algo interior o atrai. Quando acontece da pessoa ser bela na superfcie e tambm no ser interior, trata-se de algo muito misterioso. Ento, o que acontece carisma. Algumas vezes voc sente um carisma volta de uma pessoa carisma significa que existe alguma harmonia oculta entre a superfcie e o centro; a personalidade tem um magnetismo, algo do divino. Esse encontro da periferia com o centro uma harmonia oculta.

A natureza adora se ocultar.

Por que? Porque somente por meio do ocultar-se o jogo pode continuar; do contrrio, o jogo cessar. O jogo continua, ele eterno. E lembre-se tambm disto: mesmo se voc encontrar, o jogo continua, mas ento ele tambm tem uma qualidade diferente. Nunca ache que o jogo terminar quando voc encontrar o mago mais profundo. No, o jogo continua. Agora com conscincia, muitas vezes voc se afasta do centro oculto; com conscincia, voc d uma chance para a natureza se ocultar novamente mas agora proposital. como duas crianas brincando, e uma sabe onde a outra est escondida. Para dar certa qualidade ao jogo, ela procura 284

em todos os lugares e corre por toda parte, exceto naquele lugar. Ela sabe onde a outra est escondida, ela poderia peg-la de cara, mas fica dando voltas. Os budas continuam a jogar, mas o jogo muda. Agora eles sabem, agora no h ansiedade, no h desejos, nada a ser atingido. Agora, trata-se de um simples jogo. No h objetivo nele ele continua. Assim, h duas possibilidades. Um jogo ignorante... isso o que est acontecendo com voc. Por voc ser ignorante, voc leva o jogo muito a srio a seriedade se torna uma doena e fica triste a respeito. Pessoas me procuram... se elas meditam e no alcanam, ficam muito srias e frustradas. Eu digo para no ficarem srias e frustradas, porque este todo o ponto a ser entendido: trata-se de um jogo! No h pressa para termin-lo; ele no um negcio. Deixe que ele se estenda tanto quanto possvel. Por que tanta pressa? Por que ficar to tenso? A infinidade est frente, um tempo eterno est frente, no h pressa. Voc sempre estar presente e o jogo sempre estar presente ele sempre existiu e sempre existir. Tome-o com leveza... leve-o numa boa! Ele est sempre na esquina, a qualquer momento pode ser descoberto. Mas por que tanta pressa? Relaxe se voc puder relaxar, chegar mais cedo ao centro. E, se estiver com pressa, permanecer na superfcie, pois uma mente apressada e tensa no pode se dirigir aos reinos mais profundos do ser. Somente a pacincia o ajuda a se estabelecer na essncia, na verdadeira essncia.

A natureza adora se ocultar.

belo, a natureza adorar se ocultar. A natureza no exibicionista. Ela no exibicionista. A impresso de que ela consiste na folhagem apenas uma maneira de se ocultar. De uma maneira sutil, Deus est se ocultando na flor. Se voc simplesmente perceber a flor, errar o alvo. 285

Um poeta ingls, Tennyson, disse corretamente: "Se eu puder entender uma flor em sua totalidade, compreenderei Deus". Ele est certo! Se voc puder entender uma pedrinha na praia em sua totalidade, compreender Deus, pois esses so todos os esconderijos. Uma flor um esconderijo, uma pedrinha tambm um esconderijo. Ele est oculto em todos os lugares milhes de formas. Onde voc estiver, ele estar presente em todas as formas sua volta. Qualquer forma pode passar a ser uma porta. Ao ter prontido para entrar, ao no ter expectativa, ao no desejar, ao no pedir ou projetar algo, repentinamente a porta se abre.

O Senhor, cujo orculo est em Delfos, no fala nem se cala mas d sinais.
Em Delfos h um velho santurio grego, e as pessoas costumavam ir ao orculo de Delfos par fazer perguntas. Mas o orculo de Delfos nunca disse nada, ele simplesmente dava sinais. Herclito o usa como uma parbola. Ele diz que Deus, o total, o todo, nunca fala em termos de sim ou no ele simplesmente d sinais. Ele potico, ele lhe d smbolos. No tente interpret-los. Se voc interpretar, perder. Apenas observe e deixe o sinal penetrar mais fundo em voc e ser impresso em seu corao. No tente encontrar o significado imediatamente, pois quem descobrir o significado? Se voc encontrar o significado, ele ser o seu significado. Apenas deixe o sinal, o smbolo, ser impresso em seu corao e, algum dia, a vida revelar o significado. Voc simplesmente vive com ele, simplesmente deixa que ele esteja presente. Por exemplo, voc vem a mim e pergunta: "como a minha meditao est indo?" Voc me pergunta e eu sorrio. Eu lhe dei um sinal. O que voc far com isso? Voc pode interpretar. Essa a primeira tendncia da mente. Voc pensar: "Tudo bem, ele sorriu, e isso significa que estou chegando l. Ele disse sim e tudo est indo 286

bem. Estou no caminho certo". Seu ego fica satisfeito. Se voc estiver numa disposio de nimo positiva, essa ser a interpretao. Mas, se voc estiver numa disposio de nimo negativa, pensar: "Ele sorriu ele no disse sim e apenas foi gentil, mas no estou indo a lugar nenhum". Das duas maneiras voc errou o alvo, pois, se houvesse um sim a ser dito, eu o teria dito. Eu no o teria colocado numa tal dificuldade para encontrar a interpretao. Se houvesse um sim a ser dito, eu o teria dito; se houvesse um no a ser dito, eu tambm o teria dito. Mas eu simplesmente lhe sorri, no disse nem sim nem no. Na realidade, eu nada lhe disse eu lhe dei um sinal. No o interprete! Deixe que esse sorriso penetre fundo em seu corao, deixe que esse sorriso esteja presente. Algumas vezes lembre-se dele, coloque-o de volta no corao, deixe que ele se dissolva em voc e no tente encontrar o significado e isso ajudar na sua meditao. Um dia, subitamente, num profundo estado meditativo, voc comear a sorrir da mesma maneira que eu sorri, porque esse momento ser o momento da compreenso. Ento, voc poder sorrir, pois saber qual era o significado. A vida sutil. O "sim" e o "no" no podem ser usados. A vida to sutil que, se voc disser sim, voc o falsifica, e, se disser no, voc o falsifica tambm. A linguagem muito pobre, ela conhece somente duas coisas, sim e no. E a vida muito rica, ela conhece infinitas posturas e posies entre o sim e o no infinitas gradaes. Trata-se de um espectro de milhes e milhes de cores. Sim e no so muito pobres voc nada diz com eles. Sim e no significam que voc dividiu a vida em preto e branco. Mas a vida tem milhes de cores, ela um arco-ris. Na realidade, o preto e o branco no so cores. Tirando o preto e o branco, todas as cores existem. Voc precisa entender isso. O preto a ausncia de todas as cores, ele no uma cor. Quando nenhuma cor est presente, o vazio escuro; em si mesmo, ele no uma cor. por isso que o preto no muito encontrado na natureza. 287

Ele uma ausncia. E o branco tambm no uma cor, mas uma mistura de todas as cores, elas viram branco; ele no uma cor. Branco um plo, preto outro. A presena de todas as cores o branco, a ausncia de todas as cores o preto. Entre essas duas polaridades, existem cores reais verde, vermelho, amarelo e todas as suas variaes, milhes de variaes. Quando lhe sorrio, no estou dizendo preto ou branco, sim ou no estou lhe dando uma cor no espectro, uma cor real. No tente interpretar, pois se o fizer, dir que preto ou branco, e no se trata de nenhum dos dois. A cor est em algum lugar no meio, e ela to sutil que palavras no podem express-la. Se palavras pudessem express-la, eu lhe daria uma palavra e no o teria colocado desnecessariamente em dificuldade. Voc me procura, diz algo e eu no respondo. Algumas vezes acontece de voc vir me ver e eu nem mesmo lhe fao uma pergunta e simplesmente o esqueo. Eu interpelo outros e deixo voc de lado. Voc interpretar isso: "Por que?" No interprete, simplesmente deixe esse ato entrar fundo em voc. Algum dia, numa disposio de nimo muito meditativa, o significado florescer. Estou pondo sementes em voc, e no lhe dando palavras e teorias. Quando eu me for, por favor, lembre-se de mim como um poeta, e no como um filsofo. A poesia precisa ser entendida de maneira diferente voc precisa amar a poesia, e no interpret-la. Voc precisa repeti-la muitas vezes, de tal modo que ela se misture com o seu sangue, com os seus ossos, com a sua prpria medula. Voc precisa recitar poesia muitas vezes, de tal modo que possa sentir todas as nuanas, as suas formas sutis. Voc precisa sentar-se simplesmente e deixar a poesia entrar em voc, para que ela passe a ser uma fora viva. Voc a digere e depois se esquece dela; ela entra cada vez mais fundo e o transforma. Deixe que eu seja lembrado como um poeta. claro, no estou escrevendo poesias em palavras. Estou escrevendo num 288

veculo mais vivo em voc. E isso o que toda a existncia est fazendo. Herclito diz:

O Senhor, cujo orculo est em Delfos no fala nem se cala mas d sinais.
Um sinal no deve ser interpretado, um sinal deve ser vivido. Sua mente ter a tentao de interpret-lo. No seja tentado pela mente; apenas diga a ela: "Isso no lhe diz respeito, no para voc. V brincar com outras coisas. Deixe que isso penetre mais fundo em meu ser". E isso o que fao quando me comunico com voc. No estou me comunicando com sua mente, mas com voc como ser, como ser luminoso, como deus encarnado, como uma possibilidade, como uma potencialidade infinita. Estou me comunicando com o seu futuro, e no com o seu passado. Seu passado lixo jogue-o fora! No o carregue. Estou me comunicando com o seu futuro, o inesperado, o desconhecido. Aos poucos voc ser capaz de ouvir esta msica, a msica do desconhecido, a msica em que todos os opostos desaparecem e surge uma harmonia oculta. Sim, a natureza adora se ocultar, porque ela um mistrio. Ela no uma questo, no um quebra-cabea a ser resolvido. Ela um mistrio a ser vivido, desfrutado, celebrado.

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Voc no pode pisar duas vezes no mesmo rio

(11 discurso - 31 de dezembro de 1974)

No mesmo rio ns pisamos e no pisamos. No se pode pisar duas vezes no mesmo rio. Tudo flui e nada permanece. Tudo cede e nada se fixa. As coisas frias tornam-se quentes e as quentes, frias. O mido seca, o ressecado umedece. pela doena que a sade d prazer, pelo mal que o bem apraz, pela fome, a saciedade; pela exausto, o repouso.
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 a mesma e uma s coisa estar vivo ou morto, desperto ou adormecido, jovem ou velho. Em cada caso, o primeiro aspecto torna-se o ltimo, e o ltimo, novamente o primeiro, por uma sbita e inesperada reverso. Eles se separam e depois se unem novamente. Tudo vem na estao certa. No mesmo rio ns pisamos e no pisamos...

Porque a aparncia, e lembre-se, somente a aparncia, permanece a mesma. Caso contrrio, tudo muda e tudo flui. Eis aqui a diferena bsica entre o conceito comum de religio e a verdadeira religio. Os hindus dizem que aquilo que muda a aparncia, maya; e o que nunca muda, que permanente, Brahma. Herclito diz exatamente o oposto: o que parece permanente a aparncia, maya, e o que muda Brahma. E a compreenso de Buda a mesma, que s a mudana permanente, a mudana o nico fenmeno eterno somente a mudana permanece, nada mais. Eu tambm sinto o mesmo. Em busca de uma verdade permanente, voc no busca nada alm do ego. Em busca de um Deus permanente, o que voc est buscando? De uma maneira ou de outra, est buscando a permanncia. Voc gostaria de poder permanecer de modo que se este mundo mudar no haver com o que se preocupar. A sua

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mente diz: "Busque o divino e no haver nenhuma mudana; voc viver eternamente." O conceito religioso comum hindu, judaico ou cristo basicamente uma viagem ao ego. Por que voc diz que a mudana aparente? Porque voc tem medo da mudana. Ela se parece com a morte. Voc gostaria de algo absolutamente permanente sobre o qual se apoiar. Gostaria de uma casa que existisse eternamente. Neste mundo voc no pode encontrar uma casa que permanea. Neste mundo no pode encontrar um relacionamento que permanea. Ento voc projeta um relacionamento com Deus, porque Deus permanece, e com Deus voc permanecer. Mas essa procura, esse desejo, essa busca de durar para sempre esse o problema! Por que voc quer ser? Por que no ser? Por que voc tem tanto medo de no ser? Se voc tem medo do no ser, do nada, do vazio, da morte, no pode encontrar a verdade. Conhece-se a verdade quando se est pronto para abandonar a si totalmente, completamente. por isso que Buda diz: "No h nenhuma alma. Voc no um eu, no um atma. Voc um artatta, um no-eu. No h nada permanente em voc, nada substancial. Voc um fluxo, um rio." Por que Buda insiste num no-eu? Insiste porque se voc aceita o no-ser, se aceita o nada, ento no teme a morte, pode abandonar-se completamente. E quando voc se abandona completamente surge a viso. Voc capaz de conhecer. Com o ego, voc no pode conhecer. Somente na ausncia do ego, num abismo profundo, a percepo acontece ento voc se torna um espelho. Com o ego, voc interpretar sempre, no pode conhecer a verdade. Com o ego, voc est sempre interpretando de maneiras sutis, e a sua interpretao no a verdade. Voc o veiculo de toda falsificao. Atravs de voc tudo se torna falso. Quando voc no est ai, a verdade reflete. De alguma maneira voc precisa chegar a uma compreenso: a compreenso do no-eu, de um fluxo imutvel, nenhuma substncia em si apenas 292

um rio fluindo, fluindo. Ento voc um espelho, uma claridade. No h ningum para perturbar, ningum para interpretar, ningum para distrair. Ento a existncia se reflete em voc assim como ela . Esse reflexo da existncia, tal como ela , a verdade. Segunda coisa: se voc quer durar para sempre, no vive o momento. Aquele que vive a sua vida de um modo verdadeiro, autntico, aquele que goza a vida, est sempre pronto para morrer, sempre pronto para viver. Aquele que no se alegra nem celebra a vida, aquele que no vive o momento, a vida, tem sempre medo de morrer porque "chegou a hora de partir e ainda no estou realizado". O medo da morte no o medo da morte, o medo de permanecer no realizado. Voc vai morrer, e no experimentou nada, absolutamente nada da vida nenhuma maturidade, nenhum crescimento, nenhum florescimento. De mos vazias voc veio e de mos vazias est indo. Esse o medo! Aquele que viveu est sempre pronto para morrer. Sua prontido no uma atitude forada. Sua prontido assim como uma flor. Quando a flor desabrocha, exala seu perfume aos cantos infinitos da existncia, desfruta do momento, vive-o, dana-o com a brisa, ergue-se contra o vento, olha para o cu, v o nascer do sol, vive-o, e noite sente-se satisfeito e est pronto para deixar a terra, para voltar, para repousar. E sempre bonito quando voc vive, o repouso belo. o que h! A flor simplesmente deixa a terra e vai dormir. No h nenhuma tenso, nenhuma angstia, nenhum choro, nenhum esforo ao qual se prender. Voc se prende vida porque sua vida no est satisfeita. Voc no se ergue contra o vento forte. No conheceu a manh e a noite chegou. Nunca foi jovem e a velhice est batendo sua porta. Nunca amou e a morte est chegando. Esse estado de insatisfao e a chegada da morte criam o medo. Buda diz que se voc viveu, estar sempre pronto para morrer. E essa prontido no ser algo forado sobre voc. Ser o que ! Ser uma coisa natural! Assim 293

como nasceu, voc morre. Assim como veio, voc vai. Essa a roda da existncia. Voc viveu a parte do ser, agora viver a do no-ser. Voc existiu, agora no existir. Voc se ergueu, se manifestou, agora entrar no no manifesto. Voc estava visvel, encarnado, agora entrar sem o corpo no invisvel. Voc teve o seu dia! Agora ter o seu repouso, a noite. O que h de errado nisso? por causa da busca de espetculos permanentes que voc permanece insatisfeito. A busca para obter um eu permanente uma priso. Voc sabe que a morte vai chegar, o que fazer ento? O corpo se desintegrar, desaparecer. Agora voc tem esperanas de que exista um eu permanente que perdure. Lembre-se: aqueles que sentem medo sempre acreditam na alma eterna. Veja este pas: todos acreditam que a alma eterna, mas no se pode encontrar no mundo um pas mais covarde. No acidental. Por que os hindus so to covardes? Se eles soubessem de fato que a alma nunca ir morrer, seriam os mais bravos porque a morte no existe! Esto sempre falando da imortalidade e se voc observar a vida deles ver que temem a morte mais do que qualquer outro povo. Seno, como se explicariam os milhares de anos de escravido deste pas? Raas muito pequenas a Inglaterra no maior do que uma provncia da ndia. Trs crore de pessoas foram capazes de dominar um pas de cinqenta crore. Parece simplesmente impossvel! Como isso aconteceu? Porque este um pas covarde. No pode entrar, teme a morte. Fala de imortalidade e isso no acidental, h alguma razo por trs disso. Sempre que algum fala demais sobre a imortalidade, isso significa que tem medo da morte, que um covarde. E a ndia tem vivido por causa dos sacerdotes. Eles tm ensinado as pessoas a renunciarem, e assim todo o mundo est pronto para renunciar antes de ter vivido. Vem ento o medo. Se voc viveu, viveu com toda a sua capacidade, se alcanou um ponto mximo, o medo da 294

morte desaparece. S ento o medo da morte desaparece, nunca antes disso. Se voc renuncia vida, se voc no ama, se no come, se no curte e no dana: se voc simplesmente renuncia, condena e diz: "Isso tudo materialismo. Sou contra isso" quem esse "eu" que diz: "Sou contra isso"? o ego. Voc no pode encontrar maiores egostas do que aqueles chamados de espiritualistas. Esto sempre condenando os materialistas. Esto sempre dizendo: "O qu! Voc est desperdiando a sua vida. Comer, beber e ser feliz essa a sua religio. Voc um peso sobre a terra. Tem de ser atirado ao inferno." Quem est condenando? O que h de errado em comer, beber e ser feliz? O que h de errado nisso? Essa a primeira parte da vida. Tem de ser assim. Voc tem de comer, beber e ser feliz. Tem de celebrar! S ento, depois de ter celebrado o mximo, est pronto para ir, pronto para partir sem rancores, sem reclamaes. Voc viveu o dia e a noite chegou. E quando o dia foi to bonito voc subiu com as ondas at o cu, e fez tudo que o momento exigiu repousar, voltar terra bonito. A ndia tem renunciado, e uma religio que renuncia falsa. A religio que o torna capaz de celebrar at o mximo uma verdadeira religio. E essa a beleza: se voc viver a vida, a renncia vir automaticamente. Ela acontece! Assim a natureza. Se voc come bem, a saciedade vem. Se voc bebe bem, a sede desaparece. Se voc viveu bem, o apego vida desaparece. Tem de ser assim! Essa a lei, o Logos. Se voc no tem vivido bem, permanecer sempre apegado, sempre sonhando sobre como viver. E se voc renunciar a esta vida, ter de projetar uma outra. Voc precisa de um eu permanente, seno como far? Voc perdeu esta vida, e no existe outra? Voc precisa de um eu permanente. Tem de se consolar e acreditar que "Tudo bem, o corpo morre, mas o eu no morre nunca." Se voc ouvir Buda, ou Herclito, ou a mim, o eu morrer at mesmo antes do corpo morrer porque o eu possui uma 295

substancia mais sonhadora do que o corpo. O corpo mais substancial pelo menos leva setenta anos para morrer e o eu morre a todo momento. Observe! De manh voc tem um eu, tarde tem outro. De manh voc se sentia feliz e o eu era diferente. tarde ele j desapareceu, foi embora! Sim, Herclito est certo: "No podemos pisar duas vezes no mesmo rio." Apenas parece que tarde o seu eu o mesmo. Apenas parece! Onde est o eu da manh, com o qual voc estava se sentindo to feliz, podia cantar com os pssaros, podia danar com o nascer do sol? Onde est esse eu? tarde voc j est triste; a noite desceu sobre voc. No meio da tarde ele j se tornou noite voc est triste. o mesmo eu? Quando voc ama ou quando odeia, pensa que o eu o mesmo? Quando est deprimido ou quando alcana um pico de alegria, o mesmo eu? No ! Apenas parece ser. Parece o mesmo, exatamente como o Ganges: de manh, tarde e noite, o Ganges parece o mesmo mas no . Est completamente fluindo. Herclito ama o smbolo do rio, Buda ama o smbolo da chama. O smbolo da chama ainda mais sutil. A chama parece ser igual, mas no . Est desaparecendo a cada momento: o velho se vai e o novo est chegando. Buda diz que noite voc acende uma vela, e pela manh voc a apaga mas no pense nunca que a vela seja a mesma. No pode ser. Queimou e queimou durante toda a noite. Durante toda a noite a chama foi desaparecendo, desaparecendo, e constantemente foi substituda por uma nova chama. Mas a diferena entre as duas chamas, a velha se indo e a nova chegando, o intervalo to sutil, que voc no pode ver. Buda diz: "O eu que nasce no morrer j morreu. O homem que voc foi ao nascer e o homem que ser quando morrer, no o mesmo." Buda diz: " o mesmo continuum, mas no a mesma coisa." A chama que havia noite e a chama que h pela manh constituem o mesmo continuum, a mesma srie de chamas, mas no o mesmo eu. O Ganges parece o mesmo; no . E tudo est mudando. 296

A natureza da realidade a mudana. A permanncia ilusria. E essa uma percepo mais profunda que a dos hindus. a mais profunda j alcanada. Porque a mente preferia ter um lar permanente, ter um cho permanente para pisar, ter razes permanentes... a permanncia falsa. Parece no ser devido igualdade das coisas. O seu rosto permanece o mesmo noite e de manh, e assim voc pensa que a mesma pessoa. Voc estava aqui ontem, anteontem; o seu rosto parece ser o mesmo, mas voc o mesmo? Esta manh diante de mim, voc estava diferente, j havia mudado. Quando sair daqui no ser a mesma pessoa porque ouviu o que eu disse e alguma coisa mais entrou em voc. O seu eu j mudou. Novos rios desaguando no Ganges, novos regatos, novos ribeires. Eu desagei dentro de voc. Como h de ser o mesmo novamente? Jamais ser o mesmo. No h meio. E a cada momento milhes de regatos esto desaguando na sua conscincia. Voc anda pela rua v uma flor e sorri a flor est mudando voc. Uma brisa fresca sopra e o banha a brisa est mudando voc. O sol surge e voc sente um calor o sol est mudando voc. A cada momento, tudo est mudando. E no h nada permanente. O que acontecer se voc entender isso? Se puder entender, esta se tornar uma das melhores situaes para abandonar o ego. Quando tudo est mudando, por que se apegar? E at mesmo se apegando voc no pode fazer com que a mudana pare. No pode parar o rio. Ele flui! Parar no possvel. E por querermos parar as coisas, torn-las permanentes, criamos um inferno nossa volta. Nada pode ser detido. Hoje, eu o amo quem sabe o que acontecer amanh? Mas voc quer parar o amor: quer que amanh seja como hoje. Se voc se prender e parar, morrer. Amanh pela manh ningum sabe o desconhecido, o inesperado. Voc s pode esperar quando as coisas so permanentes. Se nada permanente a expectativa desaparece. Se no existe nenhuma expectativa porque as coisas esto em constante 297

movimento, como voc pode se frustrar? Quando voc tem expectativas, h frustrao. Se voc no tem, no h frustrao. Voc espera porque acha que as coisas so permanentes. Nada permanente.

No mesmo rio ns pisamos e no pisamos.

S a aparncia a mesma a do rio, a sua tambm.

No se pode pisar duas vezes no mesmo rio.

porque o rio jamais ser o mesmo outra vez. E voc tambm jamais ser o mesmo. por isso que cada momento nico, incomparvel! Nunca existiu antes e jamais existir outra vez. Isso lindo! No uma repetio absolutamente fresco. Voc perder esse frescor se tiver uma mente apegada e possessiva e buscar algo permanente. E tente pensar nisso: se voc tiver um eu permanente, esse eu ser como uma rocha. At mesmo as rochas mudam. Mas o eu no pode ser como uma flor. Se voc tivesse um eu permanente, se as coisas tivessem um eu permanente, um substrato, ento toda a existncia seria um tdio, no poderia ser uma celebrao. A celebrao s possvel quando cada momento lhe traz alguma coisa nova. Quando cada momento lhe traz algo do desconhecido, quando cada momento uma penetrao do desconhecido no conhecido, ento a vida uma excitao sem expectativa. A vida ento um movimento constante para dentro do desconhecido. Nada pode frustr-lo porque em primeiro lugar voc no espera nunca que qualquer coisa seja igual para sempre. Por que h tanta frustrao no mundo? Porque todo o mundo est esperando o permanente. E a permanncia no est na natureza das coisas. Nada se pode fazer sobre isso. Voc tem de crescer e 298

abandonar a idia de permanncia. Tem de crescer e se tornar um fluxo. No seja como uma rocha slida; seja como as frgeis flores. O seu Brahma assim como uma rocha slida. O Absoluto de Hegel e de Shankara uma rocha slida. Mas o Nirvana de Buda, a Compreenso de Herclito, como uma frgil flor, mudando. Desfrute disso enquanto durar, e no pea por mais. Voc est apaixonado celebre enquanto estiver acontecendo. No comece a fazer planos para que exista para sempre, seno perder o momento fazendo planos. E quando os planos estiverem prontos, a flor estar morta. No momento em que voc estiver pronto para curtir, o momento j ter ido embora. E ningum pode traz-lo de volta. No h voltas. O rio segue adiante e para diante flui, e a cada momento voc vai sendo atirado em novas praias. Este o problema, a ansiedade do homem, a angstia: a mente pensa nas praias que no existem mais. E quer projetar as praias que no existem mais no futuro. E a todo momento o rio est chegando a novas praias, desconhecidas, inesperadas. Mas isso belo! Se a sua vontade for satisfeita, voc tornar toda a vida feia. Pense nisso: os hindus e o jainistas tm um conceito de moksha, de um estado de conscincia no qual nada muda. Pense por um momento nada muda e as pessoas que se Iluminaram, segundo eles, permanecero nesse moksha absolutamente imutveis, sem nada mudar isso seria um tdio absoluto. Voc no pode melhorar nada. absoluto. No se pode pensar em nada mais aborrecedor: Deus ali sentado, voc ali sentado, sem que nada mude, sem nada dizer. Cada momento parecer uma eternidade que enfado. No, para Herclito, Buda e Lao-Ts, a alma da existncia a mudana. E a mudana embeleza tudo. Uma mulher jovem e voc gostaria que ela permanecesse sempre jovem, sempre igual. Mas se isso acontecer realmente, voc ficar entediado. Se realmente acontecer de uma jovem, por qualquer artimanha biolgica, por qualquer truque da cincia... e isso possvel! Mais cedo ou mais 299

tarde, o homem to estpido, que possvel que por um truque biolgico qualquer injete certos hormnios no corpo e a idade da pessoa seja mantida. Uma garota de vinte anos ficar para sempre com essa idade voc conseguir amar algum assim? Ela ser uma garota de plstico. Permanecer sempre igual, sem mudana de estaes; nenhum vero, nenhum inverno, nenhuma primavera ou outono. Ser uma mulher morta: No se pode amar uma mulher assim: ser um pesadelo. Voc vai querer ir para o outro lado do mundo a fim de fugir dessa mulher. As estaes so belas, e graas a elas a cada momento voc se torna novo a cada momento um novo humor, a cada momento uma nova nuance do ser, a cada momento novos olhos e uma nova face. E quem lhe disse que uma mulher velha feia? Ser feia se insistir em parecer jovem; ento ser feia. Pintar seu rosto, usar batom, uma coisa e outra, e ento ser feia. Mas se uma velha aceitar a sua velhice com naturalidade, como deve ser, ento no se encontrar rosto mais bonito com rugas, enrugado pelas muitas estaes; madura, com muitas experincias, adulta. Uma pessoa velha bela quando viveu a sua vida. Se no viveu, quer ento apegar-se a algum momento passado que no existe mais. E um homem feio quando a juventude j passou e ele tenta mostrar que jovem; quando o sexo passou se voc viveu, ele deve ter passado e voc continua buscando coisas que so boas nas suas devidas estaes, que so belas em certos momentos da vida. Mas ridculo um velho apaixonar-se ridculo! to ridculo quanto um jovem que no se apaixona. Fora de estao, fora de compasso com a vida. por isso que se diz: "Seu velho sujo". uma boa expresso: sempre que um homem velho pensa em sexo, sujo; demonstra que ele no cresceu. O sexo bom no seu prprio estgio, mas um velho deve agora estar pronto para se retirar, estar pronto para morrer, deve se preparar para isso porque logo o seu barco estar zarpando para praias desconhecidas. Ele devia se preparar para isso 300

e est se comportando como um rapaz ou como uma criana. Mas no h nada mais feio do que isso: fingir uma coisa que j passou, viver no passado. Ele louco! Tudo bonito no seu momento e tudo tem o seu momento. Nunca esteja fora de compasso isso que eu chamo de ser religioso: nunca sair fora do compasso. Seja verdadeiro com o momento: quando jovem, seja jovem; quando velho, seja velho. E no misture as coisas, seno haver confuso, e a confuso feia. Na realidade, da sua parte no h necessidade de fazer nada. Voc tem simplesmente de seguir a natureza. Tudo o que voc fizer sair errado. O prprio fazer errado... flua simplesmente.

No mesmo rio ns pisamos e no pisamos. No se pode pisar duas vezes no mesmo rio.
Se voc est velho, no poder ser jovem novamente. Se jovem, no poder ser criana novamente. Se for jovem e tentar ser uma criana, ser um retardado. E isso demonstra apenas uma coisa: que quando era criana, voc perdeu a infncia; da a sensao de estar pendurado. At as pessoas velhas desejam suas infncias. Elas perdem toda a vida porque perderam o primeiro passo. Quando eram crianas provavelmente pensavam em se tornarem jovens, em crescerem, em serem poderosos; serem como o pai, como os adultos. Deviam pensar nisso quando crianas; perderam a infncia e depois, no fim, querem a infncia novamente. E falam, escrevem poemas sobre o paraso que era a infncia. So essas as pessoas que perderam. Quando voc perde um paraso, fala sobre ele. Quando vive esse paraso, no h necessidade de falar. E se voc viveu o seu paraso infantil, ento a sua juventude ser um belo fenmeno. Estar baseada no paraso que voc viveu quando criana. Ter graa a beleza. E quando voc tiver vivido a sua juventude, a sua velhice ser um pico, ser o Gourishankar, o Evereste. E os cabelos brancos sobre uma cabea 301

velha so como a neve num pico alto. E com todas as coisas passadas e mudadas, com todos os rios experimentados, todas as praias conhecidas, voc pode repousar. Pela primeira vez no h nenhuma inquietude. Voc pode ser o mesmo. No h para onde ir, nada a fazer voc pode relaxar! Se um velho no consegue relaxar, isso significa que ele no viveu a vida. E se voc no consegue relaxar, como pode morrer? E aqueles que no podem morrer, criam o desejo de um eu permanente, de um Deus permanente. Fique sabendo que somente a mudana Deus; a mudana a nica permanncia que h no mundo. S a mudana eterna. Tudo o mais est mudando exceto a mudana. Somente a mudana a exceo; tudo o mais est mudando.

Tudo flui e nada permanece. Tudo cede e nada se fixa.

Voc deve estar pronto! isso que eu chamo de meditao: voc deve estar pronto. Quando algo se vai, voc deve estar pronto! Deve deixar que v. No deve reclamar. No deve fazer uma cena quando alguma coisa foi embora, foi! Voc amou uma mulher, amou um homem, e ento chega o momento da despedida. Esse momento mostra o homem real. Se voc reclama, reluta, tem m vontade, sente-se raivoso, violento, destrutivo, voc no amou absolutamente essa pessoa. Se voc a amou, a despedida ser um belo fenmeno. Voc se sentir gratificado. Chegou a hora de partir e voc pode dizer adeus de todo o corao se voc amou a pessoa se sentir gratificado! Mas voc nunca amou pensou sobre o amor, fez de tudo menos amar. Agora chegou o momento da despedida e voc no pode dar um belo adeus, porque agora voc compreende que perdeu a oportunidade, que perdeu tempo nunca amou, e o homem ou a mulher est partindo. Voc sente raiva, torna-se violento, agressivo. 302

O momento da despedida mostra tudo porque a culminncia. E ento por toda a sua vida voc se queixar daquela pessoa: ela destruiu sua vida. E continuar reclamando. Ento estar sempre carregando uma ferida. Um amor devia fazer de voc uma flor. Mas como ele acontece, como vejo acontecer por a, no mundo inteiro, sempre deixa uma ferida. Enquanto voc estiver com algum, ame, pois ningum conhece o prximo passo, e o momento da despedida chega. Se voc amar algum realmente, a despedida ser bela. Se voc criou a vida, se despedir dela de um modo bonito tambm. Sentir gratido. As suas ltimas palavras, partindo desta para a outra margem, sero de gratido essa vida deu-lhe tanto, proporcionou-lhe tantas experincias. A vida fez de voc tudo o que voc . Houve misrias, mas houve bnos tambm. Houve sofrimento, mas houve felicidade tambm. E se voc viveu as duas coisas, saber que o sofrimento s existe para que voc seja feliz. A noite existe para lhe dar um novo dia. uma gestalt porque a felicidade no pode existir sem o sofrimento, por isso ela existe. Voc se sentir grato, no apenas nos momentos de felicidade, mas tambm nos de sofrimento, porque sem eles os bons momentos no poderiam existir. Voc ser grato vida na sua totalidade. No haver nenhuma escolha, porque o homem que passou pela vida, cresceu e conheceu o que a vida, na sua graa, no seu sofrimento, saber o que Herclito diz: Deus inverno e vero. Deus vida e morte. Deus dia e noite. Deus sofrimento e graa... ambos! No diz ento que o sofrimento estava errado. Se algum diz que o sofrimento estava errado, no cresceu. No diz ento: "Prefiro somente os momentos de felicidade. No quero o sofrimento, ele 303

est errado". Se voc faz isso, voc infantil, imaturo. Est querendo o impossvel! Est querendo as montanhas e os picos, sem querer os vales. simplesmente estpido. No possvel! No est na natureza das coisas. O vale precisa existir com o pico, mais profundo ser o vale. E a pessoa que entende isso feliz com os dois. E existem momentos em que voc quer descer do pico ao vale, porque o vale proporciona repouso. O pico bom excitante, um clmax. Mas depois da excitao e do clmax a pessoa sente-se cansada existe ento o vale. Entrar na escurido do vale, descansar e ser esquecido completamente, como se voc no existisse... as duas coisas so belas: tanto o sofrimento quanto a felicidade. Se algum diz: "Escolho apenas a felicidade, no escolho o sofrimento", est sendo imaturo, ainda no conheceu o que a realidade.

Tudo flui e nada permanece. Tudo cede e nada se fixa. As coisas frias tornam-se quentes e as quentes, frias. O mido seca, o ressecado umedece. pela doena que a sade d prazer, pelo mal que o bem apraz, pela fome, a saciedade; pela exausto, o repouso.
No escolha! Se voc escolher, cair na armadilha. Permanea sem escolher e permita que a vida flua na sua totalidade. Metade impossvel. 304

Este o absurdo: a mente se prende. Ela quer a metade. Voc gostaria de ser amado, mas no quer ser odiado mas os amantes tambm odeiam. Com o amor entra o dio. E se o amante no puder odiar, no poder amar. Amar significa aproximar-se; odiar significa afastar-se. um ritmo. Vocs se aproximam um pico; depois se afastam; entram em suas prprias individualidades. isso que significam os momentos de dio. Eles o criam novamente, deixam-no pronto para se aproximar outra vez. A vida um ritmo. como um ritmo centrfugo. Tudo se separa e tudo se aproxima, separa e aproxima. Aconteceu num pas muulmano: o Rei apaixonou-se por uma mulher. Essa mulher estava apaixonada por outro por um escravo, um escravo do prprio Rei. E isso era muito difcil para o Rei entender: que a mulher no lhe desse ateno, a ele, o Rei e quisesse o escravo que no era nada! O rei podia mat-lo imediatamente, ele era apenas uma poeira! Mas foi assim que aconteceu. A vida misteriosa. No se pode ser matemtico em relao a ela. Ningum sabe. Voc pode ser um rei, mas no pode forar o amor. O outro pode ser um escravo, mas o amor far dele um rei. Ningum sabe! A vida misteriosa. No aritmtica, no econmica. O rei tentou muito, mas quanto mais ele fazia maior era o fracasso. Ficou ento muito zangado. Mas estava realmente apaixonado pela mulher e por isso temia matar, o escravo. Podia tlo matado: bastava uma palavra. Mas temia que a mulher ficasse ferida. E ele realmente a amava, assim isso se tornou um problema o que fazer? Ela poderia sentir-se ferida, poderia se suicidar ela estava to louca. O rei foi consultar um sbio. O sbio devia ser como Herclito. Todos os sbios so como Herclito; Herclito um sbio soberbo. O sbio disse: "O que voc tem feito est errado." Pois o Rei tentava de todas as maneiras mant-los separados. Disse: "Isso est 305

errado. Quanto mais os mantiver separados, mais eles querero estar juntos. Deixe-os juntos e logo tudo estar acabado. E mantenha-os juntos de tal maneira que no possam se separar." O rei perguntou: "Como fao isso?" Ele disse: "Prenda os dois juntos. Force-os a fazerem amor, acorrente-os, amarre-os um ao outro. E no permita que se separem." Isso foi feito. Foram acorrentados num pilar, nus, fazendo amor. Mas se voc estiver amarrado a uma mulher ou a um homem, por quanto tempo poder amar essa pessoa? por isso que o amor desaparece no casamento. Vocs esto acorrentados, esto no cativeiro; no podem fugir. Mas a experincia foi feita. Depois de alguns minutos os dois comearam a se odiar. Depois de algumas horas comearam a sujar os corpos um do outro porque impossvel esperar, os intestinos comearam a funcionar, a urina precisa ser expelida da bexiga. O que fazer? Eles se contiveram durante algumas horas. Sentiram que no seria bom. Mas depois de um certo ponto no se pode fazer nada. Os intestinos funcionaram, as bexigas esvaziaram, eles sujaram um ao outro, e se odiaram ainda mais. Fecharam os olhos. No queriam se ver. E isso durante vinte e quatro horas uma maratona! Depois de vinte quatro horas foram soltos. Conta-se que eles nunca mais viram a cara um do outro. Fugiram no momento em que foram libertados do palcio. Fugiram em direes diferentes. Nunca mais viram a cara um do outro. Tudo ficou to feio. Os casamentos ficam feios porque seguem o princpio desse sbio. preciso que haja um ritmo de aproximao e afastamento, de estar junto e estar s. Se voc puder se aproximar livremente e afastar-se outra vez, a fome e a saciedade sero criadas. Se voc comer durante vinte e quatro horas, no haver fome nem saciedade. Coma e depois jejue! A palavra "desjejum" referente 306

alimentao matinal boa. Significa quebrar o jejum; voc jejuou durante a noite. Se quiser saborear o que come, voc precisa jejuar. Essa a harmonia oculta dos opostos.

As coisas frias tornam-se quentes e as quentes, frias. O mido seca, o ressecado umedece. pela doena que a sade d prazer,
Assim, s vezes timo estar doente. No h nada de errado nisso. Uma pessoa saudvel fatalmente cair doente algumas vezes. Mas voc tem concepes diferentes; pensa que uma pessoa saudvel jamais adoece isso pura tolice. No possvel! S uma pessoa morta no adoece nunca. Uma pessoa saudvel tem de adoecer algumas vezes. Atravs da doena ela recupera a sade, e ento a sade nova. Passando pela doena, passando pelo oposto, ela se renova. Voc j observou? Depois de uma longa febre, ao melhorar voc sente um frescor, uma virgindade; todo o corpo sente-se rejuvenescido. Se durante setenta anos voc estiver constantemente saudvel, a sua sade ser como uma doena, uma morte, porque ela nunca foi rejuvenescida, nunca foi refrescada. O oposto sempre d um frescor. Voc envelhecer se nunca adoecer; a sua sade se tornar uma carga. s vezes bonito adoecer. No estou dizendo para voc ficar de cama para sempre. Estar sempre doente mau. Qualquer coisa que se torne permanente m. Qualquer coisa que se mova e flua para o outro lado boa, est viva. Por causa de afirmaes como essa, Aristteles chama Herclito de deficiente um carter deficiente, fisiologicamente deficiente, com alguma deficincia biolgica. Pois como algum pode dizer que a doena boa? Aristteles lgico. Diz que a sade boa, a doena m; preciso evitar a doena, e se voc puder 307

evit-la completamente, ser a melhor coisa. isso que a cincia ainda fazendo em todo o mundo tentando remover completamente a doena. Ela segue Aristteles: mas eu lhe digo que quanto mais a cincia evitar a doena, mais novas doenas surgiro. Existem vrias doenas novas que nunca estiveram no mundo. Porque se voc fecha uma porta para a doena, outra precisa ser imediatamente aberta pela natureza porque sem doena, nenhuma sade possvel; voc est cometendo uma tolice. Voc fecha uma porta; agora no h mais malrias e pragas agora duas outras portas precisam ser abertas em outro lugar qualquer. E se voc for louco e fechar todas as portas e a cincia est fechando todas elas ento doenas mais perigosas surgiro. Pois se voc fecha um milho de portas para as doenas, ento a natureza precisa abrir uma enorme porta para que todas as outras sejam contrabalanadas. Entra ento o cncer. Voc cura um mal e cria males incurveis. O cncer um fenmeno novo; nunca existiu antes no mundo e incurvel. Por que incurvel? Porque a natureza defende as suas leis. Se voc vai curando todas as doenas, ento alguma coisa incurvel precisa ser criada, seno o homem morrer. Sem doenas ningum ser saudvel. E isso est para acontecer. Parece que um dia qualquer o cncer ser curado, ento imediatamente a natureza criar algo mais incurvel. E lembre-se: essa luta, a cincia no pode vencer e nem deve vencer. A natureza deve ser sempre a vencedora. A natureza mais sbia do que todos os cientistas juntos. Olhe: v a uma comunidade primitiva onde no existe nenhum remdio, onde no existe mdicos, nenhuma cincia para curar as pessoas. Elas so menos doentes e mais saudveis. A doena comum, mas no incurvel. E existem algumas comunidades ainda vivas que nem mesmo acreditam em remdios. Eles no fazem realmente nada, ou tudo o que fazem , na verdade, s para consolar o paciente. Mantras, truques de magias, no so remdios: s servem para ajudar o paciente a passar o tempo 308

porque a natureza cura a si mesma. Diz-se que se voc tomar remdio para um resfriado comum, em sete dias estar curado; se no tomar, levar uma semana. A natureza cura a si mesma. Na verdade, a natureza cura. , preciso dar tempo; a pacincia necessria. A palavra "paciente", ao se referir a algum doente, bela. Significa que a pacincia necessria; preciso esperar. Na verdade, a funo do mdico ajudar o paciente a ser paciente. Sendo medicado, ele se consola. Pensa: "Alguma coisa est sendo feita e logo estarei curado." ajudado a esperar. O mdico no pode fazer mais nada. por isso que tantas 'patias' funcionam a homeopatia, a bioquemestria, a alopatia, o ayurveda milhares de patias do resultados; at mesmo a naturopatia. Naturopatia significa no fazer nada, ou fazer algo que na verdade no nada. por isso que at mesmo Satya Sai Baba tem sucesso. O consolo necessrio. O trabalho feito pela prpria natureza. Herclito no deficiente. Aristteles, sim. Alguma coisa est faltando na fisiologia e na biologia de Aristteles. Mas a mente ocidental seguiu Aristteles. E se voc for at o fim com a lgica que diz para tornar o corpo humano completamente saudvel, sem doena nenhuma, o final lgico ser ter rgos de plstico. Este corao, o corao natural, fatalmente adoece algumas vezes e, cansado, esgotado, precisa repousar. Um corao de plstico no precisa descansar; nunca se cansa. E se alguma coisa sair errada voc poder simplesmente trocar a pea. Poder ir oficina simplesmente trocar a pea; poder levar consigo peas sobressalentes. Mais cedo ou mais tarde, todo o corpo se Aristteles continuar vencendo e Herclito no for ouvido, no for introduzido na conscincia humana se Aristteles continuar influenciando, o final lgico ser um corpo de plstico com peas sobressalentes. No o sangue fluindo nas veias, mas uma outra qumica qualquer que possa ser imediatamente retirada e reabastecida. 309

Mas, que tipo de homem ser esse? claro que no ter doena, mas tambm no ter sade. Imagine a si prprio como sendo esse homem com todos os rgos de plstico rins de plstico, corao de plstico, tudo de plstico, pele plstica e um interior de plstico voc ser saudvel? Ser capaz de sentir um bem-estar? No, voc no ter doenas, isso certo. Os mosquitos no o molestaro voc poder meditar sem ser perturbado, eles no podero pic-lo. Mas voc estar fechado numa concha, completamente isolado da natureza. No ter necessidade de respirar, porque tudo poder ser impelido por uma bateria. Imagine-se completamente enclausurado num fenmeno mecnico poder ser saudvel! Nunca ficar doente, isso certo, mas jamais ser saudvel. E sempre que se apaixonar no poder levar as mos ao corao; porque no haver nada alm de plstico. Isso ir acontecer se Herclito no for ouvido. Aristteles deficiente, mas Herclito no. Aristteles est errado, mas Herclito no.

pela doena que a sade d prazer, pelo mal que o bem apraz...
Ele est se tornando cada vez mais difcil. Podemos concordar, com relutncia, que tudo bem, sem doena no haver sade mas ento ele diz que pelo mal que o bem apraz, pelo Demnio que Deus d contentamento, pelos pecadores que os santos so to belos, Se os pecadores desaparecerem, os santos desaparecero. E se houver um santo de verdade, fatalmente ser tambm um pecador. S existem duas possibilidades para se fazer isso. Uma que ele se torne um santo e voc um pecador. o que tem feito a religio. Justamente uma diviso de tarefas voc faz o trabalho de um pecador e eu fao o trabalho de um santo. Mas num mundo melhor, num mundo mais orientado pelo Logos e no pela lgica ser 310

bom forar alguma outra pessoa a ser uma pecadora e forar a mim mesmo a ser um santo? Ser bom ser santo custa dos outros? No, no ser. Ento, num mundo melhor, o santo ser tambm pecador. Certamente ele pecar de um modo muito santo, claro mas isso se tornar cada vez mais difcil. Ser ento como Gurdjieff: santo e pecador. Gurdjieff um ponto decisivo na histria da conscincia humana. Depois de Gurdjieff, o conceito de santo deveria ser completamente diferente: no pode ser o mesmo, o antigo. Gurdjieff se coloca num ponto crtico de onde deve surgir um novo santo. por isso que Gurdjieff foi to mal interpretado, por causa do conceito de que um santo deve ser um santo, e Gurdjieff era ambos. Era difcil entender: "Como um homem pode ser os dois? Ou um santo ou um pecador." Por isso h tantos boatos a respeito de Gurdjieff. Alguns o consideram a pessoa mais maligna possvel, um agente do Demnio. E outros o consideram o maior sbio que j existiu. Ele era tanto um quanto outro, e os dois boatos so verdadeiros mas errados tambm. Seus seguidores pensam que ele era um sbio e tentam esconder sua parte pecadora porque nem eles conseguem compreender como Gurdjieff pde ser ambos. Assim, dizem que isso um boato, que as pessoas no sabem o que dizem. E existem as pessoas que so contra ele. No acreditam em sua parte sbia porque dizem: "Como um pecador pode ser sbio? Impossvel! Os dois no podem existir num s homem." E esse todo o ponto; ambos existem no mesmo homem. Voc s pode fazer uma coisa: reprimir um e fingir ser o outro. Pode reprimir um no inconsciente e trazer o outro superfcie, mas ento seu santo estar flor da pele e seu pecador profundamente enraizado. Ou pode fazer o oposto: pode trazer tona o pecador e reprimir o santo os criminosos esto fazendo isso. A primeira possibilidade reprimir o meu pecador, mas esse pecador afetar algum em algum lugar, pois ns somos um s. 311

Herclito diz: "A inteligncia privada falsa." Ns somos um! A conscincia uma comunidade. Vivemos num ninho. E se eu reprimir o meu pecador, em algum lugar, em algum elo mais fraco, o pecador subitamente aparecer. Ram um santo; o pecador aparece subitamente em Ravana. Eles so os dois juntos um s fenmeno. Jesus um santo; ento Judas, o discpulo bem amado, torna-se o pecador. Os santos so responsveis pelos pecadores, e os pecadores ajudam os santos a serem santos. Mas isso no bom. Se eu reprimir alguma coisa em minha conscincia de um modo to profundo que isso se mova para o inconsciente coletivo... porque a mente assim: a mente consciente s um primeiro nvel que aparenta ser privado, parece privado. H ento um nvel mais profundo de inconscincia; esse tambm tem um sabor de privacidade, pois est muito prximo da mente consciente. H depois um terceiro nvel de inconscincia coletiva que no nada privado, que pblico, que , na verdade, universal. Assim, quando eu reprimo alguma coisa, primeiro ela entra no meu inconsciente e cria problemas para mim. Se eu reprimir realmente fundo, e continuar reprimido, se usar mtodos e truques para reprimir tanto a ponto de desaparecer tambm do meu inconsciente e entrar no inconsciente coletivo, ento algum em algum lugar, algum mais fraco, captar isso. Por eu ter forado demais, em algum lugar isso vir subitamente superfcie. Ento eu serei Ram e algum tornarse- Ravana. Eu serei Cristo e algum tornar-se- Judas. H poucos dias um saniasin, que est aqui presente, me escreveu uma carta que dizia: "Voc Cristo e eu sou Judas." Mas eu posso dizer a ele que isso impossvel eu sou os dois. Isso foi possvel com Cristo, mas no comigo. No permito essa possibilidade.

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Que tipo de santo tenho eu em mente? Um santo que no reprime o oposto, mas o utiliza, que no contra nada, mas que faz uma nova organizao das coisas. Nessa harmonia superior at o diabo torna-se bom. Nessa harmonia ele utiliza at as partes descartadas. E uma grande arte ser ambos ao mesmo tempo. a maior das artes, porque ento voc tem de buscar a harmonia oculta entre os opostos no uma coisa nem outra, mas sim as duas. At mesmo o veneno pode ser usado como elixir, mas ento voc precisa ter muito, muito cuidado. necessrio muita ateno para usar um veneno como elixir, para usar o mal como bem, para usar o demnio como Deus. Isso tambm o que Herclito quer dizer por harmonia oculta. Ele diz:

...pelo mal que o bem apraz,pela fome, a saciedade; pela exausto, o repouso. a mesma e uma s coisa
O bem e o mal, a doena e a sade, o pecador e o santo.

a mesma e uma s coisa estar vivo ou morto, desperto ou adormecido, jovem ou velho. Em cada caso, o primeiro aspecto torna-se o ltimo, e o ltimo, novamente o primeiro, por uma sbita e inesperada reverso.
uma roda yin e yang, bom e mau, macho e fmea, dia e noite, vero e inverno. uma roda, todas as coisas se movem para dentro das outras e voltam novamente para si mesmas! um eterno retorno. 313

Eles se separam e depois se unem novamente.

Ns nos encontramos antes, agora estamos nos encontrando outra vez. Ns nos encontramos antes! A natureza separa, depois volta a unir novamente. Esse o significado do primeiro fragmento: "No mesmo rio ns pisamos e no pisamos." Estamos nos encontrando novamente, mas no somos os mesmos. Ns nos encontramos antes. Essa idia apoderou-se de um dos maiores gnios deste sculo, na verdade do sculo passado, Friedrich Nietzsche. Isso o possuiu to totalmente que ele enlouqueceu a idia do retorno, do eterno retorno. Diz que tudo j aconteceu antes, est acontecendo outra vez e acontecer novamente. No exatamente igual, mas ainda assim igual. Se voc pensar sobre isso, parecer sobrenatural que voc j tenha me ouvido muitas vezes antes e est ouvindo novamente. Parecer estranho, misterioso, voc se sentir desconfortvel com a idia. Mas assim. Porque a natureza aproxima as pessoas, depois as separa s para aproxim-las novamente. Nenhuma partida definitiva. Nenhuma aproximao a ltima. A aproximao s uma preparao para o afastamento. O afastamento s uma preparao para a unio. E isso belo, muito bonito.

No mesmo rio ns pisamos e no pisamos... Eles se separam e depois se unem novamente. Tudo vem na estao certa.
Esse o clmax da conscincia de Herclito. Permita que entre fundo em voc. Deixe que circule em seu sangue e em seu corao. Deixe que se torne uma pulsao. 314

Tudo vem na estao certa.

Muitas coisas esto envolvidas. Primeiro: voc no precisa fazer muito esforo. Fazer esforo pode ser uma barreira porque nada vem antes da estao certa todas as coisas vm em suas devidas estaes. O esforo demasiado pode ser perigoso. O esforo demasiado pode ser um esforo para que as coisas venham fora de estao. Isso no significa no fazer qualquer esforo. Porque se voc no fizer nenhum esforo, ento no vir nem na devida estao. preciso um tanto certo de esforo. O que faz um fazendeiro? Observa as estaes no cu: chega a hora de semear e ele semeia! nunca antes e nunca depois. Um fazendeiro simplesmente espera pelo momento certo e ento semeia, espera e canta. noite, ele dorme e observa e espera! Tudo o que h para ser feito ele faz, mas no h pressa. por isso que os pases que viveram muito tempo da agricultura nunca tm pressa. Os pases que se tornaram tecnolgicos esto sempre apressados porque com a tecnologia voc pode ter as coisas fora de estao. Os pases agricultores, que permaneceram agricultores por milhares de anos, nunca tm pressa, no tm conscincia de tempo. por isso que diariamente na ndia h algum dizendo: "Chegarei s cinco horas", e nunca chega. Ou diz: "Chegarei s cinco em ponto", e aparece s dez da noite. E voc no pode imaginar que tipo de... realmente no existe nenhuma conscincia de tempo. Um fazendeiro no se baseia nas horas. Diz: "Chegarei noite." noite significa qualquer coisa quatro, seis ou oito horas. Diz: "Chegarei de manh". A manh pode significar qualquer coisa pode chegar s quatro ou s dez da manh. Ele no divide o tempo em horas. No pode! No pode porque tem de viver pelas estaes. O ano no dividido em meses, mas sim em estaes vero e inverno e ele tem de esperar. No pode ter pressa. O que se pode fazer com as sementes? Elas no ouvem. No se pode 315

mand-las escola; no se pode ensin-las. E elas no se importam; no esto com pressa. Simplesmente esperam na terra. E quando o tempo chega, brotam e crescem por si mesmas. No esto preocupadas com voc, se voc est ou no com pressa, ou se algo pode ser feito. Voc no pode persuadi-las, no pode falar com elas elas tm seu prprio tempo. Um fazendeiro torna-se uma profunda espera. Seja como um fazendeiro. Se voc semear as sementes da iluminao, da compreenso, da meditao, faa-o como um fazendeiro e no como um tcnico. No tenha pressa. No se pode fazer. Faa o que tiver que ser feito e espere. No faa demais. Fazer demais pode tornar-se uma sutil runa. O seu prprio esforo pode se tornar uma barreira.

Tudo vem na estao certa.

E no pergunte pelos resultados. Eles chegam na estao, na devida estao. Se for hoje, tudo bem. Se no for, um homem de compreenso, de inteligncia, de clareza, sabe que ainda no tempo. Quando chegar a hora, acontecer! Ele espera: no infantil. A infantilidade consiste em querer as coisas imediatamente. Se uma criana quer um brinquedo no meio da noite, quer imediatamente. No consegue entender que preciso esperar que chegue a manh; que as lojas esto fechadas. Pensa que so apenas desculpas. Quer imediatamente, agora mesmo. Pensa que dizer que meia noite e as lojas no esto abertas um truque para distrair a mente dela que importncia tem isso? Por que as lojas no abrem meia noite? O que h de errado em ser meia noite? E sabe que pela manh ter esquecido tudo. E as pessoas so cheias de truques. Se ela dormir, pela manh j ter esquecido. Quer imediatamente. E um pas imaturo, uma civilizao imatura e infantil, tambm quer tudo imediatamente caf instantneo, amor instantneo, meditao instantnea tambm. o que Maharishi 316

Mahesh Yogi est fazendo: instantaneamente, j voc faz dez minutos e em quinze dias est Iluminado... Que tolice. No, a natureza no obedece a voc e s suas exigncias. Ela segue o seu prprio curso. Isso o que significa: "Tudo vem na devida estao." Espere! Faa esforo e espere. E no queira resultados imediatos. Se voc quiser, o prprio querer retardar o fenmeno cada vez mais. Se voc puder esperar, esperar pacientemente, passivamente, alerta, observador, tal como um fazendeiro, voc conseguir. Se voc estiver por demais consciente do tempo, no poder entrar em meditao porque a meditao atemporal. E lembre-se sempre: sempre que voc estiver pronto, acontecer. E a prontido acontece na devida estao. Um jovem veio a mim e disse: "Estou muito tenso." Um jovem tem de ser tenso. Ele disse: "Gostaria de ser desapegado", mas isso pedir algo fora de estao. Um jovem tem de ser apegado. A menos que voc sofra o apego, no crescer em direo ao desapego. E se voc forar o desapego criar uma confuso na sua vida pois quando era hora de estar apegado, voc deixou passar. Voc tentou fingir e forar um desapego. Ento quando chegou a hora do desapego, quando voc ficou velho, a parte reprimida ainda est pairando sua volta como um nevoeiro e voc v que a morte est chegando voc sente medo. A parte reprimida diz: "Quando haver tempo para mim? Eu quis amar, quis me apegar, quis me envolver e me comprometer num relacionamento agora no h mais tempo!" Ento a parte reprimida fora a si mesma para cima e o velho torna-se um tolo e comea a procurar relacionamento. Ele perdeu tudo. Perdeu todas as estaes. Lembre-se: esteja a passo com a estao. Quando for hora de estar tenso, fique tenso! O que h de errado nisso? Se voc no ficar tenso, como poder repousar? Se no sentir raiva, como sentir compaixo? Se no cair de amor, como poder ascender de amor? Tudo na sua devida estao. Tudo vem 317

por si mesmo. Tem sido sempre assim e sempre ser. A existncia vasta e voc no pode forar os seus prprios caminhos sobre ela. Precisa observar para onde ela est indo e obedecer. Essa a diferena entre o ignorante e o sbio. O ignorante est sempre forando o rio de acordo com suas prprias idias. O sbio no tem idias prprias. Simplesmente observa para onde flui a natureza; e flui com ela. No tem conflitos com a natureza. No est tentando conquist-la; entende o quanto isso tolice, que ela no pode ser conquistada. Como a parte pode conquistar o todo? No ele se rende, torna-se uma sombra. Move-se para onde for que a natureza o leve. como uma nuvem branca no cu; no sabe para onde est indo, mas no est preocupada. Est despreocupada, porque para onde quer que o vento a leve, essa ser a meta. A meta no um fenmeno fixo. Onde for que a natureza o leve, se voc o seguir, se permanecer num deixar acontecer, onde quer que ela o leve voc ser feliz. O objetivo est em toda parte, voc s precisa permiti-lo, cada momento um clmax, voc s precisa permiti-lo. Apenas permitir deixar acontecer, render-se, e ento repousar seguro de que tudo vem na devida estao.

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