Rebeca Brandewyne - A Profecia Misteriosa - GRH

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Rebeca Brandewyne

A Profecia Misteriosa

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A Profecia Misteriosa

Resumo
Junto s ttricas guas do lago Ness, Mary Carmichael e Hunter MacBeth vivem um amor impossvel. Seus respectivos cls esto se enfrentando at a morte por uma remota e misteriosa profecia. Embora Hunter conhea os perigos de dar rdea solta a seus desejos, rapta Mary. Sua temeridade acorda o dio dos Carmichael e dos MacBeth, e para os apaixonados amantes comea uma tortuosa aventura de consequncias imprevisveis. S desvendando o mistrio da profecia se vero livres de seu sinistro destino.
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Comentrio da Revisora Ana Catarina


Devo confessar que fiquei preocupada quando iniciei a reviso, pois o livrinho tem quase 500 pags. ........a autora no me era conhecida, ento pensei, que para escrever tudo isso, a autora ou era boa ou seria uma bomba! Meus temores pioraram, quando os mocinhos se declararam nas primeiras 50 pags. .......ai, ai, ai.........a autora teria que ser melhor que "botima" (mistura de boa com tima), para achar assunto. Pois , eu apagaria 400 fls.! O livro tipo surreal.......rs, tem at o monstro do lago Ness. Resumo da histria me lembrou muito Romeu e Julieta, famlias inimigas, sem a menor possibilidade de casamento, trgua, paz e amor, etc. Boa leitura!

Comentrio da Revisora Final Ana Jlia


O livro tem de tudo, lenda, maldio, guerras, conspirao, ele te leva a extremos de humores, do riso raiva, do amor ao dio, um livro que ou voc ama, ou odeia, para algumas o livro ser chocante, tem cenas realmente fortes, a mocinha passa por muito sofrimento at alcanar verdadeiramente a paz, o mocinho luta pela mocinha o livro inteiro, entre o amor e dio, mas o amor vence...

Comentrio de Leitura Final Ana Mayara


A histria simplesmente linda. Em alguns momentos, quase impossvel largar. Eu amei. Seria perfeito, se a autora no descrevesse tanto as paisagens e os sentimentos dos personagens. Fora isso, maravilhoso.

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Os Personagens
O CL CARMICHAEL Lorde Magnus, conde de Bailekair Lady Margaret, condessa de Bailekair Seus filhos: Ian Andrew Harold Gordon Charlie Mary Joanna, um familiar Hugh, herdeiro de Dndereen Edward, irmo de adoo de Hugh O CL MURRAY Alinor, esposa de Charlie O CL MACDONALD Lorde David, conde de Wynd Cheathaich

O CL MACBETH

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Lorde Angus, conde de Glenkirk Lady Sophia, condessa de Glenkirk Seus filhos: Stephen Blair Euphemia (Effie) Francis Lorde Duncan, baro de Torra nam Sian Ranald, um familiar Laureiem, esposa de Ranald Seu filho: Hunter Cadman, irmo de adoo de Hunter Grace, meio-irm de Cadman Grizel, uma bab A velha Bethia, uma alde Sybil, uma criada Winifred, uma criada NO PALCIO DE HOLYROOD James IV, rei da Esccia Lorde Patrick Hepburn, conde de Bothwell Jane Gordon

Na Hungria Ashiyah, rainha das ciganas

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Pelos chuvosos pramos Uma manh nas Terras Altas. Dois ousados MacBeth cavalgavam. Ao longe, Uma donzela de ouro viram. Conforme dizem, Um deles a pretendeu. Entretanto, ela se negou a ser sua esposa, E assim deu comeo a lenda, Cuja melodiosa cano Jamais desaparecer. Formosa Mary, Chora e canta sua triste escolha Por aqueles a quem amou e perdeu, E por aqueles que tentaram Te manter livre A custa de suas amadas vistas
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Jazem baixo A nvoa e o rocio Em tumbas musgosas e frias. O bronzeado Hugh e Hunter, Seu inimigo, E o loiro e plido Edward. Por ti, Eles deram tudo, Embora alguns estavam condenados a fracassar. Escuta enquanto eu Entoo uma lastimosa cano das Terras Altas. Uma cano sobre os infortnios da paixo E os coraes mais exaltados, Que pulsam afligidos de uma dor solitria; A dor que sofreu aquele casal cujo amor Ainda per vive. Eternamente se cantar Seu inesquecvel coro Pelos paramos Purpreos da Esccia, Ali onde as lendas perduram.

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Primeira Parte Uma Donzela De Ouro Captulo 1


As Terras Altas, Esccia, 1472

Se algum se aproximar da borda do escarpado que domina as azuis e claras guas do lago Ness, ver ao longe trs castelos que se elevam como sentinelas sob o cu cinza da manh e cujas torres esto envoltas pela nvoa das Terras Altas, uma nvoa persistente que parece que nunca vai dissipar-se. Dizia-se que uma estranha e mstica magia faria desaparecer a Esccia, se retirasse seu manto protetor. Trs castelos, trs destinos unidos para sempre, como as peas de um quebra-cabea, como os passadios de um labirinto. A este, se encontra Bailekair, o maior dos trs. Seus enormes muros de pedra se elevam sombra da montanha purprea, e a escurido em que est sumido, inclusive luz do sol, parece augurar a sorte que o aguarda. Mais frente, no vale em que acaba a majestosa ladeira, acha-se Dndereen, o menor dos trs e o mais enganosamente sereno: um dia, no interior de suas altas ameias, o sangue correr pelo frio cho de pedra de seu grande salo, sangue que, enquanto o castelo permanea em p, jamais ser limpo. A oeste, com seus altos e elegantes pinculos, eleva-se Glenkirk, na

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escarpada greta que lhe deu nome, to escuro e misterioso como sua velha criada Grizel, que tempo atrs lanou sua maldio sobre todos eles. Se as pessoas derem as costas ao escarpado e olharem para o sul, vero as negras runas da aldeia de Mheadhoin e talvez o lugar exato que pronunciou aquela arrepiante profecia. Uma irada sede de vingana arrancou as palavras de seu dodo e atormentado corao, pois a bela Anne MacBeth de Glenkirk, a jovem a quem Grizel criara da tenra infncia, foi raptada por James Carmichael de Bailekair e seu irmo, Robert de Dndereen. Os dois homens exigiram um resgate pela moa. Kevin MacBeth, entretanto, decidiu no pag-lo e iniciou um longo e cruel stio ao castelo com o objetivo de liberar sua nica filha. Bailekair, onde a mantinha prisioneira, repeliu o ataque, e seus muros permaneceram intactos. Os poucos sobreviventes da batalha fugiram desesperados, abandonando aos mortos MacBeth entre os toscos aretes e os escudos quebrados. Jamais se voltou a ver Anne, mas assim como abundam os poetas itinerantes, os trovadores da realeza e os histries errantes, muitas so as canes que giram em torno de seu desaparecimento. Alguns cantam uma verso segundo a qual James assassinou Anne com sua poderosa espada de duplo fio e entregou o corpo aos vencidos MacBeth com uma nota presa ao peito em que burlava deles. Outros afirmam que, depois de presenciar o stio, Anne, presa da impotncia, jogou-se dos altos muros de Bailekair, em penitncia pelo terrvel sofrimento de seus familiares. H quem jure que se esfumou das muralhas para aparecer pouco depois cavalgando no lombo de um enorme semental branco, franqueando o restelo de ferro e as portas de madeira macia do castelo, e perder-se nas brumas das Terras Altas para sempre.

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At o dia de hoje, nos pequenos botequins das aldeias vizinhas, os granjeiros comentam entre sussurros que o fantasma de Anne ronda pelas bordas do lago Ness e chora lastimosamente de noite, rasgada entre os imponentes muros de Bailekair e as elegantes cpulas de Glenkirk. Se j beberam mais da conta e lhes anima, os servos chegam a referir inclusive lenda da vingana que Grizel jogou nos trs castelos e a histria da profunda inimizade entre os Carmichael e os MacBeth a qual perdura no presente. Sim, Mheadhoin foi o lugar onde a velha os amaldioou. A aldeia da morte; j ento era chamada assim, por quanto no era mais que um monto de barracos e lojas, velhas e abandonadas, que fazia tempo se achavam em runas. Anos antes que Grizel a trouxesse, a peste negra j tinha aparecido no povo, deixando atrs de si fileiras de cruzes no cemitrio prximo igreja e, pulverizados pelas ruas de paraleleppedos, os brancos ossos dos ltimos a morrer. J ningum se aproximava daquele lugar por medo de que a enfermidade no remetesse ainda. De todos os modos, Mheadhoin era um lugar idneo para Grizel, j que estava situada entre os trs castelos e dava s tranquilas guas do lago, as quais transportariam o som de sua inquietante profecia at as torres em que viviam os senhores. Diminuta, de angulosos e proeminentes ossos, avanava com muita dificuldade pela colina que conduzia ao povo. Tinha perdido os dentes, por isso suas enrugadas bochechas apareciam afundadas; seu queixo, em troca, despontava sobre a mandbula como se de um pequeno gancho se tratasse; no queixo, como um escaravelho sobre uma casca de po, via-se um lunar em que cresciam vrios cabelos grossos. Seus olhos, negros como os de um peixe, cintilavam maliciosamente luz da tocha que

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sustentava na mo. Enquanto que o lbio superior era apenas visvel, o inferior pendurava levemente sobre o queixo. Tinha uma mancha de tabaco ou ch no meio, e por uma das comissuras escorregava um pouco de saliva cada vez que emitia um de seus ruidosos ofegos. Quando a bruxa levantou a tocha em uma tentativa de ver o povo com maior claridade, umas nodosas veias azuis se destacaram sobre suas velhas mos. O fogo mal demorou em prender nos putrefatos tetos de palha das esquecidas casas, e logo Mheadhoin esteve coberta pelas chamas. Quando Grizel ouviu os gritos provenientes dos castelos e viu as figuras que corria a toda pressa pelas ameias, encaminhou-se para o escarpado que se achava em um extremo do povo. Ali elevou seus braos quo compridos eram e abriu as palmas das mos em direo ao cu da noite. A misteriosa silhueta de seu corpo se recortava sobre as rutilantes chamas laranja e amarelas, que ardiam na cidade. O forte vento fazia ondear com violncia ao redor dela a grande capa que levava, conferindo-lhe o aspecto de um maligno e irado corvo que bate suas asas antes de abaterse sobre sua vtima. Levantou a voz at convert-la em um chiado que atravessou as guas do lago; ao ouvi-lo, s escuras figuras que se apressavam pelas muralhas dos castelos ficaram geladas de terror. Escutem-me, vs, ladres de Bailekair; vs, aves de rapina de Dndereen; vs, covardes de Glenkirk, porque eu, Grizel, chorando a dolorosa perda da menina que ignominiosamente me arrebataram do peito, amaldioo a todos! Uma criatura do diabo passear entre vs e ser amaldioada por sua gente por causa de um pecado cometido por outros e que ela mesma acabar cometendo. Sim, ser amaldioada resmungou Grizel malignamente Olhem-me aos olhos e conhecero a verdade da que

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falo. O que tome ser dado e ser sagrado, tal como o era em um princpio. O que roube no devolver jamais, por quanto quilo que tenha o reter at a morte. E tudo o que ganhe ser seu desde o comeo. Tomem cuidado, os trs castelos. Suas penas sero muitas a causa da dor que ocasionaram. Cpula por cpula, igreja por igreja; tudo voltar a ser como era em um princpio. Ai do que no escute! Seus inimigos fraquejaro vtimas da enfermidade e a espada, e, quando morrerem, vocs tambm morrero. E quando fordes trados, vocs tambm sero trados. E quando derramarem rios de lgrimas, assim o derramar as suas. E quando seu sangue tinja de vermelho o cho, tambm correr o seu. E o grande vale se ecoar dos lamentos de dor e tristeza e dos talhos que dar o anjo da morte com sua poderosa foice. Da virilha do leo uma tigresa dourada saltar. No a matem por muito medo que lhes embainham suas garras, posto que s ela seja sua salvao. Seu sangue ser seu sangue e passear entre vocs sem temor, acompanhada por uma luz mbar e a escurido mais negra, posto que a destruio vai com ela a todas as partes e no haver forma de remedilo. Entretanto, do mesmo modo que agora perdura a tristeza, reinar a alegria, mas s quando tiverem completado o ciclo. Quando os tempestuosos mares devolvam a quem abandonar sua casa, duas pessoas se ajoelharo ante o senhor soberano, que por suas mos sobre eles e lhes dar sua bno para sempre, como no passado, quando certa pessoa benzeu a sua vez a um casal. Perdoem, perdoem para que uma alma atormentada e fatigada descanse em paz e deixe de caminhar entre vs. Assim, eu, Grizel, amaldioo-lhes!

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Ento, como se ela o tivesse disposto, as chamas se avivaram subitamente e os tufos de fumaa se voltaram para a bruxa como se fosse um vu. Ela sorriu, e do abismo de sua garganta surgiu uma aguda e estridente gargalhada que atravessou a noite e ressonou com um eco enlouquecedor por todo o grande vale. Pouco depois, s um monto de cinzas indicava o lugar em que esteve. Igual aldeia, a harpia desapareceu. Quo nico o incndio respeitou foi a igreja, cuja solitria ponta refletia o fogo com um brilho vermelho. Quem ouviu as palavras da velha bruxa se fincaram de joelhos e se benzeram ardentemente, lamentando sua sorte. Quando esse mesmo ano o primeiro dos meninos que tinha os olhos dos Carmichael nasceu no seio do cl MacBeth, as duas famlias contemplaram a igreja que dominava os trs castelos e rezaram para que chegasse a salvao que as crticas palavras da feiticeira vaticinaram. Ao no chegar, a inimizade entre os dois cls desencadeou a guerra mais violenta e encarniada das ocorridas nas Terras Altas. Nenhum dos cls perdia ocasio para infligir dor outra. As duas invadiam as granjas e aldeias dos domnios da outra para roub-las, violar s mulheres, roubar vacas e ovelhas e incendiar tudo aquilo que no pudessem levar consigo. Um herdeiro dos Carmichael foi brutalmente golpeado e assassinado por um dos MacBeth de Glenkirk, que logo atou o corpo sem vida do jovem a um arete e o lanou contra as slidas portas de um dos castelos dos Carmichael. Dois dos meninos dos MacBeth foram abandonados em uma torre de Bailekair at que morreram de fome. Seus ossos, que os ratos se encarregaram de limpar, foram entregues aos MacBeth em uma bolsa de pano de saco. Uma mulher dos Carmichael, a quem vrios homens dos MacBeth raptaram e violaram, preferiu jogar-se

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das altas ameias do castelo de um de seus inimigos a enfrentar morte em suas mos ou ao castigo que seu prprio cl lhe teria imposto por sua desonra no caso de que a resgatasse. Um latifundirio dos MacBeth foi torturado no potro pelos Carmichael e encerrado nos calabouos de Dndereen, onde acabou perdendo o julgamento e a vida. Todos os meninos das Terras Altas conheciam as horrveis histrias que se contavam a respeito da inimizade entre os dois cls. Muitos rapazes, tanto dos Carmichael como dos MacBeth, obedeciam a seus mais velhos sob a ameaa de que, se no o faziam, o maldito inimigo os surpreenderia na cama quando estivessem dormidos e os capturaria. Como os MacBeth possuam terrenos que separavam duas das propriedades dos Carmichael, Abergorra e Glochlomond, do resto das herdades, apresentavam-se muitas oportunidades para que aquilo ocorresse. Mais de um membro dos Carmichael ou dos MacBeth, depois de entrar na propriedade do outro cl, desaparecia e jamais voltava a ser visto. O mais normal era que acabasse no profundo lago Ness, o qual guardaria zelosamente todos seus segredos at o final dos dias. A menina que nasceu em Bailekair em 1472 ignorava tudo aquilo, embora o explicasse assim que tivesse idade para andar e falar. Tampouco sabia que no preciso momento em que nascia um gato monts uivou nas colinas nevadas, e as Terras Altas, que aguardavam impacientemente sua chegada durante quase cem anos, sumiram no silncio.

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Captulo 2
Invernes, Esccia, 1477

A cinzenta bruma que envolvia o povoado ao amanhecer acabava por dissipar-se graas ao avano do suave sol estival. O rio que margeava os subrbios do povoado tremeluzia brilhos azuis conforme avanava para o tranquilo lago Ness, que se vislumbrava na distncia. Os fortes gritos que proferiam os mercadores para anunciar seus produtos enchiam a manh. Todos tratavam de impor-se a outros, apregoando com deciso o que ofereciam em seus postos. Os mais ousados se colocavam diante dos carros e mostravam bruscamente as mercadorias aos transeuntes, muitos dos quais jogavam a contra gosto umas moedas aos vendedores com o nico propsito de desembaraar-se deles. Soprava uma leve brisa. O assobio da flauta, o arranhar do alade e o tangido da harpa entoavam uma melodia que acompanhava ao lastimoso sussurro do vento enquanto os histries errantes perambulavam passando suas boinas para conseguir algum donativo. Por cima de tudo isto se impunha o tumulto que produziam os habitantes do povo, que lotavam as estreitas ruas de Invernes, empurrando uns aos outros e dando-se cotoveladas para abrirse caminho para as vistosas tendas que abarrotavam a praa maior da aldeia e se esparramavam pelas sinuosas ruas. O doce aroma de po recm cozido, bolos doces e mas secas pareciam mesclar-se com

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naturalidade com o aroma de suor que desprendiam os muitos e agitados corpos. Com uma gritaria jubilosa, a gente se regozijava e dava graas a Deus pela boa colheita, posto que aquele dia fosse primeiro de agosto do ano 1477 de Nosso Senhor, a festa do po. Velhos encurvados e moos cujas costas j comeavam a dobrar-se, a consequncia da pesada tarefa de arar, lavraram a terra ao comear a primavera e a deixaram preparada para plantar aveia, trigo e cevada, que constituam o sustento dos habitantes da Esccia. As avantajadas mulheres, curtidas e enrugadas pelos anos que passaram intemprie, seguiram aos homens e espalharam, pelos frteis campos, o gro que logo seus filhos haviam colhido com montes de terra. No havia rapaz em idade de andar e falar que pudesse evitar a fatigante tarefa, que teriam que continuar realizando at que fossem uns ancies senis e estivessem to murchos que lhes permitisse desfrutar do pequeno consolo de sentarse na parte dianteira de uma desmantelada cabana com teto de palha para recordar os dias em que eles tambm ajudaram na semeia. Do momento em que os primeiros brotos verdes apareceram na superfcie da terra, o campo recebeu os fertilizantes necessrios e fora objeto de cuidados e rezas, porque, sem os cereais, os pobres servos no poderiam pagar os impostos que deviam a seus senhores e, menos ainda, alimentar os estmagos famintos, cujo nmero parecia aumentar cada ano que passava. Se Deus fosse benigno, no chovesse excessivamente, o sol no esquentasse em demasia e o caruncho no destrusse as plantas, antes que tivessem tempo de crescer, os granjeiros suspiravam aliviados e comeavam a colheita. J comeavam a tremer, quando seus senhores enviaram aos administradores para contar os gros que produziram e calcular

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cuidadosamente quanto teriam que lhes pagar. Se fosse um mau ano, os servos careceriam do gro suficiente para sobreviver ao inverno; mas se a colheita fosse boa, ningum passaria fome, e o campo teria verdadeiros motivos para alegrar-se. Sim, em efeito, aquele ano, o Senhor se mostrou generoso com eles. Tinham podido saldar as dvidas e encher os estmagos dos meninos. Alm disso, aquele ano, a celebrao do po seria especialmente divertida, posto que uma feira se instalava no povo. Inclusive quem no podia prescindir nem de um penique (apesar da boa colheita) tinham ido turba a Invernes para a ocasio. Em um posto, duas mulheres disputavam um tecido com tal fria que acabaram por rasg-lo. O tecedor, zangado, comeou a gritar de impotncia, quando viu que as duas mulheres desapareciam, entre a multido, apertando contra o peito o prezado trofu. Ento, o malhumorado ancio deu a volta para golpear com os ndulos a um trombadinha com aspecto de peralta que tratava de roubar um cilindro de tecido que pendurava de um dos extremos do carro. O tecedor ainda resmungava juramentos, quando afastou o moo a pauladas. Mais frente, produzindo um ruidoso estalo continuado sobre os paraleleppedos, um grupo de jovens insensatos passou rapidamente a cavalo ante um posto de verduras e derrubou uma caixa. Um pcaro se deteve para jogar um punhado de moedas zangada vendedora, que lhe fez um gesto ameaador com o punho, antes de apressar-se a recolher as meias coroas. Entretanto, uma turma de meninos ambiciosos e imundos se adiantou e estavam apoderando-se das moedas, ao tempo que enchiam os bolsos com os feijes, cebolas e cenouras que caiu da caixa. A

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mulher comeou a chiar com voz estridente aos mucosos, que se lanoram corrida rindo e burlando-se dela. Em uma ruela, um feirante torto prometia uma bagatela a primeira pessoa que conseguisse derrubar trs bonecos de pelcia de uma prateleira que havia ao fundo de seu barraco. Quanto vale? Dois peniques. Por aqui, cavalheiro. Um bonito colar para a dama? Obrigado, cavalheiro. Mais frente, uma menina e um moo se encontravam diante de uma tenda de raias vermelhas e brancas que anunciava a horripilante atrao de um monstro de duas cabeas ao preo de um xelim, o equivalente ao jornal de muitas pessoas. No era, entretanto, o dinheiro o que detinha a menina, posto que o arascaid que levava era de boa l e inclusive quando fazia calor no vero, podia proteger os ps com umas suaves botas de couro, o qual era um luxo nas Terras Altas, onde a maioria das mulheres e meninos caminhava descalos. A menina estava assustada porque se separou do resto de sua famlia e se negava a ver o monstro que, tal como assegurava o anncio, exibia-se no interior da tenda. No quero entrar, Hugh, e no pode me obrigar a faz-lo protestou com voz trmula, enquanto procurava com o olhar, inquieta, seus irmos ou Nanna, sua bab, de quem se perdeu. Estaria buscando-a preocupada. Entretanto, no viu ningum, sequer chegou a distinguir o breacan prpura e azul de seu cl. Encontrava-se s com seu primo Hugh. Ah, Mary, a menina mais parva que conheo exclamou zangado, enquanto franzia o cenho. Olhou-a mal-humorado por um momento e observou o gesto de obstinao de sua cara e o tremor de seus lbios uma pequena medrosa! disse com tom matreiro e um sorriso zombador.

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Mentira! Mary estava indignada, porque seu pai lhe ensinou que, embora estivesse assustada, no devia permitir que a expresso de sua cara a delatasse. Mordeu o lbio e deu de novo uma tmida olhada tenda de raias. E bem? Hugh advertiu o gesto de indeciso de seu belo rosto, por isso antes que ela tivesse tempo de trocar de opinio e lutar, agarrou-a pelo brao e a arrastou at a entrada Onde tem o xelim? As lgrimas arrasavam os olhos de Mary, quando tirou o leno atado em que guardava o dinheiro. Enxugou-as com um rpido movimento, consciente de que seu primo por-se-ia a rir malevolamente, se a via chorar. O tranco que lhe pegou para obrig-la a entrar na tenda no foi absolutamente mais suave que a sacudida que lhe dera antes. Pelo amor de Deus! Alm de tola, torpe. Bom, no teria tropeado se no tivesse me empurrado. Hugh se limitou a estalar a lngua e a empurrou de novo com brutalidade, para que avanasse entre a multido que se apinhava no interior da tenda. A massa de pessoas abriu espao em seguida, posto que at a mais humilde delas se dava conta de que a menina e o moo pertenciam nobreza. Pequenos como eram (ela s tinha cinco anos e seu primo dez), os dois se comportavam com a arrogncia prpria da classe privilegiada. Antes que Mary pudesse acostumar-se escurido que reinava no interior da tenda, percebeu o penetrante aroma de suor dos corpos e o fedor de algo ainda mais horrvel. Ento o viu. Quis fechar os olhos imediatamente para no ver a grotesca cena, mas a mrbida fascinao que aquele horripilante monstro exercia era muito forte e, sufocando um grito de terror, seguiu olhando-o fixamente. Embora tivesse o torso de um

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ser humano, sobre seus ombros havia dois pescoos e duas cabeas. Uma delas era a de uma velha bruxa desdentada, com o rosto sulcado de rugas, que sorria ao pblico com a boca muito aberta. A outra, em troca Era espantosa! No passado tambm teria sido a de uma mulher, mas era evidente que agora estava morta. A cabea sem vida se apoiava com indolncia sobre o ombro que lhe correspondia, enquanto os vermes devoravam as conchas dos olhos e partes decompostas de carne penduravam e balanavam cada vez que o torso se movia. A pele putrefata estava cheia de um sem nmeros de chagas purulentas. Mary ps-se a correr gritando e escapuliu como pde entre a multido de espectadores. Uma vez na sada da tenda, as pernas falharam e caiu ao cho, vomitando entre espasmos. Quando por fim conseguiu elevar a vista, encontrou Hugh ante ela, com os punhos apertados e as pernas separadas. Agarrou-a e lhe deu uma forte sacudida. uma pequenina estpida! Deixe-me! Oh, me deixe, por favor E o que se no a deixar? Vai dizer a seu pai? Ser melhor que no o faa, mucosa magricela, porque do contrrio lhe darei o que merece Hugh se estremeceu de dor. Mary acabava de dar lhe um vigoroso chute na tbia. Animal! Mais que animal! exclamou ela Est to louco como estava sua me Depois de lanar um uivo de raiva, seu primo a sacudiu com tal fora que ela pensou que saltaria os dentes da boca. A alegria que sentira a primeira hora da manh, quando tinha visto pela primeira vez um povo de verdade (posto que at esse momento no se aventurasse no mundo alm dos muros do castelo de seu pai, Bailekair) desvaneceu-se. Hugh estragou,

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como sempre, com suas maldades e abusos. Tratou em vo de defenderse com seus pequenos punhos, consciente de que, para cmulo, os transeuntes os olhavam. Entretanto, ningum fez gesto de deter Hugh. Ningum se atreveria a pr a mo em cima dos meninos dos senhores.

Nanna, com rosto preocupado, arrastava os meninos da mo por entre a multido e tratava desesperadamente de ver algum sinal de Mary. Condenada mucosa! disse carrancuda a Alan, o homem de armas que a acompanhava Onde se colocou? No sei senhorita Flora respondeu ele, to inquieto como ela pelo desaparecimento da pequena mas Deus sabe que se algo ocorrer filha do conde, pagaremos todos juntos. A senhorita Floresce (tal era seu verdadeiro nome, e no Nanna que era como estavam acostumados a cham-la os meninos) apertou os lbios em um gesto de angstia. A sorte chamou sua porta no dia que o conde de Bailekair se aproximou da pequena cabana que ela compartilhava com sua famlia em sua propriedade. Sua nova esposa estava esperando um beb, e necessitava de uma bab que pudesse cuidar da criatura assim que nascesse. Flora, que naquela poca contava quinze anos, era uma robusta moa de cabelo castanho e vivazes olhos cinza a que estranha vez lhe escapava algo. Algum dissera ao conde que aquela era a moa apropriada, j que tinha conhecimentos de plantas e ervas medicinais, e os servos a respeitavam como curandeira. Era alm parteira e aquele ano precisamente tinha atendido trs nascimentos. O senhor a subiu de sua condio de povo comum a uma posio de importncia em seu servio domstico.

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Fazia mais de uma dcada que vivia no castelo de Bailekair, onde jamais antes pensara que chegaria a entrar. A poderosa fortificao era objeto de reverncia por parte dos servos que lavravam seus campos, um edifcio to imponente e temvel como o senhor que o governava. Flora cuidou de todos os filhos do conde e fez um bom trabalho com todos eles, desde Ian, que tinha doze anos, at Mary, que era a nica filha e a menor da famlia; passando por Andrew e Harold, os gmeos, que tinham onze anos; Gordon, que contava nove, e Charlie, que tinha completado os oito. Durante todos esses anos, Flora nunca perdera um menino, e no necessitava de que Alan a recordasse as consequncias que sofreriam se desse tal circunstncia. A bab j tinha visto o conde em um arrebatamento de ira, por isso no pde reprimir um leve tremor ante a ideia de que descarregasse sua terrvel clera sobre ela. Deus santo, lorde Magnus poderia inclusive ordenar que a aoitassem, posto que Mary fosse sua favorita. Seguiu avanando a toda pressa sem permitir que os meninos se atrasassem. Estes a seguiam, dirigindo uns aos outros olhares de temor. Ningum sabia melhor que eles o apuro em que se encontraria Nanna se no aparecia Mary, j que dois deles, Gordon e Charlie, j sentiram mais de uma vez a queimao da vara de seu pai sobre o traseiro de seus feilebegs. Joanna, uma parenta longnqua que se encontrava em Bailekair a servio de Mary, sabia quo desagradvel eram esses castigos porque presenciara quatro deles. Edward, o primo dos moos, s tinha ouvido histrias sobre a fria do conde, embora estas bastassem para o pr de pelo arrepiado. Os trs moos eram loiros, como a maior parte da famlia, devido a que esta chegara Inglaterra sculos atrs e no descendia dos pictos, aquele

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povo moreno e de pequena estatura que, conforme se pensava, foi o primeiro a habitar a Esccia e ao que ainda se confundia com fadas e duendes. Gordon e Charlie tinham os olhos da cor da lavanda; os de Edward eram de um precioso tom azul escuro. Os dois irmos tinham uma constituio forte como de seu pai, enquanto que seu primo era um jovem magro, plido e doentio como um menino, embora agora parecesse encontrar-se bem de sade. O cabelo e os olhos de Joanna eram de um tom quente como o do mel, embora ningum soubesse de quem os teria herdado. Era a filha bastarda de uma jovem pertencente famlia de lorde Magnus, a qual, temendo a ira de seu pai ao inteirar-se de sua desonra, procurou asilo em Bailekair e faleceu ao dar a luz a Joanna. A mulher levou o nome do pai da criatura tumba. Todos os meninos tinham o nariz reto e os lbios carnudos que distinguiam o cl. Onde cr que estar? atreveu-se a perguntar Charlie, depois de dirigir um discreto olhar a Nanna. Ah, certamente ficou olhando alguma bagatela ou um brinquedo. J sabe como so as meninas, Charlie disse Gordon, ao tempo que dedicava um doce sorriso a solene Joanna Sobretudo Mary. Sempre gostou dos objetos brilhantes e bonitos. No acredito que lhe tenha acontecido nada. O tom de sua voz era, entretanto, dbia, pois pretendia tranquilizar seu irmo tanto como a si mesmo, j que os dois queriam muito a sua irmzinha. Pois Nanna est realmente zangada comentou Charlie, lanando outro olhar a Flora Cr que papai lhe por a armadilha?

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No; no acredito respondeu Gordon, meneando a cabea Sempre lhe teve carinho. Alm disso, no foi tudo culpa de Nanna. verdade interveio Edward de forma inesperada Alan tambm tem sua parte de culpa. Os outros concordaram em que assim era, j que Alan estava a cargo dos quatro homens de armas que os acompanhavam. Sua

responsabilidade consistia em assegurar-se de que nada acontecesse aos membros da famlia que estavam ao seu cuidado. No queriam nem imaginar o que ocorreria ao bom Alan, se Mary sofrera algum dano. A semana passada, lorde Magnus talhou a mo a um servo que tinha roubado uma fogaa de po de seus vizinhos. Todos os habitantes da casa receberam a ordem de reunir-se fora dos muros do castelo para presenciar a execuo do castigo. Tanto aos dois irmos como a Joanna, a pena parecia cruel, mas o conde lhes explicou que uma fogaa de po podia supor para um servo a diferena entre que seus filhos sobrevivessem ao inverno e que morressem de fome. Roubar, portanto, e, sobretudo, se se tratava de comida, constitua um delito realmente grave. Lorde Magnus tinha talhado ao homem a mo esquerda, o qual, conforme havia dito aos meninos, era uma amostra de clemncia, posto que o servo fosse destro e seguiria sendo capaz, embora com certas dificuldades, de trabalhar no campo e conseguir assim o sustento para sua famlia. Hugh estava ainda sacudindo Mary, quando por fim os viram. O curraichd de linho da menina estava pisoteado no cho e, por causa das bruscas sacudidas, tinha esmigalhado o arascaid de l pelos ombros. Hugh a puxou o cabelo e a despenteou. A expresso do rosto da menina evidenciava que se esforava por no chorar. A Gordon e Charlie bastou ver o que estava acontecendo para escapar de Nanna de um puxo e pr-

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se a correr em auxlio de Mary. Com um gesto de raiva no rosto semelhante ao de seu pai, separaram Hugh de sua irm de um empurro. Que demnios cr que est fazendo, Hugh? exclamou Charlie, zangado. Tratando de colocar um pouco de sentido comum em Charlie no esperou que seu primo acabasse de falar e lhe pegou um murro na mandbula. Maldito seja, covarde filho de cadela! Eu ensinarei a no pr suas sangrentas mos em cima de minha irm! Louco! Isso um louco! espetou, investindo com a cabea contra o estmago de seu primo antes que este pudesse se recuperar do primeiro golpe. Charlie, tal como antes fizera sua irm, utilizou as palavras que mais ofendiam e enfureciam seu primo. Hugh no suportava que fizessem nem um s comentrio relacionado com a loucura. Com que louco, n? grunhiu Hugh com os olhos entreabertos, ao tempo que abria o lbio de Charlie de um murro Eu ensinarei voc o que significa estar louco, filho de No pde acabar, porque Charlie lhe deu um golpe em um olho, de modo que lhe agarrou pelo pescoo com inteno de afog-lo. Gordon, ao compreender que seu irmo, que no tinha nem a idade nem a envergadura de Hugh, sairia perdendo, interveio na briga para o ajudar. Mary os olhava, mordendo o lbio inferior com inquietao, embora estivesse segura de que seus irmos venceriam. N, moos! Parem agora mesmo, ouvem-me? Mary levantou o olhar e viu Nanna, que se aproximava aonde se encontravam com gesto de clara desaprovao no rosto, e Edward (o irmo de adoo de Hugh) e Joanna, que observavam em silncio a briga

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sem mostrar a menor inteno de participar dela. Os moos continuaram lutando, fazendo caso omisso a Nanna, que j se voltou para os homens de armas para lhes suplicar que a ajudassem. Alan pigarreou compreensivelmente, e os outros quatro homens simularam estar distrados. Nenhum parecia ser o bastante valente para tocar aos meninos, por isso a refrega prosseguiu. Ento se ouviu um rasgo: um dos ombros do espartilho de Charlie se descosturou. Os trs moos j tinham perdido os gorros, e o de Hugh ficou esmagado sob um matagal de braos e pernas. A Gordon, arrancaram o feile-beg do cinturo de couro que rodeava sua cintura. Ao final, Hugh, com um olho arroxeado e a boca ensanguentada, arrumou para escapar dos dois irmos e desaparecer por uma das sinuosas ruas, proliferando ameaadores juramentos e planos de vingana enquanto corria. Filho de cadela! Tarado! respondeu Charlie, ainda furioso. Ah, Charlie, deixa que se v. Gordon agarrou seu irmo pelo brao para evitar que este se pusesse a correr atrs de Hugh Ao fim, ele saiu pior parado. De repente se afastou com um gesto de desgosto Jesus! O que isto? Seus dedos estavam cheios de algo pegajoso e de cor verde amarelada. Ah, Gordie. Sinto muito. Vomitei na erva. Com gesto contrito, Mary assinalou o lugar em que os moos caram. Senhor Gordon, voc limpe-se ordenou Nanna, ao tempo que lhe estendia um leno de linho e ocupe-se de que o senhorzinho Charlie faa o mesmo. Estou segura de que recebero um bom aoite, assim que o conde se inteire de como empregaram o dia. A mulher apertou os

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lbios gravemente E pelo que a voc respeita senhorita Mary, isso de desaparecer quando no estava olhando Sinto muito, Nanna murmurou Mary sem atrever-se a lhe olhar cara e profundamente desgostada ao pensar que seu pai se zangaria pela briga S queria ouvir o resto da cano que estava interpretando o poeta, por isso o segui. No era minha inteno me perder, seriamente, no o era Hugh me viu e me levou a fora tenda do monstro. No ficou mais remdio que v-lo, por isso vomitei. Por essa razo estava a sacudindo? interrompeu o temperamental Charlie, enfurecendo-se de novo ao recordar que seu primo tinha agredido pequena Mary. Ahhhh! soluou Alm disso, os manchou e e vo receber umas palmadas por minha minha culpa. Venha disse Nanna, aps estalar a lngua e sem a expresso de inquietao de antes. Enquanto isso, os homens de armas olhavam uns aos outros com rosto angustiado, pois a senhorita Mary era a favorita de todos eles e detestavam v-la chorar No se preocupe senhorita. Deixe de chorar, que lhe inchar o rostinho. Ao fim, no ocorreu nada mal. Nanna se sentiu aliviada ao pensar aquilo. Hugh era provavelmente um monstro muito mais horrvel que o que tanto parecia ter assustado menina Soe o nariz. Mary, muito mais animada, obedeceu bab e recolheu do cho o pisoteado curraichd e a bolsinha de linho em que guardava as moedas. Significa isso que meus irmos no recebero umas palmadas? Ah, disse que j acabou. Nanna era incapaz de mostrar-se severa com a senhorita Mary durante muito tempo.

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Todos soltaram um suspiro de alvio ao ouvi-la, dando por feito que Nanna decidira guardar silncio e no mencionar ao conde o mau comportamento dos meninos. Desejava que lorde Magnus a repreendesse por sua negligncia tanto como eles. Os homens de armas olharam uns aos outros e chegaram a um acordo tcito: tambm guardariam silncio. Alguns deles j tinham sido vtimas dos arrebatamentos do conde e preferiam que no os castigasse de novo. Vamos disse Gordon Se ficarmos aqui um momento mais, Hugh pode voltar com Ian e os gmeos. Aquilo era provavelmente certo, pensou Nanna, j que Ian e os gmeos estavam muito mais unidos a Hugh que aos seus prprios irmos e, por conseguinte, estariam dispostos a vingar-se pela surra que recebeu seu primo. Sem lhes dirigir nenhuma palavra mais de censura, conduziu os meninos pelas ruas perguntando-se se no estaria abrandando-se e perdendo o julgamento com a idade. Embora Flora s tivesse vinte e oito anos, a vida em Bailekair, por muitas comodidades de que desfrutasse, no resultava fcil. Seu cabelo castanho j mostrava algumas cs, que acentuavam o tom claro de seus olhos. No momento em que punha em seu lugar uma mecha rebelde, observou que Alan lhe olhava a figura com admirao e se ruborizou. Agradecer-lhe-ia que no afastasse a vista do caminho espetou com secura. Entretanto, quando ele, por respeito, desviou o olhar, um sorriso se desenhou nos lbios da bab. Flora nunca esteve casada. Por alguma razo, durante as largas horas que servia em Bailekair no tinha disposto do tempo necessrio para um cortejo em condies. Agora, considerava pouco provvel que chegasse a casar-se, embora no por isso deixava de dar voltas ideia de que o faria

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ao cabo de uns anos, quando a senhorita Mary tivesse a idade suficiente para que Joanna passasse a ser sua donzela. No parecia que haveria mais meninos no lar de lorde Magnus. Sua mulher, lady Margaret, afirmou taxativamente que Mary seria a ltima e instalou um pesado ferrolho de ferro na porta de seu dormitrio para que assim fosse. Nanna olhou Alan dissimuladamente. No tinha m pinta, pensou, embora sua cara estivesse marcada com umas quantas cicatrizes das batalhas em que participou. O conde, alm disso, tinha uma boa opinio dele, porque a maioria das vezes o encarregava que cuidasse da senhorita Mary. Ai poderia ser muito pior. Ao menos, era algo no que cabia pensar. Quando Alan a agarrou pelo brao para ajud-la a cruzar a rua, ela no se negou. Alegro-me de que tenham dado uma surra ao Hugh afirmou Edward, enquanto desciam por uma ruela No tinha que a tocar. Mary o observou com ar pensativo. Que amvel e doce era Edward. Era to diferente de seu irmo de adoo, o desprezvel Hugh. Ela odiava seu primo. A me de Hugh era uma normanda selvagem e morena que seu tio, Thomas, havia trazido da Frana. Embora os Carmichael estivessem acostumados a casar-se entre si para reforar seus estreitos vnculos familiares, lorde Magnus manifestara que, se seu irmo era feliz, o assunto ficava resolvido, de modo que ningum se atreveu a pronunciar nenhuma palavra a respeito da esposa de lorde Thomas. Entretanto, muitos auguravam em privado que nada bom sairia de seu matrimnio com aquela estranha moa de cabelo negro. Quatro anos depois das bodas, Celeste deu a luz a um robusto menino, a quem tinha dado o nome de Hugh. Seu cabelo era to negro como o de

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sua me, e seus olhos de um castanho to escuro que pareciam igualmente negros. Em um princpio, enquanto tinha o filho em seus braos, Celeste se comportara com normalidade, mas medida que o filho crescia, foi-se encerrando em seu prprio mundo de fantasia e comeou a passear pelas grandes salas do castelo de lorde Thomas, Dndereen, a altas horas da noite, murmurando ou gritando com voz rouca a seu marido e os criados. Alguns destes fugiram do castelo, aduzindo que a senhora estava louca, e, ao final, Thomas se viu obrigado a encerr-la em seus aposentos, assegurando a porta com uma pesada tranca. Uma noite, no se sabe como, Celeste conseguiu uma vela acesa e ps fogo a enorme cama com dossel de sua estadia. Antes que o incndio despertasse aos habitantes do castelo, ela tinha morrido vtima das chamas. Aproximadamente um ano depois de enterrar Celeste, lorde Thomas contraiu matrimnio com lady Edwina Carmichael, uma prima longnqua que viveria o tempo suficiente para lhe dar outro filho antes de morrer tranquilamente depois de uma prolongada enfermidade. O senhor, profundamente aflito pela perda de suas duas esposas, no havia tornado a casar-se. Agora ele e Edward viviam sozinhos em Dndereen e perambulavam pela torre principal sem companhia, posto que Hugh abandonou o lar aquele mesmo ano. Sim, Gordon e Charlie deram a Hugh seu castigo respondeu por fim Mary a seu jovem primo. Quer quer que lhe compre um bolo para que o esquea? perguntou Edward com voz entrecortada. Embora fosse trs anos mais velho que ela, sempre se sentiu assombrado pela beleza de Mary. Em uma ocasio em que esteve falando sobre mitologia grega com seu tutor, o

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professor Elphinstone, pensando que desse modo animaria o solitrio moo, tinha-lhe mostrado uma gravura de Pan, o flautista, e o comparou ao homem cabra da Grcia clssica com o sensvel e srio estudante, que tambm tocava a flauta. Edward ficou extasiado. Na gravura, aparecia uma lacuna resguardada do calor do vero por uma sombra, da que emergia uma preciosa ninfa a quem a msica do flautista encantou. Oh, professor, poderei alguma vez ter uma donzela to bela como esta? O solitrio menino estremeceu e dirigiu um olhar de ansiedade a seu tutor. Veja. O professor Elphinstone esclareceu a garganta com atitude vacilante, posto que sups que Edward, ao ser o mais novo da famlia e ter um carter to retrado, acabaria provavelmente ordenando-se sacerdote. De fato, o moo j mostrara certa inclinao para a religio em seus estudos. Concluiu que no haveria m inteno naquela fantasia juvenil claro, algum dia, senhor Edward, sem dvidas. O pobre professor Elphinstone acendeu algo no interior de Edward, e, embora o menino tivesse prosseguido seus cursos de preparao para o sacerdcio, para ele, Mary era como aquela ninfa que surgia da gua em busca de seu Pan. Ofereceu-lhe o doce quase com venerao. Eu gostaria muito disse Mary, lhe agarrando da mo Sempre muito amvel comigo, Edward. Ele ruborizou e no disse nada. Assim que Nanna deu sua permisso para o convite, encontraram um posto de bolos e Edward tomou seu tempo para escolher o mais apetitoso de todos, um enorme bolo de cerejas. Gordon tambm comprou um a Joanna, que esperou que Nanna fizesse um rpido gesto de aprovao antes de aceitar o bolo. Joanna, que j complera sete anos, era consciente

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de sua posio social como servente e cuidava de no assumir os privilgios da nobreza. Saboreou o bolo lentamente, procurando que aquele incomum prazer durasse tanto como fosse possvel. Antes que Edward entregasse a Mary o seu, Charlie o arrebatou malevolamente. Aqui e l, vou e venho, em que mo o tenho? Que o que diga seja correto, porque eu a enganarei se puder. Mary sorriu ao ver seu irmo com as mos nas costas. Voltava a sentir parte da emoo que aquele dia lhe brindara em um princpio. Edward, por sua parte, tranquilizou-se, ao observar que Charlie no pretendia lhe roubar o bolo. Na direita aventurou Mary. Ah suspirou Charlie uma bruxa, Mary Carmichael. Estendeu-lhe o doce, e ela o comeu com avidez, deixando que o suco da cereja escorresse pelo queixo. Edward sorriu timidamente, ao ver que gostava contente de que lhe tivesse ocorrido lhe oferecer o bolo. O silncio caiu sobre o povo, quando o sol comeou a descer pelo cu azul. Seus raios dourados foram declinando e adquirindo uma vermelhido rosa plido sobre o horizonte. A proprietria do posto de bolos e sua filha fecharam as portas do carro e engancharam sua fatigada gua. O veculo estralou pesadamente sobre os paraleleppedos, enquanto a me sacudia com movimento lento as rdeas sobre o lombo do animal. O tecedor recolheu os cilindros de tecido que no tinha vendido e os cobriu com cuidado se por acaso chovia. A velha lavadeira deixou escapar uma queixa enquanto carregava as caixas no carro. Gradualmente as ltimas pessoas abandonavam a praa, os animadores comearam a desmontar suas tendas de cores.

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Com o estmago revolto, Mary afastou o olhar rapidamente, quando viu que introduziam o monstro de duas cabeas em uma jaula. Entretanto, nada tinha que temer j, posto que Nanna e seus irmos estivessem com ela. Faz-se tarde disse Nanna logo que advertiu a hora que era Temos que nos reunir com seus pais nos subrbios do povo. Os meninos suspiraram, lamentando que o dia chegasse a seu fim; e continuaram andando pelas tortuosas ruas que conduziam sada do povo. Quando por fim chegaram aos subrbios, viram uma multido de homens e mulheres com as cores dos Carmichael. Entre o tumulto, as babs tratavam de localizar a quo pequenos tinham sob sua responsabilidade, e os meninos eram trocados apressadamente. Mary mal teve tempo de agradecer a Edward e despedir-se dele antes que sua bab o levasse. Uma pessoa a ajudou a subir ao pnei, e ela puxou as rdeas, procurando com o olhar seus familiares mais prximos. Ali se achavam seus irmos, Ian e os dois gmeos, beijando a mo de sua me em sinal de despedida. Ian era um dos pajens do tio Gilchrist de Leabaidh ao Nathair, aonde Hugh tambm se mudou. Andrew e Harold, quem no gostavam de separar um do outro, estavam ao servio do tio Walter, de Moy Heath. J no viviam em Bailekair. O ano seguinte, quando fizesse dez anos, Gordon seria adotado em qualquer das propriedades dos Carmichael: Dndereen, Crnwick, Abergorra ou Glochlomond. Hugh passou ao lado de Mary e lhe lanou um olhar de rancor. Tinha o olho virtualmente fechado pelo inchao e uma crosta de sangue nos lbios. Ela fingiu no v-lo, embora to logo tivesse desaparecido comeou a tremer levemente.

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Como as quatro famlias do cl Carmichael se congregaram aquele dia para a feira, havia pelo menos cem homens de armas presente, alm dos familiares. Em consequncia, os subrbios do povo pareciam um vistoso e agitado formigueiro prpura e azul, as cores dos Carmichael. Contudo, um homem destacava sobre todos outros, um gigante alto e loiro, o chefe e capito do cl. Usava uma camisa branca e o breacan de tartn que o distinguia como chefe; os compridos extremos da capa estavam recolhidos sobre o ombro esquerdo de seu espartilho azul marinho e presos no lugar correspondente com o distintivo do cl, um broche circular de prata com o escudo dos Carmichael gravado: uma cruz de ouro sobre um fundo purpreo coroada por um unicrnio rampante de prata com asas douradas armado e com crinas de ouro, sobre uma nuvem azul, com uma espada de prata e ouro na pata dianteira direita. O unicrnio, como correspondia fila da pessoa, tinha rodeado um diadema de ouro. O homem usava um gorro azul marinho com a divisa do cl, uma urze prpura, segura na parte dianteira. Tinha a espada esquerda e a adaga na cintura, ao lado de sua bolsa de couro. Levava, alm disso, cala e botas de couro, e na direita destas, um sgian-dubh. Avanando no lombo de seu pequeno pnei, Mary no demorou em distingui-lo entre a multido. Papai! Ele estava ocupado dando ordens e no a ouviu, por isso ela esporeou a montaria em uma tentativa por abrir caminho entre a multido, fazendo caso omisso a Nanna, que lhe dizia que voltasse imediatamente. Algum se aproximou de seu lado e Mary teve o tempo justo de ver que Ian, furioso pelo que tinha ocorrido a Hugh, fustigava o pnei e balbuciava um juramento. O repentino golpe espantou o animal, que se encabritou e a

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ponto esteve de jogar Mary da sela. Agarrando-se a sela, se arrumou para permanecer sentada, mas no pde evitar que as rdeas escorressem das mos. O teimoso bichinho, notando que seu cavaleiro tinha perdido o controle, separou-se do resto dos cavalos e saiu ao galope a campo travesso. Mary apertou os dentes, agarrando-se desesperadamente ao cavalo enquanto via que deixava atrs aos de seu cl. A cabea dava voltas. Naquele momento, s podia pensar aferrar-se a maaneta da sela com todas suas foras. As rdeas deslizaram pelo pescoo do desbocado animal at ficar fora de seu alcance. O corao pulsava com fria. Aguenta! dizia-se Aguenta! Ouviu que algum a chamava a suas costas e sups acertadamente que a tinham visto e estavam seguindo-a, enquanto o pnei continuava cavalgando calorosamente. Pelo sul do povo, a jaula em que tinham encerrado o monstro de duas cabeas se afastava lentamente de Invernes. Mary viu horrorizada que o pnei se dirigia diretamente para a horripilante criatura. Desesperada, esticou-se quanto pde para recuperar as rdeas, mas se achavam muito longe. O animal deu uma brusca virada, e o dono do monstro proferiu um grito de fria. Assustado, o pnei deu um coice, corcoveou e empinou. Mary saiu despedida da sela, mas antes de cair ao cho, acertou a ver a cabea viva do monstro, que ria gritando alegremente. Continuando, fezse a escurido.

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Captulo 3

A condessa de Bailekair, lady Margaret, tinha pouco mais de trinta anos. Seu rosto estava sulcado pelas rugas que apareciam aps muitos anos de esforo, muitos partos e muitos anos de ver partir para o campo de batalha os homens do cl Carmichael sem saber se retornariam. Seu cabelo, loiro claro, j mostrava as primeiras cs, e seus sombrios e frios olhos possuam o tom azulado do gelo. Afastou o olhar do fogo para fixar-se na grande escada da sala principal. Vamos, Mary lutava para sobreviver depois do acidente que sofrera com o pnei. Margaret quase podia ouvir a respirao entrecortada que evidenciava o combate que sua nica filha estava mantendo com a morte. A condessa esboou um sorriso lgubre, j que desprezava Mary, a menina dourada que Deus tinha disposto, em Sua sabedoria, entregar a Margaret muito depois de que esta chegasse concluso de que seus anos frteis acabaram e decidisse, portanto, expulsar o conde de seu leito. Deus e Magnus foram os ltimos a rir: isso significava Mary para ela. Margaret rezava, mas no por Mary. Sim, Deus lhe dera essa odiosa menina e talvez agora a levaria. A condessa era a filha bastarda de um baro de Glochlomond que havia falecido fazia j muito tempo. Casou-se com Magnus, quando s contava

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quatorze anos, e nunca entendeu por que o moo se fixou nela, embora tambm fosse certo que em sua juventude, antes que a amargura da idade se fizesse patente em seu corpo, tinha sido muito bela. E Magnus sempre sentiu debilidade pelos rostos formosos. Sua vida em Glochlomond no foi feliz. Sua me, uma humilde serva, passara desta para a melhor, quando a menina tinha s dois anos de idade, e seu pai s mostrou interesse enquanto lhe serviu como mercadoria com que negociar com o resto do cl. A mulher do baro no sentia avaliao pela menina e se divertiu convertendo-a sempre no alvo de suas brincadeiras. As criadas do castelo, ao observar o dio que a senhora demonstrava para sua filha, seguiram seu exemplo, por isso com o passar dos anos a pobre menina acabou sendo objeto de bofetadas, graas e sarcasmos to duros como mal intencionados. Por essa razo, aceitou com muito gosto contrair matrimnio com Magnus se casaria com um porco com tal de sair daquela casa e se sentiu agradecida de ser elevada a um lugar to importante no cl. E mais, que a desejasse semelhante homem, to atrativo e loiro, tinha-a adulado. Entretanto, no a prepararam para o matrimnio. A noite de bodas se deitou na cama de Magnus atemorizada e sem ter a mais remota ideia do que era o ato sexual. Se Magnus no tivesse estado to brio e acostumado a fornicar com moas fceis, talvez advertisse o medo que atendia a Margaret e, uma vez conhecido o motivo, lhe teria explicado o ritual e tratado com delicadeza. Em lugar disso, lhe arrancou a fina camisola que cobria seu tremente corpo e a forou sem pensar duas vezes. Margaret, assustada e despreparada, tinha a sensao de que a partia em dois ao penetr-la. Depois de seu vigoroso ataque, ficou adormecido ao seu lado, e ela o olhou, fixamente, horrorizada pelo dano

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que sofreram suas carnes. Desde aquele momento, comeou a desprezlo, a detestar seu rosto atrativo e seu corpo de gigante e, assim que se deu conta de que receberia aquele terrvel trato todas as noites, seu aborrecimento no fez a no ser aumentar. Embora em seguida se inteirasse de que estava esperando um beb, ainda demoraria algum tempo, profundamente ignorante como era em descobrir que a causa da gravidez era a terrvel experincia que teve que suportar. Enquanto que a notcia entusiasmou Magnus, Margaret ficou espantada. As mulheres morriam ao dar a luz. Talvez se tivesse podido compartilhar seu medo com as mulheres do castelo, chegaria a compreender que tipo de relao era aquela que existia entre o homem e a mulher e a estranha sensao que lhe produzia levar uma criatura no ventre. Mas devido ao trato que lhe dispensaram as donzelas da baronesa em Glochlomond, Margaret, temerosa de que as mulheres de Bailekair ririam de sua estupidez, no teve a presena de nimo para lhes comentar nada. Cinco filhos. Tinha dado a Magnus Carmichael cinco filhos fortes e sos, com cada um deles se encerrou mais em si mesma, tornou-se mais severa e convencida cada vez mais de que o desprezvel conde pagaria algum dia pela dor que seus filhos lhe causaram. Ento, com o escasso e frio carinho que chegou a ser capaz de sentir por eles, Margaret foi afastando-os de seu pai. Do momento em que seus filhos aproximaram a boca de seus peitos para beber o leite da vida, a condessa foi minando qualquer classe de influncia que lorde Magnus pudesse exercer sobre eles e, com o passar dos anos, obteve um terminante xito com o maior, Ian, e os dois gmeos, Andrew e Harold. Eram filhos do conde, como delatavam a

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dureza de seus traos e as violentas disputas em que estavam acostumados a encetar-se com o conde quando se achavam em casa. Margaret se limitava a tolerar Gordon e Charlie. Tinha fracassado com eles, talvez porque Magnus terminou por precaver-se de suas intenes e frustrou o plano de sua esposa antes que surtisse efeito. De todas as formas, o herdeiro do conde era dela, e isso era o que realmente importava. Quando seu marido morresse, Margaret governaria Bailekair mediante Ian. Bailekair! O castelo mais grandioso de toda Esccia! Seria realmente dela, s dela! Se fosse necessrio, seria capaz de esperar toda uma vida a que esse sonho se fizesse realidade. Margaret no professava carinho nem a Magnus Carmichael, aquela besta em zelo que a atacou de uma maneira to asquerosa, carregando-a com o peso de uns filhos que no desejava, nem a Mary, o fruto do alcoolizado comportamento de seu marido dois anos depois que deixasse de compartilhar o leito. Mary era filha de Magnus tanto como Ian, Andrew e Harold eram filhos dela. Como consequncia da idade e o poder, Margaret se converteu em uma mulher amargurada, de lngua viperina e malvada. Era a viva imagem da defunta baronesa de Glochlomond, que tanto a desprezara. Maltratava tudo, tanto as coisas como s pessoas com a exceo de seus trs filhos para desforrar-se de todos os anos de abusos, reais ou imaginrios, que tinha padecido. Nada escapava a aqueles olhos penetrantes e curiosos, nem um penique, nenhuma bolinha de p. Governava sua casa com mo rancorosa e avarenta, golpeando as donzelas e enganando os servos sempre que lhe apresentava a ocasio. Margaret observou Magnus, seu marido, que se encontrava no outro extremo da estadia. Doer-lhe-ia profundamente perder sua nica filha,

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pensou; e, como se em lugar de um corao tivesse uma pedra no peito, rezou pela morte de Mary.

Vamos, Mary Carmichael se movia espasmodicamente de um lado para outro e gritava em sonhos. Com semblante preocupado, Flora se inclinou sobre a inconsciente menina para acalm-la, lhe aparando as mechas em emaranhadas de sua loira cabeleira, mida pela febre, e examinando uma vez mais as ataduras que seguravam as costelas fraturadas e cobriam os profundos cortes que os coices do pnei produziram. Venha, venha, senhorita. Nanna est aqui sussurrou Flora brandamente. O som de sua voz pareceu apaziguar em certa medida moa, e Flora voltou para sua cadeira, embora seguisse tendo a mesma expresso de inquietao que o dia do acidente. J no se atrevia a lhe administrar outra poro do caldo de ervas que tinha preparado, pois uma dose maior poderia ser fatal para a moa. O que lhe ocorre, doce menina? O que tem na cabea que a faz gritar de medo? perguntou Flora em voz baixa Ah suspirou agora no me pode dizer isso j sei Oxal pudesse descansar. A bab voltou a exalar um suspiro e se levantou para avivar o fogo a fim de que a panela que tinha posto para esquentar despedisse mais vapor e a menina respirasse com maior facilidade.

Se Mary sabia quo desesperadamente estava lutando Flora por lhe salvar a vida, no o manifestava, posto que estivesse encerrada no inferno de suas alucinaes.

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Em seu sonho, reinava a escurido. Ela estava em volta por uma bruma cinza to densa que no lhe permitia ver nada, e o lugar em que se encontrava lhe resultava estranho, desconhecido. Mary cavalgava no lombo de um corcel negro como o azeviche que estava extremamente nervoso; apesar de que levava seu fino arascaid, notava que o animal tinha o corpo molhado. A umidade no se devia bruma, a no ser enlouquecida velocidade de seu galope. Quando Mary o obrigou a deterse para olhar para trs, o cavalo continuou ofegando. A menina ouviu ento uma risada demente na escurido; o susto acelerou os batimentos do seu corao. Ainda a perseguia; o monstro de duas cabeas levava quilmetros atrs dela. Tinha que escapar! Agarrou a vara com fora e golpeou o corcel para que reatasse a marcha. Os cascos do cavalo batiam sinistramente sobre as rochas. A montanha para a que se dirigiam se elevava imponente, ao longe. Maaarrry. Maaarrry. Embora o sussurro tivesse divulgado levemente, teria reconhecido a voz em qualquer parte. A menina soltou um suspiro de alvio. Papai! J vou, papai! Desesperada, tratou de atravessar as infernais sombras da noite para chegar aonde ele se encontrava. Ento, de repente, viu-o ante ela, pendurado de uma cruz na borda do escarpado e tortuoso caminho pelo que avanava. Tinha a cabea rachada, e o sangue brotava como um rio da ferida mortal. Mary lanou um grito.

Nanna se afastou rapidamente do fogo para tranquilizar angustiada menina e lhe aplicar um pano mido na testa.

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Flora! Magnus irrompeu no aposento Ouvi um grito. No no pude esperar mais. Est A moa piora senhor. Os olhos de Flora estavam alagados em lgrimas, quando olhou o triste conde Temo que a queda prejudicou a cabea. Quando golpeou a cabea Meu Deus! No h nada que possamos fazer? Nada, senhor, exceto esperar e rezar.

Mary obrigou o cavalo negro a desviar-se para evitar o terrvel espetculo. Sentiu pegajoso sangue que o corcel salpicava ao golpear o cho com os cascos. O sangue que pouco antes correu pelas veias de seu pai tingia agora suas mos e sua cara e empapava sua largussima cabeleira loira. Tinha as bochechas banhadas em lgrimas; notava o agridoce sabor de sal em seus lbios. O corcel seguiu galopando temerariamente em direo montanha; Mary sentiu o impacto de uns ramos na cara. Maaarrry. Maaarrry. Aguou a vista para espionar na escurido. Onde est, Edward? Aqui, Mary, aqui. De repente, seu primo apareceu ante ela no meio do caminho. Oh, Edward Sustentava uma cruz na mo. No! Mary tampou os olhos com as mos. O semental empinou e golpeou o moo, mas quando ela voltou a olhar, viu que no lhe causara nenhum dano. O corpo do moo, sereno, afundou-se na terra debaixo dela e desapareceu.

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Ouviu ento o tamborilar da jaula em que ia o monstro de duas cabeas e a voz de seu dono, que a chamava. Estavam cada vez mais perto. Ajudem-me, por favor! Que algum me ajude! Ningum acudiu, por isso se viu obrigada a seguir. O corcel negro cambaleava agora pelo atalho da montanha. Avanava cada vez com maior lentido, e cada passo lhe supunha um grande esforo. Mary baixou a cabea e ps-se a chorar. No chore, menina. A pequena levantou a vista, ao ouvir aquela voz gasta e viu, ante ela, uma anci de cabelo grisalho. No se assuste disse a velha Pediu ajuda, e estou aqui para lhe brindar isso. Quem quem voc? Sou parte do que uma vez foi e voltar a ser. Venho de uma poca anterior ao seu tempo e esperei durante muitos, muitos anos sua chegada. Como pode me ajudar? Mostrando o que muito poucos viram. O destino! A bruxa tirou a capa que cobria seu murcho corpo, e imediatamente a cercou uma fogueira que ardeu com intensidade crescente at que as chamas envolveram anci por completo. Deseja v-lo, menina? Mary tremia de medo, porque era um sinal de m sorte conhecer o futuro da gente mesmo. Entretanto, por alguma razo, no podia negarse. Sim assentiu com frieza Quero v-lo. Ento, preste ateno!

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A menina deu meia volta. A jaula em que se achava o monstro de duas cabeas se aproximava estralando, e o dono fazia gestos com jeito matreiro. luz da fogueira, Mary viu que era sua prpria me que a animava que se aproximasse e que as cabeas do monstro eram as de seu irmo Ian e seu primo Hugh. Vem por voc, menina. Mas mas minha prpria famlia que vem por mim. A pequena se sentiu estranhamente aliviada. Ah, ento por que foge deles? perguntou a harpia com um leve sorriso. No sei. Aquilo deixou Mary perplexa. Hugh e Ian eram uns brutos, mas tinham seu mesmo sangue e no pretendiam lhe causar dano. Nada tinha que temer da gente de seu cl. Entreabriu os olhos e lanou velha bruxa um olhar suspicaz, perguntando-se que feitio estaria urdindo. Olhe o penhasco que h a acima, ao longe. A vidente lhe indicou um pico ao longe. No penhasco se elevava a agulha de uma igreja, e entre os cinza tufos da nvoa Mary vislumbrou um fantasmal cavalo de guerra sobre o que cavalgava uma figura que no reconheceu. A menina comeou a tremer. Quem ? perguntou. Seu espelho, menina. No se v refletida em seus olhos? No! exclamou meu inimigo! Sei! Sim. A profeta sorriu astutamente Mas a espera de todas as formas, como eles. Seus negros olhos brilharam maliciosamente, ao tempo que assinalava de novo para a famlia da pequena. No! exclamou Mary uma vez mais Sua alma cheira a morte. Morte! No permita que me toque. Frio. Que frio faz. E quantas lgrimas.

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Quantas tumbas. O que significa isto? Elevou a voz at que resultou estridente O que significa isto? No obteve resposta. A bruxa tinha desaparecido. As chamas a consumiram e no lugar em que esteve no ficavam mais que cinzas.

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Captulo 4

Mary Carmichael no morreu, apesar de lady Margaret. Ao cabo de um tempo sararam suas costelas, e os cortes que produziram os coices do pnei se fecharam. De igual modo, a lembrana do acidente foi desvanecendo-se e inclusive o terrvel pesadelo que tinha sofrido a noite da festa do po foi esfumando-se em sua memria at perder-se quase por completo. Em realidade, no seria at anos mais tarde quando iria aos lugares mais recnditos e escuros de sua lembrana para evoc-la com todos seus terrveis detalhes, e nem ento compreenderia o significado do sonho. Embora crescesse como o resto das jovens das Terras Altas, Mary sempre se distinguiu entre elas. E que era a filha de seu pai, como lady Margaret estava acostumada lhe recordar. Tinha marcado no mais fundo de sua alma o selo de sua selvagem impetuosidade, seu esprito valente e seu justo sentido da honra. Em sua pessoa, no fizeram trinca nem a obedincia dcil, nem a resistncia estica, nem a aceitao silenciosa fruto do medo s insidiosas palavras ou os duros golpes de um homem. Se era consciente de que carecia das virtudes mais delicadas que uma me mais carinhosa tivesse podido lhe proporcionar, a fim de prepar-la para a vida que lhe esperava como mulher, Mary no lamentava sua falta. Aos quatorze anos de idade, era uma criatura to selvagem e misteriosa como quo animais rondavam pelos frondosos e pardos

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bosques e vagavam pelos dourados e purpreos brejos das Terras Altas escocesas, agrestes e indmitas, como a terra em que pugnavam por sobreviver. Sua beleza no era habitual. Mary possua uma elegncia esquiva e selvagem; era como uma ninfa dos bosques que chamava seu amante e se escapulia antes que ele pudesse captur-la entre seus braos, enquanto sua cativante risada ressonava com a mesma melodia da plateia dos riachos que corriam pela montanha. Sua brilhante cabeleira caa como uma cascata at os joelhos, com o tom dourado da samambaia luz do sol. A cor de sua pele recordava ao do mel fresco. Dir-se-ia que flutuava ao caminhar, esbelta como um junco, com seus redondos seios e geis membros. Tinha o nariz reto e as bochechas rosadas; seu queixo estava to finamente cinzelado como o resto de seu corpo e se unia ao alargado e grcil pescoo em uma delicada concavidade. Ao v-la pela primeira vez, tinha-se a impresso de que era frgil como a vassoura das Terras Altas e etrea como a bruma escocesa. S sua boca e seus olhos desvirtuavam aquela imagem, por quanto seus carnudos lbios vermelhos, sob os que se ocultavam uns uniformes dentes brancos, refletiam um carter apaixonado, igual a seus olhos, umas iris violetas de um tom to purpreo como o dos urzes que recolhia nos campos e de uma resplandecente intensidade que recordava ametista, o cristal que os habitantes das Terras Altas denominavam olhos dos Carmichael. Perfilados por sobrancelhas douradas e pestanas ligeiras como plumas, aqueles olhos pareciam uns profundos remansos em que um homem podia afogar-se. Qualquer, depois de v-los mil vezes, seguiria sentindo o feitio que exerciam seus cativantes matizes violceos. Eram os olhos de

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uma menina a quem trocaram de bero ao nascer, diziam a gente das Terras Altas, e mais de um se benzia quando a via passar. Na verdade, Mary Carmichael era a nica entre seus irmos que descendia de Bailekair e que herdara seu acervo, j que possua uma vontade orgulhosa e arrogante, fazia valer sua fora com veemncia e mostrava obstinao na consecuo de seus desejos. Talvez devido a isso se convertesse na favorita de Magnus, dado que o conde amava Bailekair mais que a tudo no mundo, mais inclusive que a sua prpria filha. O lugar de nascimento de Mary era uma fortificao impressionante, e ela o queria com paixo. O castelo oferecia um aspecto muito poderoso e pesado para ser bonito e, mesmo assim, resultava deslumbrante, magnfico, imponente. Quem viu Bailekair em alguma ocasio jamais esquecia sua grandiosidade. Carecia de fosso, embora ao longo das muralhas se abrissem umas profundas gretas escavadas pelas correntes que se precipitavam do topo da montanha durante o degelo da primavera. Eram estas umas correntes rpidas e perigosas, sobre tudo quando baixavam fortes e transbordavam como agora; aquele ano de 1486 a primavera tinha chegado logo, e os gelados campos se apressaram a acolher o despertar dos pequenos e tenros brotos que pugnavam por sair superfcie. Em toda Esccia, a calada brancura da morte invernal desaparecia com a apario das brilhantes cores que anunciavam o renascimento da terra. As Terras Altas estavam cobertas por um grande manto de erva com que os veados se davam de presente; nos penhascos das montanhas prximas ao lago cresciam os licopdios que, procurando a umidade, subiam por entre as gretas e fendas das rochas. A fragrncia das flores brancas e os bagos do mirto do pntano formavam um aroma

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embriagador ao mesclar-se com a fetidez que desprendia a turfa em decomposio sedimentada nas profundas extenses de lama. O arndano vermelho florescia; os belos brotos das azaleias se arrastavam pelo cho; os largos e magros ramos da vassoura se iluminavam com gemas de cor amarela. As folhas de louro brilhavam a luz do sol, e as prpuras urzes e as douradas samambaias coloriam os vastos pramos e as colinas. Os carvalhos cresciam altos e fortes, e as escuras bolotas aninhavam entre suas verdes folhas. Os avermelhados frutos das aveleiras jogavam esconderijo entre seus sussurrantes ramos. O vento balanava brandamente os bicudos choupos, cuja clara e brilhante madeira se distinguia na distncia. O vermelho espinheiro aparecia cheio de luminosas flores; os bagos do zimbro despertavam viosas e prpuras, pedindo que as espremessem; as flores rosa da macieira silvestre balanavam brandamente a merc da brisa. O slido fresno se erguia com firmeza, inflexvel, e entre as verdes agulhas dos pinheiros apareciam os abacaxis. Os javalis se alimentavam nos bosques, grunhindo airadamente ao serem incomodados; os lobos uivavam a seus pares envoltos na escurido da noite; as gamas sobressaltadas vigiavam suas salpicadas crias; os ursos se espreguiavam nas tocas onde tinham hibernado; os gatos monteses rondavam pelas colinas. Os glidos e cruis ventos que acompanhavam a estao que j se despedia das Terras Altas davam passo a doce, clida e murmurante brisa que aparecia com o dourado sol primaveril, o qual lanava seus raios como se fossem manteiga derretida pelos pntanos e vales, os pramos e as montanhas da Esccia.

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Era aquela a promessa do renascimento que se deu a todas as criaturas de Deus? Como podiam duvid-lo? Como podiam deixar de acreditar naquele novo despertar, se a primavera seguiria as aguardando muito depois de que seus corpos se convertessem em cinza e p nos invernos de seus anos? Aquela era a esperana que as induzia a levantar o olhar para o cu e agradecer, a humildade que lhes impelia a baixar a cabea em orao, o amor que permanecia constante em seus coraes. E que aquilo era na verdade vida. Bailekair se regozijava com a embriagadora embriaguez da terra. obvio, a estao gelada se viu iluminada pelos dias festivos: Samhain, em que se celebrava o comeo do inverno; o dia de So Martn; o de So Andrs; o Natal e a vspera de ano novo. Entretanto, alm dessas festividades, o inverno no devotara a ocasio de fazer muito mais, exceto sentar-se junto ao fogo e bordar uma parte de tecido. Mary tinha os dedos intumescidos por causa da delicada costura, o qual lhe valeu muitos comentrios reprovatrios de sua me. Devido s largas horas que passou sentada no extremo da dura cadeira, comeava a doer as costas, e tinha de forar a vista para distinguir os desenhos que confeccionava com o fino fio, desenhos, pelo geral, de uma feitura muito bela. Com a chegada da primavera se reatava o trabalho: o castelo, igual ao resto da Esccia, despertava, e os dias de Mary voltavam a estar cheios de atividade. Teria que lavrar a terra para plantar as sementes, tirar o gado para pastar no campo, limpar o palanque do forte e guardar o esterco para empreg-lo mais tarde como fertilizante. Havia tambm que limpar e varrer a torre principal, tirar os velhos juncos ao exterior para queim-los e cobrir o cho com os novos. Era necessrio dar a volta aos colches e

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arej-los, sacudir as tapearias das paredes e lhes tirar o p acumulado durante o inverno. Teria que comprovar se na despensa faltava provises, repor as velas, fazer novas tochas para os suportes de ferro que penduravam das paredes da torre. Tinha que entregar o pedido aos caadores que subministravam carne fresca para que sortissem o castelo, e teria que abastecer-se de salmo, o nico pescado que se obtinha com facilidade no interior do pas. Mary ajudava em todas estas tarefas, j que lady Margaret devia ensinar sua filha a arte de administrar uma grande fazenda para preparla para o dia que se casasse e se convertesse na senhora de um castelo por direito prprio. Seguindo condessa como uma sombra, Mary se maravilhava do som que produziam as muitas chaves que pendiam do enorme anel que sua me levava seguro cintura. O som lhe recordava a magnificncia de Bailekair e a fazia sentir-se orgulhosa de que seu pai fosse o dono de semelhante fortaleza. Quando me e filha entraram na escura e fria despensa, quo serventes desfilavam atrs delas se adiantaram pressurosos para iluminar o lugar e afugentar os ratos que j brincavam de correr pelo cho de pedra. Havia abundncia tanto de cebolas, que se guardava em arcas pequenas, como de mas, que foram postas a secar penduradas por toda a estadia. Entretanto, a proviso de queijos, cenoura e feijes era escassa. Mary apontou estes produtos no livro da casa que tinha lady Margaret para recordar o que logo tinham que plantar no pomar. Escreve com claridade, Mary Kathryn, e tome cuidado, no v gotejar essa vela em cima do livro repreendeu a condessa. No armazm, comprovaram que estavam ficando sem velas.

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Ter que fazer novas e encher as arcas para benz-las o dia de So Martn disse lady Margaret aos criados Procurem que tenham um aroma agradvel e ardam com claridade; as faam bem, no quero que mal se consumam em seguida, iluminem pouco e emprestem todo o castelo. Todas uma a uma, as donzelas assentiram com um veemente gesto de cabea. Cada ano ouviam a mesma advertncia, e vrias tinham que suportar algum duro aoite, porque no fizeram algo ao gosto da condessa. As tochas, obviamente, cheiravam sempre, o qual era to irremedivel quanto soltassem cisco. As paredes do castelo, manchadas com os resduos que deixava o azeite com que se impregnavam as tochas, eram boa prova disso. Os colches foram abertos e, uma vez cheios de palha nova, voltados a costurar; enquanto o faziam, lady Margaret deu um bom soco a uma das criadas, porque se queixou de quo pesada era a tarefa. Parte da roupa de cama estava infestada de piolhos, por isso tinha que p-la a ferver em gua mesclada com terebintina (que se elaborava com resma de pinheiro) e esfreg-la com sabo de lexia, com que tambm teriam que lavar as pessoas que dormiram com ela. Encarregou aos servos da torre que agarrassem as ps e tirassem os juncos, aonde foram parar os restos de comida, agora j podres, a ferrugem dos homens que estavam muito bbados ou que simplesmente tiveram preguia para ir procurar um urinol, e os excrementos de quo sabujos sempre acompanhavam lorde Magnus; logo poriam canos novos. As tapearias que penduravam das paredes foram sacudidas com varas, e o p que desprenderam fez espirrar a Mary.

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Uma vez realizadas estas tarefas, vinham s lies de leitura, redao, clculo e idiomas (em concreto, ingls, francs e alemo) que repartia o sacerdote. As classes de costura, fabricao de sabo e perfumes, dana e etiqueta eram responsabilidade das donzelas, e as de alade, flauta e harpa, do poeta do castelo. Assim transcorriam os anos na vida de Mary, todos semelhantes uns aos outros e s alterados por umas mudanas que ela j conhecia desde pequena, mudanas que marcavam o passar do tempo e que no por conhecidos resultavam menos tristes. Ainda recordava as amargas lgrimas que derramara aos seis anos de idade quando Gordon foi enviado a Dndereen para a adoo, e a solido que a embargou no ano seguinte quando Charlie foi mandado a Crnwick pelo mesmo motivo.

A adoo era um importante costume das Terras Altas. Aos dez anos de idade, os filhos vares dos senhores e outros familiares eram enviados a outras casas para servir. Ao princpio, desempenhavam o papel de pajens dos senhores que os tinham acolhido. Ensinava-lhes a mostrar humildade e respeito a seus superiores, atender a seus senhores, montar Destriers, uns cavalos de guerra cuidadosamente adestrados que levavam a campo de batalha, e dirigir as armas. Participavam de jogos com que aprendiam o proceder e as estratgias do combate. Praticavam a quintana, um esporte em que feriam uns bonecos denominados estafermos para assimilar os rudimentos de um ataque a cavalo. Tambm aprendiam a caar com falces e gavies. Quando cumpriam quinze anos, se demonstravam dominar todas estas disciplinas, recebiam o ttulo de escudeiro e lhes entregava um pendo,

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uma bandeirinha com suas insgnias que levavam a suas lanas. medida que superavam os sucessivos exerccios da instruo, iam separando partes do pendo at que este ficava reduzido a um estandarte. Durante esse perodo, lhes permitia combater em escaramuas sem importncia, cavalgando ao lado de seus senhores e, s vezes, se durante a aprendizagem como escudeiros se faziam merecedores do privilgio, levavam seus escudos. Sempre, embora isso lhes custasse a vida, protegiam seus senhores. Aos vinte e um anos, a idade da maturidade, eram armados cavalheiros em uma cerimnia solene, que estava acostumado a celebrar-se em tempo de paz, embora pudesse realizar-se no campo de batalha, se o jovem tinha demonstrado uma grande valentia em combate. A noite prvia ao rito, o escudeiro velava armas e, pela manh, colocava uma capa vermelha e negra sobre uma tnica branca para fazer seus votos. Ajoelhava-se ante o parrain (o senhor que ia nomear-lhe cavalheiro) e recebia a acolada (o golpe que lhe dava o senhor nos ombros com uma espada). Se o novo cavalheiro no era herdeiro de alguma propriedade, abria-se caminho no mundo liderando batalhas e participando de torneios; em caso contrrio, retornava a casa para aprender a administrar sua herana. Os irmos de adoo eram to importantes para um homem como seus prprios irmos de sangue e em ocasies incluso mais. Com frequncia os irmos de adoo formavam relaes vinculantes mediante pactos e juramentos, as quais davam lugar muitas vezes a matrimnios e adoes dos futuros filhos. No era incomum que os irmos menores de um homem residissem em sua casa, se as propriedades do cl no eram o suficientemente numerosas para ajudar aos filhos de menor idade,

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nem que os irmos de adoo do homem tambm vivessem ali, se no possuam herdades. Em consequncia, as famlias, formadas por um semfim de homens, mulheres e meninos, eram frequentemente muito grandes e homogneas.

O mesmo ano que Charlie se mudou a Crnwick, o jovem Edward Carmichael chegou a Bailekair para aprender a comportar-se como um guerreiro. Entretanto, o plido moo dava a impresso de que resultaria muito magro e frgil para suportar os rigores da instruo requerida para converter-se em cavalheiro. Suas finas mos no pareciam adequadas para dirigir a pesada tocha de combate, a no ser para tocar a delicada flauta a que j conseguia arrancar belas melodias. Sua mente no estava preparada para planejar estratgias de guerra a no ser para compor poemas com os versos que apontava em pedaos de pergaminho. Contudo, posto que vivia em uma poca em que inclusive os sacerdotes partiam ao campo de batalha, no lhe ficava mais remdio que fazer um esforo. Pelo sangue de Cristo, que calor faz se queixou um dia, enxugando o suor da testa. Alan, to leal como sempre, sorriu. Espere quando tiver que suportar o peso da armadura, senhor. Far votos por que lhe metem em um forno. Virgem Santa! Isso algo que no posso permitir. Como pode mover um homem levando nas costas semelhante carga? Edward meneou a cabea em sinal de incredulidade. Alguns no podem interveio lorde Magnus No prudente que se deixe convencer pelos ferreiros de que tem que se colocar na pesada

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armadura que forjaram a sua medida, Edward, porque s o fazem para encher os bolsos. Vi muitas vezes carregar a um cavalheiro com tanto peso que, quando lhe soltaram, viu-se incapaz de levantar-se e ficou convexo no cho como uma tartaruga de barriga para cima. Quem se encontrava presente nessas ocasies no deixavam de rir, embora a brincadeira no resultasse to graciosa se ocorresse no campo de batalha, j que ento o cavalheiro se converteria em alvo fcil para uma lana ou uma tocha de combate. Edward assentiu com a cabea e tomou mentalmente boa nota da informao, consciente de que no s tinha muito que aprender e recordar, mas sim tinha alm que faz-lo bem se quisesse distinguir-se no campo de batalha e fazer-se credor de uma propriedade, pois Edward no herdaria nenhum castelo, j que o de seu pai, Dndereen, passaria s mos do atrevido Hugh. O propsito de Edward no era, entretanto, fruto da cobia. De fato, seria mais feliz ordenando-se sacerdote ou convertendo-se em um histrio errante que assumindo a condio de poderoso senhor, posto que ele era um sonhador, no um homem de ao, e no reunia as qualidades necessrias para sobreviver no mundo em que nasceu. De todos os modos, tinha um grande desejo na vida e para que se cumprisse necessitava de um ttulo. Edward amava Mary Carmichael e venerava seus ps e o cho que pisavam com uma febre secreta e dolorosa que o consumia todo. Entretanto, sabia que o conde no concederia a mo de sua filha nem a um eclesistico nem a um cavalheiro de fila inferior. J vira como Hugh, com a segurana que lhe conferia seu condado e a sede de poder que tinha, devorava com os olhos a amadurecida figura da moa; e sentia nuseas ao imaginar Mary nos braos de seu irmo. Ela era dele, era a mulher de Edward, sua dourada

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ninfa da gua. Sim, ela pertencia a Pan, no a Hades, o escuro deus da morada dos mortos. Se a moa vivesse na propriedade de seu irmo de adoo, adoeceria como Persfone. S ele, Edward, interpunha-se entre Mary e Hugh, pois no havia nenhum membro do cl o bastante valente para frustrar o plano de seu irmo de adoo de convert-la em sua esposa. Hugh estava subindo no escalo dos Carmichael como o sol da manh e brilhava com a mesma fora que seus raios. Edward notava como o sabor da blis subia pela garganta ao pensar na fria com que reagiria seu irmo de adoo se perdesse algo to valioso e, mesmo assim, a fora do desejo que sentia por Mary era maior que o medo que lhe infundia Hugh. No momento em que suas reflexes lhe levavam mais longe, Edward se dava conta de que Mary no o queria como ele a ela. Entretanto, sua natureza romntica o induzia a afastar essa ideia e a sonhar no agradecimento com que se jogaria em seus braos quando ele a salvasse de seu irmo de adoo e a enfeitiasse com a encantadora msica de sua flauta.

Mary, por sua parte, adorava Edward, da mesma maneira que adorava a seus irmos Gordon e Charlie. Ignorava os planos que ele ou Hugh esboaram para ela, e no lhe passava pela cabea que Edward a amasse como um homem ama a uma mulher. Igual aos dois moos, Mary entrou em um novo mundo aos dez anos. Sua queridssima Nanna se casou com Alan aquele mesmo vero, e Joanna ocupou, por fim, o lugar que lhe correspondia na vida, que era o de donzela de Mary. A formao de uma mulher dava comeo seriamente, naquele momento.

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Agora, cumpridos os quatorze Mary Carmichael se encontrava na soleira da idade adulta e, embora lhe inspirasse certo temor abandonar a segurana da famlia, ansiava explorar algo mais longnquo que os brejos da terra em que nasciera. Fosse como fosse, devia afastar-se daquele lugar, posto que tinha que mudar-se a Edimburgo, ao palcio de Holyrood, para residir na corte durante os prximos dois anos. Tratava-se de uma honra que lhe concederam por ser filha de um poderoso chefe das Terras Altas. Transcorrido esse tempo, retornaria a casa para contrair matrimnio com o homem que seu pai elegesse para ela. Dois anos era muito tempo na vida de uma jovem moa, e por essa razo Mary no tinha em mente a ideia de umas bodas, enquanto contemplava a paisagem das terras de Bailekair do alto da torre principal. Como se dos dois fios de uma mesma folha se tratassem, a emoo que lhe produzia a perspectiva de viver na corte levantava seu nimo, enquanto que a tristeza de ter que abandonar sua casa oprimia seu corao. Ao longe, vislumbrava a fresta onde passava ensimesmada suas horas de cio e onde o jovem Edward, fazendo-se passar por Pan, escondeu-se com sua flauta; o vasto e majestoso pramo pelo qual ela e Joanna cavalgavam com a cabeleira solta; os campos demarcados e as cabanas com teto de palha dos granjeiros, algumas delas meras runas enegrecidas como consequncia das imprevistas e rpidas incurses dos MacBeth em Bailekair. As nuas parcelas de terra queimada e os desolados restos das cabanas ressaltavam conspicuamente em relao s vivas cores da primavera e o tranquilo povo que rodeava ao forte. Mary amaldioou em silncio os MacBeth, apesar de que sabia que os Carmichael causavam o mesmo tipo

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de destruio na terra dos MacBeth. Olho por olho, dente por dente. Assim era sempre entre os dois cls. A moa tremeu ao pensar nas noites em que presenciara as incurses da segurana que lhe proporcionavam as muralhas do castelo, em que ouvira como os gritos proferidos pelos inimigos de seu cl atravessavam a escurido com uma fria selvagem. Um MacBeth! Um MacBeth! Tinha visto o vermelho e o verde de seus breacans iluminados pela luz das tochas que levavam. Tinha cuidado dos feridos e enterrado aos mortos, uma vez acabado o aougue. Eram os espinhos de sua rosa, os vermes de sua ma. Pisoteavam, roubavam e incendiavam as terras de Bailekair. E Bailekair significava tudo o que era querido ao seu corao. Jurou que algum dia se vingaria deles. Agora, entretanto, Edimburgo ocupava seus pensamentos, e no tinha tempo que perder com os MacBeth. Ela no era um homem que pudesse elevar-se em armas contra eles. Sua armadura consistia nos decotes de dois vestidos de corte e os arascaids com que ela e Joanna se embelezaram para empreender a viagem face ao muito que incomodara lady Margaret o grande gasto em que incorreu. A arma de que dispunha era sua beleza selvagem, que nenhum homem havia tocado. Se tivesse sabido ento o bem que lhe serviriam seu equipamento! Mas Mary o ignorava. S teve uma leve suspeita da sorte que lhe aguardava, quando Edward se aproximou procedente dos estbulos conduzindo um semental que capturara e adestrava em segredo para entregar-lhe como presente de despedida. Era um animal mais fino e brioso, com orgulhosos e acampanados nariz e fortes e geis patas. Entretanto, Mary no pde evitar estremecer at o mais fundo de seu ser, pois aquele era o semental negro como o azeviche

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com que sonhara h muitssimos anos a noite da festa do po. Trmula, retrocedeu ante ele presa das premonies mais agoureiras. Seu primeiro impulso foi rogar a Edward que matasse imediatamente o maldito animal. Entretanto, o rosto do moo refletia de forma comovedora tanto o orgulho e a alegria que lhe embargavam naquele momento como o grande desejo que sentia de que o aceitasse, de maneira que a moa no se atreveu a estragar a satisfao que a Edward proporcionava lhe dar de presente o cavalo. Esquecendo-se dos receios, subiu ao seu lombo para franquear o restelo de ferro de Bailekair e dirigir-se a Edimburgo acompanhada por seu pai e o jovem Edward.

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Captulo 5
Castelo de Torra nam Sian, Esccia, 1461

Em uma fria e desolada noite de finais de fevereiro, as enormes nuvens que cobriam os cus se abriram para deixar cair uma tromba de chuva cinza e romperam a escurido descarregando brilhantes relmpagos. As altas e imponentes torres do castelo de Torra nam Sian, a fortaleza do cl MacBeth, iluminou-se sinistramente por um momento sobre o horizonte, e o cruel perfil de suas elevadas ameias se recortou sobre o tormentoso cu. Ao longe, sob o forte, situado como uma ave de rapina sobre o escarpado, as ondas do mar do Norte estalavam contra as fileiras de rochas que se alongavam ao longo da costa e voltavam para o seio do mar produzindo um estrondo ensurdecedor. Laureiem fechou os olhos em uma v tentativa por amortecer o rudo. Seu negro cabelo se estendia molhado e em desordem, sobre o travesseiro, e o escuro dossel de sua enorme cama parecia querer tragarlhe. Estava afogando-se! Estava acostumada ao murmrio dos pinheiros e a um dossel formado por estrelas, no aos pesados cortinados que a rodeavam e pareciam asfixi-la. Afogando! Estou me afogando!, pensou. Entretanto, soube que no se tratava mais que de outra m passada que lhe tinha jogado a mente, posto que, antes que lhe atacasse uma nova pontada de dor, conseguiu abrir os olhos de novo e viu como tremiam as velas devido fria corrente que soprava em seus aposentos. Laureiem respirou profundamente.

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Empurre, senhora, empurre! Agarrando-se com fora aos lenis que prenderam aos postes da cama, realizou um novo esforo e empurrou para baixo proferindo uns gritos estridentes que atravessaram a noite uma e outra vez. Por fim, sentiu que a dor diminua e comeou a ofegar penosamente. Algum lhe enxugou a testa com um pano mido. A chuva aumentava; ao longe, as ondas batiam contra a costa. O brilho de um relmpago sulcou o cu e obteve a estrondosa resposta do trovo ao estalar entre as nuvens. Outra vez, senhora, outra vez! Pelo sangue de Cristo! Vou morrer! exclamou entre gemidos, antes que outra aguda espetada lhe fizesse estremecer, e seu grito de dor rompesse uma vez mais o silncio que reinava nos corredores do castelo. No momento em que se consumiam as velas, comeou a delirar. As chamas de uma fogueira, sim, agora via com claridade o resplendor vermelho e amarelo de uma fogueira de acampamento. Ela danava, levantando os braos e agitando as mos provocativamente. Sua saia vermelha revoava sobre suas pernas morenas, que brilhavam a oscilante luz do fogo. Meneou a cabea e, sacudindo as mechas negras de sua cabeleira, deixou ao descoberto os ombros, que sobressaam da blusa branca que levava. O fino tecido do objeto oprimia seus seios. Seus brancos dentes refulgiam em contraste com o carmim de sua boca, na qual se desenhava um sinistro sorriso. Danava e danava, dando palmas e golpeando o cho. Empurre, senhora! Sumida na escurido, voltou a empurrar e baixou suas coxas separadas sobre o quente orgulho de Ranald. Lanou um gemido e esticou os dedos, convertendo-os em pequenas garras que cravou nas suaves costas de seu

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amante; arranhou-lhe, e o sangue correu pelas costas at chegar a seu estreito quadril. Ah, Ranald, meu amor! Acariciou-lhe os seios, redondos e firmes, para lanar-se imediatamente sobre um deles e cobrilo com a boca. Sua lngua corcoveou a agradar sobre o mamilo, que se endureceu rapidamente para converter-se em um vrtice de cor marrom. O corpo nu da mulher brilhava como o mel luz da fogueira. Ah, agora, Ranald, agora! Ajude-nos senhora, tem que nos ajudar! Sentiu ento uma dor lacerante e abriu seus negros olhos de par em par. Viu borradamente caras preocupadas entorno dela; a imagem se esclareceu por um momento, mas em seguida voltou a perder nitidez. Laureiem soltou um alarido. Uma velha encurvada entrou na estadia apressadamente. Apoiou uma fria mo em seu ventre e com a outra tateou entre suas coxas. Tolas! sussurrou a bruxa s trs mulheres que rodeavam a cama O menino est ao reverso. No se estranha que a moa esteja passando to mal. Ento morrer disse uma entre soluos e o senhor Ranald ordenar que nos executem. Silncio! A voz da parteira foi cortante Conheo uma maneira Introduziu suas fortes e amareladas mos na dilatada abertura fazendo caso omisso aos gemidos de dor que proferia Laureiem. A anci apanhou o menino com os dedos e murmurou algo, umas palavras antigas, montonas, mgicas, para que o menino no fosse estrangulado pelo cordo que lhe dava a vida. O pequeno corpo comeou a voltar-se com uma lentido angustiosa; Laureiem lanou um violento alarido de dor.

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No falta nada, senhora sussurrou com tom acalmado a velha encurvada.

Abaixo, na grande sala, o senhor Ranald apertou tremulamente a taa de vinho. Uma careta de preocupao atravessava seu plido e assustado rosto. As fumegantes tochas projetavam sombras sobre a parede, e, quando se voltou, as danarinas imagens cobriram seu jovem rosto. Lorde Duncan se reanimou incmodo, em sua cadeira. A primeira vez est acostumado ser difcil, Ranald. Laureiem uma moa forte. Cristo! Como grita A velha Bethia subiu Essa bruxa curandeira! Essa suja e maligna! O doutor no pode vir Ranald, devido tormenta; nem o prprio diabo poderia chegar aqui esta noite. Ranald estremeceu. No importa. Essa velha tem o mal de olho. No quero que me troquem o filho Pelos pregos de Cristo! Como grita Ranald, preso de um irresistvel abatimento, deixou a taa sobre a mesa para cobrir a cara; o baro de Torra nam Sian afastou o olhar para no ver a angstia que refletiam os olhos do jovem. O perfilado rosto de lorde Duncan se endureceu a luz da fogueira que crepitava na lareira enquanto pensava na esposa de seu jovem parente. A moa era uma criatura estranha, selvagem e sobrenatural, uma verdadeira cigana. O matrimnio resultava quase imprprio. Ranald encontrou a caravana em que viajava essa jovem de cabelo negro um dia que passeava pelo pramo, apaixonou-se por ela e se casou

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sem anunciar a nenhum dos habitantes de Torra nam Sian. Havia quem dizia que a cigana enfeitiou o moo; outros juravam que lhe ps uma droga no vinho. Fosse como fosse, quando Ranald retornou ao castelo, Laureiem j era sua mulher e estava grvida com o filho que nesse momento se esforava por sair ao mundo em seus aposentos.

Laureiem afogou um grito. Um pouquinho mais, senhora! J sai! J sai! A cigana sentiu um terrvel rasgo. O menino acabava de tirar a cabea ao exterior e deslizava o resto de seu corpo pelo duto. Por um momento, experimentou uma estranha sensao de calma, de vazio, e ento sentiu a breve convulso que acompanha expulso da placenta. Cortaram o cordo umbilical, o menino emitiu um forte grito, e Laureiem fechou os olhos, vencida pelo sono. Nem ouviu o grunhido triunfal que soltou a velha Bethia para anunciar que o recm-nascido era um menino. Laureiem estava viva; isso era o que mais importava.

Quando o dia comeou a declinar, uma bruma cinza surgiu do mar do Norte e envolveu o castelo de Torra nam Sian com seus glaciais dedos. Em um princpio, se aproximou com acanhamento, como a provas, mas logo, j com maior deciso, penetrou sigilosamente pelas estreitas frestas das janelas, introduzindo-se no interior dos aposentos do castelo, avanando como se de um nublado hlito se tratasse. Diminutas gotas de umidade se acumularam sobre os muros de pedra, sustentando-se brevemente para acabar por escorregar ao cho atravs dos leitos formados nas fendas das rochas. A gua imprimira sua marca nas gretas em que se deslizou e as toscas superfcies que erodiu durante os sculos de silencioso ataque.

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A senhora Sybil se aproximou rapidamente s estreitas janelas para correr os pesados cortinados e evitar a fria invaso da corrente. Retornou ento agradecida junto ao fogo que ardia na lareira e estendeu as mos ao calor da fogueira por um momento. Agarrou sua xcara de ch, soprou sobre o lquido ambarino para esfri-lo levemente e, depois de sorver um gole com cautela, passou a lngua pelos lbios. J no posso suportar mais este lugar! Reina uma calma mortal, sobretudo quando o envolve a nvoa desta maneira. Chega-se a acreditar em fantasmas, quando o vento murmura pelos corredores e a neblina escorre por todos os lados como se fosse um gato. No me importar partir daqui, na verdade o digo! Deus sabe que cumpri com meu dever, embora tambm seja certo que se o senhor no me pagasse bem, desatenderia de tudo isso. Baixou a voz Este lugar me produz calafrios. Por que seguiu trabalhando ento, senhora Sybil? A senhorita Winifred se serviu outra xcara de ch e se esparramou na cadeira agasalhando-se com seu xale Quero dizer, se nunca gostou deste lugar, suponho que ter sido pelo dinheiro Ah, no foi s por isso, embora tambm seja certo que consegui uns bons ninhos de ovos. Sybil apertou os lbios em um gesto de suficincia Trata-se do moo, obvio. H, me esqueci de que acaba de chegar de Kildonen e no estar corrente destes assuntos. inclinou-se com os dedos estendidos sobre os braos da cadeira como se fossem garras Midas coisas poderia lhe contar! O que ocorre que nunca gostei das fofocas Ah, conte-me isso. A que se refere com o do moo? Certamente, um rapaz, mas bem estranho a animou Winifred.

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Sybil lanou um rpido olhar ao redor para assegurar-se de que estavam sozinhas. Bem, mas recorde que nada do que vou contar deve sair desta estadia, senhorita Winifred. interrompeu-se, mas assim que Winifred assentiu com gesto vigoroso, prosseguiu ansiosa por lhe informar que tipo de castelo era exatamente Torra Sian O pobre menino nasceu h nove anos disse, ao tempo que sacudia bruscamente a cabea para indicar o quadro que havia sobre o lar A senhora Laureiem, que, por certo, era uma cigana, Deus saber o que induziu o senhor Ranald a casar-se com ela, como lhe dizia, a senhora Laureiem estava tendo um parto difcil. O menino estava ao reverso, havia tormenta e o doutor no podia vir, de modo que tiveram que chamar velha Bethia. A bruxa? Sim. Sybil aproximou sua cadeira a de Winifred Os habitantes do povo encontraram a marca do diabo no corpo da bruxa e decidiram queim-la em sua cabana, da qual s ficam as runas calcinadas que h perto do arroio. Como ia dizendo, a velha acudiu aquela noite para assistir ao parto. Alm da bruxa, ramos trs na estadia: a senhorita Alice, a senhorita Dorcas e eu. Lembro-me de que, antes que chegasse a velha Bethia, as velas se consumiram, e a senhorita Alice, que iria pouco depois, acendeu outras para que a bruxa pudesse ver, porque tinha a vista muito mal. Pois bem, a velha deu a volta ao menino, tirou-o como devido, golpeou-lhe para que reagisse e ento no pode nem imaginar o que aconteceu O que? perguntou Winifred alterada, atenta a cada palavra. Uma grande rajada de vento varreu o aposento da senhora Laureiem e apagou todas as velas! Isso foi o que ocorreu!

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As novas? Sim respondeu senhora Sybil ao tempo que assentia com a cabea Embora cuidado, no digo que isto seja verdade, mas juram que foi ento quando a velha Bethia trocou aos meninos: quando a estadia estava s escuras, substituiu o filho do senhor Ranald por outro menino. Noo! Winifred se surpreendeu como cabia esperar. Eu no acredito nesse tipo de tolices supersticiosas comentou Sybil com desdm Em minha opinio, o que a velha bruxa fez foi enfeitiar o menino, se que se atreveu, porque Deus sabe que as ciganas dispem de sua prpria magia para evitar semelhantes truques malignos. De todas as formas, assim que reacendemos as velas, a senhorita Dorcas, que faz tempo que deixou de trabalhar ao servio do baro, saiu correndo da estadia, dizendo a voz em grito que o menino no era o mesmo que tinha visto a luz pouco antes. Eu, claro est, examinei o moo, e no me pareceu que era diferente, embora quem sabe disse, encolhendo-se de ombros. Claro, claro! Pois bem, fosse ou no verdade, o caso que a senhora Laureiem, quem, a propsito, nunca mostrou o menor interesse pelo menino, pediu finalmente para v-lo e, assim que o olhou, comeou a gritar como uma louca, assegurando que o menino estava maldito. Sybil se inclinou e sussurrou Tem os olhos dos Carmichael, sabe? Como os do av do senhor, que o Senhor lhe tenha em sua glria. A senhorita Winifred assentiu com a cabea e lanou novamente um discreto olhar ao retrato que estava pendurado sobre a lareira. Sim, j conheo a lenda. O que ocorreu ento?

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Pois bem, duas semanas mais tarde, a senhora Laureiem fugiu do castelo e aps no se tornou a v-la. A maioria da gente por aqui diz que retornou com sua famlia, com os ciganos, para que conjurassem o feitio de seu filho. Seja como for, o certo que jamais retornou por aqui, embora, claro est, nunca se sentiu a gosto em Torra nam Sian. Todos opinam que o matrimnio foi um desastre do primeiro dia. Sybil apertou os lbios em uma careta de desaprovao De todos os modos, ao senhor Ranald, lhe rompeu o corao e, do momento em que ela desapareceu, no voltou a ser o mesmo. Passou meses percorrendo os sombrios corredores com aspecto abatido; ento, uma noite, subiu torre norte e se enforcou. No me diga! Sim. A voz de Sybil adquiriu um tom sinistro Uma lstima, posto que fosse um bom homem, no como seu pai, o senhor George. Sim, o velho estava maldito, como o menino. H quem diz que a maldio acabou por lhe perturbar e que, ao final, se cegou com o fio de uma faca ao vermelho vivo e se cravou uma adaga no corao. Noo! Sim repetiu a mulher Pobre senhor Ranald. Tanto o pai como o filho, criaturas do diabo. No de se estranhar que o pobre homem tirasse a vida como o senhor George, e o seguisse, sem receber os sacramentos, tumba, posto que, claro est, nenhum dos dois podia ser enterrado em um campo santo. Claro, claro! exclamou Winifred E o menino? O que aconteceu a ele? Anda por a. Sybil fez um gesto em direo ao pramo, onde agora chovia Em algum lugar, ao lombo desse fantasmal cavalo dele. Fiz

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quanto pude por ele Pobre menino. O certo que, depois de tudo, um pouco estranho: desaparece na nvoa s horas mais inoportunas como se no fosse deste mundo. Confesso que o moo me inspira um pouco de medo. compreensvel, querida senhora Sybil disse a senhorita Winifred, aproveitando o carter confidencial da conversa Nenhuma pessoa normal sairia fora com o dia que faz. Sybil se retraiu ostensivamente ante o atrevimento. Sim, claro. Em qualquer caso, eu no gosto dos bate-papos ociosos, senhorita. E cuidado em mencionar algo sobre esta conversa. O senhor no quer ouvir nenhuma palavra sobre este assunto. No cabe dvida de que o que lhe ocorreu uma lstima. Alm disso, o moo j o bastante estranho para ir lhe dizendo tolices ao ouvido, no cr? No se preocupe senhora Winifred estava contente de que, apesar de haver-se tornado atrs no ltimo momento, Sybil tivesse feito aquelas confidncias, embora agora albergasse srias dvidas sobre se devia permanecer no castelo Pode voc estar segura de que o senhor no saber nada de minha boca. Ah, est fazendo-se tarde e tenho coisas que fazer. Sybil fez uma breve pausa e depositou a xcara de ch sobre a mesa. Havia tornado a relaxar-se ao ver a veemncia com que a senhorita Winifred lhe mostrara sua conformidade e apoio Como lhe disse o senhor me pagou suficientemente bem por me ocupar do moo durante todos estes anos. De todos os modos, alegrar-me-ei quando o adotarem. Tanto se o trocaram no bero como se no, to estranho como o era sua selvagem me. Um dia destes, teremos problemas por aqui se Hunter MacBeth retornar para servir ao baro de Torra nam Sian tal como o fez o resto da

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famlia no passado. Note o que lhe digo senhorita: corre sangue cigano por suas veias, e Deus sabe que essa gente no mais que uma banda de vagabundos e ladres. V se o so, inclusive a senhora Laureiem, que Deus a tenha em sua glria, levou um colar de ouro macio, quando partiu daqui. Tinham-no herdado as esposas dos malditos MacBeth dos tempos do senhor George. Imagine! Sim, eu acredito que o senhor viver para lamentar o dia que decidiu ficar com o moo e compadeo ao castelo que v adot-lo.

Dominando a ribeira ocidental do lago Ness, entre os escarpados que se elevavam sobre a profunda massa de gua, elevava-se o castelo de Glenkirk, como se fosse lavrado nos mesmos penhascos que o suportavam. Tratava-se de uma fortificao preciosa, talvez a mais bela de toda Esccia. Embora suas altas muralhas tivessem mais de trs metros de grossura e estavam construdas com o pesado e vermelho arenito, a torre principal fora edificada com grande aprimoramento, e os torrees se erguiam, como se fossem os esbeltos cumes de uma catedral, at roar as brancas nuvens que cobriam o cu azul. No necessitava cavar um fosso, dado que s existia uma via de acesso ao castelo: um ngreme caminho que serpenteava entre as rochas at chegar ao restelo de ferro da entrada. O ataque s defesas do forte era, portanto, virtualmente impossvel. Hunter MacBeth deitou de barriga para cima. Estava acostumado a frequentar aquele pequeno rinco entre os escarpados. No recordava nenhuma ocasio em que no necessitasse ir a um lugar secreto em que pudesse esconder-se de quantos lhe rodeavam.

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Gostava das montanhas da Esccia, porque eram enganosas. Devido a sua escassa altura e suas arredondadas cpulas, assemelhavam mais um conjunto de colinas que uns escarpados penhascos. S quando se comeava a ascenso, dava-se conta do engano que cometia. Todas elas tinham umas profundas simas (as gargantas que abriram as geleiras, sculos atrs, quando cobriam a maior parte das Terras Altas) e eram duras e abruptas. No crescia muita vegetao entre suas rochas, que eram de granito slido em certas partes e arenito vermelho em outras. A maioria das vezes, inclusive durante os suaves veres, os topos das acidentadas montanhas apareciam com um branco manto de neve. Talvez fossem as sedosas nuvens de nvoa que as mantinham assim. Aquele homem chegara a Glenkirk quinze anos atrs, quando contava dez. Era um moo solitrio, embora no se sentia sozinho, j que durante sua infncia em Torra nam Sian a nica pessoa que cuidoy dele foi a senhora Sybil e se acostumou a estar a seu ar. O melhor que podia dizer da senhora Sybil era que se tratava de uma velha amargurada. Hunter suspeitava que tivesse um pouco de medo dele. Bom, quem no o haveria sentido, se a senhora Laureiem havia se suicidado, o senhor Ranald se enforcou e o senhor George cegou a si mesmo antes de pr fim a sua vida? Lorde Duncan se levou bem com Hunter, obvio, apesar de que no mostrou muito interesse pelo que pudesse fazer o moo. O baro o tratava bondosamente, acima de tudo por caridade, e sentiu alvio, quando, ao rapaz, chegou o momento de partir. Animado por lorde Angus, conde de Glenkirk, Hunter trabalhou com empenho nas tarefas que lhe foram encomendadas. Com o passar dos anos, aprendeu a valer-se com a espada e o escudo e a dirigir a lana de

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tal modo que seu adversrio no pudesse tir-lo do cavalo. Era muito hbil com o arco e as flechas, uma das armas mais perigosas que empregavam os cls das Terras Altas. Seus fortes e musculosos braos brandiam a tocha de batalha ou a maa de pontas com facilidade, e estranha vez errava com a adaga. Tinha aprendido aquelas coisas de bom grado, consciente de que sua percia em tais artes poderia determinar o resultado das batalhas e os torneios em que teria que participar para abrir caminho na vida, posto que no herdaria nenhuma propriedade. Contudo, o moo seguia representando um enigma para quem o rodeava. Embora o fizesse por pura necessidade, integrou-se bem em Glenkirk, mostrando um encanto buclico que lhe permitiu ser aceito por outros at mantendo a distncia. Quem convivia com ele tampouco o pressionava; de fato, o preferiam distante, posto que soubessem que o ramo dos MacBeth a que pertencia estava maldito. Embora

reconhecessem seus parentes como tais (difcil lhes teria resultado no faz-lo, dado que os MacBeth tinham as feies muito marcadas em seus arrogantes e malditos rostos), no podiam evitar sentir para os de seu tipo embora ao mesmo tempo no fossem certa suspicacia supersticiosa que com o passar do tempo enraizara firmemente em suas cabeas. Pouca gente, exceto talvez seu irmo de adoo, Cadman, em cuja estreita companhia crescera durante aqueles anos, era capaz de adivinhar o que pensava Hunter MacBeth, o que ocultava atrs da silenciosa e maliciosa mscara que mostrava ao resto do mundo. S ele sabia o que o fez sofrer em sua juventude e o converteu em uma pessoa to reservada, fugidia e misteriosa. Era um homem sensvel, um sonhador solitrio a quem obrigaram a cobrir-se com uma dura carapaa para poder lutar contra as realidades da vida. E lutar era o que fazia, desesperado, frio,

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burlonamente, pois seu orgulho no tolerava dar-se por vencido. Mesmo que preferisse escapulir nas curvas de sua mente, seguia lutando. Se aquela era a vida que lhe correspondia viver, faria o melhor possvel, Por Deus. Contemplou o lago Ness, que se estendia debaixo de onde se encontrava, um lago estranho e inquieto, aprisionado entre duas escarpadas cordilheiras que se levantavam a cada lado formando o denominado Grande Vale. Aquele dia, o lago estava tranquilo, silencioso; suas azuis guas chegavam brandamente s arenosas bordas, sob as altas e abruptas rochas que antigamente formavam parte de umas enormes geleiras. Havia quem acreditava que o lago, em lugar de fundo, tinha um infernal e terrvel abismo negro com passagens submarinas que se comunicavam com o mar. Tambm se dizia que nele se escondia um monstro, que entrava e saa da massa de gua por essas mesmas fissuras. Hunter jamais o vira, por descontado, embora o procurasse em muitas ocasies em companhia de outros homens que vigiavam o lago com a esperana de encontrar algo. De todos os modos, o lago Ness resultava misterioso. Quando a nvoa baixava sobre sua superfcie e as tormentas ameaavam no horizonte, as ondas se levantavam com um rugido e alagavam a ribeira at uma distncia de quase dez metros. Hunter estremeceu. Mais de uma pessoa se afogou naquelas enganosas guas. A emoo se apoderou do jovem, enquanto observava absorto a paisagem. Amava-o, ah, como o amava. Amava a sensao que lhe produzia o vento ao aoitar seu rosto no inverno quando cavalgava pelos campos cobertos de neve; a fragrncia da terra recm arada na primavera; as figuras dos granjeiros encurvados quando avanavam atrs dos arados procurando no danificar os novos e profundos sulcos; o suave calor do

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sol estival, que banhava com uma luz dourada os interminveis trigais; as bicudas espigas que oscilavam ao longe como ondas de um mar dourado; o murmrio dos altos pinheiros escoceses durante o outono; as vivas cores dos breacans que usavam os cls e os singelos vestidos que os servos confeccionavam em suas casas e com que se embelezavam para danar as danas tpicas das Terras Altas na poca da colheita. Aqueles eram prazeres pequenos, e, entretanto, se no fosse por eles, Hunter no demoraria em se desesperar-se. Desprezava a crueldade, embora ele tambm se mostrasse cruel frequentemente, e detestava esse mundo brutal que lhe obrigava a ser duro e insensvel quando quo nico desejava era dar rdea solta s emoes que corriam apaixonadamente por suas veias, devorando-o com sua intensidade. Queria viver! Deus, como desejava viver! No queria limitar-se a levantar-se pela manh, realizar o trabalho dirio, embebedar-se e fornicar com uma moa fcil antes de ficar dormido na cama; dia aps dia, noite aps noite. Tinha que viver! O outro era simplesmente existir, passar o tempo. O mundo tinha muito mais que oferecer. Devia haver mais, pois, do contrrio, seria incapaz de suport-lo. Ah, Deus, ansiava viajar, ver o que tinha que ver, alcanar o fundo e o cume das ardentes emoes que pugnavam desesperadamente por sair de seu interior. Entretanto, no podia falar de seus desejos com outros. No o entenderiam, satisfeitos como se sentiam esbanjando suas vidas, desperdiando esse milagre do flego que lhes outorgou Deus. No; se dissesse o que pensava, o olhariam com expresso de perplexidade. Para a maioria dos homens, uma boa vida consistia em po e um teto sem goteiras, o bolso transbordante de moedas de ouro, uma atrativa moa com quem entreter-se e uma esposa decente que esperasse em casa. Por

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que ele, Hunter, queria algo mais? No lhe bastava tendo uma existncia singela? No! Jamais lhe bastaria! Em algum lugar havia algo, algum que pudesse compreender o que pensava e tanto lhe custava expressar. Em algum lugar existia uma alma que sentia uns desejos to ardentes de viver a vida como a sua, uma alma inflamada de desejo, de uma paixo que se consumia com tal entrega que acabava reduzida inexoravelmente a rescaldos. Encontr-la-ia. Devia fazlo. No descansaria, no teria tranquilidade de nimo enquanto no desse com ela. Hunter suspirou. At aquele momento tinha sorrido ao mundo com um gesto zombador, divertido, compassivo, compadeceu-se deles porque no sabiam e nunca saberiam que tipo de emoes se debatia em sua alma. Tais emoes escapavam a toda compreenso. Tambm sentia lstima de si mesmo porque no podia ser como eles, uma pessoa singela, a quem resultasse fcil entender, sem as complexidades mentais que atormentavam seus sonhos, sem a ambio imparvel que lhe impulsionava a desejar algo mais que a mera subsistncia, algo mais que uma serena satisfao. Ah, oxal fosse um ancio que pudesse recordar o passado e saber qual era o caminho correto. Mas no o era e, por conseguinte, sendo ainda um jovem que carece da sabedoria que proporciona a idade, aspirava chegar s estrelas, resolvido a no voltar com as mos vazias. Hunter compreendeu ento que os mais velhos viviam amargurados com sua sabedoria, j que realizaram o esforo e fracassaram. Assim, jurou que no morreria com a tristeza de ter desperdiado sua vida. Se tivesse que sentir tristeza, pois ento que brotassem as lgrimas do mais fundo de seu corao e sua alma; se tinha que sentir felicidade, que esta

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transbordasse seu corao e sua alma. Mas, oh, Deus, que nenhuma das duas fosse uma dessas fugazes e superficiais emoes que sentiam quem pensava: Isto quanto h; no pode haver nada mais. Antes que Cadman pronunciasse seu nome, Hunter j ouvira o rudo das botas de seu irmo de adoo sobre as rochas iluminadas pelo sol estival, apesar de que Cadman, igual a Hunter, caminhava com o sigilo de um gato monts. Esse trao caracterizava os dois e lhes servia de grande ajuda no campo de batalha. Um ouvido menos preparado no perceberia o som. Hunter se voltou quando a sombra de seu jovem parente caiu sobre ele. O rosto de Cadman aparecia sombrio luz do sol, e seus azuis olhos, que normalmente refletiam alegria, expressavam inquietao. Tinha o cabelo molhado pelo suor da ascenso. Hunter incomodo-o? No, Cadman. Venha, sente-se a meu lado e me diga o que o traz para minha montanha. O sorriso que Cadman brindou seu irmo enternecia os coraes de muitas jovens. Atrs dele, se ocultava a amargura nascida de sua condio de bastardo, a qual significava que nunca em sua vida superaria a fila de cavalheiro que possua ento, a menos que um milagre ou uma ao valorosa lhe fizesse credor a uma honra do rei. Acreditava que as montanhas pertenciam a Deus, Hunter brincou ao sentar-se. A Deus e a quem seja o bastante forte para conquist-las. No so assim as coisas? Talvez. Cadman ficou pensando naquilo por um momento. De todas as formas, seu escudo no tem a banda esquerda.

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Certo reconheceu Hunter com voz baixa mas no posso apagar o sinal de meu estigma depois da batalha. Cadman olhou seu irmo aos olhos, violetas como os dos Carmichael, e desejou haver mordido a lngua. Perdoe-me. Minhas imprudentes palavras foram fruto da lstima que sinto por mim mesmo. No pensei em sua desgraa. No se preocupe, Cadman. No me ofendeu. Ah, pequeno par formamos, no lhe parece? Um bastardo e um maldito Venha, do que queria falar comigo? Apostaria a que no se trata de nossas filas. Cadman o olhou com semblante ainda mais sombrio, quando recordou a notcia que devia comunicar a seu parente. Hoje chegou um mensageiro real murmurou. Sim. Hunter moveu a cabea em um gesto de assentimento Vi o estandarte do rei quando se aproximava. Deve ser algo importante se teve que vir me buscar, e pela expresso de sua cara diria que se trata de uma m notcia. A Rainha morreu, que Deus a tenha em sua glria. Hunter pensou brevemente em Margaret. Em uma ocasio, entre risadas, lhe entregara seu leno de seda para que o levasse como objeto durante um torneio. Sentiu lstima por um instante, mas assim que pensou nas possveis repercusses polticas que sua morte conduziria, entreabriu os olhos. Para pagar o dote, o pai de Margaret, Christian I da Dinamarca e Noruega, tinha hipotecado as ilhas Orcadas e as Shetland Esccia e cancelado o arrendamento anual que a Esccia tinha que abonar pelas Hbridas e a ilha de Man. Hunter no acreditava que o irmo de Margaret, Hans, que agora reinava na Dinamarca, violasse os acordos, posto que isso

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supusesse a guerra com a Esccia, e j tinha muitos problemas na Escandinvia. De todos os modos, tudo era possvel. Por outra parte, a morte de Margaret dava liberdade o rei da Esccia, James III, para contrair novo matrimnio. Que tipo de unio cabia esperar-se de um rei de carter dbil, propenso a caprichosos ataques de indolncia e aficionado ao dinheiro? Hunter tremeu ao pens-lo. Cadman trocou de postura. Angus quer que o acompanhemos a Edimburgo. Deve viajar ali para apresentar seus respeitos ao rei e inteirar-se de qual a situao na corte. Partiremos de madrugada. Hunter assentiu com a cabea e se perguntou por que uma nuvem elegeu aquele preciso instante para passar por diante do sol e um gato monts uivou nas colinas cobertas de neve.

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Captulo 6
Alinor Murray de Eadar Da Voe olhou a seu marido com orgulho. Em que pese a que poderia escolher entre os senhores e herdeiros de Esccia, Alinor estava satisfeita de haver-se inclinado por um homem destinado a converter-se em cavalheiro. Amava Charlie Carmichael, o amou desde dia que o viu pela primeira vez na corte. Por essa razo acossara implacavelmente ao seu pai at conseguir que desse seu consentimento a um homem que considerava inferior a ela. Tinha quinze anos e, OH, que bela era. Seu comprido e brilhante cabelo era vermelho como uma chama, e seus olhos reluziam com o mesmo tom verde das esmeraldas Carmichael que Charlie lhe tinha entregado como presente de bodas. Moa alegre e vivaz ria frequentemente, deixando ver seus nivelados e brancos dentes, que lanavam brilhos de felicidade por entre seus lbios escarlates. Contemplou os convidados que se reuniram no Eadar D Voe, muitos dos quais eram pessoas importantes que iamde todas as partes para assistir a suas bodas, pois o cl Murray era uma das famlias mais poderosas de toda Esccia. Charlie, que se encontrava a seu lado, tinha o rosto aceso. Estava emocionado e tinha bebido muito vinho. Tem-me feito muito feliz, senhora sussurrou e a minha famlia tambm. Seu dote foi muito generoso. Alinor fingiu pr m cara. essa a nica razo pela que se casou comigo, escudeiro?

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No. Charlie a acariciou com o olhar Teria me casado com voc embora no fosse mais que uma simples criada. Alinor voltou a sorrir consciente de que era sincero. Peo a sua me que dance comigo? Juraria que j me olha com outros olhos disse Charlie com ar pensativo. S o faz porque seu pai leva toda a noite adulando-a respondeu Alinor entre risadinhas Ah, no se desespere, escudeiro. Ganhar a nossa causa, e o querer tanto como eu. Oxal seu pai fizesse o mesmo balbuciou Charlie. Consentiu que nos casssemos, no certo? Sim, pcara. Teria acabado o levando a tumba se no o fizesse. O sorriso de Charlie se permutou ento em um gesto de gravidade Ah, Alinor, juro-lhe que jamais ter motivos para lamentar este dia. s vezes penso que o amor que sinto por voc me vai consumir. E a mim o que eu sinto por voc, meu senhor sussurrou ela, baixando de repente o olhar timidamente, ao pensar na noite que tinham por diante. Charlie adivinhou seus pensamentos e disse com ternura: No tema, meu amor, serei to delicado como um cordeiro. Sei. Beijaram-se com o olhar e sorriram conscientes de que acabavam de selar uma promessa. Mary, ao observar as discretas galanterias que seu irmo e sua esplendorosa mulher trocavam ao outro lado da sala, sentiu uma transbordante felicidade e se voltou para Edward, que se achava a seu lado:

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Ah, Edward, no lhe parece que a esposa de Charlie to maravilhosa como ele? Deixou escapar um suspiro e lanou um novo olhar ao feliz casal. muito bela, certamente, mas voc a mais bela de todas, Mary. Edward a olhou com uma tmida expresso de avaliao Aquele dia que fomos feira, j h tanto tempo, quando deslizava o suco de cerejas pelo queixo, j era moa mais bela de toda Esccia. Mary se ruborizou pela adulao, surpreendida de que ele se lembrasse do incidente. Ah, adulador disse em so de brincadeira Sempre o quis como um irmo, Edward. Como um irmo! pensou Edward com amargura, voltando cabea para ocultar a ansiedade que refletia seu rosto Acaso no adverte o desejo de meu olhar? No ouve a linguagem do amor com que falam meus lbios? Como posso lhe mostrar o que sinto? As palavras surgem de minha boca, mas sei que no so o bastante claras. Ah, que doce dor o que sinto. O que posso oferecer filha de nosso chefe? No se casar com algum como eu, e menos se Hugh se sair com a sua. Hugh o herdeiro de Dndereen, um condado, enquanto que eu estou destinado a servir a outros homens, ao sacerdcio. Ah, Mary, Mary. Resulta-me insuportvel pensar que pode acabar nos braos de meu irmo de adoo, que chegue a posar seus lbios sobre sua doce boca, suas mos sobre seu dourado corpo, seu Amei-a e venero durante todos estes anos. No pode me dedicar uma parte de seu corao? No me trate com o carinho de uma irm quando anseio beijar seus suaves lbios. Ah, seria uma bno que me distinguisse com essa honra. Daria minha vida por isso. D-la-ia Hugh?

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Tenho que achar a maneira de t-la, de que me ame como eu a amo. Devo faz-lo! Edward no expressou seus sentimentos a Mary; no podia. O que fez, em troca, foi lhe perguntar: feliz vivendo na corte? Sim, mas tenho saudades de Bailekair. A voz de Mary tinha um toque de tristeza Alegra-me voltar a ver minha famlia, embora s seja por uns dias. Partir logo, ento? Edward ocultou a decepo que sentia. Tenho que faz-lo. A rainha no se encontra bem. Quando voltarei a ver voc? No sei respondeu Mary. No teve tempo de seguir, porque Hugh apareceu para convid-la a danar. Dana comigo, prima? Depois de uma reverncia e sem esperar que a jovem respondesse, agarrou-a pelo pulso com sua forte mo, por isso a Mary no ficou mais remdio que permitir que a tirasse. Sentiu um leve estremecimento. Detestava Hugh Carmichael. Frio? Estava devorando-a insolentemente com o olhar. Sim, como se acabasse de tocar a pele de um rptil replicou Mary. Hugh endureceu o gesto, mas o sorriso zombador que se desenhava em seus lbios permaneceu imutvel. Quanto me odeia Mary No nenhum segredo reps ela, encolhendo-se de ombros com indiferena enquanto executava os complicados passos da dana um valento, Hugh. Como fazia meses que no o via, observou-o atentamente luz das velas. Tinha a pele bronzeada, e seu cabelo era to negro como a tinta.

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Conforme passavam os anos, parecia-se cada vez mais a sua selvagem me normanda. Era alto, como todos os vares Carmichael, e forte; tinha o rosto magro, a expresso ansiosa e inteligente e um gesto desdenhoso nos lbios; o nariz tinha quebrado em uma ocasio em que tinha sado sem elmo ao campo de prticas. Estive a ponto de morrer disse a Mary ao menos isso pensaram quando viram a quantidade de sangue que tinha por toda a cara. Que pena que no fosse assim comentou ela com uma doura zombadora. Hugh se limitou a rir e a estreit-la. F-lo Ian de forma acidental. Entreabriu os olhos para olh-la com fixidez e sussurrou Seu irmo e eu estamos muito unidos. Suas palavras eram uma advertncia, e Mary no pde evitar estremecer. Naquele preciso momento, a dana chegou a seu fim.

Hugh a observou enquanto ela se afastava e esboou um sorriso impudico. Quanto desejava aquela moa! O desprezo que ela sentia por ele contribua para aumentar seu desejo. Quase podia notar o roce de sua generosa e vermelha boca sobre a sua, perceber como se retorcia sob seu corpo. Quanto desfrutaria domando-a, dobrando sua vontade, castigandoa pelos insultos que lhe dirigira aquele dia na feira de Invernes. Tinha-o tachado de louco; louco como sua me. A lembrana o fez apertar os punhos at que ficaram brancos. Mary Carmichael pagaria por isso. Estava decidido a falar com o pai dela, e logo. A moa que ria com desdm, deixaria de burlar dele de uma vez por todas.

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Mary procurou Joanna entre a multido e se aproximou dela, aceitando agradecida a taa de vinho que sua parente oferecia. Bebeu de boa vontade para acabar com a secura que lhe deixou na garganta as ameaadoras palavras de Hugh, tratando de frear o tremor de seus dedos enquanto segurava a taa. Seu irmo e eu estamos muito unidos. O que tinha querido dizer Hugh com essas palavras? Mary se lembrou de repente de suas maneiras. Obrigada, Joanna. Est muito rico, e tinha sede. E a companhia? M, no assim? perguntou Joanna, com o cenho levemente franzido enquanto via Hugh afastar-se. Sim. Mary apertou a taa de prata Comporta-se com uma crueldade que, no sei por que, assusta-me. H muitos homens cruis, Mary. Hugh se converteu em um guerreiro importante e respeitado no cl. Contudo, eu no gosto. Joanna no insistiu, porque tambm recordava o brutal

comportamento de Hugh aquele dia na feira de Invernes. Seu irmo Gordon parece um homem verdadeiramente bonito sussurrou para trocar de tema. Sim. Mary deu uma olhada a Joanna, pois sabia que a donzela sempre tivera predileo por Gordon Professo-lhe um grande afeto. Acaso voc tambm? Joanna voltou vista sem responder, mas Mary se deu conta de que estava observando Gordon entre a multido com um olhar tranquilo e solene, e que ele no parecia ter nenhum reparo em lhe corresponder com o seu.

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A rainha morreu. Isso anunciou o mensageiro real que interrompera as bodas. Para os Carmichael, a notcia tinha suposto ao mesmo tempo dor e inquietao, porque embora fossem leais a James, no ignoravam suas deficincias como rei e a estabilizadora influncia que Margaret exercia sobre seu soberano marido. Antes de ficar triste pela morte da rainha, que se mostrou bondosa com ela, Mary, com considervel vergonha, sentou-se por um instante molesta, por quanto a notcia significava que teria que retornar a corte antes do previsto. Agora cavalgava para Edimburgo junto com o resto de sua famlia para apresentar seus respeitos ao rei. O mau tempo resultava adequado para a tristeza que a embargava. O cu estava encapotado com umas nuvens cinza, sinistras e agoureiras, e o ar se mantinha nessa peculiar calma que pressagia tormenta. A fresca brisa que alterava a paz do vero estava carregada de diminutas gotas de chuva. Mary sentiu que tinha os olhos e a boca cheios de p que os cavalos levantavam ao golpear com os cascos o duro e sujo caminho, por isso tratou de cobrir o rosto o melhor possvel com os numerosos e muito finos vus que caam a capas da ponta de seu hennin. Apesar da suave brisa, sentia-se pegajosa, tinha calor, e a umidade resultava sufocante. Como tinha saudades do fresco, limpo e fragrante ar da montanha. S a presena de lorde Magnus, com seu corpo de gigante e sua loira juba de leo ondeando ao ar, e do jovem Edward, que cavalgavam diante dela, iluminava aquela manh, que pelo resto parecia to escura e triste como o imutvel e severo rosto de lady Margaret, que viajava a seu lado.

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O passo marcado pelo conde para chegar a Edimburgo era muito rpido, e como viajava com tantos membros de sua famlia nada o impedia de seguir avanando. Os ladres e bandidos que poderiam atacar um grupo mais reduzido no representavam nenhum risco para os Carmichael ou os cem homens de armas que lhes acompanhavam. Quando faziam um alto no caminho, os plebeus saam rapidamente das hospedarias e botequins para satisfazer as necessidades dos membros do cl, precipitando-se como consequncia da curiosidade que despertava neles a notcia da morte da rainha, a honra de servir a algum de uma fila to elevada como lorde Magnus e a cobia que sentiam ante a possibilidade de obter algum soberano de ouro. Mary descia do cavalo cada vez mais intumescida e se aproximava lentamente a um cocho para encharcar seu leno de seda, escorr-lo e pass-lo agradecida pelo rosto e as mos, sujas de p, e pelo peito e o pescoo, onde se acumulava a porcaria. Logo refrescava a garganta com uma jarra de cerveja fresca. No estava acostumada a viagens to rigorosas e lhe doa cabea. Um pouquinho mais se repetia uma e outra vez e poderei me deitar com um pano mido sobre a testa e os olhos e descansar. Descansar! Oh, o que daria por uns lenis limpos e uma cama ou inclusive por um duro colcho no cho; qualquer lugar lhe serviria para fechar os olhos, dormir um pouquinho e aliviar a dor de cabea. Logo chegariam a Stirling, onde pernoitariam. S faltava um pouco mais. Entretanto, quando o cl Carmichael no tinha alcanado ainda as imediaes da cidade, descarregou uma rpida e violenta tormenta de vero, e a chuva comeou a cair copiosa e sem piedade sobre os cavaleiros. A tromba dgua mal permitia ver uns metros de caminho. As

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tropas, que fazia pouco partiam em formao, desagregaram-se enquanto lorde Magnus se esforava por chegar s portas da cidade. Os cavalos relinchavam espantados, coiceando e soltando bufidos, contribuindo assim confuso geral. O corcel de Mary, Desmond, por si muito nervoso, lutava com as rdeas, tratando furiosamente de arrebatar o controle. Um raio se abateu sobre uma rvore do caminho, produzindo um estrondoso estalo que se ouviu por cima do fragor da tormenta. Mary notou em seguida o intenso aroma de madeira abrasada. Desmond corcoveou violentamente e, aproveitando o puxo, alcanou com os dentes o freio da brida. Saiu disparado e, depois de cruzar a sarjeta que marcava o caminho, lanou-se a galope em direo ao bosque que se divisava ao longe. Procurando no cair do arreio, Mary, presa da fria e o medo, amaldioou Edward por lhe presentear aquele cavalo e se aferrou com fora ao pescoo do animal para que no a golpeassem os ramos que rasgavam cruelmente os retorcidos e empapados vus que pouco antes adornaram alegremente seu gorro. No sabia que distncia teria percorrido daquele modo, respirando trabalhosamente, empapados, assustados, tratando cada um de controlar ao outro, embora o certo fosse que conseguiu dominar o cavalo. Ficou sem flego e no podia mais. Ento lanou um grito de alegria: detiveramse em uma clareira em cujo centro se assentava uma pequena cabana com teto de palha. Sem dvida a casa pertencia a alguma famlia humilde, embora naquele momento lhe parecesse um palcio. Conduziu o animal, que j obedecia com docilidade, ao casaco dos ramos que se sobressaam das rvores e o atou a um tronco, apesar de que seu flego fazia pensar que no voltaria a rebelar-se. No desejava absolutamente perder o

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cavalo naquele lugar. Muito cansada para preocupar-se de tirar a sela, Mary se aproximou da cabana quase a rastros e chamou com fora porta, que cedeu com facilidade inundao de golpes. A moa entrou e viu que a casa levava tempo abandonada, pois no havia sinais recentes de seres humanos. Derrubou-se no sujo cho e soltou um profundo suspiro de alvio. A lembrana do pnei que se desbocou aquele longnquo dia em Invernes ia a sua mente, enquanto lutava com o presente de Edward, e compreendeu que, ou ganhava a batalha, ou voltaria a ser engolida pela escurido tal como lhe ocorrera ento. Embora sentisse uma intensa dor nas costas, os ombros e os braos a consequncia da luta que tinha liberado com o semental para frear sua fuga, orgulhava-se de resultar vitoriosa, por isso no demorou a relaxar-se. Comeou a tremer de frio. A tormenta refrescara o quente ambiente de vero, e estava encharcada. Tirou com dificuldade a roupa e ficou s com a regata, enquanto lamentava no ter nada com que acender uma fogueira na cabana desabitada. O bicudo hennin resultava virtualmente irreconhecvel: seus numerosos vus estavam rasgados e emaranhados com ramos e folhas, e a ponta aparecia esmagada. Como no tinha acerto, jogou-o a um lado. Estendeu ento seu vestido de seda de damasco e o sobretudo e os sacudiu. Um sorriso triste se desenhou em seus lbios quando compreendeu que estava realizando um esforo intil, pois os objetos tambm se danificaram e no poderia voltar s usar. De todos os modos, podia aproveitar as peles e joias que as guarneciam e parte do tecido das saias. O cinto de malha de ouro e a faca com incrustaes que dele pendia estavam intactos.

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Quando teve terminado, Mary se abaixou no cho de terra. Aparando as enredadas e midas mechas de seu comprido cabelo, perguntou-se com uma calma forada quanto tempo demorariam os homens de seu pai em encontr-la e finalmente ficou adormecida.

Hunter MacBeth puxou com fora das rdeas de seu corcel, um brioso cavalo de batalha de cor branca chamado Craigor, e fincou vigorosamente as douradas esporas nos flancos. Amaldioou em silncio. Comportou-se como um estpido. Por que se entreteve no ltimo botequim? Para divertir-se um pouco com aquela criada que lhe piscou os olhos? S podia culpar a si mesmo pelo atraso que levava a respeito lorde Angus e o resto de seu cl; a ideia o enfurecia ainda mais. Estariam bramindo de risada, pensou raivoso, quentes ao casaco das muralhas de Sterling e com os estmagos cheios de comida e cerveja, fazendo piadas sobre o momento de loucura que teve e o preo que pagaria por isso. Jesus! Parecia um rato afogado. Se ao menos tivesse feito caso a Cadman quando o advertiu que ameaava tormenta. Mas no, Hunter se limitou a sorrir e afirmar que Craigor podia cavalgar mais rpido que o vento e que se reuniria com eles em Sterling antes que anoitecesse. Estpido! Voltou a pensar, enquanto olhava fixamente ao redor em busca de algum lugar onde proteger-se. Ento viu uma cabana com teto de palha em uma clareira no muita afastada do caminho. No podia acreditar a sorte que tinha. Sem perder mais tempo, dirigiu-se para ela, alegrando-se de ter na bolsa vrias moedas que lhe permitiriam pagar o albergue at que cessasse a chuva e pudesse reatar a marcha para Sterling. Quando j se encontrava perto da cabana entreabriu os olhos: um cavalo negro se movia inquieto no arvoredo prximo a casa. Hunter

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encolheu de ombros. Certamente pertenceria a algum que, como ele, a tormenta tinha surpreso, algum pajem, concluiu, posto que o animal tinha ossos finos e no os do tipo de cavalo de peito largo que montavam os escudeiros e os cavalheiros. Contudo, quando desceu de Craigor e o atou, manteve precavidamente a mo sobre o punho de sua espada. Hunter observou com desagrado que o cavalo negro ainda tinha posto o arreio. Se ele fosse o senhor de seu dono, ordenaria que o aoitassem por maltratar um bom animal, pensou, e enquanto se encaminhava para a cabana decidiu dizer-lhe ao moo. Entretanto, devido ao aborrecimento, no se precaveu de que o cavalo negro estava aparelhado com a cadeira lateral de uma dama.

O rudo despertou Mary, que ficou em p de um salto; na soleira da porta se recortava a imensa figura de um homem. A frgil porta, cuja estilhaada madeira estava a ponto de quebrar devido fora de seus braos, comeou a mover-se sobre as dobradias a causa do violento vento e o impulso do homem ao entrar antes de dar um golpe contra a parede. Hunter a fechou de um tapa enquanto esboava lentamente um sorriso zombador. Toda uma vida pareceu passar entre eles durante o primeiro instante de seu encontro. Como se uma fora desconhecida os tivesse destinado a viver aquele momento, como se os anos transcorridos s tivessem consistido em uma larga espera, produziu-se um repentino e tenso silncio quando seus olhares se cruzaram e ficaram presos um no outro.

Ante a viso da dourada moa, Hunter sentiu que seu aborrecimento se desvanecia e a virilha lhe acalorava. A regata que Mary usava contornava

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cada curva de sua esbelta figura. Sua larga cabeleira loira caa em desordem ao redor de seu corpo como se tivesse sido acariciada por um amante que tivesse enfiado as mos na cascata de suas mechas para atrala para si. Sob o fino tecido do objeto, seus viosos seios subiam e baixavam agitados. A moa tinha a vara apertada com fora, como se acreditasse que fosse lhe oferecer algum tipo de amparo. Hunter sentiu que o corao comeava a acelerar; ele desejava-a. Bom, bom disse enquanto a devorava atrevidamente com um olhar apreciativo E eu estava mal dizendo a sorte que me tinha proporcionado o dia. Fui um parvo ao me zangar to rapidamente, porque depois de tudo Deus me sorriu.

Mary olhou com fixidez ao estranho enquanto o pnico que a invadiu em um primeiro momento dava passo repugnncia, que comeou a apoderar-se paulatinamente dela como se tratasse do frio da morte. Tinha reconhecido o breacan que tinha odiado e temido todos e cada um dos dias de sua vida. Um MacBeth! Jesus! Estava sozinha, apanhada com um deles! Dava-se conta Deus santo! Tinha que evitar que ele averiguasse! Mary baixou o olhar. Inteirar-se-ia assim que visse a cor de seus olhos! Por algo os granjeiros os chamavam os olhos Carmichael. Ele a raptaria, violaria, assassinaria Olhou-o dissimuladamente com os olhos entreabertos. Pelos pregos de Cristo! O que podia fazer? Alto e gil apesar dos vinte e cinco anos que j tinha, Hunter irradiava uma fora selvagem. Vestia uma camisa branca e um breacan vermelho e verde, as cores dos MacBeth, a quem Mary tinha visto em tantas ocasies incendiar, saquear e assolar o povo e os campos de Bailekair durante sua

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infncia. Levava os compridos extremos da capa recolhidos sobre o ombro esquerdo de seu espartilho, e o cinto de couro com que a segurava tinha uma fivela que lhe distinguia como membro do cl. O braso do cinturo lanava brilhos chapeados e tinha no escudo a gravura dos MacBeth: farrapo palado de ouro e sabre; o canto sinistro coroado por um gato monts em sabre saltando, com um escudo das Terras Altas na pata dianteira esquerda; sinople no canto destro, gules no sinistro, com a bordadura sabre. Mary estremeceu ao recordar o lema dos MacBeth: que a ponta da lana no toque o escudo. Tinha as costas larga e a cintura estreita, adornada esta com a bolsa de couro; a adaga e a espada que lhe convertiam no mais perigoso dos inimigos pendiam direita. Suas meias eram de cor vermelha, e as botas, altas e negras, ressaltavam a musculatura de suas pernas; o punho de seu sgian-dubh brilhava na esquerda. Tinha a pele curtida e bronzeada, quase to morena como a de Hugh. Mesmo assim era um homem atrativo, de nariz aquilino (sinal de que por suas veias corria sangue cigano), lbios carnudos e mandbula firme e arrogante. Levava um gorro verde que exibia a divisa dos MacBeth: um pinheiro escocs. Seu cabelo cintilava reflexos da cor do mogno, a madeira mais rica que podia encontrar-se nos bosques escoceses. Contudo, seu trao mais atrativo eram os olhos. Protegidos por umas sobrancelhas grossas e desordenadas e umas pestanas to largas e escuras que qualquer mulher invejaria, os olhos de Hunter eram to insondveis como o profundo lago Ness um dia nublado, e de um prpura to intenso como a montanha cuja sombra caa sobre o castelo de Bailekair. Eram to violetas como os de Mary. Um MacBeth com olhos Carmichael! Estaria maldito, segundo a lenda, para o resto de seus dias

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No se v refletida em seus olhos? No! meu inimigo!

De improviso, aquelas palavras foram a sua mente procedentes do passado, convertendo um pesadelo infantil em crua realidade. Ento soube que se tratava da figura com que sonhou a noite da festa do po e que no pde reconhecer; seu inimigo, aquele cuja alma cheirava a morte. No tinha se dado conta de quanto se aproximou dela, por isso, quando a roou, Mary deu um pulo. Teve a sensao de que o prprio diabo a havia tocado e, no obstante, algo que mal acertou a identificar lhe alagou o corpo, prendendo em seu sangue como se fosse fogo, queimando-a com uma intensidade tal que por um momento acreditou que desmaiaria. Aqui se encontra a paixo pensou, de repente, sentindo saudades aqui se encontra o amor No, no! No que estava pensando? Surpreendentemente, Mary teve que realizar um esforo para zangar-se. Como se atrevia um mesquinho MacBeth a lhe pr as mos em cima? A fria expulsaria de sua ardente pele o demnio que a atormentava.

Sua roupa de seda, senhorita disse Hunter, assinalando os objetos estendidos sobre o cho e o cavalo que h fora no uma montaria qualquer, por isso juraria que esta msera cabana no seu lar. Entretanto, no lhe acompanham homens de armas, e nunca vi sua classe na corte, embora seja certo que faz meses que me ausento de seus sales. Venha, senhorita. Sacudiu sua bolsa de couro para que soassem as moedas que guardava dentro Tenho bastante dinheiro para comprar

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seus favores e me entreter at que afaste a chuva que nos reuniu neste lugar. Mary, que tinha oculto os olhos at aquele momento, piscou ostensivamente, como se suas pestanas fossem as asas de uma mariposa, e notou que lhe acendiam levemente as bochechas. Estava tremendo. Hunter, interpretando o tremor como paquera, sorriu e pensou que a moa conhecia bem o jogo e que se divertiria despojando-a desse falso recato que fingia e descobrindo frvola moa que em realidade era. Cinco soberanos, senhorita ofereceu porque, seriamente, muito bela.

Uma prostituta! Confundia-a com uma prostituta, pensou Mary, encolerizada. A ira que havia sentido quando a tocou estalou de repente em seu interior. Lanando um grito de indignao, elevou a vara e lhe golpeou sem compaixo a comissura esquerda dos lbios, lhe apagando do rosto o sorriso zombador e deixando uma marca cuja cicatriz jamais desapareceria. Pelos pregos de Cristo! exclamou Hunter entre o inesperado ataque, enquanto a agarrava pelos pulsos e os apertava cruelmente. Mary estremeceu de dor e tratou de desprender-se dele, dando-lhe chutes e lhe arranhando grosseiramente. Lutando, caram ao cho, e ela sentiu o calor e o peso do corpo do homem sobre o seu. Cadela! espetou No me dir que seu preo to alto para que considere um insulto o que ofereci! Um insulto, senhor, em efeito! cuspiu Mary com frieza No me vendo a nenhum homem, e menos ainda a um MacBeth!

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Hunter a olhou por fim aos olhos, aqueles olhos que eram o espelho dos seus. Jesus murmurou uma mulher dos Carmichael. Sim assentiu com tom orgulhoso. Naquele momento de surpresa, Mary arrumou para liberar uma mo e agarrar fortemente uma pedra que tinha visto no cho perto de sua cabea. Proferindo um grito triunfal, golpeou Hunter MacBeth na tmpora e comprovou com satisfao que ele fechava seus olhos de ametista e se derrubava a seu lado.

Encontrava-se a meio caminho de Sterling quando os homens de seu pai a encontraram e se perguntaram por que seus lbios escarlates esboavam aquela risada de complacncia e arrogncia.

Fazia tempo que tinha anoitecido quando Hunter abriu por fim os olhos. Por um momento se sentiu desorientado pelo desconhecido do lugar. Uma pequena fogueira ardia na lareira que antes tinha visto apagada, e o tamborilar da chuva, agora mais suave, soava a seus ouvidos como um tranquilizador riacho. Consciente de que no se achava sozinho, Hunter tratou de levantar-se e agarrar sua adaga, mas se desabou soltando um gemido. A cabea doa terrivelmente. Cadman se aproximou em seguida a seu irmo de adoo e se agachou para lhe aplicar um pano mido na tmpora. No se mova irmo aconselhou Cadman com uma expresso de inquietao em seus azuis olhos Tem uma ferida muito feia aqui, e est inflamando-se.

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No se estranha balbuciou Hunter, aliviado ao ouvir a voz de seu irmo de adoo porque me faz um dano de mil demnios. Ento, envergonhado de que lhe tivesse achado em tal estado de desmaio, afastou zangado a mo de seu parente De todas as formas, no preciso que me acaricie como se fosse uma moa. No h brandy neste lugar? Sim respondeu Cadman, ao tempo que jogava o pano que Hunter rechaara e agarrava uma garrafa Talvez lhe acalme a lngua e o gnio, embora, para falar a verdade, me alegro de ver que no se encontra to mal depois de tudo. Hunter bebeu o forte licor e, tossindo, notou como lhe abrasava a garganta e chegava ao estmago. Logo se recostou contra a parede com um gesto de dor devido ao esforo que lhe havia dado incorporar-se, posto que tivesse recusado o brao que lhe estendeu seu irmo de adoo. Ento, sentindo-se estpido, olhou friamente Cadman. Por que no est em Sterling com os outros? Assustou-se, como uma mulher, porque no aparecia? perguntou asperamente, com tom de irmo mais velho. Pois menos mal que foi assim, e que fui eu, e no outra pessoa, quem o encontrou, embora se chegasse a esperar a forma em que me agradeceria isso me teria economizado a molstia. Os dois homens se olharam tensamente por um momento at que por fim Hunter baixou os olhos, envergonhado. No pense que sou um ingrato, irmo disse com tom mais suave Esta maldita dor de cabea e o aborrecimento por ser to estpido me fazem falar desta maneira.

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Sei. Cadman relaxou o gesto No pretendia o insultar com minha inquietao, Hunter, mas ao no chegar como prometera, temi que nossos inimigos o tivessem atacado, porque os Carmichael se acham em Sterling. Sim disse Hunter, assentindo com a cabea o supunha. Foi um deles que me deixou sem sentido e me fez esta marca. tocou a ferida da boca e entreabriu as plpebras, recordando o ocorrido aquela tarde. Virgem Santa exclamou Cadman perguntava-me o que teria acontecido para acabar assim, irmo, j que no normal que o peguem despreparado, sem dar sequer tempo a desembainhar a espada. Assinalou ento a perigosa arma de seu irmo Tem sorte de estar vivo. Sim, pequeno estpido pareo murmurou Hunter sombriamente Cadman, que aspecto tem a ferida da cara? um bom corte e sem dvida deixar cicatriz. Mesmo assim, no parece feia, Hunter, se for sua vaidade a que pergunta. Hunter apertou a garrafa de brandy, que ainda sustentava na mo. Maldita seja minha vaidade! meu orgulho o que fala, porque no gosto de ficar com uma lembrana da desonra que sofri hoje. Cadman, que continuava de ccoras, moveu-se incmodo. um preo sob o que pagou por sua vida, irmo. A adaga poderia atravessar seu crnio. No foi uma adaga brandida com honra o que me causou esta ferida. Hunter riu com uma mescla de amargura e sarcasmo Teria aceitado isso. Mas, isto Isto! Aoitaram-me, Cadman, aoitaram-me como se fosse um co! Jesus sussurrou o jovem Que filho de cadela dos Carmichael se rebaixou a mofar-se dessa maneira?

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No foi um homem, Cadman. Se por acaso minha desonra fosse pouca, foi uma moa quem me pegou. Pelos pregos de Cristo, Hunter! Cadman o olhou com incredulidade Uma mulher? Sim, uma tigresa dourada a quem, por culpa de meu desejo, confundi com uma prostituta das caras. Ignorante de mim! No sabe como se zangou quando a insultei com minha oferta! Enlouqueceu de raiva e me atiou com sua vara, e eu, enfurecido por minha estupidez, briguei com ela e a atirei ao cho. Ento vi seus olhos. Ah, Cristo! Seus olhos, ainda os lembro, Cadman, violetas como as urzes das Terras Altas; assim eram o espelho de meus malditos olhos. Olhos Carmichael. O tom de voz de Hunter se endureceu eu a haveria possudo ento, e meu prazer seria muito maior por tratar-se de uma Carmichael. Mas me desprezou como se eu no fosse mais que um humilde servo e me pegou com essa pedra. E o deu por morto, irmo. Sim. Tinha pronunciado a palavra com suavidade, mas Cadman no se enganou. O tom empregado por Hunter pressagiava implicitamente um perigo para a mulher dos Carmichael, e em seus lbios se desenhava seu caracterstico sorriso zombador. Tome cuidado advertiu Cadman No v incorrer em alguma imprudncia por culpa da tolice que cometeu com essa moa. Essa moa me esquentou o sangue replicou Hunter com tom cortante Farei com ela o que me agrade e a desonrarei tal como ela me desonrou. Sim, a senhorita Carmichael e eu voltaremos a nos encontrar. Hunter tocou de novo a ferida Ento saber realmente o que significa fazer uma marca a Hunter MacBeth.

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Captulo 7
Embora Mary no voltasse a ver MacBeth (que era como acabou o chamando) at passados quase trs meses, cada vez que se lembrava daquele dia de vero se perguntava se o teria matado. Contudo, resultavalhe difcil imagin-lo morto, visto o apaixonado vigor com que se comportou. Com uma mescla de dio e excitao, Mary recordava ento a sacudida magntica que sentiu quando a tocou. No mencionara a ningum o encontro, porque no compreendia as contraditrias emoes que a embargavam. Aquele homem era seu inimigo mais odiado; tinha-lhe dado por morto e mesmo assim, Jesus! Como a obcecava! A expresso pensativa de seu bronzeado rosto e seus atrevidos olhos violetas se apresentava em sua mente com mais frequncia da que gostaria. O eco de sua voz baixa e zombadora ressonava em seus ouvidos com um sussurro sarcstico. Seu sorriso malicioso e o brilho de seus dentes brancos lhe apareciam uma e outra vez para mortific-la. Aquele corpo firme e musculoso parecia oprimi-la quando se encontrava na cama s escuras e evocava o momento em que o corpo do homem se achou em cima do seu e notava o roce de seu quente flego sobre a bochecha. Ento recordava o gemido de dor que emitiu antes de derrubar-se a seu lado e o fio de sangue que deslocou-se por sua tmpora e sentia um estranho e doloroso vazio que no conseguia explicar. Ah! Se pelo menos no fosse to bonito.

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A Rainha j fora enterrada no lugar onde tinha que descansar definitivamente. Entretanto, apesar de que quem a queria tinha chorado sua morte, esta mal tinha representado uma pequena onda nas turbulentas guas da vida cortes. Embora Mary no soubesse dizer se o rei sentia saudades mulher que lhe tinha dado trs filhos, o certo que no se comportava como um homem que acabasse de enviuvar. Quando o corpo da rainha apenas se esfriou em sua tumba, James comeou a considerar propostas de matrimnio de soberanos que lhe ofereciam suas filhas como ovelhas ao carneiro. Mesmo assim, era possvel que ficasse em seu corao uma fasca de carinho por Margaret, posto que James rechaasse todas as ofertas e no voltaria a casar-se. Embora fosse um mau rei e o comportamento em seu palcio era frvolo e corrupto, sua corte no devia ser pior que as outras, pois os plebeus seguiam o aclamando. Assim ocorreu o dia que lhes honrou com sua presena em Grassmarket, o mercado de Edimburgo, vestido esplendorosamente com o breacan real dos Stewart. As pessoas se ajoelhavam quando passava a seu lado. Mary, igual aos outros, inclinou-se em sinal de respeito e comemorao. Como ningum podia elevar o olhar at que tivesse passado o rei, o primeiro que viu do cavalo de guerra que seguia ruidosamente ao soberano a uns passos de distncia foram seus brancos espores. O corao deu um estranho tombo. S vira aquele animal em duas ocasies: no sonho que teve, aquela longnqua noite da festa do po, e quando saiu da cabana, aquele tormentoso dia de vero. Ento soube que seu cavaleiro estava vivo. Tremendo, ficou em p e dirigiu o olhar para MacBeth. Observou que dava um repentino puxo s rdeas; apesar da multido, fixou-se nela. O cavaleiro entreabriu seus brilhantes olhos violetas e a devorou agradado

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com a vista. O sorriso zombador que ela recordava se desenhou ento em sua boca, a boca que, como pde apreciar, marcou para sempre com sua vara. Mary compreendeu que nunca perdoaria aquilo. Estava despindo-a com seu insolente olhar, estava examinando-a descaradamente como se no fosse mais que uma escrava na armadilha. Mary notou que suas bochechas se avermelhavam como mas de indignao. Atacou-lhe uma profunda ira e algo mais que no conseguia definir. Desejou fervorosamente lhe apagar do rosto aquele sorriso como j o fez antes. Aquele sorriso, odioso e insultante, desafiava-a e, ao mesmo tempo, a fazia arder em desejos. Alm disso, permitia-lhe saber que o MacBeth tambm havia sentido que um fogo se acendia em seu interior aquela tarde de vero. Desejava-a e tinha a inteno de possu-la. Adivinhava-o em seus olhos, cheios de uma determinao e uma luxria que a assustavam. Um calafrio lhe percorreu todo o corpo. Que descaramento mostrava aquele homem! Sua atitude resultava revoltante, embora s pensasse em lhe beijar a ponta do sapato. Mary fez um gesto desdenhoso, jogou a cabea para trs e comeou a rir sem dar-se conta da provocao que aquilo supunha.

Hunter se enfureceu tanto que Craigor se encabritou e elevou as patas, o que lhe obrigou a puxar com crueldade das rdeas. A moa estava mofando-se dele, Por Deus! Atrevia-se a lhe mortificar com sua risada, a lhe recordar sua vitria, a lhe fazer sentir como um estpido. Como desejava rodear com as mos seu esbelto pescoo branco e apert-lo at que cessasse o eco zombador de seu desprezo! Hunter aguilhoou com suas douradas esporas seu cavalo para alcanar o rei, mas a moa seguia atormentando-o.

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Mary voltou a ver MacBeth em vrias ocasies, durante os meses seguintes. s vezes, quando este cavalgava pelas pavimentadas ruas de Edimburgo no lombo de seu fantasmal semental branco e a via, inclinavase atrevidamente e tirava o gorro empenachado com um elegante movimento que, de algum jeito, resultava zombador, apesar de que o gesto era socialmente correto. Mary desejava ento dar-lhe um soco por sua rabugice, ao tempo que admirava seu galhardo porte. Como se intusse a confuso que reinava no interior da jovem, o MacBeth sorria impudicamente, tocando a cicatriz por um breve momento antes de afastar-se. s vezes, o via passeando pela praa do mercado, detendo-se nos postos para examinar um cilindro de tecido ou comprar uma laranja e jogar a seguir umas moedas ao mercado com gesto de indiferena. Naquelas ocasies, Hunter se entretinha at que conseguia cruzar o olhar com o de Mary, j que sabia, vista do indignado rubor que iluminava suas bochechas, que o espiava quando pensava que ele no a via. Tal como pretendia, conseguia despertar na moa uma grande curiosidade, acossando-a e cortejando-a apesar de sua reticncia, do mesmo modo que um gato monts espreita sua presa. Em uma ocasio em que Mary se encontrava em um dos postos duvidando se comprava um pesado colar de ouro, Hunter se aproximou atrevidamente a seu lado e lhe sussurrou algo ao ouvido com a intimidade prpria de um casal de amantes, acariciando com quente e doce flego o rosto da jovem. Pesa muito para um pescoo to fino como o seu, senhorita murmurou enquanto ela olhava freneticamente ao redor em busca de

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Joanna e Gordon, que tinham se atrasado. A Mary, deu um tombo o corao ao notar sua proximidade e comeou a tremer a mo em que sustentava a joia. Afaste-se de mim! espetou ela. Ele a observou fixamente. Ento, no momento em que ela se dispunha a partir irada, ele arqueou uma sobrancelha, divertido, e a agarrou do brao com fora. Silncio, querida sussurrou teatralmente ou este vendedor acabar por ouvir nossa discusso. No me importa quem nos oua! replicou Mary Tire as mos de cima de mim!

Mulheres O MacBeth lanou um olhar ao vendedor, que lhe correspondeu com um gesto de compreenso. Hunter assinalou uma primorosa corrente com filigranas A senhorita quer essa. No disse Mary com voz fria e depreciativa, enquanto tratava de livrar-se dele A senhorita quer esta. Pagou pelo colar de ouro com um gesto desafiador e contendo a raiva por ter que adquirir um colar que no queria. Maldito cavalheiro cigano: elegira o melhor dos dois. Hunter sorriu satisfeito de si mesmo, como se adivinhasse os pensamentos dela. A senhorita se arrepender disse antes de solt-la. Mary reprimiu o forte desejo que sentia de lhe esbofetear, agarrou o colar que acabava de comprar e se afastou virtualmente correndo por entre a multido.

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Aquela noite, entregaram a corrente de finos elos em seus aposentos no palcio. Pequeno galo de briga arrogante! Como se atreve? exclamou jogando pestes. Entretanto, no pde evitar acariciar a corrente de ouro e recordar a presso dos dedos do homem sobre seu brao. Duas semanas mais tarde, MacBeth se comportaria de forma ainda mais atrevida em um dos sales do rei. Os cortesos e as damas estavam executando os complicados passos de uma dana que se desenvolvia em roda de pessoas. Os homens permaneciam na parte exterior, e as mulheres na de dentro; depois de cada volta, trocava-se de par: os cavalheiros avanavam um passo e acompanhavam a outra dama, de modo que ao final se percorria o crculo completo e se voltava a danar com o mesmo par. Mary, concentrada na alegre dana, no advertiu que o MacBeth dava um golpezinho no ombro ao daoin-uaisle com quem danava. O senhor Jardine arqueou as sobrancelhas com gesto zombador ao compreender o que Hunter pretendia, mas logo encolheu de ombros despreocupadamente e se afastou para permitir que o cavalheiro cigano ocupasse seu lugar. At que no voltou a levantar o olhar, Mary no se deu conta do que tinha ocorrido: na seguinte volta se encontraria frente a frente com o ousado MacBeth. Presa do horror, cobriu instintivamente o rosto com as mos. Pelo amor de Deus! O que se propunha aquele homem? Perguntou-se, emocionada. Nenhuma mulher Carmichael danara com um MacBeth durante virtualmente os ltimos cem anos. Com sua atitude aquele homem acabaria com os dois, porque, se saa com a sua, essa noite terminaria por cometer um assassinato. Deus santo

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Mary rogou que a tragasse a terra. Estava danando com o rei, de maneira que no podia abandonar a dana. Cambaleou e pisou ao soberano. Oh, me perdoe, majestade. No era minha inteno No importa Mary. James sorriu impudicamente Tem um p to delicado. Majestade Mary tratou desesperadamente de distrair a ateno do soberano do suti de seu vestido. Tinha que sair do pequeno crculo como fosse antes da seguinte volta Possivelmente o vinho me tenha enjoado. No voltarei a beber. De fato, no me sinto nada bem. Talvez se pudesse me atender Percorreu com um olhar de inquietao o salo. J havia gente olhando com semblante preocupado e fazendo comentrios sobre o prximo emparelhamento que ia produzir-se na dana. Onde se achava a famlia de Mary? Inclusive a presena de Hugh Carmichael seria de agradecer naquele momento. Entretanto, a moa no via entre a multido nem um pequeno pedao do breacan azul e verde de seu cl. Os Carmichael mal apareciam pela corte, e a maioria dos que assistiram ao enterro da rainha j retornaram a casa. Tolices, Mary. Sua petio incomodou o soberano Tem que acabar esta volta ao menos, porque se no alterar o equilbrio da dana. Sim, obvio majestade. No pensei nisso. Voc tem razo, como sempre. Agradado, o rei sorriu com renovado bom humor e avanou um passo para agarrar seu novo par, momento que o MacBeth aproveitou para ocupar rapidamente seu lugar. Mary no sabia o que fazer. Encolerizada, viu a expresso divertida que adotavam os olhos violetas do cigano e teve

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a impresso de que todo o salo se fixava nela. Atendida pela indeciso, permaneceu quieta. Senhorita Mary! espetou o rei asperamente. Tinha falado o bastante alto para que todos os presentes o ouvissem, embora estivessem muito embriagados para dar-se conta de que algo no ia bem Est interrompendo a dana. A que espera? Sim, sua majestade. Sinto muito, majestade. No ficava mais remdio que fazer uma reverncia a MacBeth e lhe agarrar a mo. Hunter a olhou com um maligno sorriso de satisfao. Naquele instante, Mary viu seus primos Adair e Balfour, dois dos filhos de lorde Dugald. Rogou-lhes com o olhar que a ajudassem, mas resultava bvio que tinham to pouca ideia como ela sobre o que tinha que fazer. No obstante, olharam enfurecidos aos MacBeth reunidos no salo, enquanto Mary e Hunter evoluam pela pista de dana; se no estivesse na presena do rei, cujo terminante comentrio impedira que tanto sua prima como o MacBeth abandonassem a dana, as coisas seriam diferentes. Dada a situao, tanto os Carmichael como os MacBeth permaneceram precavidamente apoiados contra as paredes do salo, com as mos sobre os punhos de suas espadas. Bastardo! insultou Mary a Hunter, quando este a estreitou entre seus braos No se aproxime de mim. Provocar uma briga no palcio. Valeria pena, senhorita. Ps-se a rir e a abraou com mais fora. Mary se precaveu ento de que Balfour fazia gesto de desembainhar sua adaga e que Adair o detinha. A moa tinha a boca ressecada e um n na garganta. Acelerava-lhe o corao, e sabia que aquele malvado cigano podia not-lo, abraada como a tinha contra seu espartilho. Hunter o confirmou aos poucos segundos.

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medo ou meu encanto pessoal o que faz seu corao pulsar com tal fora, senhorita? sussurrou. Sentiu de novo ganas de lhe dar uma bofetada, mas se limitou a apertar a mo com que a agarrava o MacBeth, que voltou a sorrir. Como se atreve, filho de cadela? Por voc, me atreveria a fazer muitas coisas, senhorita. de repente, comeou a olh-la lenta e descaradamente, com olhos ardentes de desejo. Mary estremeceu. Treme como se fosse um passarinho nas faces de um gato, senhorita observou Tanto a assusto? No medo o que me faz tremer, a no ser asco, senhor! replicou com aspereza. Oh, ento no parou para pensar o que sentiria se lhe beijasse a boca, se lhe acariciasse o corpo Silncio. Deixe de dizer vulgaridades, estpido! Do contrrio falarei, com meu pai das familiaridades que E ao faz-lo s conseguir que ele morra na tentativa interrompeu Hunter brandamente Sou muito perigoso com a espada e a tocha de combate, e o leo j um guerreiro entrado em anos. Muitos entre os meus estariam dispostos a me defender, MacBeth, e meu pai o bastante jovem para enviar a gente como voc a melhor vida. Voc cr senhorita? Bom, j veremos O que o que quer dizer com isso? Mary o olhou temerosa. Porque me proponho possu-la, senhorita. Oh, no resista, encanto. Prometo-lhe que em meus braos conhecer o prazer. Sua voz soou repentinamente rouca pela paixo.

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Voc sonha, como lhe? balbuciou Mary confusa, indignada, incapaz de dar crdito ao que estava ouvindo. Jamais um homem lhe falara daquela maneira. No, no sonho sussurrou ele Sei. Est louco? Sim, louco de desejo por voc, tigresa. Um dia, ser minha, juro-o. Mas bom, como se estivesse me cortejando. Seu corao voltou a acelerar E meu inimigo. Mary voltou a tremer, deu uma ltima volta sobre a pista, soltou-a e se afastou.

Aquele tipo de incidentes no demorou em converter-se em habitual. Seguia-a a todas as partes como se fosse sua sombra, mofando-se dela, mortificando-a, aprisionando-a contra a parede de algum escuro corredor ou lhe agarrando a mo para beijar-lhe a prazer quando a via s. Renda-se, formosura, renda-se ele estava acostumado a murmurar com voz rouca, inclinando-se sobre ela como se dispusesse a beij-la, mas sem chegar nunca a roar sua boca.

A Mary, aterrava precisamente o fato de que se contivesse. O que seria capaz de fazer quando se desatasse a fria que ela sabia que ocultava atrs daquela fria fachada? No se atrevia a escrever a seu pai por medo de que os dois homens se batessem em duelo, e Magnus, por muito que ela presumisse dele, acabaria morto. Por conseguinte, Mary suportava as cuidados de MacBeth em silncio, contente ao menos de alojar-se no palcio, onde, por muito ousado que fosse, o arrogante cavalheiro no se arriscaria a for-la.

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Prometo-lhe que em meus braos conhecer o prazer, disse. Mary tremia ao record-lo. Qual no seria sua exasperao, quando tambm comeou a acoss-la de noite. A sol e sombra, sempre estava com ela, burlando-se com seu sorriso malicioso, desafiando-a

provocativamente, lhe inspirando dio e raiva durante o dia por sua insolncia e medo de noite, quando recordava sua confiada forma de inclinar-se sobre ela e se perguntava secretamente o que sentiria ao ser beijada por uma boca sensual e carnuda como a daquele homem. Pcara desavergonhada!, recriminava-se zangada. Como podia ser to fresca! Acaso tinha perdido o orgulho ou o sentido de lealdade para, em lugar de desprezar seu inimigo, sentir desejo? Oh, se ao menos no fosse to endemoniadamente atrativo. Se ao menos no estivesse to confusa. Por que no podia afast-lo de seu pensamento? Mary ignorava que seus desejos e fantasias eram naturais em uma jovem moa que se encontrava na soleira da maturidade, que o experiente MacBeth, com muita inteligncia, obtinha que se interessasse por ele, jogava com a incipiente atrao que sentia pelos cavalheiros da corte e intensificado sua percepo sexual. Quo nico ela sabia era que o MacBeth despertava nela uma ansiedade que a fazia sentir-se culpada, uma ansiedade que no compreendia e no podia combater. Com consternao, viu si mesma buscando-o pelos vastos sales do palcio. Quando o surpreendia aproximando seu bronzeado rosto ao de uma bela moa, ou beijando com seus marcados lbios uma plida e fina mo, sentia um estranho sufoco. O corao dava um tombo se acertava divisar um breacan dos MacBeth na praa do mercado e lhe encolhia se no se tratava dele. Mesmo assim, se a abordava, ela se comportava com frieza e manifestava seu aborrecimento e indignao pelo atrevimento.

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Mary passou o Natal e a vspera de ano novo com sua famlia em Bailekair, amaldioando MacBeth, em silncio, cada vez que sua imagem se intrometia em suas frias. Entretanto, com que frequncia lhe levaram seus passos s ameias da torre principal? Quantas vezes contemplou o castelo da outra borda do lago? Tinha ouvido na corte que era um cavalheiro de lorde Angus de Glenkirk, o chefe do cl MacBeth e antigo inimigo de seu pai. De noite, na escurido de sua estadia, sua figura ia a seus pensamentos. No conseguia esquec-lo. Uma parte dela, escondida no mais profundo de sua alma, evocava sua presena e desejava o magnetismo de sua pele. Nem pde evitar essas emoes quando, um dia de fevereiro, ao amparo dos muros de Bailekair, viu irromper os MacBeth na aldeia em que viviam os granjeiros de seu pai e o distinguiu ao lombo de seu corcel branco, empunhando uma espada. Arma e cavalo refletiam os raios do sol invernal com a mesma fora que a neve que cobria os campos em aro. Odeio-o, ouve-me? exclamou como se acreditasse que o cavalheiro cigano podia ouvi-la de onde se encontrava. Ento, por algum capricho do destino, MacBeth elevou a vista em direo torre. Ela, enfurecida, deu a volta, mas viu-o tocar burlonamente com a ponta da espada a comissura do lbio que lhe tinha fustigado e, tremendo, agasalhou seu esbelto corpo com a capa que levava, pensando que talvez desse modo se protegesse de quo olhadas o homem lhe lanava com seus famintos olhos violetas. Renda-se, formosura, renda-se. Uma e outra vez ressonava aquelas palavras nos abismos de sua mente, provocando-a com uma silenciosa e premente ousadia.

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Mary retornou a corte convertida em um fantasma de si mesma, plida e magra a consequncia das noites que tinha passado acordada, preocupada, atormentada. Por fim, em maro, decidiu que devia desfazerse daquele homem de uma vez por todas. Quando j era quase meia-noite e seu aniversrio chegava a seu fim, um pajem lhe levou o ltimo presente a sua estadia do palcio, o que surpreendeu moa, posto que j tinha aberto todos os obsquios de sua famlia e os amigos que tinha entre as criadas e os daoin-uaisle da corte. No adivinhava o que continha o pacote nem quem o enviava. Ser de um admirador secreto, Mary brincou Joanna, sorrindo. Algum que morre de amor por voc. Alinor, que agora tambm vivia com elas no palcio, fingiu que se desvanecia, juntando as mos sobre o peito em sinal de dor. Mary sorriu e meneou a cabea como se desaprovasse as graas das moas. Seus admiradores j lhe entregaram seus presentes: um que, conforme dizia, estava cativado por sua beleza, lhe escreveu um poema; outro comps uma cano em que a comparava a um cisne; um terceiro quis lhe demonstrar que era o mais valente lhe dando de presente uma rosa adamascada cujas aveludadas ptalas tinham sido confeccionadas com materiais que roubara das arcas do prprio rei. De todos os modos, os comentrios de seus familiares lhe despertaram curiosidade, por isso abriu o pacote com grande espera, rasgando as capas de veludo que o envolviam e as fitas de cetim que o adornavam. Por fim, levantou a tampa e viu o contedo da caixa. Tratava-se de um ovalide coberto de encaixe e cenrio com filigranas de ouro. Em um de seus extremos, tinha uma manga ornada com o mesmo intrincado

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desenho que cobria o resto do objeto. Mary o agarrou e, ao lhe dar a volta, descobriu que se tratava de um espelho. Oh, Mary, que preciosidade! exclamou Alinor. Olhe! Tem uma nota! observou Joanna O que diz? De quem ? perguntou, pois Mary, a diferena da maioria das mulheres naquele tempo, sabia ler. Mary desdobrou com cuidado a pequena parte de pergaminho e sufocou um grito de assombro ao l-lo. Deveria hav-lo imaginado! Escrita com uma letra de gil risco, a nota rezava: Para uma tigresa dourada, cujos olhos so o espelho dos de algum que no esquece. Estava assinada com um grande H rabiscado.

Quem ? Seu espelho, menina.

O MacBeth sabia! Como podia sab-lo? No era nada mais que um sonho da infncia, e, entretanto, sabia! Com uma careta de ira dirigida a seu inimigo e a si mesma, Mary jogou o espelho dourado ao fogo, onde o cristal se rompeu em mil pedaos ao se chocar contra as pedras. Oh, Mary! Apesar de que pretendia repreend-la, a voz de Joanna expressava temor Sete anos de m sorte! Benza-se rpido, e reze uma orao para se liberar do mal. Sim acrescentou Alinor uma pena, bonito que era o espelho. Que pretendente a desagrada tanto para que destrua seu presente? No nenhum admirador apaixonado que me tem feito semelhante honra! replicou Mary com aspereza No! No o toque ordenou,

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quando sua cunhada se ajoelhou com inteno de agarrar o espelho quebrado Est to maldito como quem o enviou. Ento, para demonstrar o que acabava de dizer, a moa tomou a caixa junto com o pacote de veludo, as vistosas fitas de cetim e a nota e as jogou no fogo. As chamas crepitaram ao tempo que devoravam o combustvel que tinham recebido. Aos poucos segundos, s ficava uma parte chamuscada da nota. Mary o olhou com uma careta de profunda indignao, pois lhe dava a impresso de que a assinatura rabiscada se burlava dela da lareira. Aproximou-se, meteu-o no fogo de um chute e ficou observando como as bordas se dobravam pela ao das chamas. Como se atrevia o MacBeth a assinar com a inicial de seu nome de batismo como se fossem amantes? H. Hunter Deu a volta e sentiu que um calafrio lhe percorria a coluna vertebral. Seus dois familiares lhe rogaram que lhes explicasse o que ocorria, mas ela se negou e ao pouco momento se deitou. Mary voltou a sonhar aquela noite. Sonhou que se encontrava em um estranho castelo, sentada na cama de um dormitrio desconhecido, escovando sua sedosa e larga cabeleira loira. Quando acabou, agarrou o espelho que descansava sobre a penteadeira. Qual no seria sua surpresa quando viu que se tratava do que lhe dera MacBeth. Entretanto, no se decidiu a deix-lo. Observou seu prprio reflexo no cristal, hipnotizada, at que a imagem se esfumou para transformar-se no bronzeado rosto de Hunter, que a olhava com gesto zombador. Apreciava com nitidez a cicatriz que tinha na comissura do lbio e a expresso de desejo de seus brilhantes olhos violetas.

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Aproximou-se

inconscientemente

imagem,

atrada

por

um

magnetismo que s ele irradiava, um magnetismo animal, irresistvel. Empanando o espelho com seu flego, posou seus lbios sobre os de MacBeth. O prateado cristal se rompeu em pedacinhos, mil prismas em que se refletiam seus olhos prpuras multiplicados at o infinito. Ento chorou, notando na lngua o agridoce sabor do sangue que brotava da ferida de MacBeth. Quando despertou manh seguinte, seu travesseiro estava ainda mido de lgrimas. Sonhos. No so mais que sonhos disse a si mesma E MacBeth no mais que um homem. Entretanto, as noites passaram, e aquelas imagens no cessavam de aparecer em seus sonhos, enquanto ela se revolvia entre os lenis e gritava na escurido. Devo estar enlouquecendo pensou Mary, atemorizada, quando os dias se converteram em semanas como se esse maldito homem tivesse me enfeitiado. Entreabriu as plpebras ao pensar em semelhante possibilidade. Claro! Como no lhe ocorreu antes? O MacBeth a enfeitiara! No era de se estranhar que surgisse em seus sonhos com o aspecto de um diabo. No tinha acaso os olhos Carmichael? No dizia que era uma criatura do demnio? Sim, tinha que desfazer-se dele, decidiu, ou do contrrio se voltaria louca sob o maligno efeito de seu feitio. Entretanto, quando pensou no que teria que fazer e na pessoa a quem, conforme tinha ouvido, teria que pagar para que a ajudasse, Mary no pde evitar tornar a tremer.

***

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A aquela avanada hora da noite, os corredores do castelo estavam desertos, frios e povoados pelas sombras sobrenaturais que formavam as tochas que penduravam das paredes do palcio. Mary se abrigou com a capa e olhou rapidamente por cima do ombro como se temesse que os homens do rei fossem det-la a qualquer momento. No havia ningum. Com o corao em um punho, seguiu avanando a toda pressa. Seus passos ressonaram surdamente pelo comprido corredor. A morte! A morte era a pena que sofreria se descobrisse o assunto que lhe ocupava aquela noite, um preo muito mais alto que o que valiam as moedas de ouro e o conjunto de joias que j teve que pagar. Mas no ficava alternativa, de modo que seguiu adiante com determinao. Finalmente, Mary chegou estadia que procurava e bateu na porta com suavidade. Durante um angustiante minuto, que pareceu durar uma eternidade, no houve resposta. Em parte aliviada por haver economizado aquela prova, em parte raivosa porque lhe extorquiram o dinheiro, a moa apertou os punhos e deu meia volta com inteno de partir. A porta chiou ento lentamente sobre as dobradias. Chega tarde! disse a senhora Anglica Fleming com um vaio. Introduziu Mary na estadia de um tranco e apareceu ao corredor para dar uma olhada. Quando se assegurou de que no havia ningum rondando por ali, a senhora Fleming fechou a porta Por que se entretiveu? Temia que me seguissem respondeu Mary, nervosa e tive que esperar at me certificar de que estavam adormecidas as pessoas com que compartilho meus aposentos. Anglica se encolheu de ombros.

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Sem dvida, pensariam que se tratava de uma simples entrevista de amantes, embora quem sabe Tratou bem ao tomar precaues, embora agora devemos nos apressar, porque quase lua cheia. Voltou-se para o fogo para iniciar os preparativos. Mary estremeceu, pois luz das chamas Anglica parecia um espectro procedente de outro mundo. A palidez de seu rosto era cadavrica; no se apreciava nele nem a mais leve vermelhido. Suas sobrancelhas, negras como o azeviche, arqueavam-se sobre uns olhos grandes da cor do bano. O cabelo negro carvo e penteado com a raia no centro, caa solto at os joelhos. Suas mos, de um branco cinzento, contrastavam com a negra tnica que vestia. De repente, Anglica as levantou e deu uma palmada que sobressaltou a moa. Um enorme gato negro apareceu ento e comeou a esfregar-se contra as pernas da senhora Fleming, enquanto grunhia mostrando os dentes. Um amigo ntimo. Chama-se Sorcha. Mary reprimiu um repentino desejo de benzer-se. Tinha pagado por aquela noite de necromncia e no partiria at que finalizasse. No dispe de nenhum objeto pessoal dele? perguntou Anglica Uma mecha de cabelo, uma unha, um objeto, uma joia que tenha usado recentemente? No respondeu a moa Nada. O conjuro no ser muito poderoso ento, mas nos arrumaremos com o que temos. Voltou a dar uma palmada Comecemos. Ao pronunciar a senhora Fleming aquelas palavras, o intenso aroma que emanava de uma embriagadora mescla de especiarias se estendeu por toda a estadia at tal ponto que Mary chegou a pensar que ia asfixiarse. Uma estranha neblina chapeada invadiu pouco a pouco a estadia.

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Anglica jogou uns cristais a lareira, e as crepitantes chamas aumentaram de tamanho e trocaram de cor. A mulher se ajoelhou ante o altar disposto ante a lareira e indicou com um sinal a Mary que fizesse o mesmo. Sobre a mesinha descansava um tosco boneco envolto em um tecido do breacan vermelho e verde do cl MacBeth. A senhora Fleming o elevou e, com uma estranha voz gutural, comeou a murmurar algo em latim, umas antigas curas que Mary no conseguiu entender. At que no ouviu as palavras Hunter MacBeth no compreendeu que Anglica estava aludindo temvel imagem. Mary observou aterrada, como senhora Fleming depositava o boneco sobre o altar e lhe atravessava o corao com trs alfinetes. Nesse momento, o gato miou de forma sinistra e saltou sobre o maligno objeto.

Longe dali, Hunter MacBeth comeou a mover-se espasmodicamente em sonhos e afastou os lenis que cobriam seu febril corpo, pois, apesar do frio que fazia, seu lbio superior estava perolado de suor. Estava sonhando. Craigor cabriolava sob o peso de Hunter. Sua pelagem branca brilhava de forma espectral luz chapeada da lua, que caa em cascata do cu. Uma espessa neblina cinza envolvia cavaleiro e animal, lhes impedindo a viso. Hunter sabia que o cavalo notara algo, posto que se espantou e emitiu um estridente relincho. Ento Hunter ouviu os suaves golpes que produzia um gato ao andar sigilosamente na escurido. Deu meia volta, e o felino se equilibrou sobre ele para lhe arranhar o peito e lhe morder o pescoo. A dor era to intensa que parecia penetrar at o corao. Cambaleou por um momento e desabou sobre o duro cho.

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Sob a plida e brumosa luz distinguiu por fim o animal, uma gil tigresa dourada com brilhantes olhos da cor da ametista. Mary! Perseguia-o inclusive em sonhos, mortificando-o com formas demonacas, burlando-se dele com seus olhos Carmichael. Possu-la-ei, cadela! exclamou, no momento que a tigresa saltava novamente sobre ele Humilhar-la-ei at que fique sem vontade de me desdenhar. Agarrou fera pelo pescoo com suas poderosas mos e foi estrangulando-a lentamente. A tigresa lutava, gemendo e trocando de forma at que finalmente se converteu em Mary. Agarrou-lhe os redondos seios e lhe separou as coxas. Era dele. Dele!

Mary sentiu que o desejo se apoderava dela, lhe esquentando o corpo com tal fora que pensou que morreria de vergonha. Estava perdendo o sentido do tempo e o espao, encerrada em um lugar que no pertencia nem ao cu nem ao inferno, um lugar em que os momentos passavam com rapidez, como a chuva a merc do vento, e s a paixo era o suficientemente veloz para lhes alcanar. O prazer que lhe produzia tudo isso era to intenso que acabou por desmaiar. Um chiado agudo de dor a fez voltar a si, retornar carregada estadia da bruxa, a um mundo que excedia a compreenso humana. Sorcha tinha morrido com o pescoo quebrado. Anglica soluava, acariciando brandamente o gato sem vida. O que tenha que ocorrer ocorrer murmurou finalmente com voz baixa. Mary sentiu um calafrio por todas as costas A lenda j estava escrita nas estrelas, antes de meus tempos. No posso ajudar voc.

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A lenda! Dos rinces mais recnditos de sua mente, Mary tratou de tirar a luz s histrias que lhe contavam, quando era pequena, e recordar os termos exatos da lenda cuja maldio tinha cado sobre os cls dos Carmichael e os MacBeth e que engendrava aos filhos com olhos demonacos de seus inimigos. Havia algo algo relacionado com uma tigresa e e destruio. Oh, Deus! Havia muitas pessoas que a chamava assim, a filha do leo. Da virilha do leo uma tigresa dourada saltar. Inclusive MacBeth se dirigiu a ela daquela maneira! Pelos pregos de Cristo. Era ela, Mary, quem destruiria sua prpria famlia! Quem, quem voc? Sou parte do que uma vez foi e voltar a ser. Venho de uma poca anterior a seus tempos Muitos anos atrs, uma bruxa de cabelo grisalho surgira em seus sonhos na noite da festa do po e tratara de lhe avisar; no prestou ateno. Agora estava indefesa, indefesa ante MacBeth, e sua famlia seria destruda. Mary saiu da malfica estadia como alma que leva o diabo.

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Captulo 8

A finais da primavera de 1487, o rei decidiu organizar um baile de mscaras. O palcio resplandecia, quando Mary, Joanna e Alinor desceram pelas escadas de caracol que conduziam ao grande salo. Milhares de tochas e velas ardiam nas paredes e os candelabros que se colocaram sobre as mesas, as quais rangiam sob o peso de quanto se serviu para a festa. Javalis e cisnes inteiros, espetados e assados, elevavam-se entre montes de mas cozidas e pores de queijo; grossas partes de carne de veado, vaca e cordeiro nadavam em vasilhas transbordantes de um molho espesso e cremoso junto a cebolas, feijes e cenouras; centenas de pequenos manjares como colibris e confeitos enchiam numerosas vasilhas dispostas em fileiras. De um lado do salo, uma banda de msicos tocava alegremente, e o gorjeio de suas flautas e suas harpas enchiam a estadia com sua doce melodia; ao outro, um grupo de acrobatas e malabaristas executavam seus exerccios, caminhando com as mos e lanando ao ar globos de vivas cores com uma rapidez vertiginosa. Em um canto, um concorrido grupo de damas sussurrava entre risadinhas e paquerava jovens que se congregaram ao redor. Formando um grupo menor, vrios homens de aspecto mais srio discutiam assuntos de estado e dirigiam discretos olhares ao monarca, que j estava brio. Alguns casais danavam com garbo no centro do salo, enquanto outros se aproximavam das repletas mesas rindo estridentemente de alguma brincadeira que teria contado o

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bufo da corte. O palhao se inclinou realizando um movimento de bailarino antes de comear a imitao de algum senhor. E por toda parte se viam mscaras: singelas mscaras de veludo, mscaras bordadas de cetim, brilhantes mscaras guarnecidas com joias, mscaras que cobriam todo o rosto e mscaras que se sustentavam diante dos olhos mediante um palito. A de James era deste tipo, e a baixava com frequncia para observar seus sditos com maior facilidade. Mary elegeu uma bicuda mscara de lantejoulas de cor violeta que harmonizava com seu vestido de tom ameixa. A de Joanna era de cetim ouro brunido, que fazia ressaltar elegantemente as mechas loiras de sua cabeleira. Alinor escolheu uma de veludo verde; o tecido mate contrastava fortemente com a brilhante cor esmeralda de seus olhos. As demais damas da corte estavam embelezadas de forma semelhante. Os daoin-uaisle, em troca, ofereciam um aspecto muito diferente aquela noite, pois o rei, acaso com um perverso senso de humor, tinha-lhes proibido usar breacans durante a noite. Assim, alguns dos senhores mais importantes da Esccia vestiam apenas camisas confeccionadas com os melhores tecidos e espartilhos de brocado de cujos cintures pendiam espadas com joias incrustadas e adagas que cintilavam luz das velas; tambm levavam meias de cores e sapatos de seda curvados na ponta (os mais vaidosos e frvolos adornavam estes com campainhas que soavam alegremente ao andar) e boinas empenachadas. Sem o tartn que distinguia cada cl, as trs moas no podiam saber a primeira vista se os cavalheiros que se aproximavam eram amigos ou inimigos, por isso avanavam por entre a multido com supremo cuidado e agarradas da mo para no se perder umas das outras.

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Um pcaro atrevido tomou Alinor pela cintura. Esta chiou indignada e ento se deu conta de que se tratava de seu marido, que acabava de retornar de Crnwick. Oh, Charlie! repreendeu-lhe com um sorriso O que ocorreria se no fosse eu? Meu amor, nenhuma outra moa na Esccia tem uns olhos verdes de gata como os seus. No pode imaginar em quantas mscaras tive que olhar para encontr-los. Charlie beijou Mary e Joanna, embora resultasse bvio que s desejava estar com sua esposa. Mary, consciente de que tinham disposto de pouco tempo para estar juntos desde suas recentes bodas, disse a Alinor que no se preocupasse com elas. evidente que, ao meu irmo, no interessa muito o baile que oferece o rei esta noite. Riu com certa melancolia, pois queria que lhe desse notcias de sua famlia, embora estava segura de que sua cunhada lhe contaria tudo mais tarde. Antes que os dois apaixonados desaparecessem entre a multido, Alinor lanou a Mary um olhar de agradecimento. Bem, Joanna disse, voltando-se para seu familiar O que me diz? Resulta inquietante no saber com quem se est falando. Joanna o compreendeu em seguida No lhe parece? Ento decidiu animar Mary, e a expresso de gravidade de seu rosto desapareceu imediatamente Juraria que aquele homem que lhe olha com tanto descaramento o senhor Percy Chisholm. Mary entreabriu os olhos ao ver o jovem cavalheiro que roubara materiais das arcas do rei para confeccionar a rosa que lhe presenteaou em seu aniversrio.

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Claro que sim disse, fazendo um gesto afirmativo com a cabea dos que levariam campainhas. de repente, deu uma palmada e ps-se a rir Vamos dizer-lhe que o professor alfaiate descobriu o roubo e quer lhe ver em seguida. Joanna secundou a ideia imediatamente, e as duas moas se aproximaram correndo ao despreparado senhor Percy para levar a cabo seu malvolo plano. A meia-noite, a hora da exposio, as duas moas se encontravam rodeadas por um grupo de alegres cavalheiros que tratavam de revelar a identidade das garotas (algo que, certamente, j sabiam os admiradores). Elas riam cada vez que escapavam daqueles braos que se esforavam por apanh-las e meneavam a cabea com fingida paquera, enquanto evitavam destramente as tentativas de exposio. Venha, Mary insistiu Percy, tratando de enrolar sei que voc. Venha deixe que lhe tire o reluzente disfarce que leva e me premie com um beijo. Mary se limitou a sorrir com ar misterioso e se afastou dele danando. Senhorita Joanna, morrerei de tristeza se no for eu quem lhe desate a mscara e ganhe a recompensa de seus doces lbios se queixou o senhor Henry Drummond melancolicamente Aproxime-se um

pouquinho mais. Mary e Joanna cruzaram malignamente um olhar de satisfao ante os aduladores rogos. De repente, agarraram-se da mo e puseram-se a correr como um par de velozes gazelas, aproveitando a confuso da exposio. Os ousados gals saram imediatamente atrs delas. As moas correram pelos corredores at chegar ao jardim, onde, ofegando pela corrida e a

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risada, separaram-se com a esperana de que assim despistariam os perseguidores. Em outra ocasio, Mary se alegraria de poder andar tranquilamente pelos jardins do rei, pois a embriagadora fragrncia dos altos pinheiros escoceses e das flores tempranas enchia o ar da noite. Entretanto, umas fortes pisadas sobre os degraus de mrmore do terrao lhe advertiram que no era to singelo livrar-se dos sabujos. Recolheu a saia e, apressadamente, procurou na escurido um lugar onde esconder-se. Percorreu, pressurosa, os sinuosos atalhos de pedra, passando junto a casais que se abraavam e cautelosos senhores que tinham aproveitado a exposio para conspirar contra o rei. Um alegre grito lhe anunciou que alguma jovem senhorita acabava de ser capturada. Mary se escondeu sob uma prgula, perguntando-se se tratava de Joanna. Aquela parte dos jardins no estava iluminada pelas chamejantes tochas como as outras, por isso demorou um momento em acostumar-se falta de luz e advertir que no se encontrava sozinha. Percy? aventurou com voz vacilante e levemente alarmada por um momento. O homem escondido entre as sombras sorriu astutamente. Tinha passado toda a noite observando-a, espera que surgisse uma oportunidade como aquela. Sim, senhorita respondeu com voz baixa. Mary deixou escapar um leve suspiro de alvio. Como engenhou para desembaraar-se dos outros e achar meu esconderijo? Venha aqui e o explicarei.

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Acaso vai desmascarar-me? brincou ela. Agora que a perseguio tinha concludo no se opunha a isso absolutamente. Entretanto, quando se aproximou, sufocou um grito de susto ao encontrar-se frente a frente com seu primo Hugh Voc! exclamou O que voc faz aqui? Decepcionada, senhorita? Sorriu impudicamente e a colheu com crueldade pelo pulso. Deixe-me Hugh! Faz-me mal! Bem disposta se mostrar quando pensou que era o senhor Chisholm. Atraiu-a para si com um violento puxo. Mary se deu conta de que, resistindo, s conseguiria lhe inflamar mais, por isso decidiu permanecer em atitude passiva entre seus braos. que surpreendeu-me ver voc, isso tudo se desculpou com um tom mais calmo No sabia que estava no palcio. Ele lanou um olhar inescrutvel. Cheguei esta noite e no pensava que ia encontrar quem me pertence citando-se nos jardins com outra pessoa. Quem lhe pertence? Mary sentiu um n no estmago Do que est falando, Hugh? Ah, Mary disse, sorrindo inesperadamente e afrouxando a mo Estava to ansioso por lhe comunicar eu mesmo a boa notcia que no pude evitar colocar de m maneira. Quer que voltemos a comear desde o comeo? A que boa notcia se refere primo? Mary dirigiu um olhar suspicaz, pois era realmente imprprio de Hugh comportar-se com tanta amabilidade. Seu pai me concedeu sua mo faz um par de dias.

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Se Hugh lhe houvesse dado um bofeto, Mary no teria ficado mais perplexa. Minha mo! No, meu pai jamais faria algo assim sem me consultar. Tenho a carta e a cpia do compromisso aqui mesmo. Hugh se deu uma palmada no peito Ele queria vir pessoalmente, mas lhe persuadi de que me deixasse lhe dar eu mesmo a boa nova. Mentiroso! espetou. Entretanto, sabia que o que estava dizendo era certo. Do contrrio, seu primo no se mostraria to seguro de si mesmo. Vamos, Mary sussurrou melosamente esta a maneira de comportar-se com seu futuro marido? Jamais me casarei com algum como voc, Hugh Carmichael! Mary, cujos olhos despediam brilhos de ametista, afastou-se com brutalidade dele Ignoro no que estaria pensando meu pai quando decidiu dar seu consentimento a este sujo assunto. Sabe muito bem quanto o aborreo. Hugh torceu desagradavelmente o gesto na escurido. Mais lhe valeria morder a lngua, senhorita ameaou com um grunhido, abraando-a de novo grosseiramente porque logo ser minha, e poderei fazer com voc o que me agrade. Uma de suas mos deslizou pela garganta da moa at seus seios, que apertou com fora, como se quisesse rasgar o fino tecido do vestido. Mary retorceu entre os braos de seu primo, o detestando por hav-la tocado, engasgando de medo e asco ao pensar no que seria compartilhar o leito com ele. Hugh lhe tinha aguado a festa da mesma maneira que o fez em Invernes fazia j tanto tempo.

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No tome liberdades comigo, Hugh! Advertiu com os olhos exagerados pelo pnico ao que poderia lhe fazer, sozinhos como se encontravam nessa parte do jardim Ainda no estou casada com voc! No murmurou ele mas penso provar um pouco do que me espera. Ele pegou a boca aos lbios da jovem, machucando-a e separando-os com sua violenta lngua apesar de sua suave resistncia. Mary acreditava que ia morrer. Jamais um homem a tratara daquela maneira. Hugh afundou os dedos entre seus cabelos dourados e puxou deles cruelmente, lhe fazendo dano, e logo baixou a mo at o suti, rasgando com precipitao a seda violeta de seu vestido e descobrindo parcialmente um dos seios. Solte a senhorita! Mary e Hugh se voltaram, sobressaltados, e viram que um desconhecido, alto e com uma mscara de cetim negra, tinha irrompido sob a prgula. Mary estremeceu levemente, enquanto ajustava as partes rasgadas de seu vestido, pois a zombadora boca do intruso tinha uma cicatriz que lhe resultava familiar. MacBeth! S podia tratar-se dele. Que irnico resultava que seu inimigo a salvasse de um membro de seu cl. V-se daqui, senhor! ordenou Hugh friamente. No conhecia o estranho Isto no concerne a voc absolutamente. A moa minha prometida. Entregue a seu pesar, pelo visto. Hunter se fixou no olhar assustado de Mary, em seus lbios, machucados e inchados, e em seu vestido rasgado. Endureceu o gesto com fria mal dissimulada. Devia aterroriz-la aquele homem (um parente, sem dvida, posto que os Carmichael estivessem acostumados a casar-se entre si) para preferir

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ocultar a identidade de Hunter a enfrentar de novo a ss com seu prometido. Seu prometido! A ira de Hunter aumentou. Jamais permitiria que pertencesse a outro. Era dele! De Hunter! Tinha jurado que algum dia seria dele! No podia tolerar que outro homem fosse seu dono! Repito; deixe a senhorita, senhor. E se me nego? Hugh entreabriu seus negros olhos e apoiou uma mo sobre o punho de sua espada. A tenso se apalpava na noite. Mary podia quase perceber o fedor a morte que, com sua frieza, impregnava os jardins do rei. Sua alma cheira a morte. Morte! No permita que me toque. Frio. Que frio faz. E quantas lgrimas. Quantas tumbas. Hunter ps-se a rir burlonamente, rompendo o fio de seus morbosos pensamentos. Se estivesse em seu lugar, cuidar-me-ia de provocar uma briga nos jardins do rei, j que no sabe se sou amigo ou inimigo do soberano. Hugh avermelhou de ira por um instante e rodeou fortemente com os dedos sua arma enquanto escrutinava seu inimigo. Em outra ocasio, ento resmungou, apertando os dentes, pois no desejava que lhe impusessem uma sano ou que lhe metessem no crcere, o que ocorreria se o intruso era, em efeito, amigo do rei. Hunter fez um gesto afirmativo com a cabea, e Mary sentiu uma vez mais que o frio sepulcral se apoderava de todo seu corpo. Nesse momento, Hugh se voltou para ela com um sorriso depreciativo nos lbios. Estarei a aguardando pela manh, quando no tiver nenhum cavalheiro mascarado para a defender.

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Quando esteve retirado, ela estremeceu e, com cautela, comeou a afastar-se de Hunter, notando como a intensidade de seu dio pugnava desesperadamente contra o magnetismo com que a atraa aquele homem. Por que me defendeu MacBeth? Suas palavras romperam o silncio que os envolvia. Com ar fanfarro, aproximou-se dela at aprision-la contra o tronco de uma rvore, apoiando as mos nos lados para evitar que escapasse. Mary sentiu o roce de seu quente flego sobre sua pele e ouviu sua voz rouca na escurido. Porque voc me pertence. Jurei que nenhum homem a tocar, enquanto eu no tenha dado boa conta de voc. Ainda tem dvidas? Mary notou que acelerava o corao e formava um n na garganta. Entretanto, fez proviso de valor e disse incisivamente: Palavras muito audazes, senhor, da boca de um homem ao que se golpeia com tanta facilidade. Sim, levo sua marca, certo. Hugh tocou a cicatriz que tinha na comissura dos lbios Mas, mesmo assim, f-la-ei minha, e nem seus conjuros podero me impedir isso. Mary ficou petrificada. Como podia saber o que tentou fazer? Seus brilhantes olhos violetas pareceram lhe atravessar a alma. Era certo! Estava maldito! MacBeth posou a mo na garganta da moa, que estremeceu violentamente. Destroar-me-ia se pudesse verdade, tigresa? Tire as mos de cima! Mary tentou escapar dele. Assombrosamente, ele obedeceu. Quando se casar? perguntou com aspereza.

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No sei respondeu ela com franqueza. A pergunta a tinha surpreendido. Ento apertou os lbios e acrescentou Hugh no me informou a respeito. Agarrando-a pelo queixo, Hunter aproximou bruscamente o rosto de Mary a seu prprio rosto e, com um gil movimento, arrancou-lhe a mscara de cor ameixa que levava. Enfeitiou-me, senhorita Carmichael sussurrou antes de lhe roar os lbios com um tosco beijo Por voc, sou capaz de a matar, j sabe. E ento desapareceu entre os pinheiros.

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Captulo 9
O grande prado do palcio de Holyrood estava abarrotado no dia do torneio que o rei organizava todos os veres. Os vistosos pavilhes dos senhores e cavalheiros que tinham que participar das justas formava uma fileira em um dos lados da esplanada; seus estandartes ondeavam brandamente ao vento. Mary distinguiu a tenda de seu pai com facilidade quando se sentou junto Joanna e Alinor em um dos bancos dos degraus que foram instalados para o pblico ao outro lado do estdio. Lorde Magnus levava j uma semana no palcio preparando-se para o acontecimento anual, e sua filha seguia negando-se a v-lo e rechaando as mensagens cheias de splicas que enviava a seus aposentos palacianos. seu pai, Mary a repreendeu Joanna com suavidade, profundamente doda pela brecha que se abriu entre as duas pessoas a quem mais queria no mundo. Comportou-se como meu pai quando me entregou a Hugh Carmichael? Estava cheio de vinho. Estava to bbado mal pde estampar sua assinatura nos documentos que selaram meu destino replicou com amargura. Joanna a deixou sozinha silenciosamente, compreendendo que seria intil acrescentar algo mais. A moa se fixou na direo do olhar de Mary. Lorde Magnus se sentiria honrado de levar seu objeto no torneio disse docemente com a esperana de que fizesse conta. Mary apertou os lbios com firmeza e desviou a vista. Joanna suspirou e agarrou as mos sobre o colo em um gesto de impotncia. Mary, mais

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rgida que uma vara, piscou para reprimir as lgrimas que ameaavam alterar sua aparncia de tranquilidade. A dor que lhe causara a traio de seu pai era muito profunda, e a ferida no sanaria com facilidade. Ela tinha exigido que lhe dissessem a verdade, e a haviam dito. Agora recordava a conversa, afogando os soluos de raiva que lhe atendiam garganta. Vim assim que pude Mary. Queria chegar antes que Hugh lhe desse a notcia pessoalmente. Jesus! Com que suficincia lhe ter comunicado isso, pavoneando-se como um galo de briga. Mary olhou fixamente seu irmo, enquanto este mexia

descuidadamente seu alvoroado cabelo loiro; desde pequena sabia que aquele gesto evidenciava sua preocupao. No tua culpa, Gordie disse no sem considerao De todas as formas, fiquei aniquilada. Sigo sem entender por que meu pai atuou assim. Sabe perfeitamente a averso que me inspira Hugh Carmichael. Zanguei-lhe de algum jeito, irmo, at o ponto de lhe impulsionar a dar minha mo a algum to desprezvel como meu primo? Gordon foi incapaz de olhar sua irm aos olhos. No murmurou com humildade. Ento, por que o fez, Gordie? H certos assuntos, irm, que melhor no falar. No, irmo. No trate de me ocultar verdade. Quero saber se existir alguma possibilidade de anular este matrimnio no desejado. Oh, Mary, querida irm. Gordon se ajoelhou ante ela A verdade s vezes uma semente amarga, tambm para voc quebrou-lhe a voz. Segue irmo! Mary se sentiu repentinamente alarmada Est doente nosso pai? Apropriou-se dele algum tipo de loucura? Oh, senhor,

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acaso perdeu a honra e a fazenda por culpa de alguma dvida que desconheo? No. Gordon meneou a cabea Oxal fosse essa minha resposta, porque ento meus lbios responderiam de boa vontade. Pelos pregos de Cristo, irm, estava bbado! Isso tudo! Bbado! A moa ficou aturdida, como se algum lhe atirasse um duro golpe Est dizendo que, sem mediar considerao alguma, minha felicidade se foi ao traste durante uma bebedeira de vinho? Sim respondeu Gordon com amargura. Lamento, irm, seriamente, mas assim foi como ocorreu. Mary se levantou e se aproximou lentamente janela de seus aposentos com um n na garganta. Olhou os jardins do palcio, mas seus olhos no viram nada porque estavam arrasados de lgrimas. At aquele momento, ela considerava Magnus seu deus, e a Bailekair, seu cu; alimentou-se do calor que desprendia a figura de seu pai, mostrando a mesma adorao que sentiria ante um altar. Acabou-se! disse-se nitidamente Acabou-se! Muito pouco tinha que quer-la Magnus se a havia mal vendido a altas horas de uma noite de farra a algum que ela aborrecia. E Bailekair. Em alguma fantasia infantil, se convenceu de que jamais o abandonaria, negando-se a confrontar o fato de que chegaria o dia em que deveria faz-lo. Entretanto, assim que deixasse a corte, Dndereen se converteria em seu lar, e Alinor viveria no lugar em que ela sempre tinha pensado passar o resto de seus dias. Charlie e sua esposa chegaram, ento, ainda sufocados depois do galanteio que talvez se permitiram em algum afastado canto do castelo. Alinor duvidava entre impedir seu marido de dar uma surra em Hugh ou consolar Mary.

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No, Charlie. Apesar da dor que a transpassava, Mary compreendeu a situao em que se encontrava sua cunhada No estou disposta a que passe no calabouo os poucos dias de licena que lhe concedeu lorde Simon. Basta basta com que permanea a meu lado quando vier Hugh. Ento dirigiu a seus dois irmos um olhar suplicante No consintam que me toque! Joanna, que amava Gordon Carmichael, mas ignorava que este no se casaria com uma moa de classe humilde como ela, tremeu ao pensar no que seria compartilhar o leito com outro homem. Inclinou-se sobre seu bordado e sentiu que a pena que lhe inspirava Mary lhe atravessava o corao. Mary retornou ao presente quando viu que sua me, que se achava umas filas mais atrs, olhava-a com uma fria expresso de satisfao. Saudou-a com um gesto que no passou de ser um sinal de cortesia, pois sabia que a notcia de suas prximas bodas tinha alegrado muito lady Margaret. Mary no suportava a suficincia com que se comportava.

Lady Margaret sempre favorecia Hugh porque sabia que era to sem escrpulos como ela e sua ambio podia lhe resultar proveitosa. Graas aos dois, Ian alcanaria o poder, e ela, lady Margaret, reinaria em Bailekair. Hugh contrara essa dvida com ela. No fora ela quem verteu a droga no vinho de Magnus aquela noite, consciente de que rechaaria a proposta de Hugh, inclusive estando brio? Sim, tinha-o feito tal como Hugh lhe pediu. Desse modo ele conseguiu a cadela dourada que tanto desejava, e lady Margaret obteve a garantia de que brindaria seu apoio a Ian para apoderar-se de Bailekair. A condessa sorriu malevolamente. Mary

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era estpida. Depois das bodas, Bailekair lhe pertenceria, e ela no demoraria em desfazer-se de sua filha e seu marido. Lady Margaret se voltou, cheia de uma maliciosa satisfao, para dar uma olhada ltima amante do rei.

As cores, prpura e azul, do estandarte do cl Carmichael ressaltavam orgulhosamente sob o cu estival, face leve neblina cinza que havia aquele dia. Mary viu que Edward se apressava a ajudar seu pai, enquanto Gordon atendia o tio Thomas. Ian e Hugh seguravam como facilmente podiam o cavalo de guerra sobre o que tio Gilchrist tentava montar; Andrew e Harold observavam com ansiedade como tio Walter tratava de dominar seu corcel, que no deixava de cabriolar. Ouviam-se gritos procedentes das diversas tendas, enquanto outros homens corriam a ajudar seus respectivos senhores. Em um pavilho com um estandarte de raias laranja e amarelas, um senhor foi lanado no ar, quando seu escudeiro perdeu o controle do semental ao que tentava acalmar. O senhor caiu ao cho com um rudo surdo, at que segundos mais tarde j se encontrava em p, golpeando o escudeiro na cabea. Mais frente, diante de uma tenda sobre a que ondeava uma bandeirola de cor vinho, o caos se apropriou da situao: dois pajens se esforavam por levantar a viseira ao elmo que levava seu senhor. Estava presa, provavelmente oxidada pela falta de cuidado, por isso o pobre senhor dava voltas enlouquecido pugnando por tirar a placa de metal que lhe cobria a cara. Mary no pde evitar rir a gargalhadas ante a cena.

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Por fim, os juzes do torneio fizeram um sinal ao rei para lhe indicar que tudo estava disposto, e James deu a ordem para que comeassem as justas. O conde de Huntly e o conde de Angus anunciou o arauto em voz alta entre a gritaria. A primeira justa era s uma formalidade e, como todo mundo sabia que nenhum dos cavaleiros seria derrubado do cavalo, poucas pessoas prestaram ateno ao campo de batalha. Os dois homens fizeram trs passes ao longo da barreira de madeira que os separava e logo se retiraram do campo. O conde de Huntly permaneceu montado, pois ele era o campeo do rei e se reclamaria sua presena para enfrentar a qualquer que decidisse desafiar ao paladino real. O conde de Angus, em troca, desmontou, tirou o capacete e se encaminhou para sua tenda apressadamente. O torneio continuava, e Mary e Joanna tiveram que se agasalhar com seus xales para se abrigar do persistente frio que traziam a umidade e a brisa. Alinor bocejou. O conde de Angus amigo do filho do rei, o jovem Jamie, ou ao menos isso se diz sussurrou a esposa de Charlie, inclinando-se. No deixava de fofocar sobre cada um dos opositores, algo ao que Mary fazia caso omisso, muito absorta em sua tristeza para prestar ateno. O conde de Bailekair e o senhor Gawain Campbell. O conde de Bailekair tinha pouco mais de quarenta anos. Tratava-se de um homem tranquilo e irrefletido, igual ao mais jovem de seus filhos, Converse, e media mais de metro oitenta. Tinha um corpo to fornido como o de um gigante e uma juba loira que o fez famoso em toda Esccia. O leo de Bailekair, chamavam-lhe. Seus olhos possuam o intenso tom

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da lavanda que identificava o cl Carmichael e, embora por sua culpa muitas moas bonitas lhe gastavam brincadeiras, permitiam-lhe julgar facilmente o carter de um homem. Aquele era seu principal mrito, posto que o conde atacasse quanto empreendia com total franqueza e honestidade. Deslizar-se sigilosamente por um corredor s escuras para esfaquear algum pelas costas no era sua forma de lutar e, em um lugar em que essa era a soluo mais habitual a que recorriam os senhores para dirimir suas disputas, podia afirmar-se que o senhor Magnus tinha conseguido sobreviver usando to somente a sua perspiccia e a vontade divina. No se mostrava cruel de forma intencional, at que seu sentido de honra estava profundamente enraizado e se a justia lhe dizia que um servo devia ser castigado ou executado, Magnus se encolhia de ombros e consumava a pena, convencido de que assim tinha que ser. Ignorava as pessoas por quem sentia averso em to no se interpor em seu caminho, enquanto que demonstrava a quem queria seu carinho de uma maneira to generosa como irrefletida, do mesmo modo que jogava a seus sabujos os restos de comida quando acabava de jantar. Apreciado pela maioria dos homens, respeitado por todos por ser fiel a sua palavra, o conde era uma pessoa com quem podia contar-se em momentos de necessidade, quando se precisava a ajuda de um amigo. Ele era o primeiro senhor que reunia um exrcito e seguia o rei, se o soberano ordenava a seus senhores participar da batalha. Como o temerrio Charlie, adorava intervir em uma boa briga, tanto se esta formava parte de um jogo como se tratava de uma luta a morte. Por essa razo agora exibia um sorriso de orelha a orelha, enquanto se equilibrava sobre seu competidor lana em riste.

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Na segunda volta, Magnus desarmou seu inimigo e se voltou para onde se encontrava Mary com um olhar de orgulho e espera. Ela, entretanto, no aplaudiu como os outros, manifestando assim seu desdm para a vitria de seu pai. O conde deu a volta, abatido. Seu comportamento foi cruel, Mary censurou zangada, Joanna, que pelo geral conservava a serenidade. Mary no replicou, mas teve a cortesia de ruborizar-se, dando assim a entender que se sentia culpada.

O arauto anunciou dois nomes mais. O senhor Hunter MacBeth subiu agilmente cadeira enquanto observava com olhos entreabertos aos dois homens que se encontravam nesse momento no campo. Nenhum deles valia muito. Quando viu a absoluta estupidez e falta de percia com que os cavalheiros tratavam de derrubar um ao outro, soltou um bufido depreciativo. melhor competidor, irmo, que os que esto oferecendo este triste espetculo? perguntou Cadman jovialmente, sem deixar de vigiar o inquieto cavalo de Hunter. No me entra na cabea como qualquer dos dois conseguiu sobreviver a uma s batalha para chegar justa de hoje comentou Hunter com tom depreciativo. A aposta ser de pouco valor, se to seguro estiver de suas habilidades O que apostamos desta vez, Cadman? Meus lucros contra os seus a que sou eu quem coroa a rainha do torneio.

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Sabia! resmungou Hunter Meu Deus, outra vez no, irmo. A ltima moa que escolheu poderia passar por uma vaca em plena luz do dia, e as damas a quem ofendeu com sua brincadeira indignaram tanto os homens de seus cls que salvamos a pele de milagre. Que exagerado , Hunter. Quo nico fizeram foi nos lanar uma chuva de tomates podres. Sim; alm disso, danificaram minha melhor capa. Bom o que importa? Cadman se encolheu de ombros, sorrindo malevolamente Acaso no lhe consegui uma nova? Venha, prometo-o que desta vez me levarei bem. O que diz ao da aposta? Digo-lhe que o lamentar, quando ficar com o contedo de sua bolsa. Hunter ps-se a rir, antes de esporear Craigor para que se dirigisse ao campo.

Mary se voltou. Era sua imaginao ou acabava de encapotar o cu? Enganavam-na seus olhos, ou era certo que a neblina tinha comeado de repente a formar redemoinho como se ameaasse tormenta? Era s a fugaz sombra projetada por um estandarte ou a cpula de uma fantasmal igreja o que via atrs do homem que, com gesto zombador, estava montado, arrogante e orgulhosamente, a lombo de um semental de cor branca plida no outro extremo da esplanada? Perguntou-se se apresentaria. Hunter, como se notasse que o estava observando, olhou-a da outra ponta do estdio. Mary mal distinguiu as aceradas profundidades de seus olhos; s vislumbrou um esboo de seu sorriso malicioso antes que ele se cobrisse com o elmo e derrubasse seu competidor. Por voc sou capaz de lhe matar, j sabe.

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No momento em que aquelas palavras ressonavam em sua memria, a Mary lhe ocorreu uma ideia da que lady Margaret se orgulharia. Provocaria que MacBeth e seu primo Hugh se enfrentassem. Ambos eram bons guerreiros e acabariam um com o outro. Quando tudo tivesse terminado, Mary teria se liberado definitivamente dos dois: do inimigo que a perseguia em sonhos e de seu prometido, a quem aborrecia. Recostou-se no assento com um leve sorriso nos lbios, como sua me.

As justas concluram. Anunciaram-se os nomes dos ganhadores, que recolheram seus trofus. O senhor Hunter MacBeth tinha acumulado a maior quantidade de pontos da jornada, por isso lhe concedia a honra de coroar a rainha do torneio, que presidiria o do dia seguinte ao lado do rei. Cada uma das moas que se achavam no camarote de Mary riram dissimuladamente, inclinando-se para mostrar seus encantos, com a esperana de ser a afortunada. O arauto explicou ento que entregaria uma bolsa de moedas de ouro e uma grinalda de flores dama agraciada e que o senhor Hunter MacBeth receberia um beijo da moa que escolhesse para tal honra. Bem, Hunter disse Cadman, colocando-se ao lado de seu parente, enquanto seu semental de cor castanha se encabritava ante a proximidade do cavalo de Hunter Temo que hoje me venceu Dito o qual, jogou-lhe a bolsa de seus lucros com um sorriso melanclico. Hunter apanhou sem dificuldade a bolsa de malha e ps-se a rir. Talvez o incentivo que tive fosse mais forte que o seu, irmo. A que se refere? No vi a nenhuma moa encantada lhe dar um objeto para desejar boa sorte, e isso que o estdio est repleto de formosuras.

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S h uma que me chama a ateno. Diga-me quem Hunter, para me assegurar de que no vais coroar a uma vaca to feia como a que eu agarrei em Glasgow brincando. No nenhuma vaca, a no ser uma tigresa dourada que se burla de mim com sua insolncia. Uma tigresa dourada No, Hunter, no seja estpido! J era muito tarde.

Mary no tinha podido ouvir as palavras que trocaram os dois homens, mas o corao deu um tombo, quando viu, enojada, que MacBeth percorria o estdio com o olhar e conduzia seu cavalo para seu camarote. De repente, teve uma terrvel premonio sobre quem seria a afortunada beneficiria da grinalda de flores. Atacou-a o pnico, e se tivesse podido, sairia correndo; mas estava sentada na primeira fila, e as demais mulheres se apinharam na parte dianteira, obstruindo a sada, por isso no ficou mais remdio que permanecer onde estava aferrada desesperadamente ao corrimo do camarote, enquanto via como Hunter cavalgava para ela com um olhar desafiador cravado nos olhos dela. Pelos pregos de Cristo! No se atreveria a faz-lo aquele homem! Entretanto, no momento em que se negava a acredit-lo, persuadiu-se de que o faria. E efetivamente o fez: aproximou seu semental branco ao corrimo e lhe jogou a grinalda de flores sobre o colo. Ela fechou os olhos, aturdida, enquanto um clamor de pasmo e regozijo surgia entre os espectadores do estdio. Toda Esccia conhecia o dio existente entre os Carmichael e os MacBeth, e muitos dos presentes foram testemunhas da cena entre Hunter e Mary no baile devotado no palcio do rei. Depois da exclamao inicial, o murmrio de vozes

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emocionadas pelas conjeturas, a espera e a curiosidade, foi aumentando de volume. Os membros do cl Carmichael ficaram olhando, gelados pela comoo e o escndalo que supunha que um inimigo tomasse aquela liberdade, que ousasse daquela maneira pretender filha do chefe. Por sua parte, os membros do cl MacBeth sussurravam a respeito da sade mental de seu parente e observavam com inquietao lorde Angus, que parecia uma fria. Inclusive o rei, que por uma vez estava sbrio, fez gesto de levantar-se de seu assento, indeciso, cauteloso. A situao, de todos os modos, parecia lhe divertir. Um silncio mortal reinou no estdio. At que Mary no elevou a vista e viu Hugh, vermelho de ira, no se deu conta de que MacBeth lhe brindava uma ocasio de ouro para realizar seu plano. Estava segura de que ningum poderia culp-la das consequncias. Rechaar a grinalda de flores e, portanto, o lugar da rainha ao lado do soberano durante o torneio do dia seguinte representaria um claro insulto ao monarca. Vacilante, a moa se levantou de seu assento para agarrar a coroa de flores, com olhos piscando, consciente de seu prprio atrevimento. Com dedos trmulos tirou o bicudo hennin da cabea e colocou o trofu do torneio no lugar que lhe correspondia. Um rugido de espera ressonou por todo o campo. Bravo, senhorita disse Hunter com voz baixa em sinal de aprovao. Posou uma mo nas douradas mechas que cobriam o leve corpo de Mary como se fosse seu amante e com a outra a agarrou pelo queixo, pressionando com fora a tenra carne com a manopla, disposto a obter sua recompensa. Levantou-lhe o aveludado queixo e aproximou seu bronzeado rosto aos lbios antes que ela pudesse dar-se conta de quais

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eram suas intenes. Mary afogou um grito: o MacBeth tinha a boca, com sua cicatriz e seu gesto zombador, a s uns centmetros da sua. Aquilo no foi um rpido roce como o que lhe tinha dado nos jardins do rei. No, foi um beijo spero e insistente, um ataque com a lngua, que se abriu espao violentamente entre seus lbios e entrou como um tiro no interior de sua suave boca. A moa lutou freneticamente, pois no tinha suspeitado que chegasse to longe; entretanto, ele era muito forte para ela. Os lbios da moa no demoraram em ressentir-se, dodos pela incomum e aterradora excitao, acesos, vidos da boca dele, que seguia beijando-a, apesar do perigo que aquilo supunha. A cabea dava voltas a Mary, incapaz de conter-se. Suas mos pareciam cobrar vontade prpria e se elevaram para afundar-se no abundante cabelo de cor mogno do MacBeth, para lhe atrair, a ele, a seu inimigo, para si. Mary no ouviu o grito de raiva que proferiu Hugh nem o uivo de desespero de Edward. No tinha tempo para nenhum dos dois. Tinham deixado de existir no momento em que se rendeu aos invasores, abrasadores lbios de Hunter e uma onda de novas sensaes despertou em sua carne. No mais que um beijo!, pensou fora de si. E, entretanto, intua que nenhum homem voltaria a provoc-la daquela maneira, a acender em seus tenros lbios aquela paixo que tudo consumia e que era arrancado de seu palpitante corao, do mais fundo de sua prpria alma. Hunter e ela, o caador e a presa, estavam apanhados em um fogo que eles mesmos acenderam. Mary, hipnotizada, cravou o olhar naqueles olhos violetas que tanto se pareciam com os seus e se inundou em suas profundidades, sem prestar ateno neblina cinza que os envolvia como se fosse um sudrio, como se fosse a sombra do que estava por vir, nem

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ao feito de que os dois cls, o Carmichael e o MacBeth, estavam aproximando-se para separ-los, como sempre os separariam. Nem por um fugaz momento, lhe passou pela cabea que seu corao comeava a subir por um acidentado caminho do que no poderia retornar em sua vida, um atalho que lhe seria impossvel abandonar, enquanto no subisse seu ltimo e doloroso lance, que lhe privaria da tranquilidade, at que alcanasse o topo do escarpado penhasco em que terminava. Embora chegasse ao final daquele caminho, seguiria esforando-se por avanar at o cu. Quo nico Mary sabia naquele momento era que desejava aquele homem, seu inimigo, com a selvagem paixo que ele avivava em seu interior. At o dia de sua morte, Hunter MacBeth caminharia a seu lado, compartilharia o leito com ela, viveria em sua alma dourada como uma escura sima de desejo. Sim, embora jamais voltasse a v-lo, ainda a acompanharia enquanto recordasse o sabor e o roce de sua dura e exigente lngua. Estremeceu com violncia na nvoa. Aquele homem era seu inimigo mortal! Aquele homem era o inferno que tinha visto em sonhos! Estava condenada! Condenada ao fogo eterno que fervia em seu prprio sangue! O que tenho feito? O que tenho feito? gemeu com suavidade. Encanto, encanto sussurrou Hunter ao ouvido com voz rouca. Ainda tinha as mos enredadas em sua larga juba dourada quando, lentamente, separou-se dela com olhos cintilantes de desejo lhe mostrando sua boca, vida de beijos. No disse Mary com voz entrecortada, enquanto tocava os lbios, que ainda lhe abrasavam.

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Sim, Sua voz soou cortante como um ltego Agora minha, tigresa, para sempre. Assim est escrito. A lenda estava escrita nas estrelas antes de meus tempos. No! repetiu ela. Quando ouviu o mordaz insulto que saiu dos lbios da moa, a expresso de desejo que ele tinha no rosto se permutou em um olhar de fria. Est sonhando, MacBeth? espetou Que a peste o leve, senhor! E ento jogou a coroa de flores ao cho.

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Captulo 10

Desonrados! Os Carmichael foram expulsos do palcio desonrados! No importava que os MacBeth tivessem a mesma sorte; o terrvel era a clera do rei contra os Carmichael. E Mary era a culpada! Oh, conseguiria esquecer o som de sua prpria voz ao pronunciar aquelas terrveis palavras? Est sonhando, MacBeth? Que a peste o leve, senhor! Que outra coisa podia fazer? Ela era uma Carmichael, e Hunter um MacBeth, e os dois cls eram inimigos de toda a vida. Era uma loucura recordar o roce daqueles lbios zombadores sobre os seus! Pelo amor de Deus, ele lutou como um demnio quando os Carmichael o atacaram. Ento intervieram os membros dos MacBeth que foram ao torneio. Se anos atrs se comportaram como uns covardes no campo de batalha, tinham deixado de s-lo. S a participao dos homens de armas do rei impediu que a refrega acabasse em uma matana. Ordenou aos dois cls que entregassem as armas, e quem se negara foram presos e encerrados no calabouo. Hugh e Ian ainda se encontravam na priso do rei. Que zangados deviam estar! Bom, ao menos essa parte do plano de Mary funcionou. Seguro que Hugh estaria totalmente decidido a matar MacBeth. A Mary, estranhava, entretanto, que a ideia no a alegrasse e que seu corao no sentisse mais que saudade pelo homem a quem desprezou e insultou. Assim, Mary abandonou o palcio de Holyrood, no como a orgulhosa e emocionada moa que franqueou seus muros sonhando com os

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esplendorosos cavalheiros que conheceria, mas sim como uma frvola e imprudente mulher que se ps em ridculo durante o torneio do rei; uma mulher que j se converteu no tema das canes que entoavam os poetas errantes; cujo nome estava em boca de todos nos botequins da cidade, e cuja personalidade era objeto das fofocas e as risadas das damas da corte. Certamente o bufo do rei tambm teria alguma piada verde protagonizada por ela! Mary se ergueu orgulhosamente, quando as portas de Edimburgo se fecharam com estrpito atrs dela, embora no por isso se sentiu menos desgraada. Ento jurou que, se voltava a ver MacBeth em alguma ocasio, ela mesma se encarregaria de mat-lo.

Mas voc sabia que era uma dos Carmichael! Cadman MacBeth olhou com perplexidade seu irmo de adoo, enquanto cavalgavam em direo a casa Por amor de Deus, Hunter, essa moa o enfeitiou, srio. Sem dvida, sabia que os membros de seu cl no permaneceriam quietos enquanto saboreava sua boca. Hunter se encolheu de ombros. J lhe disse isso. Eu gosto dessa moa. Se pudesse, possu-la-ia. Mas est louco, irmo? J nos causou muitos problemas hoje. Poderemos nos considerar afortunados, se nos permitem aparecer de novo pela corte. Lorde Angus pedir que lhe cortem a cabea e a exibam em uma bandeja pelo que fez hoje, j ver vaticinou Cadman, sombriamente E a minha tambm, por seguir cavalgando com voc, quando nos ordenou expressamente que nos detivssemos. Sempre posso retornar a Torra nam Sian reps Hunter, como se no lhe importasse absolutamente o que fizesse seu senhor Deixe-me

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que lhe diga algo, Cadman: sinto um comicho na virilha que no se aliviar at que possua essa bruxa. Por amor de Deus, Hunter! Por que no desafoga sua luxria de animal em zelo nos botequins? H um sem-fim de moas bem dispostas na Esccia. Essa Carmichael no diferente delas! No, equivoca-se. Nota-se que no viu esse precioso rosto, esses olhos violetas Oh, esses olhos! No sabe como me obcecam, irmo. A tigresa dourada vale mais que toda Esccia. Cadman teve um ligeiro pressentimento, ao ouvir aquelas palavras. O que tem podre, Hunter, no a virilha, a no ser o crebro espetou com aspereza E por que insiste em cham-la a tigresa dourada? No eu no gosto. Se tiver que dizer a verdade, ignoro-o. Por que me pergunta isso? Pelo amor de Deus! H membros de nosso cl que acreditam que est maldito, que se benzem quando passa a seu lado, e mesmo assim me pergunta isso! Conhece a lenda to bem como eu, Hunter. Ela a filha do leo, no assim?

Da virilha do leo uma tigresa dourada saltar.

Sim, mas apesar de tudo a possuirei. Embora acabe comigo, ser minha, com lenda ou sem ela, pois entre ns existe algo que no se deve, no se pode negar Jesus, irmo sussurrou Cadman, percebendo a dor que se ocultava atrs das palavras de seu parente Apaixonou-se pela moa? Hunter entreabriu seus olhos violetas e se negou a responder a pergunta que tinha formulado seu irmo de adoo.

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um estpido resmungou Cadman Isso terminar mal.

As estaes passaram. O vero concluiu e o outono que o seguiu tingiu as rvores das Terras Altas de matizes dourados e avermelhados. Ento, chegou o inverno, com seu branco flego de nvoa. A gelada comeou a endurecer-se e aumentar de grossura sobre o cho, e as montanhas foi cobrindo-se de neve. Os Carmichael e os MacBeth se encerravam em seus respectivos castelos espera que o rei ocupasse sua mente com questes de maior interesse que seu problema. Para conservar suas terras, estabeleceu-se que cada cl pagaria uma sano de vinte e cinco mil marcos pelas agresses em que incorreram o dia do torneio. No calabouo, Ian e Hugh passavam as largas noites jogando jogo de dados, bebendo e conspirando.

Era o dia de So Andrs, o patrono da Esccia. Durante toda a semana que tinha dedicado aos preparativos da festividade, lady Margaret esteve de mau humor, e mais de uma pobre criada lhe tinham saltado as lgrimas aps receber um bom soco por cometer algum engano sem importncia. Na cozinha, os serventes trabalhavam denodadamente durante largas horas para preparar os haggis da festa de inverno. Sacrificaram-se vinte vacas e trinta ovelhas, e seus coraes e fgados foram sangrados cuidadosamente; logo tinham posto os corpos a ferver em umas tinas enormes, deixando que as traqueias pendurassem pelos lados para que soltassem as impurezas. Feito isto, tirou-se a pele dos dois rgos vitais e vrias partes do intestino para pic-los e condiment-los com aveia, sal e pimenta. A carne era embutida nos estmagos dos animais junto com uma mescla de sebo, cebolas e molho para fazer um cozido espesso, ao que se

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acrescentou um pouco de vinagre para lhe dar sabor. Ento, se tinham costurado as tripas dos animais e posto a ferver a fogo lento durante vrias horas. Os cozinheiros tinham a precauo de utilizar dois revestimentos para a mescla, porque se algum dos estmagos tinha uma parte magra, acabaria por arrebentar durante o fervor e estragaria toda a comida. Tambm tinha se preparado het pint, com cerveja, usque, acar e ovo; e cerveja de urze, uma bebida que se fazia com brotos de urze fervidos e gengibre, calda de acar, lpulo e levedura. Havia alm vrios tonis de vinho tinto. O gado foi tirado o palanque para albergar nos estbulos aos homens de armas que acompanhariam a quo convidados fossem a Bailekair para a festividade. Os aposentos vazios dos andares superiores da torre principal, em que se alojariam os visitantes mais importantes, eram abertos para que se arejassem. Embora j houvesse poetas no castelo, chamou-se a vrios histries de Invernes para a ocasio. Mary viu praticar alguns deles no ptio do castelo. Havia malabaristas e acrobatas, bailarinos e bufes. No se regulou nem um xelim nos espetculos, j que lady Margaret tinha aberto seu punho de ferro o suficiente para que umas quantas moedas conseguissem escapar, embora s o fizesse porque Ian e Hugh foram liberados e viajariam a Bailekair para a celebrao. Mary deixou escapar um suspiro. Apesar de todos os preparativos, a festa no resultava alegre. Durante o banquete se falava de uma rebelio contra o soberano, e tanto Hugh como Ian, que estavam corrente das ltimas notcias e se pavoneavam disso, juravam em voz alta que o rei estava tentando conseguir as importantes rendas de Coldingham, uma propriedade do cl Home, para seu uso pessoal. Alm disso, asseguravam

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os dois jovens, os clebres Hepburn decidiram apoiar os Home, o que estava originando conflitos nas terras fronteirias. Falo a srio afirmou Ian O ano que vem, se no antes, estalar uma guerra civil. O cl Carmichael deve resolver em que bando lutar. Eu opino que no temos que combater por um rei que nos expulsou de sua corte e encerrou a mim e a Ian no calabouo exclamou Hugh, zangado. Mas se trata de nosso rei e lhe juramos lealdade. Lorde Thomas, alterado, olhou seu filho maior com o cenho franzido Alm disso, que dvida temos com os senhores das terras fronteirias? Nenhuma! interveio lorde Gilchrist, que pela primeira vez enfrentava seus dois filhos de adoo favoritos Por amor de Deus! Os fronteirios chamam aos das Terras Altas pagos e selvagens. Em uma ocasio, em Edimburgo, um deles me disse isso cara, embora logo me encarregasse de que pagasse pelo insulto Recordem que o cl Carmichael sempre foi leal a seus reis afirmou lorde Magnus com voz calma Por que teria que ser diferente desta vez? Acredito que estamos nos precipitando um pouco neste assunto. James ps o olho a uma propriedade em mais de uma ocasio e nunca aconteceu nada. possvel que nem chegue a produzir uma rebelio. Mas, Magnus Mary se levantou da mesa, incapaz de seguir ouvindo a discusso, tremendo levemente ante a ideia da guerra. Por muito dano que lhe causasse, no queria ver seu pai morto (nem seus irmos). Bom, talvez Magnus estivesse certo; possivelmente nada ocorreria. Talvez James voltasse a sumir em um de seus perodos de meditao e se esqueceria das propriedades de seus senhores.

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Subiu s muralhas do castelo, piscando para desprender as gotinhas de nvoa que se aferravam tenazmente a suas pestanas. Abaixo, Alinor e Charlie brincavam, perseguindo um ao outro. Animada a risada de Alinor chegou flutuando onde ela se encontrava, e por alguma razo aquela alegria lhe produziu tristeza. De pouca felicidade desfrutaria ela em seu matrimnio, pensou. Oh, Deus! Por que Hugh, pai? As brilhantes estrelas que salpicavam o cu semeavam confusos esboos na lonjura, como o eram as cpulas de Glenkirk quando Mary voltou a vista para sua torre. De maneira inconsciente, a moa levou a mo aos lbios; ainda lhe queimavam quando pensava no beijo que lhe deu MacBeth. Acelerava-lhe o corao com a lembrana. Desejo-lhe admitiu com amargura meu inimigo e, no obstante, desejo-lhe. Esse demnio arrogante me enfeitiou! Deveria lhe haver matado quando tive a oportunidade. Mary? A moa se voltou. Edward se encontrava a seu lado. Em seus profundos olhos azuis se percebia uma expresso de doura. Havia lhe trazido sua capa. Vi-a sair e pensei que necessitaria disto. Estendeu-lhe o objeto Faz frio ultimamente. Sim. Mary agarrou a capa, agradecida Logo a neve cobrir os campos e as montanhas. Estendeu uma mo e lhe mostrou sua mida palma A nvoa j comeou a gelar-se. Edward se aproximou de Mary. Deus! Aquela moa lhe destroava o corao. Se ao menos pudesse reunir o valor necessrio para articular as palavras que se amontoavam em seus lbios, palavras de amor, de desolao, de esperana de que, de algum modo, pudesse impedir que se

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consumasse o matrimnio da jovem com seu irmo de adoo, Hugh. Entretanto, deu-se conta uma vez mais de que no podia lhe falar de semelhantes coisas. Como podia lhe dizer que a amava, quando estava comprometida com outro homem? Tinha-a perdido antes de ter sequer a oportunidade de declarar-se. Minha ninfa de cabelos dourados pensou com tristeza Hugh esmagar sua alma de forma irreparvel. Edward soltou um suspiro de impotncia e permaneceu silencioso junto bela figura de Mary, ofegante, sempre ofegante.

Os guardas no detiveram Mary, quando, com os olhos brilhantes como facas violeta, ordenou-lhes secamente que levantassem o restelo e saiu pelo porto de ferro de Bailekair. Se estranharam que no a acompanhasse nenhum homem de armas, no lhes ocorreu perguntarlhe. O castelo estava bem vigiado, e no correria perigo se no se afastasse muito das muralhas. Alm disso, era bem conhecida sua afeio a cavalgar sozinha, por isso as sentinelas se encolheram de ombros e baixaram o restelo. O frio vento aoitava Mary sem piedade, e a gelada chuva que tinha comeado a cair golpeava com ferocidade. Entretanto, a crueldade dos elementos lhe resultava agradvel, e ela queria cavalgar, desembaraar-se da inquietao, a ansiedade e o desespero que a atormentava. A candelria! Sua boda se celebraria na candelria! Dentro de apenas trs meses se converteria na esposa de Hugh Carmichael! Seu pai j o disse. Logo deixaria de ser livre de cavalgar pelos pramos gelados com a cabeleira ao ar! Seria a esposa de Hugh, e Dndereen, no Bailekair, seria seu lar. Mary estremeceu, recordando como Hugh a devorara com aqueles olhos famintos no dia de So Andrs e reclamara seus lbios com sua boca

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possessiva e desdenhosa aquela mesma manh antes de retornar a Leabaidh ao Nathair. Gordon e Charlie ficaram petrificados, impotentes, enquanto seu primo lhe punha o anel de compromisso no dedo. Seus irmos a compadeciam, mas o que podiam fazer? Magnus entregou sua mo a Hugh, e eles no podiam enfrentar seu pai. Oh, se ao menos Mary no desse as costas ao conde com tanta crueldade, se no perdesse a pacincia aquela manh, talvez Magnus a escutaria, quando lhe rogou que a liberasse do compromisso, acaso lhe teria persuadido de que a unio era um engano. Mas ao seu pai ofendeu a frieza com que Mary o tratara, e a ira que ela mostrou como resultado daquilo no tinha servido mais que para enfurec-lo. Bbado! Estava bbado quando assinou o compromisso que me unia a Hugh Carmichael! E no tente me dizer agora que foi uma estranha letargia o que lhe aturdiu a cabea! Estava como uma Cuba e me entregou a um homem sem a menor considerao! No, filha, as coisas no foram assim Que vergonha, senhor! No s voc um bbado, mas tambm, alm disso, um mentiroso. Meu Deus! tinha rugido Magnus, vermelho de ira por sua rabugice Tenho merecido isso por permitir que lhe eduquem como a seus irmos. Esquece o posto que lhe corresponde como mulher. Deveria lhe obrigar a que se dedicasse costura em lugar de escutar suas engambelaes. Bom, j no importa. No penso voltar a perder um minuto de sono por voc, senhorita. Hugh se casar com voc. No sei como, mas lhe dei minha palavra, de modo que o assunto est resolvido. Virgem Santa! Tinha-a chamado senhorita, como se no a conhecesse. Teria preferido que a esbofeteasse a que se dirigisse a ela

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com semelhante frieza, a que se mostrasse to distante. Oh, como podia haver brigado com seu pai daquele modo? E por culpa de Hugh! Hugh, a quem Mary se sentia incapaz de amar; Hugh, esse cruel valento que a forou a entrar na tenda do monstro durante a feira de Invernes, o bruto que a fez vomitar no cho. Mary esfregou seu rosto sobre a negra crina de Desmond para jogar as amargas lgrimas que brilhavam em seus olhos como o gelo.

Dois homens de aspecto fornido chegaram ao topo de uma das colinas das Terras Altas. Os anos de combate imprimiram um profundo rastro em seus jovens, embora severos, rostos. O menor dos dois cavalgava um precioso corcel de cor castanha e cauda e crina de bano. Era alto e magro, e seus intensos olhos azuis refletiam seu bom humor. Um atrativo sorriso curvava seus lbios, enquanto acariciava a crina de seu cavalo, negra como os revoltos cachos do moo. Pelos pregos de Cristo, Hunter! D-se conta do que isto significa? Dois meses inteiros de liberdade e passar o Natal em Wynd Cheathaich! Cadman esteve a ponto de gritar de alegria. No esquea que temos que nos inteirar de qual a situao na corte, irmo recordou Hunter, com semblante grave Muito recentemente que James levantou a proibio de que apareamos no palcio. Angus teme que estale uma rebelio, e ns devemos averiguar se o rei ainda est zangado conosco pelo ocorrido durante o torneio. Ah. Cadman se encolheu de ombros com indiferena uma inimizade que perdura nas Terras Altas, e nenhum rei foi capaz de erradic-la. James conhece muito bem este tipo de assuntos. Alm disso, acaso no pagamos a sano que nos imps? Agora quer ganhar o favor

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daqueles a quem insultou. D-me a impresso que teme encontrar-se com uma adaga nas costelas, pois granjeou a antipatia de muitos de seus senhores. De todos os modos, David estar a par das ltimas notcias. A menos que a situao esteja pior do que pensamos, nem sequer precisar que nos aproximemos de Edimburgo. Hunter assentiu com a cabea, pois sabia que David MacDonald era uma pessoa de confiana e que lhes diria a verdade. Alm disso, no era aconselhvel entrar em Edimburgo. Quo nico conseguiriam seria que lhes prendessem e encerrassem no calabouo. Com o trapaceiro que era James, podia lhe ocorrer voltar a convidar a corte aos sditos que expulsara para lhes estender uma emboscada. O rei confiava agora em muito poucas pessoas, e mais de um monarca conseguia manter-se no trono graas aos estranhos desaparecimentos de seus adversrios. Hunter deixou escapar um suspiro. Bom, no danifiquemos nossas frias. Hunter sorriu a seu irmo de adoo, consciente de que, depois dos meses de confinamento em Glenkirk, Cadman ansiava que chegassem as festividades. Tal era o castigo que lhe tinha imposto Angus por desobedecer a uma ordem direta do chefe do cl MacBeth. Hunter, por sua parte, passou vrias semanas no calabouo do castelo por seu insensato comportamento o dia do torneio (Para expulsar o demnio que o h possudo, disse Angus). Logo tinha que percorrer pessoalmente os distintos castelos para cobrar, com grande desgosto por sua parte, a sano imposta pelo rei. No resultou agradvel sofrer as infmias e os frios sermes que lhe dirigiam seus parentes, enquanto procuravam nos sporrans as moedas que tinham que dar. Hunter saa de cada castelo com uma incmoda sensao de culpa e vergonha, algo que, sem nenhum

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escrpulo, acrescentava a crescente lista de satisfaes que pensava exigir a Mary Carmichael. Podia considerar-se afortunado de que Angus no o tivesse aoitado, alm disso! Disseram-me que para o Natal David celebrar em Wynd Cheathaich um banquete digno de um rei comentou com ar distrado. Virgem Santa! E a quem lhe importa a comida? disse Cadman com um sorriso O que eu quero uma cama quente, uma moa bem disposta com quem me derrubar e uma garrafa de vinho para apagar logo a sede. Eu prefiro a cerveja, e para mim s existe uma moa. Hunter voltou a franzir o cenho enquanto pensava nas semanas que passou nos braos de uma prostituta, sonhando com uns cabelos dourados e uns olhos violetas como os seus. Deus! Alguma vez se livraria daquela moa? Essa cadela acabar com voc! espetou Cadman sem a menor considerao, esquecendo-se rapidamente de seu bom humor ao ouvir o comentrio de seu irmo No lhe serviram de nada as semanas que passou apodrecendo no calabouo? Por Deus! Lorde Angus tem razo. Realmente h algo que o tem sorvido o miolo, Hunter. No h outra maneira de explicar sua obsesso por essa moa. A muito bruxa est a ponto de mat-lo, e mesmo assim nos desonras a todos na corte lhe pondo essa coroa na cabea. Hunter no se defendeu das acusaes de seu irmo. Tinha a vista fixa nos pramos das Terras Altas que se estendiam interminveis ante eles. Perdida na imensido, uma moa cavalgava sozinha. A Hunter, fez um n na garganta, pois, apesar da distncia que os separava, reconheceu sua larga cabeleira dourada ondeando no ar sobre a capa que cobria seu esbelto corpo como se fosse a vela de um grcil navio. Parecia quase como

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se estivesse ali porque ele o tivesse desejado, e por um instante pensou que no podia ser real. Jesus sussurrou Mas est louca? Nem a acompanha um moo de quadra. Hunter! No! exclamou Cadman, crispado, intuindo o desastre que se morava. Entretanto, seu irmo de adoo j tinha metido os calcanhares nos flancos de seu semental.

Posteriormente, at o dia de sua morte, Mary jamais conseguiria lembrar do momento exato em que se precaveu da presena dos dois homens que se encontravam no alto da colina aquela manh de inverno. Recordaria que Desmond se deteve, golpeando o gelado cho e soltando bufidos, e que um relincho procedente da colina lhe respondeu acompanhado de um dos selvagens gritos de combate das Terras Altas. Um MacBeth! Um MacBeth! Mary reconheceu o selvagem alarido em seguida. Aguou a vista e espiou o breacan vermelho e verde do cl. Sim, seus ouvidos no a enganavam. Aquele vistoso tartn pertencia aos odiados MacBeth, que se aproximava aonde ela se achava a toda velocidade. Resmungou ento um juramento. Tinha identificado o fantasmal cavalo de guerra; s havia um como ele em toda Esccia, e ela sabia quem era seu dono. Mary olhou ao redor com inquietao; estava completamente sozinha. Nem se vislumbravam dali as altas muralhas de Bailekair. Por Deus! Como no se deu conta de que se afastou tanto? Estava virtualmente em Mheadhoin, a aldeia da morte. Pareceu-lhe um mau pressgio. Por um fugaz instante, a moa evocou o beijo que lhe dera MacBeth aquele dia do torneio de vero do rei, e o desejo se estendeu por todo seu corpo como se fosse uma

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trilha de plvora. Entretanto, um instinto nascido do dio ancestral para seus inimigos a obrigou a dar bruscamente volta ao palafrn e fustig-lo com violncia. No ficava outro remdio; tinha que ser mais rpida que eles.

O poderoso corcel branco ganhava terreno rapidamente, esporeado pelas musculosas pernas de Hunter, que se assemelhavam a tenazes sobre o lombo da montaria. V que menina! Mary Carmichael montava to bem como um homem, e seu cavalo negro era to veloz como Craigor. De todas as formas, sabia que o pequeno animal no demoraria a cansar, pois seu delicado corpo estava feito para a velocidade, no para a distncia, enquanto que Craigor estava acostumado a correr muitos quilmetros suportando o peso de um homem provido com uma armadura. Segundos mais tarde, o semental de Hunter e o palafrn de Mary cavalgavam juntos, to prximos um do outro que a moa notava a presso da formao de espuma no cavalo de guerra contra suas pernas. A Hunter, no custou erguer-se para agarrar a brida de Desmond. Mais que v-lo, Mary sentiu como se aproximava sua negra figura, mostrando seus brilhantes dentes, que recordavam vagamente a Hugh. Com gesto zombador, Hunter ria do emocionante que lhe resultava a corrida. Os olhos de Mary lanavam fascas, fascas de raiva, medo e algo mais que no sabia definir. Furiosa, tratou de fustigar seu adversrio, que a agarrou sem olhar a mo que tinha levantado. Mary compreendeu que o tempo de espera chegou a seu fim. Solte-me bastardo, filho de cadela! exclamou, pugnando por livrarse dele Seria capaz de fazer mal a uma mulher indefesa?

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Eu no diria que esteja to indefesa, tigresa. replicou Hunter com semblante sombrio, ao tempo que lhe separava os dedos enluvados para lhe arrebatar o ltego J me golpeou com a vara em uma ocasio, senhorita, e no permitirei que volte a faz-lo. No, desta vez o matarei, MacBeth, e me assegurarei de faz-lo bem. Hunter a olhou de marco em marco, esboando um leve sorriso. A expresso de seus olhos de ametista permanecia imutvel. Sim, evidentemente se tratava de uma jovenzinha muito fogosa. Hunter conhecia muitas mulheres coquetes e afetadas que se jogaram a seus ps assim que ele o ordenava. Esta, em troca no; esta no resultaria to fcil. Menosprezava-o, desdenhava-o e ameaava o matar, embora lhe tremessem os lbios. Deveria manter a guarda alta, pois do contrrio, assim que desse a volta, cravaria-lhe uma adaga nas costas. Hunter apertou a pulso de Mary; desejava-a. Ela tremeu ao compreender o significado de seu olhar. Um dia ser minha, juro-o. Pelo sangue de Cristo! Seu inimigo ia possu-la ali mesmo, tal como tinha jurado, e ela no poderia fazer nada para impedi-lo! Oh, agora via as seguras muralhas de Bailekair, que se recortavam no horizonte. Por que tinha se afastado tanto de seu abrao protetor? Tentando conter os soluos que subiam pela garganta, Mary mordeu o lbio inferior com tal fora que fez sangrar e mal advertiu que se aproximava outro cavalheiro e que o MacBeth lhe soltava o pulso para voltar-se ao recm-chegado. Esfregou a parte ressentida com gesto ausente, sabendo que manh seguinte teria um hematoma.

Cadman olhou Hunter com frieza. Se tratasse de outra moa, teria desfrutado com a presa; esperado que seu irmo a violasse para for-la

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logo ele, e, depois, sem pensar duas vezes, haveriam a devolvido em troca de um resgate. Assim eram as coisas naqueles tempos. Entretanto, aquela bruxa era diferente. Apropriou-se da alma de Hunter de um modo estranho, um modo que lhe era totalmente desconhecido. Voltou a lhe percorrer o corpo o leve comicho que s podia pressagiar algo mau. Teria que queim-la na fogueira! Era a noiva do diabo! Oh, oxal seu irmo nunca se fixasse em semelhante cadela. Com um gesto de evidente desagrado, Cadman assinalou moa e disse com secura: J tem garota. Ter que assumir as consequncias. Agora vamos; j nos entretivemos bastante e estamos muito perto de Bailekair para meu gosto. Mary elevou a vista surpreendida por ouvir a voz, e Cadman viu por fim seu precioso rosto. As palavras de desaprovao que estava pronunciando comearam a extinguir-se em seus lbios, ao tempo que fazia um n na garganta. De repente, compreendia a insensata obsesso que Hunter sentia por ela. A moa possua uma formosura cativante, com aqueles grandes olhos violetas que se assemelhavam a uns tranquilos e frescos lagos no vero, aquelas delicadas feies, aquela generosa boca escarlate capaz de desenhar o sorriso mais bonito quando quisesse, tudo isso emoldurado por aquela cabeleira que parecia uma cascata de ouro puro. Meu Deus, o par ideal para ele, pensou Cadman de repente. Juntos pareciam uma guia disposta ao ataque e um arrogante cisne, um semental selvagem e um esquivo unicrnio, um gato monts e uma tigresa dourada Que Deus nos proteja, irmo sussurrou por que a lenda est viva. Vive em seus olhos malditos e nos da tigresa que tem ao lado. Oh,

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Hunter, solte imediatamente essa bruxa. No lhe causar mais que dor, srio. Mary estremeceu. Acredita que somos o casal de que fala a lenda. MacBeth e eu estamos malditos, unidos para o resto dos dias pelas crticas palavras de uma velha e malvada bruxa que leva quase cem anos na tumba. No pode ser certo! isto o que, contra minha vontade, me atrai meu inimigo? No! Impossvel! No pode ser! Lutarei contra meu adversrio e o demnio que habita em mim at expuls-lo! Do que est falando seu parente? De sombras? perguntou a MacBeth com tom zombador tolo acaso? E diz que lhe causarei dor? A morte o que encontraro assim que cheguem os homens de armas de Bailekair! Hunter segurou as rdeas do cavalo de Mary na sela de sua cadeira. Estava devorando-a com o olhar. Do mesmo modo que os membros de seu cl raptaram a nossa antepassada do castelo de Glenkirk, levaremos voc de Bailekair, tigresa dourada. Com lenda ou sem ela, a domarei, menina, antes que os plidos raios do sol iluminem o horizonte. Tigresa dourada a tinha chamado e assim a via Hunter: tinha os cabelos dourados e a tez como o mel, e assim que despisse seu trmulo corpo comprovaria que o resto de sua pele possua esse mesmo tom; estava seguro disso. Seus viosos seios subiam e baixavam rapidamente devido raiva e o medo que sentia; e seus encarnados lbios mostravam uma careta de dio e desprezo. O homem morria por beij-los uma vez mais, por enterrar a lngua entre aquelas suaves e trementes fontes de prazer, por percorrer aquela pele dourada com sua boca, por provar

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aqueles redondos casulos adolescentes que anunciavam j a maturidade, por acariciar a larga cabeleira loira e perder-se nela Covarde filho de cadela espetou ela, agarrando desesperadamente as rdeas. Retorceu-lhe as mos e a afastou sem dificuldade. Teria matado um homem por menos que isso disse com um desagradvel sorriso Mas me vingarei de voc de outra maneira, senhorita. Devorou-a lentamente com o olhar, deixando bem claro quais eram suas intenes E adorar, asseguro, tal como lhe prometi em uma ocasio. Pelo sangue de Cristo! Como se atreve, MacBeth? Meu pai os encontrar e acabar com ambos antes que caia tarde ameaou Mary, fazendo um gesto arrogante com a cabea Toda Esccia conhece a habilidade dos MacBeth no combate. Hunter sentiu vontade de dar-lhe um bofeto para lhe apagar o sorriso desdenhoso da boca. Ento poderia beij-la at que lhe rogasse clemncia, at que gritasse de prazer Tem uma lngua muito afiada e umas maneiras das mais insolentes, senhorita, mas no duvide de que me encarregarei de aplac-las muito em breve afirmou. Mary estremeceu uma vez mais. Embora as terras de Bailekair estivessem geladas, seus tremores no eram consequncia do frio.

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Captulo 11
Ao entardecer, a branca neve formava uma grossa capa sobre o campo. Os nus fresnos se assemelhavam a fileiras de soldados recortados sobre o cu cinza, com seus ramos em alto, como se estivessem de luto pela lenta morte que se assentava sobre todo o campo. Os cristalinos arroios que antes tinham cantado alegremente guardavam silncio, convertidos em placas de gelo que se assemelhavam a folhas de vidro. Os pedaos de gelo se incrustaram nos estreis arbustos e pendiam dos ramos das rvores, lanando brilhos titilantes que recordavam a fria tristeza das lgrimas de uma jovem moa. A Mary, batiam os dentes levemente. Olhou uma vez mais ao homem que a mantinha cativa e que apenas uma hora antes lhe devotara sua capa. Em um principio a tinha rechaado, pois no queria que seu inimigo lhe fizesse favor algum. No a conduzia a Glenkirk, como ela temeu em um primeiro momento, nem a nenhuma das propriedades dos MacBeth que ela conhecia. Quando se deu conta disso, todas as esperanas que tinha abrigado de ver-se liberada a sua sorte se desvaneceram. No se dirigiam para o oeste, a no ser para o sul, e a chuva, transformada agora em neve, tinha apagado j seus rastros. Estava cada vez mais assustada. medida que se afastavam de Bailekair e a tormenta aumentava formando redemoinhos ao redor, sua aparncia de valentia se desmoronava. Seria aquele homem capaz de

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mat-la? Ou se conformaria forando-a para logo exigir um resgate? A morte, ao menos, era um fim digno; o outro, em troca, Deus santo, o outro Estaria desonrada para o resto de seus dias. Mas ela queria viver. Contava s quinze anos, e a vida era muito valiosa. Acaso chegaria a seu fim antes de haver sequer comeado? Mary pensou em sua famlia, que certamente j lhe sentiria falta e teria enviado grupos de busca que estariam seguindo seu rastro. Entretanto, a neve caa com tal contundncia que os cansados cavalos tropeavam e escorregavam, e as rajadas de vento apagavam seus rastros assim que as imprimiam. A moa sabia que a perseguio empreendida pelos Carmichael resultaria infrutfera. Pensou em Joanna, que sem dvida estaria sentada em um tamborete de trs pernas no salo principal, amassada ante o fogo, esforando-se por bordar apesar das lgrimas que provavelmente arrasariam seus olhos, quando os homens de armas retornassem a casa sem sua senhorita. Pensou no passado; em Edward, durante a feira de Invernes, quando lhe comprou um bolo de cerejas. Se fechasse os olhos, Mary quase podia notar como escorria por seu queixo o morno suco vermelho. Recordou Gordon quando tratava de arrumar seu boneco Kirstin, depois de que Andrew e Harold esvaziassem a felpa que a preenchia, e Charlie, lhe estendendo um pedao de caramelo para afugentar as lgrimas que tinham ameaado brotar quando viu o espetculo formado pelas tripas da pobre Kirstin; evocou Ian e Hugh quando a encerraram em uma das tinas de gro da despensa; seu pai, rindo enquanto a balanava com seus fortes e protetores braos; sua me, caminhando com gesto srio pelos corredores do palcio, produzindo rudo com as chaves que penduravam de sua cintura; a muito bela Alinor, danando com seu marido em Eadar

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D Voe, e por fim Joanna, correndo pelo palcio de Holyrood a noite do baile de mscaras do rei. Voltaria a v-los? Oh, por que tinha se afastado tanto de Bailekair sem escolta? Oxal no se desgostasse tanto com seu pai Estpida! Estpida!, chamou-se pela dcima vez desde que foi capturada. Ao menos Hugh era seu primo, um membro de sua famlia. Em troca, o homem que a tinha prendido era um inimigo declarado que no pronunciaria nenhum juramento que lhe legitimasse a compartilhar o leito com ela. Mary voltou a olh-lo. Devia admitir que era realmente atrativo. Pelo menos se economizaria a humilhao de deitar-se com um inculto caipira. De fato, se o MacBeth no fosse seu inimigo, ela poderia Jesus! Mas no que estava pensando? Sem dvida, a fadiga provocava que seu crebro lhe jogasse brincadeiras. Aonde me leva MacBeth? perguntou para conter a onda de confusos pensamentos que iam a sua mente e romper o silncio sepulcral que guardavam da azeda discusso que mantiveram com motivo da capa. Tenho nome prprio, senhorita. Hunter franziu o cenho sombriamente. Embora no desejava voltar a encetar-se em uma rixa com ela, estava decidido a domin-la Eu gostaria que o empregasse. No penso tratar voc como um amigo, MacBeth. A moa mordeu o lbio em um gesto de obstinao Nem consentir que me trate da mesma maneira. Hunter suspirou. Insiste em me provocar, moa. Tenho direito de saber aonde me levam disse Mary, fazendo caso omisso ao gesto de irritao do homem.

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A Wynd Cheathaich, uma das fortificaes do cl MacDonald. Est satisfeita agora? Mary afastou a vista sem responder. MacDonald Pouco a ajudariam naquele lugar. Os MacDonald no eram amigos dos Carmichael e estavam aparentados com os MacBeth. Deve ter frio, pensou Mary, quando voltou a lanar um olhar ao homem que a capturou. Entretanto, no era essa a impresso que ele dava, reconheceu, enquanto se agasalhava com a capa de Hunter e encontrava um perverso prazer no limpo aroma de homem que dela emanava. Ento estremeceu. Aquela mesma noite os braos do MacBeth a rodeariam da mesma maneira que a capa a abrigava nesse momento. A moa voltou a perguntar-se se no haveria alguma forma de escapar dele e da sorte que lhe preparava. O castelo de Wynd Cheathaich era de cor cinza piarra e estava envolto pela nvoa, por isso produzia a impresso de estar rodeado por uma aurola. As tochas que penduravam das muralhas despediam brilhos nebulosos e vacilantes atravs dos abundantes flocos de neve. Mary sentiu um ligeiro alvio, quando o viu aparecer ante ela, porque estava realmente intumescida e destemperada depois das largas horas que tinha passado a lombo de Desmond. Entretanto, no pde evitar comear a tremer. No queria nem imaginar o que lhe aguardava atrs daqueles muros. Quando Cadman teve dado seus nomes, a sentinela baixou a ponte levadia e elevou o restelo, e os trs cruzaram o fosso gelado e passaram ao palanque da fortificao. A seguir franquearam a torre de entrada e chegaram ao ptio do castelo. Hunter ajudou Mary a desmontar do cavalo. Estava to dura que, se no fosse por ele, cairia ao cho. Contudo,

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separou-se do homem como se houvesse sentido uma descarga. Hunter ps-se a rir brandamente na escurido. Depois desta noite, adorar estar em meus braos, senhorita prometeu com voz baixa. A moa voltou a estremecer, furtando os olhos a seu olhar. Uma vez no salo principal do castelo, se aproximou um homem de aspecto grave, cabelo loiro prateado e olhos azuis. Hunter, Cadman. O conde de Wynd Cheathaich lhes estendeu a mo em sinal de bem-vinda to tarde que pensava que no chegariam esta noite. Deveriam haver refugiado em alguma estalagem. No era necessria tanta pressa com esta neve. Est aumentando, David explicou Hunter, enquanto lhe estreitava afetuosamente a mo Cadman e eu consideramos que era melhor chegar a Wynd Cheathaich esta mesma noite, porque se o tempo continua assim, talvez tivssemos dificuldades para reatar a viagem. Sim, tem razo conveio David MacDonald, ao tempo que franzia o cenho. Uma corrente de vento assobiou sinistramente pelo salo nesse instante, e as tochas que penduravam dos muros iniciaram uma estranha dana, agitadas pela repentina rajada de vento. O conde saudou ento Cadman e se voltou de novo para Hunter arqueando uma sobrancelha interrogativamente e olhando Mary de soslaio. Apresento-lhe senhorita Mary Carmichael disse Hunter Minha minha prisioneira. Mary acreditou que era normal que soubesse seu nome de batismo, mas lhe surpreendeu ouvir-lhe. Hunter jamais a chamara assim. E que melodioso soava em seus lbios; seu nome parecia rodar em sua lngua:

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Mary. Oh, se ao menos o tivesse pronunciado um homem que a amasse, um homem a quem ela amasse. A filha do leo? perguntava MacDonald, quando ela retornou, sobressaltada, realidade. H quem chama assim a meu pai, senhor respondeu ela, endurecendo o semblante com arrogncia enquanto ele se fixava em sua desarrumada imagem No posso me desculpar por meu aspecto, senhor, j que no se deve a meu descuido justificou friamente Seus parentes me tomaram prisioneira esta manh, e o trajeto foi longo e penoso. No o duvido replicou David com suavidade Envergonho-me de hav-la recebido neste frio salo quando provavelmente estar intumescida, cansada e faminta. Por favor, me acompanhe. No me ajudar pensou Mary com angstia enquanto seguia o conde at uma pequena estadia Leu em seus olhos. Pensou que o MacBeth me capturou conforme o direito que lhe concedem as antigas, e tcitas leis que regem as inimizades nas Terras Altas. No tem inteno de intervir. Ningum o faria. Oh, Deus, o que posso fazer? Na estadia havia uma lareira acesa. A moa se aproximou dela agradecida, deixando a capa de Hunter e a sua em uma cadeira e tirando as luvas para estender as mos sobre o acolhedor fogo. Edith. David chamava a governanta Traga um pouco de comida para nossos convidados, um pouco de cerveja e uma garrafa de brandy. Bem acrescentou voltando para onde se achavam Hunter e Cadman sentem-se, sentem-se. Como se encontra lorde Angus? Bem. Lembranas de sua parte. Hunter tirou de seu espartilho as mensagens que tinham sido confiadas ao seu cuidado.

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E sua irm Grace, Cadman? Est bem? perguntou, tomando os manuscritos selados. Sim, est mais bela que nunca respondeu Cadman, ruborizando-se levemente enquanto estendia as pernas. David esteve a ponto de casar-se com Grace, e Cadman sabia que o conde ainda a amava. Ao que parece tm previsto ficar, uma temporada. MacDonald deu uns golpezinhos nos pergaminhos que acabava de ler. No queria que Cadman se sentisse incmodo.

Seguiram conversando durante uns minutos at que Edith retornou, acompanhada de duas mulheres, para servir a comida aos convidados, pois no castelo jantou fazia j um bom momento. Mary se havia aconchegado perto do fogo, fingindo no prestar ateno aos trs homens, embora no deixou de observ-los com grande ateno luz das velas. Concluiu que MacDonald devia estar solteiro, porque do contrrio sua mulher j se reuniria com eles. De todas as formas, no parecia, por quanto nas estadias do conde no havia nenhuma bolinha de p, nenhuma tocha que cheirasse mal. David MacDonald era um homem diligente e meticuloso. De altura e constituio mdia, a Mary, recordava ligeiramente seu primo Edward, embora no era frgil como ele. Tinha as mas do rosto proeminentes, o nariz reto e bicudo, os lbios finos e o olhar resolvido. Seus azuis olhos eram claros, diferente dos de Cadman, que eram escuros, os de Edward, que eram intensos, ou os de Ian, que eram frios. Parecia o reflexo do cu sobre um lago em calma. Quo nico subtraa seriedade a seu rosto era seu cabelo alvoroado, loiro prateado, que caa sobre a testa de modo que tinha que afast-lo continuamente dos olhos.

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De repente, Mary pensou que seria um bom espio, sem saber quo perto tinha estado de acertar.

Embora tivesse vinte e quatro anos, quo mesmos Cadman, David MacDonald aparentava mais idade. Fez-se cargo do condado aos quinze, depois da morte de seu pai no campo de batalha. Como vrios membros de seu cl se confabularam para lhe arrebatar a herana, viu-se obrigado a aprender rapidamente a sobreviver. Os MacDonald eram uma famlia grande e poderosa, e embora o vnculo que lhes unia se revelava muito forte em presena de estranhos, a dissenso e a avareza eram comuns no seio do cl. De todos os modos, os vassalos do pai se mostraram leais ao moo, impedindo desse modo que triunfassem os planos de lhe tirar a vida e as terras. No transcurso dos anos, David fortalecia sua aliana com o rei a fim de encher-lhe a bolsa e consolidar suas defesas. Tinha espies e assassinos repartidos por toda Esccia que lhe informavam dos movimentos de seus inimigos e eliminava os mais perigosos quando era necessrio. No obstante, apesar de sua crueldade, era um homem honrado e leal a quem considerava seus amigos. Hunter e Cadman MacBeth se contavam entre tais pessoas. David franziu o cenho, quando fixou o olhar na moa que Hunter havia trazido aquela noite. Se no se equivocava, James no teria o menor interesse em repreender aos MacBeth por hav-la raptado no caso de que os Carmichael lhe pedissem que interviesse no assunto. Entretanto, estes no tolerariam que o sequestro ficasse impune. Por muito amigo que fosse de Hunter e Cadman, preferia que partissem antes que o leo de Bailekair descobrisse o paradeiro de sua filha. Do contrrio, teria que

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enfrentar ao dilema de entregar moa ou ver como sitiavam seu castelo, e aquela era uma deciso que no desejava ter que tomar.

O membro do cl MacBeth que acompanhava Hunter, Cadman, era um homem endemoniadamente bonito. Seu atrativo no respondia beleza masculina, viril, de seu irmo de adoo, a no ser ao encanto de um adolescente. De todos os modos, parecia-se muito a Hunter, posto que ambos tivessem a mandbula angulosa e a boca carnuda, embora as comissuras dos lbios de Cadman no estavam sulcados pelas profundas rugas que caracterizavam s de seu irmo, nem seus olhos estavam rasgados pelas finas dobras que tinha Hunter nos extremos dos seus. Qualquer marca que o passar do tempo imprimisse em Cadman se devia risada, embora Mary adivinhasse no mais fundo de seu olhar uma sombra de tristeza. Recordava-lhe um pouco a seu irmo Charlie, embora suspeitasse que tivesse a sensibilidade de Gordon. A Joanna gostaria, pensou ociosamente, para repreender-se com severidade a seguir por acreditar que sua donzela pudesse chegar a expor-se jamais em entregar seus favores a um inimigo. Finalmente estava Hunter, seu captor. Como se parecia com um gato monts, o smbolo do cl MacBeth! Pausado, espreitando, perigoso. Sim, dos trs homens, ele era quem parecia mais imprevisvel e, portanto, o adversrio mais temvel. Mary pensou que certamente MacDonald se ocuparia de seus assuntos de noite, com sigilo, e se possvel em um corredor s escuras. Cadman, como Charlie, lanar-se-ia de cabea, temerariamente, ao campo de batalha. Hunter, em troca, estudaria seu inimigo com minuciosidade pasmosa, terrvel, e, aproveitando um ponto dbil, atiraria o golpe fatal no momento mais inesperado.

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Mary desviou o olhar e no voltou a fixar neles at que Hunter se levantou para lhe oferecer uma taa de brandy. Venha, coma algo animou com voz suave. No tenho fome mentiu ela, que no tinha comido nada em todo o dia. Entretanto, aceitou o licor sem protestar. Puxou-lhe pelo cabelo, ainda mido pela neve, e a obrigou a levantar a cabea. Se me desprezar na presena de nosso anfitrio, acabar pagando-o. No me toque! Odeio-o! espetou Mary, confusa uma vez mais pelo tremor que lhe percorria todo o corpo cada vez que o MacBeth a tocava. Hunter curvou os lbios lentamente e esboou um sorriso sarcstico, embora seu olhar permanecesse imutvel. Convir-lhe-ia recordar que minha prisioneira advertiu Entretanto, agrada-me observar que alberga algum sentimento para minha pessoa, por mais que se trate de dio. Ao menos, no lhe sou indiferente: dava-me conta disso, quando me beijou o dia do torneio, tigresa. Mary conteve a respirao. De repente, com um gesto de cumplicidade, o homem comeou a despi-la com seu clido olhar. Tinha-o adivinhado! Tinha sabido como lhe afetou o beijo que lhe dera! Ela mordeu o lbio e se avermelhou como uma ma de vergonha. Deus! O MacBeth no ignorava que a paixo invadiu seu corpo no momento em que posou sua boca sobre a dela. Mas o que acreditou? Que ela, no fundo, desejava-o? A verdade, a terrvel verdade era que uma parte dela sim que o desejava. Algo incontrolvel em seu interior reagia ante a presena daquele homem de uma maneira que ela no podia dominar. MacBeth ps-se a rir com gesto zombador ao ver como se debatia.

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Sim, notei os batimentos do seu corao contra meu peito e o tremor de seu corpo entre meus braos disse cruamente quo mesmo notarei esta noite. Mary agarrou de forma instintiva a pequena adaga que tinha pendurada do cinturo e apertou o punho tremulamente. Antes o matarei! Srio? perguntou Hunter enquanto observava a pequena faca Sim, temo que fale a srio. Em tal caso, pedirei a nosso anfitrio que, se me encontrarem morto em meus aposentos, entregue-a a seus homens de armas para que se divirtam e que, quando acabarem, queimem-na na fogueira. Ser uma morte apropriada para a bruxa que me enfeitiou resmungou, encolhendo-se de ombros com indiferena. Ao ver que ela no respondia, sorriu uma vez mais e se afastou. Mary se sentiu atendida pela fria garra do medo, ao perguntar-se se MacBeth seria capaz de cumprir aquela ruim ameaa. Nesse momento, seu estmago comeou a grunhir sonoramente. Por que no aceitou a comida que lhe devotaram? Tinha sido uma estupidez no faz-lo. No podia morrer de fome. Alm disso, tinha que fazer proviso de foras se pretendia escapar. Com um resolvido gesto de desafio, aproximou-se da mesa e se sentou junto a MacBeth, que, sem dizer nada, serviu-lhe um prato. Mary agarrou a faca e comeou a comer com avidez. Observou a pequena adaga com ateno, enquanto cortava uma parte de carne quente que introduziu na boca com rapidez; chupou a gordura dos dedos, perguntando-se se realmente poderia apunhalar e matar seu raptor com aquele objeto. Deixou escapar um suspiro e concluiu que a folha era muito pequena para resultar letal. Um gato monts um animal perigoso, quando est ferido. Mary tremeu ao pens-lo e ento

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se precaveu de que MacBeth a contemplava com ar reflexivo, como se adivinhasse seus pensamentos. Ao ver seus olhos brilhantes, ela afastou a vista. Assim, James j perdoou o incidente da corte disse Cadman naquele momento. Sim confirmou David No foi mais que uma desculpa para tirar mais dinheiro dos senhores. Comentaram-me que o divertiu o assunto. De todos os modos, passar muito tempo antes que desse torneio se esquea disse entre risadas. De repente adotou um tom srio a maldita ambio o que impulsionou o rei desentender-se de sua inimizade. O mais provvel que nem lhes censure por raptar a moa. Em minha opinio, James acabar cavando sua prpria tumba se continua roubando seus senhores. Nas fronteiras, se apalpa a inquietao a consequncia de tantos rumores e enredos a altas horas da noite. Patrick Hepburn est sedento de poder. Tomem cuidado, meus amigos; no faam nenhum juramento que lhes encadeie ao rei, nem nenhuma promessa que logo no possam romper. As pessoas de honra jamais rompem suas promessas sentenciou Mary com tom desdenhoso, interrompendo o silncio que tinha seguido advertncia de MacDonald Embora seja sabido que os MacBeth no so pessoas de honra. Ao ouvir o insulto, Hunter entreabriu os olhos, e Cadman sufocou uma exclamao. David os observou dissimuladamente. As pessoas inteligentes formulam suas promessas de tal forma que logo no tenham que as quebrar, senhorita disse Hunter com voz baixa. A moa se perguntou se seria o brandy o que a tinha animado a lhe

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provocar daquela maneira Em troca, as estpidas e sem crnio, como os Carmichael prosseguiu morrem sob os juramentos que as atam e to temerariamente tm feito; embora, claro est, morrem com honra. E voc acaso inteligente, senhor? mofou-se ela. Se quiser a resposta, senhorita, no tem mais que perguntar-se quem de ns dois foi capturado esta manh. Mary afastou bruscamente o prato e elevou a faca, sentindo-se de repente muito cansada, tanto fsica como psiquicamente. Ela era a prisioneira. Ele estava em condies de fazer com ela o que desejasse muito, sem que ela pudesse fazer nada para impedi-lo. Por que se deixou arrastar pelo mau humor e lhe aulou? Como reagiria ele? Pegar-lhe-ia por sua insolncia? No, intuiu como tinha previsto vingar-se dela; lia-o naqueles olhos cheios de desejo, no que prometiam seus carnudos lbios. Acabou j, senhorita? perguntou Hunter secamente. Ela assentiu com a cabea e olhou as mos, que descansavam sobre seu colo. Ento lhe sugiro que se retire. Dispe de meia hora, senhorita. David fez um sinal s duas criadas.

Por aqui, senhorita indicou uma delas em voz baixa, com um olhar de lstima. Na verdade os homens eram uns monstros! Acaso no advertiam quo assustada estava a moa? J pode nos deixar, Kirsty disse a outra mulher com tom brusco Eu me ocuparei da senhorita. Meu nome Agnes se apresentou amavelmente, voltando-se para Mary Acompanhe-me. Voc necessita de um bom banho quente.

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Mary a seguiu devagar. Para seu desespero, descobriu que na entrada da torre havia dois guardas postados, que ficaram firmes assim que a viram. Tinham-lhes ordenado que no permitissem sair a moa. Mary pensou que no havia forma de escapar e, com a resignao de uma condenada, seguiu cansadamente Agnes pelas largas escadas de caracol, fazendo votos por que sua morte fosse rpida. J chegamos. Agnes abriu uma porta que havia em um corredor escuro Oh, senhorita, no se preocupe! disse alarmada, quando viu que as lgrimas rodavam pelas bochechas de Mary Ouvi o que se falava a abaixo e j sei que no se encontra aqui por vontade prpria. Mas o senhor MacBeth um diabo encantador; no dos que a golpeariam ou a compartilhariam com outros. Mary sufocou um grito, ao ouvir a ltima frase que pronunciou a criada. No pensara nisso! Oh, sim, senhorita. Agnes interpretou com acerto o gesto de contrariedade da moa Alguns fariam isso e muito mais. H, se at ouvi comentar que tinham vendido uma pobre moa a uns piratas mouros por umas quantas moedas de prata. Anime-se, ento. O senhor MacBeth est prendado de voc. Oh, sim, vi como a olhava. Se me permitir que lhe d um conselho, senhorita, dir-lhe-ei uma coisa: mostre-se doce e tmida como uma cerva quando subir. Voc uma preciosidade, e no me cabe dvida de que conseguir o fazer danar ao som que voc toque, se souber ao que me refiro. Talvez inclusive queira casar-se com voc ao final. No seria a primeira vez que ocorre. J j estou comprometida. Alm disso, meu inimigo. Bom, pois uma lstima, porque o que a voc mais convm ficar com o senhor MacBeth.

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O que quer dizer? Agnes a olhou com compaixo. Bom, senhorita, inclusive se sua famlia paga o resgate, no estar pensando em voltar com ela depois de ser ultrajada? No a aceitaro, a menos que algum homem dita passar por cima sua vergonha e se case com voc. Ama-a seu noivo o suficiente para fazer isso? Mary negou com a cabea. No; no me ama absolutamente. Pois, ento, se as coisas no trocaram nas Terras Altas desde que eu era pequena, convocaro um conselho para decidir sua sorte. Se nenhum homem se oferecer para casar-se com voc, ser expulsa da famlia, e no lhe daro comida ou albergue em nenhum dos castelos do cl. E se ficar grvida do senhor MacBeth, o mais provvel que a matem. Mas, mas sou a filha de nosso chefe! Agnes a contemplou com tristeza. Ento a situao ser muito mais difcil para voc, senhorita, porque seu pai est obrigado por honra a trat-la com maior severidade. Se no se comportasse dessa maneira, o cl o consideraria dbil ou parcial, e sua reputao ficaria menosprezada. Mary recordou de repente que, quando era pequena, uma semana antes da feira de Invernes, tinha presenciado como seu pai cortava a mo a um de seus servos por roubar po. Ah, o que devo fazer hoje algo muito triste havia dito Magnus Este homem era bom, e eu me orgulhava de que fosse um dos meus. Mas tem que se fazer justia, filha. Assim so as coisas. Mary estremeceu. Seu pai se zangou com ela por culpa de Hugh. Agnes tinha razo! Magnus no a trataria com indulgncia se retornava a casa.

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Me de Deus, tenha piedade sussurrou O que posso fazer? Abra seu corao ao senhor MacBeth respondeu Agnes astutamente Suspeito que ele est disposto a lhe abrir o seu, a sua vez. Dito isto, fechou a porta silenciosamente atrs de si.

Querer banh-la senhorita? perguntou Kirsty a Agnes, quando esta entrou na cozinha. No, moa. Ser melhor deix-la s por agora.

Assim que a criada partiu, Mary abriu as venezianas do balco e saiu ameia. O vento era glido e parecia cortar como uma faca afiada. Quando apareceu e viu a distncia que a separava do cho, sentiu que a cabea comeava a dar voltas. Era uma morte segura. No seria o melhor? Que outra coisa podia fazer? Como se fosse para responder sua pergunta, Hunter entrou nesse momento em seus aposentos, avanando sigilosamente como uma pantera. Ao ver Mary, intuiu quais eram suas intenes e lhe fez um n na garganta. Realmente prefere a morte a estar comigo, tigresa? disse fingindo uma tranquilidade que no sentia, pois temia que fosse saltar a qualquer momento No a considerava to covarde. Hunter pronunciou aquelas palavras para lhe provocar, e assim o entendeu Mary, que deu meia volta e elevou o queixo em atitude desafiante. Como se atreve a me insultar desse modo? Voc, por cujas veias corre o sangue de seus canalhas antepassados, os quais fugiram envergonhados de Bailekair.

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Igual voc fugiria de mim, senhorita? Mary no tinha resposta para aquela pergunta. Hunter comeou ento a aproximar-se, e ela teve a sensao de que esteve aguardando aquele momento, de que levava toda sua vida esperando a que lhe aproximasse com aquele ar espreitado, com aquela elegncia felina. Era ao mesmo tempo o inimigo da realidade em que vivia e a figura que apareceu em seus sonhos e no conseguiu reconhecer. No penso em lhe suplicar decidiu desesperada Serei to valente como meu pai quando cavalga para o campo de batalha. No posso permitir que advirta quo assustada estou. Penso me defender, senhor! exclamou de repente Tenho que faz-lo! Entretanto, no momento em que pronunciou tais palavras, Mary compreendeu que eram inteis. O MacBeth era to alto e forte que acabaria fazendo com ela o que quisesse. Sim, tigresa, j sei disse ele com voz baixa, lhe dando a entender com o olhar que entendia a situao em que se achava. Moveu-se com tal rapidez que, a Mary, no deu tempo a reagir. Agarrou-a pelo pulso com a mo esquerda e a imobilizou nas costas e, quando ela se revolveu, a apertou at lhe arrancar uma careta de dor, obrigando-a a ficar quieta. Com a mo que tinha livre, Hunter lhe desabotoou o cinto de malha e o jogou no cho. Eu no gostaria de sentir o frio de seu ao, senhorita disse assinalando a adaga que pendurava do cinturo de ouro que acabava de lhe tirar. Continuando, rasgou o arascaid e a regata de um puxo e deixou moa com o torso nu. Mary reprimiu um grito e, tratando de cobrir-se,

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deu a volta para pr-se a correr. Hunter a deteve agarrando-a por sua larga cabeleira loira; ela perdeu o equilbrio e caiu sobre seus joelhos. Lutaram no cho at que ele conseguiu lhe segurar as mos sobre a cabea e, apoiando uma perna sobre suas coxas, inclinou-se para lhe tirar as botas. No gemeu Mary, ao sentir que o MacBeth se dispunha a lhe soltar a fita com que se seguravam as meias de seda. Entretanto, em questo de segundos ficou nua de corpo inteiro, exposta ao faminto olhar de Hunter. Contendo a respirao, Hunter devorou com os olhos aquela nudez, mais dourada luz do fogo do que tinha imaginado e a liberou para poder abra-la. Mary aproveitou a ocasio para lhe arranhar com fria a bochecha e as costas, mas ele, sem alterar-se, a jogou ao ombro e a estendeu na enorme cama que havia na estadia. Quando ela tentou incorporar-se, Hunter tirou sua adaga e a apertou contra a palpitante garganta da mulher. No me obrigue a utilizar isto, tigresa ameaou. Mary tragou saliva ao sentir o fio da adaga sobre sua pele. No queria morrer! Nesse preciso momento, quando soube que MacBeth estava a ponto de possu-la, o instinto de sobrevivncia lhe fechou as portas da escurido eterna. Seu inimigo venceu. Estava indefesa ante ele, indefesa como, por alguma razo, sempre soube que estaria. Adiante, me possua resmungou com raiva e que Deus lhe condene ao inferno por isso. Hunter a contemplou com ateno luz das velas, enquanto se despia. Os lbios da moa tremiam, e seus olhos de ametista estavam alagados em lgrimas. Pelos pregos de Cristo, que formosa era! E que aspecto to

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estranhamente vulnervel oferecia depois de hav-la despojado da roupa e hav-la feito abandonar sua anterior valentia. Bom, isso era o que tinha pretendido: envergonh-la. Entretanto enquanto devorava com o olhar seus seios, viosos e redondos; seu ventre, liso e frgil; suas coxas de um tom dourado plido com seu monte cacheado de um loiro levemente pardo, Hunter compreendeu que no desfrutaria do que se propunha fazer. Ento foi a sua mente a imagem que tinha guardado da primeira vez que a viu, to orgulhosa e arrogante apesar do medo que a atendia, como uma potranca selvagem, como uma tigresa dourada, que era como acabou chamando-a. Ao v-la agora, trmula ante ele como uma cerva, Hunter experimentou a mesma repugnncia que havia sentido a primeira vez que matou um cervo, a que lhe invadiu ao fixar-se naqueles olhos tristes e assustados que lhe olharam com lstima, antes de fechar-se definitivamente. Tinha ante ele uma mulher que valia a pena possuir, uma mulher que se defendeu em todo momento sem mais armas que seu apaixonado orgulho. Sim, tratava-se da mulher a quem poderia amar sempre, embora ela no o quisesse. Ento, de repente, cobrou uma tremenda importncia para ele que lhe desejasse tanto como ele a desejava. Estendeu-se na cama ao lado dela, sepultando no esquecimento qualquer ideia relacionada com uma violao rpida e selvagem. Trat-la-ei com delicadeza, moa prometeu, antes de lhe cobrir a boca com seus lbios. Mary se envergonhou ao notar que o beijo despertava em sua carne um profundo desejo, igual o beijo que ficou gravado em sua memria o dia do torneio. A lngua do MacBeth brincou por entre seus lbios, excitando-a, internando uma e outra vez na doura de sua boca,

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exercendo uma presso silenciosa que a fazia perder o sentido e avivava entre suas coxas uma dor amortecida que pouco a pouco ganhava em intensidade. Esmagando-a com todo seu corpo, Hunter se equilibrou sobre seus seios para acarici-los e retorcer os mamilos at deix-los duros e avermelhados. A moa soltou um gemido nascido no mais fundo de sua garganta. Aquilo no era o cruel e selvagem ataque que esperava. O que estava fazendo aquele homem? Hunter afundou a cabea no peito de Mary e lambeu os seios, sugando levemente suas rgidas pontas, enquanto deslizava uma mo entre as coxas da mulher, que imediatamente opuseram resistncia a aqueles dedos intrusos e inquisitivos. Ele comeou a esfreg-la ritmicamente, e Mary no demorou a notar sua prpria umidade na carne, a urgente incandescncia que aquela mo respirava entre suas coxas, enquanto abria passo com delicadeza entre seu plo cacheado, explorando aquilo que nenhum homem havia tocado jamais, acariciando a doce e sedosa palpitao de sua carne, fazendo-a sentir seu tremor com seus fortes dedos. Mary deixou escapar um suspiro de surpresa e prazer, ao que Hunter respondeu apoderando-se de novo de seus seios e saboreando com a lngua a aucarada umidade que sua mo tinha extrado. Ela se ruborizou e, sentindo uma estranha sacudida em seu ventre, fechou os olhos e fugiu a intimidade do momento. Hunter riu brandamente e enredou os dedos na cascata dourada de sua juba para abra-la uma vez mais e acessar com os lbios curva em que se unem o pescoo e o ombro. Mary estremeceu; um formigamento de prazer se apropriou de todo seu corpo, quando notou o contato da lngua masculina sobre aquele ponto sensvel. O mido roce descarregou ao longo de sua coluna uma onda de ccegas que anunciava o que estava por

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vir. Ento o quente flego de Hunter invadiu seu ouvido, sussurrando em roman palavras que ela no entendeu, para voltar uma vez mais a seus seios, atrasando-se nos pequenos casulos que destacavam como cerejas sobre a dourada palidez de seu seio. A lngua desceu pelo ventre da jovem, lhe abrasando a pele, desenhando pequenos crculos no lado e ao redor do umbigo antes de precipitar-se para esse monte pardo em que se achava o sedoso caminho que conduzia a sua feminilidade. Mary sentiu que em seu corpo prendia o fogo dos intrpidos lbios e inquietos dedos de Hunter, enquanto ele a abraava pelo quadril para baixar a cabea at o fofo ninho que se escondia entre suas coxas. No murmurou no; por favor. Mas a lngua dele j se encontrava ali, indagando, laboriosa, saboreando a limpa, almiscarada fragrncia de suas dobras inflamadas, que tremiam entre seus lbios. Sabia que tinha que o pegar, o arranhar uma vez mais, lhe fazer algo para deter aquela doce e selvagem tortura. Entretanto, deu-se conta de que no podia mover as mos; s podia as retorcer entre as dele enquanto desfrutava nas cruas sensaes que tinham apressado seu corpo. Notou que todo seu ser convulsionava lentamente, cobrando fora, intensificando-se at o extremo de lhe parecer que fosse explodir. E ento ocorreu; uma e outra vez, entre gemidos entrecortados compassados ao violento crescente do prazer. E, mesmo assim, ele no parou, mas sim a elevou at um novo xtase, um topo mais alto ainda, enquanto bebia o embriagador nctar de sua rosa e inalava a fragrncia de sua feminina exaltao. Renda-se tigresa! De repente Hunter se separou dela, ao tempo que seus olhos cintilavam fascas violetas, e arremeteu contra seus lbios uma vez mais Renda-se! sussurrou Diga que me deseja ou juro Por

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Deus que abandonarei esta cama para apagar minha sede com outra mulher! Levou-a at um desejo enlouquecedor e sabia. Mary ansiava o ter dentro de si e, instintivamente, procurou o xtase definitivo, consciente de que no se sentiria saciada at alcan-lo. Sim, maldito seja! Desejo-o! Voc me obrigou a desejar voc, condenado diabo! E, mais brandamente, acrescentou Rendo-me, sim, rendo-me. Notou que seu duro vrtice lhe roava a pele, procurando a luz do fogo. Ento sentiu uma intensa pontada de dor. Por fim, Hunter entrou triunfalmente nela e a penetrou com uma rpida sacudida que a deixou sem flego. Ela lanou um grito. Silncio, amor, a dor no durar murmurou ao ouvido com voz rouca. Ficou imvel em cima da moa, esperando que, tal como disse, a dor desaparecesse e Mary relaxasse entre seus braos. A seguir, comeou a mover-se em seu interior, deslizando-se, entrando e saindo de sua mida e aveludada concavidade, lentamente ao princpio, mais depressa depois, com fora, ganhando em profundidade, aumentando o prazer, investindo compassadas arremetidas que despertou uma vez mais em Mary o formigamento que tinha percorrido sua pele com antecedncia. Abraouse a ele com fora e sentiu seus msculos, tensos e convulsos, enquanto ele se mantinha sobre ela com seus poderosos membros. Mary cravou sem querer as unhas na pele do homem, levada por uma nova onda de sacudidas. Um instinto animal a obrigou a arquear-se para receber o golpe do feroz e irresistvel homem. Um sem-fim de sis explodiram de novo em

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seu interior e notou como o fluxo da fora vital de Hunter entrava em torrentes em seu interior. Beijou-lhe o rosto, o pescoo, os seios, enredou os dedos em sua dourada juba, agarrando-a para cobrir o pescoo com seus cachos. Quando afundou a cara na cascata de ouro, exalou um suspiro de prazer. Mary se sentiu vazia quando ele se afastou. Notou logo a presso do corpo de Hunter contra seu lado e o roce de sua pele, enquanto lhe abraava o pescoo e passava uma mo sobre seu ventre. No precisou perguntar, tal como fazem a maioria dos homens, se estava bem. Naquele momento ambos eram uma mesma pessoa, e Hunter a conhecia to bem como conhecia a si mesmo. Mary guardou silncio, abandonada s carcias dele, sem atrever-se a respirar enquanto esperava a que os acelerados pulsados de seu corao recuperassem o ritmo normal. Tinha-a desprendido de sua virgindade, ele, seu inimigo, e ela ao final o tinha desejado; talvez sempre o tivesse desejado. Vermelha como uma ma pela desonra, recordou as amalucadas e lascivas palavras com que o animou a seguir, suplicando que a possusse. Desonrou-me, senhor murmurou na escurido com os lbios trmulos. Comeou a pensar nas terrveis consequncias do que acabava de acontecer. Seria menor a desonra se fosse seu prometido o primeiro em a possuir? perguntou Hunter, olhando-a fixamente. No sei. No o ama? No respondeu Mary com franqueza. No o deseja? No.

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Mas a mim sim. Tomou o queixo barbaramente e a obrigou a olhlo, a lhe mostrar seus olhos ametistas Equivoco-me? Gritou quando ia deix-la. Responda, tigresa. A presso de seus dedos aumentou sobre seu queixo. Ao ver que ela se negava a responder, ps-se a rir, suave, burlonamente, e a soltou Comigo conheceu o prazer, tal como lhe disse. Isso no nenhuma desonra. meu inimigo! No, Mary, sou seu amante replicou com voz pastosa. Ento voltou a possu-la, e ela no ops resistncia. Entrou nela com brutalidade, com avidez, luz mortia das brasas que ficavam na fogueira, e ela aprendeu que o amor, com sua tenra ferocidade, tambm podia ser violento e selvagem.

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Captulo 12
Mary despertou, quando os cinzentos raios do amanhecer sulcavam o cu com seu brilho gelado. Sentia um frio intenso e, quando ao cabo de uns segundos se avivou, advertiu que Hunter j no jazia a seu lado para compartilhar com ela seu calor. Agasalhou-se com as mantas, aspirando fragrncia da masculinidade que ainda impregnava os lenis, e evocou vividamente o ocorrido durante a noite. Fiel a sua palavra, o MacBeth a tratou com delicadeza, o que a surpreendia, posto que tivesse figurado que a golpearia e violaria brutalmente. A lembrana da ternura que lhe dispensou no deixava de desconcert-la. Como possvel se perguntou que meu inimigo se comportou comigo com tanta gentileza e tenha conseguido me estremecer em corpo e alma do primeiro abrao? Possui algum poder, algum encantamento que desconheo com o que conseguiu me enfeitiar? Estava disposta a lhe desprezar, a lhe mostrar meu dio, mas assim que me tocou, a paixo me fez perder a razo. Meu corpo pedia a gritos o ter perto, e no pude evitar evidenciar meu desejo. Pelos pregos de Cristo! Algo animal nele despertou em mim um instinto primitivo, selvagem e, mesmo assim, por estranho que parea, delicado. S ele conseguiu avivar essa sensao em mim. Isso foi o que aconteceu no torneio e o que ocorreu a noite passada. Oh, por que me alegro de que seja Hunter e no Hugh quem me h possudo? Encolhe-me o corao. como se como se estivesse apaixonada por meu inimigo. Oh, Jesus, tenha piedade de mim, porque certo! certo! Amo-o! Amo-o desde o dia do torneio do rei, por mais que me tenha negado a reconhec-lo!

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No! No! meu inimigo! No posso entregar meu corao quele que s me proporcionar tristeza! Nada significo para ele, no sou mais que uma moa a quem raptou para violar e ultrajar! E, entretanto, nem me pegou, apesar de que me defendi com unhas e dentes, como se realmente fosse uma tigresa. Vi homens violarem mulheres. Nos campos assolados de Bailekair, presenciei como uns intrusos chegavam e sequestravam as mulheres de nossa aldeia. No havia nenhuma delicadeza em seus atos, nem velas que iluminassem o encontro at consumir-se no castial. Era algo brutal e rpido. Que tipo de homem este, que deseja me proporcionar agrado e aliviar minha dor? Oh, Hunter, Hunter! Agora estou segura de que o amo! Mas tudo em vo. Por que no me deixou em paz? Mary afogou um grito e, afundando o rosto no almofado, rompeu a chorar desconsoladamente e a gemer com uma intensidade dilaceradora. No reparou que Hunter entrara na estadia at que este lhe tocou brandamente o ombro. Deu meia volta e, entre suspiros, incorporou-se, cobrindo sua nudez com o lenol. Hunter sorriu com ternura. J vi tudo o que poderia me ocultar moa. Puxou o lenol e, roando brandamente seus seios, separou-lhe do rosto e do peito a emaranhada rede de sua cabeleira para lhe enxugar com carcias as lgrimas que empapavam suas bochechas Por essa razo chora? No lhe parece uma boa razo? Mary se deu conta de que no podia lhe olhar aos olhos. No, tigresa respondeu em voz baixa Ontem noite a fiz feliz, e voc a mim. No; ontem noite no conheci mais que tristeza. Por esse motivo, choro.

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Ah, Mary, no tente me rechaar. Seus seios lhe delatam. Com ar dominante, Hunter tomou um e comeou a lhe esfregar a rosada ponta V como se endurece, quando o acaricio? Baixou ento a cabea e comeou a lamb-lo, desenhando com a lngua pequenos crculos ao redor do mamilo, chupando-o com os lbios at que a moa estremeceu Sim. Hunter riu com gesto triunfal No pode me enganar, encanto. Noto como treme, quando a beijo. Mary avermelhou. J resultava bastante incmodo que soubesse tais intimidades, mas que as dissesse com tal confiana lhe parecia terrivelmente viu. Por favor, no No o que? Continuou, acariciando-a, com expresso de estar divertindo-se. Por favor, senhor Tenho nome de batismo, Mary, como bem sabe. Quero que o pronuncie. Agora, tigresa! ordenou ao ver que titubeava. Hunt Hunter balbuciou ela timidamente. Era como se, pelo fato de pronunciar o nome de batismo, aumentasse a intimidade que supunham aquelas carcias. Sim, moa? Mary respirou fundo, porque a ideia de separar-se dele naquele momento chiava em seu corao, igual a se um caipira inexperiente rasgueava as cordas de um delicado alade. Oh, meu amor!, ansiava exclamar. Entretanto, temendo que ele advertisse seu desejo, baixou o olhar rapidamente. Ele no devia inteirarse, pois, se o fazia, s lhe causaria dor!

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Meu meu pai pagar uma boa soma de dinheiro por meu resgate. No enviar uma mensagem a Bailekair para exigi-lo? Hunter a observou com ar meditabundo. Seu pai, Mary? E o que me diz de seu prometido? Duvido que me queira agora. Mary comeou a retorcer as mos sobre o colo. Esse homem no a ama, pois Est sedento de poder explicou a moa e a filha do chefe do cl Carmichael no uma presa desprezvel. Entendo disse Hunter com voz baixa De todos os modos, inclusive no caso de que quisesse o dinheiro do resgate, no poderia mandar uma mensagem em meio desta tempestade de neve. Mary o olhou, horrorizada. Decidiu me matar? exclamou, angustiada. No! No! levantou-se rapidamente e lhe ps as mos sobre os ombros para que deixasse de tremer Oh, Meu Deus, no volte a me olhar desse modo, Mary! rogou gravemente com gesto ofendido. Desviou ento a vista e acariciou com ar distrado as emaranhadas mechas da cabeleira da moa Jesus! resmungou Quanto a desejei! Ansiei por voc desde a primeira vez que a vi aquele dia da tormenta de vero, to arrogante e orgulhosa e, entretanto, to frgil. Assemelhava-se a uma urze dos pramos das Terras Altas, florescendo, na soleira da maturidade, com uns casulos to delicados que parecia faclimo danific-los ou arranc-los. E, no obstante, tinha as razes bem arraigadas na terra, mostrando uma deciso teimosa, que talvez pudesse dobrar-se, mas jamais romper-se. Sim; como se defendeu de mim, como me golpeou, deixando aquela marca em minha boca, me humilhando como a um

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estpido e me dando por morto. Ento quis matar voc. Hunter voltou a olh-la, para lhe suplicar que lhe compreendesse Quis a agarrar pelo pescoo e o retorcer at que cessasse de rir com aquele gesto zombador, at que sua imagem deixasse de me atormentar. Mas sobretudo desejava me vingar de voc da nica maneira que sabia que poderia a humilhar e a rebaixar mesma altura a que voc me tinha posto. Queria sentir sua pele sob meu corpo, a ouvir implorar, com seus vermelhos lbios, piedade. Mas no rogou. Embora seus lbios tremessem de medo, no suplicou. A raiva e a dor que brotavam do mais fundo de meu corao desapareceram de repente, como se jamais existissem, e o nico que ficou em seu interior foi desejo e admirao por sua valentia Ontem noite ontem noite a possu, Mary, como se fosse minha esposa; e a felicidade que me fez sentir, de boa ou m vontade, foi a mais doce que gozara jamais com uma moa. J no posso a liberar tigresa, porque tudo que sempre desejei em uma mulher. Hunter se interrompeu um instante, lutando contra seu orgulho. Burlar-se-ia, riria dele, consider-lo-ia um estpido? No importa se disse minha. Minha! Quando voltou a falar fez com o corao na mo Eu a amo, Mary Carmichael. Que Deus me ampare; amo voc. Amo voc. Oh, como ressonaram aquelas duas palavras no corao da moa. Formou uma melodia, um gorjeio doce, que tremeu ao compasso da paixo com que pulsava aquele centro ntimo gerador de vida. Podia ser certo o que ouviu? Ah, sim! Tinha-a tratado com delicadeza porque a amava. E, se mostrava ante ela com o orgulho e o corao nus, o olhar ansioso e inquisitivo, espera, ofegante. Os anos de enfrentamento e dio entre os cls Carmichael e MacBeth desapareceram como se suas disputas nunca tivessem afetado ao homem

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e a mulher que se olhavam com olhos de ametista e lbios levemente entreabertos aquela manh de inverno. S existiam eles dois no momento em que Mary se jogou, exultante, aos braos acolhedores de Hunter e disse com veemncia: Ento que Deus nos ajude, meu amor!

***

Oh, Hunter, se no me amasse, se no me houvesse dito isso, teria morrido com o corao destroado. E eu tambm se no me houvesse dito que me correspondia, Mary. Hunter lhe aparou brandamente as mechas douradas. Jaziam juntos, ao suave calor que irradiavam seus corpos depois de fazer amor. Tinha sido como uma alucinao, febril, mas doce, como se ambos despertassem para dar-se conta de que s foi um sonho, nada mais que um sonho. Se obstinado com anseio um ao outro, e Mary recebeu Hunter de boa vontade, abandonando-se em seus braos com tal disponibilidade que nas profundidades da paixo que Hunter acreditou estar a ponto de perder a cabea de gozo. Tinha acariciado, beijado e amado todas e cada uma das partes do corpo da mulher. Tenho medo, tanto medo soluou Mary, apoiada sobre o forte e peludo peito de Hunter Meu pai e meus irmos esto obrigados por honra a me resgatar, embora logo me expulsem do cl aps minha desonra. Mataro voc, e, ao o matar, me rompero o corao. No poderia viver Oh, Hunter, no posso viver sem voc! Eu tampouco posso viver sem voc. Agora cala meu amor, cala sussurrou, enquanto a abraava. Ento tratou de brincar No confia em

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minha destreza com as armas? Oh, tenho a impresso de que no uma tigresa, a no ser um tmido coelho com o que carreguei. Isso no tem graa. Hunter voltou a adotar rapidamente uma expresso sria. Tem razo. Acaso cr que os MacBeth a acolhero com os braos abertos? No, meu amor. No podemos permanecer nas Terras Altas. Temos que partir para a Inglaterra ou Frana possivelmente. Levantoulhe o queixo para que o olhasse Nossa vida ser dura, e muitas sero as dificuldades que teremos que confrontar. Nosso amor nasceu subitamente, como tormenta de vero que estalou a primeira vez que a toquei, aulado pelos furiosos ventos da culpa, a guerra e o dio cego que se ho interposto entre nossos cls no transcurso dos anos. No, no o negue. Ao ver que a moa se dispunha a falar, posou uma mo sobre seus lbios O que separa nossos cls to forte como a paixo que sentimos um pelo outro, e as lies que se aprendem ao longo de uma vida no se esquecem com facilidade. Por muito orgulhosos que sejamos, voc segue sendo a filha de um chefe, e eu no sou mais que um pobre senhor sem terra que no possui mais que sua espada para defender-se e um escudo para proteger-se. No posso lhe oferecer os luxos a que est acostumada. Nem posso me casar com voc, Mary, porque legalmente est comprometida com outro. Apesar de tudo, juro que a quererei como jamais nenhum homem quis a uma mulher e que, embora nenhum sacerdote nos d a bno, no mais fundo de meu corao ser minha esposa. suficiente? Mary pensou em sua famlia. No voltaria a v-la jamais, como tampouco voltaria a ver Bailekair, to imponente e majestoso sombra da purprea montanha nevada. Embora retornasse a seus enormes e

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acolhedores muros, nada encontraria atrs deles. Se fosse qualquer outro homem que a possusse, poderia subornar algum membro de seu cl para que passasse por cima o ultraje e se casasse com ela. Entretanto, nenhum Carmichael aceitaria uma mulher que se deitou com um MacBeth. E menos ainda Hugh, que, ao ser seu prometido, teria direito a escolher o castigo que merecia sua desonra; Hugh, que a ridicularizaria, cuspir-lhe-ia cara e a expulsaria para que acabasse como prostituta ou algo pior; Hugh, que, se ela chegasse a ficar grvida de Hunter, no duvidaria em mat-la. Essa era a sorte que correria uma Carmichael manchada pela semente de um MacBeth. Sempre foi assim. Agnes tinha razo. No importa pensou Mary Tenho Hunter, que me ama tanto para renunciar a quanto conheceu e quis. Fica outra opo? No. Se tivermos que compartilhar nossas vidas, devo sacrificar tanto como ele. Nosso amor um pano frgil, tecido torpemente com fios de seda, como disse Hunter. Temos que conceder tempo a nosso amor para que floresa e arraigue com fora; com mais fora que o dio que, do contrrio, destruir-nos-ia. Sim, deixei de ser a senhorita Mary Carmichael, a filha do leo de Bailekair. A partir de hoje sou a esposa do senhor Hunter MacBeth, em tudo, exceto no nome. Mary acariciou a cicatriz que partia uma das comissuras dos lbios de seu amante. Sim, meu amor respondeu por fim mais que suficiente. E quando Hunter reclamou seus lbios, Mary jurou ardentemente que faria o possvel por que assim fosse. Pouco depois, Hunter chamou Agnes e Kirsty para que ajudassem Mary a arrumar-se. Enquanto enchiam com baldes de gua fumegante a

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banheira de lato que havia em um canto da estadia, Kirsty, curiosa, no deixava de observar Mary. Agnes, por sua parte, no pde reprimir um sorriso ao ver como Mary se introduzia na banheira cantando com alegria e lhes permitia que a esfregassem vigorosamente com um sabo de fragrncia de urze. A massagem daquelas mos peritas lhe aliviou em boa medida a dor que ainda, padecia nos msculos como consequncia da longa viagem a Wynd Cheathaich e a apaixonada noite que passou em companhia de Hunter.

Abaixo, Hunter esboava um sorriso enquanto a ouvia cantar. No cabe dvida, enjaulei um rouxinol. Cadman franziu o cenho. Nada bom sair disto, Hunter; asseguro-lhe isso. Virgem Santa! atalhou Hunter a ltima vez que me faz essa advertncia, Cadman. No estou disposto a ouvir nenhuma mais de suas funestas predies. Eu a amo, ouve-me? E ela me ama. Assim que cesse de nevar, partirei da Esccia com ela. E aonde vo? Pense-o bem. A moa no est acostumada ao tipo de privaes a que obriga sua vida, e j no poder recorrer a sua famlia nos momentos de apuro. Tenho minha espada e meu escudo. Arrumar-nos-emos sentenciou Hunter com um tom firme que resolvia a discusso E, se de verdade me quiser como um irmo, Cadman, deixe de me falar deste assunto. No o pedi que me acompanhasse neste exlio, e, se for incapaz de aceitar minha mulher e quer-la como eu a quero, me deixe em paz. Os dois homens se olharam airadamente, mas ao cabo de um momento Cadman baixou a vista em sinal de arrependimento.

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Perdoe-me, irmo. Sei que no me daria s costas, se eu estivesse em sua situao. Quero-o e por isso tentarei querer sua mulher. E embora no me tenha pedido isso, acompanh-lo-ei em sua viagem. No h nada que me prenda na Esccia. Hunter agarrou seu irmo pelos braos afetuosamente. Agradeo-lhe isso, Cadman, porque necessitarei de outra espada e outro escudo a meu lado. Ento, est decidido. Eu tambm gostaria de o ajudar, Hunter. David MacDonald entrou nesse momento na estadia Posso fazer algo por voc? Bom, se tiver tecido em seu armazm, desejaria comprar algo. Mary nem tem com o que trocar-se. David sorriu. Tenho algo melhor, se, a Cadman, no importa. Siga-me.

No momento em que Mary terminava de banhar-se, Hunter entrou em seus aposentos com um cofre que continha objetos de vestir. A moa reprimiu uma exclamao, ao ver os finos vestidos de brocado, cetim, seda e pele. As cores lhe sentavam to bem que se diria que foram pensados especialmente para ela. Oh, Hunter, so preciosos! Como arrumou para? uma longa histria, querida, e no muito agradvel explicou, enquanto as criadas estendiam os vestidos para que Mary escolhesse Pertencia a Janet, a irm de David. Tomariam parte de seu enxoval. Tomariam? Sim, Janet ia desposar Cadman. Meu irmo de adoo nasceu, bom, nasceu desonrado. Janet o amava apesar disso, e como a David importava

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no era que ele fosse bastardo, mas sim Janet fosse feliz, deu seu consentimento ao enlace. Pouco antes das bodas, David organizou uma caada para iniciar a semana de celebraes. No transcurso da partida de caa, fomos atacados pelos Frazier, cuja inimizade com os MacDonald no menos clebre que a que existe entre os MacBeth e os Carmichael. Pelos pregos de Cristo! Tudo aconteceu to depressa, Mary Estvamos bbados de cerveja e da emoo da caada, porque os ces tinham levantado um javali. O caso que muitos morreram, e Janet foi feita prisioneira. David props sitiar o castelo em que foi encerrada, mas Cadman temeu que a matassem. Ele queria a moa, h se a queria. Rogou a David que pagasse o resgate e lhe prometeu que se casaria com ela, assim que a liberassem; no se importava que j no fosse virgem. Ao final, David cedeu s splicas de meu irmo e devolveram Janet. Apareceu coberta de vus; sem mediar palavra, encerrou-se em seus aposentos e rechaou os mantimentos que lhe serviram. Cadman lhe rogou encarecidamente que se casasse com ele, mas ela se negou a v-lo e devolveu todas as mensagens que lhe enviou sem hav-las lido. Nem sequer David conseguiu persuadi-la. Aos poucos dias, encontraram seu corpo no ptio. Jogou-se do balco. No compreendemos o que tinha ocorrido at que Cadman afastou os vus de seu rosto para beijar os lbios frios de sua amada pela ltima vez. Pelos pregos de Cristo! No pode nem imaginar o que lhe fizeram os Frazier. Hunter deu um murro na palma da mo em um gesto de ira que fez que Mary e as criadas estremecessem Era loira e bela, como voc, meu amor, mas depois de viol-la, esses filhos de cadela tinham pegado suas adagas e tinham desfigurado seu rosto de tal forma que estava irreconhecvel. Mary sufocou um grito.

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Isso horrvel! Sim, tanto como a maneira em que David se vingou. O rocio da manh forma agora um mido manto sobre as tumbas de muitos membros do cl Frazier. Mas a histria no acaba a. Uma parte do trato ao que tinham chegado os cls dos MacBeth e os MacDonald estabelecia que David contrasse matrimnio com Grace, a irm de Cadman. Entretanto, lorde Torquil, pai de Cadman e Grace, depois de culpar David de morte de Janet, anulou o enlace entre sua filha e o conde e comprometeu moa com o filho menor de lorde Angus, Francis. David no se casou, e Grace espera com grande pesar o dia de suas bodas. Foi uma inimizade o que acabou com a vida de Janet, Mary, e a origem da infelicidade de trs pessoas. No permita que algo assim se interponha entre ns. No, Hunter. Mary compartilhava seus temores No se sentiro dodos David e Cadman se me virem com os vestidos de Janet? O tempo mitigou sua dor, Mary, embora no seu amor por ela. No acredito que se sintam dodos. S precisaram uns poucos retoques para que o vestido escolhido por Mary lhe sentasse bem. Confeccionado com seda azul, o traje era de um estilo semelhante a um de corte, com decote, mangas amplas e uma discreta cauda. A saia era estreita, mas de elegante feitura. Mary calou suas prprias botas de couro e atou seu cinto filigranado de ouro com a faca com engastes. O tom azul escuro do vestido fazia que seus olhos violetas brilhassem com maior fulgor em contraste com a dourada palidez de seu rosto; sua cabeleira loira cintilava solta sob a luz invernal enquanto descia pelas escadas apoiada no brao de Hunter. Como no tinha nenhuma joia que usar, ornou seu esbelto pescoo com uma fita azul. No

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obstante, esse modesto adorno resultava muito mais formoso que qualquer joia, j que ressaltava a curva de seus viosos seios e o sombreado oco que formavam os dois como nenhum colar o faria. Mary se ruborizou levemente, quando Cadman e David se aproximaram para lhe beijar a mo, ao recordar quo brusca se mostrou com eles noite anterior. Entretanto, os homens no fizeram nenhum comentrio a respeito, mas sim a trataram com a cortesia que a teriam prodigalizado se fosse a esposa de Hunter, pelo que ela deduziu seu querido cavalheiro cigano lhes falara do amor que se professavam. Ento, quando Cadman se ajoelhou ante ela e disse: Igual quero Hunter como um irmo, quererei e honrarei sua mulher como a minha prpria irm, e minha espada e meu escudo sempre estaro ao seu lado, Mary sentiu cheia a medida de sua alegria.

Deus lhes sorria. Claro que lhes sorria! No deixava de nevar, e o castelo de Wynd Cheathaich parecia j um branco casulo de cetim; flocos gelados de cristalinas formas giravam ao redor dos amantes, impedindo tanto sua partida como a entrada de seus respectivos cls. A vida se entorpeceu em toda Esccia; os caminhos se alargavam, desertos, e os mercados permaneciam sumidos no silncio. Mary e Hunter se deleitavam um com o outro, ao amparo temporrio da odiosa inimizade que escurecia suas vidas e pesava sobre suas almas culpadas. Meu nome Mary, senhor, e sou uma humilde criada. E eu me chamo Hunter, senhorita, e sou cigano. Ento tomarei cuidado com voc, senhor, pois ouvi histrias sobre ladres ciganos. Quo nico tenho a caldeirinha que me do nas ruas da cidade. Roubar-me-ia isso voc, senhor?

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No, senhorita, no seu dinheiro, a no ser seu corao, o que lhe arrebataria e, quando for meu, guard-lo-ia como meu tesouro mais prezado; o prometo. Ento o entregarei de bom grado, senhor; mas, por favor, no me rompa isso. Esse era um dos jogos aos que dedicavam seu tempo, estendidos e abraados, enquanto avanava a noite e o fogo morria lentamente. Daquela maneira, resultava mais fcil amar e esquecer que eram inimigos mortais. Entretanto, o passado constitua ainda um lastro importante e s vezes nublava sua felicidade, apesar de seus esforos por evitar o tema. Mary falava de Bailekair e sua famlia, do amor que sentia por seu pai, Gordon e Charlie. Falava de Edward e Joanna, a muito bela Alinor e o desprezvel Hugh. Como posso partir agora, Hunter, sabendo o grande dano que infligi a meu pai depois da amarga discusso que mantivemos por culpa de Hugh Carmichael? Maldito Hugh! Deve faz-lo, meu amor. Estou seguro de que, em seu ntimo, o conde j a perdoou. Se ao menos pudesse lhe enviar uma mensagem. No, Mary. preciso que partamos do zero se queremos nos liberar do passado. No podemos deixar nenhuma pista que permita a nossos cls seguir com nosso rastro. Ao ir, converteremo-nos em uns desarraigados, e se nos encontram nos mataro. Sei, sei gemeu com tristeza, enquanto afundava seu rosto no peito de seu amante e o abraava com mais fora ainda. Falou-lhe da morte de seu pai; explicou que encontrara banda de ciganos com que ia sua me e que lhe informaram que Laureiem tinha

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morrido ao pouco de reunir-se com sua famlia como consequncia de umas febres que arrastava do parto. Como de menino me sentia muito sozinho, visitava-os com frequncia; desse modo, aprendi seus costumes. Minha av estava muito bem considerada entre a gente de minha me, e eu me orgulhava de ter seu sangue, de sentir que possua origens. Uma noite minha av me leu as cartas e vaticinou que seria um prncipe entre os meus. Ento dancei uma dana das Terras Altas ao redor do fogo, enquanto os outros me contemplavam pasmados, porque pensavam que na verdade me converteria no rei dos ciganos e que encontrara meu destino. Quando terminei, ajoelhei-me ante minha av para que me desse seu consentimento. Olhou-me com tristeza, Mary, com uma profunda tristeza, e me disse: Neto, a dana que danou no prpria dos ciganos, mas sim dos escoceses. Seu futuro no est conosco. V agora e no volte aqui jamais. Quando esporeei meu cavalo e me internei na noite, sentia dor e raiva, porque os ciganos eram os nicos amigos que tive e vov era minha verdadeira famlia. Ao cabo de uns dias, retornei ao acampamento, mas a caravana desapareceu. No voltei a vlos. Pouco depois, me enviaram a Glenkirk para me instruir como cavalheiro. Durante muito tempo, esperei que se cumprisse o profetizado por vov sobre mim. At que me fiz homem no compreendi que s fora o conto de uma anci para respirar as iluses de um menino. No, Hunter disse Mary com doura Voc um prncipe, meu prncipe, e seu futuro est aqui, entre os braos de uma escocesa. Ento lhe fez amor apaixonadamente, como se de algum jeito pudesse compens-lo por toda a solido que sofreu em sua infncia.

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De noite, Hunter lhe ensinava a falar roman e a jogar xadrez e os jogos de dados. Em uma ocasio, verteu no vinho que estava bebendo, um vinho tinto e generoso, um pouco de brandy, o doce nctar dos deuses e a nobreza, conforme o definiu. Mary bebeu at se embriagar com o licor, a risada e a companhia de seu amante. Durante os jantares, escutava as discusses com que se encetavam Hunter, Cadman e David sobre as intrigas e os mecanismos do governo, por isso se inteirou de muitas coisas relacionadas com a poltica da Esccia. Quando chegou o Natal, ajudou a decorar o castelo e confeccionou camisas de linho para d-las de presente aos trs homens. Na de Hunter bordou uns desenhos primorosos para diferenci-la das outras. A vida transcorria como um sonho irreal durante aqueles dias. Anos mais tarde, Mary se perguntaria se os tinha chegado a viver; quando pensasse neles, a imagem que ia a sua mente estaria envolta por uma nebulosa sensao de felicidade tinta com um premonitrio hlito cinza. O apaixonado sentimento que antigamente abrigava por Bailekair os dedicava agora a seu amante durante as noites que jaziam juntos na escurido. E se o horizonte aparecia cheio de nuvens, Mary decidia no as ver. Seu mundo se cifrava em um castelo coberto pela neve, onde Hunter fundia sua carne com a dela at as primeiras horas da manh. No se atrevia a aventurar-se alm daqueles muros.

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Captulo 13
Tinha deixado de nevar. A quietude invernal que reinava em Bailekair foi interrompida pelo retumbar de uns cascos de cavalo sobre a pavimentao do palanque, que estava atapetado por uma suave capa de neve. Segundos mais tarde, lorde Magnus se separou da janela de seus aposentos, de onde observava a entrada do pequeno grupo de cavaleiros, para dar a bem-vinda a seus dois sobrinhos, Will e Geordie, filhos de seu irmo Walter, de Moy Heath. Tinham chegado at ali cruzando o estreito de Minch procedentes de Abergorra e Giochiomond, onde foram adotados. Surpreendeu-se ao v-los, posto que a travessia pelo estreito que separava a Esccia das ilhas Hbridas era perigosa naquela poca do ano. Alm disso, estavam armados como se se dirigissem ao campo de batalha. De todos os modos, quando se ajoelharam ante ele, estreitoulhes a mo efusivamente. Will, Geordie, moos, realizaram uma longa viagem desde sua casa. O que os traz a Bailekair? perguntou o conde, ao tempo que lhes indicava que tomassem assento e lhes oferecia uma jarra de cerveja. Senhor, perdoe que o incomodemos se desculpou Will, o maior, assim que teve bebido um gole de sua jarra e que entremos em seus aposentos com nossas armaduras e sujos da viagem, mas o assunto que nos trouxe at aqui urgente e consideramos que seria melhor deixar o banho e a comida para mais tarde.

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Prossiga. Magnus fez um sinal de aprovao. Will e eu passamos o Natal em Moy Heath explicou Geordie Oh, sabamos que a travessia do estreito para retornar s ilhas seria dura, mas nossa me insistiu que fssemos e no podamos nos negar. Fazia meses que no vamos nossas famlias. Celebramos ali as festas e cinco dias atrs empreendemos a viagem de volta a Abergorra e Giochiomond. A viagem foi lenta, devido condenada neve, que apenas nos permitia avanar, mas seguimos adiante, posto que os senhores Dugald e Owen quisessem que retornssemos para vspera de ano novo. Por fim, conseguimos alcanar Minch interrompeu Will para continuar com o relato Ao chegar borda atacaram esses covardes dos MacBeth de Faoghail. O assalto nos pegou despreparados. Virgem Santa! No vimos nem uma alma em todo o caminho do castelo de nosso pai, tio! No suspeitvamos que pudessem nos estender uma emboscada! Liberamos uma batalha terrvel, senhor. Estvamos mortos de frio porque nos congelaram as armaduras; pareciam blocos de gelo. Mesmo assim, conseguimos escapar com alguns homens e um prisioneiro. Fizeram um prisioneiro? O conde arqueou uma sobrancelha. Sim, senhor respondeu Geordie teramos o matado, mas rogamos-lhe que nos perdoe, tio; trata-se do herdeiro de lorde Angus, o jovem Stephen. Pensamos que era um prisioneiro muito valioso para decidir sua sorte por nossa conta. Esses filhos de cadela, seus parentes, queimaram nossos botes no estreito, de maneira que no podamos atravess-lo. Resolvemos ento que o mais conveniente seria vir aqui. Esperamos esperamos atuar corretamente, tio.

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Pela primeira vez em vrias semanas, lorde Magnus sentiu que lhe saltava o corao. O filho de lorde Angus, seu herdeiro, era prisioneiro do cl Carmichael! O conde recordou aquele dia cinza de novembro em que um jovem pastor de cabras se apresentou em Bailekair para descrever entre lgrimas o terrvel sequestro de Mary s mos de dois homens, um dos quais montava um semental branco como a neve. Vi-os das colinas, senhor, onde pastam minhas cabras, mas no pude fazer nada. Ao moo lhe tinha tremido o lbio inferior No sei quem eram, mas vestiam o breacan dos MacBeth, e um deles ia a lombo de um cavalo to branco como a neve. Capturaram a senhorita, senhor, e a levaram. No posso dizer aonde; dirigiam-se para o sul. Haveria tocado meu corno, senhor, mas temi pela senhorita, porque esses homens tinham aspecto violento, e o do cavalo branco a tratava com brutalidade. Mary! Oh, Meu Deus, Mary, sua pequena! No! Mas sim, era certo, a raptaram, e as rajadas de neve obrigaram lorde Magnus e seus homens a retornar a Bailekair e deixar filha do conde a merc do senhor Hunter MacBeth e seus familiares. Deveria ter acabado com esse bastardo filho de cadela o dia do torneio! exclamara lorde Magnus, preso da fria e a raiva. Logo chorou, ao pensar no que sua filha teria que sofrer s mos daquele cigano arrogante que cavalgava no lombo de um corcel branco. O conde esperava em vo a que exigissem o resgate, mas ao final concluiu que no o fariam, que nenhum mensageiro viajaria com aquela tormenta invernal. Ento se amaldioou mil vezes por dirigir aquelas palavras a sua filha, palavras com que a desprezara e que a impulsionaram

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a sair fugindo temerariamente de Bailekair. Apesar de tudo o que aconteceu entre eles, Magnus ainda queria a Mary. Estaria morta sua valente menina? Ou acaso esses ces covardes estariam se aproveitando dela uma e outra vez at lhe romper a alma? Magnus tinha que sab-lo! Atuaram corretamente, moos. Jamais o esquecerei disse. Seguidamente, com gesto severo e resolvido e os lbios apertados, o conde agarrou uma pluma e uma parte de pergaminho.

Lorde Angus, conde de Glenkirk, desenrolou o pergaminho assim que teve rasgado o selo em que estava marcado indelevelmente o braso de seu inimigo, lorde Magnus, o leo de Bailekair. O que quereria dele lorde Magnus? Lorde Angus empalideceu medida que lia o contedo da missiva.

Castelo de Bailekair, Esccia, janeiro de 1488.

A lorde Angus MacBeth, conde de Glenkirk, tomei seu filho, Stephen, como refm. Quero troc-lo por minha filha, Mary, a quem seu cavalheiro, o senhor Hunter, raptou de Bailekair faz dois meses. Sugiro que a troca tenha lugar nos subrbios de Mheadhoin, em terreno neutro. Espero sua resposta. Lorde Magnus Carmichael, conde de Bailekair.

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Senhor Neil! Senhor Callum! Senhor Roderick! chamou Angus com voz rouca. Os trs homens, que jogavam o jogo de dados em um canto do salo principal, deram um pulo de alarme ao perceber o tom de voz que empregou seu senhor. Sim, senhor responderam ao unssono. Tenho uma mensagem para o senhor Hunter, que se acha em Wynd Cheathaich, e o soldo de um ms para o homem que primeiro o entregue. Com a mesma expresso de severidade que seu velho inimigo, lorde Angus observou como seus homens desapareciam na escurido da noite.

Eram cem e estavam reunidos naquele cinza amanhecer ao norte de Mheadhoin, talvez no mesmo lugar em que certa pessoa esteve anos atrs. Sobre o escarpado que dava aos trs castelos e as escuras guas do frio lago Ness, os cavalos de guerra corcoveavam e relinchavam, lanando pequenas nuvens geladas pelos narizes. Os homens de armas se agitavam inquietos e tremiam sobre as cadeiras de couro, que rangiam como se fossem novas a consequncias do frio invernal. Mary Carmichael os olhava, mas no os via. S via o rosto de Hunter tal como o viu em Wynd Cheathaich, com uma careta torcida pela tortura e o desespero. A cara que antes expressou a mesma alegria que irradia de uma casa habitada pela risada, de repente refletia uma desolao de propores colossais. Hunter se aproximou dela com o pergaminho na mo, como se tivesse a inteno de faz-lo migalhas e acabar com tudo aquilo de uma vez por todas. Quando ela reconheceu o escudo dos MacBeth no selo, tremeu espera das palavras de seu amante, consciente de que seu casulo de neve era rachado pela mensagem que Hunter

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espremia entre as mos, quo mesma a tinham acariciado docemente at altas horas durante as noites de inverno. No sei o que fazer disse ele. Do que se trata meu amor? perguntou ela, vacilante, temendo sua resposta. Os homens de seu pai tm feito prisioneiro Stephen, o herdeiro de lorde Angus. As palavras de Hunter no conseguiram ocultar o dio e a amargura que enchiam seu corao. A moa se lembrou ento de quo frgil era seu amor, do fundas e volteis que eram suas antigas paixes. Est morto? No, mas oxal o estivesse. Por Deus! bramou, depois do qual se apressou a benzer-se Est vivo; tm-no como refm para troc-lo por voc. Hunter fez uma pausa. Um tronco crepitou na lareira e rompeu o silncio, enquanto Mary considerava as consequncias do que acabava de ouvir. Ento Hunter prosseguiu Amo voc, tigresa, Deus sabe que a amo. Daria algo por poder jogar esta mensagem ao fogo e ir das Terras Altas tal como tnhamos planejado. Mas Angus meu senhor, Mary. Jureilhe fidelidade, e agora me exige que a leve a Glenkirk imediatamente para realizar a troca; minha honra me obriga a obedecer. Ao ouvir aquilo, Mary sentiu que a faca do despeito atravessava seu corao. Maldita seja sua honra! espetou com crispao, zangada ante a ideia de que a considerava menos valiosa que sua honra e antepor seus compromissos s promessas pessoais, apesar de que esse era o comportamento da maioria dos homens desde tempos imemoriais E eu

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o que? No amos compartilhar nossas vidas? Esquea essa condenada inimizade! Logo nos teremos liberado deles para sempre! Seriamente cr nisso? Sua voz soou baixa, desdenhosa como se estivesse burlando-se, rindo de si mesmo por haver-se atrevido a sonhar algo impossvel E a que preo, meu amor? Quer que quebre o juramento sagrado que fiz a meu senhor e viva o resto de meus dias com a mancha da vergonha sobre minha honra? No; mas tampouco quero que me abandone! Acaso o quero eu? No se d conta de que estou esmigalhado? Por amor de Deus, Mary! Se no a entregar, uma parte de mim morrer, posto que um homem sem honra no um homem Entretanto, viver sem voc e saber que posso estar condenando-a a morte tambm equivale a morrer. No posso suport-lo. Diga-me! Diga meu amor, o que tenho que fazer! A moa tragou saliva. Sim, ela devia decidir, e com razo, posto que o que Hunter resolvesse teria que determinar a sorte e inclusive o destino final dela. O que devia dizer? Sabia que bastava com que o pedisse para que a afastasse das Terras Altas tal como tinham planejado. Mas a que preo? Pelos pregos de Cristo! O homem com quem abandonaria a Esccia no seria o homem a quem amava, a no ser um fantasma de seu antigo ser. Apoiou docemente a mo sobre o brao de Hunter. Amava-o, e s um estpido destri aquilo que ama. No quero a sombra de um homem, nem posso sentir tal degradao. No tenha medo de que v condenar-me; no estou grvida de voc. S me entrega a um desterro certo s mos de meu cl. Talvez seja melhor assim, pois desse modo me liberarei para sempre das cadeias

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do passado. Oh, Hunter, me ame! Ame-me como se esta fosse a ltima vez! Mary se lanou apaixonadamente a seus braos. No diga isso! No o repita jamais! Traz m sorte. Esperarei que volte para mim e ento nada nos separar, juro-o! Oh, meu amor! Meu amor! Voltarei a ver voc alguma vez?, pensava Mary, enquanto olhava o lugar onde sua famlia a aguardava, alm da grande extenso branca de campo que os separava. Por um fugaz momento, sentiu o repentino impulso de fugir de tudo, como se o prprio diabo a perseguisse. Hunter podia sentir os apressados pulsados do corao da moa como se fossem os seus. Agarrou ento a brida do muito negro cavalo de Mary e tratou de acalm-lo. Minha dama dourada sussurrou docemente minha querida tigresa, meu amor. No importa quanto demore, porque estarei a esperando aqui, em Mheadhoin. Pouco depois Mary cavalgava, com lgrimas geladas sobre as bochechas, pelo branco escarpado em direo ao filho de lorde Angus. A meio caminho, quando cruzava com Stephen e se consumava a troca, Mary deteve Desmond. No podia separar-se dele sem dizer nenhuma palavra! O corcel deu coices na neve e empinou levemente, como se dispusesse a danar. Rompendo o silncio da manh, a voz da moa soou com claridade atravs dos campos de cristal. Nunquam obliviscar! exclamou Nunquam obliviscar! Embora se tratasse do lema dos Carmichael, s um homem no escarpado entendeu aquela manh de inverno o verdadeiro significado daquelas palavras. Nunca esquecerei disse Nunca esquecerei.

Estarei a esperando aqui, em Mheadhoin.

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Aquela frase foi o talism de Mary, sua armadura, quando seu prometido lhe cuspiu na cara e a chamou rameira dos MacBeth. Quando limpou a cusparada de Hugh dos lbios, os mesmos lbios que Hunter beijara com fogosa ternura, tremeu-lhe a mo e baixou os olhos ante o olhar penetrante e carregado de dio, que seu primo lhe dirigia. No sou sua rameira!, exclamaria para negar as vergonhosas acusaes que lanava Hugh. Neste momento, est me esperando, e me ama! obvio, no disse nada, porque do contrrio seu prometido a mataria. Um de seus olhos de cor violeta j comeava a inchar, a contuso, adquiria o mesmo tom de sua ris no lugar em que a golpeou. A ela! A Mary Carmichael, a filha de um chefe das Terras Altas! Ningum se atrevera jamais a lhe elevar a mo; ningum exceto Hugh. Tem que anular o compromisso. No penso me casar com a rameira dos MacBeth. Hugh fez uma grotesca careta, enquanto repetia burlonamente aquelas palavras. Seria presunosa a muito cadela! Desprezava-o, verdade? Ria dele, certo? Bem, estaria lhe implorando piedade antes que tudo acabasse. E quando terminasse com ela, quando a banisse de todas as propriedades dos Carmichael, lhe entregaria gostosa aquilo pelo que ele tinha querido casar-se com ela. Dei meu consentimento anulao. Lorde Magnus suspirou com tristeza, enquanto os membros do conselho do cl, que foram convocados no salo principal de Bailekair com motivo da vista de Mary, reanimavamse inquietos Mas tambm o desterro, Hugh? No pode ser to cruel. A moa no foi raptada e ultrajada por vontade prpria. Oh, ela j no vale nada para voc, que herdar um condado, mas algum lugar tem que haver

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para ela. O conde queria salvar aquela filha a quem tanto amava, a filha a cujos olhos no podia olhar Talvez outro homem olhou ao redor do salo, impaciente, esperanoso. Olhem-na! exclamou Hugh e riu sem piedade Deus saber quantos bastardos a tero montado! Que Carmichael digno desse nome aceitaria o que os MacBeth desprezam? Mary estremeceu ao ouvir aquelas ruins palavras. No! No ocorrera dessa maneira! Ergueu-se, reunindo os restos de dignidade e orgulho que ficaram. J no sou virgem, certo disse mas no fui maltratada nem compartilhada com outros. H! Hugh se precipitou sobre ela como se fosse um gato que espreitasse a um camundongo Deve deixar bem satisfeito a esse cigano arrogante para que no a compartilhasse com seus familiares, no certo? Diga-o, rameira! Diga como o agradou, descreva os truques de rameira que utilizou, explique como abriu as pernas para que ele! Basta, basta! ordenou Mary, ao ouvir a maneira em que seu amor estava sendo manchado. Hugh a esbofeteou com fora. A moa desabou entre gemidos, mas nenhum homem fez sequer gesto de deter o ataque de seu primo. Com um rictus triunfal e zombador em sua bronzeada cara, Hugh olhou de marco a marco aos membros do conselho congregados no salo principal. Olhem-na! exigiu com um impudico sorriso nos lbios Repito: que homem a aceitaria agora? Ento, quando se fez o silncio, mostrando em seu plido e magro rosto um gesto em que se mesclavam claramente o amor e a compaixo, o jovem Edward Carmichael reuniu por fim a fora necessria para falar.

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Segunda Parte Chora E Canta Sua Triste Escolha

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Captulo 14
Castelo de Bailekair, Esccia, 1488

Mary no esqueceria em toda sua vida nem o eco surdo das palavras de Edward, quando, com voz febril, falou no salo principal do castelo de seu pai, nem o fulminante olhar que Hugh, vermelho de ira, lanou a seu irmo de adoo em sinal de ameaa. A terra pareceu comover-se sob seus ps durante o tenso silncio que, como um escuro vu, caiu sobre o conselho, enquanto Edward, plido e estranhamente desafiante, sustentava o olhar de Hugh. No posso aceitar isto, irmo! resmungou Hugh, rompendo aquele silncio mortal No tem mais orgulho que para se casar com uma rameira? No uma rameira! A voz de Edward soou estridente, infantil, enquanto apertava os punhos E no volte a cham-la assim, Hugh! No culpa dela que esse cigano filho de cadela tenha arrebatado sua virgindade. E se no estiver grvida dele, casar-nos-emos o dia da candelria. Ento, um estpido, irmo! reprovou Hugh, pronunciando o insulto com ironia Embora suponha que suas palavras no nos surpreendem, pois vm de algum que passa mais tempo tocando a flauta e escrevendo que se dedicando guerra e s moas. Sim, talvez sua flauta e sua poesia tenham menosprezado sua dignidade, irmo, e o que precise seja uma rameira por esposa. Ah! E ser melhor que reze para que esse

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MacBeth lhe tenha feito um bastardo, porque duvido de que voc seja capaz de engendrar um filho a esta cadela. Todo o conselho afogou uma exclamao, enquanto as mos voavam aos punhos das espadas. Edward tragou saliva. Se se defendia das calnias de que foi objeto sua dignidade, Hugh o mataria sem dvida, e Mary se veria condenada a um destino pior que a morte. Mary, sua ninfa de cabelos dourados, condenada a uma vida de desprezo e ridculo, de fome e privaes. Edward no podia permitir que aquilo ocorresse! No, se queria salv-la, Edward sabia que tinha que viver. meu irmo, Hugh, e no desejo brigar contra voc, de modo que esquecerei a ofensa de suas palavras. Sei que a raiva o impulsionou s pronunciar e que se desculpar quando se acalmar. Com sua permisso, senhor. Edward se voltou para lorde Magnus, e os membros do conselho comearam a murmurar perplexos e escandalizados pela covardia que Edward demonstrara Mary e eu temos muito que dispor no pouco tempo que fica para a candelria, por isso sei que nos perdoar se iniciarmos os preparativos imediatamente. Sim, moo, sim. O conde assentiu, envergonhado de seu filho adotivo, pois embora Edward salvasse Mary da ignomnia, ele no podia respeitar um homem que se negou a defender sua prpria honra. Lorde Magnus desviou o olhar e ordenou, talvez com excessiva nfase, que trouxessem cerveja para celebrar as futuras npcias de sua filha.

Oh, Edward, Edward! O que tem fez? O que fez? gemeu Mary, enquanto seguia seu novo prometido, sem haver-se recuperado ainda do impacto que sofrera, ao ouvir as palavras de sua salvao Humilhou-se por mim e se arrastaste como um co espancado, aps escutar os insultos

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de Hugh. Nenhum membro do cl o respeitar agora. Oh, Deus, por qu? Por que intercedeu por mim? Amo voc, Mary; sempre a amei. Edward se ruborizou ao murmurar sua confisso, sentindo-se repentinamente inseguro, pois Mary no se lanou a seus ps cheia de jbilo como ele esperava Hugh me mataria, tenho-o lido em seus olhos; ento a baniriam como ele propunha. Eu no podia permitir que sofresse dessa maneira. Oh, Mary, faria algo por voc. Seus olhos brilhavam de paixo No me importa o que pensem. Mas sua honra, Oh, Edward! Um homem sem honra Mary recordou por um instante as palavras que Hunter pronunciara. No me importa repetiu Edward com teima Talvez Hugh tenha razo. Nunca gostei de combater nem me divertir com moas. Sou um homem singelo e pacfico, e sempre a tive no corao. Oh, Edward, no se d conta do que fez? O que acontecer a seus estudos para o sacerdcio? No quero levar a vida de um monge; no quando voc necessita de mim, Mary. Oh, Edward, devia estar ofuscado. Volta e diga que algo o transtornou. Transtornado? No, moa. No mais que o amor que sinto por voc o que se apoderou de mim. Pelos pregos de Cristo, Edward! Sei sei que o fez com boa inteno, mas mas Ah, Mary. No tem por que preocupar-se. Este o dia mais feliz de minha vida.

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Como pode dizer isso? Ns dois temos cado em desgraa! Meu pai no permitir que fiquemos aqui! Acaso no se precaveu do desdm com que nos olharam, quando no respondeu aos insultos de Hugh? Oh, aonde vamos agora? O que vamos fazer? No tema. Mudar-nos-emos a corte. Ao rei, lhe agradam os msicos, e sim, certo, sou muito mais feliz com uma flauta na mo que com uma espada. Sim, isso faremos moa. No quero ver como se mofa de voc nossa prpria famlia; h muitos que lhe cuspiriam at sendo minha esposa. E quanto a minha honra Edward se encolheu de ombros Me indiferente. Dndereen nunca esteve ao meu alcance, e de hav-lo estado o rechaaria. Vamos, tem que se preparar para nossas bodas. Mary o olhou, com lstima, to pasmada ainda pelo comportamento de seu primo como doda e raivosa pelo fato de que se intrometeu em sua vida. No se dava conta do que fizera! Disse. Sua inteno era boa Oh, Edward! Mary compreendeu por fim o que em realidade supunha o fato de que a tivesse salvado e rompeu a chorar No sabe o que tem feito! Ento se ps a correr s cegas, enquanto seu corao se fazia pedacinhos.

Assim, Mary Carmichael se comprometeu, no com Hunter, seu amado, nem com Hugh, a quem desprezava, a no ser com Edward, o plido e bondoso Edward, cuja venerao por sua pessoa amaldioava cada vez que a olhava com aqueles olhos azuis, transbordantes de amor, admirao e reverncia. Aquilo era muito cruel. No podia suport-lo. Sentia uma dor dilaceradora no corao cada hora, cada minuto, cada segundo que

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passava pensava em Hunter, que a esperava em Mheadhoin, to longe e, entretanto, to perto. Oh, amado, amado meu. No posso me reunir contigo, jamais poderei faz-lo Os soluos subiam pela garganta, asfixiavam-na, a impedindo de respirar. Estava frentica, desesperada, consumida pela saudade, doente de melancolia. Nem sabia como comunicar a Hunter a situao em que se achava. Em quem poderia depositar sua confiana para falar de seu perigoso e proibido amor? No lhe permitiriam voltar a sair sozinha, depois das bodas, agora que se sabia que no estava grvida do MacBeth. Oh, Deus! Hunter pensaria que se esqueceu dele, zangar-se-ia com ela, pensaria que havia tornado a consider-lo um estpido, e seu amor se permutaria em dio. Oh, Hunter, Hunter! Que Deus amaldioe seu orgulho! E sua honra, porque vou casar-me com um homem que fez o que eu no pude lhe pedir! Cada ponto em meu traje nupcial uma agulha em meu corao, uma lembrana de nossa separao! Costurei to devagar, meu amor, espera que viesse me buscar. Mas no o faz, e meu vu j est terminado. Sim, meu vu, Hunter, porque me estragou para outros homens. a voc quem amarei at o final de meus dias, apesar de que sua honra tenha suposto a morte, se no de meu corpo, sim de minha alma. Deveria ser negro, pensou Mary quando se contemplou no espelho. As dobras prpuras de seu vestido de noiva a envolviam como tufos de nvoa sobre os pramos escoceses. Superou a si mesma na confeco, decidida a no apresentar-se na cerimnia como uma ovelha levada ao matadouro, a no ser com o resistente orgulho que distinguia seu carter. Sabendo que muitas pessoas ririam dissimuladamente de sua desonra e

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pontuariam Edward de estpido, ela jurou manter a cabea alta e fechar os ouvidos a suas risadas. No lhes daria a satisfao de v-la, a filha de um chefe das Terras Altas, humilhada o dia de suas bodas. Entrou na capela como uma rainha, regiamente, e sem afastar a vista da frente avanou com parcimnia at o altar, onde Edward a esperava tmido, ansiosamente. Por um silencioso instante, no houve nem um s membro masculino do cl que no pisoteasse sua alma por ocupar o lugar de Edward, pois Mary estava to formosa que cortava a respirao. O primoroso cetim violeta de seu traje flutuava como uma nuvem que margeava a lua durante a ceifa, refulgindo com intensidade, fazendo ressaltar seus olhos em seu plido rosto com dramatismo. Na sianinha de sua saia, brancos unicrnios rampantes com asas, chifres, crinas, caudas e cascos dourados partiam audazmente sobre o bordado. Encaixes dourados dedilhavam os cs do tecido que arrastava pelo cho. De seus ombros, segura com um par de distintivos de ouro, pendia uma larga cauda de cetim prpura, guarnecida com pele de arminho e forrada com brocado dourado. O mesmo forro de ouro adornava as mangas interiores que apareceram quando agarrou a Bblia, o rosrio e o ramo de cardos que tanto havia custado conseguir. Levava sua larga cabeleira loira recolhida em duas grossas tranas que se enrolavam sobre suas orelhas em coques, posto que, segundo a tradio, o cabelo solto indicava virgindade. As duas tranas estavam adornadas com fitas de cetim violeta e flores iguais s do ramo. Calava umas suaves botas de couro branco que mal produziam rudo quando andava, e de seu esbelto e trmulo pescoo pendurava um crucifixo de ouro macio. Finalmente, ajoelhou-se aos ps de Edward, que a olhou contente, antes de inclinar-se para tomar sua mo. Juntos voltaram para o sacerdote

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e repetiram suas promessas. Continuando, Edward a beijou docemente; foi um beijo de primo, de irmo, de marido, mas no de amante. Mary mordeu o lbio e viu uma gota de sangue em um de seus dedos. Os cardos de seu ramo a tinham cravado sem piedade, igual a um espinho de tristeza lhe atravessava o corao. Depois da breve cerimnia, celebrada na intimidade, no se ofereceu banquete, no houve mesas que rangessem sob o peso dos pratos, nem vinho tinto para brindar pelos recm casados, nem animao de gaitas de fole e risadas, nem danas das Terras Altas at altas horas da noite. O que seguiu cerimnia foi o dormitrio de Edward e sua enorme cama com dossel, em que Mary se deitou e esperou seu marido, desejando morrer.

Mary Carmichael passeava impaciente, pelas ameias de Bailekair; uma figura solitria envolta pela nvoa cinza da manh, to isolada como as circulares torres de guarda situadas em pontos estratgicos ao longo das altas muralhas do forte. Como nada avistava, a moa suspirou e amaldioou a nvoa que cobria as Terras Altas. Quantos? Quantos membros do cl Carmichael retornariam sos e salvos aos seus lares? Enxugou as gotinhas de gua que se aderia a suas pestanas e aguou de novo a vista. Pelos pregos de Cristo! Quando voltariam? Recordou ento a ltima vez que vira a branca tez de Edward. Edward, seu marido. A preocupao que sentia no fez mais que incrementar-se. Posou as mos sobre o ventre, redondo e volumoso, onde albergava o filho de seu marido. Chegaria a conhecer seu pai? O menino foi concebido a noite de bodas, por isso se converteu na lembrana daquela ignominiosa noite da candelria. A moa mordeu o lbio inferior, enquanto evocava o ocorrido aquele dia. A silenciosa e apressada cerimnia; a pequena

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estadia de Edward, que a partir de ento compartilhariam; a espera, fria e tensa sobre os lenis; a tmida embora ansiosa estupidez de seu marido na escurido; a dilaceradora splica que ela proferiu. No me toque! Ele retrocedeu e, tremendo levemente, acendeu uma vela, pois o dormitrio estava gelado devido ao ar que penetrava por debaixo da porta e as pequenas venezianas de madeira. Contemplou-a em silncio a dbil luz da vela com gesto de perplexidade e dor. Que no a toque? Quando levo toda a vida esperando a que chegue este momento? No poderia suport-lo balbuciou Mary com muita dificuldade. Ele acreditou compreender o que ocorria, e assim o refletiram seus brilhantes olhos azuis. Amaldioou a si mesmo. Como possvel que no pensei nisso antes? disse Oh, minha pobrezinha. Sei que lhe fizeram mal e que se aproveitaram de voc, mas no tem por que ser dessa maneira. Deixa que lhe demonstre isso. Eu curarei as feridas que produziu esse MacBeth filho de cadela. Trat-la-ei com delicadeza, moa. Trat-la-ei com delicadeza, moa. Ela teve a sensao de que passara uma eternidade desde que Hunter pronunciou essas mesmas palavras. Oh, Hunter, Hunter. Segue me esperando, e eu no posso me reunir com voc. Nunca poderei me reunir com voc. Uma dor escura e triste lhe rasgou o corao. Olhou o homem cuja adorao por sua pessoa a liberou do desterro e impediu realizar seu maior desejo. No o odiava; no podia. Oh, Hunter!

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No, Edward, no o entende. Mal podia falar Nunca deveria se casar comigo. Temo que perdeu seu prestgio no cl em troca de nada. J lhe disse que no me importa o que pensem! Quero-a, Mary. Sempre a quis. No me importa ter cado em desgraa, ao me desposar com voc, nem que outro homem a haja possudo contra sua vontade e a tenha ultrajado. Engana-se, primo. No sou a mulher que pensa; s sou uma casca, uma casca vazia. Embora se sacrificasse nobremente e com a melhor das intenes, no tenho amor com que corresponder ao seu. Levo toda a vida a esperando replicou ele docemente Posso esperar um pouco mais. No quero a pressionar. Com o tempo acabar por me amar como eu amo voc. No, meu bom Edward, embora desejasse que assim fosse, porque eu no gosto de lhe causar dano depois de haver levado to bem comigo. Querido primo, no fica amor em meu corao para outro homem, e uma semente no pode crescer em terra baldia. No no a entendo, Mary. Acaso no a salvara de Hugh, a quem aborrecia? Acaso no a liberara de um destino pior que a morte? Aquela no era a reao que esperava dela. Ela o olhou como um servente olha a um bezerro antes de mat-lo, e sua expresso de lstima e vergonha no fez a no ser frustrar e confundir Edward. No no posso a amar, Edward; sigo a querendo como sempre, como um irmo. Amo amo outro homem, e continuarei amando-o at o dia em que morra, embora no volte a sentir seus doces beijos sobre meus lbios.

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Edward torceu o gesto, atnito. No dava crdito ao que acabava de ouvir. Mary s podia referir-se a um homem: ao cigano MacBeth! Quem se no? Quem se no podia beijar aqueles suaves lbios, hav-la abraado calidamente e feito amor na escurido de uma estadia? A clera comeou a apoderar-se dele. Como era possvel? Pertencia a ele! Era sua ninfa dourada! Converteu-se em um fantoche por sua culpa! Tinha atirado pela amurada toda uma vida de preparao para o sacerdcio! E ela, que deveria haver-se jogado aos seus ps em amostra de agradecimento e respeito, desdenhava-o e compadecia! Edward no podia suport-lo. Pela primeira vez em sua vida, se sentiu preso da ira. Agarrou Mary e a sacudiu bruscamente. No! No! No certo! No posso nem quero aceit-lo! No possvel que ame esse esse covarde filho de cadela que no vale nem para lhe limpar os ps! No! Como pde? Um inimigo de nosso cl, que a separou de nossa famlia, que a desonrou de forma irremedivel No possvel que se entregasse por vontade prpria o que agora nega a seu marido, a seu senhor! Lamento-o, lamento-o seriamente, querido Edward, mas sim, esse meu pecado, e agora sofro meu castigo por ele, j que jamais voltarei a ver meu amado. Por favor, agora me deixe. A raiva se apropriou dele at lhe fazer perder o controle. Que a deixe? No, senhora. Meu irmo tinha razo! uma rameira! Entregou-se a nosso inimigo! Verdade? Pois eu no vou ser menos! Foi ento quando Edward a violou, com brutalidade, com ferocidade, com uma selvageria que consternou e assustou aos dois. Mary permaneceu rgida debaixo dele, incapaz de dar crdito crueldade que mostrava seu amigo da infncia enquanto lhe arrancava a camisola,

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imobilizava-lhe as mos por cima da cabea e a penetrava barbaramente. Suas bochechas se alagaram de lgrimas pelo ultraje que estava sofrendo aquilo que to livremente compartilhara com seu amante. Pouco depois, Edward se afastou desiludido, no s fsica, mas tambm mentalmente. A partir de ento no voltaria a ser o mesmo. Dir-se-ia que uma luz escureceu sua alma. Sua mente no podia aceitar a destruio do sonho que durante tantos anos abrigou. No era o bastante forte e realista e, por causa de seus defeitos, de suas deficincias como ser humano, converter-se-ia no homem mais triste: um homem carente de sonhos. O ardor de Edward foi apagado pela confisso e o rechao de Mary, e nada conseguiria aviv-lo de novo. Era como se encerrasse em um mundo prprio, um lugar que nenhum homem se atreveria a pisar e ao que Mary no tinha acesso. J era muito tarde quando tentou falar com ele para salvar o que pudessem de seu pattico matrimnio. Do mesmo modo que Edward era dbil, assim de trgico era seu carter e assim de frgeis seus sonhos. Apostou pelo amor e perdeu, o que lhe resultava insuportavelmente cruel. Parecia que no conhecia Mary. Converteu-se em um verdadeiro estranho. s vezes a olhava, mas no a via; ento Mary sabia que se retirou do mundo dos vivos ao inferno que ele mesmo criara em sua mente. Comeou a levar um cilcio sob o cinturo. De noite, se concentrava na leitura da Bblia. Velava na capela de Bailekair para rezar e meditar em companhia do padre Matthew, o capelo do castelo. Jamais esquecia o rosrio, a menos que estivesse praticando para obter o ttulo de cavalheiro. Observava de marco em marco Mary, enquanto movia silenciosamente os lbios e contava os mistrios do rosrio. Ela sabia que a desprezava.

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Venha! Diga que me odeia exclamou ela No o culpo! Mas parecia que no a escutava. a mim mesmo a quem odeio, a mim a quem culpo! queria responder O sonho era meu, no seu; voc nunca teve esse sonho. Por que no me dei conta disso? Oh, Mary, mas o que tenho feito? Seriamente, o que tenho feito? Perdoe-me, me perdoe. Mas as palavras lhe engasgavam, e a distncia entre os dois comeou a aumentar de forma irremedivel. Edward se sentia enojado pela violao; ele que amava a beleza e a harmonia, a bondade e a compaixo, cometeu uma atrocidade infame. Tinha chamado rameira a Mary; tinha-a ultrajado da maneira mais ignominiosa de que um homem podia valer-se para causar dano e humilhar uma mulher. Desprezava-se por tudo isso e, embora no era o bastante valente para procurar a morte, aguardava sua chegada, rezava para que se liberasse da dor e os azedos remorsos que corroam seu corao e por expurgar esse ato horrvel e brutal de sua alma culpada. Seus olhos adquiriram um brilho estranho, o reflexo de uma espera que assustava a Mary. Edward no voltaria a toc-la. Entretanto, seu filho crescia no ventre da moa, lembrana constante da inutilidade de seu matrimnio e suas vidas. Mary no odiava o menino. Como poderia odi-lo, quando ela mesma era o fruto de uma crueldade semelhante? Mesmo assim, no podia esquecer que no era o filho do homem quem amava. Oh, a criatura que habitava seu ventre devia ser de Hunter e levar seu nome. Noite aps noite, Mary se deitava junto ao homem que era seu marido, mas ansiava a companhia de outro que no o era e que nunca o seria. Sentia-se doente de saudade por Hunter; agora sabia o que significava morrer em vida.

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Voltou vista para o castelo que se elevava na borda oposta do lago; Glenkirk. Hunter. Oh, era um tortura que se achassem to perto e to longe ao mesmo tempo. Ele a teria esperado tal como prometera? Estaria ainda aguardando-a? O que pensaria ao ver que ela no retornava? Tambm ele a desprezaria? Aquela ideia resultava muito dolorosa, e Mary a separou de sua mente enquanto os soluos nasciam em sua garganta. Devo pensar em Edward, meu marido. Quando voltaria? Oh, ele no estava feito para a guerra, a no ser para rir e arrancar doces melodias a sua flauta de madeira; no estava destinado a morrer, que era ao que Mary acreditava lhe haver empurrado, por quanto agora compreendia a que respondia esse estranho brilho que cintilava nos olhos de Edward; via-o nos seus cada vez que se olhava no espelho e recordava a seu amado. Oh, Edward, o plido, era muito frgil, muito potico para suportar os rigores da batalha; no era como o bronzeado Hugh, que desfrutava com as amostras de hostilidade e ria cruelmente antes de esmagar o inimigo, fosse com sua lngua viperina ou com sua fulminante espada. Mary quase podia ouvir seu primo proferindo o grito de guerra dos Carmichael: Buaidh no Bs vitria ou morte. E rogava que, se algum devia morrer fosse Hugh, cujos brancos dentes cintilaram malevolamente, ao jurar que lhe separaria as pernas e a possuiria como a rameira que era. Mary tremeu ao frio ar da manh enquanto recordava. Quanto se zangou, quando Edward se casou com ela para liber-la do desterro e a vergonha. Quanto ansiou encontr-la s para lhe pr as mos em cima e prometer que se apoderaria dela, embora tivesse marido. Sim, se os Carmichael tinham que trazer algum corpo sem vida a casa para chor-lo, que fosse o de Hugh, por favor, no o de Edward.

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Mary no estava muito preocupada com seu pai e seus cinco irmos. Proteger-se-iam uns aos outros, como sempre, cobrindo as costas para que, em caso de que algum deles incorresse em um descuido, outro pudesse ocupar seu lugar e se defender at que o primeiro se recuperasse. Confiava em que fizessem o mesmo pelo homem com quem contraiu matrimnio, o homem a quem queria como a um irmo at que o destino decidiu lhes jogar uma m passada. Emendarei a situao jurou com o insensato ardor dos desesperados Se Edward voltar para casa, emendarei a situao. Com tempo Tempo era o que lhes faltou antes que a sombra da guerra civil se abatesse sobre a Esccia como um falco ao ataque. No tinham podido nem procurar um lugar na corte nem salvar o abismo aberto em seu matrimnio. A inimizade do rei com os Home e os Hepburn, surgida a consequncia das elevadas rendas de Coldingham, desembocaram em uma franca rebelio contra o trono. Os senhores insurgentes da fronteira se elevaram em armas contra James; sua majestade, depois de os acusar de traio, refugiou-se no norte, onde os condes de Huntly, Buchan, Errol e Crawford, assim como o arcebispo de Saint Andrews e o bispo de Aberdeen lhe eram fiis. O leo de Bailekair tinha reunido trs mil homens a favor da causa do soberano. Mary se via obrigada a permanecer, impotente, margem, enquanto seu marido, com quem havia se desposado apenas uns meses atrs, partia com o cl Carmichael para o campo de batalha. A separao resultou duplamente dolorosa, j que a moa se inteirou de que Hunter MacBeth tambm se dirigia para o sudeste para participar da batalha, embora no nas filas de James.

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Os rebeldes iam engrossando seu exrcito e fazendo-se fortes por toda Esccia. Tinham conquistado Dunbar e em Stirling tomaram prisioneiro ao filho do rei, o jovem Jamie, duque de Rothesay e herdeiro ao trono; um peo valioso e perigoso. O moo, de carter caprichoso e sensvel, s contava quinze anos de idade. Teria que lhe insistir muito para que pusesse os olhos na coroa e se unisse causa dos rebeldes? Assim, as mensagens iam chegando ao castelo, dia aps dia, para informar s mulheres de Bailekair dos movimentos de seus homens. Aquele dia, entretanto, a nica mensagem que receberam foi o silncio. Inquieta, Mary voltou a contemplar o vasto e deserto pramo; quando por fim caiu tarde, ainda no tinha recebido notcias. Aquela noite, se deitou em sua cama vazia e sonhou com tumultuosos campos de batalha e com Hunter MacBeth, que aparecia em meio da sangrenta refrega como um misterioso e fulgurante deus, a lombo de seu corcel branco e com sua resplandecente espada chapeada em riste.

Em 11 de junho, em um descampado chamado Sauchieburn, ao sul de Stirling, teve lugar batalha. O que estava em campo de batalha no era nada desprezvel: um reino e uma coroa. No curso da jornada, luz de um brilhante sol estival, lutou-se com valentia e ferocidade; o sangue deslocava como se fosse espuma vermelha sobre um mar dourado de retama e urze, e os atrozes gritos dos moribundos tinham esmigalhado o ar. Agora, entretanto, j no se ouvia o estrondo produzido pelo choque de umas espadas contra outras, as tochas contra os escudos e as maas contra as armaduras. O sangue comeou a secar no cho, e os mortos jaziam envoltos no silncio. Aqui e l, os saqueadores levavam o que

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encontravam, roubando alguma bolsa cheia de moedas ou cortando um dedo a um morto para apoderar-se de um anel de rubi. Hunter MacBeth embainhou ao fim sua poderosa arma, sorriu e desfrutou da honra de ser um dos muitos homens que se congregavam em torno do jovem Jamie, antigo duque de Rothesay, para levant-lo nos ombros, proclamar sua gloriosa vitria e cham-lo rei. O moo gritava e ria. A cabea dava voltas pela excitao que estendia ao redor. O vinho escorria pelos lbios enquanto bebia da pele. O momento era irreal, o jbilo, inusitado; era a ressaca de um frentico aougue que logo seria substitudo pela enfermidade e a vergonha. O moo, entretanto, no se dava conta, absorto como estava na v emoo que lhe produzia a vitria. Rei! chamavam-lhe todos, enquanto se ajoelhavam para lhe render honras.

Ao longe, o pai do jovem, derrotado, fugia desesperadamente do campo de Sauchieburn. Tinha perdido o reino e a coroa, e corria perigo de perder tambm a vida se no conseguisse escapar. Aguilhoou seu cavalo com crueldade para que acelerasse a marcha. Nunca foi um bom cavaleiro. O cavalo tropeou, e James foi parar ao cho. Gemendo, ficou trabalhosamente em p com o corpo dolorido e apoiou uma mo sobre uma ferida para estancar o sangue que brotava dela. A pouca distncia de onde se encontrava, um refgio captou sua ateno, lhe incitando amavelmente com um sorriso a que se aproximasse. Com a vista nublada, o rei cado no advertiu a falsidade daquele convite. Cansado e intumescido, avanou coxeando at o

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albergue com uma profunda sensao de alvio. Justo antes de chegar porta, caiu de bruos. As paletas de madeira do moinho de Beaton davam voltas ininterruptamente, chapinhando com suavidade enquanto rompiam a gua de quo corrente as impulsionava. A mulher do moleiro terminou de lanar o milho aos frangos e saiu do curral. Sacudiu as mos em um gesto de eficincia, inclinou-se para agarrar a cesta de ovos que havia a seus ps e deu meia volta. Por amor de Deus! Marido vem rapidamente. Ouve-me? O moleiro Beaton saiu correndo do pequeno abrigo onde estava colocando farinha em sacas de pano de saco para lev-las ao mercado no prximo sbado. Seu avental revoou formando uma leve nuvem branca, enquanto corria para sua mulher, que se tinha ajoelhado junto ao corpo de um homem. Est morto? No respondeu sua esposa gravemente mas pouco lhe falta. Ajude-me a o colocar na casa. O moleiro olhou ao redor com inquietao. Isto eu no gosto, esposa. Somos gente singela e humilde, e este homem aparenta ser um senhor rico. Se morrer Ento ser melhor que lhe auxiliemos. Imagina que morre e se v que o deixamos aqui jogado. O marido assentiu com a cabea e se inclinou para levantar o pesado corpo. Juntos conseguiram introduzir James em seu humilde lar e deit-lo sobre a cama. A mulher ficou rapidamente em ao: encharcou um pano para aplicar-lhe na testa e encheu uma tigela de gua para que bebesse.

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Pouco depois, graas a seus esforos, James elevou fracamente a cabea e esboou um sorriso de agradecimento. Me estou morrendo murmurou o rei derrotado. No, senhor. A esposa do moleiro tratava de lhe animar em um momento difcil Meu marido avisar o mdico e tudo sair bem. No resmungou James ao tempo que se incorporava e agarrava febrilmente o brao da mulher, que retrocedeu alarmada Um sacerdote! Diga a seu marido que chame um sacerdote! Esposa, no somos mais que gente humilde repetiu o moleiro, nervoso. O monarca procurou a provas sua bolsa de couro e soltou sua bolsa com mos trmulas. A bolsa caiu ao cho e se abriu, deixando sair vrios soberanos de ouro que rodaram em desordem ao redor. O moleiro e sua mulher ficaram olhando, atemorizados e perplexos. Um sacerdote sussurrou o moribundo uma vez mais No quero morrer sem me confessar. Por amor de Deus, homem! Esta manh, eu era seu rei! Virgem Santa, roga por ns! O moleiro Beaton se afastou assustado. Sua mulher se levantou da cama, onde estava sentada, retorcendo a saia nervosamente ao tempo que observava o ferido, emudecida pelo medo. Meu Deus! Um sacerdote! Um sacerdote! exclamou, enquanto saa a toda pressa de sua humilde casa e fazia sinal para chamar a ateno de uns cavaleiros que passavam rapidamente pelo caminho. Um deles se separou do grupo, desmontou e seguiu tremente mulher at o interior da casa. A mulher se fixou distraidamente em que levava

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armadura e uma tnica de algodo cinza e marrom. Ele lanou um olhar de crueldade ao plido rosto do homem que uma vez lhe tinha dado ordens. James piscou levemente e por um atroz instante abriu os olhos de par em par, aterrorizado. O sacerdote tirou ento sua adaga e o cravou no peito do rei. Sinto muito; este homem est morto. David MacDonald, depois de olhar ao moleiro e sua mulher, saiu resolutamente da casa. A sucesso estava garantida. A mulher cobriu tremendo a boca para afogar os terrveis gritos que ameaavam surgir de sua garganta. Deus santo, tenha piedade de ns murmurou, aferrando-se ao brao de seu marido para no desabar-se Esse homem no era um sacerdote. Cala, mulher! Acaba de cometer um assassinato. Joga o ferrolho porta. Acaso cr que um homem capaz de assassinar a um rei no mataria como moscas? Encolhida de medo, a esposa do moleiro se apressou a obedecer.

Longe dali, Hunter MacBeth e Patrick Hepburn deitavam ao jovem Jamie para que dormisse at que lhe passasse a bebedeira.

Por fim, chegou um mensageiro. James atacara os rebeldes em Sauchieburn, perto de Stirling, sem esperar aos leais do norte, que estavam a caminho e se dispunham a engrossar seu exrcito. Mary aguardava em silncio a que lhe informassem do resultado da batalha. A espera e o estado de alerta a impulsionaram a rondar de novo as ameias de Bailekair como se de uma tigresa enjaulada se tratasse. As

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demais mulheres do castelo, reunidas no salo principal, bordavam uma tapearia ao calor do pequeno fogo que acenderam para dissipar a fria neblina do vero que flutuava no ar. Lady Margaret manifestava abertamente que Mary no seria bem recebida entre elas, por isso esta se refugiou nos adarves do castelo, sozinha com sua tristeza. As duas ltimas noites, sonhou. Estava segura de que seu amado se encontrava a salvo. Acaso no era aquilo o que viuu nas terrveis e vvidas cenas de batalha que se formaram em sua mente enquanto dormia? Sim, no tinha que temer por Hunter. Mesmo assim, algo a intranquilizava, algo que no conseguia compreender. Ele se mantinha margem, como cheio por um pano de fundo, abatendo-se premonitoriamente sobre seus sonhos, mas sem aproximar-se suficiente para que Mary o visse com claridade. Talvez o amor que sentia por Hunter o escurecesse. Possivelmente se tratava de Edward No, pelo amor de Deus pensou a moa, enquanto observava o horizonte das Terras Altas Hugh quem perdeu a vida, no Edward! Ento, proferindo um juramento, abrigou-se com sua capa e se voltou para a torre. No esperaria mais para saber qual seria sua sorte: sairia a procur-la.

Quem lutou por seu legtimo rei se dispersou precipitadamente e retornou a seus lares com a certeza de que antes do anoitecer seriam acusados de traio. Seu plano consistia em refugiar-se atrs das muralhas de seus castelos para que, quando chegasse a hora do castigo, no tivessem que pendurar da forca ou perder a cabea no talho por um crime que no cometeram. O mais provvel era que os despojasse de suas

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propriedades e ttulos e os jogasse no calabouo. No melhor dos casos, teriam que pagar uma custosa sano. Quem apoiou a causa dos rebeldes e o jovem Jamie tambm retornaram a casa, mas no com medo, a no ser com a emoo da vitria e com a esperana de receber uma generosa gratificao pela valentia demonstrada na batalha. Entretanto, o cl ao que pertencia Mary no se encontrava entre os vitoriosos, o que ela intuiu antes de v-los. David MacDonald vislumbrava o futuro com claridade, quando avisou Hunter que no se vinculasse a James III. Mary esquadrinhou freneticamente o grupo de homens derrotados e se apressou a cont-los. Quantos eram? Ali estava Edward, seu marido, tremente e mais plido que nunca, mas vivo, graas a Deus, vivo! E tambm Gordon, silencioso, e o encantado Charlie, com semblante preocupado, e assustado por alguma razo, ordenando-a que se fosse que voltasse a Bailekair. Seu p, onde se achava seu pai? Mary, com o corao em um punho, deteve Desmond. Ento compreendeu por que seus irmos no queriam que se aproximasse de colina. Desmontou lentamente e avanou tensa, para o corpo que repousava sobre o cavalo baio de seu pai. P pai? Papai? Mary j sabia, antes de pronunciar a palavra, que no podia lhe responder, que no lhe responderia jamais. O poderoso leo de Bailekair estava morto. Comeou pensou a moa, estranhamente alheia situao, como se ficasse aturdida depois de um golpe que no tivesse notado A ltima parte da maldio a que faz referncia a lenda comeou a cumprir-se. A velha bruxa de meu sonho o predisse e me advertiu, mas eu me neguei a

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escut-la. Hunter e eu pecamos, e assim provocamos que Deus descarregue sua ira sobre todos ns. Malditos. Estamos malditos os dois.

Suas penas sero muitas a causa da dor que ocasionou. Cpula por cpula, igreja por igreja. Tudo voltar a ser como era em um princpio E o grande vale se ecoar dos lamentos de dor e tristeza e dos talhos ficar o anjo da morte com sua poderosa foice.

Meu Deus me perdoe! No, Mary. Sem que ela se precavesse, Gordon se aproximou de seu lado e a sustentava, pois lhe falhavam os joelhos No o olhe, por favor. Mary no lhe escutou. Tenho que sab-lo disse. Retirou o lenol que cobria seu pai e a ponto esteve de desmaiar. A Magnus Carmichael tinham afundado o rosto; quo nico ficava de seu belo rosto era uma polpa sanguinolenta; seus loiros cabelos estavam emaranhados com os restos do crnio e os miolos; o nariz tinha deixado de ser o firme e arrogante trao distintivo do cl Carmichael ao ficar deslocado para uma das laterais daquela massa; um de seus olhos de lavanda pendurava de sua concha. Aaaaahhhhh Mary retrocedeu, gemendo, com os olhos alagados em lgrimas. Gordon a agarrou antes que casse, enquanto Charlie voltava a tampar aquela confuso para evitar que ela o visse. A moa comeou a vomitar blis verde no cho e se convulsionou entre arcadas at que j no ficou nada mais que jogar. Tremente, ajoelhou-se e se apoiou no brao de seu

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irmo. Edward se aproximou ento para lhe limpar o rosto com um trapo enquanto outros se reanimavam inquietos sobre suas cadeiras. A mulher que antigamente ele quis amar e proteger se assemelhava agora a um pssaro ferido; a situao em que se achava despertou a compaixo de Edward, comoveu-o apesar dos muros que levantara para distanciar-se, muros que j comearam a rachar dois dias atrs por causa dos sangrentos horrores da guerra e os alaridos de agonia dos moribundos. No deveria vir, Mary. No deveria olhar o corpo disse com voz suave, enquanto lhe acariciava o rosto e tratava de consol-la Pense no menino. Mary o abraou com paixo. Seus olhos violetas, aqueles em que ele se afogria tempo atrs, brilhavam atemorizados. Oh, Edward, Edward, como ocorreu? As lgrimas brotavam copiosamente. Abandonando-se fria armadura, ocultou o rosto no peito de seu marido e esqueceu por um momento a tenso e a amargura de seu matrimnio. No sei disse meneando a cabea em sinal de tristeza No sei. Avancei para o proteger de uma lana inimiga, mas quando me voltei, j estava morto. Hugh se encontrava com ele, quando caiu. Hugh se encontrava com ele, quando caiu. Aquelas palavras ressonaram na mente de Mary como se fossem um estribilho sem ps nem cabea, enquanto olhava a seu odiado primo. Hugh se encontrava com ele, quando caiu. O que ocorreu? perguntou de novo. Foi uma tocha inimiga respondeu Hugh Meu cavalo escorregou, e no pude o salvar.

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Estava mentindo, e Mary sabia, com a mesma segurana com que sabia que o sol sairia ao dia seguinte sobre Bailekair. Hugh, que era capaz de afundar a cabea a um homem com uma espada ou uma tocha, mentia. Mas por qu? No estaria aquele golpe fatal dirigido a Edward Edward, que se inclinou no ltimo momento para desviar uma lana inimiga? A tocha, assim que recebia impulso, no podia ser detida. Teria morrido seu pai por engano? No! Hugh assassinou ao seu pai! Claro, que fcil devia resultar no fragor da batalha; cavalgar para seu lado fingindo proteg-lo, lhe atirar o golpe quando estivesse despreparado e ningum olhasse; fcil, responsabilizar logo o inimigo. Quem podia dizer agora como morreu o chefe do cl? Eram muitos os homens que morriam no campo de batalha. Os cavalos escorregavam por causa do sangue. Ningum, exceto Mary Carmichael, poria em dvida a histria que contava Hugh. Entretanto, Mary sabia que era Hugh quem empunhava a tocha que arrebatou a vida a seu pai. Tinha-o adivinhado ao lhe olhar aos olhos, ao perceber o desejo que se refletia em seu rosto, enquanto observava como ela abraava Edward. Tinha matado seu pai no campo de batalha como a um co. Mas por qu? Drogaram-me, moa, drogaram-me, srio! De repente, Mary recordou aquelas palavras de seu pai e se sentiu envergonhada e culpada. Agora sabia a verdade. O conde no estava em seu so julgamento, quando concedeu sua mo a Hugh, e Hugh sabia. Teria suspeitado Magnus o que ocorrera em realidade? Tinha-o matado Hugh porque sabia? Mary se aproximou de seu primo at quase toc-lo, de tal forma que s ele poderia ouvir as palavras que ia dizer-lhe. um assassino, filho de cadela! resmungou.

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Ele entreabriu os olhos e sorriu com gesto zombador. Ante aquela atitude, Mary perdeu a pacincia e, deixando de chorar, descarregou toda sua ira sobre ele, dando-lhe um bofeto na boca. Ele nem pestanejou, embora Mary intusse que algum dia lhe faria pagar por esse golpe, j que naquele momento no podia possu-la, no podia arrast-la pelo barro e obrig-la a implorar compaixo, que era o que em realidade desejava fazer. Por amor de Deus, Mary! No foi culpa de Hugh! Gordon e Charlie se apressaram a afast-la de seu primo. Ela os olhou com lstima e inquiriu: Quem mais acompanhava meu pai? Ian, por qu? Charlie se perguntou no que estaria pensando a moa. Ian. Mary olhou seu irmo maior com frieza. Claro, quem se no? Ela sabia muito bem quanto se queriam os dois irmos de adoo. O golpe fatal que Hugh atirou a seu pai havia valido ao Ian um condado. Seu irmo e eu estamos muito unidos. Que bem recordava aquelas palavras! Um violento tremor percorreu todo o corpo de Mary. O corao pulsava a uma velocidade angustiosa. Tinham planejado a morte de seu pai! A partir daquele momento, teria que estar alerta contra suas ambies e desejos. Acabavam de matar seu pai. O que fariam agora? Edward; no podia voltar a perder de vista Edward. Se Edward desaparecesse, encontrar-se-ia desprotegida ante eles, j que ento Ian se converteria em seu guardio; Ian, que no professava muito afeto a sua irm. Ele a entregaria a Hugh, que obteria assim o que desejava: uma rameira de quem poderia dispor a seu desejo. Meu Deus!

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Sem deixar de tremer, Mary se voltou para seu marido e posou a mo em seu brao. Edward, acompanha-me ao castelo? Sim, senhora, claro que sim. Mary se voltou, montou em Desmond e o esporeou para afastar-se de todos eles junto com Edward. No queria que vissem suas bochechas, ainda midas, embora no pelas lgrimas de cristal que a tristeza lhe fez verter antes, mas sim pelas convulsas lgrimas de fria que comeava a derramar pelo fato de ser uma mulher desesperada e indefesa ante Ian e Hugh Carmichael.

Hugh observou como se afastavam e logo aproximou seu corcel ao do Ian. Sabe. Acreditava que no o suspeitaria, primo? Ian o olhou fixamente No tola. No, suponho que no. De todas as formas, preferiria que no me odiasse tanto comentou Hugh com expresso tensa Poderia dizer aos outros. No se preocupe disse Ian, entre risadas Guardar o segredo. Agora que tem cado em desgraa ningum acreditaria. E quanto a que no gosta de Ian se encolheu de ombros em um gesto de indiferena quando a tiver na cama, isso carecer de importncia. Acredite-me, primo, as rameiras so todas iguais. Uma vez que consegue que abram as pernas, no deixam de pedir mais. Hugh olhou seu irmo de adoo, meditabundo. Pergunto-me, Ian, quem pedir isso a voc.

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melhor manter certas coisas em segredo.

A noite pressagiava morte. A nvoa se abatia sobre o castelo de Bailekair como se fosse o anjo do Apocalipse: os cinza tufos que levantava sua foice avanavam para o castelo com um sigilo gelado. No grande salo em que jazia o corpo do conde, as tochas tremiam misteriosamente, desenhando sombras bailarinas sobre os muros de pedra, fantasmas que iam ao castelo para levar o leo de Bailekair a sua fria tumba. Mary tirara a armadura para lhe lavar o corpo, que j comeava a corromper-se, e limpar todas e cada uma das manchas de sangue e sujeira incrustados na pele. Fez uma pausa para escorrer o pano. As gotas caram na bacia com um chapinho como se tilintassem; gotas tintas de vermelho, j que estavam mescladas com o lquido vital que tinha deslocado vigorosamente pelas veias de seu pai. Mary afastou o cabelo do rosto e afogou um soluo para conter as lgrimas. Joanna apareceu naquele momento com a capa de tartn de cerimnia do conde, e juntas, absortas em seus pensamentos, vestiram-no com cuidado e ternura luz das tochas. Esta minha menina bonita! Que valente ! exclamava o senhor Magnus entre risadas, levantando sua filha dando voltas Sentiu falta de mim, Mary? Oh, como poderia me esquecer de minha menina favorita, n? Olhe em minha bolsa, filha, e ver como encontra alguma guloseima que voc gostar. Bom, um anjinho desceu do cu e me sussurrou ao ouvido que Joanna queria uma harpa dourada para seu aniversrio. Voc gosta encanto?

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Joanna, pergunte outra vez. No estava em meu so julgamento, seriamente. Do contrrio, jamais teria dado sua mo a Hugh. As duas moas cruzaram os braos do conde sobre seu peito e, ao fazlo, tocaram-lhe as mos e as recolheram com fora em cima do cadver. Olharam-se com os olhos arrasados em lgrimas derramadas pelo homem a quem tinham querido. Queria-o. Deveria lhe haver dito algo antes que sasse, mas no acreditava que A Mary quebrou a voz. Tinha a perdoado disse Joanna com voz baixa No fundo, tinha a perdoado. Do contrrio, no intercederia por voc ante o conselho para que lhe liberassem do desterro. Perdoe-o e esquece-o, Mary, para que possa descansar em paz, esteja onde esteja. Oh, papai, perdoo voc! Perdoo voc! Mary certamente moveu a mesa com seu apaixonado arranque, pois o brao do conde deslizou do peito at os finos dedos da moa. Ela agarrou em silncio o fornido membro e desafogou a tristeza que alagava seu corao. Oh, jamais voltaria a ver aparecer sua bela figura sob o restelo de Bailekair a lombo do enorme corcel baio que tanto apreciava. Nunca ouviria de novo suas fortes gargalhadas ressonar pelo palanque quando lhe contavam uma piada. No voltaria a apoiar a cabea em seu colo pelas noites, sentados ao calor do fogo, enquanto Joanna bordava silenciosamente em um canto. As duas moas elevaram a vista com curiosidade ao ouvir uns passos que desciam pelas escadas em direo ao salo principal. Tratava-se de Alinor, que se mudara a Bailekair ao estalar a guerra civil para estar com a famlia de seu marido, j que a corte deixou de ser um lugar seguro.

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A esposa de Charlie no era feliz no grande castelo. Oh, no era a torre em que viviam o que a deprimia, j que seu prprio lar, Eadar D Voe, ao estar situado na costa, era ainda mais mido e cansativo que Bailekair. No, era o ambiente do castelo o que a oprimia at o mais fundo. No simpatizava com lady Margaret. Com grande astcia, a bela moa j adivinhara que a condessa era uma tirana sem escrpulos cujo ego no conhecia limites. No se deixava enganar por aquela fachada de insensvel austeridade; em realidade, presumia que debaixo dessa fria expresso ardia o corao de uma fantica fervente. A condessa aterrorizava s criadas, e Alinor se daria conta sozinha ao desafi-la abertamente. A esposa de Charlie era uma Murray, circunstncia que a jovem recordava condessa de Bailekair sempre que podia. Se apresentava a ocasio, Alinor podia ser mais custica que a prpria lady Margaret, por isso esta acabou sentindo respeito pela poderosa mulher de seu filho menor. Essa ruiva de olhos verdes matreira como uma harpia dizia lady Margaret Ah raposa! Quando Alinor se achava presente, a condessa andava levemente, temendo despertar a besta do mau humor que habitava no interior de todos os Murray. Graas a Alinor, a vida resultava mais suportvel a Mary e Joanna, pois ela no as desprezava como o resto da casa. Sem ela, os outros as tratariam com crueldade, dado que quem as apreciava se mantinham agora distantes por medo de que a condessa se vingasse delas descarregando sua ira como o fazia cada vez que algum mostrava um mnimo de amabilidade com a rameira e sua fulana (assim era como as chamava agora). Alinor chorou quando viu o conde, que tinha danado com ela o dia de suas bodas e paquerado escandalosamente com sua me.

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Era um bom homem disse muito melhor do que merecia quo hipcrita agora choraminga acima. Como se atreve a chorar quando sequer lhe preparou para o funeral? perguntou Mary com amargura. Talvez estas sejam lgrimas de alegria aventurou Joanna. Os olhos de Alinor se escureceram, tingindo-se de um intenso tom esmeralda. Lady Margaret viver para lamentar este dia. Esto prontas para ver os outros? Sim. Hugh se encontrava com ele, quando caiu. Mary queria pronunciar essa frase bem. Apertou os punhos contra as tmporas por ensima vez em uma tentativa por afogar o terrvel eco das palavras que lhe disse Edward. Mas no pde. Inclusive no meio do clamor choroso que produziam as mulheres que se congregaram no salo principal podia as ouvir. Hugh se encontrava com ele, quando caiu. As gaitas de fole soaram melancolicamente enquanto o cl Carmichael transportava o corpo de seu chefe e capito ao cemitrio situado nas colinas que dominavam Bailekair. Os homens levavam capas de luto, e as mulheres arascaids negros; os nicos adornos que usavam eram as cores do tartn e os tonnags, seguros com broches de prata em que estavam gravados os brases dos Carmichael: Bailekair, Dndereen, Leabhaidh ao Nathair, Moy Heath, Crnwick, Abergorra e Glochlomond. Uma multido de condes, bares, senhores, cavalheiros e damas desfilavam para a tumba para apresentar seus respeitos ao defunto conde e depositar ramos de urzes, samambaias, cardos e retamas sobre o tmulo. Tambm acudiram representantes dos cls vizinhos, da mesma maneira que os

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Carmichael enviavam membros de seu cl aos funerais daquelas famlias no passado. Ao enterro de lorde Magnus assistiram delegados dos Murray, os Fleming, os Douglas, os Campbell, os MacDougall, os Hamilton, os Lindsay, os Gordon, os Duff e os Chisholm. As mulheres choravam e gemiam, enquanto os homens danavam danas funerrias. Mary, acompanhada por Edward, apoiou-se pesadamente no brao de Joanna, que passara muitas noites ao lado da moa, enquanto esta aliviava a dor que oprimia seu corao. Tinha sido ela com quem se desafogou. Pois s uma mulher pode compreender a terrvel dor que sente uma moa, quando perdeu o homem que quer. A vingana de James IV permanecia no momento em um segundo plano. O jovem rei tambm estava de luto. Agora que se assegurou o trono, chorava a morte de seu ambicioso e inativo pai, quem seus homens mataram no moinho de Beaton. Era como se toda Esccia se paralisasse pela tristeza, embora os mensageiros no deixavam de ir daqui para l; no grande salo de Bailekair, depois de que o jantar tivesse finalizado e as mulheres se retiraram, vrios homens mantinham conversas furtivas at altas horas da noite. Mary agradeceu poder desfrutar de uma temporada de tranquilidade, pois lhe dava uma pequena pausa de seu destino e de Hugh e Ian, que observavam reflexivos, seu volumoso ventre e aguardavam.

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Captulo 15
Hunter MacBeth se encontrava em seus aposentos de Glenkirk, olhando pela estreita fresta de sua janela o castelo que se elevava ao longe, na borda oposta do lago Ness. Bailekair. Observou, meditabundo, as torres do impressionante castelo, as finas aberturas, os balastreiros ao longo das altas ameias, as enormes muralhas Estaria ali, atrs dos muros que ela tanto queria? Teria acabado por aceit-la seu prometido? Ou acaso ele, Hunter, teria condenado sua amante a morte ao p-la ao alcance de Hugh Carmichael? Oh, por que no havia voltado para ele? A atormentada alma de Hunter estava infestada de perguntas sem resposta. Estive a esperando, Mary, meu amor. Estive a esperando em Mheadhoin, mas no acudiu. Por qu? Por qu? Oh, Deus, meu amor! Acaso no me ama ou que jaz em uma fria e escura tumba? Maldita honra! Condenado orgulho! Oh, Mary, no fui capaz de compreender que voc mais importante que tudo isso. Agora, entretanto, j muito tarde. Seus olhos procuravam continuamente aquela figura solitria que cavalgava no lombo de um corcel negro como o carvo. Mas no pramo das Terras Altas s se via um interminvel manto de samambaias dourado como os cabelos de seda de sua amada. Bailekair, me diga se meu amor se acha em seu castelo. Aquele estribilho sem sentido ressonava uma e outra vez no corao de Hunter, mas no obtinha resposta. Que estranho que antes no se deteve a contemplar o castelo, sabendo que se encontrava ali, ao longe, igual montanha purprea que se erguia majestosamente atrs dele. Nunca se

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fixara naquelas altas torres, que pareciam elevar-se para acariciar o cu. Agora queria memorizar cada um dos detalhes da fortaleza para pod-los recordar tal como recordava todas as feies do cativante rosto de Mary Carmichael: os olhos de cor violeta, o cabelo dourado, a tenra boca. Sua imagem teria gravada com fogo em sua alma! Se fechava os olhos, ainda podia saborear aqueles doces lbios que estremeciam ao contato com os seus, cheirar a fragrncia a urze que emanava seu dourado corpo, sentir seus trementes seios sobre seu bronzeado corpo, ouvir o tmido gemido de entrega que proferia, quando ele entrava na suave concavidade que flanqueavam suas coxas. Oh, Mary! Por que no retornou comigo? Hunter precisava saber o que ocorreu. Cravou o olhar na mensagem que descansava sobre sua mesa. Tinha chegado a Glenkirk aquela mesma manh, e o escudo estampado no selo causou revoo em todo o castelo, pois era do rei. Ao parecer, o jovem Jamie no esquecia a quem serviu (e bem que o serviram) no campo de batalha. Hunter podia lhe pedir o que quisesse; ele o concederia. Pelo que se indicava no pergaminho, deduzia que o rei o premiava com um favor muito especial ao permitir que escolhesse ele mesmo a gratificao que quisesse. Sabia, alm disso, a razo que impulsionava o monarca a faz-lo. Quando o estandarte de James caiu na batalha, Hunter pegou a bandeira antes que tocasse o cho e havia tornado a elev-la. Se as cores do jovem rei fossem pisoteadas no sangrento cho, seu exrcito teria suposto que seu chefe estava morto, e a causa, perdida, por isso se retiraria do campo de batalha. Ento, o pai do soberano obteria a vitria final aquele decisivo dia e, em lugar de morrer no moinho de Beaton, seguiria ocupando o trono da Esccia.

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Face pesada carga, Hunter continuou lutando, agarrando a bandeira com uma mo, a espada com a outra e as rdeas com os dentes. Graas a Deus, Craigor era um cavalo de guerra bem adestrado, digno de sua condio. Se no fosse assim, Hunter teria dificuldades para sair adiante. Aquela ao no passou inadvertida ao rei, da que Hunter pudesse escolher agora a gratificao que quisesse por sua valentia. Voltou a olhar pela janela para Bailekair, que se elevava orgulhosamente na lonjura. Agarrou ento a pluma e se disps a responder ao rei. S havia uma coisa em toda Esccia que ele desejasse.

Seguro que o rei gratifica com generosidade a Hunter exclamou emocionado, Francis, o menor dos MacBeth de Glenkirk Pergunto-me o que lhe pedir. Uma propriedade, sem dvida aventurou Blair, seu irmo maior. No, no acredito que pea isso, primo interveio Cadman, franzindo o cenho. Seu semblante, pelo geral alegre, refletia o temor que o embargava ante o que Hunter pudesse estar solicitando ao rei naquele preciso momento. O cl Carmichael podia esperar algo como o rapto da moa, mas o matrimnio Bom, isso era muito distinto. Nenhuma das partes daria seu consentimento unio. Ao menos naquele momento reinava a paz nas Terras Altas, por muito tensa que fosse. Cadman no queria nem imaginar o que poderia ocorrer se chegasse a romper. E mesmo assim, pensava: eu faria o mesmo por minha amada, e se deu conta de que seu corao ainda recordava Janet MacDonald, que jazia morta em sua tumba desde fazia vrios anos. Compreendo-o, irmo.

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Mas est louco, Cadman? disse, irritada, Euphemia, interrompendo assim suas divagaes Hunter seria um estpido se no aproveitasse semelhante ocasio para enriquecer-se. Estou seguro de que no pensava em riquezas, quando salvou as cores do rei disse docemente Grace, a meio-irm de Cadman, em defesa de seu primo. Bom, depois de tudo, este assunto s concerne a ele comentou pacificamente lady Sophia, condessa de Glenkirk, consciente da mtua m vontade que abrigavam sua filha e sua sobrinha, e temendo que estalasse a disputa que subjazia na conversa Alm disso, no saberemos o que decidiu at que nos diga isso. Ento vero que no acertaram absolutamente: o moo imprevisvel. A condessa meneou a cabea com um leve sorriso nos lbios. Hunter sempre foi um de seus favoritos. Cadman pensou: Imprevisvel, claro que sim. Em efeito assentiu lorde Angus, conde de Glenkirk, movendo sua perna ferida para estar mais cmodo. Grace advertiu em seguida a careta de dor que atravessava o rosto de seu tio. Quer que lhe troque de novo a atadura, tio Angus? No deve deixar que se infecte. Sim, moa, f-lo com tanta delicadeza respondeu o urso de Glenkirk embora, dado a cor destas marcas, temo que j se infectou, apesar de todos seus cuidados. Oh, acredito que j sou muito velho para combater no campo de batalha. Seria melhor morrer na glria, como meu velho inimigo Magnus, que apodrecer pouco a pouco. Angus franziu o cenho com tristeza No voltar a ser o mesmo agora que o leo no est para me perseguir e me tirar da toca.

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Agora pode faz-lo o cachorrinho, Ian disse Grace para lhe consolar Deixe-me ver agora essa ferida. A moa tirou lentamente a atadura e abriu os olhos alarmada ao ver que seu tio tinha razo. As feias marcas de cor avermelhada que margeavam a ferida se inflamaram e tinham adquirido um tom verde amarelado. Cadman, em meus aposentos h um preparado de barro e teias de aranhas. Poderia me trazer isso. Tia Sophia necessito de um pouco de brandy. Blair, necessitarte-ei, e a ti tambm, Francis. Sinto muito, tio se desculpou a moa mas temo que doer. Lorde Angus fez um gesto com a mo para tirar importncia s palavras de sua sobrinha. No pode me doer mais do que me di, Grace. No se preocupe por mim, encanto. Ela mordeu o lbio e assentiu com a cabea. Francis, aviva o fogo um pouquinho. A faca tem que estar muito quente explicou. Compreendendo o que aquilo significava, Blair desembainhou a adaga que pendurava de seu cinturo. A muito raposa pensou Euphemia Basta com que abra a boca para que toda minha famlia se apresse a obedec-la. O que vero nela, nesta rameira plida? a filha de um conde, mas eu sou a filha do chefe e capito do cl MacBeth. Como se atrevem a trat-la com tanto respeito, quando para mim a quem corresponde tal trato? Bom, ao menos teve que rebaixar-se: passou de David MacDonald a meu irmo Francis, um mequetrefe dois anos menor que ela. Oh, quanto ri ao me inteirar! Mereceu isso essa puta calculadora. O MacDonald deveria ser meu, e o seria, se Grace no penetrasse como um verme em seu corao.

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A Effie, no importava que aquilo no fosse certo, j que s via o que lhe interessava; tanto era assim que, quando David MacDonald a rechaou friamente, ela se jogou em seus ps, exclamando que Grace o enfeitiara e que no estava em seu so julgamento. Oh, que mais d concluiu Euphemia J encontrei o prncipe que ocupar seu lugar. Sim, um prncipe. Juntos, dominaremos as Terras Altas. Ento minha famlia deixar de me desdenhar. No era uma mulher bela. As formosas feies que caracterizavam aos membros de seu cl resultavam ordinrias e speras no rosto de Euphemia MacBeth. Entretanto, ningum a chamaria espantalho se no tivesse de modo permanente aquela careta de amargura nos lbios, aquele rictus nascido da inveja e a avareza. Effie apreciava as boas coisas da vida e nunca se sentia satisfeita, apesar de que suas arcas estavam abarrotadas de vestidos de seda e sobretudos de damasco, e seus portajoias guardavam tesouros que inclusive uma rainha teria invejado. No obstante, o que mais cobiava era a ateno dos homens. Qualquer homem lhe parecia bem: do moo de quadras mais humilde at os duques do reino. Todos elogiavam seus escassos encantos, embora o fizessem a contra gosto ou de forma lisonjeira. A ela, lhe escapava o fato de que a maioria de seus adoradores a desprezavam e se sentiam enojados quando a viam. Embora no fosse uma mulher inteligente, possua o engenho de um animal torpe, mas matreiro. Considerava-se uma mulher elegante e bela, e os olhares de lstima e desdm que lhe dirigiam quem a conhecia lhe passavam virtualmente inadvertidos. No tinha amigos, e at fazia pouco se consolou de seu celibato acreditando que, posto que todas as mulheres estivessem enciumadas dela, no

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podiam arriscar-se a lhe apresentar aos homens de sua famlia por medo de que estes se esquecessem delas. S uma nuvem escurecia o pavoneio a que se dedicava: Grace. Grace, cuja bondosa me morrera em um acidente. Lorde Torquil, o irmo de Angus, insistira em que sua tmida mulher montasse no lombo de um palafrn muito nervoso e rebelde para que ela pudesse control-lo. O corcel se desbocou, e a condessa acabara com o pescoo quebrado. Sua morte, ocorrida pouco depois da ruptura do compromisso entre Grace e David MacDonald, que ainda a queria calado, mas sinceramente, tinha completado a medida e sumiu Grace em um estado de prostrao tal que seu pai, enfurecido, decidiu envi-la a Glenkirk com a esperana de que o meio-irmo da moa, Cadman, conseguisse anim-la, e Francis, seu novo prometido, a fizesse esquecer o conde de Wynd Cheathaich. Suas esperanas se realizaram no referente a Cadman, j que Grace adorava seu meio-irmo. Quanto a seu prometido, o xito foi moderado, posto que Francis no sentisse inclinao por nenhuma mulher e aceitasse Grace simplesmente porque gostava e sabia que tinha que casar-se com algum. Uma larga conversa com seu pai a respeito do considervel dote de Grace persuadiu o benjamim da famlia de que o enlace resultaria vantajoso; e embora Francis estivesse contente com a bondosa e total Grace e inclusive lhe professava carinho, tratava-a com a frieza e o desapego dos jovens, algo que contribua pouco a aliviar a tristeza de uma pessoa com um nome to adequado. Do mesmo dia em que Grace chegou a Glenkirk, Euphemia desprezava enjoativa moa. O fato de que no a agradasse absolutamente que seu irmo se casasse com ela (apesar de que Effie considerava Francis um parvo de arremate) respondia simplesmente a que no podia suportar que

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houvesse um homem em seu entorno que no estivesse apaixonado por ela. Bem, de todos os modos, Francis partiria logo, igual a Blair. Seu irmo maior, Stephen, j tinha retornado a Faoghail, onde estava a servio do senhor Lachlan, outro irmo de seu pai. Na prxima semana Francis partiria para Oir Uisge, e Blair para Rath em Mara. De fato, j se demoraram muito em Glenkirk. Euphemia voltou a dirigir a Grace um olhar de dio. Algum dia jurou em silncio desfar-me-ei dessa puta. Oxal seu pai no a tivesse enviado aqui. Ento, com o ardiloso sorriso de algum que guarda um segredo que no pensa revelar, Euphemia desapareceu do salo sem que os outros se dessem conta.

Estava a esperando, Effie. Sinto muito. No pude vir antes explicou, enquanto desmontava e corria aos braos do alto homem de cabelo loiro que aguardava impaciente, sombra do bosque. O sol se filtrava por entre os ramos das rvores e iluminava brandamente seu srio rosto. O homem beijou os ardentes lbios da mulher ao tempo que lhe tirava o arascaid e a empurrava sobre sua capa, estendida j sobre a mida erva. Pouco depois estavam nus, pele sobre pele, e ele introduzia sua virilidade entre as ansiosas coxas da moa. Euphemia cravou suas largas unhas nas costas e comeou a lhe arranhar a pele. Sim, Oh, sim! gemia ela, gozando com cada ataque. Quando acabaram, permaneceram abraados, rendidos, com um sorriso de satisfao nos lbios. O homem lhe acariciou distraidamente os bicudos seios e pensou no pequenos e firmes que eram. Gostava porque

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era um avaro e lhe repugnava desperdiar algo por irrisrio que fosse. Por um minuto encheu a boca com eles e os devorou com avidez; eram o suficientemente grandes para ele. Levantou a cabea. Mal tenho tempo para v-la. Por que veio to tarde? perguntou, enquanto posava uma mo entre as coxas de Euphemia. Ah gemeu ela. Agarrou-lhe o dedo e o ajudou a mov-lo Nunca me sacio de voc. Responda Effie, ou a deixo. Ela apertou os lbios coquetemente, ou ao menos isso acreditou. Hoje se apresentou um mensageiro real para comunicar a Hunter que o rei lhe concedeu uma gratificao. Armou-se tal alvoroo no castelo que me resultou difcil escapar. Ter-lhes-ia estranhado saudades que no participasse da alegria. Maldito seja! Quem sabe como acabaria a batalha, se esse demnio cigano no recolhesse o estandarte do jovem Jamie. Oh, o que importa? Euphemia no queria falar sobre a guerra. J ouvira bastante a respeito em sua prpria casa. Seus irmos no deixaram de rememorar a batalha, e seu pai no fazia mais que queixar-se de sua ferida Voc ne quer? Oh, diga que me quer. Sim, embora me condene fazendo-o resmungou Ian Carmichael, pois a sua maneira, por singular que fosse, tinha afeto moa E com tempo, agora que meu pai est morto, encontrarei o modo de que possamos estar juntos para sempre, Effie. Como desejava exibi-la diante de sua me, lady Margaret, que o tiranizava e assustava, ao tempo que o provocava perversamente com uma promessa que no cumpriria, que no podia cumprir, a muito puta!

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Euphemia passou a lngua pelos lbios, satisfeita com a resposta que lhe dava. Sim, foi uma sorte para ns que morresse. Imagine o velho leo morto! Oxal morresse tambm o velho urso! Oh, Ian. Se obtivesse tambm ganhar o favor do rei, ningum poderia opor-se a ns. Juntos, possuiramos tal poder que teriam que contar conosco nas Terras Altas. Acariciou distraidamente seu inchado membro s vezes, tenho a impresso de que somos o casal de que fala a lenda. No insinuar que sou uma criatura do diabo, moa? Ian sorriu agradado, pois a ideia o agradava. De fato, devia ser o diabo quem empurrava a rameira de sua me cama. No era mais que uma desalmada rameira! No o era Judas? Sim, somos uns traidores. Mas no nos condenaremos por isso, amor, asseguro-lhe que no. Os olhos de Euphemia tinham o brilho da ambio Dominaremos as Terras Altas juntos, e inclusive os senhores soberanos nos benzero e trataro de ganhar nosso favor. Sim, Ian vejo-o! Sinto-o em meus ossos! Ningum voltar a nos ridicularizar! Sim, aproxima-se o momento da colheita. E ns recolheremos ouro e glria, meu amor. Ns dois nascemos para isso. um encanto, Effie. Ian a beijou com suavidade, porque, quando lhe falava daquela maneira, sentia-se forte e se acreditava merecedor das riquezas que ambos cobiavam com tanto desespero. Era como se juntos pudessem fazer realidade aquele sonho. Sim, sua me se inteiraria de quem era seu filho; essa puta que ria dele; que o chamava mequetrefe e o intimidava at que conseguia que a obedecesse; que tremia se ele a roava, apesar de que lhe mostrava seus enormes peitos e o recordava que era sua me e tinha

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obrigaes com ela; sim, a mulher que o tinha amamentado com aqueles beres flcidos. Que distinta era Effie, que lhe suplicava que a possusse e o fazia sentir um homem Quer que lhe compre um vestido novo, alguma quinquilharia? O que voc gostaria, Euphemia? perguntava. E Effie, a ambiciosa Effie, respondia por fim: A voc, senhor, a voc. Ian voltou a mont-la em resposta a seus requerimentos, lhe levantando a cabea brutalmente para lanar-se sobre sua boca daquele modo que tanto a excitava e irrompendo entre seus brancos quadris com violncia. Sim, Euphemia MacBeth era sua mulher ideal. Gostava que abusasse dela ao fazer amor, e ele desfrutava fazendo-o. Enquanto lhe retorcia os seios, lhe mordiscou os lbios e recordou a primeira vez que a assaltara naquele bosque. Ela era virgem e se defendeu com unhas e dentes, temendo que aquilo supusesse sua perdio definitiva. Ele, por sua parte, no tinha outra inteno que violar uma moa entre as rvores. Entretanto, assim que Ian a penetrou, ela pareceu render-se, como se lhe agradasse o brutal trato que lhe dispensava. Ao inteirar-se de que se tratava nem mais nem menos que de Euphemia MacBeth, que por alguma razo se separou de sua partida de caa (que Ian esteve espiando), tinha meditado sobre as vantagens que lhe proporcionaria aquela relao. Ento descobriu nela um esprito afim e, em lugar de faz-la prisioneira e exigir um resgate que iria parar s arcas de seu pai, Ian lhe pediu que se unissem, intuindo por alguma razo que a mulher aceitaria. Pouco a pouco, ganhou seu amor e sua confiana, a predisps contra sua famlia e alimentou as sementes do dio e a cobia que j estavam plantadas em sua alma.

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Graas valiosa informao que lhe proporcionava, elegia o momento adequado para realizar as incurses nas propriedades dos MacBeth, com o qual conseguiu que os membros de seu cl o respeitassem como guerreiro. Se algum duvidava da assombrosa habilidade que

demonstrava Ian para atacar o lugar adequado no momento propcio, no revelava suas suspeitas a ningum. Sim, aquela puta tinha uns vcios to perversos como os seus. Alm disso, lhe ensinou todo tipo de mtodos para satisfazer aos dois, coisas que repugnariam a mais humilde das prostitutas. Apesar da mesquinharia com que ele a tratava, ela havia conseguido seu amor graas boa disposio com que se emprestava a suas peties; e ia s entrevistas uma e outra vez porque nunca se fartava dele. Converteram-se em uma droga um para o outro, e seu vcio no conhecia limites. Ian necessitava dela, porque nenhuma outra mulher teria suportado a humilhao e a degradao que eram necessrias para satisfaz-lo. E Effie, bom, Ian era um homem, e embora ela no se desse conta, era o nico que no a rechaava pelo que era. Faa-me isso Ian sussurrou com voz rouca Faa-me isso com fora.

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Captulo 16
E agora o que? Sua majestade, o rei James IV da Esccia, molhou um morango numa tigela de nata, deu-lhe vrias voltas para assegurar-se de que o tinha lubrificado bem e, depois de introduzi-la em uma bandeja de prata cheia de comestveis de acar, engoliu-o. Quando tragou o manjar, suspirou e estendeu o brao para agarrar outro suculento fruto. O guardio do rei, o conde de Angus, observava meditabundo, ao jovem Stewart enquanto o senhor Patrick Hepburn, flamejante conde de Bothwell, sorria. A resposta do senhor Hunter MacBeth, majestade. Patrick entregou a carta ao jovem James. Bem, e o que quer? perguntou o monarca acidamente, pois o morango que acabava de comer estava podre. Cuspiu-o ao cho, ante o qual o conde de Angus deu um nervoso pulo Se tratar da propriedade de Fleming, no posso conceder-lhe, decidi perdoar a sua senhoria. No, majestade, no pede terras. Hepburn sorria agora de orelha a orelha, sem alter-lo o mnimo por pisar acidentalmente o manjar que seu rei acabava de rechaar Trata-se de uma moa. Uma moa? James afastou a vista do srio assunto dos morangos e entreabriu os olhos de modo ameaador, gesto que aos dois homens que lhe acompanhavam lhes recordou ao defunto pai do soberano Alguma mulher rica, importante, com propriedades de valor estratgico? Por amor de Deus, Patrick, o que lhe faz tanta graa? Perdoe, sua majestade. Parece que sua corte esteja cheia de homens que gostam muito de mulheres que os desdenharam.

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Refere ao ocorrido entre voc e minha prima, claro James se lembrava muito bem do clebre compromisso matrimonial que assinou para Hepburn. Nele fez constar que Patrick podia escolher entre as duas irms Gordon e casar-se com a que mais gostasse. Toda Esccia sabia que o senhor Bothwell preferia Jane, a prima do rei, face ao qual esta o rechaara abertamente, por isso o malvado Hepburn persuadiu ao monarca de que desse seu consentimento a to desprezvel ideia, a fim de insultar e encolerizar a moa com que Patrick queria casarse. Os cortesos juravam que o grito de raiva que proferiu Jane Gordon se ouviu em todos os sales do palcio. No se preocupe, Patrick prosseguiu o soberano com um sorriso Terminar por ceder. Sempre o fazem; alm disso, Jane sabe perfeitamente que voc no escolher sua irm. Bem, diga quem essa moa que deseja MacBeth e o desprezou como minha prima a voc? A senhora Mary Carmichael de Bailekair, majestade. No se trata da moa a que o senhor MacBeth tratou de coroar rainha do torneio o vero passado? Quo mesma armou aquele alvoroo ao jogar a coroa ao cho? O conde de Angus elevou a vista, surpreso, sentindo-se obrigado a participar da conversa. Sim. O jovem rei franziu o cenho H quem a chama a tigresa dourada, a filha do leo de Bailekair. Os dois cls esto enfrentados. Sua majestade est to bem informado como sempre afirmou Patrick, e o jovem Jamie assentiu com a cabea, adulado pelo elogio Acredito que a inimizade comeou muitos anos atrs, quando um dos Carmichael raptou uma MacBeth. James voltou a suspirar.

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Oh, se der meu consentimento, a unio no causar mais que problemas. Pelo amor de Deus! Acaso no tenho j suficientes problemas, para que agora comecem uma guerra os dois cls? O rei olhou furiosamente aos dois condes, que se apressaram a assentir. O conde de Bothwell esclareceu a garganta com ar diplomtico e disse: Mesmo assim, majestade, o senhor Hunter deve escolher a gratificao. Se me permitir que o recorde, os Carmichael lutaram contra sua majestade. O conde vacilou ao mencionar a rebelio. Em efeito, Patrick, em efeito. Ao jovem soberano no lhe agradava recordar aquilo O conde de Bailekair resultou morto na batalha, e seu filho agora o senhor do castelo. Ah, como diz que se chama a moa, a que chamam a tigresa dourada? Mary, majestade respondeu o conde de Angus. Bem, lhe envie uma carta para inform-la de que tem que apresentar-se ante o senhor Hunter MacBeth imediatamente e imponho uma sano de cento e cinquenta mil marcos aos Carmichael. Isso lhes manter ocupados durante uma temporada! Pelos pregos de Cristo! Deveriam sentir-se afortunados de que no os tenha despojado de suas terras e ttulos. Acredito recordar que suas propriedades so muito numerosas. Assim , majestade. O conde de Angus olhou a Hepburn com um gesto de satisfao. Ao parecer, o jovem Jamie no pretendia originar distrbios no pas executando ou expropriando os senhores que haviam se oposto a ele durante a rebelio. Os dois homens julgaram prudente aquele proceder.

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uma sano apropriada para eles, sua majestade acrescentou o senhor Bothwell que certamente contribuir para gerar certa paz entre os dois cls. Tomou uma sbia deciso. O rei sorriu. Eu gosto de voc, Patrick, embora sua forma de me adular me resulta um tanto escandalosa. Majestade Hepburn tentou protestar. Agarre um morango, Patrick. James aproximou a tigela a seu sdito E logo diga a meu secretrio que acabamos por hoje. Depois de tanto falar de moas, entraram-me vontades de ir de caa Sim, majestade. Patrick sorriu uma vez mais e comeu um morango com nata e acar.

Dizer que, a Mary, tremiam as mos, quando desenrolou a mensagem do rei seria uma atenuao; tremiam-lhe tanto que o pergaminho acabou por cair ao cho e, quando se agachou para recolh-lo, chocou-se contra o mensageiro real, que se inclinara com tanta celeridade e alarme como ela. O que queria o monarca dela? Estaria relacionado com o ocorrido o dia do torneio? No fazia j tempo daquilo? Embora a moa no fosse covarde, sabia que inclusive os homens mais valorosos se encolhiam ante a ira de um rei. Leu o pergaminho com rapidez. O mensageiro, que aguardava impaciente a resposta, no reparou em que a mensagem deixou Mary to aniquilada que teve que l-lo uma vez mais para assegurar-se de que o entendia corretamente. Deu meia volta, depositou de forma mecnica o pergaminho sobre a mesa e levou as trmulas mos ao rosto, de repente aceso.

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Por amor de Deus! murmurou. O corao pulsava veloz Ignora que j estou casada. O jovem mensageiro, que ouvia nos corredores de palcio rumores sobre o contedo da carta que lhe tinha levado, no pde adivinhar se referia ao rei ou ao senhor Hunter, mas ante a reao da moa compreendeu que esta no podia obedecer ordem do rei. Senhora disse, ao tempo que fazia uma respeitosa reverncia essa sua resposta a Sua Majestade? No! exclamou ela, recuperando a serenidade V cozinha para que lhe deem de comer, moo. Acabava de lembrar-se de suas maneiras. Aquele moo teria realizado uma longa viagem sem descanso para entregar a ordem do rei Necessitarei de tempo para escrever uma carta a sua majestade. Sim, senhora. Voltou a fazer uma reverncia e saiu da estadia, contente de deixar de ser testemunha da inquietao da mulher. Mary se deixou cair em uma cadeira assim que o mensageiro partiu. Uma dor dilacerante e penetrante atravessava-lhe o corao, uma dor nascida de uma ferida que o tempo podia aliviar, mas no curar. Lgrimas de alegria e tristeza rodaram lentamente por suas bochechas. Hunter a amava! Ainda a queria depois de todo esse tempo. Entre todas as coisas que poderia desejar na Esccia, elegeu ela. Oh, meu amor, meu amor Sua voz rompeu brandamente o silncio que reinava em seus aposentos. Uma terrvel sensao de solido se apoderou dela, uma sensao que no experimentou desde que cruzou o nevado escarpado de Mheadhoin para receber a fria acolhida de sua famlia. Pensou ento nas noites que velou sentindo como seu corao se rachava em seu peito, com as

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bochechas banhadas em lgrimas enquanto queimava os miolos para achar a maneira de enviar uma mensagem a seu amado; e recordou o entristecedor vazio que a invadiu ao compreender que no havia maneira de faz-lo. Suas circunstncias se converteram em uma montanha realmente escarpada: a paulatina aceitao de seu destino na vida; a tristeza que embargava seu corao cada vez que subia s ameias de Bailekair para olhar para Glenkirk e comprovar quo longe e perto lhe aparecia; a dor que rasgava sua prpria carne todas as noites quando Edward se deitava a seu lado sem toc-la, como um estranho. Oh, oxal morresse no campo de batalha como meu pai, Hunter; assim no me faria conceber esperanas quando no as posso abrigar. Mary deu um murro mesa Amaldioo! Amaldioo-o por me amar e amaldioo a mim mesma por amar voc! Suas dilaceradoras palavras, fruto da raiva e a dor, ressonaram silenciosamente na estadia Lamento lamento, meu amor, o passado! Sabamos que no poderamos conservar o que tnhamos! Se ao menos compreendesse ento o que podia supor o amor, talvez chegasse a ser feliz com Edward. Eu, oh, amor, amor, no atormente meu corao desta maneira. Com as mos ainda trementes, Mary agarrou uma pluma e um pedao de pergaminho e, com olhos turvos e uma profunda aflio e amargura, disps-se a escrever a resposta.

Castelo de Bailekair, Esccia, setembro de 1488.

A Sua Majestade, o rei James IV da Esccia, Saudaes.

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Sua majestade, recebi a mensagem em que me ordena que contraia matrimnio com o senhor Hunter MacBeth. Lamento ter que lhe informar de que, como a leal sdita que sou, no tenho o poder de cumprir sua petio, j que meu primo, Edward Carmichael de Dndereen e eu nos desposamos o dia da candelria deste ano. Esperamos agora nosso primeiro filho. A cerimnia se celebrou na intimidade devido agitao que se vivia naqueles dias. Talvez por esta razo muita gente no se inteirou do enlace matrimonial. Com a maior humildade, Majestade, rogo-lhe que me perdoe por no poder obedecer sua ordem e confio em que meu matrimnio no lhe desagrade. Permita-me que lhe deseje que siga desfrutando de boa sade e que seu reinado como legtimo e soberano rei da Esccia seja prspero. Sua fiel, humilde e obediente sdita, Mary Kathryn Carmichael de Bailekair.

Uma vez escrita a carta, selou o pergaminho com cera fundida e estampou seu escudo no lquido. A seguir tomou a carta do rei e a jogou no fogo, pois no desejava que nenhuma pessoa do castelo se inteirasse de seu contedo. Poderiam bisbilhotar e especular quanto quisessem, mas jamais saberiam com certeza qual era a mensagem. Tremia ao pensar o que ocorreria se chegavam a averigu-lo. Talvez a matassem, ao supor que se jogou voluntariamente aos braos de Hunter. E Edward, embora por alguma inexplicvel razo tivesse guardado silncio a respeito, sabia do amor que ela professava a MacBeth e poderia ser persuadido de que

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falasse contra ela e se desfizesse da mulher que, embora a chamava esposa, converteu-se em uma estranha para ele. Graas a Deus, Alan, que no deixou de quer-la desde que era uma menina, teve a serenidade necessria para conduzir discretamente o mensageiro do rei at seus aposentos. Se algum lhe perguntasse algo, decidiu dizer que o rei lhe mandava os psames pela morte de seu pai como simples ato de cortesia para uma antiga dama de honra da corte. At que a moa se voltou para baixar ao salo principal, no sentiu as primeiras e dolorosas contraes em seu ventre. A ponto esteve de desabar, mas conseguiu apoiar-se na mesa com a carta que escreveu ao rei entre os dedos. Virgem Santa rezou a moa com ardor, apertando os dentes Ainda no o momento. muito cedo! Muito cedo! Doze horas mais tarde, Mary Carmichael deu a luz ao prematuro e pequeno filho de seu marido. Chamou-lhe Geoffrey e agradeceu que se parecesse tanto a seu pai.

Uma semana depois, Hunter MacBeth recebia a resposta do rei James IV da Esccia. Ao ler seu contedo, amaldioou Edward Carmichael e a si mesmo, e sentiu lstima pela mulher a quem amava, mas no podia ter. Oh, Mary, Mary, que Deus condene minha honra e meu orgulho! Se no fosse por eles, estaria ainda ao meu lado querida Escolha outra gratificao, aconselhava o rei na carta. Hunter lhe respondeu com secura e amargura. Sua carta rezava simplesmente: No desejo nada mais.

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Captulo 17
O outono se prolongou aquele ano de 1488, por isso o cl Carmichael decidiu celebrar o dia de Samhain, em que festejavam o comeo do inverno, organizando as provas com que se escolheria ao novo chefe e capito da famlia (a posio no se herdava, mas sim tinha que ganh-la); as provas foram postergadas depois da morte de lorde Magnus devido agitao causada pela guerra civil. eleio seguiria a ltima caada da temporada, com a qual se obteriam as provises para o inverno que estava a ponto de comear. A principal prova do concurso consistia no lanamento do cabar, um poste de seis metros de altura e trinta e oito quilogramas de peso. Requeria-se uma grande fora para levantar aquele tronco altura da cintura, equilibr-lo sobre um ombro e jog-lo de tal forma que desse uma volta de sino. O que contava no era a distncia que se alcanava com o mssil, a no ser a preciso no lanamento. Outra prova era a briga, em que os dois participantes se agarravam um ao outro pelo pescoo com uma mo e giravam tratando de derrubar o competidor. Os competidores tambm tinham que jogar o costal, um saco de pano cheio de feno que tinha que atirar sobre uma forca; o obstculo se pendurava cada vez mais alto conforme avanava o dia a fim de eliminar aos competidores de menor valia.

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Quando um homem conseguia superar todas as provas e obtinha, portanto, o ttulo de chefe e capito do cl, a famlia escolhia ao segundotenente, o tanist, por votao. Mary no queria presenciar a competio. Seu pai ganhou sua posio no cl Carmichael o ano em que foi renomado cavalheiro, por isso no podia recordar nem um momento em que no fosse o cabea da famlia. Alm disso, sabia que no sentiriam sua falta.

Lady Margaret estava de bom humor, quando os habitantes de Bailekair saram em direo a Leabaidh ao Nathair, onde se celebravam as provas. Magnus tinha morrido; sua filha ficou reduzida a um nada, e ela, Margaret, abrigava grandes esperanas de que Ian ganhasse o concurso, apesar de que lorde Gilchrist era o favorito. Embora, graas a seu filho maior, Bailekair lhe pertencia agora, ela no se sentia satisfeita. Tinha esquecido que a morte de seu marido menosprezaria seu poder e sua posio dentro do cl. Sim, devia recuper-los, e Ian se encarregaria disso.

Assim que partiram quem tinha de assistir ao torneio, Mary agarrou seu filho, que face a quo pequeno era se desenvolvia bem, e procurou Joanna. As duas mulheres queriam visitar uns granjeiros que estavam doentes. Lady Margaret, por causa da nova autoridade de que gozava, no podia perder o tempo com semelhantes trivialidades, e Nanna, que havia tornado a ocupar-se de sua famlia como antigamente, estava grvida de seu primeiro filho e, devido a sua idade, devia ter um cuidado especial. A condessa permitiu que Mary se ocupasse da tarefa de atender plebe unicamente porque Ian, em uma estranha amostra de discrepncia com sua me, havia-lhe dito que o fizesse.

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A gente ainda quer a essa cadela apesar de sua desonra afirmou, encolhendo os ombros No h nada mau nisso. No obstante, Mary se deu conta de que seu irmo fazia o possvel por sair-se com a sua nessa mnima questo porque precisava manter as boas relaes com os plebeus, e ela parecia representar para eles o nico vnculo que ainda unia lorde Magnus e o passado. A Ian, no resultou fcil assumir a responsabilidade de administrar o enorme castelo de Bailekair. Os plebeus no o apreciavam. Devido a seu carter srio, no conseguiu fazer-se credor do respeito dos granjeiros, como o fizera seu pai com seu bom humor e honestidade. Ian era excessivamente desanimado e suscetvel em suas relaes com os servos e vassalos. Como consequncia, estes trabalhavam sem a boa disposio de antes e vadiavam quando podiam. Lavravam os campos, plantavam as sementes e recolhiam a colheita por medo ao Ian e a morrer de fome, no por amor, que era o incentivo com que antigamente tinham cultivado a terra. Ocultavam o que produziam para dificultar aos administradores a tarefa de calcular quantos impostos lhes deviam. Alm disso, roubavam uns aos outros e inclusive ajustavam ao castelo, o que estranha vez ocorria nos tempos do anterior senhor. Ian no possua nem a sabedoria nem a generosidade nem o sentido de justia que seu defunto pai mostrara com sua gente. No, Ian era avaro e cruel como sua me. Tirava dos granjeiros at o ltimo penique e logo lhes pedia mais. Impunha uns castigos severos e cruis em extremo a todo aquele que lhe contradizia. Em uma ocasio em que vrios dos homens de armas que lhe eram verdadeiramente leais, como Alan, trataram de lhe aconselhar, ele se negou a entrar em razo e decidiu desfazer-se deles

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para ficar com os homens mais temerrios, imprudentes e violentos de que dispunha. De forma lenta, mas segura, estava destruindo Bailekair. Mary detestava seu irmo por tudo isso e se o ajudava era s por amor ao orgulhoso e imponente castelo. Lady Margaret gozava de liberdade para obrar a sua vontade, e sua presuno e mesquinharia no conheciam limites. Nos velhos tempos, o leo de Bailekair se ocupou de conter sua lngua viperina e seu mau humor, por isso os servos sabiam a quem recorrer se eram tratados de forma injusta. Agora, em troca, andavam com cuidado pelo castelo e os campos e, na medida do possvel, procuravam no interpor-se no caminho de lady Margaret, pois, ocorresse o que ocorresse, Ian no estava acostumado a dissentir de sua me. Os servos tinham sempre o que perder, quando se enfrentavam com os dois. A condessa nunca incomodava Mary, Joanna e Alinor. As trs mulheres se uniram naquele desgraado lar e faziam o possvel por aliviar as duras cargas que tinham que suportar os serventes. Procuravam estar sempre perto umas das outras para que lady Margaret no tivesse ocasio de as surpreender a ss. Neste sentido, a presena de Alinor era uma bno, pensava Mary, dado que era uma dessas poucas mulheres a quem a paquera e a diverso no converteram em pessoas frvolas e insensveis. Diga a impresso de ser capaz de compreender as circunstncias que rodeavam o castelo e adotar quo medidas pudessem melhorar a situao de todos sem necessidade de perguntar nada a ningum. Em realidade, Mary suspeitava que, como no caso da tranquila e reservada Joanna, a encantadora Alinor Murray Carmichael podia proporcionar muitas mais surpresas das que algum poderia esperar guiando-se pelas aparncias.

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A cunhada de Mary se j sentia mais a gosto em Bailekair, pois pouco depois do Samhain, Gordon, Charlie e os gmeos retornaram ao castelo para ficar definitivamente. Todo mundo se assombrou muito de sua volta, por quanto, embora Andrew e Harold j fossem nomeados cavalheiros e eram livres de ir aonde quisessem, Gordon ainda devia prestar um ano de servio em Dndereen, e Charlie dois em Crnwick. Entretanto, ao observar que ganhavam o afeto dos granjeiros e conseguiam conjurar a rebelio que durante semanas todos temiam que estalasse, Mary adivinhou que razo impulsionou Ian a cham-los. Ver como os servos se elevavam em armas contra ele por causa de sua incapacidade e estupidez no seria uma experincia muito agradvel. Ian conseguia evit-la de maneira inteligente, embora Mary se desse conta de que, contudo, seu irmo maior seguia sentindo tanta simpatia pelos gmeos como antes, apesar de que em geral eles fossem muito mais apreciados que ele. De todos os modos, esse no era o tema que ocupava Mary e Joanna quando se dirigiam casa de Flora para recolher as infuses de ervas que a antiga bab de Mary preparara para os granjeiros. A moa falava do rechao que mostrava Edward para seu filho, a quem nesse momento embalava entre seus braos. Seu marido no podia nem ver aquele menino, que sempre lhe recordaria seu brutal e mesquinho

comportamento aquela noite da candelria. Parece como se desprezasse nosso filho, Joanna. A moa deixou escapar um suspiro no instante em que uma folha outonal lhe roava o cabelo. E no lhe disse Edward por que, Mary? No. Embora acredite saber qual a razo. As coisas no ho no foram bem entre ns desde o comeo. Agora quase quase nem nos

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falamos. Mesmo assim, no estou disposta a que meu filho sofra por uns pecados que ele no cometeu. Amiga minha, ignoro que problema existe em seu matrimnio, mas resulta evidente que no so felizes. Permite que fale com Edward. Antes estvamos muito unidos, e talvez eu possa lhes ajudar se ofereceu impulsivamente. No no estou segura. Mary titubeava, pensando no que Edward poderia chegar a revelar Tornou-se to reservado ultimamente. Todos mudamos, Mary. Jogamos as cartas que nos repartiu o destino. Isso no tem volta. Deixe que fale com ele. Devo-lhe muito e, mesmo assim, fui muito ingrata com ele disse com amargura Sim, deve o consolar por mim, Joanna, porque eu no posso faz-lo. E, diga o que diga, por favor, no me d s costas, cheia de dio. A moa olhou de marco a marco a Mary com seus sossegados olhos castanhos. No h nada que possa fazer querida amiga, que possa fazer que a odeie. No sabe a que me refiro! exclamou Mary com veemncia, provocando assim que o pequeno Geoffrey se inquietasse. A no? Joanna voltou vista ao castelo Glenkirk com uma expresso triste e pensativa nos olhos Nossos sentimentos so incontrolveis, Mary afirmou docemente porque nosso corao no conhece regras. Mary ficou olhando-a, vermelha de temor e perplexidade. No! Como como?

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No se preocupe. No acredito que ningum mais tenha adivinhado o segredo de sua culpa. Ento como? Oh, Mary, est afligida pela morte de seu pai, mas tem toda uma vida de belas lembranas com que aliviar a dor e a tristeza. S a perda do agridoce amor entre um homem e uma mulher pode ser a causa da dor que oprime seu corao. Vi, alm disso, que com frequncia desvia o olhar para o castelo que se eleva na borda oposta do lago. Que consolo poder romper o dique do silncio, permitir que os sentimentos mais fundos emirjam a torrentes! Em um acesso de paixo, Mary contou sua histria; Joanna a escutou em silncio. meu inimigo disse Mary finalmente entre soluos Cometo um equvoco ao o desejar desta maneira, e no supe quo duro o castigo que sofro por isso. Joanna demorou a responder. Quando por fim falou, suas palavras denotaram uma sabedoria estranha para sua idade. Acredito que, quando se conhece o verdadeiro amor, as palavras correto e equivocado carecem de sentido, igual palavra orgulho, pois, devido a nossas paixes e desejos, perdemos a vergonha. O amor resiste tudo, conquista tudo, tolera tudo recitou docemente Ferenos com suas desmesuradas ascenses, com seus dilaceradores fogos, e s vezes nos destri. Mesmo assim, seguimos buscando-o. Sim, seguimos buscando-o repetiu e, se no o conseguirmos, sentimos que nossas vidas esto vazias. A Mary, deu um tombo o corao ao compreender o significado daquelas palavras. Oh, Joanna. Voc ama algum tanto como eu.

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Sim, mas se trata de uma pessoa que me convm to pouco como a voc MacBeth. Ante o silncio de Joanna, Mary se deu conta de que no podia formular a pergunta que lhe vinha boca. As duas moas prosseguiram seu caminho em silncio e com o corao encolhido de angstia.

***

Os uivos dos ces nos bosques de Leabaidh ao Nathair resultavam j estridentes. Pelos acalorados latidos, Hugh Carmichael soube que um javali foi de sua guarida e logo ouviu os grunhidos e chiados do animal que corria ruidosamente entre os arbustos e rvores em uma tentativa por esquivar aos ces. A partida prorrompeu em uma exclamao de alegria, e os caadores fincaram suas esporas de ouro e prata nos flancos de seus cavalos para lanar-se atrs da presa, seguidos de perto por suas mulheres. Por fim, o viram; tratava-se de um exemplar enorme, selvagem; estava furioso e no deixava de soltar bufidos. Deteve-se em um claro para fazer frente aos perseguidores, mas por alguma razo no se protegeu bem, de maneira que os galgos o rodearam e no deixavam de ladrar, o aular e o morder. Os homens desmontaram rapidamente, com lanas e facas de caa em riste, e se aproximaram do javali, dispostos a lhe cravar suas armas. A besta se precipitou para frente e golpeou um co no flanco. Ouviu-se um violento uivo de dor, e os intestinos do co se esparramaram pelo cho; o co tremelicou e ficou inerte. O penetrante aroma de sangue no fez a no ser excitar ainda mais ao javali e o resto dos ces, que comearam a

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aproximar-se da presa, grunhindo. Os homens retrocederam de modo que o javali tivesse espao para realizar seu seguinte movimento e se situaram estrategicamente em torno da clareira para afundar o extremo das lanas no cho e poder assim amortecer o ataque do animal se por acaso tivessem a sorte de mat-lo. O animal meneou sua enorme testa e baixou as muito perigosas presas como se fosse investir; os olhos lhe saam das rbitas de raiva. Ento se lanou de novo ao ataque. Hugh, to audaz como sempre, avanou um passo, disposto a receber o arremesso e responder com sua lana. O javali se desviou no ltimo momento e no sofreu mais que o roce da ponta no lombo. Apressou-se a desembainhar a faca, mas o javali j lhe tinha deixado atrs. Um dos ces se equilibrou sobre a besta e lhe rasgou os quartos traseiros. O javali soltou um uivo malvolo e, com um olhar feroz, voltou a investir. O galgo recebeu o impacto das presas de marfim no peito e saiu despedido para os arbustos. Lorde Thomas correu ento para o animal, lana em riste, e o chamou. Este soltou um bufido, escavou o cho e arremeteu contra o ancio cavalheiro, que errou em seu ataque e s conseguiu lhe golpear o lombo. Talvez o metal com que estava forjada a lana fosse muito fraco, mas o certo que a ponta se fez pedacinhos ao se chocar contra o animal, o qual se precipitou sobre lorde Thomas e lhe produziu um comprido corte no ventre antes que este pudesse desencapar sua faca. O javali deu a volta e se disps a lanar-se novamente sobre o cavalheiro. Ian era o caador que se encontrava mais perto do ancio. Podia salvlo afastando-o do caminho do animal, mas seus movimentos foram deliberadamente lentos, como se lhe paralisasse a impresso. O javali alcanou o senhor Thomas e atravessou seu frgil corpo com suas afiadas

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presas. Lorde Gilchrist, o novo chefe e capito do cl Carmichael, apresentou-se nesse momento e esfaqueou certeiramente o pescoo do javali, que soltou um estridente chiado de raiva e caiu como chumbo sobre lorde Thomas. Ao redor, apareceu um atoleiro de sangue. Por um interminvel momento, todos os participantes na caada ficaram aniquilados, atendidos pela impotncia e o horror ante a rapidez com que ocorreu o incidente. Aproximaram-se do enorme animal, levantaram-no e deixaram ao descoberto o ventre e as pernas do cavalheiro. Lorde Thomas gemeu como se graas a uma milagrosa f em si mesmo pudesse evitar que lhe arrebentassem as tripas e formassem uma sanguinolenta massa no cho. Talvez fosse essa mesma f a que o mantivera com vida naquele momento. Tio Thomas. Ian se ajoelhou a seu lado O lamento, deveria desviar o javali, deveria o haver ajudado O moo emudeceu, mas a expresso de seu rosto era de astcia mais que de vergonha ou arrependimento. No, Ian. Foi inevitvel acertou a dizer lorde Thomas com voz entrecortada. No se reprove por isso, moo. Lorde Gilchrist deu uma palmada no ombro a seu filho de adoo, enquanto olhava seu irmo moribundo foi um acidente desafortunado. Nosso chefe tem razo, irmo. Com os olhos entreabertos, Hugh olhou friamente Ian, que conseguira o cobiado posto de tanist foi um acidente. Ian dirigiu um inexpressivo olhar a seu primo. Fiz o mesmo que voc, que assassinou meu pai para que eu obtivesse um condado, disseram em silncio seus frios olhos azuis.

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Sim, mas eu tive que me retirar das provas para que voc pudesse ser tanist, respondeu Hugh com seus negros olhos. Meu pai era uma pessoa muito querida. Escolheram-me pelo respeito que se guarda a sua memria. Talvez, Ian, mas o certo que no lhe tem muita estima. Eu, em troca, graas a meu carter, conto com muitas amizades. Entregar-lhe-ei minha irm. O homem de rosto bronzeado esboou de repente um sorriso malvolo, lupino, como se algo estivesse lhe dando voltas na cabea. Desse modo, sem mediar palavra, os dois souberam que a dvida que Ian tinha com Hugh ficava saldada. Pouco depois, o novo conde de Dndereen levava o corno de caa aos lbios e anunciava a morte do animal.

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Captulo 18

Um aps o outro, os elos da corrente que formavam o passado de Mary se desvaneciam. Seu pai estava morto e sepultado na gelada terra, a mesma que, coberta de neve, ela tratava nesse momento afastar com suas mos, como se a escavando pudesse recuper-lo e reviver sua infncia, quando o risonho leo de Bailekair carregou sobre seus poderosos ombros com todas suas responsabilidades, gozando de suas alegrias e sofrendo suas tristezas. Mas estava sozinha; lorde Magnus no voltaria a proteg-la. Tambm lorde Thomas havia falecido; um acidente, conforme diziam, embora ela soubesse que sua morte, igual de seu pai, levava a estampa de Ian e Hugh. O pobre e inofensivo lorde Thomas, que cruzou no caminho de seu filho maior para o condado do mesmo modo que Edward se interpunha entre Mary e Hugh A moa tremeu ao recordar que Ian se apresentou em seus aposentos, depois do funeral de lorde Thomas, e insinuou astutamente os benefcios que obteria se se convertia em concubina de Hugh Carmichael agora que este era o poderoso conde de Dndereen. Embora Ian no tivesse a valentia de diz-lo de maneira explcita, o contedo de suas palavras era claro, e a ameaa, evidente. Mary teria que abrir as pernas cada vez que seu primo o desejasse muito, ou do contrrio Ian se ocuparia de fazer sua vida desagradvel. No no posso acreditar que pense a srio o que est sugerindo, Ian disse assustada face frieza de sua voz.

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Entendeu-me perfeitamente reps ele, enquanto a devorava com descaramento com o olhar, como se pretendesse calcular quanto valia e que preo poderia pedir por ela Hugh segue a querendo, e lhe conviria acessar a seus desejos. J se fez de rameira para o cigano e tambm para Edward. Sei que no ama seu marido, que se casou com ele para se liberar do desterro, de modo que se foi capaz de se vender a ele, pode fazer o mesmo por seu irmo de adoo. Do contrrio, acabar tendo que procurar outro teto sob o que viver. Edward Edward nos conseguir um lugar na corte, Ian! No trate de me ameaar! Esse fantoche! exclamou seu irmo com desdm Edward um sonhador, no um homem de ao. Resignou-se ao posto que ocupa no cl. Se decidisse ir por livre vontade, Hugh lhe faria entrar em vereda. Talvez, Ian. Mary devia admitir o que assegurou seu irmo, pois sabia que era verdade Mas se tiver que me comportar como uma rameira disse elevando o queixo com orgulho no vou abrir as pernas por algum inferior ao prprio rei. Comentam que ao James gosta das caras bonitas, de modo que no me pressione, porque possvel que voc seja quem acaba por procurar outro teto sob o que viver. Ian resmungou um juramento. A muito prostituta falava a srio. Sim, era muito capaz de ir ao rei, o luxurioso James, e ele estaria encantado de lev-la cama. Se chegasse a ganhar seu favor, ele nada lhe negaria, j que resultava um soberano extremamente generoso. Acaso cr que lhe permitiria sair daqui para que se jogasse nos braos do rei? espetou Ian Sou seu senhor, irm; responde a mim.

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No, Ian; eu s respondo ante Edward, meu marido. um estpido se supuser que no serei capaz de lhe pr de minha parte, por muito que voc e Hugh tratem de impedir. Mentiu Mary, desesperada. Ian se levantou iracundo. Muito bem. Comunicarei a Hugh sua resposta, mas prometo que o lamentar. Aquelas palavras se converteram em uma obsesso para Mary. Durante a estadia de Hugh em Leabaidh ao Nathair, ao servio de lorde Gilchrist, sem poder dispor de seu tempo, ela estava segura. Agora, em troca, seu primo era o senhor de Dndereen, podia fazer com seu tempo o que lhe agradasse e, em lugar de receber ordens, ditava-as. Da que agora frequentasse Bailekair, sempre com a esperana de surpreend-la s. Mary acabou por temer tanto a Hugh e Ian que pediu a Alan que a adestrasse em segredo naquelas artes que um escudeiro ou um futuro cavalheiro estavam acostumados a aprender; como dirigir a faca ou a espada com uma destreza mortfera; como apontar com a lana e acertar no alvo ao lombo de seu cavalo; como utilizar o arco e as flechas; como brandir uma pesada maa Se Alan se perguntou pelos motivos que impulsionavam moa a exercitar-se em tais disciplinas, o certo que no dizia nada e cumpria com o que lhe mandava. Inclusive ordenou ao ferreiro que forjasse umas armas especiais, mais leves, para Mary. Ela no demorou a mostrar uma surpreendente percia em todas as artes, embora se destacasse no uso da adaga. Nunca se separava de sua arma de prata. No estava disposta a enfrentar inerme Hugh, quando este a abordasse. Mary andava por Bailekair com grande sigilo, j que seu primo podia estar tanto a espreitando em um corredor escuro como empertigado no

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salo principal do castelo, acompanhado por Ian e lady Margaret em estranha intimidade. O rosto da condessa se azedava dia aps dia, como o leite esquecido fora da despensa. Apesar de todos os esforos que realizava por manterse jovem, sua pele mostrava j umas profundas rugas; tantos ps e cremes no conseguiam evitar a apario das marcas que a idade, o dio e a avareza imprimiram em seu corpo. A Mary, resultava repugnante a maneira em que paquerava com seu filho e seu sobrinho; dir-se-ia que era uma jovem em companhia de seus amantes. Bailekair se converteu, para Mary, em um lugar que s lhe suscitava tristeza, da que tratasse de escapar de seus muros sempre que podia. Visitava com frequncia a tumba de seu pai, porque acreditava notar ali sua presena e sentia a paz que no achava em sua penosa vida. E que, face ao costume, a dor surda que embargava seu corao no a abandonava em nenhum momento. Tinha saudades mais a seu amado cada dia que passava e sabia que aquele desejo no desapareceria com o tempo. Separaram-se h quase um ano, e mesmo assim seguia escrutinando o horizonte em busca do cavalheiro alto e de tez escura que cavalgava ao lombo de um corcel branco. Entretanto, aquilo resultava to infrutfero como a busca de um fantasma. Seu filho, Geoffrey, constitua seu nico consolo. Crescia rapidamente, apesar de nascer de forma prematura, e ela sentia o orgulho maternal cada vez que o amamentava com seus seios cheios de leite. Tinha os olhos azuis de seu pai, o que a moa agradecia, j que no suportaria que fossem to violetas como os seus, porque teriam se assemelhado aos malditos olhos de Hunter. A criatura herdou a boca de sua me, e j mostrava a arrogncia e o orgulho que a caracterizavam. Parte do medo

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que Mary tinha a que no chegasse a sobreviver se desvanecia cada vez que ouvia o irado e teimoso grito que surgia de sua garganta sempre que se contrariava a vontade do menino. Por outro lado, alegrava-se de que no tivesse a frgil constituio de seu pai, posto que se quisesse abrir-se caminho no mundo, teria que crescer forte. Suspirando, a moa depositou os ramos de fresno desfolhadas que tinha recolhido sobre o tmulo em que jazia seu pai, releu as palavras gravadas na fria lpide de granito e se afastou. Sentia-se inquieta; nessa ocasio no a invadiu a paz que estava acostumada a achar naquele lugar. De repente, pela primeira vez da morte de seu pai e o nascimento de seu filho, sentiu-se sozinha. Jesus! Quantas preciosas oportunidades desperdiou afligida pela tristeza, o medo e a maternidade?

Tinha tomado essa direo a propsito? Mary jamais saberia, mas o certo era que se sentia atrada para aquele lugar, aquele escarpado que dava ao lago, de onde, conforme se dizia, uma velha bruxa jogara, tempo atrs, uma maldio, quo mesma naquele momento escurecia a vida de Mary, como se a harpia seguisse exercendo seu malfico poder da tumba. Comeou a nevar de novo. Os cristalinos flocos ficavam aderidos ao cabelo e as sobrancelhas de Mary, igual espessa nvoa das Terras Altas, e jogavam por entre as negras e desordenadas crinas de Desmond. Um calafrio percorreu a mulher. Por que teria se aproximado daquele lugar? No alto, sobre a pequena colina que dominava a aldeia, a moa vislumbrou os muros de pedra da igreja, sua elevada cpula coroada com uma cruz de pedra macia que parecia querer tocar o cu; oferecia um aspecto sombrio, imponente. As cores das vidraas estavam apagadas pelo passar do tempo e as rajadas brancas de tempestade de neve que

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penetravam pelos inumerveis cristais quebrados. Mary se sentia atrada por aquele recinto como o ferro pelo m. Desceu do cavalo e abriu as pesadas portas de madeira. As dobradias oxidadas chiaram ruidosamente em protesto pela violao da solido que reinava no templo. Estava vazio, abandonado, to morto como a aldeia. Uma capa de neve cobria o cho, que era de madeira de carvalho e estava podre; um cho, pensou Mary, que sem dvida fora gentil com esmero e carinho no passado. Os suaves e diminutos flocos gelados se amontoavam tambm sobre os escassos bancos que ainda aguentavam em seu lugar face aos embates do tempo. Fazia frio; o ambiente era sobrenatural, desolador, deprimente. Inclusive as teias de aranha, que pendiam dos escuros rinces e uniam os caibros como mostra do trabalho estival das aranhas, brilhavam pelo gelo. Sim, a morte galopava na silenciosa igreja da mesma maneira que guardava a tumba de seu pai. Mary deu meia volta para sair. Ele estava ali, apoiado tranquilamente contra a ombreira da porta, esperando-a, tal como a esperara durante quase um ano. Ao ver seus olhos violetas, Mary soube que nada mudou entre eles. Com um grito de alegria, lanou-se aos braos abertos de Hunter MacBeth e lhe beijou apaixonadamente a boca, a mesma em que ela gravou sua marca de propriedade. Tinham um sem-fim de palavras que dizer-se, mas no momento prescindiriam delas. J haveria ocasio, mais tarde, de aliviar a dor que ambos tinham padecido e o sentimento de culpa que ainda lhes atormentava. Naquele momento, lhes afligia a necessidade que tinham um do outro. Sem mediar palavra, procuraram um rinco abrigado na igreja.

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Mary no dedicou nem um s pensamento a Edward, seu marido, quando seu amado estendeu sua grande capa sobre o presbitrio. Embora estivesse unida a seu amigo de infncia pelos laos do matrimnio, era Hunter quem ocupava seu corao (sempre o ocupara), e as palavras de amor que trocavam no eram por isso menos dignas. Em realidade, possuam mais valor, por quanto eram pronunciadas livremente e no tinham sido compradas com ouro. Mary tampouco se lembrou de Geoffrey, porque nenhum menino, por muito que o queira sua me, pode ocupar o lugar daquele a quem o corao deseja. A moa sequer pensou no pecado, na condenao eterna que sofreria por cometer adultrio, pois no parecia que o amor que ela e Hunter sentiam fosse sacrlego, j que foi o destino, no ela, quem marcou o curso de suas vidas. Edward era agora um estranho para ela; s Hunter era real, s ele a fazia se sentir viva. Deus era bom e certamente se mostraria pormenorizado e misericordioso. No castigaria um amor como o seu, um amor que com tanto af procuravam sob o teto de sua prpria casa. Hunter a beijou com fora, obrigando-a a deitar-se sobre a capa enquanto afundava as mos em sua larga cabeleira loira e a excitava com a lngua, provocando-a, entrando e saindo por entre seus lbios com uma violncia tal que Mary no demorou a sentir que o corao acelerava e a cabea comeava a dar voltas. Fazia tanto tempo que um homem no a acariciava, que seu amado no a tocava No necessitava de que ele a pressionasse, nem que esperasse pacientemente sua reao, porque estava to disposta como seu amante. Mary levantou os braos, rodeou as costas do homem e notou seus msculos, fortes pelos anos de batalha, tensos sob suas mos. Mary estremeceu consciente do esforo que Hunter estava realizando por

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conter-se, por possu-la com a delicadeza que lhe caracterizava. Ento, seu amado comeou a despi-la, a despoj-la apressadamente do arascaid, devorando com seu olhar a dourada pele, e ela sentiu ento como seu corpo se excitava como se uma onda de fogo a alagasse. De ouro, tal como ele a recordava, como se tivesse se banhado no resplandecente e glorioso sol que iluminava a Esccia no vero. Quanto a desejava, quanto teve saudades Jogou sua roupa a um lado, deixando nuas todas e cada uma das curvas de seu bronzeado e firme corpo para que Mary apreciasse com olhos vidos e amorosos todos os detalhes, todas as cicatrizes que lhe distinguiam como um guerreiro das Terras Altas. Hunter se inclinou sobre ela e lhe beijou os seios; os avermelhados mamilos se ergueram quando os lbios e mos dele os roaram. Este suplcio uma delcia. Possua-me agora! Agora! sussurrou Mary com voz rouca e entrecortada, to clida como desavergonhada e cheia de paixo. Hunter se limitou a sorrir e seguiu beijando-a uma e outra vez, como se nunca fosse parar; percorreu a palpitante concavidade de sua garganta, a suave curva que formavam seu pescoo e seus ombros Beijou-lhe a boca, acariciou-lhe a bochecha e acabou afundando-se em seu cabelo. Rodeou seu pescoo com a larga cabeleira dourada de Mary e murmurou algo com voz rouca, enquanto percorria as sedosas mechas e aqueles doces lbios que lhe abriam como se tivessem vontade prpria. Mary o abraava com fora, estreitando-o contra seu corpo, at que sentiu a umidade de seu membro sobre suas coxas. Passeou os dedos pelo contorno da boca de Hunter antes de beij-la. Ento iniciou a descida; primeiro acariciou com a bochecha o escuro plo que lhe cobria o peito, para logo roar brandamente os cachos, ainda mais escuros, que havia

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mais abaixo. O beijou leve, alegremente antes de lhe aprisionar com a boca e lanar a lngua ao longo de todo seu membro, corcoveando e lambendo em tanto que ele gemia de prazer. Oh, Deus! Mary, Mary! sussurrava, enquanto se aferrava cascata de sua cabeleira para mant-la naquela posio. Pouco depois, afastou-a com suavidade, temendo que aquilo fosse terminar muito rpido. Ento lhe acariciou a pele, o ventre, as coxas, em busca dos suaves cachos que tanto ansiava. A moa estremeceu, respondendo a seus inquietos dedos. Hunter tomou a mo de Mary e a levou onde estava tocando-a, e aquela amostra de intimidade fez com que ela se sentisse como se a terra fosse abrir-se sob seus ps; ento soltou um leve e curto suspiro, que ele ouviu e, satisfeito, agarrou-lhe a outra mo, desceu a cabea ao palpitante lugar e, depois de lhe beijar os finos dedos, j com uma umidade aucarada, entrou ali lentamente com a lngua. Ela acreditou morrer. Como desejava que a penetrasse. Ao compreender o que queria, Hunter a acalmou momentaneamente com a mo e prosseguiu o assdio de seus sentidos. Ela no demorou a estremecer entre convulses, que a sacudiram uma e outra vez, febrilmente, cada vez mais depressa. A cabea comeou a dar voltas. Proferiu um grito e tratou de atra-lo para si. Mas ele continuou provocando-a. Diga-me, me diga o que quer disse com voz espessa Quero ouvir como o diz. Diga-me isso. Mary se sentia coibida. As palavras no afloravam a seus lbios com a facilidade com que ele pronunciava as atrevidas insinuaes que lhe murmurava ao ouvido. Hunter insistiu. O desejo a obrigou a falar e manifestou o que queria.

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Ele se ergueu, ajoelhando-se ante ela, enquanto devorava lentamente com uns olhos obscurecidos pela paixo, a pele de cetim de Mary. Aquele doce sorriso se desenhou uma vez mais nos lbios de Hunter. Com uma expresso triunfal no olhar, desceu de novo sobre ela para lhe beijar os seios, e Mary sentiu o duro membro sobre seus midos cachos. Tomou sua mo e conduziu sua chamejante flecha para que a guiasse at a vagem aveludada que se abria entre suas coxas de ouro. Entrou nela com rapidez, e a repentina sacudida fez Mary suspirar de paixo. Hunter se afastou para lhe olhar o rosto. Beijou-a nos lbios, e seus olhares se cruzaram como uma carcia. Mary se desfazia, ao notar como Hunter penetrava no mais ntimo de seu ser e, por um fugaz momento, desejou que a envolvesse a escurido para que ele deixasse de observ-la daquela maneira, de lhe pedir que respondesse, que rompesse com sua paixo o muro de acanhamento e medo a ser ferida que ela construiu e que se interpunha entre os dois. Hunter desejava internar-se nela, explorar as curvas mais recnditas de sua alma, aqueles em que nem ela se atrevia a entrar; ele ansiava acreditar que lhe pertencia como jamais pertenceria a outro homem, e saber que a conquistara de todas as maneiras possveis, que a havia possudo e que aquela posse era definitiva. Embora Hunter no dissesse o que pensava, Mary o leu em seu olhar e o compreendeu. Aquela era a maneira de comportar-se de um homem, o desafio primitivo e fundamental que o levou at ela e pelo que exigia que se entregasse a ele sem deixar por isso de am-la. Era cruel, assustava-a, tornava-a vulnervel ante ele. Entretanto, compreendia-o e no podia negar a mesma essncia de sua masculinidade, aquela que lhe pedia que respondesse. Embora Hunter amasse seu esprito (jamais entregaria seu

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corao e sua alma a uma mulher que no fosse sua igual), era inclusive mais orgulhoso e arrogante que ela. Ele necessitava de que lhe entregasse para sentir-se seguro como homem, e ela precisava saber, embora isso supusesse arriscar tudo, que no lhe causaria dano para conservar a confiana de que sempre a amaria, cuidaria e protegeria tal como o reclamava sua condio de mulher. Ela seria dele e s sua em tanto ele no trasse essa preciosa confiana. Se ele chegasse a faz-lo, ela jamais voltaria a lhe pertencer realmente. De algum jeito, essa relao, to antiga como o ser humano, no se estabeleceu entre ambos mediante palavra, a no ser atravs da expresso de triunfo com que Hunter olhou Mary no momento de possula; da forma de exigir os lbios dela com sua boca; do vigor de seu imponente membro ao entrar nela; da piscada de acanhamento de Mary, quando j no pde sustentar seu olhar de ametista; de seu modo de separar os lbios em sinal de obedincia, e do arqueamento de seus quadris para lhe receber. Sim, era dele, e ele soube quando ela proferiu um grito baixo de entrega, desejo e necessidade e o atraiu uma vez mais para ela. Deus! Como pulsava ele as cordas do corao, o corpo, a prpria alma de Mary! Como se de um avantajado msico se tratasse, excitou-a com uma melodia que tudo o consumia at obter que ela se aferrasse a ele, o rodeando com as pernas, e cravasse as unhas nas costas. Mary se elevou junto a ele, crescendo, enquanto seu corpo soava como se fosse um alade delirante cujos acordes vibrassem sem cessar nos caibros da igreja abandonada. Hunter percebeu o instante em que ela alcanava o doce cenit do prazer e desfrutou nele antes de alcanar o seu, amando-a at que ela se abandonou a seus braos, soluando depois do gozo e a dor

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que lhe produziu o instante de xtase que lhe arrancara para logo devolv-lo e compartilh-lo com ela. Ah, Mary Carmichael! Estava feita para amar! Acreditou morrer. Era como se Hunter arrebatasse uma parte de seu ser para deixar em troca algo dele. Sentia-se cheia at transbordar, maravilhada com aquele homem capaz de faz-la sentir de tal maneira. Com doura, Hunter beijou as lgrimas que escorregavam por suas bochechas e empapavam suas pestanas, apoiou a cabea de sua Mary em seu bronzeado peito para que ela ouvisse os furiosos batimentos de seu corao e a arrulhou no bero de seus fortes braos. A felicidade que Mary sentia era completa. Agora que Hunter sabia que era dele, no tinha por que afastar-se dela com indiferena. Manteve-a em seus braos e seguiu beijando-a, desejando-a e amando-a. S a leve e compassada respirao dos amantes rompia o silncio invernal que reinava na nevada igreja em que jaziam. Por fim, falaram e, abruptamente, a realidade deslizou entre eles; como se fossem dois meninos a quem se proibiu assistir a uma festa a que esperavam ir com iluso, sentiram-se esmagados, sufocados pelo glido abrao da realidade, um abrao mais frio que a igreja, onde se tinha apagado a chama com que se esquentaram ao fazer amor. Acreditei que nenhum homem a possuiria. As palavras de Hunter ressonaram com amargura no vazio Eu a esperei aqui todo este tempo, tal como prometi, mas no vinha. Vivi em um inferno, temendo que tivesse a condenado a morte. Ento, quando me chegou a carta do rei No sua culpa. Ignorava que Edward me amava. Nunca me falara disso. Oh, Hunter! Partia-me o corao, pensando em voc. No sabia como o informar da situao em que me encontrava, querido; as horas

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passavam em balde, e eu no deixava de ter saudades. Ocorreram tantas coisas em to pouco tempo: a guerra, a morte de meu pai Suas bodas? Sim, sim; tambm minhas bodas. Oh, Hunter, Edward me queria, no o entende? Acreditou que desse modo me salvaria do desterro. Ele no sabia que eu que eu no tinha nada com com que lhe corresponder, que o que desejava era que me expulsassem do cl para voltar para seus braos. Causei-lhe muito dano, e deixou de me querer. Ento foge comigo, agora! Iremos daqui tal como tnhamos planejado e No posso querido, embora meu corao anseie o seguir onde me leve. Acaso esquece que tenho um filho? Essas palavras lhe doeram; Mary o viu em seu olhar, a que apareciam o cime ante a lembrana de que outro homem a houvesse possudo. Tomou contra minha vontade, Hunter. Jamais aceitaria outro homem em minha cama. Sabe muito bem. Esse menino deveria ser meu filho! exclamou. Sua veemncia assustou Mary E eu deveria estar ao seu lado no altar! Pensar que se deitou com outro homem No ir dizer-me que voc viveu como um monge desde que nos separamos. A voz da moa manifestava o temor que sentia a que a abandonasse em um arrebatamento de ira. Hunter entendeu o que queria dizer, e a expresso de seu rosto relaxou. No significavam nada para mim, amor. Limitei-me a me aproveitar delas e as abandonar sem mais. Oh, encanto, amaldioei minha honra mil vezes desde o dia que a perdi.

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A moa conteve a tristeza que lhe invadiu ao ouvir aquela confisso e pela primeira vez em sua vida sentiu que comeava a abrir-se em seu ser o tipo de ferida que um homem pode infligir em uma mulher. Ah, seria esperar muito que fosse fiel durante todo aquele tempo, que se mantivesse leal a uma lembrana, a um amor to apaixonado que bem pudesse ser um mero sonho. No me perdeu, meu amor disse ela com voz baixa Estou ao seu lado agora e o estarei sempre, embora seja na lembrana. Oh, diga-o! Diga que me ama rogava seu corao em silncio e acabe com esta dor dilaceradora! Diga-me que no h ningum mais em sua vida e que nunca o haver! Haveria outro homem que pudesse entender to bem as necessidades de uma mulher? Que a cobriria no refgio de seus fortes braos e lhe diria, com a mesma sinceridade, as palavras que lhe sussurrava? No se preocupe, meu amor. Temi no voltar a v-la jamais; se no, no haveria tocado a ningum mais. voc quem ocupa meu corao, Mary; e agora que voltou para mim nunca mais sujarei nosso amor, compartilhando com outra pessoa o que voc e eu sabemos. No seria mais que um triste arremedo do amor e a alegria que sinto a seu lado. Oh, fuja comigo, meu amor! Traga o menino! Meu amor suficiente para os dois. Oh, oxal pudesse! Entretanto, embora lhe saltasse o corao ao lhe ouvir, Mary sabia que aquilo no era possvel. Se os capturassem, todos eles seriam sentenciados a uma morte certa, e Geoffrey era to pequeno No podia exp-lo a semelhante perigo. Sim, compreendo Hunter riu amarga e burlonamente, quando ela expressou seus temores Isto tudo que haver entre ns?

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Momentos fugazes at que nos descubram e nos matem? Ou acaso isto tambm supe um risco excessivo para voc? Oh, maldito seja meu orgulho! injusto. Mary entendia que a tortura e o desespero que torturavam Hunter eram to fundos como os sentimentos que ela albergava. Viu como ele tremia de ira pela impotncia e endurecia o gesto em uma tentativa por controlar-se Prefiro morrer a viver sem voc. Falava com voz firme, sem medo, como um sino que soasse no interior da igreja vazia. Minha menina bonita Que valente sussurrou ele Envergonho-me do que lhe disse. Mary se lembrou nesse momento de seu pai, que estava acostumado a cham-la sua menina bonita, e por um instante sentiu frio e pnico ante o futuro. Hunter a beijou ento, e as sombras se desvaneceram. Amo voc murmurou ele ao ouvido, como se lesse seus pensamentos e pretendesse afugent-los uma vez mais Sempre a amarei, embora tambm saiba que lhe causarei dor. Assim como nos comportamos os homens com as mulheres. Do contrrio, acabaramos convertidos em seus escravos por causa da grande paixo que nos inspiram. Perdoe-me e retorne a Mheadhoin, comigo. Estarei vigiando os brejos das Terras Altas, tal como o tenho feito durante todos estes meses, a esperando, sempre a esperando. Era uma loucura, certamente, pois os cls Carmichael e MacBeth os matariam, assim que se inteirassem; mesmo assim, Mary no podia calar a resposta que com tanto ardor desejava lhe oferecer. Sim, meu amor. Voltarei. Nada poder me deter!

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Voltarei, disse. E, entretanto, passou o Natal, e no achou a ocasio de escapar s escondidas para dirigir-se ao lugar nas colinas que seu corao lhe insistia a ir. A lenha de Natal ardia com fora na lareira do grande salo de Bailekair. Hugh presenteou Mary com um vestido de corte de veludo carmesim com um decote escandaloso. O vestido de uma rameira, a rameira do rei! A moa sentiu que o medo que seu primo lhe inspirava a atormentava de novo. Era como se um espectro a perseguisse. Dado que sabia que ele estava burlando-se dela e ainda a desejava, Mary entregou o vestido a uma moa humilde; se esta estranhou a generosidade da senhora, no o demonstrou e apertou o objeto fortemente contra o peito com suas sujas mos. Tinha recebido de Edward uns versos com uma pequena e fria dedicatria. No os leu, pois sabia que foram escritos sem sentimento e que sua triste formalidade s serviria para lhe recordar o carinho que se professaram na infncia e agora desapareceu. Joanna lhe bordou uma nova tapearia para seus pequenos aposentos; Gordon lhe deu de presente umas fitas de vivas cores para o cabelo; Alinor e Charlie, um xale de l que ela tecera. Mary aceitou agradecida todos os obsquios e comeou a us-los. Lady Margaret e Ian no lhe entregaram nada. Trs semanas depois da vspera de ano novo, Mary franqueava o restelo de ferro de Bailekair ao lombo de Desmond. Tal como esperava, ele se encontrava ali, escondido entre as sombras da igreja. Deteve-se na entrada para tirar o capuz da capa e liberar com uma sacudida sua larga cabeleira dourada. Hunter se aproximou dela com uma mo estendida, admirado, uma vez mais, do formosa que era.

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Veio. Os dias me pareceram anos em sua ausncia disse Mary com voz trmula, antes de jogar-se em seus braos abertos. A tenso que sentia Hunter se desvaneceu pouco a pouco, enquanto beijava com fruio seus quentes lbios na penumbra da igreja. Tigresa, tigresa sussurrava No sabe o inferno que vivi pensando que no poderia voltar comigo. Tinha acendido uma pequena fogueira sobre o altar para combater o frio da igreja. Ali a conduziu; estendeu sua capa sobre o presbitrio como fizera a vez anterior e a cobriu com a de Mary. Ento se voltou para ela e a olhou de um modo que a fez tremer; abraou-a com fora e a manteve ao casaco de seu corpo e ao calor da fogueira. No supe quanto a preciso disse ele, enquanto acariciava brandamente sua brilhante cabeleira. Mostre-me quanto necessita de mim, meu amor. E doce, ferozmente o mostrou. A seguir, lhe entregou o bracelete que, como presente de Natal, tranou para ele com as compridas e sedosas mechas de sua dourada cabeleira. Ele o colocou em seu pulso e ajustou o pequeno fechamento de ouro com que se segurava. Lev-lo-ei sempre disse com gravidade como voc deve levar isto. E lhe pendurou um medalho de ouro ao pescoo. Quando ela o abriu, descobriu uma mecha do cabelo mogno de Hunter no interior. Agora estamos realmente unidos um ao outro afirmou com um sorriso. Seu olhar, entretanto, estava tinto de tristeza.

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Viveram atemorizados durante os meses posteriores, rasgados entre os dois cls, temendo que qualquer deles se inteirasse de seus encontros clandestinos e os matasse. E realmente foi um milagre que no fosse assim. No obstante, e, face tristeza que embargava a Mary cada vez que se separavam, seu rosto refletia uma alegria desconhecida, que Alinor atribua ao orgulho maternal que sentia por seu filho, pois Mary passava muito tempo no castelo com Geoffrey. Hugh pensava que se devia a que, com suma habilidade, sempre arrumava para esquiv-lo. S Edward e Joanna suspeitavam a verdade, mas nada diziam; ele porque sabia que com sua brutal violao conseguira que Mary se afastasse dele, e ela porque tambm estava apaixonada e s podia ver seu amante fugazmente. Mary amava Hunter, Oh, como o amava! E ele a ela. Entretanto, s eram seres humanos, com defeitos e debilidades, e, embora a intensidade da paixo e excitao que sentiam um pelo outro se mantinha graas s separaes que estavam obrigados a sofrer, tambm experimentavam terrveis e contnuas tenses a consequncia do sentimento de culpa que os atormentava, um sentimento que ia desgastando lentamente a relao e que, com a chegada da primavera, ameaaria rompendo os frgeis fios com que aquela estava tecida.

Na Esccia, reinava novamente a paz. As correntes que fluam pelas montanhas durante o degelo anunciavam j o advento da estao clida, e os cls se mostravam inquietos em seus castelos. Como ursos que se desprezaram depois da hibernao, os homens comeavam a sair ao exterior; como todos os animais, aqueles que no podiam saciar a paixo

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que despertava em suas virilhas vista dos verdes brotos que assinalam a poca do zelo se lanavam batalha para acalmar seus exaltados nimos. Hunter no queria ir. Como podia faz-lo? Como podia acabar com tudo que Mary queria? E mesmo assim, como podia negar-se? Que razo podia aduzir? No, lorde Angus. No posso atacar o castelo em que nasceu minha amada, no posso incendiar os campos que seus delicados ps pisaram, nem roubar o gado destinado a aliment-la, nem violar as mulheres a quem considera suas amigas, nem matar os homens que quer. No poderia olh-la ao rosto com a expresso de culpa em meus olhos e as mos manchadas do sangue de Bailekair e o sangue dos Carmichael. Aborrecer-me-ia. OH, amor, amor! Perdoe-me, porque tenho que lhe infligir dano uma vez mais.

Mary observava das altas ameias de Bailekair os invasores, como tantas outras vezes fizera. Entretanto, aquela ocasio era diferente, pois estava apaixonada por um deles, daquele que cavalgava ao lombo de um corcel branco e cuja espada de prata refulgia com a fora que ela recordava. A dor que sentia era, portanto, muito maior. Como podia estar ele ali? Cada talho que dava com sua espada lhe atravessava o corao, lhe causando uma tristeza lacerante. Os vastos e frteis campos passaram de ser um oceano verde iluminado pelo sol primaveril a um inferno aceso pelas tochas invasoras. O antes limpo e infinito cu azul aparecia escurecido pelas nuvens de fumaa negra que cuspiam as chamas. Os sulcos que atravessavam os hectares de terreno e aguardavam a chegada das sementes se desfaziam na terra,

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quo mesma com tanto esforo tinham arado os agricultores, com o passo dos cavalheiros. As ovelhas tropeavam e baliam em uma tentativa por segui-los. O sangue corria em qualquer parte e os mortos, oferecendo um espetculo atroz, jaziam ali onde as mos traioeiras do inimigo lhes tinham dado alcance. Mary apertou os punhos em sinal de impotncia. A situao era insuportvel! Como podia entregar seu corao a algum capaz de assolar os brejos de Bailekair? Entretanto, no preciso momento em que pensava aquilo, presenciou como Hunter rechaava o ataque dos homens de armas de Ian e reprimiu um grito de medo. Seu amado podia morrer. Incapaz de seguir vendo aquilo, baixou correndo das ameias com lgrimas nos olhos, consciente de que se tivesse que escolher, seu corao escolheria Hunter.

Claro que estava ali reconheceu Hunter, aps escutar as acusaes que lhe jogaram, assim que se reuniram na igreja. Incomodava-lhe ter que defender-se No posso me negar a invadir as terras dos Carmichael, pois os MacBeth no me deixariam em paz at que lhes explicasse a razo. O que quer que lhe diga? Que a amo? Por amor de Deus! Muitas pessoas ainda se perguntam o que ocorreu entre ns em Wynd Cheathaich, embora Cadman me apoiasse incondicionalmente cada vez que tive que mentir a respeito. Deseja que me pendurem? Alm disso, em Rath na Mara morreram dezessete homens, mulheres e meninos resultado de um ataque dos Carmichael. Incendeiam nossos campos, roubam-nos as cabeas de gado, violam nossas mulheres No toquei em nenhuma mulher, exceto voc, desde o dia que nos encontramos aqui pela primeira vez! Hunter assinalou a igreja.

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O menino de Nanna morreu! Mary tinha os olhos alagados em lgrimas Mal tinha dois meses, e muito possvel que Alan e ela no possam voltar a ter outro. Teve um parto muito difcil, e j no uma moa. Mary recordou os gritos de Flora noite que deu a luz. A gravidez de Nanna no preocupara muito a Mary. Depois de tudo, era uma granjeira, forte e s graas aos anos de duro trabalho em que se cifravam as vistas dos servos. As aldes pariam seus filhos como se fossem ovelhas e, ao dia seguinte, reatavam seus afazeres. As mulheres da nobreza, em troca, guardavam cama e eram atendidas continuamente pelos servos. E se um servo morria, bom, era a vontade de Deus, obvio, e no a consequncia da escassa alimentao e as largas horas de exaustivo trabalho. Lamento-o disse Hunter com amargura O que posso dizer para a consolar? Sempre foi assim. J sabe. Sim, e sempre o ser. Somos uns estpidos! Ouve-me? Uns estpidos! Os Carmichael e os MacBeth sempre tm sido inimigos e sempre seremos. Somos uns estpidos se pensarmos que isso trocar. No, voc e eu no somos assim, Mary. Queremos-nos. Amamo-nos! resmungou Hunter, antes de deixar cair com ela ao cho Por que no o aceita? Introduziu-lhe a lngua na boca, agitando-a, enroscando-a, indagando em seu interior. Ela, raivosa, tratou de afast-lo, mas ele a aprisionou com seu corpo. Nossos destinos esto unidos, meu amor murmurou lhe cravando o olhar em seus olhos violetas No pode se opor nem s estrelas nem a mim. Sabe desde a primeira vez que a possu e se entregou para mim. Sempre ser assim.

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No. Mary voltou cabea em um arrebatamento de ira Sou uma mulher e, como os homens, tenho minhas necessidades. E verdade que as satisfaz, mas s por agora! H! riu ele cruamente Se essa for nica razo por que est comigo, por que no permite a Hugh ocupar o lugar de Edward na cama? Desprezo Hugh E me chama seu inimigo! Com um rpido movimento, despiu-lhe o seio Quer que a deixe? Que v e no volte alguma vez? isso? Por que me atormenta desta maneira? Atormenta a si mesma, tigresa sussurrou ele Amo voc. Se estivesse livre, casar-me-ia com voc amanh mesmo e cuidaria de seu filho como se fosse meu. Por que no o aceita? Porque Edward se interpe entre ns; nossos cls se interpem entre ns; quase cem anos de dio e guerra se interpem entre ns! No; trata-se to somente do sentimento de culpa que arrasta, querida. Sente-se culpada pela felicidade que lhe proporcionei. Eu, um homem que deseja em corpo e alma, mas que sua mente se empenha em rechaar! E no tenho razes para me sentir culpada? meu inimigo mortal. Ensinaram-me isso do momento em que tive idade de compreender. Cada vez que vou a voc, traio meu cl, meu marido, meu filho e a mim mesma! Por amor de Deus! Envergonho-me cada domingo quando piso na igreja! Seu marido! exclamou ele com sarcasmo Um homem que, depois de a violar, jogou-se de sua cama! E a igreja! Meu Deus, Mary, est cometendo este este crime sob o prprio teto da casa de Deus!

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A essas alturas, ele j tinha comeado a vociferar por medo a perd-la de novo. Mary no pde reprimir o pranto. Hunter, ante aquela reao, angustiou-se, espantado por seu prprio comportamento. Vamos, deixe de chorar, querida disse docemente No permita que nos separem desta maneira. Oh, Hunter, amo-o tanto. Por que me sinto assim? Porque uma mulher decente e honrada. Cr que eu no me sinto igual, a aceitando s como amante, quando poderia ser minha esposa, sabendo que h quem a chama rameira e cospe sobre o que to prezado para ns? No o suporto, seriamente! Culpo-me e amaldioo meu cl por isso; mas isso no troca a situao. No, tem razo, como no Oh, Hunter! Abrace-me! Faa-me o amor! Em seus braos me esqueo esqueo-me de tudo, exceto de voc. Nada me separar de voc jamais, juro-o disse, antes de perder-se em sua carne de seda e curar sua alma atormentada.

As tochas ardiam nos muros do salo principal de Bailekair produzindo um murmrio sigiloso, parecido ao miado baixo de um gato; enquanto, a chuva que anunciava o comeo dos aguaceiros de abril formava riachos nas enormes cornijas e descia pelas junturas de morteiro que uniam os enormes e desgastados blocos de pedra do castelo. Como se fossem espectros, as trementes sombras cobriam intermitentemente os rostos das criadas que saam pressurosas da cozinha levando jarros e bandejas, e piscando para desprender a umidade que aderia s pestanas. Em tempos de lorde Magnus, por muito mau tempo que fizesse no exterior, naquele salo se teriam ouvido os estridentes gritos de alegria que davam habitualmente durante o jantar. Os homens de armas,

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impregnados, se gastariam brincadeiras enquanto secavam o cabelo uns aos outros e devotariam descaradamente s criadas mais belas para seclos com uma toalha. Entretanto, aquela noite nada poderia alterar o sombrio ambiente que reinava no salo; era como se o mau tempo conseguisse penetrar no interior do majestoso castelo. Os homens de armas comiam com expresso sria. As criadas realizavam sua tarefa com rapidez, contentes de poder abandonar o inspito e triste salo. Mary sentiu uma pontada de tristeza e saudade, quando, silenciosamente, sentou-se mesa. No era a primeira vez que se atrasava com a esperana de passar inadvertida. Cheia de curiosidade, Alinor lhe dirigiu um olhar de preocupao, mas ela a evitou. Talvez Alinor soubesse de tudo, mas o certo era que Mary revelava bem pouco. Joanna, como sempre, observou-a sem falar. Edward se limitou a seguir olhando sua faca. Os batimentos de seu corao perderam velocidade pouco a pouco. Talvez ningum reparasse no tarde que tinha chegado. Infelizmente, no tinha sido assim, e sua esperana se viu truncada assim que a concebeu. Chega tarde, Mary disse Ian da cabeceira da mesa, enquanto lubrificava de manteiga com os dedos uma grossa fatia de po. Nem tinha levantado a vista. O corao voltou a acelerar. Oh, por que chegaria tarde precisamente essa noite e no outra? Amaldioou sua estupidez e ento se fixou em que Hugh Carmichael estava sentado ao lado de seu irmo de adoo; um plido, o outro bronzeado, e ainda assim quanto se pareciam. A cobia e a ambio lhes permitiram fazer-se com seus respectivos condados com maior rapidez que se no tivessem intervindo no assunto. Se Ian a repreendia, era por Hugh, pois seu irmo no estava acostumado a lhe

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prestar ateno; seu primo, pelo contrrio, experimentava uma perversa satisfao, quando algum importunava sua antiga prometida da maneira que fosse. Lamento-o, senhor murmurou a moa, antes de levar uma parte de carne quente boca. Queimou a lngua; em seguida, agarrou uma taa de vinho e a levantou para ocultar a expresso de seu rosto. E bem? No pensa dar nenhuma explicao? perguntou o conde de Bailekair, arqueando uma sobrancelha burlonamente. Estive no cemitrio visitando a tumba de meu pai respondeu Mary, encolhendo-se de ombros para subtrair importncia ao assunto De todos os modos, estou segura de que para voc carece de interesse o que estava fazendo. Oh, o certo que sim o tem, Mary replicou Ian com um olhar ardiloso, enquanto os outros comensais comeavam a reanimar-se, incmodos, em seus bancos, e Hugh sorria, como se estivesse esperando que a moa comeasse a retorcer-se como um inseto atravessado por um alfinete Causa-me curiosidade que frequente tanto o cemitrio e permanea ali at que obscurece e j a tem feito tarde para o jantar, sobretudo uma noite como a de hoje, com este tempo de ces. um lugar muito tranquilo, e a solido me infunde quietude. Mary, consciente do mau gnio que seu irmo podia mostrar em presena de Hugh, tratava de no comportar-se de forma desrespeitosa com ele Hoje perdi a hora. Quanto chuva Voltou a encolher-se de ombros agradvel e purificadora, como a primavera. Alm disso, no tenho direito de cuidar da tumba de meu pai? obvio que sim, Mary. Ian estendeu sedutoramente as mos de um modo que recordou muito a Hugh, e sorriu com a mesma insipidez que

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lady Margaret. Mary adotou ento uma atitude francamente defensiva O que ocorre que me preocupo com voc, como pelo resto dos habitantes do castelo. perigoso que saia sozinha to frequentemente. Poderiam a raptar e a violar outra vez disse com suavidade. Ao ouvir aquilo, Joanna sufocou um grito, e a condessa riu severamente. Mary se engasgou com o vinho. Tinha vontade de exclamar que s corria perigo em sua companhia e na de Hugh, que nesse momento a olhava codiciosamente com as plpebras entreabertas. Entretanto, no se atrevia a faz-lo, pois Edward seguia sentado diante dela como se fosse uma pedra, ignorando as silenciosas peties de ajuda de sua esposa. No saio das terras dos Carmichael, como meu costume h muito tempo reps por fim, conseguindo manter a calma Nos tempos de meu pai, no resultava perigoso cavalgar por nossas terras. Acaso o agora? Os MacBeth se mostram cada vez mais ousados em suas incurses respondeu ele com um sorriso Acredito que ser melhor que no volte a sair sozinha. muito arriscado. Mary o olhou com expresso de dio, enquanto a ira a invadia e pugnava por manifestar-se. Seguro que aquilo era obra de Hugh! Seguro que falara com Ian e lhe aconselhara que lhe proibisse sair como castigo por haver-se negado a satisfazer seus perversos requerimentos! Desde o dia que Mary o ameaou procurando a cama do rei, Ian lhe tinha o temor suficiente para no aventurar-se a incomod-la. Mary dirigiu a seu primo um olhar de verdadeiro aborrecimento. Hugh queria encarcer-la no castelo, que enlouquecesse de saudade pelos pramos e o roce do vento sobre seu rosto; obrig-la a acessar seus desejos, a lhe suplicar que a possusse como se fosse a rameira pela que a tinha, porque do contrrio

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lhe arrebatariam pouco a pouco sua liberdade e acabaria por ser uma escrava em sua prpria casa. Oh, que bem entendia os mecanismos daquela mente perversa e o inteligente e sdico plano que tinha tramado Assim que Ian recebesse as ordens necessrias, sua vida se converteria em um inferno do que s ele, Hugh Carmichael, poderia liber-la. Hugh exercia ainda uma enorme influncia sobre Ian. Sentia-se to frustrada e desesperada que quase lhe saltavam as lgrimas. Nunca voltaria a ver Hunter! Por amor de Deus! Enlouqueceria de saudade se no conseguia aquela satisfao to especial, aquele xtase embriagador, aquela droga de paixo que lhe permitia esquecer sua desonra e seu fracassado matrimnio, embora s fosse por pouco tempo. Necessitava daquele blsamo que lhe procurava uns fugazes momentos de felicidade e dava sentido a sua vida. Sim, Hunter a amava, desejava-a, necessitava-a. Conseguira que ela se sentisse viva de novo; a levara at o topo do xtase e at os abismos do desespero; a enchera de alegria e atormentado com sentimentos de culpa. No podia tolerar que lhe arrebatassem tudo quilo sem lutar! De maneira nenhuma! Tragou saliva e decidiu protestar Mary minha esposa, Ian. No dava crdito a seus ouvidos. Era Edward, que, por alguma razo, intercedia por ela E no a probo que saia do castelo. Mary olhou a seu marido; ele a olhou a sua vez por um momento e logo afastou a vista. Sabia! Pensou ela e, ento, de repente, teve certeza que era verdade. Edward estava informado de que tinha um amante,

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adivinhara de quem se tratava e no lhe importava. Inclusive mantinha o segredo e agora a defendia ante Ian e Hugh. Por qu? Por qu? Claro. Era um sonhador, um romntico. O apuro em que se encontravam dois amantes cujos destinos estavam determinados pelas estrelas estimulava sua imaginao. O valente e caridoso marido; a bela e apaixonada esposa; o audaz e galhardo amante. Quantas vezes adornaram essa situao as pginas da histria? Seguro que Edward as conhecia. Teria lido todas. Tratava-se do velho tringulo artrico. Ao perder o papel do cavalheiro Bedwyr, Edward aceitou o do rei ofendido e bondoso. Sim, estava disposto a guardar seu segredo porque a amara; talvez ainda a amava. Oh, que dor produziu a Mary saber aquilo e recordar o dano que causou a seu marido. Reprimiu as lgrimas e, levantando a cabea com gesto orgulhoso, lanou a Ian e Hugh um olhar triunfal. Ian franziu o cenho, e Hugh entreabriu os olhos, iracundo. Tenho que supor que tampouco a probe que deixe de confessar-se? perguntou Ian, atacando por outro lado. Que deixe de confessar-se? repetiu Edward, perplexo. A Mary, tremiam as mos. O padre John me informou que faz mais de quatro meses que Mary no se confessa exclamou Ian e, mesmo assim, segue indo a missa e comungando. Todos os comensais sufocaram um grito e permaneceram em silncio. Esse sacrilgio era to tremendo que lhes resultava inconcebvel. E bem, Mary? O padre o padre John tem umas ideias muito muito estritas para meu gosto mentiu sem muita convico O padre Matthew foi meu confessor desde que era pequena. Escuta meus pecados e minhas oraes

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cada vez que vou ao cemitrio. No no acredito que haja nada mau nisso. Mary se benzeu mentalmente por faltar tantas vezes verdade em uma s frase. Ian a olhou com suspicacia por um minuto e logo se esparramou em seu assento, encolhendo-se de ombros como se aquilo carecesse de importncia. O padre John est preocupado por sua alma, Mary. Teme que se condene eternamente. Dir-lhe-ei que no tem por que inquietar-se, embora esteja seguro de que se sentir decepcionado, quando se inteirar de que prefere o padre Matthew. Um bom sacerdote pormenorizado. Mary esboou um sorriso falso, disposta a no cair na armadilha que lhe tinha estendido seu irmo. No confiava no padre John, o novo sacerdote que Ian levou a Bailekair, depois da morte de lorde Magnus. Tinha relegado ao padre Matthew o posto de encarregado do cemitrio com o pretexto de que j era muito velho para ocupar-se de seus deveres. O padre John tinha um olhar ardiloso e impunha umas penitncias excessivamente severas para os pecados que Mary lhe confessou no passado. A moa tinha a sensao de que o sacerdote sentia um dio visceral para as mulheres; j a acusara em duas ocasies de exibir-se ante os homens de armas de Bailekair e lhes induzir a um comportamento e uns pensamentos indecorosos. Mary sabia que, alm disso, o padre John no mantinha o segredo de confisso tal como lhe exigiam seus votos. Em uma ocasio, a Hugh, lhe escapou em sua presena um comentrio que ela fizera no confessionrio. Depois de medit-lo, Mary concluiu que s pde inteirar-se disso atravs do sacerdote. No, no podia confessar-se com aquele fantico, no podia lhe falar da relao adltera que estava mantendo, da proibida via de

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escapamento que encontrava para a traioeira e jovem paixo que invadia seu corpo e seu corao. Pontu-la-ia de rameira, prostituta, incitadora, e no demoraria nem um segundo em informar Ian e Hugh de seus pecados. Entretanto, deveria ter em conta que o sacerdote repararia em sua falta de assistncia ao confessionrio e se perguntaria por que seguia comungando. Devia ser mais cuidadosa! Cada domingo, Mary cuspia o Sagrado Sacramento em um leno assim que o recebia e acreditava que ningum a olhava. Doa-lhe profundamente cometer tamanha atrocidade, mas no podia tragar a hstia sem realizar antes uma confisso exaustiva de seus pecados. De faz-lo, no lhe cabia dvida de que se condenaria mortalmente. J resultava bastante difcil que sua conscincia tivesse que suportar a culpa que supunha quebrar seus votos matrimoniais com um homem que era inimigo de seu cl para que agora fosse burlar do Santo Sacramento da Eucaristia. Jesus! E se algum a viu faz-lo? Devia ter mais cuidado! O padre Matthew estava, em efeito, senil, tal como afirmava Ian, e se seu irmo e Hugh lhe interrogassem as perguntas no fariam mais que o confundir, sem dvidas. Em realidade, Mary no podia confessar-se com o velho sacerdote, porque este a conhecia desde que era pequena e se sentiria dodo e escandalizado ao ouvir suas revelaes. Mary se separou da mesa. tarde disse, repetindo as palavras que lhe tinha dirigido seu irmo ao princpio Meu filho deve estar faminto. Abandonou o salo apressadamente com a sensao de que Hugh lhe atravessava as costas com seus olhos negros de dio e desejo.

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Foi no sombrio corredor que conduzia aos pequenos aposentos que compartilhava com seu marido e seu filho onde Hugh riu de forma desumana de seu desespero, empurrando-a contra o muro, olhando-a lascivamente, e aproximando-se de tal modo que ela pudesse cheirar o amargo fedor a cerveja que saa de sua boca. De maneira que sente falta do velho bastardo disse, enquanto apertava seus suaves braos at lhe fazer marcas na pele. Mary estava assustada, mas no se atrevia a manifest-lo, pois no sabia como reagiria seu primo, brio como estava. Portanto, quando falou, o fez corajosamente, com tom desafiador. Sim, sinto falta de meu pai, Hugh; meu pai, que voc matou. E, cada vez que me ajoelho ante sua tumba, juro que sua morte ser vingada. Algum dia, obterei uma satisfao e nem terei que empunhar uma espada para acabar com voc do mesmo modo que voc acabou com ele. Bruxa! espetou ele com voz rouca e, por um momento, olhou-a com expresso de pnico. Mary se aproveitou disso, consciente de que no poderia manter muito tempo aquela atitude de arrojo. Sim, bruxa. Assim como me chamam os granjeiros. Inclusive muitos se benzem quando me veem. Deveria pensar nisso, antes de matar meu pai! Hugh a sacudiu com brutalidade. Basta j de falatrio, prostituta! exclamou Truques de Sat Ora! No mais que uma rameira mortal. Uma rameira! cuspiu e, antes que a moa se desse conta de qual era sua inteno, ele j estava lhe puxando o suti e deslizando uma mo pelo decote. Mary acreditou morrer de vergonha, enquanto lutava freneticamente e lhe arranhava como um animal selvagem. Hugh obteve por fim lhe agarrar

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os pulsos; esmagou com sua boca os carnudos lbios da moa e internou a lngua entre eles, impedindo assim continuasse gritando. Ela reagiu dando-lhe um chute na tbia. Puta! balbuciou ele Pagar por isso! Mary viu que ia bater-lhe e levantou os braos para proteger o rosto. Deixa-a, Hugh. A voz de Edward retumbou com suavidade no corredor. Hugh soltou Mary e apoiou cautelosamente uma mo no punho de sua espada. A muito puta me provocou mentiu Rogou que a possusse. Est casado com uma rameira, irmo, asseguro-lhe isso. Est bbado, Hugh disse Edward No desejo brigar com voc, de modo que ser melhor que esqueamos este feio assunto. Depois de um momento de tenso, Hugh ps-se a rir. Segue sendo o mesmo covarde de sempre, irmo. Muito bem. No quero manchar minha espada com o sangue de um pobre de esprito. Dito aquilo, desapareceu. Com dedos trmulos, Mary ajustou o suti como pde. Obrigada, esposo meu. Por um momento que pareceu durar uma eternidade, pensou que Edward terminaria o que Hugh comeara, pois ficou olhando seus trementes seios com olhos famintos, como se fossem sair das rbitas. Mary retrocedeu presa do horror. Ele viu que estremecia, e com uma careta de amargura disse secamente: No tem nada que temer de mim. V ver seu filho. Sim, v ver Geoffrey e lhe ensine os costumes das Terras Altas para que em lugar de acabar sendo um dbil poeta, um sonhador como eu, converta-se em um

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valente e audaz guerreiro como seu amante! Sim, seu amante! Ou acaso cr que desconheo a razo por que passa tanto tempo s nos pramos? Volte com MacBeth, se for o bastante homem para voc. Eu nunca o serei. Eduque seu filho a sua imagem e semelhana para que possa ganhar muitas batalhas e consiga ao final fazer-se com um castelo. No, no refiro a Dndereen Edward adivinhou a pergunta que Mary estava lhe formulando com seus grandes olhos violetas Dndereen, onde Hugh ocupou o lugar de meu pai, comeu com os talheres de prata de meu pai, levou a cama s mulheres de meu pai Meu pai! A quem Hugh e Ian assassinaram! Oh, sim, soube porque estava ali. Lembra-se? Estava ali! E no fiz nada! Oh, Deus, me perdoe por minha debilidade! Edward sofreu ento um fortssimo ataque de tosse. Apoiou-se contra o muro enquanto seu corpo convulsionava. Edward! Est doente? perguntou Mary, ao tempo que tratava de lhe ajudar a recuperar o flego. No! exclamou, afastando-a com irritao No mais que esta asquerosa umidade. Resfriei-me, mas me encontro bem. No creia que poder fugir com seu amante to facilmente! Ento ele tambm desapareceu. Mary ficou sozinha no escuro corredor e, compadecendo de si mesma, comeou a chorar. Mary voltou a sonhar aquela noite, sonhos horrveis, pesadelos Sonhos em que se encontrava ao lado de Hugh Carmichael, vestida com o mesmo vestido de noiva que usara o dia de suas bodas com Edward e jurando a seu primo os mesmos votos. Ele a beijava brutalmente, selando de forma definitiva seu destino. Logo a despojava da roupa, obrigava-a a estender-se, penetrava-a Mary proferiu um grito e despertou tremendo,

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coberta em um suor frio. Edward estava sentado junto ao fogo, olhando-a com uma expresso de lstima em seus intensos olhos azuis. J quase desponta a alvorada disse a moa, alarmada Despertei voc com meu pesadelo ou que no dormiu em toda a noite? No podia conciliar o sono respondeu seu marido. Ela fez gesto de levantar-se para lhe confortar, mas lhe indicou com um gesto que no se movesse. No sussurrou. No pode me dar o que quero de voc, moa. Fui um bruto e um estpido ao tentar a possuir. Deixe-me em paz. No existe padre neste mundo para o mal que me aflige. Assim, aguardaram em silncio que os primeiros raios do plido amanhecer iluminassem o cu. Achavam-se a apenas trs metros um do outro e, mesmo assim, estavam to separados que poderiam esperar toda uma eternidade a reunir-se.

Hunter esteve preso a um juramento, quando viu os machucados que Hugh fez a Mary nos braos. Maldito bastardo! Mat-lo-ei! exclamou em um arrebatamento de raiva. A moa recordou aquela noite nos jardins do palcio de Holyrood em que os trs se encontraram e ela tinha notado o aroma de morte que desprendia Hunter No a possuir, tigresa, prometo-lhe isso! Mat-lo-ei antes que te toque; ou, se no, ter que me matar ele. Oh, amor, amor! O que vamos fazer? Chsss A sossegou lhe beijando as mechas de sua dourada cabeleira Agora nosso mundo est aqui, nesta pequena e desolada igreja. Nada pode destruir nossas vidas; no existe ningum exceto ns. Ah, me faa o amor, Mary

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Cega de paixo jogou-se em seus braos, levantou a rosto e sentiu como a boca de seu amado, clida e inquieta, acariciava a sua com suavidade, antes de endurecer-se e voltar-se mais premente, exigente e voraz. Mary estremeceu, maravilhada de que com um mero roce pudesse lhe fazer tremer e retorcer de desejo. No a possuir! Com a lembrana da imagem de Hugh Carmichael, a expresso de Hunter se escureceu de novo e sua voz se tornou pastosa de ira e paixo minha! Minha! Oh, Deus, quero-a. Jogou-a ao cho e aps lhe cobrir as tmporas de beijos abrasadores, afundou seu rosto na cascata dourada da juba de Mary. Agarrou ento vrias mechas e cheirou a embriagadora fragrncia que emanavam. Urze, sempre cheirava a urze; sempre associaria aquele doce aroma a Mary Amo como jamais um homem amou uma mulher; juro-o. certo que uma bruxa, Mary Carmichael, pois exerce sobre mim um feitio do que nunca poderei me liberar. Nunca em minha vida. Oh, minha tigresa! Levado pela impacincia e o desejo, arrancou-lhe brusca e apressadamente o arascaid. Mary tremeu. Assim que a teve despido, despojou-se da roupa e deixou ao descoberto seus enormes msculos. Ela sentiu uma sacudida de excitao por todo seu corpo e uma muito ligeira pontada de medo. Quantos homens teriam matado aquele poderoso corpo? Como era possvel que tambm a embalasse em seus braos como se fosse uma menina pequena? Era algo impressionante saber que as mos que a acariciavam com tanta delicadeza podiam facilmente lhe romper o pescoo com um singelo movimento. Sim, por esta razo acabamos nos sentindo indefesas ante eles pensou Mary o que explica por que uma mulher treme com tanta intensidade quando um homem como Hunter a abraa. a formidvel fora que possuem o que

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nos aflige, o saber que embora possamos acalm-la por um momento, segue estando presente, a flor da pele, disposta a saltar como uma pantera sobre sua vtima. algo brutal; e apesar de toda a fora interior que temos as mulheres, seguimos necessitando que nos cuidem e queiram. Jesus! E que um homem assim me queira! Embora nos descobrissem hoje, neste momento, e nos matassem, tudo valeria a pena. Sim, valeria a pena ver, como agora, que seus olhos se obscurecem de paixo ao me olhar; saber que fui o bastante mulher para tentar este homem, para aplacar, embora s seja por um momento, sua formidvel fora, para lhe sentir sobre mim, dentro de mim Faa amor comigo, Hunter sussurrou com veemncia Mary No sabe quanto o desejo. No necessitava de que insistissem. Fechou violentamente a boca sobre a dela, machucando-a e introduziu a ansiosa lngua entre seus lbios de cor escarlate. Ela respondeu com a mesma ferocidade, com o mesmo desejo, e logo se encontraram os dois respirando de forma entrecortada. Hunter se afastou para beijar suas bochechas, os lbulos das orelhas, as tmporas, as plpebras, enquanto murmurava o nome de sua amada e descrevia atrevido e descaradamente o que ia fazer. Mary se ruborizou com acanhamento, ao ouvir aquelas palavras ntimas e desejou que no a olhasse com aqueles olhos, uns olhos vorazes com os que o homem lia seus pensamentos e era capaz de apoderar-se no s de seu corpo, mas tambm de sua alma. Hunter riu, quando viu como a mulher desviava a vista; aquela silenciosa negativa a lhe permitir que exercesse seu direito a sondar os abismos de sua mente era um sinal mais eloquente que as

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palavras do perto que estava de fazer-se definitivamente com a esquiva essncia de seu ser. Sim resmungou Tambm me apropriarei disso, querida. Ao final, no ficar nenhuma parte de seu ser que no seja tambm uma parte de mim. De muito quer se apropriar Correspond-la-ei completamente; confia em mim. Que feitio exercia aquele homem sobre ela quando, sem deixar de abra-la, fincava-lhe os dentes no ombro e lhe agarrava os seios? Depois de percorrer com a lngua seu tremente pescoo, cobriu-lhe com doura os seios com a boca e sugou os inchados mamilos rosados at deix-los como duas cerejas amadurecidas. Continuou a descida e chegou aos suaves cachos que se enredavam entre as coxas de Mary, e estes, ansiosos e impacientes, separaram-se como se adquirissem vontade prpria. Mary se sentia a um tempo entorpecida, cheia de vitalidade e excitada; poderia permanecer deitada como estava toda a eternidade, deixando que Hunter seguisse desenhando com a lngua o palpitante inchao de sua feminilidade. Soltou um gemido e comeou a retorcer-se; ondas de calor atravessavam sua carne; o sangue ardia em suas veias como um rio de chamas que a abrasasse de entusiasmo e transbordasse at obrig-la a levantar os quadris para receber seus lbios. Ele se afastou triunfalmente ao ouvir seu gemido e ento fundiu em seu interior seu membro, quente e disposto, em uma selvagem demonstrao de vigor. Entrou com fria at as profundidades de seu ser, como se fosse um vertiginoso redemoinho cuja fora tivesse efeitos enlouquecedores. Mary, ofegando, aferrou-se a ele febril, com a sensao de que o corpo ia arrebentar.

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Respirando profundamente em seu ouvido, Hunter prosseguiu com seus ataques com fora renovada, penetrando no doce e aveludado nctar de sua carne. Deus! Oh, Meu Deus! gemeu. Depois daquele instante de cegadora saciedade, seus coraes seguiram palpitando freneticamente um sobre o outro por um momento. Mary notou que por seus lados deslizavam pequenos rios de suor; Hunter saiu dela e sorriu ao ver sua brilhante nudez. Deve haver uma goteira no telhado, tigresa, porque acabamos empapados. Mary se ruborizou levemente. voc um canalha disse com um sorriso e uma covinha em suas bochechas embora haja de reconhecer, senhor, que tem razo, porque eu mesma ouvi o fragor do trovo em minha cabea e senti a descarga de um raio em minhas veias. Bruxa! resmungou Hunter entre risadas Acabar comigo! Assim que disse aquilo, ficou srio No! No! Brincava meu amor. Estava aterrorizado, pois as lgrimas apareciam j nos olhos de Mary No era minha inteno Sei, sei soluou ela, apoiando a cabea sobre o peito de Hunter, ao tempo que ele a abraava Oh, maldita seja sua inimizade! Est me destroando. Quero estar sempre com voc, despertar cada manh e a encontrar a meu lado. Eu os odeio! Cale, encanto, cale. No podemos trocar os costumes das Terras Altas. OH, Mary. Alegre-se de que possamos viver momentos como este, por muito culpados e envergonhados que nos sintamos. Deus sabe que me alegro, seriamente, mas que

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Sim, oxal pudesse ser seu legtimo marido e no tivesse que v-la clandestinamente para viver uns momentos de prazer proibido. Mas, se esta a nica maneira em que posso a possuir, que assim seja, porque minha, e ningum pode neg-lo. Oh, Hunter! Estou tentando a sorte ao o amar tanto! Como posso o desejar deste modo? Nem me importa estar casada com outra pessoa! Sofreremos um justo castigo por nossos pecados No. Amar no um delito, Mary. Eu gostaria de acreditar disse ela apaixonadamente Eu gostaria tanto acreditar Ento acredite implorou Hunter, antes de possu-la uma vez mais. Entretanto, o apresso com que fizeram amor daquela vez foi de outro tipo. Era como se suspeitassem que nunca mais voltariam a ver-se e tratassem de gravar na memria todos e cada um dos detalhes do outro para ter ao menos algo ao que aferrar-se. Assim, despediram-se angustiados.

Aquele dia, quando Mary se separou dele, ameaava tormenta. O cu oferecia um aspecto sombrio, furioso. Finalmente comeou a chover, e as negras nuvens descarregaram sobre ela uma cegadora tromba dgua. Desmond comeou a soltar bufidos e relinchos; os olhos pareciam sair das rbitas e quando os punha em branco se percebia neles o terror que lhe atendia. O grande lago Ness se estendia debaixo deles, enfurecido. As estrondosas ondas que rompiam na borda cresciam por momentos, empurradas pela corrente; era como se cada rajada de vento agarrasse

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suas brancas cristas de gua e as arrancasse para impulsion-las enlouquecidamente para frente. Mary estava horrorizada. Embora nunca tivesse visto nada semelhante, ouvira antigas canes em que se relatava que aquele redemoinho de gua podia chegar a transbordar e alagar os terrenos circundantes. Fustigou Desmond para que a crescente enxurrada no os alcanasse. Ento o viu; uma imponente figura em meio da voragem. Como se fosse uma sorte de Escila emergiu das escuras profundidades; seu pescoo era ao menos to largo como uma pton, embora resultasse excessivamente magro para pertencer volumosa e arredondada massa que formava seu corpo. Embora seu tremendo tamanho no admitisse comparao, dir-se-ia que ao nadar, a criatura guardava certo parecido com um elefante ou um camelo. Triste, solitrio e desamparado, pensou Mary, abandonado pelos de sua espcie, se que estes chegaram a existir; um monstro sobrenatural para os habitantes das Terras Altas, oculto atrs de um vu de mistrios tal como a Esccia aparecia envolta pela nvoa. Apesar do vento impetuoso da tormenta, Mary ouviu seu uivo lastimoso e sentiu que lhe rasgava o corao, do mesmo modo que o fez Hunter ao despedir-se. Ah, chore por mim pensou olhando-o com tristeza Chore e cante sua triste escolha monstro, entoe o gemido de sua aflio, pois meu corao transborda de tristeza e no pode permitir que brotem as lgrimas porque, se o fizessem, formariam um rio interminvel. Sim, chore e cante sua elegia, mas no me dedique isso, no entoe um rquiem por mim e meu amado.

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O monstro pareceu entend-la, porque, to silenciosamente como aparecera, inundou-se nas profundidades do turbulento lago Ness. Entretanto, tal como ocorre sempre que algum enfrenta o desconhecido, Mary no conseguiu se livrar do medo, por isso fugiu daquela ominosa criatura mtica, presa dos piores augrios.

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Captulo 19

O sol tingia o cu estival de tons laranja e amarelos. Uma suave brisa soprou pela grande extenso de erva, elevou-se sobre todo o campo e se perdeu com um doce rumor entre os abedules do bosquezinho que bordeava os brejos. Joanna Carmichael deixou escapar um suspiro, um som to suave como o do vento, e esticou seu corpo nu languidamente para absorver o calor dos raios do sol que acariciavam sua dourada pele da mesma maneira que o fez seu amante pouco antes. O silencioso homem de aspecto leonino que jazia a seu lado franziu o cenho levemente com uma repentina expresso de tristeza em seu olhar. Arrepende-se, querida gazela? perguntou-lhe, vacilante. A moa esboou um sorriso tranquilizador. Sempre que fazemos amor me pergunta o mesmo, e sempre lhe respondo que no, no certo? Sim. Gordon Carmichael fez um gesto de assentimento Mas Oh, Joanna, embora no quero ser a causa de sua dor, sei que no fundo lhe causa tristeza o que fazemos. No! No! Posou os dedos sobre os lbios do homem No diga isso No certo. Se pudssemos nos casar No, amor Joanna lhe abraou com doura, consciente de quanto lhe atormentava aquela ideia No pode contrair matrimnio

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com uma moa de bero ignbil como como eu, que no sei o nome de meu pai nem tenho um dote com que enriquecer as arcas dos Carmichael. No me importa. Sim, j sei que no lhe importa, mas sim a sua famlia. No quero presenciar como perde por minha culpa o lugar que lhe corresponde por direito no cl. No sou o bastante boa para voc, Gordie. No sou mais que uma bastarda. Acabar por me voltar louco, moa disse Gordon, em uma pobre tentativa por brincar, pois, apesar de seu sorriso, a expresso de seus olhos seguia sendo sria Vale por um milhar de reino; to suave, delicada e fina como a gazela mais grcil dos bosques. No se menospreze tanto. Sou o que sou meu amor, e nada pode trocar isso. Conformo-me com os momentos que passamos juntos. No pea mais. O certo que muito boa para mim sussurrou, antes de abra-la uma vez mais sobre a suave erva do vero.

Embora chegasse a pensar que nunca mais voltaria a percorrer aqueles estreitos corredores, Mary retornaria de novo ao palcio de Holyrood, em Edimburgo. Alinor conseguiu um posto na corte para o vero tanto para si como para Mary e Joanna. O jovem Jamie tinha entrado em relaes com uma senhorita, a bela Mariot Boyd, e necessitava de vrias damas para que a atendessem. Ah, como se emocionou Mary, quando o bom rei deu sua aprovao a seu servio. Ela, que foi desonrada e ultrajada, que desceu da apreciada posio que supunha ser a filha do chefe do cl Carmichael ao lugar da manchada esposa de um segundo e cavalheiro. Agora poderia manter de novo a cabea bem alta e desafiar os membros

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de seu cl que se burlassem dela, pois cabia a possibilidade de que o estigma de sua vergonha ficasse apagado assim que Jamie a recebesse. Quem se atreveria a humilh-la depois que o rei a fizesse merecedora de seu favor? Mary se esforaria por que assim fosse. Preparou-se para a viagem que devia empreender com um sentimento de satisfao e triunfo, por quanto desde que o soberano a chamasse, Hugh e Ian se mostraram muito mais precavidos em sua presena. Sem dvida, se perguntariam se Mary se propunha ir aos aposentos de Jamie para levar a cabo a ameaa que lhes fizera. Sua alegria no conheceu limites, quando se inteirou de que Hunter tambm se encontraria em Edimburgo. Ao lhe comunicar a boa notcia, ele animou Mary a que fosse, apesar de que a ideia de uma nova separao resultava a ela extremamente dolorosa. Sim, amor disse, enquanto a abraava como um louco e dava voltas de gozo Teremos todo o vero para ns, j que lorde Angus tem ainda uma dor de mil demnios na perna e no pode assistir ao torneio. Alm disso, se rumoreja que se urdem vrias intrigas contra o trono, e no necessito ver David para saber o que tem de certo nisso. Dizia a verdade, pois s uns meses atrs vrios senhores se elevaram em armas contra o jovem Jamie, em Methven. Oh, at quando duraria aquilo? Perguntou-se a moa. Apesar de todo o poder e a glria que representava, uma coroa devia resultar realmente pesada sobre a cabea de algum. Era um dia glorioso de vero. A pequena comitiva partiu de Bailekair para empreender o caminho para as portas de Edimburgo. As flores salpicavam os pramos com suas inumerveis cores; as mais frgeis se apertavam ao casaco das aulagas que surgiam em verdes cachos por entre as urzes douradas e purpreas.

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Passaram os quatro dias do trajeto estupendamente, falando e rindo enquanto viajavam, bebendo e danando, quando se detinham em alguma estalagem para pernoitar. Por sorte, nem lady Margaret nem Ian os acompanhavam, e a sombra que projetavam sobre eles era cada vez mais tnue. Mary havia quase se esquecido de quo grande era Edimburgo e no pde evitar maravilhar-se das vistas medida que atravessavam as ruas. Edimburgo estava situada em um vale que se estendia brandamente por umas colinas curvas at o porto de Leith, o qual se encontrava a uns poucos quilmetros ao nordeste. O vale era muito agreste; aqui e l se elevavam penhascos de grande tamanho, alguns dos quais eram em realidade vulces extintos. Nas amplas elevaes das ladeiras

despontavam cristas escarpadas, pois essa regio, igual das Terras Altas, tinha estado coberta pelas geleiras no passado. Quando havia tormenta no mar do Norte, os ventos impetuosos gemiam melancolicamente pelos majestosos penhascos, percorriam as sinuosas ruelas da cidade e se perdiam no pramo. No alto de um ngreme penhasco de basalto, o castelo de Edimburgo se elevava sobre seus domnios majestosamente, coroando o conjunto de casas que se alinhavam na ladeira e formavam o ncleo principal da populao. O esporo de rocha sobre o que se apinhavam as casas unia o velho castelo com o palcio de Holyrood, o qual se encontrava no extremo leste das muralhas da cidade. Ao sul, ao p do enorme penhasco sobre o que descansava o castelo, Grassmarket, o mercado da cidade, estendia-se sobre uma parcela de erva em que cresciam as rvores em ordenadas fileiras.

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Aqui e l se erguiam para as nuvens as cpulas das Igrejas; as cruzes de pedra se recortavam austeras, sobre o cu azul. Igual aos pramos com suas flores, a cidade estava radiante de cores. O breacan real dos Stewart e os breacans dos cls, o Murray, o Canmore, o Irvine, o Davidson, o Ruthven, o Boyd, o Sinclair, o Ramsay, e muitos mais, mesclavam-se com os singelos vestidos dos plebeus e os breacans dos membros da classe mdia de Edimburgo que no pertenciam a nenhum cl. Os negros trajes dos monges e os magistrados eram as nicas notas sombrias na variada pintura da cidade. Os ces ladravam continuamente. Bandas de moos desciam pelos degraus de pedra dos wynds, as estreitas e pendentes ruelas da cidade, golpeando aros de barris com varas e rindo ao esquivar aos habitantes da cidade de maior idade, que umas vezes sorriam recordando os dias em que eles tambm deslocaram despreocupadamente pelas ruas

pavimentadas, e outras franziam o cenho e pediam aos moos que tomassem cuidado ou meneavam o punho airadamente enquanto balbuciavam, mal-humorados, algum comentrio sobre a falta de lei e ordem na cidade. Mary ouvia fragmentos de conversa, enquanto avanava. Deve-me dois xelins, senhor Seaton, e no lhe servirei nenhuma gota mais de usque at que no me pague Lamento discrepar, senhor. Este assunto no incumbncia dos homens, mas sim de Deus Vai casa do MacDuff ento? Muito bem. V-li-ei ali esta noite. Cuide de suas maneiras, n? O conde tem trs filhas muito formosas, e sua mulher, a senhora Claire, tem uma lngua viperina s vezes

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Moo! Dou-lhe um penique se guarda meu cavalo, enquanto estiver na loja do senhor Robertson, e outro mais se seguir aqui quando sair Com que facilidade tinha ido recordando tudo, e que emoo sentia medida que entrava nos largos corredores do palcio de Holyrood. Os presentes comearam a cochichar, e ela se ajoelhou uma vez mais ante o rei. Quem poderia comparar-se com o soberano da Esccia? S tinha dezesseis anos, um ano menos que Mary, e j se sentia esmagado pela pesada carga da monarquia. Tratava-se de um moo alegre e bulioso e, embora tivesse um porte srio e digno que impunha respeito, possua o encanto prprio dos Stewart de que carecia seu pai. Os nobres mais precavidos do pas iam em turba a seu lado para ganhar seu favor, j que o jovem Jamie desprezava aos infames msicos e arquitetos (os violinistas e pedreiros, como alguns lhes chamavam) que levaram seu pai perdio; talvez o espetculo da morte de Roger e Cochrane lhe causara uma impresso realmente forte, mas o certo era que o moo no tinha equivalido a seu pai. James seguia chorando a morte de seu pai pela parte que lhe correspondia e decidiu ater-se sempre um pesado cinturo de ferro para record-la e fazer penitncia pelo pecado que cometera. Graas a sua profunda sensibilidade, Mary compreendeu tudo aquilo, assim que elevou o olhar e viu o soberano. Levante se, senhora Mary disse em voz alta e me deixe ver se realmente a tigresa de que falam. A moa avermelhou-se ao ouvir aquelas palavras, j que o rei utilizou o apelido que empregava Hunter. Por um horrvel momento, pensou que o rei sabia tudo e se propunha acus-la de adultrio ante a corte. Entretanto, recuperou-se ao recordar que seguia sendo, em efeito, a filha

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do leo e que muitos a chamavam daquela maneira. Sorriu e se disse que Jamie, alm de ser rei, era um homem jovem e forte e que ela precisava ganhar seu favor. Depois de piscar com delicadeza e ar coquete, perguntou ao soberano: E acredita que o sou, majestade? Se tiver a lngua e o gnio de minha prima lady Jane Gordon, senhora, tenho que dizer que sim respondeu, enquanto dirigia um olhar irm do conde de Huntly. Mary observou com cautela mulher que Patrick Hepburn desejava. Lady Jane era to loira como Mary, talvez inclusive mais, porque at seus olhos possuam um tom leonino. J ouvira falar de seu clebre compromisso matrimonial e sabia que a futura (apesar de que ele no aceitasse ainda) esposa do poderoso conde de Bothwell era uma pessoa de grande influncia na corte. De todos os modos, o senhor Hunter MacBeth tambm era um dos validos do rei. Mary elevou o olhar e lhe fez uma leve reverncia, pois embora lady Jane fosse prima do jovem Jamie, Mary seguia sendo a filha de um conde e era, portanto, sua igual. s moas das Terras Altas no nos educam para que sejamos umas fracas disse Mary, escolhendo cuidadosamente as palavras j que somos ns que devemos dar a luz aos poderosos guerreiros que tm que defender ao rei e as fronteiras da Esccia. E se esses homens fracassam no desempenho de seu dever, ento temos que nos ocupar ns mesmas de lutar por nossa salvao. A moa observou que lady Jane a olhava com uma sbita expresso de surpresa e aprovao, e soube que acabava de fazer uma amiga. O irmo de lady Jane, George, tinha combatido a favor de James III e foi obrigado a exilar-se durante um ano por ter colaborado na rebelio.

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Jamie entreabriu os olhos. Mary tremeu de medo por um momento. Talvez o incomodasse com sua rabugice. O rei, entretanto, sorriu, de modo que a moa compreendeu que no tinha por que preocupar-se. No cabe dvida de que tem a lngua muito afiada e o gnio muito vivo senhora. E o corao do leo tambm, pois poucas pessoas me falariam desse modo, se estivessem em seu lugar. Seu pai foi sempre um homem sincero e honrado. Oxal meu pai fosse igual. voc to audaz como os Stewart. Se isso for certo, no se deve educao que recebi majestade, a no ser ao sangue dos Stewart que corre por minhas veias reps Mary, para recordar o soberano que, por longnquo que fosse o parentesco, os Carmichael continuavam pertencendo famlia real. Sim, tinha-o esquecido, senhora, mas estou encantado de que me recorde isso. O rei trocou inesperadamente de tema de conversa ouvimos rumores na corte, senhora Mary, de que o torneio que organizou meu pai no foi ltima de suas aventuras. Mary se sentiu envergonhada de que mencionasse aquele assunto em presena dos cortesos, embora, em qualquer caso, todo mundo estaria a par da desonra que sofrera, pois esse tipo de notcias circulavam de boca em boca pela Esccia, onde a vida de uma pessoa podia depender da informao de que dispusesse sobre as inimizades existentes entre os cls. No, senhor. No o foi conseguiu balbuciar ao fim. No se aflija, senhora disse o soberano amavelmente, ao tempo que olhava com severidade a seus cortesos para assegurar-se de que lhe entendiam bem No me cabe dvida de que haver capeado o temporal com a mesma firmeza que um Stewart acrescentou, pondo nfase no

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nome ns no estamos acostumados a nos intimidar ante as dificuldades. Mary se deu conta ento de que o rei estava lhe dando um conselho. Ela tinha que manter a cabea bem alta na corte; ele, por sua parte, aplainar-lhe-ia o caminho, subtraindo importncia ao assunto do rapto e reforando os vnculos familiares que lhes uniam. Desse modo, ningum se atreveria agora a menosprez-la, por que isso equivaleria a insultar o rei. Obrigada, majestade. Quando voltou a levantar a vista, seus olhos violetas expressaram agradecimento. Est bem casada, alm disso, verdade? continuou James, ao ver que a moa captou a silenciosa advertncia. Com Edward Carmichael, majestade. Melhor, porque do contrrio sua grande formosura causaria estragos em meu palcio. O rei riu de seu prprio comentrio; os cortesos lhe fizeram coro, rindo e fazendo gestos de aprovao para que o soberano no se fixasse neles por no faz-lo. James baixou ento a voz de modo que s Mary lhe ouvisse deixei de conceder uma gratificao por isso. O senhor MacBeth no desejava nenhuma outra coisa. Mary no sabia aquilo, pois Hunter no o dissera. Nada poderia hav-la comovido tanto como aquela notcia. Seu amado tinha toda Esccia a seus ps e s pediu possu-la. Mary tinha suposto que teria solicitado alguma outra coisa: riquezas, terras Mas no, s queria a ela. Seus olhos refletiram naquele momento toda a emoo que a embargava. No podia evit-lo. Ento se deu conta de que o rei lia seus pensamentos. Esse era seu dever: penetrar nos coraes e as mentes dos homens. Majestade

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Ele a interrompeu elevando a mo e levantando a voz para que toda a corte pudesse lhe ouvir. Sentimo-nos satisfeitos de voc, senhora Mary disse com solenidade Ser como uma ametista entre as joias da coroa. Sorrindo pela brincadeira que fez sobre seus olhos, o soberano lhe estendeu a mo para que a beijasse e deu por concluda a audincia. Entretanto, quando Mary se levantou e se dispunha a despedir-se, o monarca lhe sussurrou: Um homem no poderia governar sem cabea, moa, mas no corao onde reside a verdadeira felicidade. Depois de um momento de vacilao, Mary fez um valente gesto de assentimento, consciente de que o rei acabava de dar sua aprovao a qualquer relao que pudesse ter com o senhor Hunter MacBeth. Sua graciosa majestade, o jovem Jamie, com toda a dignidade de seu cargo, piscou um olho a Mary antes que se retirasse.

Que feliz se sentiu Mary aquele vero! Estava transbordante de alegria como no o esteve desde a infncia. Voltava a ser a senhora Carmichael, a filha do antigo chefe do cl Carmichael, que morrera com todas as honras no campo de batalha. Assim o manifestou James, de maneira que aquelas pessoas que pudessem desdenhar Mary e haver-se perguntado o que ocorreria durante o rapto que sofreu s mos de Hunter MacBeth, tiveram que deixar de fofocas ociosas. Em realidade, Mary exagerava a importncia do assunto como consequncia do trato que lhe dispensou sua famlia, j que, devido quantidade e crueldade das inimizades que

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havia entre os cls da Esccia naquele tempo, naquele tempo mal existia um que no padecesse uma ignomnia semelhante. Se no fosse por Geoffrey, a quem levou a corte, Mary daria a impresso de ser uma moa solteira a mais. Danava e paquerava com os cortesos e guardava sobre o peito a secreta lembrana que lhe entregou seu amor com a mesma alegria que pudesse sentir qualquer moa frvola; desfrutava ao no ter que aguentar o gesto amargurado de lady Margaret, a ostentao de Ian e o perverso desejo de Hugh, pois no chegariam corte at uma semana antes do torneio de vero. Gordon conseguiu, por fim, ser renomado cavalheiro e, livre de viajar quando quisesse, reuniu-se com as moas na corte. deu permisso a Charlie para que o acompanhasse, embora s porque o pai de Alinor, o poderoso conde de Eadar D Voe, o persuadira de que o fizesse. Edward, entretanto, ficou em Bailekair. Os cinco formavam um grupo animado, e, se Mary lamentava s vezes no ter par, era s porque Hunter no podia estar ao seu lado, j que eram muitos os homens que a acompanhavam e tratavam de atrair seu favor, apesar de que sabiam que estava casada. S existia um homem para ela. Muitas noites, tinha que aguardar a que as mulheres com que compartilhava os aposentos conciliassem o sono para levantar-se da cama em que dormiam Joanna e Geoffrey e deslizar sigilosamente pelos corredores de palcio at chegar aos braos de seu amado. Faziam amor apaixonadamente, como se cada encontro fosse ser o ltimo. Tiravam o mximo partido para feito de estar to perto um do outro, pois no passava dia sem que se cruzassem em um corredor ou se vissem de forma fortuita no salo principal do palcio.

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Saam de caa com o rei e, atrevidamente, perdiam-se da partida. Seus gemidos de prazer se mesclavam com os longnquos latidos dos ces. Em realidade, parecia como se o rei fosse parte interessada em sua relao, por quanto os reclamava com frequncia. Patrick dizia a lorde Bothwell agradar-me-ia que lady Jane e a senhora Mary nos acompanhassem esta tarde. E o senhor Hunter tambm. Acredito que h muito que dizer a favor desse homem. Se o poderoso conde suspeitava o motivo que subjazia em tal predileo, nada dizia, consciente de que se comeasse a fazer comentrios a respeito nos corredores do palcio, lady Jane deixaria de participar daquelas pequenas excurses. Mariot Boyd, a bela querida do jovem Jamie, era mais velha que o soberano e inteligente para sua idade. No era uma mulher exigente e compreendia que sua posio na corte dependia do favor do soberano. Intua que coisas agradavam ao rei, e a ostentosa demonstrao de sua prpria importncia no era uma delas. As damas de seu crculo iam e vinham com suma tranquilidade, j que Mariot preferia no estar sempre rodeada das mulheres que tinha a seu servio. Assim, Mary dispunha de uma grande liberdade, e as oportunidades que lhe apresentavam para estar junto a Hunter eram quase infinitas. Aquele vero os uniu muito. Todas as manhs, antes que os primeiros raios do sol iluminassem o cu e Mary se levantasse para retornar pressurosa a seus aposentos, lhe fazia ccegas como se fosse um moo travesso; ento lhe dava um soco e se equilibrava sobre ele, implorando compaixo. Com frequncia, Hunter ia s compras ao mercado e voltava com algum obsquio para a Mary, como um anel ou um leque; o repreendia por gastar em tais tolices quo soberanos ganhava com o suor

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de sua frente, embora no por isso deixava de alegrar-se. Mary lhe remendava a roupa e acrescentava aqui e l algum adorno de seda e veludo que comprara para que assim vestisse com a mesma elegncia que qualquer nobre. Nessas ocasies era Hunter quem protestava. No sou mais que um pobre cavalheiro brincava Hunter, quando Mary lhe explicava por que o fazia Alm lhe disse mil vezes que no tenho a ningum com quem sair embelezado desta guisa, moa. Mary se burlava de seus protestos. Deveria pedir a Jamie terras e riquezas em lugar de desperdiar a gratificao em algum como eu disse em tom de brincadeira. Oh, tigresa, do que servem os ornamentos de ouro, se no se possuir a joia que tm que adornar? Hunter sorriu, mas a seriedade que refletiam seus olhos dava f de suas palavras. Mary suspirou e pensou que jamais existiram duas pessoas que se amassem tanto como eles.

Chegou o torneio de vero, e, com ele, lady Margaret, Ian e Hugh. Mary sorriu com satisfao, quando viu o bvio desagrado com que reagiam ao encontr-la to bem instalada na corte. Oh, estava de novo na crista da onda, segura em seu lugar e esquecendo que o orgulho precede queda. S quando reparou em que Edward no os acompanhava, comeou a pressentir o desastre. No quis vir e eu tampouco lhe necessito para nada foi quanto disse Ian. Aquilo preocupou Mary. Quanto mais refletia sobre isso e por muito feliz que se sentisse na corte, mais convencida estava de que devia

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retornar a Bailekair. Edward, ao fim, era seu marido, e lhe devia algo pela dor que lhe causara, apesar de que no fosse por sua culpa. No v rogou Hunter aquela mesma noite, enquanto a abraava No v. Tenho a intuio de que nada voltar a ser igual, se me deixar agora. Mary riu sem m inteno. Oh, este o homem que sempre se burla de meus ridculos temores? Talvez estivesse equivocado, meu amor. No. Pediu-me que lhe acreditasse, e o tenho feito. Quando concluir o torneio, retornarei a Bailekair e ficarei uma temporada com Edward. Estou muito inquieta por ele. Mas voltarei ao seu lado, meu amor, no o duvide.

Entretanto, o torneio de vero do rei suporia um ponto de inflexo na vida de Mary e desencadearia uma srie de acontecimentos que ningum poderia prever nem acreditar, inclusive se soubessem. O torneio teve um comeo prometedor, j que, graas aos suaves raios do sol estival, o cu possua um tom azul alaranjado e no estava encapotado como o do primeiro ao que assistira a moa. Alm disso, se sentia animada, porque foi convidada, junto com Alinor e Joanna, a sentar-se no camarote do rei. Mary no pde evitar dedicar um sorriso triunfal a sua me, que teve que acomodar-se nos bancos reservados nobreza de menor fila. Que distintos eram os papis que desempenhavam aquele dia. A justa de abertura comeou, e durante vrias horas tudo se desenvolveu com normalidade. Ningum aplaudiu tanto como Mary, quando Gordon, em seu primeiro torneio de importncia, ganhou o

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combate que lhe correspondia no terceiro turno. Tambm aplaudiu, embora para si, quando seu amado derrubou seu competidor e abandonou o campo beijando o leno violeta que Mary lhe atou ao brao a primeira hora da manh. Foi cair tarde, quando ocorreu a tragdia. A moa no se sentiria muito afetada, j que seria uma morte estpida, causada pela indolncia e o descuido de um escudeiro que, em lugar de preocupar-se da armadura de seu amo, estava perdendo o tempo com uma criada. E no acontecera uma s vez, circunstncia que permitiria ao senhor escapar ileso, a no ser vrias. O metal se tornou frgil por causa da falta de cuidados; o escudeiro deixara de limpar e lubrificar a armadura de ao com a assiduidade necessria para mant-la forte e evitar que se oxidasse. Mary no sabia como era possvel que o senhor no o advertisse, embora logo se comentasse que se tratava de um homem muito ocupado e algo negligente. O certo que lhe custou a vida, posto que a armadura no aguentou o certeiro impacto da lana e saltou feito pedacinhos. Segundos mais tarde, lorde Torquil, conde de Rath na Mara e pai de Cadman, jazia morto no campo de justas. Hunter tampouco se sentiu muito aflito por aquela morte, posto que considerasse o pai de seu irmo de adoo um homem cruel e vaidoso. Mesmo assim, acompanhou no sentimento a Cadman, entristecido pelo que aquilo supunha para ele. T-lo- difcil disse a Mary com um gesto de preocupao no rosto Como filho bastardo, no herdar nada; ele j sabe, mas mesmo assim no deixa de ser um duro golpe. Nunca fala disso, mas sei que lhe di muito no ser uma pessoa de fila. Seguro que lorde Angus tem um lugar para ele.

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Sim, mas o velho urso se encontra cada vez pior. De fato, acredito que est nas ltimas. Grace no conseguiu lhe curar a perna e, embora a amputaram at o joelho, segue gangrenando-se. Mary estremeceu, alegrando-se de repente de que seu pai morresse gloriosamente no campo de batalha. E o que ocorrer com voc quando morra lorde Angus? No sei amor, no sei. Stephen jovem e carece de experincia. Em realidade, no acredito que pudesse lhe servir com o mesmo respeito com que servi ao velho urso. Assim, o futuro voltava a apresentar-se escurecido pela incerteza. Comearam a perder o sono; uma noite Hunter saltou na cama empunhando a espada com a mo esquerda para ficar a um intruso sobre a garganta. Alto a o ouviu dizer Mary. Hunter. Sou eu, Cadman. Afaste essa espada, no v matar-me! Houve um momento de vacilao. Mary notou que seu amado seguia tenso ao seu lado. Acenda uma vela, querida ordenou com delicadeza. Com mos trmulas, Mary obedeceu e se perguntou por que estava de um humor to estranho. A chama prendeu na vela, e o rosto de Cadman se iluminou. Hunter, entretanto, no afastou a espada de sua garganta. Jure, Cadman sussurrou com uma voz sepulcral que fez Mary pensar que tinha enlouquecido. Por que falava daquela maneira a seu irmo, dodo e embriagado como evidentemente estava? Jure que ainda quer e honra a minha mulher como a uma irm, jure que sua espada e seu escudo estaro sempre de seu lado e que jamais falar com ningum desta noite, sob pena de morte Jure-o pela tumba de seu pai!

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A muito bruxa! espetou Cadman No tivemos mais que problemas do momento em que se fixou nela! E agora meu pai est morto! Morto! exclamou entre hipidos Sabe quem governar Rath na Mara agora? Eu no! Blair se encarregar da propriedade! Blair! Esse mucoso! E o que ser de mim? No sou mais que um bastardo sem nome! Quando morrer lorde Angus, no serei nada. Nada! Ouve-me? Oh, Hunter. Tenha piedade de mim. Esquea-se esquea-se desta mulher do diabo e vem comigo a Inglaterra ou Frana, onde poderemos fazer fortuna como planejvamos. Nada nos ata a Esccia gemeu. Mary compreendeu ento por que Hunter se mostrou to precavido e experimentou uma grande sensao de alvio. Deixe de choramingar e jure. Hunter apertou ligeiramente a espada contra a garganta de seu irmo de adoo. Uma diminuta gota de sangue se formou em torno da ponta da arma Pouco orgulho tem prosseguiu cruelmente para aparecer bbado em meus aposentos e romper a chorar como uma mulher? No nenhuma vergonha ser cavalheiro, Cadman. Poderia ir pior. Alm disso, no h muitos na Esccia que possam lhe fazer sombra com a espada ou o mao. No entendo o que me aconteceu. Estou enfeitiado. Esta bruxa sua me enfeitiou para me afastar de seu lado. Deixe de choramingar! ordenou Hunter, lembrando-se de repente da quantidade de mulheres que morreram na fogueira em Edimburgo acusadas de bruxaria Mary o tratou como a um irmo, e voc lhe corresponde com infmias e mentiras. Jure agora mesmo ou no respondo por meus atos. Cadman jurou, por fim, o que Hunter lhe tinha pedido e, ainda brio, caiu a seus ps chorando. Ao cabo de um momento ficou dormido,

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esgotado pela perda de seu pai e a angstia que atormentava seu corao. Hunter o agasalhou com um lenol e colocou um travesseiro sob sua cabea. Doer-lhe-o os ossos pela manh por dormir no cho e a cabea por causa da cerveja que bebeu. Senhor! Como fede Oh, Hunter. Ouviu o que disse? No falava a srio, Mary se apressou a responder ele Sua condio de bastardo o tira do srio e o impulsiona a dizer semelhantes barbaridades. Sabe? Lorde Torquil poderia o declarar herdeiro, porque no tinha filhos. Entretanto, por alguma estranha razo, talvez porque a me de Cadman, Elizabeth, escapou com outro homem ou simplesmente por rancor ou m vontade, no sei; o fato que Cadman nunca lhe inspirou simpatia. O mucoso da rameira estava acostumado a cham-lo. No queria assinar nenhum documento em que Cadman aparecesse como sucessor, embora muitas vezes o tentasse com a promessa. Lorde Torquil era um homem cruel, e acredito que se sentiu profundamente ferido em seu orgulho, quando Elizabeth o abandonou pelo duque de Logie. Fosse como fosse, o caso que o conde se enfurecia com Cadman. No o julgue com excessiva severidade pelas palavras que utilizou; sentir-se- muito envergonhado pela manh, j o ver. Agora volte para seus aposentos, tigresa. No acredito que deseje despertar e a encontrar aqui depois de semelhante diatribe. Resultar-lhe-ia muito embaraoso. Partir amanh de Edimburgo? Sim. Que Deus a acompanhe ento. Hunter beijou Mary lenta e apaixonadamente, atrasando o momento da despedida Ver-nos-emos em Mheadhoin.

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Captulo 20

Mary no veria seu cavalheiro cigano em Mheadhoin. Teriam que transcorrer vrios anos antes que voltasse a v-lo na abandonada igreja em que se deitaram e amaram. Quando retornou a Bailekair, encontrou-se com que seu marido estava gravemente doente. Tuberculose, disse o doutor. Quando se aproximou de sua cama, Edward estava cuspindo sangue, e compreendeu que j no havia esperanas. Quanto tempo levaria assim? Ian no havia se despreocupado dele que no se deu conta do que se passava? Mary se odiou por tudo isso e sentiu tantos remorsos que lhe encolheu o corao. No obstante, quando tomou as plidas mos de seu marido, pensou em Hunter, que estava esperando-a em Mheadhoin. Edward tinha os olhos fechados e respirava de forma entrecortada. As aletas de seu nariz adquiriram o tom murcho e esvado dos moribundos. Joanna chamou Mary em voz baixa para no despert-lo Deve ir a Mheadhoin. A donzela a olhou com os olhos exagerados pela surpresa e o medo. Perdeu o julgamento, Mary? Ningum se aproximaria dali. A peste segue aoitando a regio, e todo mundo est em perigo de morte. No, isso no mais que tolices. Estive ali vrias vezes durante os ltimos meses e tornei s e salva. Tem que ir. Hunter me espera e devo lhe comunicar em que situao me acho. Joanna afastou a vista Joanna, nunca lhe pedi nada, exceto isto. At sendo uma donzela, a quis

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como a uma irm, durante todos estes anos. No se negue a me fazer este favor, rogo-lhe isso.

Assim, Joanna se dirigiu a Mheadhoin para ver seu inimigo, ao amante de sua senhora. Era alto at ento no se deu conta de quanto o era e quando a viu, descansou precavidamente uma mo sobre o punho de sua espada. Reconheceu-a, antes que ela se apresentasse, e se inclinou levemente. Joanna, entretanto, no se dignou lhe fazer uma reverncia; advertiu que MacBeth reagia com um imperceptvel gesto de brincadeira, que em seguida se permutou em preocupao quando lhe perguntou se algo ocorreu a Mary. No, encontra-se bem, senhor. Pediu-me que o comunique. Edward quem est doente. No passar desta noite. Joanna desaprovou a expresso de esperana que iluminou de repente o rosto do MacBeth No se alegre de sua morte, senhor sussurrou Poderia originar muitas desgraas. Como teria que recordar Hunter aquelas duras palavras!

Ma Mary. No fale, Edward. Devo devo faz-lo. O moo comeou de novo a cuspir sangue. Mary se apressou a limpar seu rosto Devo lhe dizer que sempre a quis; sempre, desde que ramos meninos. Sei.

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Queria queria me casar com voc. Sabia que Hugh no voc no gostava, mas que amava a meu inimigo. No podia aceit-lo. Forcei-lhe isso, moa, acreditando que assim me quereria. Edward, por favor No! No quero morrer com essa carga em minha alma! Voltei-me contra voc. Cometi um engano. Agora agora sei, quando j muito tarde para ns. Talvez sempre sempre o tenha sido. Voc nunca me amou como eu a voc. No no o negue, Mary. Deveria hav-lo tentado. Oh, Edward. Sinto muito, sinto muito No diga isso, Mary. Era MacBeth quem ocupava seu corao. No no podia evit-lo, da mesma maneira que eu no podia evitar querer voc. Perdoo voc, moa, perdoo voc tudo. Eu eu pretendia a proteger. Hugh e Ian Sei. No! So um par um par de assassinos, moa. No no lhe pude dizer isso antes. Hugh Sei repetiu ela, alarmada ao ver como se alterava Edward Por favor Assassinou seu pai. Sim, sei. Descansa agora, esposo meu. Oh, Deus! exclamou ele ento Que dor! No posso suport-lo! O que posso fazer, Edward? O que posso fazer? Estava gasto, branco como a cinza. Mary no aguentava v-lo sofrer. Afetava-lhe sua dor tanto como a sua prpria. Rompeu a chorar e cobriu o rosto com as mos. Ajude-me, me ajude Mary. Livre-me desta dor. No me importa morrer.

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Por amor de Deus! O que est dizendo? A dor o fez perder o julgamento. No posso fazer isso! Por favor, faa-o. Jamais lhe pedi nada. o nico que desejo; logo logo poder voltar com ele. Guardei o segredo. Quis tanto que houvesse tivesse feito algo por voc Dirigiu-lhe um olhar suplicante com seus intensos olhos azuis. Mary recordou ento o menino da feira de Invernes, to pequeno e vulnervel, o menino que havia se sentido impotente, enquanto Hugh a intimidava, que ficou olhando quando Charlie lhe arrebatara o bolo de cerejas e logo sorriu docemente quando ela o provara. Edward sempre a adorara e, entretanto, considerou-se muito fraco para defend-la. Mary era a mais forte dos dois. Oh, Deus. Deus, me perdoe pelo que vou fazer, rezou em silncio quando agarrou a pequena almofada da cama em que seu marido estava prostrado, tossindo, ofegando, cuspindo sangue, que comeou a sair a fervuras. Ele seguiu olhando-a com olhos suplicantes, enquanto ela se movia lentamente, como aturdida; uma luz, um reflexo de alegria, pareceu cintilar naqueles remansos azuis, quando Mary, assustada e indecisa, inclinou-se sobre ele. Pode pode faz-lo, moa murmurou com voz rouca. Mary o observou com um gesto de inquietao, triste, enquanto as lgrimas escorregavam por suas bochechas e caam sobre o rosto de seu marido como gotas de chuva. Por que chora, Mary? No ouve a msica? to melodiosa, to melodiosa Seguro que algum anjo est tangendo a harpa No, no, Edward. Pan, Pan, que est tocando a flauta. Ao moo, lhe alegrou o rosto prodigiosamente ao ouvir aquilo Pan est

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aqui, Edward, no o v? mentiu a moa, recordando o jogo infantil Tem que agarrar sua flauta, rpido, Edward; v agarrar sua flauta. Se for depressa, talvez lhe alcance Lentamente, sem deixar de falar, Mary apertou a almofada sobre o gasto e sereno rosto de seu marido com mais e mais fora E quando ela voltou a olhar, no viu que lhe tivesse feito nenhuma marca.

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Terceira Parte Dos Infortnios Do Amor

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Captulo 21
Castelo de Glenkirk, Esccia, 1490

Grace MacBeth se sentia to ditosa que acreditava que morreria de gozo. Era como se sua alma tivesse asas e queria pr-se a voar para o cu. Hoje! Hoje era o dia de suas bodas com David MacDonald! Depois da morte de seu pai, Cadman se converteu em seu protetor e, desejoso de ver sua irm felizmente casada, anulou seu compromisso de bodas com o jovem Francis e deu sua mo ao homem a quem ela amava. Tinham esperado um ano para celebrar as bodas, j que pareceria incorreto faz-lo pouco tempo depois da morte de lorde Torquil. De todos os modos, a perda no entristeceu muito Grace, j que culpava o carter mal-humorado e teimoso de seu pai pela morte de sua me. Da que se limitasse a esperar com impacincia o dia em que se converteria na esposa de David MacDonald. Estava realmente esplendorosa, quando desceu pelas escadas que conduziam ao salo principal do castelo de Glenkirk, onde David a esperava. Sua cabeleira, de um negro azulado, brilhava como a asa de um corvo e, tal como mandava a tradio, levava-a solta at os joelhos. O vestido que usava era de um tom azul marinho que a fazia parecer mais plida do que era, mais branca que a neve das cpulas. Entretanto, sua modstia virginal e o amor que professava a David fazia aflorar em suas bochechas uma quente vermelhido de um tom semelhante ao das rosas que adornavam seu cabelo e sustentava em suas trmulas mos.

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Quanto tempo esperei a que chegasse este dia, meu amor disse David, enquanto a acariciava com o olhar. Juntos caminharam com parcimnia at a capela, ignorando que Euphemia os observava enviesadamente, com um olhar maligno, cheia de dio e inveja.

Penso em me casar com ela, Ian! Nem voc me poder impedir isso Gordon estava vermelho de ira Est grvida de meu filho, e a amo. No me importa que seja bastarda ou que seu dote no v enriquecer as arcas dos Carmichael. Advirto-lhe isso! Se o fizer, romper todos os vnculos que o unem a mim espetou Ian No haver lugar nem para voc nem para ela em Bailekair! Nem em nenhuma das propriedades de nosso cl, primo! acrescentou Hugh teimosamente No esquea que lorde Gilchrist est de nossa parte. No, no o esqueci! cuspiu Gordon com amargura, consciente de que no pensavam lhe facilitar as coisas Como tampouco esqueci como conseguiram seus condados. O que quer dizer com isso, primo? Hugh entreabriu seus escuros olhos ameaadoramente. No me tome por tolo, Hugh! replicou Gordon Edward me confiou suas suspeitas antes de morrer, temendo o que propunham fazer com Mary. No me cabe a menor dvida de que estava certo, pois basta ver a impudica com que a olha, Hugh; morre de vontade por convert-la em sua concubina, e voc, Ian, ajuda-lhe em todo o possvel. Voc, seu prprio irmo! Por sorte, se refugiou na corte, e James a protegeu depois

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da morte de Edward. Do contrrio, j teriam sado com a sua. Sim, Hugh, j sei que cuida de seu filho, mas no porque seja seu herdeiro, mas sim porque com ele pode obrigar Mary a que retorne. De todos os modos, minha irm sabe que no se atreveria a causar dano ao pequeno Geoffrey. E no me diga que no foi voc quem matou meu pai; nem voc, Ian, que no fez um favor do mesmo tipo a seu primo. So um par de assassinos! Embora no disponho de provas, sei que muitos membros do cl estariam dispostos a me escutar, porque no sou o nico que abriga suspeitas. Hugh olhou para os desertos pramos com ar pensativo. As urzes e as retamas se estendiam com seu manto purpreo e dourado at o horizonte. Nem um ser humano alterava a uniformidade da paisagem; um solitrio gamo pastava, precavido, no muito longe de onde se encontravam. Hugh ps-se a rir com sarcasmo. um idiota, Gordon, e eu no gosto nada de suas ameaas. Antes que Gordon se desse conta de quais eram suas intenes, Hugh desembainhou a faca que levava na cintura, agarrou seu primo pelo pescoo com um brao e lhe cravou a arma nas costas. Gordon desabou imediatamente, ao tempo que o sangue brotava a fervuras pela ferida. Sobressaltado, o gamo ficou paralisado um momento e logo fugiu correndo entre as urzes. Por amor de Deus, Hugh! Tinha que o matar? exclamou Ian, horrorizado, e com a vista cravada em seu irmo. No seja estpido! replicou Hugh bruscamente Propunha-se nos delatar. Alm disso, por desgraa tinha razo: muitos se perguntam por que temos tanta sorte, e lorde Gilchrist no nos aprecia tanto para passar por cima do assassinato de dois de seus irmos. Ah, vamos, bastaria com que falassem uns poucos e nos acusassem abertamente de nossos delitos

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para que tudo nos viesse abaixo. E no esquea que Mary tem o rei de sua parte. O que vamos fazer? resmungou Ian sombriamente. Pense, primo! Pense! apressou Hugh. Isso deveria ter feito, antes de mat-lo espetou Ian. Por amor de Deus! Deixe j de choramingar! Devemos nos desfazer do cadver de tal modo que ningum nos possa relacionar com a morte. Tem uma dvida comigo, Ian! Hugh olhou Ian com expresso ameaadora, enquanto o sacudia pelos ombros Fui eu quem se retirou das provas para que pudesse se proclamar tanist de nosso cl e sua me deixasse de nos incomodar. Prometeu que conseguiria Mary, e ela ainda no se aproximou de minha cama. No jogue comigo, Hugh. Sei perfeitamente que planeja acabar com lorde Gilchrist e ocupar seu posto de chefe do cl. Os dois homens se olharam com crispao por um momento. Por fim, Hugh sorriu com expresso benigna. Vamos, Ian. Nada ganhamos brigando. A nenhum dos dois nos convm. Hugh se esforava por relaxar Se queremos conservar o que temos, no podemos nos permitir um enfrentamento. Sim, tem razo admitiu Ian contra gosto risquei um plano com o que poderamos nos salvar, mas tem que manter a boca fechada a respeito. Voltou vista para seu irmo morto. Sobe a seu cavalo. Temos que faz-lo desaparecer. Juntos colocaram o corpo sem vida de Gordon sobre seu cavalo e o conduziram at uma pequena clareira prxima fronteira de Glenkirk. A Hugh, resultou extremamente curioso que Ian soubesse orientar-se com

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tanta facilidade pelos bosques dos MacBeth, mas se manteve calado por temor a causar outra disputa. J nos afastamos o bastante. Estenda-o no cho de barriga para baixo. Ian lhe fez um sinal e logo extraiu um pequeno espelho de seu espartilho. Moveu-o at concentrar os raios do sol e logo apontou diretamente para uma das janelas mais altas do castelo de Glenkirk. Minutos mais tarde, viram um reflexo de resposta. Hugh arqueou as sobrancelhas interrogativamente, mas se manteve em silncio. Trinta minutos mais tarde, Euphemia MacBeth apareceu cavalgando entre as rvores ao lombo de uma suarenta gua. Assim que viu os dois homens e o corpo, puxou as rdeas bruscamente com uma expresso de medo e angstia no rosto e lanou um grito. Tranquila, moa disse Ian, tratando de acalm-la No vamos fazer-lhe dano. Ajudou-a desmontar e apresentou a Hugh. um prazer, senhorita MacBeth. Hugh fez ento uma reverncia zombadora. A moa retrocedeu procurando o amparo de Ian, pois seu instinto animal pressentia algo perigoso e malvado no homem que tinha diante. No a trate assim, Hugh advertiu Ian Falo a srio! No penso tolerar que lhe falte ao respeito! Pelos pregos de Cristo, Ian! No vamos brigar por culpa desta mulher. Diga-lhe o que ter que fazer, e mos obra. Effie, moa, retorne a Glenkirk e o faa com a adaga de algum membro de seu cl. Hugh acaba de matar meu irmo e temos que evitar que nos acusem do crime. Compreende amor?

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Ela, ladina como sempre, assentiu com a cabea. E, quando fordes trados, vs tambm sero trados. Boa garota. Quando se afastou, Hugh sorriu com sarcasmo. Subestimava-o, primo. Quanto tempo leva montando essa cadela? A essa mulher? Hugh se apressou a corrigir-se, assim que viu como o olhava Ian. No seu assunto. Juraria que o tempo suficiente para averiguar parte dos hbitos e os pontos dbeis dos MacBeth; o suficiente para lhe granjear o respeito de nosso cl pela astcia com que planeja as incurses. Hugh assobiou brandamente No se estranha que escolha to bem o momento adequado para atacar. Essa moa lhe informa. Sim, Effie me informa do que quero saber. Quando conseguir conseguirmos controlar, o cl casar-me-ei com ela. ao menos o que merece; alm disso, o prometi. Ian tinha se posto defensiva. Hugh soltou uma gargalhada. No me importa que se case com a moa. Seus olhos entreabertos adotaram uma expresso matreira Mas meu silncio tem um preo, primo, e j sabe qual . J lhe disse que toda sua, Hugh. No pode me culpar de que tenha procurado o amparo do rei. Tem o dever de obrig-la a retornar e a que se meta em minha cama, Ian! Existe uma maneira, obvio; mas no se trata de convert-la em sua concubina, Hugh. Como j lhe disse, agora a favorita do rei, de modo que, se o que quer possu-la, deve se casar com ela.

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Essa pequena puta! Ah! Por que no pensa um pouco, Hugh? Parece mentira que, apesar de sua inteligncia, comporta-se s vezes de uma forma to estpida. Se casar-se com essa puta, passar a lhe pertencer legalmente e poder fazer com ela quanto lhe agrade. Nem o rei poder interferir, a menos que acabe matando-a. Embora, claro, voc no deseja que morra verdade? O que quer que sofra verdade? Por que no me diz o que lhe fez para que a odeie tanto? Que o cigano a violasse no mais que uma pequena parte do problema, no assim? Sim admitiu Hugh com irritao Trata-se de algo que me chamou faz anos. Jamais o esqueci, nem o perdoei, e penso lhe fazer pagar por isso. Ento, se case com ela. Ian se encolheu de ombros, perguntandose se seu primo estaria to louco para guardar rancor a sua irm durante tanto tempo por semelhante tolice. De todas as formas, carecia de importncia Agora conde. Tem o poder suficiente para se casar com quem quer, sem que lhe ponha nenhum esforo. Os dois homens se olharam em silncio. Ao cabo de um momento, Hugh esboou um sorriso. Trato feito disse secamente.

Euphemia subiu sigilosamente pelas escadas que levavam do salo principal de Glenkirk aos aposentos da famlia. Os de seus irmos se achavam, por descontado, vazios, tal como tinha suposto; no havia nenhuma arma vista. Senhor! Era muito prprio de Ian p-la em semelhante aperto. Onde acreditava que conseguiria uma adaga? Todos os homens de armas levavam as suas em cima, e no julgava factvel a

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ideia de tratar de lhes arrebatar uma da capa. Qualquer homem de armas feito notaria o mnimo roce sobre sua faca, e Effie no queria ver-se na situao de ter que explicar uma tentativa de roubo do bem mais prezado de um soldado. Por outro lado, as armas que no se utilizavam normalmente eram guardadas sob chave no depsito. Enquanto deslizava por um salo, brincou distraidamente com sua faca de mesa. Era uma lstima que fosse to pequena para o uso que queriam lhe dar Ian e seu primo, Hugh Carmichael. Effie estremeceu ao recordar aquele normando de tez morena. Era perigoso; pressentia-o. E matou seu prprio primo pelas costas! Effie notou que lhe acelerava o corao. A ferida que lhe fez era enorme. No gostaria de converter-se no alvo de sua ira, o que sem dvida ocorreria se no se apressava a cumprir a misso que lhe encomendaram. Cada segundo que os Carmichael passassem em territrio MacBeth aumentava o perigo. Ian poderia ser capturado e assassinado. O que faria ela ento? Effie comeou a registrar as outras estadias depressa. Os aposentos de Cadman tambm estavam vazios, j que este se encontrava no ptio, adestrando aos jovens escudeiros na arte da guerra sob a superviso de lorde Angus, cuja perna piorava dia a dia. Tiveram que amputar-lhe de novo, desta vez at o quadril. Effie sabia que a seu pai no ficava muito de vida. Embora essa ideia a inquietasse, no porque amassea seu pai, mas sim porque depois de sua morte seria seu irmo Stephen quem governaria Glenkirk. Stephen era um moo sem experincia. Sua me, lady Sophia, cuja conduta de Santa se ocultava uma firmeza de ao, exercia uma grande influncia sobre ele. Effie estremeceu de novo. Sua me no passaria por cima suas estranhas idas e vindas tal como fazia seu pai, que mal prestava ateno a sua nica filha. Alm disso, Effie suspeitava que nem Cadman nem Hunter, que eram a mo direita de

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seu pai, gostavam da ideia de servir Stephen. De fato, Hunter permanecia cada vez mais tempo na corte. Como se convertera em um dos favoritos do rei, lorde Angus no punha nenhum impedimento, embora Effie acreditasse que, quando o conde falecesse, Hunter preferiria passar ao servio de Jamie a jurar lealdade a seu irmo. Hunter! Por que no pensou antes nele? Acabava de chegar ao castelo e no fazia muito que pediu que lhe levassem gua estadia para assearse. A moa correu aos aposentos de Hunter e entreabriu a porta o justo para poder ver pela fresta. Hunter estava banhando-se atrs de um biombo; ouvia os chapinhos. Com sigilo entrou no dormitrio e se aproximou nas pontas dos ps a enorme cama, sobre a que Hunter tinha deixado a roupa e a armadura. Veloz como uma gata, Effie agarrou a faca, apertou-a contra seu convulso peito e saiu correndo da estadia.

Quatro horas depois de que o cavalo de Gordon chegasse s portas de Bailekair, os homens de armas de Ian levaram o corpo sem vida de seu irmo. Levaram o grande cavalo dourado ao sair em sua busca, e agora Gordon jazia sobre o lombo de sua montaria com uma adaga com joias incrustadas cravada entre as omoplatas. Assassinado! Gordon foi assassinado da maneira mais vil possvel. S um infame e covarde filho de cadela teria to pouco sentido da honra para apunhalar nas costas um homem despreparado. Guardando um tenso silncio, Joanna se aproximou lentamente at o corpo de seu amado. No era capaz nem de respirar. A presso que lhe oprimia o peito era tal que acreditava que ia arrebentar. As lgrimas arrasavam seus olhos castanhos e no demoraram a escorregar por suas rosadas e delicadas bochechas. No podia aceitar aquilo.

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Como era possvel que o mesmo homem que, a noite anterior lhe demonstrara uma enorme vitalidade ao abra-la, jazesse agora inerte e frio sobre o lombo de seu precioso cavalo dourado, ambos manchados com o sangue que brotava da ferida que lhe causou a morte? Oh, Gordie, Gordie! exclamou. No soube que pronunciava aquelas palavras em voz alta, at que Charlie e Alinor se aproximaram para consol-la. Aferrou-se ao corpo sem vida de seu amado histericamente, sem lhe importar que os presentes a olhassem como se estivesse louca. Agarroulhe ento a cabea e beijou seu frio rosto repetidas vezes, como se o roce de seus quentes lbios pudesse de algum jeito lhe devolver a vida. Logo a afastaram e, ainda gritando, viu como levavam lentamente o corcel e o conduziam ao interior do castelo. Transfeririam Gordon ao salo principal para amortalh-lo, tal como fizeram com seu pai dois anos atrs.

Mary pressentia que Gordon estava morto antes que a triste mensagem de Alinor chegasse ao palcio; sonhara com ele. No sonho, aparecia seu irmo amortalhado no salo principal, com expresso serena e os braos cruzados sobre o peito, enquanto as tochas danavam espectralmente ao redor do cadver. Embora o medo lhe impedisse de admiti-lo at esse momento, Mary sabia que possua o que os aldeos denominavam viso. Assim, compreendeu que seu irmo estava morto. No obstante, rezou para que no fosse certo at que chegou o mensageiro de Bailekair e lhe entregou o pergaminho com o selo de Alinor gravado na cera. Se se tratasse do escudo de Hugh ou Ian, Mary suspeitaria que fosse um estratagema para que retornasse a Bailekair e

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lhes enviaria a resposta adequada. Alinor, entretanto, jamais participaria de um plano to cruel, e Mary soube que o que tanto temia era verdade. Oh, Gordon, por qu? Por que voc, querido irmo, que nenhuma vez dera a ningum motivos para o odiar? Milhares de perguntas atormentavam Mary, quando saa pelas portas de Edimburgo em direo a Bailekair. Desejava ardentemente que Hunter se encontrasse ao seu lado para acompanh-la no sentimento, pois no se considerava capaz de suportar sozinha a terrvel angstia que embargava seu corao. Mas Hunter retornou a Glenkirk h uma semana; lorde Angus seria submetido a uma nova amputao, e temia que a gangrena que devorava lentamente seu corpo no pudesse ser detida. Fazia quase um ano que Mary no via o castelo que tanto amava. Estremeceu ao recordar o fatdico dia em que abandonou Bailekair jurando que nunca retornaria. Edward morreu s mos dela, que tinha posto fim a um sofrimento atroz, dilacerador; sabia que tal ato foi a amostra mais importante de carinho que podia dar na hora suprema. No era a primeira vez que enfrentava a tuberculose; era uma forma terrvel de morrer. Ao menos economizou a seu marido a agonia final, quando os pulmes se enchem de sangue, incham e acabam arrebentando, afogando sem piedade vtima em seus prprios humores. No, Mary no tinha nenhum sentimento de culpa nem nenhum remorso por ser o instrumento que permitiu a Edward evitar aquele padecimento. Quo nico sentia, enquanto o olhava estendido na cama que compartilharam, era uma profunda tristeza por decepcionar algum a quem queria. Oh, Edward. Somos o que somos, e todos temos nossos defeitos. Oxal pudesse ser a mulher que voc queria; mas o que voc desejava era

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uma deusa, e eu no era mais que uma moa apaixonada por outro homem. No podia, no posso deixar de o amar, da mesma maneira que voc no podia deixar de me amar. Enterraram-no em Dndereen. Celebrou-se uma cerimnia singela, como teria gostado. A Mary, encolheu o corao quando viu como caam os primeiros torres sobre o atade, e as formosas e cativantes notas que tocava o flautista se desvaneciam no ar. Aquela triste e bela melodia ainda ressonava em seus ouvidos quando chegou ao castelo. A terra ainda no se assentou sobre a tumba de Edward, quando Hugh e Ian saram ao encontro de Mary. Nem tm compaixo para me deixar chorar em paz a morte de meu marido? espetou ,quando lhe interceptaram o passo em uma estadia contigua ao salo principal. No tente me enganar derramando lgrimas falsas por meu meioirmo replicou Hugh Voc e eu sabemos que se entregou a ele para se liberar do desterro. No amava Edward. Isso no certo exclamou Mary No o teria querido mais se fosse meu prprio irmo. Talvez admitiu seu primo Mas no foi o que se diz uma esposa para ele, ao menos no da maneira que ele desejava. Sei que o pobre bastardo sempre sentiu debilidade por voc. Sim, teve m sorte ao a querer, como um homem ama a uma mulher, quando o carinho que voc lhe professava era o de uma irm. No de se estranhar que sua cama fosse um triste consolo para voc. Bom, melhor assim, porque agora me desejar mais. Estou seguro de que uma puta com muito apetite. Esboando um sorriso impudico, devorou-a com o olhar para deixar bem clara suas intenes.

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Mary o temia, mas no podia permitir que soubesse. Elevou a cabea e soltou uma gargalhada. Tenho a prova da virilidade de Edward em meus braos, Hugh disse indicando com orgulho seu filho. No estava disposta que seu primo se inteirasse de que Edward fracassara como marido Poderia me dizer que falta me faz a sua? Hugh franziu o cenho, ameaador. Atreve-se a se burlar de mim? Por todos os Santos, meu senhor, tampouco necessito me burlar de ti. Basta-lhe sozinho para ficar em ridculo. No necessita de minha ajuda. Por Deus! No mais que uma puta! J veremos quem ri por ltimo! equilibrou-se airadamente sobre ela e arrebatou Geoffrey das mos. O pequeno comeou a chorar assustado pela brusca sacudida. Mas o que faz? Mary saiu correndo atrs de seu primo, que j se encaminhava para o salo principal Devolva-me meu filho! No tem direito a o levar. Que no o tenho? Edward est morto; seu filho agora meu herdeiro. Ah, comea a compreender. Em efeito, Mary, tenho todo o direito a lev-lo, chore quanto queira. Ningum aqui poder impedir. Disse Hugh com um sorriso de satisfao. Chorando a lgrima viva, Mary comeou a lutar com seu primo e a lhe atirar golpes s cegas. Mama! Mama! choramingava Geoffrey. Hugh deu uma sacudida ao menino e jogou Mary bruscamente ao cho. Escute bem, puta resmungou Eu a quero em minha cama em menos de uma hora. Do contrrio no voltar a ver seu filho. Falo com a suficiente claridade?

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Angustiada, Mary assentiu com a cabea e rolou no cho, ouvindo os alaridos de seu filho, enquanto Hugh o levava do salo. Os ombros tremiam violentamente. Levante! ordenou Ian friamente uma vergonha para o cl Carmichael. um milagre que Hugh a deseje ainda. V a seus aposentos em seguida e se prepare. No a primeira vez que faz de rameira. E espero que o satisfaa com seus encantos, pois do contrrio seu filho pagar as consequncias. Mary tratou de serenar-se. O rei se inteirar disto, Ian. Prometo-lhe isso. Seu irmo ps-se a rir. Quando se inteirar ser muito tarde, porque ento j ser a esposa de Hugh e estar grvida de seu filho. A esposa! Claro, Mary. No pensar que Hugh se arriscaria a suportar a ira do rei por sua culpa. No, tudo ser legal. J sabemos que Jamie tem um grande sentido de honra e a brinda um trato de favor. No somos tolos, embora se negue a acredit-lo. Sou sou viva, Ian. No pode me obrigar a um matrimnio com esse filho de cadela. a lei! Agora tenho direito a escolher meu marido. Ian riu dela, zombador. Mas por que cr que Hugh quer que se deite com ele com tanta rapidez, rameira? Inclusive James dar seu consentimento ao enlace se seu primo a deixar prenhe. Oh, Deus gemeu Mary, consciente de que seu irmo estava certo. Mais de uma viva foi forada a ir ao altar dessa maneira.

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Com muita dificuldade, conseguiu ficar em p. No podia faz-lo; nem por Geoffrey, seu filho, podia permitir que Hugh lhe pusesse suas sujas mos em cima e manchasse aquilo que ela tinha compartilhado com Hunter. Tudo era intil; fizesse o que fizesse, no podia impedir que Hugh ficasse com seu filho. Seu primo tinha razo; a lei das Terras Altas o respaldava, pois um homem tinha o privilgio e o dever de proteger seu herdeiro. Hugh no podia lhe causar dano, disso no tinha nenhuma dvida, porque deveria responder a isso. A morte de um herdeiro! Nem ele poderia eximir-se da responsabilidade da morte de Geoffrey, se assumia seu amparo. Mary comeou a sentir-se aliviada. Claro, aquilo no era mais que um estratagema para deitar-se com ela. Cedo ou tarde teria que separar-se de seu filho. Assim eram as coisas. Com tudo, quando saiu correndo do castelo e montou ao lombo de seu corcel negro para fugir alocadamente de Dndereen, uma intensa angstia embargava seu corao. Tratou de afugentar de sua mente todos os pensamentos relacionados com Geoffrey. No devia, no podia pensar nele, se queria escapar. Do contrrio, fraquejaria e desmoronaria. Hugh a violaria e a converteria em sua esposa. Oh, Geoffrey, Geoffrey! Prometo-lhe que tambm o farei pagar por isso! Bailekair aparecia j na lonjura. Bailekair! O lugar que sempre lhe infundiu a fora necessria para seguir vivendo. Mary fez proviso de valor e avanou com resoluo. Devia chegar ao palcio de Holyrood, onde o rei a protegeria. Alan e os homens leais a seu pai que ainda a apreciavam lhe prestariam sua ajuda. Apesar de seu desespero, sabia que no poderia chegar a Edimburgo por sua conta. Era uma mulher e estava sozinha. Todo

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tipo de canalha se interporia em seu caminho: assassinos, assaltantes, violadores Alan! Barry! Godfrey! Ninian! Mary puxou com brutalidade as rdeas. O cavalo se encabritou perigosamente e comeou a saltar. Enquanto tratava de control-lo, a moa voltou a chamar os homens de armas A mim! A mim! Ouvem-me? O rei! Tenho que ver o rei! uma questo de vida ou morte! Buaidh no Bs! Buaidh no Bs! Ao ouvir seus gritos, os homens saram esplanada do castelo e montaram seus cavalos com a rapidez das pessoas que tm que lutar para sobreviver, que tm que ser fulminantes com a espada e mostrarem-se geis e seguros sobre o cavalo. O rei Os servos comearam a murmurar Estar doente? Est morrendo assegurou um com solenidade enquanto uma lgrima escorregava por sua bochecha Uma questo de vida ou morte, disse nossa senhora. Jamie est morrendo! exclamou outro, contribuindo incoerncia do rumor Nosso pobre Jamie! O rei morreu afirmou outro Que Deus lhe tenha em sua glria. E se benzeu. No ptio reinava a confuso. Mary saiu de Bailekair to repentinamente como aparecera. A gente gritava, lamentando a notcia. Seu plano funcionou. Graas ao tumulto, ningum entre a enlouquecida multido se deu conta de que ia, e Ian no poderia castigar os homens que a acompanhavam, quando voltassem, porque poderiam dizer que tudo fora um engano e que, igual aos outros, foram enganados. Assim que se encontraram a uma distncia prudente do grandioso castelo, Mary deteve Desmond e informou a Alan de quanto lhe

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aconteceu. Ele a escutou em silncio, com semblante grave. Quando concluiu o relato, os rostos dos outros homens refletiam a clera que sentiam. Mary tinha elegido com acerto seus salvadores. Conseguiremos que chegue s e salva a Edimburgo, senhora Mary prometeu o impetuoso Barry Lorde Ian no como seu pai. Acabaremos com ele se for necessrio! Sim, e no se preocupe conosco, senhora Mary a tranquilizou o bondoso Godfrey Seu irmo no se atreve a nos levantar a mo. So muitos os que se elevariam em armas contra ele se ousasse castigar a homens leais. E ns somos homens leais, senhora Mary acrescentou o patife de Ninian, com um sorriso de orelha a orelha Leais ao leo e a sua tigresa. Agradeo-lhes isso. Agradeo isso a todos. Mary afastou a vista com os olhos alagados em lgrimas. Bom, bom. Alan esclareceu a garganta No podemos ficar aqui todo o dia, se queremos chegar ao palcio logo, senhora. Sem dvida, Ian e Hugh mandaro seus homens em nossa busca assim que se inteirem do ocorrido. Sim, Alan. Mary se ergueu com gesto de determinao Reatemos a marcha! Teria que transcorrer uma hora larga antes que Hugh e Ian, satisfeitos e confiados depois da vitria, dessem-se conta de que Mary lhes enganara e sassem em sua busca. Para ento, Mary j se encontrava muito longe para que qualquer tentativa de captura tivesse xito. Trs dias mais tarde, ajoelhava-se ante o rei. James a recebeu afetuosamente, pois a tinha em grande estima. Embora Mary fosse consciente de que a haveria possudo se ela estivesse

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disposta, no ignorava que o jovem soberano sabia que era a Hunter MacBeth a quem ela entregou seu corao. James no fez nem gesto de toc-la, quando se jogou a seus ps, chorando a lgrima viva, e lhe suplicou que tivesse piedade dela. Minha querida senhora Mary. O soberano indicou com um gesto aos homens que tratavam de det-la que se afastassem Mas o que significa tudo isto? Minha pobre moa est doente? Parece que algo lhe tem feito perder a razo Os cortesos se retiraram receosos, ao ouvir aquilo. No, majestade. Mary comeou a serenar Encontro-me bem e em meu so julgamento, o asseguro, at que possvel que no d essa impresso. De fato, devo oferecer um aspecto horroroso. Observou ento seu sujo arascaid e se aparou sua emaranhada cabeleira. Est to bela como sempre afirmou o soberano graciosamente, ao tempo que dirigia um severo olhar a seus homens. Majestade, por favor. Mary mordeu o lbio com acanhamento. Nesse momento, ajoelhada ante o rei, sentia-se menos segura de si mesma Ordene a seus homens que se vo; desejo falar com voc em privado. Os cortesos comearam a dar-se cotoveladas com dissimulao, esboando um sorriso de cumplicidade. No era mais que um ardil! A senhora Mary lhes enganara para que limpassem seu caminho at a cama de James. Senhor! No havia nada que uma mulher no fosse capaz de fazer para ganhar o favor do soberano? James observou, zangado, como murmuravam. Basta de risadinhas, patifes! ordenou com tom desanimado, recordando o rapto de Mary s mos do senhor MacBeth, que ainda

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seguia vendo-a. O soberano no estava disposto a que tirassem a luz aquele escndalo A senhora Mary uma mulher virtuosa. Asseguro-lhes que no foi minha cama o que a impulsionou a apresentar-se com tanta ousadia em meus aposentos. J teve que sofrer em uma ocasio o trato de um canalha. Creem acaso que to estpida para procurar a companhia de outro? No, majestade balbuciaram arrependidos. O monarca fez uma careta. Esto me chamando canalha ento? No, majestade se apressaram a responder. Oh, j vejo, ento a senhora Mary uma estpida No, majestade responderam os cortesos pela terceira vez. O bufo tem mais cabea que todos vs! espetou James. Seu olhar delatava que se divertia Um dos dois: ou eu sou um canalha ou a senhora Mary uma estpida. No que ficamos? Os homens olharam o monarca sem saber o que dizer. Dissessem o que dissessem, cometeriam um engano. O bufo do rei comeou a danar alegremente por toda a cmara, antes de fazer uma reverncia a Mary e ao rei. Tuche! O malvolo ano inclinou a cabea Inteligentes como eu acreditava que fossem no podem resolver nem a adivinhao mais singela. Talvez voc pudesse nos ajudar a resolver a adivinhao, bufo. James voltou a fazer um gesto de regozijo. H, bem singelo, majestade. O palhao dedicou aos cortesos um sorriso triunfal Se sua majestade no um canalha, ento a senhora Mary tampouco pode ser uma estpida, porque se fosse uma estpida,

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procuraria a companhia de um canalha, e como no uma estpida, sua majestade tampouco pode ser um canalha. A senhora Mary inteligente e o que fez foi procurar a companhia de um rei. Bem dito, bufo! exclamou James, entusiasmado, enquanto o palhao fazia uma nova reverncia e danava outra vez por toda a cmara. O rei se voltou ento para seus cortesos Tocos! disse com arrogncia Agora j sabem por que quero que desapaream de minha vista! Os homens saram da cmara com uma expresso de perplexidade e a sensao de que, de algum jeito, algo no acabava de encaixar no raciocnio de James e seu bufo. Entretanto, no compreendiam do que se tratava exatamente. Quando partiram, o jovem soberano olhou Mary com preocupao. Encontra-se melhor agora, senhora Mary? perguntou. Sua majestade muito amvel. Uma lgrima ameaava rodar por sua bochecha, mas ela se apressou a enxug-la. Depois de tudo, o truque de James serviu para que os cortesos se retirassem excessivamente preocupados com sua prpria estupidez e pela ira do soberano para seguir fazendo comentrios sobre seu estranho e exaltado comportamento J estou mais tranquila, majestade, e disposta a me comportar com maior sensatez que seus homens. Dito aquilo, esboou um trmulo sorriso. A seguir, relatou ao rei quanto julgou prudente sobre sua situao. O soberano adotou um semblante grave ao escut-la e suspirou. Por muito rei que seja, moa, no posso tirar seu filho de Hugh Carmichael. O conde de Dndereen est, efetivamente, em seu direito de manter seu herdeiro sob sua custdia. No posso me arriscar a causar discrdia faltando s leis do pas. De todos os modos, no se inquiete,

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senhora Mary. Seu primo no tem nenhum direito sobre voc, e voc no ter que abandonar a corte a menos que eu d meu consentimento. A moa fez uma reverncia e pediu permisso para retirar-se. O monarca lhe dedicou um sorriso amvel e, quando ela partiu, enviou um mensageiro a Glenkirk com a ordem de que o senhor Hunter MacBeth fosse ao palcio. Embora ele no pudesse impedir que Mary se sentisse desgostada pela perda de seu filho, talvez o valente cavalheiro cigano aliviasse algo sua dor. Apesar de no pegar nada antes de sair de Bailekair, a Mary, no faltou nada na corte, pois James ps generosamente ao seu dispor sua bolsa e suas arcas. E, embora a consequncia disso os cortesos comeasse a conjeturar, foi Mariot Boyd, e no Mary Carmichael, que se manteve ao lado do rei. Desse modo, a moa deixou de ser objeto de brincadeiras, e as fofocas no demoraram a concentrar-se em outros temas de maior interesse. Lady Jane Gordon se converteu em uma verdadeira amiga de Mary; insistiu em que se alojasse nos aposentos que compartilhava com sua irm na corte e de um princpio cedeu moa dos Carmichael os objetos que esta precisava, posto que James ainda tivesse muito que aprender sobre as necessidades de uma mulher. Jesus, no sei como pude comprar este leque estava acostumada a dizer Jane, entregando-lhe a Mary para que o inspecionasse. No harmoniza com este vestido absolutamente. Fique-o voc, Mary. Seguro que combina muito bem com o seu. Ou tambm: Esse tecedor um estpido. Olhe, enviou-me o dobro de lenos dos que pedi. Ordenarei que me tragam sua cabea em uma bandeja de prata como pretende ficar com meu dinheiro depois de haver-se equivocado.

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Bom, de todos os modos, no poderei utilizar todos. Escolha uns quantos, porque se no as traas no demoraro a dar boa conta deles. Ou tambm: Pelo amor de Deus! V com lorde Hepburn! Acaso quer me comprar como se fosse uma simples rameira? Contudo, o frasco uma preciosidade. uma pena no aproveit-lo. No perfume de urze o que voc usa Mary? A irm de Jane, cujo nome era o mesmo que o de Mary, embora se escrevesse de forma diferente, tambm se mostrou muito amvel com ela. Oh dizia esboando um sorriso, j que no era to decidida e descarada como Jane, a no ser tmida e doce a ver como se acerta Jane com nossos nomes. Como eu me chamo Mary Katherine e voc Mary Kathryn, confundiremo-nos sempre que nos chame. Vamos, Kate interrompia Jane com um sorriso malicioso ante o pequeno jogo de nomes de sua irm Todos sabemos que voc sempre gostou mais seu segundo nome. Como lgico, voc responder quando ouvir Kate e Mary quando ouvir Mary. Uma vez solucionado o problema, as trs mulheres reataram seus afazeres. As duas irms contriburam em boa medida a aliviar a tristeza que embargava Mary. Ela lhes referiu em confiana parte de sua histria, e, apesar de que se esforava por mostrar-se alegre, Jane e Kate sabiam que sofria muito por haver-se visto forada a separar-se de seu filho. De fato, se no fosse por aquela tragdia, Mary pensaria que sua vida era perfeita o dia que chegou Hunter.

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A moa se encontrava nos jardins do rei. Embelezada com um vestido de seda de cor lavanda, enquanto passeava por entre os arriates de flores, brincando com um casulo, semelhava uma verdadeira ametista de quo formosa estava. Ignorava que Hunter se apresentaria, pois James se props surpreend-la, e por um breve momento no deu crdito a seus ouvidos quando ouviu pronunciar seu nome. Oh, Hunter. Deu meia volta e se lanou a seus bronzeados braos Hugh levou meu filho! Levou meu filho! Ento, rompeu a chorar a lgrima viva sobre o forte peito do homem, desafogando apaixonadamente a angstia acumulada em seu corao. Ele a abraou com ternura, acariciando seus dourados cabelos e beijando-a docemente, enquanto ela chorava. Acalme-se, amor disse Encontraremos a maneira de recuperar o menino; prometo-o. Ela o olhou fixamente aos olhos e soube que podia lhe acreditar. Uma profunda sensao de alvio a embargou. Hunter havia retornado com ela. Amava-a. Ajud-la-ia, embora tivesse que passar por cima do rei se fosse necessrio. James fecharia os olhos ao que fizessem. Acaso o jovem monarca no chamou Hunter com esse propsito na mente? Sim, Mary estava segura de que falava a srio. Hunter a levou a um lugar mais afastado do jardim e a abraou sobre a fresca erva estival, da que j emanava a suave fragrncia do prximo outono. Pode me explicar o que se prope, senhor? Mary o olhou com ar sonhador, enquanto bebia o vinho que Hunter lhe oferecia. Fazer amor.

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Liberou-lhe os seios do suti e beijou os dois mamilos, excitando-os com a lngua e sugando-os enquanto lhe acariciava os viosos seios com as mos. Mary soltou um gemido, mas recordou de repente onde se encontravam e o afastou bruscamente. Espera, tigresa disse sorrindo James est por aqui perto com Mariot Boyd. No o ouve? Escute. No muito longe se ouviu a risada aguda de Mariot, seguida da de James O rei ordenou a todos que os deixem sozinhos. Ento tambm ns deveramos ir murmurou Mary, ao tempo que tentava arrumar o vestido. No, amor. No se trata mais que um truque de Jamie para nos conceder uns minutos de intimidade. Vem, encanto. Est desperdiando o pouco tempo de que dispomos. Distraidamente lhe despiu os seios uma vez mais e lhe levantou as saias at as coxas. Mary estremeceu ao ver que os olhos de seu amado se nublavam de desejo e adquiriam um tom quase negro. Ele se ajoelhou entre as pernas dela e deslizou sob o emaranhado da saia. Embora no podia v-lo, Mary sentia a urgncia com que atacava com a lngua a clida umidade que havia entre suas coxas, as chispadas que lhe provocava medida que aumentava a velocidade de seus arremessos, os tremores que sacudiam todo seu corpo enquanto cravava os dedos na terra Sentiu ento que uma onda de fogo arrasava seu entusiasmado sangue como se fosse aguardente. Deixou escapar um grito baixo e, ofegando, olhou como Hunter se erguia e liberava sua seta, dura e disposta, de seu fechamento. Com cuidadosa deliberao, entrou nela repentinamente, penetrando com rapidez a aveludada e doce intimidade de seu ser, sentindo como aquela clida umidade envolvia, acolhia seu membro sensualmente, como

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se fosse seda, enquanto ele se internava cada vez mais nela. Sem pressa, afastou-se para provoc-la por um momento com o vrtice de seu abrasador dardo e voltar a irromper nela uma e outra vez. No rogou no me atormente assim. Ele riu brandamente esticando os msculos, colocou-se sobre ela e a devorou com o olhar, brio de desejo. Mary lanou suas mos como se fossem garras e o atraiu para si uma vez mais ao tempo que arqueava o quadril para obter aquilo que tinha to perto e ele se negava a lhe dar. Rodeou-lhe com as pernas para apanh-lo, e Hunter, mais excitado que nunca, entrou de novo nela. Mary sentiu os amalucados batimentos do corao do homem sobre seu peito, retumbando com a fora dos cascos de um semental desbocado sobre um caminho de pedra. De maneira incoerente, animou-o a que seguisse, notando a tenso dos msculos de seus ombros, suas costas, seu quadril, suas ndegas, enquanto girava sobre ela cada vez mais rpido. Hunter ouviu que ela pronunciava seu nome entre gemidos e sentiu as contraes que sacudiam o corpo da moa antes que ele mesmo tivesse a mesma sensao; umas convulses sbitas e suaves que em seguida cederam passo a um estremecedor momento de triunfo e entusiasmo. Durante quase um ano se amaram, secreta e atrevidamente, impelidos pelo desejo proibido que sentiam um pelo outro. Hunter suplicou a Mary que se casasse com ele; James daria seu consentimento ao enlace apesar da inimizade que separava os dois cls. Entretanto, Mary temia o que pudesse ocorrer a seu filho, que continuava em poder de Hugh, se aceitava. Hugh o mataria disse a Hunter com tristeza Nem o rei seria capaz de det-lo, nem poderia demonstrar que ele o assassino de meu

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filho. Meu primo muito inteligente e o faria de tal forma que parecesse um acidente. Geoffrey no mais que um menino. No acredito que Hugh lhe cause dano, enquanto saiba que pode lhe servir de instrumento para me arrastar cama. Entretanto, se Geoffrey carecesse de utilidade para ele, meu Deus. No quero nem pensar. No, Hunter, apesar do muito que o quero, no posso me converter em sua esposa em tanto que meu filho no esteja a meu lado. Consideraram a possibilidade de rapt-lo, mas Hugh e Ian deviam suspeitar que Mary o tentasse, pois mantinham o menino vigiado dia e noite. A Hunter e Mary, no ocorreram como poderiam recuperar o menino sem arriscar suas vidas. Deixe-o, meu amor; no quero perder a voc tambm disse Mary. Por amor de Deus, tigresa! Hunter deu um murro mesa de sua cmara Quanto tempo havemos seguindo desta maneira? Quero que seja minha esposa! Quero me encarapitar aos telhados de Edimburgo e proclamar que a amo, e mesmo assim me diz que no! Acaso no compreende que tambm me di? Como pode se mostrar to cruel? No pode me pedir que obtenha minha felicidade a custa de meu filho. um preo muito alto. Olhe, pediremos a James que envie Hugh ao estrangeiro, que lhe encomende uma misso na Inglaterra ou Frana Meu primo no to tolo. Levaria Geoffrey consigo, e James no poderia impedi-lo. O menino o herdeiro de Hugh. No posso suport-lo mais disse Hunter sombriamente, com gesto duro e decidido. Aonde vai? Matar um Carmichael.

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No! Oh, meu amor, acabaro contigo! Sei! No me deixe! Hunter se serenou por um momento. Tenho que ver meu senhor, meu amor. A gangrena de sua perna avana. Se morrer, tenho o dever, como vassalo, de ajudar Stephen com o castelo. No cometerei nenhuma imprudncia, prometo-lhe isso, mas devo recuperar seu filho, Mary. Do contrrio, no voltarei com voc. Esta situao me resulta insofrvel. Rasga-me amar voc e saber que no pode ser realmente minha. Antes de afastar-se, deu-lhe um beijo curto, vido, ansioso. Mary chorou amargamente at altas horas da noite, temendo o perder para sempre. A lembrana de Gordon a fez retornar realidade de repente. Seu irmo, a quem tanto queria, estava morto. Morto! Assassinado pela famlia de seu amante. Primeiro Magnus, logo Edward e agora seu irmo. A maldio da lenda se abatia sombriamente sobre sua triste e atormentada alma, quando partiu para Bailekair. Sou eu quem acabou com eles pensou com tristeza eu e a paixo que sinto por Hunter MacBeth. Sabia, oh, Deus, sabia. Sabia que meu amor pelo cavalheiro cigano me causaria uma tremenda dor e, mesmo assim, no deixei de pensar nele, segui me deitando com ele, o amando Estou me condenando, sei, e, contudo, continuaria o amando inclusive no inferno.

Mary recolheu com mos trmulas a adaga que lhe entregou Joanna e a olhou com expresso incrdula. Esta faca pertence aos MacBeth disse Joanna V? H um gato monts gravado no punho. Alm disso, encontraram o corpo na borda do bosque de Glenkirk. Oh, Mary, por qu? Por qu?

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Mary no podia responder; o corao encolhia dolorosamente. Conhecia aquela adaga. Oh, Deus! Claro que a conhecia! Quantas vezes havia dela utilizado para cortar a carne, as fatias de queijo, as fatias de po, as mas e as pras que ela comera? Oh, Deus! No! No! Mary sentiu nuseas. Ele jurou! Tinha-lhe jurado por sua honra que jamais machucaria uma pessoa a quem ela quisesse. Lentamente girou a adaga sobre a palma de sua mo e viu as iniciais gravadas na outra face daquela maldita folha de prata: H.G.M. Hunter George MacBeth. Aonde vai? Matar a um Carmichael; devo recuperar seu filho, Mary. Do contrrio, no voltarei com voc Matar a um Carmichael! No! No! No certo! No certo! Oh, senhor, senhor Graas a Deus, as outras pessoas que se encontravam no salo principal de Bailekair pensaram que gritava por seu irmo. S Joanna compreendeu que aquela no era a razo. Dirigiu um olhar acusador a sua senhora com seus olhos castanhos. Seu irmo! espetou em voz to baixa que s ela e Alinor, que se achava perto das moas, puderam ouvi-la Assassinou seu irmo! Foi seu amante quem empunhou a faca! Seu amante! Hunter MacBeth! Nosso inimigo! No o negue, Mary. Oh, senhor, por qu? Por qu? Eu a quis como a uma irm! Que Deus a condene aos infernos por isso, Mary Carmichael! Joanna saiu correndo do salo, chorando desconsoladamente. Alinor olhou Mary com ar pensativo. Joanna est doente. Estava grvida do filho de seu irmo e o perdeu a consequncia da comoo que sentiu por sua morte. Acredito que ainda

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tem um pouco de febre. No deveria levantar-se da cama. No o tenha muito em conta. No; no h nada que ter em conta gemeu Mary. Oh, Deus, me perdoe, Gordie! Dito aquilo, saiu chorando do salo, tal como fez Joanna pouco antes.

Quero ir daqui, Charlie disse Alinor com voz firme e gesto resolvido Vamos a Eadar D Voe. Se meu pai no tiver um posto para voc no castelo, procuraremos outro na corte. Mas, meu amor Charlie elevou a vista, surpreso Pode me dizer o que? No penso discutir sobre isso. Este no um lugar seguro para voc. Tenho a sensao de que h algo estranho na morte de Gordon, algo que ignoramos. Foi assassinado pelo filho de cadela que raptou e violou minha irm, esse maldito cigano arrogante. O que tem isso de estranho? Mary h dito que a mesma adaga que levava em Wynd Cheathaich e jurou vingar-se dele. Charlie, no quero que pense mal de Mary, nem desejo lhe contar segredos que no me corresponde revelar, mas o amo, meu amor. o mais importante de minha vida e no me atrevo a guardar as suspeitas que tenho. Prometa que no dir a ningum nada do que vou explicar-lhe. Promete-o! Muito bem. Perplexo pela conduta de sua esposa, Charlie assentiu. O senhor Hunter MacBeth o amante de Mary disse precipitadamente Alinor Sim, assim . Ouvi como Joanna a acusava; ela sequer tratou de neg-lo.

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Mulher! Feche a boca! No sabe o que est dizendo. No posso acreditar Espere que acabe. Alinor tremeu, pois Charlie jamais lhe falara assim. Entretanto, fiel ao carter dos Murray, armou-se de valor rapidamente e acrescentou D igual se acredita em mim ou no, no o entende? Ele a ama; antes o suspeitava, agora estou segura disso. Na corte, se chegou o rumor que pediu ao rei que lhes permitisse contrair matrimnio, o que no foi possvel porque Mary j estava casada com Edward. Nan Chisholm, a irm de Percy, referiu-me isso em uma carta, mas no lhe concedi importncia, considerando-o uma mera fofoca. J sabe como so os cortesos. Acaso no se d conta? Se for verdade, se a ama tanto para desejar casar-se com ela, no pde matar um de seus irmos, e menos a Gordon, a quem, como bem sabe, sua irm queria com loucura, porque com isso s conseguiria voltar Mary em seu contrrio. Hunter MacBeth ser algo, Charlie, mas no um estpido. Aonde quer chegar, Alinor? perguntou seu marido com os olhos entreabertos. Acredito Alinor respirou fundo, temendo que o que ia dizer enfurecesse ainda mais seu marido Acredito que Ian e Hugh so os responsveis pela morte de seu irmo. No sei como arrumaram, mas, de algum modo, de algum jeito Oh, Charlie, este no um lugar seguro para voc repetiu com tom premente Carecem de escrpulos. No lhe resulta estranha a forma em que conseguiram seus condados? Por amor de Deus! Poderia ser o seguinte nome em sua lista. Charlie guardou silncio por um momento e logo disse: certo que surpreende a forma em que chegaram a ser herdeiros, e tenho que admitir que o arrebatamento de Mary, quando trouxemos o

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cadver de meu pai ao castelo me fez me expor uma srie de perguntas sobre sua morte. O acidente que sofreu lorde Thomas tambm foi muito estranho, sobretudo se pensa que no habitual que Ian fique quieto como um estpido em uma situao perigosa. De todos os modos, Alinor, no existe prova alguma que demonstre que eles provocassem suas mortes. Alm disso, que razo poderia lhes impulsionar a assassinar Gordon? Meu irmo no representava nenhuma ameaa para eles. A menos que suspeitasse quo mesmo ns, Charlie disse Alinor gravemente Enquanto esteve na cama recuperando do aborto, Joanna sofreu vrios delrios em que pedia a Gordon que no enfrentasse a eles e jurava que abandonaria Bailekair, antes de dar a luz, pois Ian jamais daria seu consentimento a seu matrimnio com Gordon. Matrimnio! Sim. Seu irmo tinha um muito profundo sentido de honra, por isso devia ser um grande motivo de frustrao para ele no poder casar-se com Joanna. Ian nunca aprovaria que seu irmo tivesse por esposa uma bastarda sem nome nem dote. Meu amor, por favor, j sabe quo avaro Ian! Levou Bailekair virtualmente runa. Por essa razo, o fez retornar a casa. Oh, seu pai se levantaria de sua tumba para perseguir a esse filho de cadela, se pudesse ver o estado em que se acha atualmente seu esplndido castelo. Bom, isso sim certo. Gordon tinha debilidade por Joanna desde que ramos pequenos. Mas, por todos os Santos, Alinor, nego-me a aceitar todas estas teorias que lhe ocorreram. Como pode acreditar que Hugh e Ian assassinaram os seus pais e meu irmo? Oh, meu amor. uma ideia to retorcida que resulta intolervel. Se me passasse pela cabea Acabaria assassinado igual a Gordon!

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Oh, Alinor! E logo est Mary e esse MacBeth! Minha irm no pode ter faltado a sua honra dessa maneira Charlie, Mary nunca foi mesma depois do rapto insistiu Alinor. Que mulher haveria tornado a ser a mesma? perguntou ele, zangado. No, no refiro a isso. No queria casar-se com Edward. Parecia desejar que a desterrassem. E todas suas sadas para cemitrio, ou isso dizia ela Oh, tinha que v-la cada vez que voltava. Ardia de paixo! Deviam encontrar-se ali, porque alguns dias aparecia com os lbios ressentidos pelos beijos. Juro-o! Srio, certo, tanto se me cr como se no. Ao princpio, eu no podia admiti-lo, mas quanto mais me fixava, mais me convencia de que tinha um amante. Alm disso, Hunter MacBeth tambm esteve na corte durante o vero. Oh, querido, algumas noites Mary saa de nossos aposentos e no retornava at o amanhecer. Inclusive ento me neguei a reconhecer a verdade. Sabia que Edward estava doente e no pensei que ela No era feliz com Edward afirmou Charlie, que tambm se sentia enojado Eu tambm me dei conta disso. Certamente Mary ignorava que se encontrava to mal, porque se no seria uma verdadeira crueldade de sua parte, e ela no assim. Lembro-me de que, quando ramos pequenos lhe doa inclusive ver como Andrew e Harold tirava a felpa de seu pulso. De todos os modos, os Carmichael so um cl apaixonado, e parece que perdemos o julgamento quando amamos. Mas Hunter MacBeth Trate de compreend-la, Charlie. O que faria voc em seu lugar? Suponha que meu pai no tivesse dado seu consentimento a nosso

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matrimnio. Alinor lhe dirigiu um olhar suplicante. Queria Mary como uma irm e no desejava que Charlie se voltasse contra ela. Ns no somos inimigos de seu cl! Certo, mas e se fossem? No a haveria possudo sobre a tumba de seu pai! Disso estou seguro. Bom, talvez no se encontrassem no cemitrio se apressou a dizer Alinor No sei com segurana. Possivelmente me equivoco porque, pensando-o bem, tampouco posso imaginar Hunter MacBeth fazendo semelhante coisa Charlie Carmichael era um homem bom e honesto, apesar de ter um temperamento temerrio e impetuoso. Sorriu e abriu as mos em sinal de impotncia. Agora entendia tudo. Deveria ser magistrada, pequena pcara. Sim, teria querido voc, apesar de tudo e, por muitos obstculos que tivesse encontrado em meu caminho, haver-te-ia possudo. Alinor deixou escapar um leve suspiro de alvio. Tinha temido que seu marido acabasse odiando Mary. Alm disso, conhecia, apreciava e respeitava Hunter MacBeth, pois os Murray no estavam enfrentados com seu cl. De fato, desejava o melhor para os amantes, j que ansiava que todo mundo fosse to feliz como ela. No obstante, advirto um engano em seu raciocnio. Charlie havia se posto srio de novo. A que se refere? A adaga, meu amor. Mary disse que a adaga do cigano. No compreendo como Hugh e Ian puderam cometer o assassinato com ela.

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Alinor mordeu o lbio em um gesto de preocupao. Ela tampouco sabia. No sei como, mas o fizeram, Charlie. Estou segura. Intuio feminina, meu amor? Chame-o como queira. S sei que temos que nos afastar daqui imediatamente. J foi investido cavalheiro. Ian no tem direito a reter voc aqui. Prometa-me que partiremos amanh pela manh. Ah, gatinha, sabe que no posso lhe negar nada. Sentou-a sobre seu colo e a beijou com doura. No que est pensando, querido? perguntou Alinor com voz baixa minutos mais tarde. No pobre Edward. H Edward sabia que Mary estava apaixonada por outro homem. A tristeza de seu olhar no podia ter outra razo de ser. Sabe? Amava-a desde que ramos meninos, igual Gordon a Joanna. E, mesmo assim, era como como se no tivesse realmente f nisso, Alinor. Charlie estava tratando de encontrar as palavras adequadas Tinha a impresso de que ele no pertencia a este mundo. Oh, no sei o que quero dizer. Tinha que ser um estudioso, um msico de palcio, como os da corte do rei Arturo da Inglaterra, ou monge Em lugar de casar-se com Mary, deveria haver-se ordenado sacerdote. Sim, isso deveria ter feito, tal como pensara. Seu lugar estava no monastrio. Tem razo, meu amor. No era feliz em nosso mundo. No sei onde estar agora, mas sem dvida ter encontrado por fim a paz que procurava. Acredito que o que em realidade desejava era um anjo, e Mary era, e segue sendo, uma mulher mortal.

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Como voc disse Charlie com um sorriso. A sombra da morte de Edward desapareceu to subitamente como posou sobre eles Vem aqui, Alinor; necessito de uma moa to mundana como voc.

No parta Alinor, por favor. a nica amiga que fica aqui. Mary mordeu o lbio em sinal de splica Joanna me odeia e no a culpo por isso. No fala comigo desde desde No o tenha em conta, Mary. Talvez no se recuperasse de tudo de sua enfermidade. Sei que com o que lhes querem Joanna no pode voltarse contra voc. Deveria faz-lo! Odeia-me, e com razo, porque a morte de Gordon em parte minha culpa exclamou Mary. A moa compreendia que de nada servia ocultar a verdade aos verdes e perspicazes olhos de Alinor Oh, Alinor, no me diga agora que voc tambm me odeia. No, sempre serei sua amiga e irm, Mary. No se preocupe por isso. Alinor a abraou com afeto No vamos por voc, mas sim porque este no um lugar seguro para Charlie. Que no um lugar seguro? A que se refere? Oh, pergunte a seu corao, Mary. Conhece a resposta melhor que eu. Tome. Extraiu do dedo anelar um pequeno anel com uma esmeralda que tinha formado parte do presente de bodas que lhe entregara Charlie Aceite este anel. Tenho-lhe muito carinho e quero que fique com ele. Se necessitar de mim, em alguma ocasio, envie-me isso. A voz de Alinor adquiriu de repente a acerada determinao que tinha a de seu poderoso pai Juro que irei a seu auxilio com o exrcito do rei, se for necessrio.

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Voltou a abraar Mary e partiu, deixando atrs de si a fragrncia de seu embriagador perfume. Este no um lugar seguro para Charlie. O que quis dizer Alinor com aquelas crticas palavras? Gordon fora assassinado pelos MacBeth, por Hunter MacBeth, o amante de Mary! Deixando escapar um soluo, Mary se dirigiu correndo a seus aposentos e chegou bem a tempo para vomitar repetidas vezes na pesada bacia do dormitrio.

***

Euphemia deixou a pluma e, sorrindo para si, fechou a missiva que acabava de escrever antes de estampar seu selo na cera. Francis. Francis, tinha que ser, esse mequetrefe choro! Se no fosse um molenga, no permitiria que Cadman anulasse seu compromisso matrimonial com Grace, e esta no seria agora a condessa de Wynd Cheathaich nem a esposa do homem com quem ela, Effie, deveria haver-se casado. De todos os modos, tudo era culpa de lorde Torquil, pensou Euphemia. No contente enviando sua filha a Glenkirk para lhe arruinar a vida, teve a m ideia de matar-se e deixar Cadman como protetor de Grace. Bom, ao menos Effie pde vingar-se de Cadman pela responsabilidade que este tinha em sua desgraa. Embora no o planejasse assim, essa puta loira a quem Hunter tinha raptado e violado identificou a adaga. Cedo ou tarde os Carmichael assassinariam seu maldito parente. Meu Deus, assim que se inteirasse da morte de seu irmo de adoo, Cadman se afundaria, porque os dois homens no teriam se querido mais se fossem irmos de sangue. Mas Francis tinha que morrer primeiro.

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E quando seu sangue Tingir de vermelho o cho, tambm correr o seu.

Escolhe algum que odeie, Effie havia dito Ian Os gmeos so mortferos com a faca. Assim, elegeu Francis. Quando este fosse ao encontro, esporeado pela angstia que refletia a carta, encontrar-se-ia com que quem o esperava no era ela, a no ser Andrew e Harold Carmichael. Entretanto, no viveria para acus-la de lhe haver estendido uma armadilha. Os Carmichael vingariam a morte de Gordon de forma imediata. Effie elegera Hunter em um princpio; por essa razo, se sentiu decepcionada, quando Ian lhe disse que seu maldito parente no podia ser a vtima. No, Effie. Acabaremos com o cigano em seu devido momento. No tema. Converteu-se em um dos favoritos do rei e no podemos nos arriscar. Escolha outro. Ento pensou em Francis. Andrew e Harold Carmichael no sabiam nada sobre a intriga, obvio. Ian planejou os enviar para inspecionar a zona, consciente de que encontrariam Francis e o matariam. O conde de Bailekair no podia permitir-se que algum se inteirasse de sua relao com Effie at que pudessem casar-se. J era bastante perigoso que Hugh soubesse. Effie o entendia perfeitamente; Hugh Carmichael lhe produzia calafrios. Desceu de seus aposentos e entregou a mensagem a um pajem para que o levasse a Oir Uisge. No tinha por que temer que o moo revelasse algo a Farquhar, tio de Euphemia, sobre a viagem, pois na carta dava instrues a Francis para que o matasse. Francis, o muito tolo, era um

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MacBeth dos leais. Cometeria o assassinato, e ela, Effie, encontrar-se-ia a salvo. Ian no era o nico esperto!

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Captulo 22
Hunter aguardou em Mheadhoin em vo, porque Mary no foi ao encontro. Embora no esperava que fosse aparecer depois da morte de seu irmo (da qual se inteirou graas aos granjeiros, que dispunha de suas prprias fontes de informao para estar corrente de quanto acontecia nas Terras Altas), no podia entender por que no se apresentava agora. Sem dvida sabia que ele a esperava! No podia lhe culpar da morte de Gordon; ao fim, ele nada tinha a ver nela. Os Carmichael se vingaram, e a conscincia, pensou Hunter com um tremor ao recordar o corpo brutalmente mutilado do pobre Francis. Havia algo estranho na morte de seu parente, pensou, embora no tinha certeza do que se tratava. De repente, aguou o ouvido, esperanoso. Do exterior da igreja, chegava o som amortecido de uns cascos de cavalo. Esquecendo-se por completo do jovem Francis, encaminhou-se pressuroso para a porta. No, Hunter. A figura de Cadman se recortou na soleira. Seu rosto expressava lstima No sou a pessoa a quem espera. Ela no voltar com voc. De o que est falando, Cadman? A senhora Mary vai casar-se. Ouvi a notcia em um botequim de Invernes. Casar-se? Com quem? Sem dvida brinca, irmo. Hunter no dava crdito ao que acabava de ouvir. No, no brinco. Contrair matrimnio com seu primo Hugh dentro de duas semanas.

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Oh, Cadman. Hunter relaxou um pouco Foi alvo de uma brincadeira de bbados. Mary odeia esse filho de cadela. No, irmo. No nenhuma brincadeira; juro-lhe isso. J contrataram histries, bailarinos, acrobatas e malabaristas para as celebraes. Mente! Cadman endureceu o gesto visivelmente. Perdoo voc por esse comentrio, Hunter, porque sei que tem razes para me considerar um mau amigo de sua senhora. A noite da morte de meu pai, pronunciei palavras muito cruis contra ela, mas foi culpa do lcool e a dor que me embargava. Agora, entretanto, digo-lhe a verdade. Obrigam-na a casar-se, ento! No pode ser de outra maneira! Deus santo, devo achar a maneira de ajud-la! No, Hunter. Saiu para cavalgar sozinha pelos pramos, como costuma, e igual a antes disps de um sem-fim de oportunidades para escapar. Mesmo assim, no o tem feito, mas sim se dirigiu a Dndereen para fiscalizar os preparativos das bodas. Disseram-me que o rei chegou inclusive a encarregar o conde de Bothwell de perguntar-lhe que tal se encontra e lhe pediu que retornasse a corte dizendo que tudo vai bem e aguarda o dia das bodas com uma grande alegria. No! exclamou Hunter com fria No certo! a mim que ama! Sinto muito, irmo. Ignoro o que lhes aconteceu na corte e o fez retornar a Glenkirk; talvez sua senhora tenha deixado de querer voc. Oh, Cadman, certo que brigamos e que, quando fui do palcio, deixei-a chorando, mas estou seguro de que sabia que tinha a inteno de voltar com ela, apesar das iradas palavras que lhe disse quando nos separamos. No foram mais que o amor e meus desejo de estar com ela o

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que me impulsionaram as dizer. No pretendia lhe causar dano. Oh, senhor! Jamais imaginaria Por todos os Santos! Disse-lhe que no voltaria com ela. Que estpido fui! Devo v-la agora mesmo! Tenho que lhe explicar que essa que essa no era minha inteno! Ajud-lo-ei se necessita de mim, irmo. De fato, tampouco eu gosto da ideia de v-la desposada com esse Carmichael. Ouvi muitas histrias a respeito de seu comportamento na cama e me preocupa o que possa ocorrer a sua senhora se acaba casando-se com ela.

Mas Hunter no conseguiria impedir Mary que fizesse o que tinha pensado, posto que para quando ele e Cadman planejaram a maneira de chegar at ela, j era muito tarde. Era certo que contrairia matrimnio com o Hugh Carmichael, mas a Mary daria igual. Desde que Hunter assassinou Gordon, havia se sentido como uma mulher morta. Tinha vivido de forma automtica, embora tampouco lhe importasse seguir a seu pai, seu marido e seu irmo tumba. MacBeth no lhe causou mais que pesar. Utilizou seu corpo, burlou-se de seu amor e traiu a confiana que nele depositara. Tratava de no pensar naquele homem. No voltaria para Mheadhoin. Convenceu-se de que o odiava. Equivocou-se com ele, da mesma maneira que se equivocou com Hugh, que se mostrou extremamente amvel com ela da morte de Gordon. Nenhuma s vez tentou toc-la. Mary estava to sumida na tristeza que no lhe ocorreu relacionar esse comportamento com o trato privilegiado que lhe dispensava o rei e a inquietao que comeava a sentir Hugh, ao intuir que James estava corrente da desgraada histria da moa. S Deus sabia do que lhe acusara Mary ante o soberano, pensava Hugh; tinha que apazigu-la e ganhar seu favor.

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Levou Geoffrey a Bailekair, ajoelhou-se aos ps de Mary em amostra de respeito, rogou-lhe que o perdoasse por como a humilhara no passado e jurou am-la, se acessava casar-se com ele. Quero-a, Mary! Sempre a quis. O amor que lhe professo como um feitio. Estive a ponto de enlouquecer, quando MacBeth a possuiu. Por isso levei voc com tal crueldade. No podia suportar pensar no que lhe teria feito. O ultraje que sofri era tal que nem podia a olhar sem sentir desejo de matar os dois. No queria v-la exposta s desumanas brincadeiras dos outros; da que quisesse que a desterrassem. Teria a ajudado, Mary, juro-o. No permitiria que ficasse sozinha. Mas ento apareceu Edward e se casou com voc. Oh, Deus, no pode supor quanto me envergonhou minha covardia, quanto padeci ao ver que ele se atrevia a fazer algo que eu me sentia incapaz de lhe propor. Ento morreu, e voc me rechaou uma vez mais. Oh, Mary! Mary! No me rechace agora. Quero-a. No sabe quanto desejo a proteger e formar uma famlia com voc e com seu filho. Acariciou ento Geoffrey O menino necessita de um pai e uma me. Diga que se casar comigo, Mary. Daria algo por ouvir-lhe dizer concluiu Hugh apaixonadamente. Mary se sentia impotente. Ansiava recuperar seu filho. Talvez Hugh tinha mudado. Possivelmente se equivocou com ele. O que importava? Hunter no a amava; assassinou seu irmo. J no ficava nada. Hugh era um Carmichael, tinha seu mesmo sangue. Era o tio do pequeno Geoffrey e cuidaria dele. Mary posou uma mo sobre o brao de seu primo. Quero meu filho. Por seu bem, tentarei perdoar voc e corresponder ao amor que diz sentir por mim. A desdita de Mary era completa.

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O castelo de Dndereen era pequeno e estava construdo com uma pedra dura e plida que o fazia parecer quase branco a primeira hora da manh e lhe conferia um aspecto fantasmal, quando a nvoa caa sobre os campos ao entardecer. Ereto na vertente de um monte das Terras Altas, estava rodeado por um fosso de lodo de trs metros de largura e outros tantos de profundidade em que no se deixou de verter lixo em muitos anos. Desse modo, bastava com que o vento soprasse levemente para que dele emanasse um tremendo fedor. As torres eram cilndricas e de escassa altura, j que no havia nenhum penhasco que dificultasse a viso do castelo; como se fossem um grupo de frades rechonchudos, erguiam-se sobre as quadradas ameias para dominar os campos circundantes. As muralhas no pareciam ser muito difceis de salvar, circunstncia que ficava compensada pelo fosso, que impedia o acesso s defesas do castelo e tinha permitido que Dndereen repelisse vrios assdios no curso dos anos. Um par de homens geis e ardilosos teriam engenhado para chegar s ameias, mas no todo um exrcito. Hugh decidiu celebrar as bodas nessa fortificao, e no em Bailekair, onde Mary havia desposara Edward. O ar outonal j soprava misturado com a limpa e fresca fragrncia do prximo inverno, e o campo inteiro resplandecia com os matizes avermelhados e dourados prprios da estao. No podiam ter um dia mais formoso para as bodas. Por que, ento, tinha Mary sensao de que a natureza se burlava dela? Levava o mesmo vestido que usara no dia de suas bodas com Edward. Hugh no reparou nisso, ou ao menos no o deu a entender. Como a outra vez, oferecia um aspecto majestoso como o de uma rainha, enquanto descia pelas escadas para agarrar seu primo pelo brao. Sua voz,

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entretanto, soou trmula ao pronunciar o sim na capela, e seus lbios estavam gelados, quando, possessiva e apaixonadamente, Hugh a beijou. Quando este a separou dela, sussurrando umas palavras terrveis que s ela ouviu, Mary despertou da comoo em que esteve sumida at aquele momento. Ento compreendeu, com toda sua crueldade, o verdadeiro significado do que tinha feito. Representou muito bem seu papel disse Hugh com um sorriso zombador. Ela o olhou assustada e estremeceu Mas sei muito bem como em realidade e no me deixarei enganar por seus truques de rameira. Do que do que est falando, Hugh? Tratei de me congraar com voc pelo bem de Geoffrey. Jurei o amar e o obedecer. Prometi me refugiar por vontade prpria em seus braos Oh, disso no me cabe dvida, porque to viciosa como uma cadela em zelo. Lambeu os lbios e a observou com frieza Mas no finjamos que nos queremos. Sei perfeitamente que durante todas estas semanas esteve interpretando o papel de noiva apaixonada porque acabou entrando em razo e compreendeu que no existia outra maneira de recuperar seu filho. certo que sempre a desejei Mary, admito-o, e esta era a nica forma de a conseguir. Malditos sejam voc e Jamie! Agora minha e nem o rei pode neg-lo. Mas me disse disse que me queria Que nscia . Sim, nscia, porque o amor uma ideia de nscios e no , certamente, o que desejo de voc. Mas no tema, querida esposa, seu engenho e sua inteligncia me so indiferentes. O nico que me atrai de voc se encontra entre suas pernas.

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Mary estremeceu ao ouvir aquelas vulgares palavras. Deus santo! O que fez? Como pde deixar-se enganar dessa maneira? Deveria supor que Hugh no mudaria como lhe prometera. Oh, a tristeza e a desdita a cegaram por completo. Ao ver Geoffrey, apressou um desejo irresistvel de estar de novo com ele. Oh, com que inteligncia utilizara Hugh seu filho. Cada vez que tinha ido v-la em Bailekair o levava consigo; ela o abraava com desespero, consciente de que a nica maneira de recuperlo consistia em acessar a proposio de Hugh. Alm disso, Hunter a abandonara cruelmente, a deixara desamparada. Seu filho era o nico que ficava. Deus santo! Deveria haver-se dado conta de que tudo era um estratagema. Mary se ergueu. No podia permitir que Hugh advertisse quo assustada estava, porque ento se aproveitaria de seu medo, e ela se encontraria indefesa ante ele. Sim, quero meu filho. Voc o arrebatou, Hugh, sabendo que eu no podia fazer nada para lhe impedir isso, tem-me feito muito dano, sim, muito dano, Hugh. Dou-lhe a satisfao de admiti-lo. Mas pagar por isso, prometo-lhe isso; j que estamos nos justificando, dir-lhe-ei que sei que um assassino e o recordo que jurei me vingar de voc pela morte de meu pai. Os olhos brilhavam ameaadoramente. Estava lutando por seu filho e por si mesma Sim, deitar-me-ei em sua cama, filho de cadela, porque sei que minha obrigao, mas lhe juro que no encontrar nenhuma satisfao nisso. E no esquea que, algum dia, me vingarei de voc e desfrutarei fazendo-o. Isso cr? resmungou ele com insolncia Tem previsto recorrer s armas e se enfrentar a mim como um homem?

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No, Hugh, no necessito de armas mundanas. Mary entreabriu os olhos em um gesto matreiro, consciente de que, a Hugh, assustava a bruxaria tanto como a loucura Sim, Hugh, tenho a viso, no sabia? prosseguiu com ar perverso Eu a tenho em sonhos, e tenho que lhe dizer que voc, querido primo, apareceu neles mentiu atrevidamente vi voc morto em um atoleiro de sangue Feche a boca, cadela! espetou Hugh com brutalidade No penso em escutar suas mentiras! a esposa de Sat! Sou, Hugh, desde que me tomou por esposa. Aproximou-se dela como se tivesse a inteno de lhe bater, mas recuperou a serenidade ao lembrar-se dos convidados s bodas. Est me chamando Sat? Bem, pois esta noite, quando estiver a minha merc na cama, demonstrarei o diabo que posso chegar a ser. Mary no pde deixar de tremer, enquanto saam da capela. Os preparativos para o banquete de bodas foram incomparveis. Hugh Carmichael, conde de Dndereen, superou a si mesmo para impressionar aos convidados com sua categoria e riqueza. Vinte vacas e outros tantos carneiros foram sacrificados; caaram-se dez veados. Sobre as mesas se expuseram cinco javalis assados, meia dzia de cisnes espetados e um sem-fim de verduras, bolos e distintos tipos de po. Havia trs carros com bolos de grande tamanho; servia-se generosamente vinho tinto e a cerveja corria como os arroios pela montanha durante o degelo. Mary comeu pouco e bebeu mais do que costumava, como se quisesse aplacar os furiosos batimentos de seu corao e o tremor de suas mos. S queria deitar-se; j tinha comeado a anoitecer, a farra continuava e seguia lhe doendo cabea. Tinha a sensao de estar em um sonho.

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O que fiz? Mas o que fiz? perguntou-se pela ensima vez aquele dia Casei-me com o assassino de meu pai por minha prpria vontade. Por minha prpria vontade! Estou louca. Ser minha forma de me vingar de Hugh Carmichael. Casado com uma perturbada, como seu pai! Sim, estou louca. A loucura lhe inspira ainda mais temor que a bruxaria. Mary, que no esboara um s sorriso em todo o dia, comeou de repente a rir. Os convidados a olharam com estranheza. Tinha sido uma risada estridente, tensa, anormal. Inclusive os mais brios comearam a murmurar. Alguns se benzeram. Est perturbada sups ela que se diziam, entre gestos de assentimento Pobre Hugh, pobre moo, casouse com uma louca, igual seu pai, que Deus o tenha em Sua glria. Mary voltou a rir. O que lhe resulta to divertido? perguntou Hugh com frieza No preferiria compartilhar seu regozijo com todos ns? Meus amigos. Mary avanou dando tropees e observou os convidados com os olhos entreabertos, como se tratasse de dissipar a nvoa que parecia lhe turvar a vista Meu marido deseja escutar algo divertido. Limpem a mesa, moas! Depois de agitar as mos freneticamente, desprendeu as forquilhas que seguravam seu cabelo e as jogou ao redor; sacudiu ento a cabea para liberar o cabelo e prorrompeu em gargalhadas Saiam daqui, saltimbancos e acrobatas! Fora, bailarinas e palhaos! Serei eu quem se encarregue de animar esta noite! Elevaram-se alguns vivas que retumbaram nos caibros do salo. A senhora Mary, que possua uma bela voz e uma grande acuidade de engenho, no atuava desde dia da morte de seu pai. As criadas se apressaram a retirar as bandejas e talhadeiras da larga mesa que havia

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sobre o estrado, enquanto os homens de armas agarravam Mary e a levantavam em ombros. Passearam-na ruidosamente por toda a estadia e a deixaram por fim sobre a mesa que acabavam de esvaziar. Inclinou a cabea com gesto matreiro e deu uns saltos semelhantes aos do bufo do rei, pelo improvisado cenrio. Msica! Msica! exclamou. Que msica deseja senhora Mary? perguntaram. Ela se agachou e sussurrou algo ao ouvido de um dos homens. Segundos mais tarde, os histries comeavam a tocar. Hugh remexeu em seu banco e com os braos cruzados sobre o peito se disps a observar moa. No podia evitar sentir admirao por ela. Quo selvagem, formosa e vivaz esteve Mary aquela noite! Parecia querer exteriorizar todos os sentimentos que albergava seu corao, apurar este at os sedimentos, de modo que ningum pudesse perceber a dilaceradora tristeza que a rasgava, e Hugh no encontrasse nela mais que uma casca vazia, quando a possusse. Nem se quisesse acharia as emoes que Edward chegara a conhecer, posto que Mary, apesar de estar apaixonada por Hunter, sentira carinho por Edward. Hugh, em troca, s lhe inspirava dio. Mary recolheu a saia, tirou as botas, e continuou danando, cada vez mais depressa, um amalucado fling das Terras Altas enquanto os homens e mulheres presentes seguiam o ritmo com os ps e as palmas, animandoa com vivas, assobios e gritos de aprovao. O alvoroo retumbava em todo o salo, saa pela entrada, e ressonava no palanque e at chegar ao fosso.

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Meu Deus! Cadman MacBeth olhou para o castelo com rosto de medo O que estar ocorrendo ali dentro? No sei respondeu Hunter com semblante grave, enquanto sacudia o cilindro de corda que sustentava nas mos e tirava dele um cabo de que pendurava um grande gancho de ferro mas dou graas a Deus por isso, porque com tanta animao ningum nos ouvir. Matar-nos-o! Ouve-me? Matar-nos-o! Por todos os Santos! Devia estar bbado, quando aceitei participar desta loucura que planejaste. No; estava to sbrio como um sacerdote. Hunter sorriu diabolicamente. Parvo de mim murmurou Cadman Oh, Hunter, tem que haver outra maneira. No. Hunter lanou a corda. O pesado gancho de ferro que sulcou o ar no alcanou seu objetivo Maldita seja! O pendente muito pronunciado irmo, me faa caso No, no o . A muralha ter uns oito metros de altura e no estamos a mais de trs metros dela. J ver como conseguimos enganch-lo. Oh, meu Deus gemeu Cadman. Os minutos passavam. J o tentaram meia dzia de vezes e seguiam sem obter seu objetivo Por todos os Santos! Matar-nos-o! Estou seguro! Cale, pessimista sussurrou Hunter, triunfal, quando o gancho de ferro caiu por fim sobre as ameias de Dndereen. Puxou a corda lenta e cuidadosamente para si at que as pontas do gancho ficaram presas muralha. Hunter suspirou aliviado V? Olhou a seu irmo de adoo com outro diablico sorriso. Que Sat tenha piedade de ns, Hunter exclamou Cadman porque no sairemos vivos desta.

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Ora! Dois MacBeth se bastam contra um milhar de Carmichael. Est louco, louco de arremate! Sim, mas minha loucura est justificada. Ento, agarrando com fora a corda, Hunter se lanou sobre o fosso e foi dar contra a muralha. O duro golpe lhe machucou os ombros, e as arestas das rochas se cravaram nas costas. Depois de soltar um grunhido, comeou a subir pela corda, apoiando-se contra a muralha. Ao cabo de um momento, que lhe pareceu toda uma eternidade, encarapitou-se s ameias do castelo. Depois de fazer uma pausa para recuperar o flego, recolheu a corda para recuperar o outro cabo e o atou a um peso que com tal propsito tinha subido. A seguir, baixou a corda pela muralha at meia altura e a agitou de modo que o cabo com o peso voou por cima do fosso. Cadman conseguiu captur-lo na terceira tentativa e subiu pelo muro tal como pouco antes fez seu irmo de adoo. Quando com a ajuda deste conseguiu alcanar as ameias, ofegava, e seu rosto brilhava a luz da lua pelo suor. Se se os Carmichael no acabam no acabam com voc, irmo, eu o farei por eles disse com muita dificuldade Essas pedras salientes quase me arrancam a pele das costas. Ia ia avisar voc. Por amor de Deus, Hunter! Chis! Algum vem! Os dois homens se esconderam nas sombras. A sentinela no teve ocasio de defender-se; Hunter lhe cortou a garganta de um talho com sua adaga. Ajudado por Cadman, arrastou o pesado corpo at as ameias, levantou-o e o jogou no fosso para evitar que algum o encontrasse e desse a voz de alarme. Assim que ouviram o rudo amortecido produzido

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pelo cadver da sentinela ao cair no lodo, encaminharam-se para a entrada. Depois de desfazer-se de cinco sentinelas mais, ocultaram-se em um oco prximo ao salo principal, de onde viram a embriagada figura da amada de Hunter danar sobre uma grande mesa. Note bem, irmo murmurou Cadman Essa a mulher por quem estamos arriscando nossas vidas esta noite. J muito tarde! um banquete de bodas! J se casaram murmurou Hunter desesperado Bom no importa; resgat-la-ei de todas as formas. Mas est louco? Cadman se sobressaltou ao ver que seu irmo fazia gesto de entrar no salo No pode entrar a! Que no posso? No trate de me impedir isso irmo! minha e a recuperarei, inteira-se de uma vez! Hunter, por favor! Olhe lorde Gilchrist est ali. Aproxime-se dele e lhe ponha a adaga na garganta. Ningum ousar nos deter. Hunter entreabriu os olhos em um gesto em que se mesclavam a emoo de vencer seus inimigos em seu prprio castelo e a dor de saber que Mary se casou. Cadman observou a sombria expresso de seu irmo e compreendeu que de nada servia seguir discutindo. Muito bem. S espero que no se arrependa desta loucura.

Para ento, Hugh j se encontrava danando sobre a mesa ao lado de uma surpreendida Mary. Nas feies do homem, se refletia a estranha admirao que sentia por ela, pois adivinhou que com aquele atrevido comportamento s tratava de ocultar o medo que em realidade tinha.

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Esboou um sorriso impudico e seus brancos dentes cintilaram, enquanto seguia seus passos, cada um dos quais era mais difcil que o anterior. Por Deus! uma moa valente! exclamou em meio da gritaria que se armou no salo. Como sempre, impressionava-lhe a audcia da moa. Estava seguro de que aquela noite lhe oporia resistncia, e julgou que sua satisfao seria muito maior por isso. Adorava que as mulheres lhe plantassem rosto Pode ser que inclusive troque de opinio e chegue a me apaixonar por voc. O que lhe parece isso, bruxa? Mary lhe lanou um olhar arteiro. J no lhe importava o que lhe pudesse fazer, por isso lhe respondeu cantando uma provocadora tonadilla sobre uma mulher que envenenara seu marido.

OH, a senhora Gata era formosa como nenhuma mas tinha a lngua to afiada como uma harpia. Ao orgulhoso Keith disse que j no lhe tolerava nenhuma e entretanto este lhe jurou que ao altar a levaria. Muito bebeu o marido durante o banquete de bodas e com sorriso impudico na cama de matrimnio se deitou. Mas a ltima em rir seria a esposa pois o orgulhoso Keith nunca mais se levantou.

Mary nunca chegou a saber como a castigaria Hugh por sua insolncia, porque nesse preciso momento, no meio da animao que reinava no salo, soou uma voz que a moa reconheceria em qualquer lugar. A msica cessou bruscamente; os homens e as mulheres que estavam dando palmas e danando permaneceram imveis; as risadas se desvaneceram.

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Gritos indignados e iracundos encheram o grande salo, quando um homem alto e moreno se aproximou com passo resolvido mesa acompanhado por algum mais jovem que ameaava a garganta de lorde Gilchrist com uma faca. Ningum se atreveu a aproximar-se deles por medo de que o chefe do cl Carmichael fosse assassinado ali mesmo. Mary se sentiu aturdida. Isso explicava por que, apesar de deixar de danar, a estadia ainda dava voltas ao redor e, cada vez que abria os olhos, via Hunter MacBeth, que a olhava com insolncia. No podia acredit-lo. Como era possvel? Voc! O que est fazendo aqui? Hunter a olhou de marco em marco e lhe invadiu uma repentina insegurana. Apesar do enorme risco que estava correndo para recuperla, ela no se lanou para ele, transbordante de alegria, como esperava. Ento compreendeu que, obviamente, no podia faz-lo, porque ento condenaria a si mesma ante toda sua famlia. Esboou um sorriso e disse: Vim para a enjaular, tigresa, como fiz da outra vez. Acreditava que ia permitir que escapasse de mim to facilmente? Como como ousa aparecer por aqui, maldito violador de mulheres? um assassino filho de cadela! Maldito seja! Mary se voltou para seu marido, colrica Mate-o, Hugh! Mate-o agora mesmo! Perdoar-lhe-ei tudo se o fizer! Farei quanto me pea! Desembainhe sua espada, marido, e salve agora mesmo minha honra e a de meu irmo. Hunter no dava crdito a seus ouvidos. Pelos pregos de Cristo! Parecia parecia que Mary o odiava! Mas do que estava falando?

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O primeiro homem que se mova ser responsvel pela morte de seu chefe disse com tom sinistro, enquanto olhava Mary como se jamais a visse antes. Por amor de Deus! Que ningum os levante a mo! ordenou lorde Gilchrist fora de si. Os homens de armas voltaram a sentar-se em seus bancos, cautelosos. Hugh, que fez gesto de equilibrar-se sobre Hunter ao ouvir Mary, apertou a mo sobre o punho de sua espada para relax-la a seguir. Produziu-se um silncio sepulcral no salo. Mary mal podia suport-lo. Aquilo parecia um terrvel pesadelo feito realidade. Toquem! exclamou freneticamente, fazendo um sinal aos msicos Hoje o dia de minhas bodas. Toquem, filhos de cadela! Confusos e aterrados comearam a interpretar nem mais nem menos que A dana das espadas. Hunter voltou a sorrir desta vez com gesto zombador, embora a expresso de seus olhos permanecesse imutvel. Era como se Mary lhe desafiasse, e ele recolhesse a luva que lhe jogava. Aproximou-se de Cadman e, como se quisesse desafiar os convidados a que o impedissem, desencapou a espada de seu irmo e voltou para o centro do salo, onde a colocou sobre a sua de tal modo que formassem uma maligna cruz de prata sobre o cho de carvalho. Cravou a vista nos olhos de Mary e comeou a danar. E como danou Hunter MacBeth aquela noite! S para ela. O mesmo homem que ela acreditava assassino de seu irmo. Em tanto as gaitas de fole soaram, suas botas no roaram nem em uma ocasio as folhas de prata das espadas. Como se atrevia? Como ousava olh-la daquela maneira enquanto executava os complicados passos? Na expresso do belo rosto de Hunter se mesclavam difanos, o amor e o desejo. E ela

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renunciou a ele! Odiava-o! Estava disposta a mat-lo ela mesma e, mesmo assim, no fundo de seu corao Mary sabia que ainda o amava. Quando o amor chega como chegou a ela, feito uma corrente de paixo rebelde e abrasadora que acaba arrasando quanto encontra por diante, no se pode renegar dele, sejam quais sejam as consequncias. Essa era a razo, mais que qualquer outra coisa, pela que o amaldioou. Havia-a possudo em corpo e alma e jamais conseguiria livrar-se dele! Jamais em sua vida! Quando concluiu sua dana, Hunter lhe fez uma profunda reverncia. Foi minha primeiro, Mary Carmichael. Sua voz ressonou no grande salo E minha seguir sendo, porque penso a levar comigo de novo, tigresa. E voc, senhor disse voltando-se para Hugh no poder fazer nada para evit-lo. Ento soltou uma gargalhada zombadora Olhe-a bem agora, Carmichael, e saiba desde este instante que se casou com a mulher do senhor Hunter MacBeth, a quem hei possudo e marcado. Conservo o que meu, senhor, e sou capaz de matar por isso; o juro. Hugh jogava fascas pelos olhos. Isso ter que v-lo, cigano bastardo! Defenda-se. Se sair vitorioso, poder levar a moa e partir livremente. Dou-lhe minha palavra. Hugh murmurou Mary. Ele a olhou friamente. Prometo-lhe que posso dar conta deste galo de briga arrogante. Talvez se mofou Hunter Mas a palavra de um Carmichael carece de valor, e me insulta ao me dar isso. No, filho de cadela, desafiar-nosemos em duelo, no tema, mas no rodeados por seus homens, que me perseguiro e cravaro uma faca nas costas. Desafiar-nos-emos a ss; a moa ser o nico espectador; assim, ser testemunha de sua morte, senhor. A moa ser minha, e seu sangue senhor, correr pelo cho.

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Ento agarrou Mary pela mo, desceu-a da mesa de um puxo e, depois de lhe agarrar o cabelo e lhe levantar o rosto, afundou bruscamente a boca na sua. Ela teria desabado, se ele no a segurasse com um brao, porque os joelhos dobraram ao sentir a familiar chama do desejo que se acendia em sua virilha e prendia em todo seu sangue como se suas veias fossem uma trilha de plvora. Fixou-se, filho de cadela? Assim como a farei minha disse Hunter, dirigindo o olhar para onde se encontrava Hugh assim e de outras maneiras. Ento sussurrou moa um par de palavras ao ouvido e a soltou. Ela estranhou que lhe formulasse aquela pergunta. Ele conhecia a resposta melhor que ela! Ele, que se deitara com ela, a utilizara e logo tinha assassinado seu irmo! Hunter lhe perguntou: Por que, Mary? Separou-se dele, o odiando, cega pelas lgrimas. Tirar-me-ia a vida, antes de permitir que me tocasse outra vez, bastardo! espetou em um arrebatamento de ira. Ento o deu um sonoro soco. Os olhos de ametista de Hunter cintilaram duros como o ao. J veremos, tigresa murmurou, ameaador J veremos. Cadman! exclamou, girando sobre seus ps. Este apertou a ponta de sua adaga na garganta de lorde Gilchrist, a quem ordenou: Vamos. Os dois homens desapareceram ento to rpida e sigilosamente como chegaram levando o chefe do cl Carmichael como refm para poder escapar sos e salvos. Hugh saltou lentamente ao cho e se aproximou de Mary.

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Assim, verdade; deu gosto ao cigano com seus truques de rameira! disse antes de esbofete-la com fora Atrs deles! Atrs deles, covardes! ordenou a seus homens Buaidh no Bs! Buaidh no Bs! Buaidh no Bs! Os homens reagiram ao ouvir a chamada e puseramse a correr atrs de Hugh com uma insacivel sede de vingana.

Estava escuro. Mary estava deitada em seus aposentos de Dndereen, aonde suas donzelas a conduziram. No sabia o que a tirou de seu estupor. Ento sentiu uma vez mais a fria espetada de uma adaga na garganta. Tragou saliva. Hugh pensou. Vai matar-me. No grite advertiu Hunter em voz baixa. Mary, ao descobrir que no era seu marido quem se inclinava nas sombras sobre ela com aspecto ameaador, envergonhou-se em seguida do sbito alvio que sentiu ao ouvir a voz de seu amante. A lua surgiu dentre as nuvens que a cobriam, e graas luz chapeada que entrou em torrentes por uma estreita janela, a moa viu o rosto com a cicatriz que partia a comissura dos lbios de Hunter. Naqueles olhos violetas, escuros e terrveis, percebia uma expresso de ira e, ao mesmo tempo, uma estranha perplexidade, uma autntica vulnerabilidade, certo ar de impotncia e confuso que turvava seus reflexos de ametista. O homem afastou a adaga. Por que, tigresa? O que est fazendo aqui? Mary se encolheu alarmada ao ver o olhar de Hunter. No chegamos a sair do castelo. Escondemo-nos em um oco prximo ao salo, enquanto seu marido e seus homens empreendiam nossa busca pensando que tnhamos fugido do castelo. Estpidos No ter pensado

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que ia deix-la sem receber uma explicao? Por que se casou com ele, Mary? Sei que discutimos, mas, por Deus, tinha a inteno de me reunir contigo, de encontrar a maneira de recuperar seu filho e voltar com voc. Inclusive se no o recuperasse, retornaria. Falei precipitadamente, enfurecido; no necessito de que lhe diga isso. Seria incapaz de a abandonar, inclusive se isso supusesse minha morte. Quero-a muito. Oh, meu Deus, por que, Mary? Por qu? A moa o olhou incrdula e estremeceu, embora Hunter no conseguiu adivinhar se de dor ou raiva. Como se atreve a me perguntar isso, filho de cadela? Largue-se daqui antes que comece a gritar e derrube o castelo sobre voc com meus alaridos! Hunter a contemplou em silncio com gesto severo. Grita, se o deseja. Ningum vir a ajudar. Esse bastardo com quem se casou enviou todos seus homens para incendiar as aldeias dos MacBeth para me encontrar. Entusiasmou-os de tal maneira com suas nsias de vingana que no voltar t-los sob controle at passado um ms como mnimo. De todas as formas, d igual; inclusive se uma centena de meus inimigos carregasse contra esta porta ao ouvir seus gritos, no me moveria daqui at que me explicasse por que me odeia. Juro-lhe por Deus que me inteirarei da razo, Mary, embora para isso tenha que matar voc. Da mesma maneira que matou meu irmo? Quer que me d volta para que possa me cravar uma faca nas costas como fez com ele? um covarde filho de cadela! No, tente neg-lo. Reconheci sua adaga assim que a vi. Ou acaso acreditava que no o faria? Hunter a agarrou e comeou a sacudi-la frentico.

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Mas que tolice essa, moa? Seu irmo? O que tem a ver ele conosco? No participei de sua morte. Juro-o! No minta! Era sua adaga! Oh, Deus. Foi sua adaga o que encontraram nas costas de Gordon! Por qu? Por qu? Jurou-me por sua honra Sim, dei-lhe minha palavra e a mantive! interrompeu Hunter. Agora entendia. Oh, quanta dor lhe causou aquilo. Feriu-lhe no mais vivo compreender que o amava to pouco que nem acreditou nele o bastante para lhe permitir que se defendesse de suas acusaes, para lhe brindar a oportunidade de explicar-se antes de voltar-se contra ele Certamente, possvel que fosse minha adaga o que ps fim vida de seu irmo, no o nego, tigresa, mas no fui eu quem o empunhou. Faz semanas que senti sua falta. No sei nem como nem quando a perdi, mas a verdade, juro-o. Mary no pde nem quis lhe acreditar. Doa-lhe a cabea a causa do vinho que bebera e o golpe que dera Hugh. Estava aturdida e no podia pensar com claridade. Mentiroso! Mentiroso! exclamou Que MacBeth poderia cometer um ato semelhante? Que razo teria para faz-lo? O que lhe impulsionaria a roubar sua adaga para fazer algo que com a sua lhe teria suposto o reconhecimento de seu cl? Por todos os Santos! No trate de se burlar outra vez de mim. Esta a ltima vez que sou o alvo de suas brincadeiras e a vtima de suas mentiras. Quis e tra meu cl por voc. Acredite-me, confie em mim, disse-me. E assim me pagou a f e a confiana que depositei em voc? Assassinando meu irmo! Odeio-o, ouve-me? Destruiu quanto havia entre ns, e me envergonho de o haver querido. Oh, Virgem Santa! S pensar que me deitei com voc me produz nuseas.

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Deus, quanto lhe ofenderam aquelas amargas palavras! Hunter acreditou morrer. Revolveu-lhe o estmago, endureceu o gesto e a cicatriz de sua boca se curvou em um rictus depreciativo, enquanto a olhava e sentia que o amor que professava a aquela mulher rasgava o corao de maneira atroz. Ento a dor comeou a azedar-se, a cortar-se lentamente como o leite. O que sentia por ela era to profundo que s uma reao desse tipo lhe permitiria manter a prudncia. O doloroso rechao e a negao de seu amor eram muito fortes, intensos e reais; o golpe, excessivamente sbito, turbador e cruel. Reagiu instintivamente, em defesa prpria, arremetendo contra ela, com inteno de danific-la tanto como prejudicou a ele, da mesma maneira que teria matado a Cadman, seu irmo de adoo, se este levantasse subitamente a espada contra ele. No sou eu quem destruiu nosso amor disse laconicamente com um sorriso zombador nos lbios Jamais existiu tal amor. Se na verdade estivesse apaixonada por mim como jurava, acreditaria em mim, no duvidaria de minha palavra. No, a isso no se chama amor, puta. O que compartilhamos no foi mais que luxria, a luxria que sentem um homem e sua rameira! Rameira! disse cruelmente, consciente de que aquela era o que mais dano podia lhe causar. S duas pessoas que se amam podem reagir dessa maneira Juro por tudo o que sagrado que lamentar este dia! Hoje me demonstrou o pouco que me ama e o pouco que confia em mim! De repente, levantou-se e comeou a despir-se. Mary o olhou com os olhos exagerados. Mas o que est fazendo? exclamou morta de medo. Hunter voltou a rir sem piedade.

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Esta sua noite de bodas, no assim? Pois bem, j que luxria o que sente, luxria o que vou lhe dar! No me toque! Bastardo! Hunter agarrou o pescoo da fina camisola e, ocupando o lugar de Hugh, rasgou-a de um puxo. Uma vez estive a ponto de a violar. Seus olhos, homicidas, brilharam a luz da lua Esta noite lhe mostrarei como seria. Lanou-se sobre o corpo nu de Mary e, ao ver que se defendia e tratava de lhe arranhar como a tigresa que era, aprisionou-a brutalmente e a imobilizou. Puta! resmungou. Segurou-a pelo queixo e arremeteu sobre seus tenros lbios para machucar-lhe com uns beijos selvagens, abrasadores, internando sua lngua entre eles como se fosse uma espada ao vermelho vivo, devorandoos e impedindo Mary de respirar. Deslizou uma mo sobre seus seios e, depois de esfreg-los com ferocidade, beliscou-lhe os mamilos, que se endureceram a causa da dor. Mary, aterrorizada, notou que o confundia com o prazer. Estava respondendo a seu violento trato! Seu corpo a traa; Hunter sabia como excit-la, e podia faz-lo com uma selvageria brutal do que ela sempre foi consciente. Entretanto, jamais pensou que chegaria a empreg-lo com ela. Estava abusando dela, maltratava-a. Mary parecia uma boneca de trapo em suas mos, exangue, inerte, invadida por uma mescla de medo, entrega e desejo enquanto ele, imponente, agarrava-a e a abraava para, fazendo unicamente uso da fora, obrig-la a acessar seus desejos. Sentiase impotente em seus braos, e no lhe importava. Isto no tem nada a ver com amor balbuciou ele com voz rouca.

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Oh, Hunter, por Deus, assim no, por favor suplicava Mary entre gemidos. O homem ouviu que Mary implorava clemncia e soube de uma maneira indefinvel, longnqua e escura, que estava lhe pedindo perdo. Entretanto, ele parecia sentir-se incapaz de deter o que iniciara. Ela o feriu no mais fundo, e igual s de qualquer homem apaixonado suas emoes eram intensas e arrebatadoras. Mary suscitara o dio em seu interior com a mesma violncia com que se apropriou de seu corao. Provocara ao gato monts e o fez chegar ao limite de sua raiva; estava desenquadrado. Separou-lhe as coxas e entrou em tiro nela como se no fosse nada, se acaso uma bagatela, um recipiente quebrado, um corpo para usar e atirar uma vez que sua semente fosse disseminada no interior dela, sua luxria, satisfeita, e sua fria, aplacada. Mary no demorou a alcanar o xtase como consequncia de seus duros e rpidos ataques; Hunter chegou ao seu imediatamente depois. Levantou-se e vestiu em silncio, sem mal prestar ateno tremente figura que, soluando, jazia sobre os sujos lenis. Mary mordia os ndulos para afogar os dilaceradores gemidos que pugnavam por sair de sua garganta. Jamais esquecerei isto. Jamais! Jamais! Ouve-me? Devorou-a pouco a pouco com o olhar, em que no se percebia nem um brilho de arrependimento. minha tigresa. Foi de um princpio e sempre o ser; no amor e na luxria. Sim, na luxria. J me d igual. Estragou-me, puta! Jogou-me a perder para o resto das mulheres e pagar por isso. Dispe de uma hora para ir a Mheadhoin. No penso em esperar mais. Sim, vir comigo por sua prpria vontade, Mary, apesar do que ocorreu

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entre ns. No fundo, sabe que me ama agora e sempre, tanto como eu a voc, embora destruamos nossas vidas por isso. Somos um casal, Mary Carmichael, no verdadeiro sentido da palavra. to apaixonada como eu; j lhe disse isso uma vez. Seria capaz de pisotear a outro homem e o afundar no cho disse sorrindo Oh, sim, necessita de mim, tigresa; necessita de mim porque sou o nico homem o bastante forte para lhe dar apoio e a conquistar a um mesmo tempo; sou o nico o bastante carinhoso para a amar sem romper seu corao, o bastante seguro de mim mesmo para amar voc pelo que : uma mulher orgulhosa e arrogante, doce e vulnervel; fogo e terra, vento e chuva, os quatro elementos mesclados em uma mulher romntica, esquiva, apaixonada e realista. Sim, moa, necessita de mim porque sou o nico homem que sabe como dominar os elementos sem destru-los. Tem uma hora, Mary Carmichael, ou o lamentar todos e cada um dos dias de sua vida. Pelo amor de Deus! Como podia mostrar-se to insolente o muito filho de cadela? E pensar que o amara! Quanto havia dito parecia certo, e possivelmente por isso Mary o rechaou, odiando-o por conhec-la to bem. V ao inferno, bastardo de Sat! exclamou. Inclusive ali ser minha bruxa! Ento, depois de lhe arrancar um apaixonado beijo que ficaria gravado em suas memrias para sempre, Hunter desapareceu. Temendo sofrer um ataque se as palpitaes de seu corao no cessavam logo, Mary se levantou, vestiu e aproximou com determinao febril mesa de Hugh. Tomou uma pluma e um pedao de pergaminho, rabiscou cinco palavras e, desse modo, assinou a sentena de morte de Hunter MacBeth. O cigano aguarda em Mheadhoin.

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Ento abriu a porta de seus aposentos e chamou um dos homens de armas. Collie, entregue isto a meu marido imediatamente ordenou friamente ao jovem pajem que atendeu a sua terrvel chamada E lhe diga que se apresse! Logo Mary se jogou na cama, a mesma em que Hunter MacBeth lhe tinha feito amor, e chorou amargamente pelo desastre em que se converteu sua vida.

Oh! Mheadhoin! De que maneira estava vinculado s vidas dos Carmichael e os MacBeth! A igreja se erguia na escurido da noite, guiando os homens de Hugh como se fosse um poste e destacando-se, sombria e firme, sob o cu pontilhado pelas tochas que anunciavam a chegada dos Carmichael. Como abajures de Natal, percorriam o sinuoso caminho que conduzia entrada oeste da aldeia, descendo velozes como falces que se abatessem sobre uma presa para fechar a Hunter a fuga a Glenkirk. Ao este se achavam Bailekair e Dndereen, onde no encontraria ajuda; ao norte, o recife e a imponente massa de gua do lago Ness. Portanto, devia fugir para o sul. Hunter montou Craigor rapidamente e saiu correndo como um demnio, amaldioando em silncio Mary Carmichael. Sabia que fora sua amada quem ps seu marido e seus homens de armas atrs de sua pista. Levava-lhes certa vantagem, de modo que imps ao cavalo um passo regular, consciente de que lhes aguardava uma viagem longa e dura at Edimburgo. Embora os castelos de Oir Uisge, Wynd Cheathaich e Eadar D Voe ficavam mais perto, Hunter se exps, por um lado, a que lhe dispensasse qualquer tipo de acolhida no primeiro, pois ignorava se seus

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parentes tinham recebido notcias sobre sua aventura, e por outro a lanar a uns Carmichael sedentos de vingana contra os cls Murray e MacDonald, algo que preferia evitar. Por essa razo, decidiu dirigir-se ao palcio do rei. Jamie lhe devia um favor.

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Captulo 23
Quase um ms depois de seu desastroso dia de bodas, o marido de Mary irrompeu em seus aposentos com um sorriso triunfal nos lbios e cheirando ainda a vinho e rameiras. Ela j se inteirou de sua volta, certamente, porque as sentinelas postados nas torres j tinham anunciado sua chegada fazia tempo; entretanto, pensava que esperaria at o entardecer para v-la. Olhou-o temerosa, com uma expresso velada de terror em seus olhos de ametista. Hugh ordenou com tom azedo s criadas que se retirassem e logo se ps a rir cruelmente ao observar a angstia de sua esposa. Alegre-se, esposa disse, ao tempo que avanava pela estadia como se fosse uma pantera. Mary compreendeu que ainda estava bbado Vinguei sua honra ultrajada e a morte de seu irmo. O cigano MacBeth est morto! Morto? Mary ficou aniquilada. Embora enviasse aquela fatal mensagem a seu marido com a inteno de que se produzisse precisamente aquele desenlace, uma parte de seu ser ainda confiava em que Hunter conseguisse escapar. Morto! Como era possvel? Nenhuma viso o anunciara. Por qu? Deus santo! Talvez, ao expulsar a seu amado de seu corao, o impedia de entrar em seu subconsciente. Oh Deus, Deus! No posso suportar tanta crueldade! Por favor, que no seja verdade! Sinto muito! Sinto muito! Oh, Deus! No era isto o que queria! Sim, morto respondeu Hugh satisfeito Deveria ver esse galo de briga arrogante. Comeou ento a representar o duelo, lanando-se

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ferozmente sobre um inimigo imaginrio com a espada em alto Alm disso, ensinei-lhe um par de lies, antes que morresse. Quando lhe dei o golpe de misericrdia, mal podia levantar j o escudo. Primeiro lhe atirei um talho limpo em um ombro e lhe disse que o enfaixasse porque no gostava de escorregar com seu sangue. Quando o teve enfaixado e voltou para a carga, consegui o rechaar. Deveria estar ali, Mary! Ento Hugh realizou uma finta nesse momento. Mary se esforou por no gritar ante as horrorosas imagens que se formavam em sua mente Ah! Atravesseilhe como um porco, justo no meio do estmago! Vou vomitar, pensou Mary realizando um novo esforo por conterse. No a possuir, tigresa, prometo-lhe isso! Mat-lo-ei antes que a toque; ou, se no, ter que me matar ele . Isso havia dito ele. Oh, Hunter! Meu amor! O que fiz? No quero ter tambm sua morte sobre minha conscincia. Mary quebraria a chorar se Hugh no a abraasse nesse momento para lhe incrustar a boca nos lbios e lhe arrancar o arascaid de um puxo. A moa fez proviso de valor para enfrentar situao, consciente de que Hugh se dispunha a exercer o direito que tinha como dono e senhor de sua pessoa, e se sentiu aliviada ao dar-se conta de que tudo seria muito rpido. Alm disso, necessitava desesperadamente de que Hugh a possusse, pois levava um atraso de duas semanas na menstruao. Durante o selvagem ataque que sofrera em sua noite de bodas, Hunter MacBeth a deixou grvida. Nua e aterrorizada, permitiu que seu desprezvel marido manuseasse seu corpo assustado, pois embora agora lhe necessitasse, o fato de que a tocasse lhe produzia tanto asco como sempre. Puxando-a do cabelo sem

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nenhum olhar, obrigou-a a ver o sorriso de luxria que se desenhava em seus lbios, enquanto lhe beliscava brutalmente os mamilos. Defenda-se! Maldita seja! Defenda-se! balbuciou. No no tem por que por que faz-lo desta maneira, Hugh disse Mary, horrorizada J lhe disse que me deitaria com voc voluntariamente. Vejo como morre de vontade de estar comigo, sua puta! exclamou sarcasticamente Sei bem que me odeia. Ento por que no se defende rameira? Juro Por Deus que a obrigarei a que se defenda! Com um rpido movimento, separou-lhe as pernas de um chute e introduziu os dedos em seu interior Seca, completamente seca! Assim como deu gosto ao cigano? Vamos, vamos. Ter que se esforar um pouco, sua puta disse com um sorriso O que? No responde a meus ataques? Bom, no importa. Conhecendo-a deveria hav-lo suposto, embora j lhe tenham montado antes. Talvez MacBeth e seu primo no fossem o bastante homens para voc. Sim, isso deve ser. Venha se defenda, rameira, porque lhe demonstrarei como se comporta um verdadeiro homem. Mary j no pde aguent-lo mais. Um verdadeiro homem, Hugh? mofou-se Refere a um que assassina a homens despreparados e intimida e humilha mulheres indefesas? Um verdadeiro homem? Produz-me nuseas! Antes que ele pudesse det-la, Mary conseguiu lhe arranhar a bochecha. Estava como louca. No podia deixar de mover os braos, apesar de que sabia que isso era precisamente o que ele queria que fizesse. Sim, desejava que lutasse, que lhe fizesse mal. Mary se deu conta de que seu marido sorria. D-me igual pensou D-me igual se me

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mata. Vou defender-me. Vou a Por mais que Hugh tratava de impedirlhe continuou lhe golpeando a rosto e puxou de suas negras e desordenados mechas uma e outra vez. Est louco espetou louco. J era muito tarde quando compreendeu que cometera um engano. Tinha chegado muito longe. Meu Deus! Agora sim me matar Hugh tirou lentamente o cinturo de couro que levava em torno do peito e lhe dirigiu um terrvel olhar de depravao. Mary tremeu. Pagar por isso, rameira disse Levo muito tempo esperando este momento. O que ocorreu a seguir ficaria gravado na memria de Mary como um horrvel escrnio. S soube que levantou os braos para proteger-se antes de receber o primeiro dos bestiais estalos e sentir um terrvel rasgo em sua plida pele de cetim, um golpe furioso que lhe produziria uma dor atroz e lhe deixaria uma profunda marca na carne. A terceira chicotada caiu ao cho, feita um novelo, em uma tentativa por proteger o ventre. Ouviu o assobio do cinturo e sentiu de novo a queimao do impacto sobre seu tremente corpo. Ento sentiu outro, e outro mais. Tremendos verges vermelhos comearam a cobrir sua dourada pele, sinais que pela manh se converteriam em enormes e escuros hematomas. Hugh continuava fustigando-a, cego de raiva. certo, est louco. Matar-me-, pensou Mary antes de que o negro vazio da inconscincia a engolisse. Despertou em uma gigantesca cama com dossel, com os pulsos atados a um dos quatro postes. Hugh a tinha despido por completo e se aproximava dela nesse preciso momento. No havia nenhuma s parte de seu corpo que no lhe doesse horrorosamente.

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Por favor rogou com a voz rota. Hugh estava a ponto de estrangul-la em seu arrebatamento de ira e lhe deixou os lbios terrivelmente inchados. O homem no fazia mais que rir. Parece a parva do povo se burlou Temia que no recuperasse o conhecimento jamais, pequena idiota, mas agora que est acordada Santo Deus! Estava danando, pavoneando-se diante dela. Mary gemeu e mordeu o lbio. Estava to morta de medo que no podia articular palavra. Era to grande que a partiria em duas, e mesmo assim no podia afastar o olhar daquele duro e palpitante membro que Hugh acariciava brandamente com a mo. Sim disse, ao advertir o gesto de terror da moa ao ver seu tamanho Asseguro-lhe que com isto basta e sobra. Bem, rameira, abre as pernas para que possa engendrar um herdeiro. Maldita seja! Agarrou-lhe as tensas coxas e as separou No lhe disse que abra as pernas, puta? Caiu sobre ela e a imobilizou com os joelhos para contempl-la a prazer. Ento lhe introduziu seu dardo entre as coxas. No! queixou-se Mary. Mas Hugh j estava investindo-a violentamente. Soltou um grito com cada um dos dilaceradores ataques. Ele desfrutava vendo-a sofrer, proferindo obscenidades e juramentos que ela jamais ouvira; e resfolegava com fora no ouvido da mulher Como podia estar ocorrendo aquilo? Como podia estar ocorrendo a ela, a Mary Carmichael, a filha de um chefe das Terras Altas? Era espantoso! Impossvel! Sem que ela fosse consciente disso, sua alma se separou de seu corpo, de modo que Hugh s possuiu uma casca, enquanto a essncia

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de Mary flutuava por cima deles para contempl-los com um estranho distanciamento. Aquilo aquilo era uma violao! A Hugh, no importava Mary o mnimo. Embora Edward e Hunter fizessem o mesmo com ela, ao menos vira em seus frgeis olhos que a dor e a ira se mesclavam com o amor. Hugh, em troca Hugh abusava dela com uma violncia desumana, uma violncia que a degradava por completo. Ela no sentiu nada, nada exceto vergonha. Uma lastimosa sensao de alvio a embargou, quando notou que Hugh estremecia e permanecia imvel em cima dela. Nem lhe importava o que a moa pudesse sentir; no era sua inteno lhe proporcionar agrado. O homem se separou do tremente corpo de Mary e riu com crueldade enquanto esfregava o plo do peito. Ah, no h nada como uma moa pouco disposta seja virgem ou no. Mary no replicou. Seus sarcasmos j no podiam ofend-la. S desejava que partisse para poder lavar a sujeira que lhe tinha espalhado nas coxas e em sua dolorida intimidade. Jamais voltaria a sentir-se limpa. Jamais em sua vida! Nunca vou pensar nisso! Enlouquecerei se o fao! Embora prosseguia Hugh como se falasse consigo mesmo j que falamos de virgens, estou seguro de que h algum lugar de seu corpo que no me mostrou. O terror paralisou Mary. O que queria dizer com isso? Ento o viu; seu membro havia tornado a ficar duro. Surpreendida? disse com um sorriso ao ver onde posava Mary seu horrorizado olhar Ningum consegue ficar altura das circunstncias to rapidamente como Hugh Carmichael. Soltou uma gargalhada D a volta, rameira. Ainda no acabei com voc.

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Quando Hugh partiu por fim, Mary tinha o corpo e a alma to destroados que faria algo que lhe tivesse ordenado. Cambaleando, levantou-se da cama e vomitou na bacia repetidas vezes, at que no ficou nada por expulsar. Mesmo assim seguiu sofrendo tremores e nuseas por causa do sdico trato que recebera aquela noite. Como lhe repugnava a ideia de voltar para a cama, tentou primeiro levantar-se e logo arrastar-se at o banco que havia sob a janela. Mas seu esforo foi intil, e finalmente ficou deitada no cho. Comeou ento a soltar alaridos que pareciam rasges histricos. No podia parar. Chiava convulsivamente. Mais tarde, quo ltimo recordaria seria o doce e solene rosto de Joanna inclinando-se sobre ela; Joanna, que no lhe dirigia a palavra do funeral de Gordon e que se encontrava em Dndereen cuidando de Geoffrey com o nico fim de encher o vazio que lhe tinha suposto a perda de seu filho; Joanna, aniquilada pelo que estava vendo e gritando de asco e lstima Meu Deus, Mary! O que te fez? O que te fez?

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Captulo 24
Hugh dera Hunter por morto. To ufano ficara atrs de sua turva vitria que, por sorte para o Hunter, esqueceu-se de remat-lo. Hunter compreendeu ento que o ponto dbil de Hugh era a vaidade, pois ele, em seu lugar, lhe teria talhado o pescoo antes de abandonar a paragem nos subrbios de Stirling onde se bateram em duelo. Mas Hugh Carmichael no era Hunter MacBeth, e o cavalheiro cigano sobreviveu graas a Cadman, que seguiu a ele e aos Carmichael durante os dias que durou a desumana perseguio. O jovem MacBeth curou a enorme ferida que seu irmo de adoo tinha no estmago tal como Grace lhe ensinara: limpando-a com brandy e aplicando um emplastro de barro e teias de aranha. Depois de fazer farrapos seu breacan e lhe enfaixar o abdmen, empreendeu o caminho a Wynd Cheathaich. Temia que no conseguisse sobreviver viagem e, mesmo assim, Cadman no se arriscou a deter-se em uma aldeia onde pudessem o reanimar, j que ignorava se os Carmichael retornaram a Dndereen ou se ficaram na zona. Por amor de Deus, Cadman! O que ocorreu? David saiu a seu encontro assim que o viu entrar no salo principal do castelo conduzindo o corpo de seu irmo de adoo Grace! Grace! Vem rpido! Agnes! Edith! Kirsty! Logo lhe explicarei respondeu Cadman sombriamente enquanto tratavam de endireitar Hunter.

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Oh, Meu deus! Grace apareceu e levou uma mo boca, apressando-se a ajudar aos dois homens Moas, preparem uma estadia acima. Depressa! Oh, Meu Deus, Cadman! O que se sucedeu? Logo repetiu seu irmo. As trs criadas em seguida fizeram a cama em que estava acostumado a dormir Hunter quando visitava Wynd Cheathaich. A seguir puseram gua para esquentar e, sem que ningum o indicasse, tiraram as ervas medicinais de Grace. Esta esteve a ponto de desmaiar quando desfez a improvisada bandagem que Cadman tinha posto a seu irmo de adoo. Por amor de Deus! murmurou Como possvel que siga vivo? Sair adiante, Grace? Ela meneou a cabea com expresso triste. No sei, irmo. No sei. um milagre que tenha aguentado tanto. Oh, Cadman. Necessita de um mdico. Quanto tempo leva assim? Quase trs dias. Meu Deus! De onde o traz? Por que no se deteve em alguma aldeia? No podia correr esse risco, irm. Os Carmichael o perseguiam. Devia haver cinquenta ao menos, e estavam decididos a acabar com ele. Hunter lhes levava bastante vantagem e teria chegado ao palcio do rei se esses covardes no se alternassem para lhe dar alcance. No lhe deram tempo nem para dormir nem para comer. E nos subrbios de Stirling, quando j no podia mais, capturaram-no. Os muito filhos de cadela lhe concederam a oportunidade de bater em duelo com seu chefe, o conde de Dndereen. H! Foi uma verdadeira covardia, pois Hunter estava to exausto e dbil que mal podia manter-se em p. Esses bastardos o rodearam e comearam a burlar-se e rir dele. J antes haviam amarrado uma corda em uma rvore para lhe dar a entender que tinham a inteno

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de execut-lo se ganhasse, para que soubesse que morreria de todas as formas. Tinha que o trazer aqui, Grace, pois ignorava se os Carmichael retornariam. Deus santo, David, envie algum para procurar um mdico agora mesmo no posso confiar em minhas habilidades com esta Grace, no h tempo que perder! Est em perigo de morte! exclamou Cadman. J sei! replicou ela com maior brutalidade da que desejava. Retorceu as mos em um gesto de preocupao e apalpou brandamente as partes inflamadas No sei que gravidade tem a ferida. Tenho que limp-la primeiro. Graas a Deus, est inconsciente. David! No fique a parado como um parvo! V avisar a um mdico! Tentarei fazer o que puder enquanto isso. Como se atrevia sua tmida irm Grace a falar assim com David MacDonald! A perplexidade de Cadman no fez a no ser aumentar ao ver que o conde de Wynd Cheathaich dava meia volta para obedecer s ordens de sua esposa. Cadman, traz uma garrafa de usque, o mais forte que possa encontrar. Dormiu tolo? exclamou zangada, ao ver que no reagia. No, no. Cadman se afastou a toda pressa. Grace observava com os olhos arrasados em lgrimas ao homem fraco e sem barbear que jazia na cama. Esse no podia ser Hunter! Era impossvel que fosse ele! Hunter era um homem vigoroso e cheio de vida! Em seguida, enxugou as lgrimas que escorregavam por suas bochechas e comeou a limpar a feia ferida com seus hbeis dedos. No se deu conta de que continha a respirao at que comprovou que o talho era em realidade muito menos grave do que parecia. Deixou escapar ento um

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enorme suspiro. Mesmo assim, a ferida poderia lhe causar a morte, se Cadman no estivesse ali para deter a tremenda hemorragia. Grace umedeceu com tato o corte. Por sorte, seu irmo no permitira que o emplastro secasse, tal como lhe aconselhava ao lhe ensinar a curar feridas de guerra. Dessa maneira, impedia que os rgos que ficassem ao descoberto se secassem e apodrecessem. Uma parte dos intestinos fora afetada, embora a chaga no fosse mortal, se as sees danificadas eram amputadas e se uniam os extremos sos, pensou Grace. Oh, quando chegaria o doutor? Uma parte de um msculo que ficava ao ar estava igualmente mutilada, mas se Hunter descansava no necessitaria intervir para que sarasse. Teria que costurar a ferida, isso sim, o qual deixaria uma horrvel cicatriz. Grace se fixou ento na boca de Hunter e endureceu o gesto. Lamentou que um homem to bonito fosse desfigurado daquela maneira. Oh, aquele era o preo que tinha que pagar um grande guerreiro, que, ao fim, tinham que pagar todos os homens. S Deus sabia por que lhes agradava destruir uns aos outros. Depois de fazer no estmago o que pde, Grace se concentrou na ferida que Hunter tinha no ombro. Graas a Deus, tratava-se de um golpe limpo e superficial que no entranhava perigo. O mestre MacTavish chegou por fim. Tratava-se de um mdico hbil e com grandes conhecimentos que em sua juventude estudara com os eruditos doutores do Imprio Turco. O mdico interveio rapidamente, com segurana e eficincia, e o cavalheiro cigano se salvou. Entretanto, Hunter demorou quase um ano em recuperar-se da grave ferida, um ano durante o qual o mestre MacTavish e Grace o atenderam paciente e diligentemente. Hunter guardou cama durante trs meses, porque

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qualquer movimento lhe causava uma dor intolervel no msculo prejudicado; de todos os modos, embora pudesse mover-se, no o faria, pois se sentia muito fraco para tent-lo. Em uma ocasio, entrou em um estado febril que o impediu de reconhecer a ningum, feito que assustou Grace terrivelmente, j que temeu que fosse consequncia de uma infeco das mesmas caractersticas que a gangrena de lorde Angus, que estava acabando lentamente com sua vida. Entretanto, no foi mais que um ataque causado pela mesma debilidade e sua escassa resistncia enfermidade. Com grande carinho, Grace cuidou dele, fazendo-o beber litros de gua fria para suprir a grande quantidade de lquido que seu necessitado corpo perdia. Graas a tudo isso, Hunter conseguiu recuperarse. A maioria dos curandeiros da poca o teria sangrado sem lhe dar nada de beber; por sorte, o mestre MacTavish considerava que o lquido que o corpo expulsava devia ser substitudo. Desse modo, salvou seu paciente, quando outro mdico, procurando talvez uma resposta mais complexa a um problema singelo, fracassaria. O dia que Hunter foi por fim capaz de levantar-se, deu-se conta de que mal podia caminhar. Pouco a pouco, irmo. Cadman se apressou a lhe agarrar do brao, antes que casse mandei um mensageiro a Glenkirk para que relar de seu estado. Embora lorde Angus esteja mal, no quer que se mova at que se recupere por completo. O como est ele? perguntou Hunter com uma careta de dor ao estender-se de novo na cama. Temo que no passe deste ano. Oh, Cadman, temos o dever de proteger Glenkirk at que Stephen tenha a idade suficiente para administrar a herana.

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Certo, mas como vai prestar ajuda ao moo nestas condies? Descanse, de acordo? E se ponha bem. Cadman Seu irmo se dispunha a sair, quando Hunter elevou a mo Tem alguma notcia de Mary? A Cadman, lhe escureceu o semblante. No, irmo. Se esquea dessa condenada bruxa! Ela a culpada de seu estado. Mary acredita que fui eu quem assassinou seu irmo. Pelo amor de Deus, Cadman! A adaga que encontraram nas costas de Gordon era a minha. A minha! Oh, como possvel? Como? Quem me roubou a adaga? E por qu? No sei, Hunter. O jovem sacudiu a cabea No tem sentido. Oh, esquece-a, irmo! No contei a ningum por que o perseguiam os Carmichael, pois, se o fizesse, nosso cl se voltaria contra voc por cometer tal estupidez e os trair. Deixa-a. Acabou-se! J no o ama! No! Isto no ter acabado enquanto no me vingue dela. Oh, Deus, quanto a amei E sabe como me pagou isso? Negando-me a oportunidade de explicar o que pde ocorrer com a adaga. No, Cadman, no tema. No penso voltar a lhe pedir seu amor. Hunter percebeu a preocupao que se refletia nos olhos de Cadman Quero mat-la. S assim poderei me liberar dela. Tal ideia comeou a obcec-lo. medida que se recuperava, pensava cada vez mais nos reluzentes cabelos dourados de Mary Carmichael, em seus cativantes olhos violetas, em sua voz argentina E sua lembrana o ajudou a repor-se. Seu ombro sarou com rapidez e, at que jamais voltaria a suportar os fortes golpes do escudo como no passado, sim lhe responderia de forma adequada. Em troca, o estmago seguia doendo e

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lhe preocupando; quando julgou que se restabeleceu minimamente, comeou a realizar uns muito severos exerccios para lhe devolver a dureza e tenso de uma corda de arco. A comeos do vero de 1491, retornou a Glenkirk acompanhado por Cadman. Hunter j se encontrava melhor fisicamente, embora a feia cicatriz que marcava seu abdmen jamais desapareceria. Mentalmente, entretanto, sentia-se dbil e aturdido. Continuava sem compreender por que Mary lhe jogara aquelas cruis acusaes e se negou a aceitar seu amor e confiana. A angstia que lhe corroia o corao parecia estar infectando-se como uma ferida purulenta; carcomia-o por dentro to amargamente que chegou a pensar que no encontraria quietude at que conseguisse vingar-se dela por sua perfdia. Com frequncia contemplava de sua janela as terras que se estendiam alm do lago Ness, os extensos campos dominados pela montanha prpura e nos que Bailekair se erigia majestosamente. Os olhos violetas de Mary no deixaram de o obcecar at que recordou que a mulher se achava em Dndereen, em companhia do homem que elegera. Oh, quanto sofreu seu orgulho, ao recordar aquilo. Mesmo assim, no abandonou aquela janela e seguiu esquadrinhando o horizonte espera de receber algum sinal dela. Mat-la-ei, repetia-se mil vezes. Comeou ento a idealizar diversas maneiras, lentas e horrveis, de destru-la. s vezes a atava a um poste para que morresse abrasada como uma bruxa; outras esfaqueava repetidas vezes seu branco ventre e, enquanto imaginava, acariciava a enorme cicatriz que atravessava seu abdmen. Em ocasies rodeava o esbelto pescoo da mulher com suas fortes mos e o retorcia. E em todas essas representaes, como se de um rito se tratasse, despia-a, banhava-

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a, dava-lhe uma massagem com azeites perfumados e fazia amor lenta, doce, violenta e grosseiramente antes de assassin-la. Oh, Mary, Mary! Rameira e traidora! Senhora e amante! Todas aquelas imagens se confundiam em sua imaginao. A donzela e a prostituta. Em tais ocasies, saa em busca de mulheres que satisfizeram a ansiedade que sentia na virilha e, ao comprovar que de nada lhe serviam, insultava-as, gritava-lhes como se estivesse bbado e lhes jogava umas quantas moedas de ouro para que desaparecessem de sua vista. Os aldeos pensavam que enlouquecera, que estava mais maldito que nunca, e se benziam sem dissimulao quando o viam ao lombo de seu fantasmal cavalo branco, com aquele aspecto sombrio e imponente, reflexo da insensibilidade que se apoderou de seu corao. Os homens que eram o bastante valentes para enfrentar a ele no viviam para lament-lo, pois Hunter no lhes dava qualquer chance nem mostrava compaixo alguma. Se no passado fora respeitado, agora o temiam. Era um homem com uma s obsesso, com um nico objetivo, que vislumbrava da janela de seus aposentos, junto qual esperava vigilante. Desse modo, um dia espionou o reflexo do espelho de Ian Carmichael. O conde de Bailekair estava fazendo sinais a Euphemia, embora o cavalheiro cigano no soubesse em um primeiro momento do que se tratava. Hunter se fixou em que sua parenta respondia e saa pressurosa ao ptio pouco depois. Picado pela curiosidade seguiu-a. Assim averiguaria por fim quem lhe roubara a adaga e por que. Sentiu-se enojado, quando os viu fornicando no bosque. Aquela forma de fazer amor era perversa, anormal. A ira se apropriou lentamente dele, enquanto observava aqueles dois animais! Eles destruram quanto teve de formoso entre ele e Mary Carmichael. De repente compreendeu que

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fora Effie quem lhe roubou a adaga para encobrir Ian, o verdadeiro assassino de Gordon. Oh, Deus! Desejava matar esses dois animais que gemiam e ofegavam no bosque, mordendo-se, golpeando-se, arranhando um ao outro sem saber que eram observados. Que fcil resultaria acabar com eles nesse preciso momento! Teria bastado deslizar-se atrs da rvore sob o que se ocultavam e atravess-los com a espada. No teriam nenhuma possibilidade de salvar-se. Entretanto, no podia faz-lo; sua honra e o juramento que fizera a lorde Angus o impediam. Em troca, encurralou Euphemia em seus aposentos, assim que esta retornou a Glenkirk. Como era a filha de seu senhor, Hunter lhe brindaria a oportunidade de escutar as acusaes e oferecer uma explicao, oportunidade que lhe foi negada. Fazia-o pelo moribundo lorde Angus, no por ela. Para cmulo, Euphemia se atreveu a paquerar com ele, quando entrou em seus aposentos! Cheirando ainda a Ian Carmichael, rodeou-lhe o pescoo com seus braos e tratou de beij-lo. Ele a separou de um tranco e lhe deu uma bofetada. Deus! capaz de abrir as pernas por qualquer homem, Effie. Parece uma cadela em zelo. E eu nem me tinha insinuado! Como pode ter a desfaatez de pensar em se deitar comigo, quando suas coxas ainda cheiram ao smen de seu amante? Euphemia ficou atnita, com os olhos exagerados de medo, mas em seguida os entreabriu em um gesto de sagacidade. Foi descoberta! E por Hunter! Ele, que ultimamente se comportou como um louco; ele, que era capaz de lhe ler os pensamentos no momento em que os tinha. No importava;

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tinha que discorrer a maneira de lhe plantar rosto. Ento lhe ocorreu. Riu alegremente e agitou seus escassos cabelos negros. No tenho ideia do que est falando, Hunter. O que quer que pense se entra em minha cmara com tanto descaramento? No tome por tolo, fulana! Acabo de v-la fornicar com Ian Carmichael como a rameira que . Quanto tempo? Han, puta? Quanto tempo leva se deitando com ele? Effie retrocedeu ante a expresso de clera daqueles malditos olhos violetas. uma criatura do diabo! espetou V-se daqui! V-se daqui antes que chame meu pai! Hunter a agarrou do brao e o retorceu cruelmente. Baixa a voz, puta! uma vergonha para ns que fornique com esse estpido filho de cadela. Quer matar lorde Angus de desgosto? Como se atreve a falar de vergonha quando voc, louco de luxria pela irm de Ian, obteve que nos expulsassem da corte? replicou ela fora de si Dois meses, esteve com ela em Wynd Cheathaich, e s Deus sabe o que ali ocorreu. Enfeitiou-o essa rameira! A ponto esteve de ser nossa perdio por sua culpa. Pois bem, no o ama. Oh, muito mal deve responder na cama se preferiu casar-se com um adoentado como Edward Carmichael para salvar a honra. Alm disso, a deixou grvida, como o est agora de seu primo. Uma terra to frtil, Hunter, e nem sua semente conseguiu germinar nela. Mas que tipo de homem ? Com esses olhos de demnio que No o diga, Effie atalhou Hunter com voz baixa.

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Digo o que me d a vontade, maldita seja! Inclusive meu pai diz que est louco. Oh, sim, j sei o que impulsionou Hugh Carmichael a descarregar sua ira sobre voc, pobre tolo Feche a boca! Por que teria que faz-lo? Como se atreve a me acusar, quando culpado do mesmo crime? Acaso no sente o mesmo amor pela irm de Ian que o que eu sinto por ele? Amor? murmurou ele, ameaador Ian e voc destruram o amor que pudesse existir entre Mary e eu com o seu. Sim, foi voc quem me roubou a adaga, Effie, no certo? Agarrou minha adaga para que no se descobrisse que Ian tinha assassinado o irmo de Mary. No foi Ian quem o matou, a no ser Hugh! exclamou Euphemia. Acabava de incriminar-se. Mesmo assim, prosseguiu como se no lhe importasse Ian estava com ele, quando ocorreu, e eu no podia permitir que se chegasse sequer a duvidar de sua inocncia. Amo-o, ouve-me? Amo-o tanto como voc a essa puta a que chama sua irm. Tenho a inteno de me casar com ele e me largar deste lugar. Que outra coisa posso fazer? Cr acaso que no sei o que diz de mim minha prpria famlia? Por todos os Santos! No estou disposta a ser o bobo do cl MacBeth. Pobre estpida. Hunter comeava a compreender por que Euphemia se sentiu atrada por Ian Carmichael Ele a utilizou, Effie. Nunca se casar com voc. Sim, sim que o far! Voc no lhe conhece como eu. certo, mas d igual. Hunter voltou a endurecer o tom de voz No se casar com voc porque penso matar voc.

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No tenho feito nada que justifique isso! balbuciou ela Leve-me ao conselho do cl. Negarei quanto diga. No tem nenhuma prova No necessito de nenhuma prova para demonstrar sua perfdia. Foi voc quem ordenou a morte do jovem Francis, no assim? Euphemia no se deu conta de que aquilo era um tiro s cegas e empalideceu subitamente. Tive que faz-lo. Oh, Deus, tive que faz-lo No o entende? Ian tinha que vingar a morte de Gordon. Olho por olho; dente por dente. No o lamento exclamou, levantando a cabea orgulhosamente Quo nico lamento que no fosse voc quem mataram os Carmichael. De todos os modos, tampouco tem provas disso. Hunter e Effie se voltaram e viram lady Sophia, com expresso horrorizada, na soleira da porta. Tinha um leno em suas trementes mos e o rosto banhado em lgrimas. Oh, Euphemia! Francis, filho meu! Como pde faz-lo? Me, me. Effie elevou as mos em um gesto de splica Tive que faz-lo. Seriamente! Meu filho, filho meu Seu prprio irmo, Euphemia! No, no me toque! A voz da condessa se tornou fria de repente Teria sido capaz de suportar algo, mas isto Isto! Oh, Deus, isto acabar com Angus, ouveme? Acabar com ele! Me, sinto muito Que o sente? to responsvel pela morte de meu filho Francis como quem empunhou a adaga que enviesou sua vida. Que Deus amaldioe o dia de seu desgraado nascimento, Euphemia MacBeth! Fora de minha vista, condenada! S o diabo pde lhe aconselhar semelhante atrocidade! Fora daqui! Fora de Glenkirk, me ouve?

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Lady Sophia, no corresponde a voc decidir a sorte de sua filha. Este assunto competncia do conselho do cl recordou Hunter condessa com voz baixa; rompia-lhe o corao v-la. No, Hunter! No! Ningum deve inteirar-se de sua vil traio. Significaria a morte de meu marido e j j no fica muito tempo de vida. Hunter assentiu com a cabea. Muito bem, sendo assim, dar-lhe-ei uma hora para que parta e logo a matarei. A condessa se armou de valor e apoiou uma mo dignamente no brao de Hunter. Tinha os olhos arrasados em lgrimas. Que seja uma morte rpida, Hunter, e tenha piedade. Segue sendo minha filha. Apesar do que faz, segue sendo minha filha. O prometo, condessa. O No, no quero saber como o far. Lady Sophia abandonou a estadia sem dizer nada mais, fechando a porta ao sair e fazendo caso omisso aos desesperados gritos de splica de sua filha. Quando chegou a seus aposentos, desfez-se em muitas lgrimas e soluos dilaceradores.

E quando derramarem rios de lgrimas, assim derramaro vs as suas.

Euphemia notou que lhe pulsava o corao de uma forma estranha. Uma hora. Tinha uma hora para escapar e evitar a sentena de morte a que lhe condenara sua me. Hunter MacBeth seria seu verdugo. Abriu as tampas de suas arcas apressadamente e comeou a tirar de forma desordenada quo vestidos guardava nelas. Colocou todos os que pde e

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logo fez um par de montes com seus favoritos. A ponto esteve de chorar ao comprovar que havia muitos que no podia levar. Acrescentou quatro mais aos dois montes. No podia abandon-los ali! A seguir jazeu sobre os vestidos seus porta joias. Um velho colar de prolas se rompeu com a pressa e as contas se pulverizaram por toda a estadia. Lanando um gritinho, Effie se agachou para recolher quantas pde. Jogou ento um olhar ao relgio. A areia escorria a grande velocidade. Agarrou as mantas da cama e desceu pelas escadas sigilosamente. Eram pesados, mas se negava a separar-se deles. Arrastou-os at os estbulos sem lhe importar que os homens de arma e as criadas que havia no ptio a olhassem com curiosidade e murmurassem a suas costas. Sejam disse a um dos moos Sele minha gua e me ajude a carregar estas mantas. O moo, que tinha dezesseis anos e estava muito desenvolvido para sua idade, deu-lhe um suave belisco nas ndegas. Mas, bom, o que isto? Por todos os Santos, parece uma vaca com todos esses vestidos, Effie. Est to gorda como Maddie Craddock quando estava grvida. O moo ps-se a rir e deu uma palmada na coxa Por um momento, pensei que voc tambm o estava. Economize seus estpidos comentrios, Sejam, e obedea. O que ocorre? Tanta pressa tem que no fica tempo para o bom de Sejam? J que me pergunta isso, dir-lhe-ei que tenho que sair fugindo daqui. uma questo de vida ou morte. Oh, Effie. Acaba com a pacincia de qualquer um. Antes acabar voc com a minha. Venha, se apresse!

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Bom, bom Sejam inclinou a cabea com gesto matreiro e tratou de manuse-la. Ela, que estava dando golpezinhos no cho com a ponta do p em sinal de impacincia, reagiu dando-lhe uma brusca palmada na mo Talvez o faa, talvez no. Depende Depende do que? Por amor de Deus, Sejam. Disse-lhe que estou desesperada. Sim, certamente. No me cabe dvida. Jamais vi uma pessoa to desesperada como voc o outro dia. Morria de vontade de faz-lo, verdade? Acredito que a fmea mais ardente que conheci em muito tempo. Bom, vamos fazer uma coisa, rameira; recolhe as saias ao redor de suas formosas coxas e deixe o bom de Sejam to feliz como ltima vez. Jamais desfrutei tanto com uma moa como montando voc. Vamos, Effie, se fizer isso por mim, eu selarei a gua e carregarei isso em menos que canta um galo. Ento a abraou e lhe deu um mido beijo. No, Sejam no protestou Euphemia fracamente. Entretanto, Sejam j lhe tinha desatado o suti para lhe sovar os pequenos seios, que no demoraram a endurecer-se. Cale, Effie. Jogou-a sobre um monto de feno No a primeira vez que abre as pernas, e sempre a deixei satisfeita. Depois de recolher torpemente as saias ao redor das coxas e lhe baixar as meias, desabotoou-se a braguilha e comeou a lhe dar arremetidas alegremente. Effie em seguida comeou a ofegar e a rebolar. Acabaram to rapidamente como comearam. Tudo bem? perguntou o moo, ansioso Quente e forte, como lhe prometi, verdade? gabou-se. Muito bem. Esteve muito bem, Sejam como sempre. o melhor, sabe? Um dia destes terminar por romper meu pobre corao. Effie lhe

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dedicou um sorriso coquete e adulador. Arrumou o vestido e tirou uma palha presa no cabelo Agora sele minha gua, por favor, e ponha essas coisas em cima. O que ordene minha senhora disse ele, sorrindo com certo rubor O que voc mande. Sejam realizou seu trabalho assobiando com ar satisfeito. Euphemia sentiu desejo de gritar exasperada. Por que era to nscio e lento? O que teria podido ver nele? Quando finalizou e a ajudou a subir gua, Effie o olhou friamente e disse: Sabe uma coisa, Sejam? No, o que? Tem o pior pau que vi em minha vida. Preferiria me deitar com uma tabela, caipira! Dito aquilo, o deu uma patada no peito e fustigou o animal para sair rapidamente dos estbulos. A gua se dirigiu s portas de Glenkirk, tropeando repetidas vezes devido ao peso que carregava. Effie proferiu um juramento e a golpeou com fora na garupa, sacudindo as rdeas. Quando ganhou certa velocidade, Effie jogou a cabea para trs e ps-se a rir. Oxal a esse inculto estpido no voltasse a levantar-se. O teria bem merecido depois de lhe fazer perder o tempo dessa maneira! O semblante de Euphemia se escureceu ao pensar nisso. Tinha que chegar a Bailekair. Sim, Ian cuidaria dela em Bailekair. Ele no permitiria que nada lhe ocorresse e se casaria com ela. Rpido! Rpido! exclamou, fustigando o cavalo cruelmente. Quando o animal comeou a galopar, respirou aliviada. Chegaremos em seguida pensou e ento estarei a salvo, a salvo em seus braos.

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Vai ao inferno, Glenkirk. Effie fez um gesto obsceno em direo ao castelo que se esfumava na lonjura e, voltando cabea para Bailekair, sorriu uma vez mais. Quando chegou ao escarpado que dominava o lago Ness perto de Mheadhoin, ouviu o eco de uma gargalhada demente e perversa que ressonava por todo o grande vale. A risada retumbou de forma horrvel em seus ouvidos. No mais que o gemido do vento se tranquilizou Embora tambm pudesse ser Hunter. A moa olhou, preocupada, por cima do ombro e ao no ver nada esporeou sua montaria com fria renovada. Oh, no! exclamou ao dar-se conta de que as mantas caram e a roupa e as joias se dispersaram pelo escarpado. Os objetos voavam e rodavam em todas as direes, arrastadas pelo vento. Euphemia puxou as rdeas bruscamente, desceu da gua e correu atrs dos vestidos em uma tentativa por apanh-los. Tinha os olhos arrasados em lgrimas. Resultar-lhe-ia impossvel recuper-los, e j deixara muitos em Glenkirk. Aquilo era injusto! Verdadeiramente injusto! Oh, maldito Sejam. Esse estpido no prendera os pacotes com a suficiente fora. Se pegasse agora a esse galo de briga arrogante, juro que o que o castraria, pensou Effie. intil, Effie. Os vestidos e as joias no faro falta no lugar aonde vai. Euphemia viu umas botas de couro negras a poucos metros. Estremeceu, elevou o olhar e viu Hunter, imponente ante ela, e a fantasmal figura de seu cavalo branco na distncia. O cavalheiro cigano a observava com uma careta que fazia que a cicatriz de sua boca se torcesse desagradavelmente. Percorreu-lhe um calafrio: parecia o prprio diabo. Ao ver que se aproximava dela, Effie, com os olhos exagerados de terror,

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retrocedeu protegendo a garganta com uma mo. Deixou escapar ento um leve gemido de desespero e se voltou com inteno de fugir correndo. Ele a deteve em seguida. Obteve que Grace se sentisse muito desgraada. Serviu-se de mentiras e enganos, traiu nosso cl e desonrou a todos. , alm disso, a responsvel pela terrvel morte de Francis murmurou Hunter friamente Mas, sobretudo, com sua avareza e sua luxria, destruiu o amor que uma mulher me professava e a ps em uma situao que s Deus sabe que perigos pode estar. Vou matar-te, Effie. Vou matar-te para que no volte a causar mal a ningum com sua perniciosa enfermidade. Que seja rpido rogou Effie. Hunter lhe rodeou a garganta com as mos e apertou. Deus Santo. O homem ria, e, entretanto seus lbios permaneciam imveis. A risada seguia ouvindo-se com uma estridncia perversa, como se estivesse burlando-se dela. Hunter apertou os lbios. Sua cicatriz se deformou para desenhar uma terrvel careta. E a risada, aquela condenada gargalhada, seguia ouvindo-se. V-lo-ei no inferno, Hunter balbuciou Euphemia com muita dificuldade. Ento exclamou: Iaaaaan! Hunter lhe quebrou o pescoo e a jogou pelo escarpado. Olhou para a rochosa borda onde caa o cadver. As ondas do frio lago Ness bateram contra a areia e, depois de golpear brandamente o corpo inerte da moa, voltaram de novo para seu seio.

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Captulo 25

Durante o resto de sua vida, Mary Carmichael mal recordaria o acontecido aquele ano. Depois do inqualificvel trato que Hugh lhe dispensara aquela terrvel tarde em que foi a seus aposentos em Dndereen para lhe dizer que Hunter morrera, a moa se tornou virtualmente louca. Oh, Deus! As coisas que lhe fez! E as coisas que continuou fazendo! Era como se Hugh experimentasse uma estranha e perversa satisfao ao ver o horror que Mary sentia. Deitou-se a seu lado para lhe descrever todas aquelas atrocidades antes de realiz-las. De algum jeito, aquelas detalhadas e macabras explicaes acabavam sendo mais aterradoras que os prprios atos. Para proteger-se, Mary fingia sofrer arrebatamentos de demncia, os quais se fizeram realidade, medida que avanavam os sombrios dias daquele ano. De forma paulatina, se sentia cada vez menos capaz de discernir a realidade da fantasia, por isso sua vida se transformou finalmente em um pesadelo. A terrvel brincadeira que lhe ocorrera o dia de suas bodas se converteu em algo srio. Estava perturbada e no precisava ouvir as falaes dos serventes para confirm-lo. Por frgil que fosse, Joanna constitua o nico vnculo que a unia realidade. Joanna, em efeito, a mesma cujo amante foi assassinado pelo de Mary. Era ela quem estava acostumada a ajoelhar-se junto Mary, chorando desconsoladamente, para lhe curar os cortes e os machucados.

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Perdoe-me, Mary. Perdoe-me, por favor, e se ponha bem. No pretendia lhe dizer as barbaridades que disse. Sei que no responsvel pela morte de Gordon. Estava zangada e doda, quando lhe disse tudo aquilo. Oh, por amor de Deus, me perdoe, Mary! Diga-me algo! O que seja! E embora Mary ouvisse sua doce e suplicante voz e via em seu bondoso rosto uma expresso de angstia, no podia falar. Parecia que a comoo que lhe causava a brutalidade de Hugh lhe tivesse selado os lbios. Outras vezes Joanna levava Geoffrey aos aposentos de Mary; Geoffrey, seu filho, a quem Joanna criava como criaria o dela, se no abortasse. O menino tinha agora dois anos e meio. Olhe Mary, olhe quanto cresceu dizia Joanna Anda e fala de maravilha. Diga algo a sua me, Geoffrey Edward. Diga-lhe quanto a quer. E o filho de Mary voltava nos braos de Joanna, dava-lhe um beijo e dizia: Quero voc, mame. Mary sabia que o menino no a reconhecia e pensava, com um profundo peso, que talvez fosse melhor assim. Oh, Mary. Joanna mordia o lbio de voc que necessita, no de mim. No tentar se animar, at que s seja por seu bem? Por qu? desejava perguntar Mary No lhe faria nenhum bem. Sinto-me suja. Suja! E jamais voltarei a me sentir limpa. Entretanto, quanto se esforava por limpar os rastros que seu marido lhe deixava no corpo. s vezes chegava a banhar-se meia dzia de vezes ao dia. No obstante, nada conseguia apagar os machucados e os hematomas que manchavam sua dourada pele nem o horror que atendia sua mente.

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Assim transcorri\ a vida de Mary at que seu ventre se inchou tanto que Hugh j no podia seguir violando-a com a mesma facilidade. Aquela noite, ao dar-se conta de que no podia penetr-la, Hugh saiu da estadia para voltar vinte minutos mais tarde com uma menina de doze anos, uma granjeira virgem, magra, tremente e aterrada. Hugh tinha prendido os pulsos de Mary a uma das colunas da cama e a tinha obrigado a presenciar como violava a menina repetidas vezes e de diversas formas. Mary ainda podia ouvir os alaridos em que prorrompeu a menina mesclados com os seus. Aquela horripilante atrocidade lhe adiantou o parto. De todos os modos, j se aproximava o momento, e graas a Deus, ningum adivinharia o que o provocara: todos deram por seu posto que o nascimento do menino, igual ao de Geoffrey, seria prematuro. O menino nasceu forte e moreno como um cigano e com um bom arbusto de cabelo de cor mogno. Joanna intuiu quem era o pai do menino, assim que o viu. Por sorte, Hugh no questionou a paternidade e com um estranho bom humor aceitou o nome que Mary conseguiu pronunciar, quando Flora, que tinha assistido ao parto, lhe perguntou qual elegera. Ranald Thomas disse. Ranald pelo pai de Hunter, e Thomas pelo conde de Dndereen. Ao fim, o pai de Hugh fora um bom homem. Mary quis que algum recordasse o velho senhor a quem seu irmo Ian se negou a ajudar em Leabaidh ao Nathair. A Nanna, no passou inadvertido o maltratado estado em que se encontrava Mary nem os hematomas que apareciam por todo seu corpo. No trate de me enganar outra vez me contando que Mary caiu pelas escadas, Hugh lhe advertiu No sou tola e o conheo desde que andava com fraldas. Sempre foi um bruto. Esteve golpeando a moa e a empurrou a borda da loucura. Se seguir assim, se no lhe der ao menos

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um ano para que recupere as foras, asseguro-lhe que no voltar a ficar grvida e morrer. Se isso ocorre, o jovem Jamie no se mostrar benevolente com voc, Hugh. Hugh, que queria que Mary vivesse e sofresse, tinha furtado os olhos ao penetrante olhar de Flora e, proferindo um juramento, acessou s suas ameaadoras exigncias. Gostaria de estrangular a velha bruxa, pois era consciente de que o conhecia muito bem. Entretanto, sentia um prudente respeito a Alan e sabia que o velho cavalheiro armaria um bom alvoroo se algo acontecesse a Nanna ou Mary. Depois do parto, Mary foi transferida aos aposentos de Joanna, por isso ao menos por um tempo deixaria de padecer as torturas que seu marido esteve lhe infligindo tanto fsica como mentalmente. Ao olhar Ranald, a moa sentiu a presena de Hunter e em seu ntimo se alegrou de que seu amante enganasse seu marido duplamente: a noite de suas bodas e com seu filho. Desse modo, a jovem Carmichael comeava a viver de novo. Mary recuperou em grande medida sua sade, fora, orgulho e prudncia durante os meses que seguiram ao nascimento de Ranald. Joanna cuidou dela com uma grande ternura, como se sua senhora fosse uma menina pequena, e esta compreendeu que a moa estava muito afetada por contribuir com sua desgraa. Embora falassem pouco de Hugh, a sombra de sua depravada presena empanava a pouca felicidade que sentiam, de modo que pelo bem dos meninos decidiram esforar-se por estar alegres. Durante as noites que passavam nos aposentos de Joanna, Geoffrey comeou a mostrar-se menos distante com sua me e muito em breve aprendeu a distinguir entre mame e prima J. Aproximava-se de Mary e observava timidamente como amamentava Ranald. Se algum o ajudava, o menino sustentava o pequeno corpo de

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seu irmo e o arrulhava com uma risada de satisfao. Mary se animava ao v-lo, porque no queria que seus filhos crescessem inimizando-se como Edward e Hugh. Em realidade, s dois fatos perturbavam a pacfica nova vida de Mary. Pouco depois do nascimento de Ranald, Ian comeara a beber com regularidade. Ningum explicava a razo, mas se convertia em um alcolatra e parecia ter perdido todo interesse pela vida. Lady Margaret se fez cargo de Bailekair e, por sua culpa, o castelo que Mary tanto queria caa pouco a pouco na runa. Lady Margaret no tinha a boa mo de seu filho para ganhar a confiana dos granjeiros, e Mary se entristecia ao ver como o magnfico patrimnio de seu pai desmoronava lentamente ante seus olhos. Embora o outro feito que afetasse moa cedeu de forma gradual, lhe pareceu que tinha ocorrido de um dia para outro. Os olhos de Ranald deixaram de repente de possuir o tom azul marinho do defunto Edward para adquirir a maldita cor violeta dos seus. Mary pensou que seu filho era como uma miniatura de Hunter MacBeth, um retrato que a obcecaria at o dia de sua morte, e decidiu que a partir de ento acenderia uma vela por sua alma todos os domingos depois da missa. Era de novo vero. Aquele ano, 1492, o fresco e limpo aroma prprio da festividade do po enchia o ar com sua doura, enquanto Mary passeava pelo campo de restolhos. Aspirou fundo e sentiu um enorme gozo ao cheirar a fragrncia do campo. Custava-lhe aceitar que completava vinte anos e j tinha dois filhos. Reinava a tranquilidade porque a maioria dos habitantes do castelo e a aldeia se mudaram a Invernes para a festividade do po. Mary era quo nica decidiu ficar. A lembrana daquele primeiro dia de agosto de sua infncia que passou em

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companhia de Hugh Carmichael ainda estava vivo em sua memria e lhe resultava doloroso. Aonde foram parar aqueles quinze anos? Perguntouse. A solido lhe agradava. Fez vrios ramos de grande tamanho com flores silvestres e se dirigiu ao cemitrio onde estava enterrado Edward; depositou os ramos sobre a tumba e arrancou distraidamente vrias ervas daninhas. Ento se aproximou da lpide e a acariciou. Estava fria pela sombra do pinheiro sob o que jazia seu primeiro marido. Em silncio, Mary leu as palavras gravadas na pedra, palavras singelas, como gostaria a Edward:

Edward Alan CARMICHAEL Querido filho de lorde Thomas Hugh e lady Edwina St.Clair Carmichael Conde e condessa de Dndereen Irmo de adoo de lorde Hugh St. Clair Carmichael Conde de Dndereen Marido de Mary Kathryn Carmichael de Bailekair 1469-89 R.I.P.

Tinha morrido a temprana idade de vinte anos, quo mesmos contava ela agora. Frio. Que frio faz. E quantas lgrimas. Quantas tumbas. Oh, Edward! Mary apoiou a cabea sobre a laje de granito e chorou. Bom, bom, no me dir que prefere um marido morto a um vivo?

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Mary elevou a vista e atravs das lgrimas viu Hugh, que a olhava, carrancudo. Olhou rapidamente ao redor e se deu conta de que estavam sozinhos. O que quer Hugh? perguntou tranquila por que no est em Invernes com os outros? Sentia sua falta respondeu com um malvolo sorriso Faz quase um ano que no me deito com voc, puta. No; no me diga agora que no se encontra bem, porque sei que o est. Dispa-se, rameira, e abra as pernas. A Mary pareceu que o ltimo ano no tinha passado, e a atendeu o horror que acreditava esquecido. Ento viu que Hugh tirava o cinturo de couro. No! Aqui no! Por favor! Aqui no! Ele soltou uma gargalhada e a jogou sobre a tumba de Edward.

Geoffrey! Geoffrey! chamou Joanna freneticamente, abrindo caminho por entre a multido que tinha ido a Invernes para a festividade do po Geoffrey, onde est? Pelos pregos de Cristo, mas se o tinha pela mo faz s uns segundos! Onde ter se metido?, pensou enquanto trocava Ranald de brao. Ranald, filho, no pode andar como a prima J? Joanna mordeu o lbio e observou ao pequeno. No. Andar no replicou o menino parcamente. Embora s tivesse um ano, j era capaz de decidir por sua conta. Senhorita Joanna! Espere! exclamou nervoso, Connall, o chefe dos homens de armas de Hugh. Entretanto, devido animao e as risadas, a moa no lhe ouviu, e Connall e seus homens no demoraram em dar-se

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conta de que a tinham perdido entre a multido Por Deus! exclamou Connall Lorde Hugh me cortar a cabea por isso. No se preocupe. Ao fim, o senhor no aprecia muito moa, de modo que pode culp-la, Connall. Ao conde, no lhe importar comentou um dos homens. Mas o que pensava que ia fazer? espetou o outro Antes diga igual, porque quem se perdeu no era mais que o mucoso do senhor Edward, e a lorde Hugh traz sem cuidado o que possa lhe acontecer. A moa deveria ficar conosco ou nos deixar o menino do conde. Ser estpida Se ocorre algo ao herdeiro, mo-la- a pauladas. No sem antes ter dado boa conta dela, por descontado disse o terceiro homem. No ponha esse rosto de circunstncias, Connall disse o segundo homem, lhe dando uma forte palmada nas costas Talvez o conde lhe deixe isso um pouco. Ora! Connall cuspiu Gostaria de um pouco de cerveja, moos. Estou seguro de que a moa saber onde nos encontrar quando quiser. Joanna no se precaveu de que os homens de armas j no a acompanhavam at que um estranho a abordou e tratou de introduzir uma mo peluda pelo suti de seu arascaid. Deixe-me em paz! ordenou cheia de ira. Pegou-lhe um bofeto e seguiu andando a tropices pela rua Geoffrey! Por fim o viu. O menino estava junto a um posto do mercado. Parecia estar conversando com algum, o que no surpreendeu a Joanna, pois o menino era capaz de falar com o poste de uma cerca. Entretanto, no podia ver a pessoa com quem falava, j que a tampava o posto.

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Geoffrey! exclamou zangada. Merecia umas boas palmadas por lhe haver dado um susto de morte. Flora deve haver-se sentido igual h quinze anos, pensou enquanto cruzava apressadamente a rua com uma careta de desgosto. Geoffrey Carmichael! Joanna deu ao menino uma pequena sacudida No lhe dise que no se afastasse de mim? Sabe o apuro em que me colocaste? No, acredito que no sabe. Um homem alto e moreno saiu de trs do posto. Joanna sufocou um grito. Era gil, forte e musculoso. As mechas negras de sua juba flutuavam desordenadas ao vento. Olhou-lhe ao rosto e viu que em seus carnudos lbios se desenhava um sorriso. Tinha os olhos azuis e brilhantes. Devorando-a com o olhar, o homem lhe ps uma mo no brao e a agarrou com fora. A Joanna deu a impresso de que estava marcando-a com fogo. O sangue comeou a ferver nas veias como no o tinha feito da morte de Gordon. Ento viu que levava o breacan vermelho e verde dos MacBeth e, com os olhos exagerados de medo, tratou de livrar-se dele. Por todos os Santos! murmurou Um MacBeth! Oh, Geoffrey! Como foi capaz? um homem mau, J? No sabia. De verdade, no sabia. Geoffrey se voltou com uma repentina expresso de temor nos olhos e olhou os do homem, to azuis como os seus Senhor, no far mal a minha prima, verdade? Oh, senhor, por favor. uma boa moa, de verdade. Cadman observou o filho de Mary e por um momento seu gesto se suavizou. Ento recordou que dois anos atrs, Hunter esteve a ponto de morrer s mos do tio daquele menino e foi trado por sua me. Ainda tinha que vingar-se disso. Endureceu de novo o gesto. Geoffrey no era

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Mary, certo, mas era seu filho. Cadman se fixou ento no outro menino e, apesar da tentativa de Joanna por lhe proteger, voltou-lhe o rosto. Quando viu que tinha os olhos violetas, sentiu que o corao dava um tombo. Este menino este menino tambm filho de Mary, verdade? Responde-me moa! A presso de seus dedos aumentou sobre o brao de Joanna este o filho de Mary e Hugh Carmichael? Sim mentiu ela. Sentia-se incapaz de revelar o segredo de sua senhora. Ento levarei os dois. Cadman devorou de novo Joanna com o olhar e sentiu um formigamento na virilha E voc tambm, moa disse, baixando a voz. Posou uma mo no seio de Joanna e comeou a lhe beliscar levemente o mamilo, que se marcava sob o fino tecido do arascaid. Joanna estremeceu. Por favor, diante dos meninos no disse, assinalando Geoffrey, que os observava com uma expresso de perplexidade e medo. Inclusive Ranald, apesar de sua curta idade, tinha advertido que algo estranho acontecia. Cadman retirou a mo. Sei esperar, senhorita prometeu. A moa sentiu que encolhia o corao Agora, vamos, e se grita outra vez, mato voc e os meninos sem pensar duas vezes, ouve-me? Para assegurar-se de que o entendia, apertou a ponta da adaga no flanco. Joanna assentiu com a cabea Bem. Conduziu-lhes por uma sinuosa ruela at chegar ao lugar em que lhe esperava pacientemente Logie, seu cavalo castanho. Vamos, menino disse subindo Geoffrey cadeira e agarrando pelas rdeas Logie, que tinha soltado um bufido e comeado a encabritar-

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se Tranquilo, Logie, tranquilo sussurrou. Obediente, o animal se acalmou Agora voc, moa disse, voltando-se para Joanna; o desejo que tinha aceso em seu virilha aumentou quando tomou pela cintura para mont-la ao cavalo. Jesus! Que olhos tinha! No eram violetas, a no ser castanho como o mel; atraam-lhe e acendiam nele uma paixo que tudo o consumia. Oh, por todos os Santos. O que tinham os olhos Carmichael? Senhor, faz-me mal murmurou Joanna ao notar a forte presso dos dedos de Cadman em sua carne. O corao acelerou-se ao ver como a olhava. Colheu-a com maior suavidade e a acomodou, junto com Ranald, atrs de Geoffrey; ento subiu ele, agarrou as rdeas, rodeando a todos com os braos, e cravou suas esporas douradas nos flancos de Logie. Voc tambm uma bruxa? sussurrou a Joanna ao ouvido. Cadman acabava de dar-se conta de que no recordava o precioso rosto de Janet MacDonald.

No sabemos onde est, senhor. Connall tremeu quando observou o olhar irado de seu senhor Foi visto e no visto. Agarrou os dois meninos e desapareceu entre a multido antes que pudssemos lhes alcanar. Verdade, moos? Os outros homens assentiram. Essa puta! exclamou Hugh Essa maldita puta! Isto sua obra, Mary! disse, voltando-se para sua mulher Pediu a essa rameira amiga sua que levasse os meninos. O que cr que conseguir com isso? Sua liberdade? Olhe, se no me disser agora mesmo onde se encontram lhe darei tal surra que no poder nem cont-lo.

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No sei Hugh; seriamente, no sei disse ela, com voz trmula Juro-lhe isso por meu defunto pai. Por amor de Deus, Hugh, ordene a seus homens que saiam para procur-la. Eu no tenho nada a ver com isto, juro-lhe isso. Deve ter ocorrido algo terrvel. Pressinto-o. Hugh entreabriu seus sinistros olhos por um momento. Finalmente, decidiu acredit-la, embora no lhe importava o que pudesse acontecer aos meninos. Se estiver mentindo, rameira disse, enquanto voltava para seus homens de armas. Mary sentiu que uns fortes tremores sacudiam todo seu corpo. Deus santo. O que ocorreu a Joanna e aos meninos? Em vo, a moa esperou durante horas alguma notcia. Ao final, deixou Hugh no salo e se retirou a seus aposentos para deitar-se. Quando por fim conseguiu conciliar o sono, comeou a dar voltas e a sonhar

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Deus santo! Mary despertou sobressaltada Foi Cadman! Foi ele quem os capturou. Mat-los- a todos; aos meninos e a Joanna! Afastou os lenis, levantou e comeou a passear pela estadia. O que podia fazer? O que podia fazer? Devia explicar a seu marido o que sonhara? No, porque ento teria que revelar a razo pela qual Cadman os raptou, e este no o fez para exigir um resgate, a no ser para mat-los; desejava vingar a morte de Hunter, que foi trado por sua amante. Oh, Deus, o que podia fazer? Pouco a pouco, foi cobrando forma em sua cabea um plano, fruto do desespero, e antes que comeasse a lhe faltar o nimo, dirigiu-se porta de seus aposentos e a entreabriu um pouco. Collie sussurrou ao jovem pajem que dormia fora Collie. Este despertou e bocejou, esfregando os olhos. Lamento-o, senhora. O moo despertou subitamente Devo haver ficado dormido. Tranquilo, Collie disse cruzando com um dedo os lbios para lhe indicar que calasse Venha aqui. Necessito de voc. Timidamente, o moo se aproximou da porta. Estava um pouco assustado; o comportamento de sua senhora resultava muito estranho. Alm disso, era quase meia-noite. Talvez estivesse louca como afirmavam. Mesmo assim, obedeceu por medo a perder seu posto. Ao fim, seguia sendo a condessa de Dndereen.

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Lamento muito ter que fazer isto, Collie disse Mary assim que entrou na estadia Mas se no o fao, Hugh o castigar duramente. Dito aquilo, golpeou-o com um vaso na cabea. O moo soltou um gemido e desabou. Mary lhe despiu com rapidez. Tinha mais ou menos seu tamanho, por isso sua roupa lhe sentava bem. Introduziu sua larga juba no gorro empenachado do moo e, depois de ajustar-lhe na cabea, olhou-se no espelho e fez um gesto de aprovao. Ningum adivinharia que no era um pajem, a no ser uma moa. Sorriu e passou a lngua pelos lbios pela emoo. Sentia-se viva! Pela primeira vez da morte de Hunter se sentia viva! Dispunha-se a resgatar seus filhos e Joanna, e ningum a deteria. Agarrou a adaga de Hunter da arca em que a guardara depois da morte de Gordon para recordar a traio de seu amante e a observou durante uns segundos. Sua deciso no fez a no ser aumentar. Entregaria sua vida pelas de Joanna e seus filhos. Se Cadman queria assassinar a algum, que assassinasse a ela e no a eles. Seguro que com sua morte apagaria sua sede de vingana. Desesperada, Mary rezou fervorosamente por que assim fosse, enquanto percorria nas pontas dos ps o corredor e descia pela escada de caracol. Chegou ao salo principal e saiu escurido da noite. Depressa, sele Desmond ordenou ao moo de quadra fazendo uma passvel imitao de Collie. Como o pajem era algo corpulento, cobriu-se com a capa e se manteve meio oculta na escurido para que o moo no visse sua esbelta figura e suspeitasse dela A condessa est doente e me pediu que fosse procurar senhora Floresce para que a atenda. Tambm me disse que agarrasse seu cavalo porque o mais veloz que h nos estbulos.

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Muito bem, Collie balbuciou a moo de bom humor e sem prestar muita ateno ao pajem A condessa est louca. Todo mundo sabe. E no tem que me dar explicaes; j sei que no roubaria seu cavalo. Mary subiu de um gil salto cadeira, agarrou as rdeas e saiu ao trote em direo s portas do castelo; a mesma histria que contara ao moo lhe serviu para que as sentinelas levantassem o restelo. Tomou uma tocha que havia a um dos lados da torre de entrada e se afastou do castelo ao meio galope. Entrou na negra noite, envolta por uma bruma cinza to densa que apenas lhe permitia ver algo, e o lugar em que se encontrava lhe resultava estranho, desconhecido. Sua capa flutuava a merc do vento, ondeando sobre seu formoso corpo. Notava como o suor de Desmond lhe empapava a roupa pouco a pouco. Os cascos batiam sinistramente sobre as rochas. A montanha para a que se dirigiam se elevava de forma imponente ao longe. A escurido que cobria a garganta sobre a que se erguia Glenkirk recordou a Mary o pesadelo que teve a noite da festividade do po h quinze anos. Era como se o terror daquele sonho ainda exercesse poder sobre ela. Sua tocha chispou ao vento e despediu um misterioso resplendor.

e passear entre vs sem temor, acompanhada por uma luz mbar e a escurido mais negra

Subiu pelo sinuoso e escarpado atalho da montanha at que por fim viu o grande restelo de ferro da fortificao de seus inimigos. Encontrava-se ante as prprias portas do inferno, e se dispunha a pedir, ou, mais bem a exigir, que lhe franqueassem a entrada.

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Joanna permanecia imvel no centro do dormitrio de Cadman. A expresso de seus olhos castanhos refletia tranquilidade e firmeza. A mulher que quer violar no uma virgem assustada, senhor disse com calma ao atrativo cavalheiro Amei um homem, deitei-me com ele e lhe daria um filho se no tivesse abortado. Cadman a olhou de marco a marco por um instante com semblante severo. Est casada? perguntou, notando como o cime lhe esquentava o sangue. No, senhor. Ento teria um filho bastardo, moa disse burlonamente Melhor que no tenha nascido! A veemncia de suas palavras surpreendeu a Joanna Sabe o que significa ser bastardo? Sim respondeu sem alterar-se porque eu o sou, senhor. Cadman conteve a respirao. Assim, era como ele. Devorou-a uma vez mais com o olhar e se fixou em seus cabelos castanhos, a expresso de solenidade de seus olhos, a bela concavidade de sua garganta, a curva de seus bronzeados seios sobre o suti de seu arascaid, sua fina cintura, suas torneadas pernas Matei um homem por voc disse com tom terminante. Ao chegar a Glenkirk, um dos homens de armas havia tentando compartilh-la com seus companheiros, e Cadman o matou, afirmando que a moa pertencia unicamente ao homem que a capturara e desafiando aos outros homens de armas que tratassem de lhe arrebatar esse direito. Joanna fez um gesto de assentimento. Agradeo-lhe que mantivesse esses homens afastados de mim.

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Ento mais vale que me satisfaa moa, porque tenho a inteno de a possuir sussurrou antes de inclinar a cabea e beij-la. Joanna lutou entre seus braos. Nenhum homem a havia tocado jamais, exceto Gordon Carmichael. Cadman introduziu a lngua entre os lbios da moa e comeou a corcovear com ela no interior de sua boca de uma forma deliciosamente insinuante. Muito a seu pesar, Joanna no demorou a notar como se aceleravam os batimentos de seu corao. No! pensou desesperada No penso responder a suas provocaes! Entretanto, no podia evitar sentir a onda de paixo que alagava todo seu corpo, a dor ardente que palpitava no centro de sua feminilidade e parecia estender-se desde seu ventre at os seios como um fio de plvora. Oh, Deus, seria assim como teria sentido Mary nos braos de Hunter MacBeth? Haveria se sentido transportada, como ela nesse momento? Cadman percebeu ento que Joanna estremecia e que seus mamilos se endureciam contra seu peito. No se oponha, moa murmurou farei voc gozar. Depois de desprender as forquilhas que seguravam o cabelo de Joanna e as jogar no cho, levantou-lhe o rosto com uma mo para olh-la melhor e afundou a outra em sua brilhante juba Maldita seja, bruxa! O que tm as mulheres Carmichael que leva os MacBeth a borda da loucura? Pronunciando um juramento, agarrou-a em braos e a conduziu cama, que parecia estar lhes aguardando. No! protestou ela Gordon! Oh, Gordon! Meu nome Cadman lhe sussurrou ao ouvido Cadman repetiu enquanto se ajoelhava junto a ela iluminado pela tnue luz que havia na cmara. Joanna se fixou em seus azuis olhos e sentiu como a

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lembrana que tinha dos de Gordon se desvanecia definitivamente no abismo de sua memria.

Abram a porta! exclamou Mary s sentinelas que a olhavam das torres de vigilncia de Glenkirk Trago uma mensagem para o senhor Cadman MacBeth da parte de lorde Hugh Carmichael, conde de Dndereen. Meu senhor sabe que o senhor Cadman mantm capturados neste castelo seu filho, seu sobrinho e donzela de sua esposa. No recebemos nenhuma missiva em que nos relata de seu estado. Meu senhor deseja conhecer os termos do resgate. Resgate? H! Diga ao filho da cadela de seu senhor que lhe entregaremos a resposta pela manh, em um saco de pano! disse a sentinela entre risadas. A Mary, gelou o sangue. Aquela era precisamente o que temia. Por amor de Deus! Seus filhos poderiam j estar mortos! Tenho que me encontrar com o senhor Cadman! Meu senhor me castigar severamente se no lhe entregar a mensagem que me confiou. Saia daqui, moo! espetou a sentinela O senhor Cadman est ocupado, se entender a que me refiro. Mary entendeu perfeitamente. Por amor de Deus. Pobre Joanna. Oh, J! J! Sinto muito, sinto-o tanto! E diga ao bastardo de seu senhor disse outra sentinela que a prxima vez no mande um moo para realizar a tarefa de um homem. E face ao muito homens que so, assusta-lhes um moo? replicou Mary desesperada, pensando que talvez lhes provocando conseguisse que lhe abrissem as portas.

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Oh, saia daqui, menino, e agradea a Deus que no se encontre atrs destas muralhas, porque se o estivesse lhe daramos uma boa surra por sua insolncia. Covardes! soltou Mary como ltimo recurso Todos sabem quem foram derrotados em Bailekair. Fogem dos Carmichael como ces espancados, com o rabo entre as pernas. As portas de madeira se abriram lentamente. O atrevimento daquele insulto era insuportvel para os MacBeth. Assim que entrou, as sentinelas obrigaram Mary a desmontar e a registraram se por acaso levava armas. Um deles achou a adaga de Hunter em sua cintura. H, esta a adaga do senhor Hunter MacBeth, sem dvida. Quem voc, moo? Onde encontraste isto? Responde rpido, porque se no lhe tirarei isso golpes. J lhes disse que Ento gritou, alarmada. O homem acabava de lhe tirar o gorro para lhe ver melhor o rosto. Os olhos violetas de Mary se iluminaram trmula luz da tocha; sua juba dourada caiu em cascata sobre suas costas. uma moa. Meu Deus! uma das moas dos Carmichael! Uma moa dos Carmichael! Outras sentinelas repetiram as palavras e passaram Mary uns aos outros, manuseando-a cruelmente, lhe arrancando a roupa. A raiva com que tinham aberto as portas se permutou em luxria assim que viram que se tratava de uma mulher. Seus olhos de ametista se arrasaram em lgrimas enquanto lutava com eles e exigia ver o senhor Cadman MacBeth. Entretanto, eles se desentenderam de seus rogos. Ento apareceu no ptio um homem alto e moreno, com aspecto zangado, e lhes ordenou com voz autoritria que deixassem de alvoroar e lhe explicassem a razo de seu comportamento.

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Soltando um soluo de surpresa e incredulidade, Mary deu meia volta para ver o homem que amava e a quem acreditava morto. No! Aquilo no era possvel! No podia s-lo! Era Hunter! Hunter, que a olhava como se estivesse vendo um fantasma! As danantes chamas das tochas danavam misteriosamente sobre seu rosto; uma careta de consternao e dio torcia seu rosto bronzeado. Oh, Deus, estava vivo! Estava vivo e a odiava! Percebia-o em seus olhos. Estava disposto a mat-la. Hunter se aproximou dela na penumbra com inteno de agarr-la. Mary se desvaneceu aos seus ps. Pelos pregos de Cristo! exclamou Hunter Mary! Mary! ajoelhou-se e a sacudiu brandamente, mas no obteve resposta. Endureceu o gesto e, com um rictus sombrio, agarrou-a nos braos. As sentinelas retrocederam em silncio com uma mescla de cautela e temor. Quem iniciou o alvoroo avanou um passo, envergonhado, e mostrou a adaga a Hunter. Levava isto, senhor. sua disse. Ento, com maior atrevimento, acrescentou No no mais que mais que uma das moas dos Carmichael, senhor. Ante o penetrante olhar do cavalheiro cigano, a sentinela calou rapidamente. Sem dizer uma palavra, Hunter tomou a adaga e se encaminhou para o interior do castelo, deixando os homens de armas perplexos, emocionados e contentes de no ser vtimas de seu mau humor. Ao ver que no se voltava contra eles com sua espada em alto como tinha feito Cadman com antecedncia, suspiraram aliviados e conversaram com ar pensativo sobre a moa que levou em braos. Mary recuperou o conhecimento pouco a pouco. Encontrava-se deitada em uma cama de uma estadia de decorao muito masculina, e algum

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estava obrigando-a a beber brandy. Engasgou. Quando abriu seus grandes olhos violetas e piscou, a pessoa afastou a garrafa. O que faz aqui? Cravou o olhar em Hunter com expresso confusa, hipnotizada. Fazia dois anos que o dava por morto e trabalhava em excesso por afugentar o fantasma de sua lembrana das curvas de sua mente e o abismo de seu corao. E agora estava ali, ante ela, arrogante como sempre, com suas musculosas pernas estendidas naquela posio que to bem conhecia, devorando-a com a vista de uma maneira insultante, com um brilho de ira em seus olhos violetas e uma careta zombadora, insolente nos lbios Mary olhou a si mesma. Tinha a roupa rasgada como consequncia do cruel trato que recebera dos homens de armas de Glenkirk, enquanto lhe dirigiam comentrios obscenos. Mas estava ilesa, e agora sabia por que. Hunter MacBeth estava vivo, vivo para vingar-se dela e seus filhos. Tremeu ao pens-lo. Adivinhava o que tinha planejado fazer com ela, e no se tratava de algo relacionado com o amor. Oh, Deus, no poderia suport-lo. No depois do que Hugh Amaldioou-se mil vezes por ter sido to nscia. Por que tinha ido sozinha a Glenkirk? Por que tinha escapulido de Dndereen sem dizer nada a seu marido e seus homens de armas? Por que tinha abandonado sua cama sem mencionar a ningum aonde se dirigia? Acaso sempre tinha sabido que Hunter MacBeth seguia vivo? Oh, Deus, tremia ante a presena daquele homem. Mary se envergonhou por ser to dbil e o desejar tanto. J nada era igual entre eles. Dar-lhe-ia uma surra e se aproveitaria dela tal como fez Hugh. O trato que lhe dispensaria no seria tenro, a no ser frio, cruel e desumano. Tampou-se como pde com os farrapos de seu arascaid, esforando-se por reprimir o tremor de seus dedos. Levavam um

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momento em silncio, um silncio sepulcral que enchia o ambiente de tenso. O que faz aqui? perguntou de novo com um tom glacial E bem? Hunter arqueou uma diablica sobrancelha com gesto inquisitivo. A Mary encolheu o corao. No tinha se equivocado; Hunter no tinha inteno de trat-la com delicadeza. Por que teria que faz-lo? Ela no significava nada para ele; no era mais que uma prisioneira, algum que lhe trara e ameaado sua vida Me disseram que vieste sozinha. Mary no sabia o que fazer ou dizer. Estava a merc dele. Dependia de seu mais absoluto e horrvel capricho. Assim, apesar de que era de categoria superior a de Hunter, levantou-se e lhe fez uma profunda reverncia, depois do qual, ficou ajoelhada ante ele. Est vivo disse por fim. Salta vista respondeu ele, lacnico. Eu n Cadman levou Joanna e meus filhos. Vi-o em um sonho esta mesma noite. J sabe que tenho a viso. Vim entregar minha vida pela deles murmurou com certa vacilao Sei que seu irmo prefere matlos a cobrar um resgate porque quer vingar-se de mim por sua sua morte. Bom, isso eu acreditava; no no esperava o encontrar aqui. Pelos pregos de Cristo! Seguro que no! disse ele entre risadas. A leve fragrncia do perfume de Mary (Urze, sempre urze) chegou docemente at Hunter. A presso que sentiu na virilha ao v-la no ptio aumentou repentinamente. Olhou a brilhante juba dourada que caa sobre seu leve corpo como um manto. Estava virtualmente beijando o cho. Bem, no era isso o que ele desejava? No queria v-la arrastar-se a seus ps? No queria que lhe rogasse que tivesse piedade dela? E,

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entretanto, agora que se achava ante ele, no podia ignorar a expresso de splica de seus olhos violetas. Elevou-a do cho e lhe lanou um olhar penetrante, sentindo uma estranha alegria ao assust-la e lhe fazer entender que estava em seu poder e nada podia fazer para impedir que fizesse com ela o que gostasse. Acreditava que estava morto, no assim? Ela assentiu com a cabea. Ainda no tinha se recuperado da comoo que tinha suposto ao v-lo. Estaria, se Cadman e Grace no me salvassem a vida. Olhe, olhe a cicatriz que sua traio e sua falta de f deixaram em minha carne. Levantou o breacan e lhe mostrou a enorme marca que lhe atravessava o abdmen. Mary a olhou com olhos exagerados de terror. Por Deus, como pde sobreviver a aquilo? Sim, seu marido me tratou como a um co e, quando mal podia me levantar, abriu-me o ventre com uma espada. Assassinou meu irmo No, no o fiz disse com dureza. Seus olhos brilhavam ameaadores Acaso no lhe dei minha palavra de honra? Como pde pensar que no a cumpriria? Foi seu prprio marido e seu irmo Ian quem assassinou Gordon de maneira to infame e covarde. No Sim, embora no o creia. Ian se deitava com minha prima, Euphemia. Foi ela quem roubou minha adaga e ajudou seus parentes a cometer o vil crime de trair um membro de seu prprio cl. De todos os modos, j pagou por isso. Seu rosto adotou uma expresso homicida. Mary tremeu ao pensar qual seria a sorte de Euphemia MacBeth s mos de Hunter. Sinto muito! cobriu a rosto com as mos e rompeu a chorar. Por fim compreendia que Hunter dizia a verdade. Se Hugh e Ian tinham

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assassinado seu pai e seu tio, por que no teriam que fazer o mesmo com seu irmo Gordon? Sinto-o tanto. No sabia, seriamente. No sabia. Foi sua adaga a que encontraram nas costas de Gordon. O que queria que pensasse? Poderia ter f em mim, Mary. Nosso amor se apoiava nisso, mas o destruiu porque no confiou em mim, porque no pde se esquecer de que sou seu inimigo, porque se negou a acreditar no amor que eu sentia por voc e no que voc sentia por mim Ressarcir-lhe-ei disso! Juro-lhe isso! Se pudesse me perdoar Perdoar voc, rameira? Como capaz de me pedir isso? Sim, Oh, Hunter, se chegou a me amar alguma vez, me permita tirar Joanna e os meninos daqui. Deus j me castigou bastante por quo pecados cometi contra voc. No pode nem imaginar como me castigou No, no posso. muito tarde, Mary. Fosse o que fosse o que existia entre ns, acabou-se, est morto; voc o matou. Neste momento Joanna se encontra nos braos de Cadman, e amanh pela manh seus filhos sofrero uma morte lenta e dolorosa. Voc mesma poder presenci-lo. Logo lhe rodearei o pescoo com as mos assim disse lhe mostrando como o faria. Entretanto, Mary nem se alterou ao sentir a cruel presso de seus dedos sobre a garganta e a mandarei tumba. Acabe comigo ento, mas perdoe meus filhos rogou No pode esquecer o que compartilhamos. No pode! Embora s seja por isso, perdoe meus filhos. Meus filhos. No viu ainda meus filhos? Geoffrey tem trs anos j. Tem o cabelo loiro e os olhos azuis como seu pai, Edward. E Ranald. Mary fez uma pausa para ver que efeito causava o nome de seu filho em Hunter Ranald igual ao seu pai. Tem o cabelo de cor mogno

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como seu pai; os malditos olhos violetas de seu pai; a pele escura de cigano de seu pai O que est dizendo, puta? Hunter lhe deu uma violenta sacudida. Ranald seu filho, Hunter. Seu filho! Mentira! No mais que uma rameira mentirosa! Isto no mais que uma mutreta. Diria algo com tal de salv-lo! No! seu filho, Hunter! Sua semente germinou em meu interior antes que Hugh me tocasse. Mande trazer os meninos olhe o rosto de Ranald e, se for capaz, nega que seu filho. Por amor de Deus! Acaso pensa que lhe poria o nome de seu pai se no fosse seu filho? Mentia. Tinha que mentir. E, entretanto Aps olhar os brilhantes olhos de ametista de Mary por um instante, aproximou-se da porta da cmara e a abriu com fria contida. Michael! Gavin! Tragam os filhos de lady Mary agora mesmo! voltou-se para a tremente moa e disse Se estiver mentindo, Mary Sem terminar a ameaadora frase, dirigiu-se a uma mesa para servir uma jarra de cerveja Quer um pouco de vinho? Sim. Mary se aproximou dele e o olhou com gesto implorante. Ele a observou com olhos frios como diamantes. A moa mordeu o lbio. A chegada de seus filhos lhe impediu de dizer o que estava pensando. Mame! Mame! exclamaram eles ao tempo que se lanavam a seus braos. Oh, meus filhos! Mary os abraou com fora, apaixonadamente, feliz de saber que no sofreram nenhum dano e que s estavam assustados. Elevou a vista e olhou de novo Hunter. O menino era dele. No lhe cabia nenhuma dvida. Aquele rosto parecia o reflexo do seu. Era seu filho. Ranald. Seu filho! Hunter olhou

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Mary perplexo, surpreso, inquisitivo e finalmente ofegante. Ento se voltou para os dois pajens que tinham acompanhado os meninos e disse: Levem os meninos a seus aposentos e velem por sua segurana. Mary se acalmou um pouco. Agora havia uma pequena esperana. Beijou seus dois filhos e, depois de lhes dizer que os veria pela manh, separou-se deles negligentemente. Pode neg-lo agora? Pode negar que se trata de seu filho? perguntou a Hunter com voz baixa. No, no posso respondeu ele. Perdoar-lhe- ento? Sim. E ao filho do homem a quem tra por voc, Hunter? Sim. Mary deixou escapar um suspiro de alvio e deu rapidamente as graas ao cu. E Joanna? Est nas mos de Cadman. No posso fazer nada por ela. Mary tragou saliva. Compreendo. Obrigada. Hunter guardou silncio por uns segundos e logo disse: E bem? E bem o que? No vai pedir me nada para voc, Mary? No, Hunter. Faz comigo o que queira. Olhou-a fixamente e desencapou devagar a adaga que levava na cintura. Aproximou-se dela sigilosamente, com aquela caracterstica elegncia felina que Mary tinha gravada na memria. No gritarei

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pensou J suficiente com que tenha perdoado meus filhos. Hunter afundou a mo na larga juba da moa, levantou-lhe a cabea e lhe ps a adaga sobre o pescoo. Em uma ocasio a ameacei desta maneira murmurou Lembra? Sim. Foi a primeira vez que me deitei com voc. A Hunter escureceu o olhar. Deveria a assassinar, mas no posso. Proferiu um juramento e jogou a adaga ao cho. Ento, pela primeira e nica vez em sua vida, Hunter a golpeou, dando-lhe uma bofetada no plido e dourado rosto Maldita seja! uma bruxa, Mary Carmichael! Oxal acabe no inferno! No deixei de querer! exclamou antes de beij-la arrebatadamente. A Mary deu um tombo o corao. Apesar de hav-lo tentado tanto, no a esqueceu, no a expulsou de seu corao e sua mente! Oh, Deus, tigresa. Percorreu-lhe as bochechas e se apoderou dos lbulos de suas orelhas, enquanto enredava os dedos em sua brilhante cabeleira para abra-la com mais fora Oh, Deus, querida. Procurou de novo sua boca e introduziu violentamente a lngua entre seus trementes lbios, que se separaram com suavidade para receber o furioso ataque. Ento a agarrou nos braos e a levou a cama. Hunter se elevou sobre ela na penumbra, com os olhos escurecidos de paixo. Depois de devor-la lenta e carinhosamente com o olhar, comeou a despi-la. Mary no podia evitar tremer. Propunha-se viol-la e golpe-la. No gemeu tratando de recha-lo. Hunter interpretou que sua splica se devia ao acanhamento, e os tremores ao desejo. No, encanto, no pode se negar; agora no, depois de levar tanto tempo esperando este momento lhe sussurrou ao ouvido. Estava

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comeando a zangar-se. No entendia por que seguia lutando. Por que resistia? Amaldioando, agarrou-lhe os pulsos por cima da cabea e lhe arrancou a roupa apesar dos protestos da jovem. Hunter sufocou um grito. Mary tinha a pele coberta por uns terrveis hematomas, resultado do que lhe fizera Hugh Carmichael aquela mesma tarde, quando a abordou ante a tumba do jovem Edward. Hunter se afastou com o corao encolhido e os olhos arrasados em lgrimas. Agora sabia quanto tinha sofrido Mary e por que o temia daquela maneira. Oh, Deus. Mary, meu amor, me olhe, por favor. Tratou de lhe levantar a cabea, mas ela se negou. No, por favor, no suplicou. As lgrimas banhavam suas bochechas Como pode me olhar? No sou nada. Nada! Estou suja. Por favor No diga isso ordenou ele bruscamente Oh, meu amor. No importa o que fez, porque pagou por isso sobradamente. No merece isto Mas o que lhe faz esse bastardo? Meu Deus. Matarei esse filho de cadela; mat-lo-ei por isso embora seja a ltima coisa que faa em minha vida. Oh, querida, por favor, me olhe. No lhe farei mal; prometo-lhe isso. Quero-a. Quero-a, ouve-me? Como pode me querer? replicou ela Acaso no v o que sou? No v o que fez comigo? Sim; sim o vejo. Vejo uma formosa mulher que foi violada e ultrajada por um homem que no merece ser chamado como tal. S uma besta da pior ndole poderia lhe fazer isto, Mary. No sua culpa, querida. No sua culpa! Olhe-me no rosto. Para mim, segue sendo a mesma. Juro-o. Amo voc. Oh, Meu Deus, tigresa, por favor, me olhe e me deixe a

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querer. Hunter tentava raciocinar com ela. Em seu ntimo, temia que Hugh destrusse o amor e a paixo que Mary albergou sempre em seu corao. Oh, Hunter gemeu ela Por que se voltou contra mim? to bom, to bom comigo. No imagina as coisas as coisas que me tem feito, as coisas que me obrigou a fazer. Oh, Deus, eram horrveis, repugnantes Cale! Cale! No pense nisso agora; no voltar a ocorrer. melhor que o esquea. Aproveitou-se de seu corpo, mas no chegou a roar sua alma, essa parte de voc que a faz ser o que realmente . No responsvel pelas atrocidades que cometeu. Para mim, segue sendo a mesma repetiu lentamente entende, querida? Como vou entender? Meu Deus, como? Mostrar-lhe-ei isso. No! No me toque! No quero sua compaixo! No compaixo, a no ser meu amor e meu ser o que lhe ofereo. Mas como pode como pode me amar ainda depois depois? Amo voc! Nada impedir que a ame, que necessite de voc! Ouveme? Quero-a. Apagarei a terrvel mancha que esse bastardo filho de cadela deixou em sua mente. Farei que volte a se sentir completa, meu amor. Oh, Hunter! Ajude-me! Por favor, me ajude! Elevou os braos a provas na penumbra e ps-se a chorar quando sentiu que a abraava meigamente e comeava a arrulh-la. S existimos voc e eu sussurrou ele repetidas vezes S existimos voc e eu.

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Era to delicado e carinhoso com ela Como no ia am-lo? Como no ia responder a seus requerimentos? Aquela noite Hunter mostrou a Mary tudo o que um homem pode ser para uma mulher. Beijou-a lenta, profundamente, abraando-a, lhe murmurando ao ouvido, acariciando-a uma e outra vez. Mary deixou de tremer pouco a pouco. Ele a beijou na boca, na ponta da lngua, nas plpebras, nas tmporas, as bochechas, o cabelo, a garganta, os ombros, os seios, o ventre, o sexo, as mos, as coxas, os ps. Disse-lhe mil vezes quanto a amava, desejava-a, necessitava-a. O disse em galico, em romano, em ingls, em francs, em alemo. Sua lngua a fez gozar de mil maneiras diferentes, apoderando da doura oculta em sua boca, corcoveando, entrando e saindo, por entre seus lbios, desenhando seu contorno antes de beij-los uma vez mais, pausada, carinhosa, abrasadoramente; saboreando-os, limpando-os, apagando, tal como tinha prometido, a terrvel mancha que deixara Hugh. Cobriu com as mos os suaves seios, moldando-os, sentindo como se inchavam sob seus dedos, sob seu peito. Brincou com os rosados mamilos e os converteu em um par de vrtices mediante provocaes, carcias, ligeiros roces com a gema dos dedos que no faziam a no ser excit-los com sua ternura. Sorrindo, viu os pequenos casulos, duros e incitantes, e os lambeu e sugou com um ardor delicadamente exigente. Afundou ento o rosto entre eles; saboreou primeiro um e logo outro; colheu-os com suas mos fortes e clidas, pressionou suas pontas j amadurecidas e os acariciou premente e codiciosamente para que seu desejo ficasse patente. Sussurrou a Mary ao ouvido palavras midas, procurou esse ponto to sensvel em que se unem o ombro e o pescoo e o beijou e mordeu meigamente ao tempo que notava as fascas de eletricidade que

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percorriam as veias da mulher ao roce de sua boca. A moa tremia de desejo. Acariciou-lhe a suave juba e se inundou nela; tomou suas sedosas mechas douradas e se rodeou o pescoo com eles, unindo desse modo Mary com ele. Roou-lhe a orelha com o nariz e, com voz pastosa, murmurou-lhe umas palavras ao ouvido antes de lamber sua doce concavidade e percorrer o desenho de suas delicadas curvas, lhe mordiscando o lbulo e provocando ondas de prazer. Voltou a afundar o rosto entre seus seios, para descer at o ventre, onde beijou a flor de seu nascimento e a rodeou com a lngua; logo deslizou pelo flanco para voltar a subir imediatamente ao ventre e despertar uma profunda sacudida de emoo. Separou-lhe pouco a pouco as coxas, lhe roando enquanto isso as curvas, depois do qual se lanou sobre os dourados cachos e os acariciou com suavidade; repetiu todo o processo uma e outra vez at que Mary suspirou para que lhe tocasse o palpitante inchao de sua feminilidade. Hunter passou de novo a mo pela coxa da moa para dirigi-la ao incitante montculo dourado e entreter-se com a umidade que lhe anunciava a disponibilidade da jovem para lhe receber. Como gostava daquele tremente lugar, como gostava de explor-lo, mover sobre ele os dedos cadenciosamente, acima e abaixo, sentindo sua umidade. Hunter comeou a acarici-lo lentamente, mas no demorou em acelerar seus ataques; Mary arqueou os quadris, notou como a mo se introduzia nela e se retirava para ceder passo lngua, uma lngua penetrante, exigente, adoradora e idlatra que desejava saborear o nctar aucarado. Agora, Hunter! Agora! gemeu ela, lhe puxando ansiosamente do cabelo.

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Ele sorriu e lhe dedicou um ardente olhar de desejo; seus escuros olhos brilhavam como brasas de paixo. Sim, agora, meu amor. Hunter afundou seu bronzeado rosto na garganta de Mary, em sua dourada juba, e respirou a doce fragrncia de urze que emanava de seu corpo enquanto Mary agarrava a seta de sua virilidade e a guiava at o ardente centro de seu ser enquanto se dispunha para lhe acolher em seu seio. Ele a introduziu at o mais fundo, afogandose nas enfurecidas ondas que surgiam de seu interior ao tempo que lhe rodeava com as pernas e lhe fincava os dedos nas tensas ndegas para lhe apertar contra si, como se quisesse derreter-se com ele para converter ambos em um nico ser. E assim foi. Fundiram-se ao unssono, movendose em perfeita harmonia. Sua dura e palpitante virilidade se inundava nela para sair imediatamente e voltar a penetrar em seu corpo uma e outra vez, como se no pudesse deter-se, como se quisesse seguir mergulhando em seu interior de forma indefinida, como se desejasse arder no veludo aceso que lhe acolhia, incitava-lhe, apanhava-lhe como um redemoinho, capturava-lhe e lhe liberava para recaptur-lo em uma espiral de fogo. Mary no queria parar; desejava seguir sentindo os ataques de seu amante toda a eternidade; atacadas que limpavam a brutal mancha deixada por Hugh e imprimia em seu lugar a marca de fogo de Hunter, que a identificaria sempre como dele, sua mulher, para am-la, cuid-la e proteg-la, fosse qual fosse o preo que tivessem que pagar por isso. Aquilo era amor! Adorava-a como se fosse uma deusa em um pedestal e logo a baixava a terra para que pudesse contemplar as estrelas que enchiam seu firmamento e se desse conta de que s ele podia mostrarlhe. Ento a possuiu e as mostrou. Os astros cintilavam como ouro em conflagrao; estrelas fugazes de prata incandescente que explodiram em

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seu corpo e seu corao. Por um momento deixou de respirar, equilibrouse para a borda do precipcio, caiu e, por uma fugaz eternidade, flutuou em um cosmos em chamas. Foi ento quando ouviu o doce gemido de felicidade que Hunter proferiu ao ver o relmpago que iluminava as galxias e o alm. O tempo se deteve em um abismo de escurido, e eles se converteram em seres eternos, dando voltas nas sombras em direo ao esquivo centro de todas as coisas; voltas e mais voltas, unidos para sempre um ao outro, em um silncio compartilhado, um nico ser por fim. Meu Deus murmurou Hunter Meu Deus. Olhou-a encantado; tinha-lhe pego o pescoo com uma mo e estava apertando-o brandamente. Serei seu senhor, querida, e seu escravo. Mary separou os lbios lentamente e abriu seus olhos violetas de par em par. meu senhor, meu amor sussurrou No existe nada para mim exceto voc. O rosto de Hunter se escureceu. Se voltar a me enganar, mat-la-ei. Sei murmurou, antes de sentir uma vez mais os apaixonados beijos de seu amado em sua boca e o impressionante poder de seu corpo no interior de seu ser.

Ainda no tinha amanhecido, quando abandonaram Glenkirk. Embora o plido fulgor da lua estival iluminasse ainda a escurido chapeada do cu, a nvoa cinza da manh j comeava a deslizar em torno deles com o sigilo da bruma marinha como se quisesse lhes avisar que no dispunham de muito tempo. Saram do castelo furtivamente, pela portinha, pois se

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convertiam em fugitivos; homens, mulheres e meninos que quebraram com seu cl. No prazo de um dia ou inclusive menos, seus cls os declarariam traidores e a morte seria seu nico destino, se fossem capturados. No se enganavam pensando que os Carmichael ou os MacBeth lhes dispensariam um trato misericordioso. Mary abraou Ranald com fora. Os cavalos iniciaram a descida pelo agreste atalho que se alargava pela borda do traioeiro precipcio sobre o que se elevava o castelo. Pensou ento em como seria a queda e, ao imaginar a cabecinha ensanguentada do pequeno, tremeu. Lentamente chegaram cabeceira da imponente montanha, e o atalho foi desaparecendo de forma gradual no extenso plano dos paramos das Terras Altas. A retama e a urze balanavam com um rumor baixo ali por onde passava o pequeno grupo, fechando o caminho atrs deles como se de um mar se tratasse. Mary formou uma ideia do que Moiss pde sentir durante sua fuga do fara do Egito. Cada vez se viam mais distantes, j ao longe apareciam os bosques; decidiram no entrar neles, pois a velocidade era o mais importante. Ranald ps-se a chorar. Mary tratou de cal-lo como facilmente pde, posto que os lastimosos soluos atravessavam os brejos como os tangidos de um sino. Geoffrey, em troca, sentado a lombo de Craigor diante de Hunter, no necessitava de que lhe dissessem nada para manter-se em silncio. Permanecia silencioso, como se intusse o porqu da tenso que se respirava. Mary dirigiu um olhar a Joanna, que ia montada na garupa de Logie atrs de Cadman; a moa tinha em seu solene rosto a mesma expresso de impassibilidade de sempre, por isso Mary no podia imaginar que pensamentos estariam passando por trs da imutvel mscara de seu rosto. Embora se agarrasse cintura de Cadman como a

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hera a uma rvore, era impossvel saber se o fazia por medo a cair e ficar no caminho ou porque Cadman a enfeitiou com a mesma magia dos MacBeth que cativou Mary. Em um par de ocasies, Cadman lhe acariciou a mo, e Mary acreditou ver que a moa lhe respondia lhe apertando o brao. Dirigiam-se a Perth, pois embora Dumbarton e Glasgow se achassem mais perto, ambas as populaes estavam prximas a Oir Uisge, um dos baluartes dos MacBeth, e no podiam arriscar-se a que lhes descobrissem pela zona. Wynd Cheathaich se encontrava a caminho e confiavam em que David MacDonald lhes refugiasse em caso de necessidade. A alvorada j despontava pelo horizonte quando chegaram a Mheadhoin. Tinham percorrido uns vinte e cinco quilmetros. Os ardentes raios do astro rei tingiram o cu de vermelho at que toda a terra pareceu estar em chamas. O campanrio da igreja e a cruz que o coroava se recortaram claramente sobre o cu incandescente. Por um breve momento, Mary recordou as ocasies em que esteve nos braos de Hunter naquele lugar. Olhou-o aos olhos no momento em que se detinham para descansar e percebeu neles o reflexo de seus pensamentos e a sombra do que tinha profetizado a lenda. Mary sentiu intensamente a presena de Grizel e tremeu: uma voluta de nvoa lhe acabava de roar a rosto com dedos gelados. Vamos deste lugar disse. Aos outros no necessitou que insistisse. Era como se eles tambm tivessem a sensao de que a bruxa se levantasse da tumba para lhes fazer uma advertncia e burlar-se deles. Reataram o caminho apressadamente e durante um momento cavalgaram no mais absoluto silncio.

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No meio da amanh, se detiveram de novo, desta vez na ribeira do rio Spey. Mary desmontou do cavalo intumescida e repousou sombra de um Abedul, apoiada contra o tronco da rvore, enquanto Hunter e Cadman falavam com o encarregado da balsa que atravessava o rio e conseguiam umas jarras de cerveja para acompanhar as partes de queijo e po duro que levavam. Ranald recostou a cabea no colo de sua me e ficou adormecido; seu filho maior, em troca, olhava ao redor com os olhos exagerados de curiosidade pela aventura que estavam vivendo. Joanna se sentou ao lado de Mary. Certa tenso e acanhamento se interpunham entre a senhora e sua donzela. Finalmente, esta falou. So nossos inimigos, Mary. A situao trocou, Joanna. certo que antes me angustiava sentir um amor que sabia impossvel, mas isso pertence j ao passado. Os velhos costumes morreram. No podemos retroceder. Dentro de pouco, teremos nos exilado, e estes dois homens sero o nico que nos separar da morte ou de algo pior. Eu no sinto por Cadman o que voc por Hunter. No me sustenta a mesma fora. Oh, Mary! Mary! Como pode se esquecer to rapidamente de que so os assassinos de seu irmo? No, Joanna. No h nada que esquecer respondeu Mary. A seguir, lhe falou da perfdia que tinham cometido Ian e Hugh. E voc o cr? inquiriu Joanna quando teve concludo. Como pode perguntar me conhecendo e como conhece meu marido? replicou Mary com aspereza. Sim, mas Cadman um bom homem, embora pertena aos MacBeth comentou Mary, ao tempo que assinalava o irmo de adoo de Hunter,

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que saa nesse momento da cabana do dono da balsa Gordon era meu irmo e eu o queria muito, mas est morto Joanna. Morto! Nada lhe poder devolver isso. A vida para os vivos. No se precipite a dar as costas a algum que capaz de a defender com sua espada. E de me atacar com outra! To to mal a tratou? Joanna avermelhou e comeou a retorcer as mos sobre o colo. No murmurou Precisamente por essa razo me sinto incapaz de o perdoar. A moa ficou em p de um salto e correu para onde se encontrava a balsa, com a cabea erguida pelo orgulho e a ira que sentia. Cadman a olhou com ar reflexivo e se aproximou dela. Mary no ouviu as palavras que trocaram, mas quando o cavalheiro agarrou Joanna pelo brao e a atraiu bruscamente para si, percebeu no rosto do homem a severa expresso de raiva e desejo que vira em Hunter, antes que se consolidasse seu amor por ela. Ento soube que, sem que nenhum dos dois se desse conta, Cadman acabaria por entrar no corao de Joanna da mesma maneira que ela conseguiu entrar no de Hunter. Mary deixou de prestar ateno ao casal, assim que viu Hunter com as jarras de cerveja na mo e Geoffrey sobre os ombros. Segue-o a todas as partes pensou enquanto observava seu filho e seu amado Geoffrey j comeou a quer-lo. Ento compreendeu que Hunter ofereceria ao filho de Edward tanto de si mesmo como a seu prprio filho e se alegrou de pensar que o menino no cresceria sem a influncia estabilizadora de um bom pai. Mary nunca amara tanto a Hunter como quando, depois de lhe estender a jarra de cerveja, baixou Geoffrey, que ria de alegria, dos ombros e lhe acariciou o cabelo. Antes de beber ele, Hunter deixou que o

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fizesse o menino, lhe sustentando a jarra para que no derramasse o contedo. Mary apagou sua sede lentamente e introduziu partes de po na bebida para abrand-los e dar-lhe a Ranald, que tinha despertado e tinha olhado ao redor com expresso confusa, expresso que manteria durante vrias semanas por causa do estranho do entorno. Comeou a mastigar as partes de po, se reanimando inquieto e esfregando os olhos. J o pego eu se ofereceu Hunter com certo acanhamento. Mary sabia que, a seu amante, consumiam os remorsos, quando recordava que esteve a ponto de matar seu prprio filho e que, por outro lado, o fato de t-lo o sobressaltava e o fazia comportar-se com estupidez. Mas, senhor protestou Geoffrey no haver lugar para todos sobre o cavalo. Hunter pareceu meditar o que disse o menino com supremo cuidado. Sim disse por fim com a cabea inclinada como se estivesse ainda refletindo tem razo, moo. Alm disso, sua me no dispor de nenhum homem que a ajude com Desmond; tenho que reconhecer que Ranald talvez ainda muito pequeno para ocupar-se disso. Geoffrey inclinou a cabea para um lado de uma forma muito parecida com como acabava de fazer Hunter e ps rosto de estar concentrando-se muito. Mary voltou o rosto para que seu filho no visse o sorriso que lhe arrancarsm os leves ares de importncia que estava adotando. Eu poderia ajud-la. A Geoffrey brilhavam os olhos pela provocao que aquilo supunha Poderia levar Desmond e inclusive inclusive me enfrentar a uns bandidos se nos estendessem uma emboscada. Tinha pronunciado as ltimas palavras com menor confiana e apoiando a mo em sua pequena adaga para assegurar-se de que ainda a tinha.

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Hunter considerou seu oferecimento com uma expresso de grande seriedade. Sim disse fazendo um gesto de assentimento De acordo. Voc cavalgar com sua me e a proteger tal como eu o faria. A expresso de alegria de Geoffrey se escureceu de repente, quando Hunter se dispunha a ajudar Mary a levantar-se. Senhor disse lhe puxando com inquietao o breacan Voc no um homem mau, verdade? Hunter ficou virtualmente desarmado ao lhe ouvir dizer aquilo. No, moo respondeu surpreso Como lhe ocorreu me perguntar algo assim? que que meu tio Hugh era um homem mau balbuciou o menino atropeladamente Fez mal a minha mame. Minha mame no foi feliz durante muito tempo. Eu eu no quero que voc lhe cause dano e que a faa infeliz. Mary viu por cima da cabea de Geoffrey o semblante de compaixo com que Hunter olhava o menino. A confuso com que falara seu filho a desconcertava. No pensava, nem considerava o efeito que a brutalidade de Hugh poderia produzir em Geoffrey. Hunter se abaixou ao lado do menino e lhe ps as mos sobre os ombros. Escute-me, moo. O tom de sua voz era srio, mas amvel Quero muito a sua me. Sempre a quis e teria me casado com ela, se seu pai no houvesse desposado com ela primeiro. Jamais faria algo que acreditasse fosse ofend-la se pudesse evit-lo. Entende-me, moo? Sim. Senhor? Sim, moo? Era meu pai um homem mau?

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Uma pequena dor se refletiu no rosto de Hunter, mas a ocultou imediatamente. No cheguei a conhecer seu pai, Geoffrey. O cavalheiro estava escolhendo as palavras com cuidado Mas sei que, sua maneira, queria a sua me tanto como a quero eu e que sempre fez o que julgou melhor para ela, inclusive quando quando Por um momento, lhe quebrou a voz Algum algum dia lhe falarei de seu pai, moo, porque era um homem muito bom; o melhor. A Geoffrey, iluminou o rosto de alegria. Oh, obrigado, senhor. Muitssimo obrigado exclamou antes de tornar-se a correr para contar a Joanna o que acabava de ouvir. Agradeo-lhe isso, meu amor disse Mary, tomando a mo e apertando-a ao tempo que as lgrimas apareciam em seus olhos. Por um fugaz instante, Mary teve a sensao de que a sombra de Edward passava entre eles e desaparecia. Ento soube que o fantasma do bondoso e romntico jovem que fora seu marido no voltaria a os perseguir. De algum modo, acreditou v-lo sorrir daquela doce e tmida maneira que lhe era prpria e compreendeu que lhes tinha dado sua bno. No que pensa? Em que Edward se sentiria orgulhoso se soubesse que ser voc quem educa seu filho. Hunter se emocionou. Se nossas vidas fossem diferentes, talvez tivssemos chegado a ser amigos. Educarei o menino como se fosse meu e lhe ensinarei aquelas coisas que seu pai apreciava. No permitirei que Geoffrey se esquea de

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Edward Carmichael afirmou Hunter, com veemncia juro-o por tudo o que sagrado. No muito longe cantou uma cotovia como se fosse uma flauta doce. O grupo subiu balsa. Quatro horas mais tarde ,cruzavam o rio Mai. Pouco depois chegavam a Perth, onde compraram as passagens para um navio com destino Frana. Quando a embarcao comeou a entrar lentamente no mar, todos apareceram amurada para ver como seu pas desaparecia na distncia e tentaram gravar na memria as lembranas mais queridas: as majestosas montanhas de cor prpura; os extensos pramos dourados; o resplendor da corte de Jamie; o estridente chiado de uma gaivota, que ressonou com claridade sobre as pardas ondas e se converteria na ltima lembrana que levariam consigo. Aquela nota triste, lastimosa e agonizante se diria que foi a despedida adequada, pois nenhum esperava voltar a ver a Esccia.

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Quarta Parte Os Selvagens Coraes

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Captulo 27
Mar do Norte, 1492

A bruma no se aderiu s guas como o faziam normalmente os tufos de nvoa nas montanhas da Esccia, mas sim desceu sobre elas como um fantasmal lenol que casse sobre um menino, densa e quase branca na escurido das noites que os fugitivos passaram no mar do Norte. A lua aparecia intermitentemente por entre as nuvens e acariciava com dedos de prata a bruma que cobria as inquietas ondas, conferindo ao mar a viveza de uma massa de estrelas fugazes. Em uma ocasio, antes que cruzassem o canal da Mancha, estalou uma furiosa tormenta, que lanou fantasmais labaredas de fogo verde pelos estays em tanto que as velas se fendiam de vento e puxavam os chiantes mastros. O navio avanou afundando a proa nas espumas que lhe rodeavam, encabritando-se furiosamente nas pardas e misteriosas profundidades sobre as que cavalgava. Na adega, Craigor, Desmond e Logie (que viajavam com seus donos, j que um cavalheiro sem cavalo no pode servir a seu senhor) relinchavam. Mary, que apareci eu de novo amurada aps ter sofrido um enjoo, se sentiu pela primeira vez em sua vida pequena e insignificante ante a imensa e enfurecida massa de gua. O navio atracou em Run, a cidade onde antigamente se assentava a resplandecente corte do reino normando e da qual Guilherme, o Bastardo se lanou a conquistar a Inglaterra quase quinhentos anos atrs. Ali

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compraram a passagem para uma gabarra que se dirigia a Paris, onde Hunter e Cadman esperavam poder ficar ao servio da corte francesa ou algum senhor em qualidade de cavalheiros. Chegaram cidade, poucos dias mais tarde. Na margem do Sena conhecida como a rev droit, o magnfico jardim das Tulleras se estendia com uma exploso de flores multicoloridas; justo na borda, o grande palcio do Louvre se elevava em todo seu radiante esplendor. Ali se encontrava a residncia do rei e a chave, portanto, das muralhas e as defesas da parte oeste da cidade. Geoffrey e Ranald no foram quo nicos ficaram encantados com os jardins e a fortificao, pois estes resplandeciam com um brilho muito mais intenso que o do palcio de Holyrood de Edimburgo, o qual lhes parecia austero em comparao. O palcio francs tinha sido construdo pelo rei Felipe Augusto em 1220 no lugar em que os vikings acamparam durante seu infrutfero ataque a Paris do ano 885. Com o transcurso dos anos, os monarcas franceses tinham acrescentado asas construo, de tal sorte que esta tinha acabado por converter-se no amplssimo palcio ao que Hunter e outros queriam acessar. Decidiram que o melhor seria que Mary entregasse as cartas de apresentao, j que era uma familiar longnqua do rei James IV da Esccia. Sabendo que Jamie lhe perdoaria, atreveu-se a magnificar a importncia do parentesco e graas a isso lhes permitiu alojar-se em duas pequenas cmaras em uma escura parte do castelo. Uma vez instalados comodamente, os seis comearam a explorar a cidade para entreter o tempo at o momento em que Carlos VIII os recebesse. Foram s compras aos Halls, o mercado de Paris e ficaram estupefatos ante a enorme variedade de produtos que se expunha em

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quo postos abarrotavam a praa. Entretanto, no adquiriram nada, exceto um presente para o rei, pois os recursos de que dispunham eram muito limitados. O fato de que pudesse olhar, mas no comprar fez Mary compreender com maior claridade que qualquer outra circunstncia a vida que elegera implicava pobreza e privaes. No, Geoffrey, no toque isso repreendeu a seu filho, quando viu que este se dispunha a agarrar um pssego amadurecido. Mas, mame sempre tivemos pssegos em casa protestou ele. Bom, tome um para voc e outro para Ranald mediu Hunter rapidamente. No convm fazer-lhe mais difcil do que j disse a Mary com o olhar E por uma vez no ocorre nada. E como se compreendesse os apuros que estavam passando, Geoffrey compartilhou seu pssego com os outros. Emocionados por sua considerao e generosidade, rechaaram seu oferecimento e se alegraram vendo como desfrutava comendo-o. Visitaram a Priso fortificada, mas o lugar os deprimiu, por isso no demoraram a partir dali. Dirigiram-se a Menagerie e o jardim d Levantes para animar-se. Viram os animais selvagens que rondavam inquietos nas jaulas; grandes gatos que bufavam ameaadoramente mostrando presas como adagas; aves tropicais de plumas multicoloridas que grasnavam ruidosamente das rvores que estavam encarapitadas; macacos faladores que saltavam de uma barra a outra e se detinham de vez em quando para arranhar uns aos outros. Ao cabo de uma semana, foram informados que o rei os receberia.

Embora o monarca dos Valois completasse os vinte e um anos, era de constituio doentia e de uma altura bastante inferior a que correspondia

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para sua idade. Apesar de ter um agradvel rosto ovalado e uns enormes e brilhantes olhos castanhos, seu nariz era muito grande e a ponta afiada, sobre uns lbios fino e firme o superior carnudo, o inferior, que evidenciavam uma natureza luxuriosa. Tinha o queixo quadrado e falho. O cabelo, castanho e liso, caa-lhe sem lustre at a mandbula. Seu costume de retorcer nervosamente as mos exasperava aquelas pessoas que deviam aguentar sua presena, as quais perdiam frequentemente a pacincia. Estava acostumado a sentar-se em cima de um estrado atapetado por uma tapearia de primorosa feitura sobre o que pendia um dossel de veludo adornado com uma flor de lis de ouro. A seu lado se sentava Ana da Bretanha, sua futura esposa. Com dezesseis anos, Ana era uma moa pequena, delicada e muito magra para o largo rosto que coroava seu pescoo. Tinha os olhos grandes e escuros, o nariz romano e os lbios avultados e em forma de arco. Coxeava e, temendo que o rei se afastasse dela, pegava-se a ele com um zelo e um anseio tais que sua atitude resultava realmente anormal. Apoiados contra as paredes de cada lado da sala descansavam dois largos bancos em que estavam sentados os prncipes de sangue e os prelados permanentes que integravam o conselho privado do rei Carlos. Na parte da cmara situada frente ao estrado havia outro banco, onde o monarca indicou a Mary, Hunter e Cadman que se acomodassem uma vez se ajoelharam e apresentaram. Joanna ficou nos aposentos cuidando de Geoffrey e Ranald. Hunter atuou de porta-voz do pequeno grupo. Embora Carlos parecesse sentir certo prazer com o taco de golfe que lhe deram de presente (era um grande aficionado aos esportes), nada lhes prometeu e os despachou com certa brutalidade, assim que Ana se aproximou dele

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com ar suspicaz e lhe sussurrou algo ao ouvido. No momento em que se inclinaram para despedir-se, a futura rainha consorte olhou Mary com rosto de poucos amigos, e esta compreendeu que a prometida do rei no toleraria que permanecessem muito tempo na corte. A Mary, encolheu o corao: aquilo significava que no demorariam a reatar a marcha. Quando tiveram fechado as portas da sala, posou a mo no brao de Hunter e lhe falou rapidamente em galico para que ningum entendesse o que estava dizendo. Essa puta bret est ciumenta porque o rei se fixou em mim. Como sigo lhe fazendo caso, Carlos acabar rodeado de vacas. No se preocupe, amor disse Hunter com os olhos entreabertos Tampouco eu gostei da insolncia com que a olhou o rei. Nem a mim, lhe asseguro replicou Mary, irada. O rei Carlos, em efeito, tinha posto o olhar em seu suti em mais de uma ocasio durante a recepo e inclusive em alguma delas lhe cai a baba pela comissura dos lbios (o monarca jamais mantinha a boca totalmente fechada). Mary estremeceu. O rei sabe que os catlicos podem apoderar-se do ducado da Bretanha a qualquer momento. Como ele tambm quer conquist-lo, acredita que contraindo matrimnio com Ana conseguir mant-los a distncia interveio Cadman. Hunter fez um gesto de impacincia com a mo. Nesse caso um estpido. Tem quebrado seu compromisso com a filha de Maximiliano para desposar-se com Ana, que est casada com o prprio Maximiliano por poderes. No acredito que o Papa ou o imperador o tolerem. Escutem-me bem: como segue tonteando desta

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maneira com suas noivas, quo nico Carlos conseguir que o Sacro Imprio Romano Germnico se desintegre. Cadman sorriu. Ento talvez consigamos entrar na corte austraca, irmo. possvel que necessitem de homens de armas. Esse arrogante Habsburgo! Os germanos so uns estirados afirmou Hunter, aludindo a Maximiliano I. Sim, mas no somos mais que uns mendigos e no podemos nos permitir andar com melindres. No acredito que seja to m ideia nos refugiar no palcio do imperador Maximiliano. Tem razo disse Hunter, assentindo com a cabea Vamos daqui. No quero que Mary viva sob o mesmo teto que esse luxurioso. O cavalheiro cigano assinalou com o polegar a sala em que se encontrava Carlos VIII. Nem a mim que o faa Joanna. Menos mal que ficou cuidando dos meninos. Cadman tinha avermelhado de repente vermelho de cimes. Mary notou que ela tambm se ruborizou. Perguntava-se se todos os MacBeth seriam to possessivos com suas mulheres como Hunter e Cadman, e se este teria aceso a chama da paixo em Joanna da mesma maneira que seu amado a acendeu nela.

Os escoceses reataram sua viagem por terra. Atravessaram Borgoa e chegaram fronteira da Sua, onde os Alpes se elevavam at alturas superiores s de suas montanhas das Terras Altas. Quando falavam, suas vozes ressonavam de uma forma estranha. Divertiram-se muito gritando e esperando que o eco de suas prprias vozes se repetisse uma e outra vez.

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Seria o nico bom momento que viveriam naquela zona, pois, pelo resto, o trajeto pelos Alpes resultou uma terrvel experincia. O esforo gravou no rosto de Hunter profundas e sombrias rugas durante aqueles dias. Cadman tambm pareceu envelhecer e perder o bom humor. Joanna estremeceu, ao ver a frieza que se apoderava do olhar do jovem, que at ento s tinha expresso alegria. Embora no deixasse de mostrar-se amvel com ela e seguia possuindo-a cada noite com ansiedade, no lhe dizia se a queria, e ela temia que a abandonasse assim que se fartasse dela. Esse medo originou em boa medida que desaparecesse a indiferena com que ela o tinha tratado at ento. Sou uma carga para voc. Joanna procurou com seus olhos castanhos o olhar azul de Cadman. Ele a olhou, reflexivo, por um momento. Uma moa pouco disposta sempre um problema. Quando me possuiu, j sabia de minha pouca disposio. E agora, Joanna? O que me diz agora? A moa se ruborizou ante tal audcia, incapaz de sustentar o penetrante olhar que Cadman lhe dirigia. Entretanto, no retrocedeu, quando este a agarrou e lhe deu bruscamente um beijo. Pouco depois, Cadman a ajudava a subir a Logie esboando com dissimulao um sorriso pcaro. Se havia uma maneira de salvar as enormes montanhas, os escoceses no a conheciam. Desanimados, viram-se obrigados a retornar a Borgoa pelo mesmo caminho que tinham utilizado para ir e recomear a viagem dali. Atravessaram o territrio de Belfort at chegar ao ponto em que se uniam as regies de Wurtemberg (pertencente ao reino germnico) e Baviera.

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Para ento, o manto avermelhado e dourado do outono j cobria os campos, e o inverno comeava a fazer-se notar. Mary tinha ouvido vrias histrias sobre os fortes e valentes guerreiros teutones e hunos, homens que habitavam os promontrios, jogavam as lanas com a velocidade do raio e dirigiam as tochas como se estivessem golpeando uma bigorna com um martelo. Quando comearam a vislumbrar as fortificaes germanas, no encontrou nenhuma razo que a fizesse duvidar da veracidade de sortes histrias. Aquela era realmente uma terra de gigantes: os Alpes se elevavam como tais ao longo das ribeiras dos rios, os quais, com o transcurso dos sculos, tinham erodido as impressionantes rochas da regio e criado ravinas cuja profundidade cortava a respirao de qualquer que aparecesse. Naquelas paragens onde os escarpados e azulados topos no se erguiam como deuses, dilatavam-se interminveis extenses boscosas e vales imensos de um verde plido precioso; as colinas de ditos vales acolhiam aldeias cujas Igrejas estavam rematadas com cpulas elevadssimas que pareciam acariciar o cu. Cruzaram em balsa o magnfico Rin e o elegante Danbio, to azul e reluzente como os nevados picos da cordilheira. O outono se mostrava em torno deles com um esplendor de sonho. Manchas laranja e amarelas salpicavam os frondosos bosques negros, como se um pintor se afastasse do cavalete para lanar gotas de pintura. Cervos vermelhos e salpicados se davam fuga, rompendo o silncio que reinava no campo com sua precipitada corrida por entre os apinhados arbustos. Pelos sinuosos atalhos que se alargavam entre as rvores rondavam os lobos, cujos olhos amarelos brilhavam na escurido da noite,

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que caa com o sigilo de uma bruxa para cobrir clareiras e brejos com sua grande capa de bano. Os adultos no precisavam advertir aos meninos que no se afastassem. Geoffrey se mantinha ao lado de Hunter ou pego as saias de sua me; Ranald, que estava aprendendo a andar, no se aventurava alm de aonde chegavam os braos de Mary e Joanna. A tnue nuvem do flego invernal j comeava a descer sobre eles, quando deixaram atrs os Alpes, atravessaram a imensa concha da Panonia e chegaram a Viena, por cujas estreitas ruas partiram as tropas romanas e Ricardo Corao de Leo da Inglaterra foi raptado. Os escoceses desembarcaram e entraram na cidade. Passaram ante a igreja de So Rupert e baixaram pela rua pavimentada de Tuchlauben. No muito longe dali se achava o palcio Am Hof, residncia dos duques de Babenberg, antigos governantes da ustria. Mais frente, ao final da Rua Kohlmarkt, que torcia para a parte oeste da cidade, via-se o Hofburg, o grande palcio dos poderosos Habsburgos, em todo seu esplendor. A famlia que governava a ustria naquele momento decidira prescindir de Am Hof e construra aquela majestosa residncia ao sul do grande castelo. Como no caso do Louvre, com o passar dos sculos os diferentes monarcas acrescentavam novas asas ao Hofburg, de maneira que a fortaleza se prolongou sem ordem nem concerto com o passar do centro comercial. Uma vez mais, graas ao atrevimento com que Mary exagerou a importncia de seu parentesco com Jamie, os fugitivos escoceses conseguiram alojar-se no palcio. Depois de deixar os trs cavalos nos estbulos e seus poucos pertences nos aposentos, o pequeno grupo se

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encaminhou para o mercado prximo Rua Wollzeile para comprar um presente ao imperador. As torres da catedral romana de So Esteban se elevavam ao longe. Embora um incndio destrusse o interior no sculo X as obras de reconstruo foram iniciadas a princpios do sculo seguinte e j estavam a ponto de ser concludas. Na fachada oeste, com seu enorme portal dos gigantes e as duas torres pags, conservou-se o estilo da original, e atrs dela se edificou um aplique de estilo gtico. A torre sul desta asa se elevava como um cume para o cu; a do norte ainda no estava acabada e oferecia um aspecto bastante desolado ao lado de sua companheira. As telhas coloridas do grande teto arredondado da catedral cintilavam como a luz do sol. Perto dali, a capela e a sala capitular da Ordem dos Cavalheiros Teutnicos, que datava da poca das cruzadas, pareciam ces guardies que estivessem postados diante da porta. A Mary, chamou a ateno catedral, por isso se separou do resto do grupo e entrou em seu silencioso interior para ajoelhar-se e rezar por um momento. Santa Maria, Me de Deus murmurou nos d, a mim e aos meus, sua bno e perdoe nossos muitos pecados. Proteja-nos agora que estamos to longe de nosso lar e nos guie neste estranho pas. Interrompeu-se sem saber como continuar. Ento se precaveu de que Hunter estava ajoelhado ao seu lado com a cabea agachada. Brandamente, seu amado lhe agarrou as mos e sussurrou: Oh, Deus que est nos cus. No somos dignos de sermos seus servos, porque nosso amor causou muita dor s pessoas que queremos. Se encontrssemos outra maneira de estar juntos, teramos evitado essa

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dor. Perdoe nosso egosmo e tenha piedade de ns. O amor que nos professamos irrompeu com a rapidez de uma tormenta de vero e cresceu com o passar do tempo como uma semente em terra frtil. Se no somos marido e mulher de nome, o somos de corao. No existiu um amor mais profundo entre um homem e uma mulher como o de Hunter MacBeth e Mary Carmichael. Por isso, entrego-lhe meu amor e minha vida. E eu a voc disse ela, com veemncia. Hunter lhe deu um beijo, depois do qual se levantou e introduziu um soberano de ouro na sacola das esmolas. A seguir, saram os dois da catedral em silncio. Tanto? perguntou ela com inquietao. Por voc teria dado o resgate de um rei. No est bem amar tanto; fomos castigados por isso. No, Mary, nossos coraes foram postos a prova e se mantiveram fiis. O amor no vale nada, se no for dessa maneira.

***

O arrogante Habsburgo, como o chamou Hunter, demorou quase duas semanas em receber aos fugitivos escoceses. A magnificncia do palcio do que Maximiliano I governava o Sacro Imprio Romano Germnico no podia comparar-se com a de Edimburgo. Mary jamais vira um conjunto to importante de pessoas como o que se congregou no salo de recepes do monarca dos Habsburgo. Estadistas de Bomia, Moravia, Baviera, Crocia, Serbia, Hungria, Polnia e Rssia iam em turba a corte do imperador. Maximiliano era um homem ardiloso e vaidoso, um guerreiro poderoso e um soberano ambicioso que ardia em desejo de unir

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todos os pases da Europa ocidental como o fizera Carlos Magno. S falava francs e wienerisch1 e desprezava o Hochdeutsch2 dos pases vizinhos da mesma maneira que seus antepassados desdenharam o palcio de seus predecessores. Mary estremeceu, ao ajoelhar-se ante ele, pois seu olhar era o de um homem severo e egosta. Suas sobrancelhas se arqueavam

arrogantemente sobre seus olhos, que tinham uma expresso fria e distante, e seu nariz grande e largo, caa sobre uns lbios de gesto resolvido que estavam acostumados a ficar tensos quando se zangava. Profundas rugas sulcavam sua volumosa papada. O cabelo o tinha loiro e o levava liso at as orelhas, ao redor das quais lhe ondulava brandamente. Os escoceses se sentiam coibidos e desconjurados no suntuoso salo, j que a Esccia no mantinha com o Sacro Imprio Romano Germnico as boas relaes que estava acostumada a manter com a Frana. Os singelos breacans de Hunter e Cadman e o arascaid de Mary chamavam a ateno negativamente ao lado dos trajes de seda, cetim, brocado e damasco que levavam os cavalheiros e as damas da corte. Os escoceses tinham pouco dinheiro e representavam um pas que no tinha importncia alguma para o imperador. Apenas se fixou neles. Com a grande quantidade de pases e homens de armas que tinha ao seu dispor, estava claro que no lhe faziam nenhuma falta. Molhados e desanimados, os fugitivos escoceses seguiram seu caminho sob as primeiras neves invernais. O Danbio, que tinham visto brilhar como uma safira luz do sol outonal, no demorou em ficar gelado como se fosse mrmore branco e quando as placas de gelo flutuante se
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dialeto da cidade Ele tambm usado para se referir ao idioma alemo padro

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converteram em uma superfcie slida, os seis fugitivos se viram forados a abandonar a balsa em que viajavam. Cegos por umas branqussimas rajadas de neve e sofrendo um frio inimaginvel, seguiram avanando a p como facilmente puderam, contentes de adquirir uns casacos de pele antes de abandonar a costa austraca face ao muito que lhes haviam custado. Quando no encontravam uma estalagem, dormiam em estbulos apertando-se uns aos outros sobre o feno para entrar em calor. Geoffrey e Ranald ficaram doentes e comearam a ter febre e a tossir. Mary os obrigou a tomar vrias colheradas de um remdio que tinha comprado do mdico de uma aldeia. Embora aquilo parecesse os aliviar, Mary no pde evitar preocupar-se at o extremo de sentir-se igualmente doente, por isso Hunter decidiu que ficariam em um pequeno povo at que ela e os meninos se recuperassem. Durante os quase trinta dias que seguiram, cuidou deles com gesto preocupado, enquanto Cadman e Joanna se moviam ao redor em silncio por medo espcie de loucura que se apoderou dele. Desde que se haviam posto doentes, Hunter no deixou de se amaldioar e culpar-se. No deveria hav-los tirado da Esccia. No esto acostumados a este frio. Tampouco ns indicou Cadman Levam a fora das Terras Altas no sangue. Ficaro bem. Estou maldito gemeu Hunter Tudo minha culpa. No, Hunter disse Joanna, ajoelhando-se a seu lado e apoiando uma mo sobre a sua O amor est o cegando, e o cargo de conscincia est o voltando louco. Mary abandonou tudo o que tem por voc. No lhe falte agora.

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Animado, Hunter foi estadia da estalagem em que dormiam Mary e os meninos e beijou o rosto de sua amada ardentemente, como se pensasse que s com a paixo fosse cur-la. Mary piscou e abriu os olhos. Veio meu prncipe encantador sussurrou com um leve sorriso nos lbios. Hunter se deu conta de que lhe baixara a febre e sentiu uma sensao de alvio to forte como uma inundao de gua ao sair por um dique gretado. Geoffrey e Ranald despertaram mal humoradamente e comearam a pedir o jantar. Hunter se ajoelhou e abraou toda sua famlia. Tinha os olhos rasos de lgrimas e lhe tremia o queixo da emoo. Oh, meu amor disse a Mary, ao tempo que lhe agarrava tremulamente a mo No volte a me abandonar. No posso viver sem voc. Estiveram em silncio por um momento at que Geoffrey escorreu como um feixe dos braos de Hunter e pediu de novo o jantar. O cavalheiro, que estava a ponto de romper a chorar, ps-se a rir e pediu a melhor comida que havia na estalagem. Poucos dias mais tarde, Mary insistiu em que se encontrava suficientemente bem para viajar. Geoffrey e Raland no deixavam de jogar e brincar de correr, dando amostras evidentes de que tambm se restabeleceram. Assim, abandonaram o povo e reataram a marcha. Aquela noite, os escoceses acamparam sob as estrelas, que pareciam flocos de neve no firmamento. S as chamas da fogueira rompiam a escurido que ia caindo silenciosamente sobre eles. No sentiam apenas frio, j que tinham decidido se deter sob umas rvores extremamente frondosas para se abrigar do vento gelado que soprava.

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Hunter estava agachado ao lado do fogo movendo-se com rosto de inquietao. A tranquilidade que reinava no bosque lhe recordava ao silncio mortal que, como um pssaro de mau agouro, cai sobre o campo de batalha antes que comece a luta. Olhou Cadman aos olhos, que brilhavam azuis luz do entardecer, e soube que seu irmo de adoo tinha a mesma sensao que ele. Isto eu no gosto lhe sussurrou ao ouvido. A mim tampouco, irmo, a mim tampouco. Isto est muito, tranquilo e h tantas rvores que algum acaba tendo a impresso de que h homens escondidos atrs de todas elas. Diga s moas e aos meninos que se aproximem do fogo. Esta noite no vamos dormir. Geoffrey e Ranald dormiam profundamente com uma expresso de paz no rosto. Mary e Joanna se aconchegaram uma a cada lado para proteglos e ao cabo de um momento conciliaram o sono. Pouco depois, Mary deu um pulo e despertou angustiada por um terrvel pesadelo. Hunter! Hunter! A figura do cavalheiro se perfilou na escurido e se aproximou dela; Cadman apareceu com a mesma rapidez pelo outro lado do acampamento. O que acontece, tigresa? sussurrou-lhe ao tempo que se ajoelhava a seu lado. Tive um sonho um sonho horrvel. Uns homens Rpido, meu amor, me diga quantos eram Cinco, acredito que eram cinco. De onde vinham?

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Do sul vinham do sul, como se fossem abutres que queriam nos atacar. Era de noite. Havia uma briga. Joanna gritava. E eu tambm. Os meninos, Oh, meus meninos. Mary abraou freneticamente seus filhos, que seguiam dormidos. Apague a fogueira, Cadman disse Hunter com determinao Esconda-se atrs daquela rvore. So mais que ns, mas temos a nosso favor o fator surpresa. Cadman olhou primeiro a seu parente logo a Mary. Na expresso de seus olhos se mesclava o medo, a perplexidade e a suspicacia Tem a viso disse Hunter laconicamente Faz tempo que sei. Tem em sonhos. Por amor de Deus, homem! No fique a parado como um parvo! O medo que tem no mais que fruto de sua ignorncia! E guarde suas supersties para outra ocasio! Cadman fez um gesto de assentimento sem dizer nada. Entretanto, Mary viu nas brasas que se apagavam sob a neve que o cavalheiro o fazia dissimuladamente o antigo sinal pago contra o demnio. Tremendo violentamente, inclinou-se para despertar Joanna. O que ocorre, Mary? Vm homens uns ladres. Temos que pr os meninos a salvo. Sem formular nenhuma pergunta, Joanna agarrou Geoffrey nos braos, consciente de que Mary no se recuperou por completo de sua recente enfermidade. Ranald pesava to pouco que parecia uma pluma, por isso Mary no teve nenhum problema para lev-lo at uns arbustos prximos. O menino comeou a mover-se, mas no abriu os olhos. As duas moas se esconderam na espessura, protegendo os meninos, que seguiam dormindo, e aguardaram. Um cervo passou correndo entre as rvores, as assustando, depois do qual s rompeu o silncio o leve rumor do vento

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que soprava entre as folhas e os relinchos dos inquietos cavalos que escavavam o gelo com os cascos. Ento ouviram: um rudo surdo na malesa e uns murmrios que bem poderiam ser o suave e lastimoso assobio da brisa. Mary notou que lhe arrepiava o plo e que um calafrio percorria as costas. Eram cinco, cinco ladres, como ela disse que surgiram na escurido da noite como diabos. Sentiu vontade de gritar, mas o som que atravessou a noite no foi sua voz, a no ser as de Hunter e Cadman proferindo o grito de guerra dos MacBeth. Pelos MacBeth! Pelos MacBeth! Mary no teria sabido dizer se devido ao fator surpresa, a estremecedora chamada s armas ou furiosa apario entre as sombras das rvores de uns guerreiros embelezados com breacans, mas o certo que Hunter e Cadman conseguiram matar rapidamente a dois dos ladres e lutaram a seguir com outros dois. O quinto homem, em lugar de intervir na briga, aproximou-se do acampamento, caminhando como se fosse uma pantera enjaulada. Um maligno sorriso se desenhou de repente em seus lbios: tinha visto rastros na neve. Soltando um grunhido de satisfao, descobriu o lugar em que se escondiam as mulheres. Mary e Joanna comearam a gritar, e seus alaridos de terror rasgaram a noite como facas. Os meninos despertaram confusos e, assustados pela animao romperam a chorar. As moas brigavam, no s para salvar suas vidas, mas tambm as dos pequenos; pareciam tigresas protegendo seus cachorrinhos. O homem rasgou o arascaid de Joanna e deixou ao descoberto seus seios, plidos chapeada luz da lua invernal. Mary se lembrou de repente de sua adaga e com um rpido movimento a desencapou. Acaso no era a filha de seu pai? No momento em que o

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ladro levantava a cabea e punha-se a rir ante a expresso de horror e asco de Joanna, a adaga penetrou profunda e fulminantemente em sua garganta. A gargalhada se converteu em um gargarejo; o ar assobiou por seu gog, e o homem desabou com uma expresso de surpresa no rosto. O corpo se convulsionou e ficou inerte. No muito longe, os outros homens lutavam furiosamente. Hunter deteve com a espada um golpe mortfero; tinha os msculos tensos e suas veias pareciam estar a ponto de estalar pelo esforo de sustentar a pesada arma. Seu competidor era mais corpulento que ele. Tratava-se de um homem robusto, com aspecto de brbaro, quatro cabelos na barba e um sorriso grosseiro e desdentado. Sua larga juba ruiva ondeou quando voltou a arremeter contra Hunter. Este repeliu o tremendo golpe com o escudo, mas a contundncia da descarga sobre seu ombro dbil paralisou seu brao de dor. Hunter cambaleou. Mary sufocou um grito; Geoffrey e Ranald, pegos a suas saias, estremeceram-se e afogaram seus gemidos. Joanna desaparecera. Hunter recuperou em seguida o equilbrio, mas fingiu que tropeou para que seu competidor supusesse que no poderia rechaar outro ataque. O truque no teria funcionado luz do dia, mas a noite era escura e o ladro estava to sedento de sangue que mal podia pensar no que estava fazendo. O homem se equilibrou sobre Hunter proferindo um grunhido de urso e baixando a cabea como um touro. O cavalheiro cigano esperou a ter seu atacante virtualmente em cima para saltar a um lado, disposto como um gato, e descarregar sua espada com um gil movimento sobre o pescoo do homem. O talho lhe cortou a cabea limpamente. O sangue brotou como gua de um fornecedor e caiu sobre a neve formando um atoleiro vermelho. A cabea saiu rodando e foi parar a um

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arbusto, onde ficou inclinada como se estivesse olhando-os. A Mary ,falharam as pernas; fincou os joelhos sobre o frio e mido cho e apertou seus filhos contra seu peito para que no presenciassem aquele terrvel espetculo. Ouviu-se um grito procedente do outro lado da clareira. Cadman tropeou com a raiz de uma rvore e cado. Sua espada saiu voando como se lhe tivessem dado asas. Indefeso, se abaixou com a inteno de rodar para um lado, enquanto seu competidor se erguia sobre ele como um gigante para lhe dar o golpe de graa. No chegaria a faz-lo. Como um anjo vingador ou uma amazona louca de raiva se tratasse, Joanna surgiu da espessura com os seios ao ar e empapados de suor pelo medo e os mamilos endurecidos pelo frio. Obstinada como um ourio ao pescoo de Logie, sentada escarranchada, empunhava a pesada maa de Cadman com uma fora que ignorava possusse. A arma caiu sobre a cabea do foragido com uma contundncia devastadora. O rudo do impacto sobre o elmo ressonou por toda a clareira como uma martelada sobre uma bigorna. O capacete de ao se rachou, e a massa cerebral do ladro saiu despedida em todas as direes. Cadman viu ento que, com a fora do ataque, Joanna perdeu o controle do cavalo e a maa saa voando desenhando um arco no ar. O cavalo ficou de patas no ar no momento em que a perigosa arma passava dando voltas por diante de seu focinho. Joanna puxou desesperadamente as rdeas, mas o animal no obedeceu e se internou ao galope no escuro bosque. Antes que desaparecesse, Cadman viu como os ramos golpeavam o rosto da moa. O jovem sabia que nenhum homem, exceto Hunter, montara ao fantasmal Craigor, que escoiceava inquieto junto aos arbustos e expulsava

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nuvens brancas pelo nariz. Entretanto, no duvidou nem um segundo em subir a seu nu lombo, agarrar as rdeas e lhe fincar as esporas nos flancos. O semental se encabritou, mas Cadman, tirando foras da fraqueza, conseguiu control-lo rapidamente e se lanou atrs de Joanna. Segundos mais tarde, os dois cavalos corriam emparelhados por entre as rvores. Cadman dominava Craigor com a habilidade que tinha adquirido de pequeno como escudeiro, quando teve que aprender a cavalgar por um caminho cheio de obstculos que faziam s vezes de espadas, tochas e maas que deveria sortear mais tarde no campo de batalha. Embora no demorou a fazer-se com a brida de Logie, no conseguiu fre-lo at que cobriram quase meio quilmetro mais. Quando o animal se deteve finalmente, Joanna desmaiou e caiu ao cho. J! J! chamou Cadman, ao tempo que corria a ajoelhar-se a seu lado. Aliviado, comprovou que ainda respirava. Agarrou-a nos braos e lhe molhou o rosto com neve. Ao cabo de uns segundos, a moa se moveu, soltou um gemido e abriu os olhos. Tranquila, est a salvo disse ele com doura quando a moa comeou a lutar Graas a Deus, est a salvo. Acariciou-lhe o cabelo com suavidade. Ento se fixou em que a moa posava o olhar em seu seio descoberto e se ruborizava timidamente, por isso se apressou a lhe arrumar o suti do arascaid. Viu que o ladro lhe fizers uma marca; a roou com os dedos e a beijou. Salvou-me a vida. Ela assentiu com a cabea, fechou os olhos e apoiou a cabea no ombro de Cadman; sentia-se segura entre seus braos. Por que fez? Poderia haver se liberado de mim.

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Ento esse bruto ocuparia seu lugar e me violaria. Ento, prefere a esse ladro, no certo? No No? Cadman arqueou uma sobrancelha interrogativamente e reprimiu um sorriso Jamais deve mentir a seu senhor, moa. No me quer nada? perguntou com voz baixa. S s um pouquinho respondeu a moa, por fim. Cadman sabia que o que Joanna sentia por ele era muito mais profundo do que dizia. Mas era orgulhosa e no quis pression-la. E bem? perguntou ela, espectadora. E bem o que? Cadman voltou a rosto para que a moa no visse a expresso de amor que aparecia em seus risonhos olhos azuis. Depois de me haver arrancado semelhante confisso, no tem nada a dizer? O que quer que lhe diga? Joanna mordeu o lbio. Cadman Lhe custava esforo pronunciar seu nome de batismo. Jamais o tinha chamado assim Sei que amou outra mulher. Mary me disse. Sim, J, certo, do mesmo modo que voc entregou seu corao a Gordon Carmichael. Mas eles esto mortos, e ns, vivos. Mas eu eu no posso ocupar seu lugar, e voc tampouco o de Gordie. Certo, mas h muitas formas de querer-se, J, se a isso refere. Joanna se ruborizou. No queria dizer isso. Ento diga a que se referia.

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A moa respirou fundo. No voltaremos a ver a Esccia. o mais provvel admitiu ele. Somos uns exilados em um pas estranho. No me surpreenderia que me abandonasse por algum de sua categoria, j que um cavalheiro capaz e bem disposto. Com sua habilidade no campo de batalha, poderia conquistar facilmente uma moa com um bom dote. Sei que no sou mais que uma donzela a que faz prisioneira, Cadman. Embora haja recebido uma boa educao, no me resultaria to singelo encontrar um homem de boa posio que queria me aceitar como esposa. Na Esccia, ao menos, poderia me haver casado com um cavalheiro humilde. Aqui, em troca, no sou virgem, careo de dote e sou uma bastarda. Eu tambm sou filho bastardo, J; j sabe disse Cadman com voz baixa O que est me pedindo? Quero quero lhe perguntar Joanna se decidiu por fim a falar claramente Se me quiser, como eu a voc se me quiser se me quer tanto como para se casar comigo. No podia o olhar aos olhos Serei uma boa esposa, prometo-lhe isso. E com tempo talvez chegue a amar voc tanto tanto como amei Gordon. Joanna se ruborizou No lhe pediria isso em outras circunstncias, mas acredito que estou grvida, Cadman, e no quero que meu filho leve no escudo a banda esquerda que voc leva. Cadman respirou fundo. De modo que o sangue dos Carmichael se mesclar com o dos MacBeth uma vez mais. Muito bem, moa. Amo voc e estou disposto a me casar com voc, como deseja. Eu tampouco quero ter um filho bastardo. De todas as formas, eu tambm quero lhe prometer. Joanna

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lhe lanou um olhar de temor. O rosto do cavalheiro, iluminado pela luz da lua, tinha uma expresso grave No voltarei a toc-la. Prometo-lhe isso. Em resposta pergunta que se formularam nos surpreendidos olhos de Joanna, Cadman adicionou Ser minha esposa em todos os sentidos, J, o dia em que se aproxime de mim por sua prpria vontade e me diga que me ama e s a mim. No quero competir com um fantasma e tampouco quero que voc o faa. A mim j pertence ao passado; o teu, em troca, no. At que esse dia chegue, no me deitarei com voc como marido nem voc se deitar com outro em minha ausncia, porque a matarei se o faz. uma promessa, Joanna. E se alguma vez me aproximo de voc? Oh, f-lo-, Joanna; no lhe caiba dvida. Conheceu a dois homens, e seu corpo experimentou a alegria que se sente ao fazer amor. Acabar por se sentir sozinha em sua cama, e seu corpo sentir minha falta. Ao final voltar para mim. Est seguro? perguntou ela em um sussurro. Sim, estou seguro murmurou Cadman. Ento a abraou e a beijou apaixonadamente na escurido da noite. Pouco depois, retornaram ao acampamento em silncio. Mary e Hunter no queriam permanecer muito tempo naquele sinistro lugar, por isso, assim que retornaram Cadman e Joanna, reataram a marcha. Estava a ponto de amanhecer, e a lua brilhava ainda. Depois de percorrer uns quarenta quilmetros, detiveram-se em uma aldeia para tomar o caf da manh. Na igreja do lugar, Joanna e Cadman se ajoelharam ante um sacerdote austraco e contraram matrimnio; ela vestida com seu arascaid esmigalhado, e ele com o breacan manchado de sangue. O sacerdote, entretanto, no viu nisso nenhum impedimento para

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lhes dar a bno. A vida era dura; os tempos, incertos. Para seus cansados olhos, a imagem de um guerreiro com os sinais da batalha no era nada novo. Hunter e Mary presenciaram o rito com atitude solene. Em seus rostos, se refletia a dor que, para eles, supunha no poder ajoelharse ante o ancio sacerdote para unir-se felizmente em matrimnio. No muito longe da aldeia, o pequeno grupo encontrou uma avalanche. Deduziram que era recente porque a neve no tivera tempo ainda de endurecer-se. Em realidade, estava to branca que parecia o lenol de um beb. Aproximaram-se para examinar o bloco de neve e comprovar se podiam achar a maneira de salvar o obstculo. Oh, olhe, senhor disse Geoffrey a Hunter quando, chegaram ao silencioso lugar. Ali onde a neve da avalanche se confundia com a do campo, um passarinho tratava de elevar voo. Tinha uma asa rota e parecia estar a ponto de gelar-se Est ferido. O menino se agachou junto ao animal. Naquele momento, a Mary recordou tanto a seu pai que teve que voltar o rosto para ocultar as lgrimas. Oh, Edward. Parece-se tanto com voc, pensou No pode voar acrescentou o menino. Hunter tambm advertiu em Geoffrey o que sups a herana da sensvel natureza de Edward. Deixe-me ver, filho disse, ao tempo que cobria ao pssaro em suas fortes mos e comeava a embal-lo Sim, tem razo, moo. Mas acredito que tem remdio. Geoffrey se animou ao ouvir aquilo. Seriamente, senhor? Sim. Quer que o tentemos?

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O menino fez um terminante gesto de assentimento. Hunter entalou a asa com o ramo de uma rvore como pde e logo cobriu o pssaro com seu breacan para abrig-lo. Na primavera, quando curar a asa e se sinta melhor, devolver-lheemos a liberdade disse ao moo, para que no se afeioasse muito com o pssaro. Geoffrey elevou a vista e olhou Hunter com expresso de compreendlo. Claro, senhor. disse um animal silvestre e no pode viver em cativeiro. No estaria bem que ficssemos com ele. No momento em que o moo pronunciava aquelas palavras, o sol apareceu no este, iluminando-os com todo seu esplendor, como se Deus os visse e lhes sorrisse.

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Captulo 28
Estavam seguros de que o pssaro havia lhes trazido sorte, porque a partir daquele momento a viagem transcorreu sem problemas. Na Vspera de Natal, chegaram s cidades gmeas de Buda e Pest, beira do Danbio hngaro, populaes que eram as portas entre o Oriente e Ocidente. Situada em meio da concha dos Crpatos que unia a grande plancie hngara com o norte do Danbio, Buda se estendia sobre as suaves vertentes das colinas do mesmo nome que desciam at a ribeira ocidental do rio. O castelo de Buda, o palcio real construdo pelo rei Bela IV durante os anos que seguiram invaso mongol de 1241, dominava a regio do alto de uma colina. Em frente de Buda, a cidade de Pest se dilatava por uma plancie que se diria infinita e desprovida de acidentes orogrficos dignos de meno, j que a maioria dos jardins e bosques da regio se encontrava em torno de sua cidade irm. Ao norte, entre Buda e Pest, achava-se Obuda, uma antiga convocao romana. Cheias de todo tipo de baixezas e depravaes assim como de todo o emocionante encanto do extico, as cidades superavam a quanto os escoceses vissem at aquele momento. Os minaretes se mesclavam com as cruzes dos pinculos; as moedas turcas com as germanas; os tapetes de Anatlia com as tapearias francesas; as sedas chinesas com os brocados ndios; a vodca russa com o ouzo grego. Ambas as cidades constituam o centro comercial mais importante que unia a sia e Europa.

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Os seis escoceses se confundiram cautelosamente com a multido que pululava por entre os postos do mercado e chegaram finalmente ao palcio real. Uma vez mais, o truque de Mary sortiu efeito e os permitiu alojar-se no castelo. A diferena de Carlos VIII da Frana e Maximiliano I da ustria, o rei da Hungria, Ladislao VI (Ulszl II Jagelln), no demorou em receber ao pequeno grupo e, ao dia seguinte de sua chegada, lhes brindou uma calorosa bem-vinda. Embora assinasse o tratado de Presburgo fazia um ano e j no estava em guerra com o imperador do Sacro Imprio Romano Germnico, o rei hngaro seguia necessitando de homens de armas para defender-se dos turcos, posto que a cidade de Belgrado, situada perto da fronteira da Hungria, fora atacada pelo imperador dos turcos, como Bayaceto II ao que chamavam Adl (o justo). Embora dispusesse de muitos soldados, o rei Ladislao ouvira comentar a habilidade dos escoceses com o arco e a flecha e mostrou supremo interesse em que seu exrcito, que no dominava aquela poderosa arma, aprendesse a utiliz-la. Assim, no dia de Natal, Hunter e Cadman se converteram em mercenrios ao servio do rei da Hungria. O rei lhes adiantou um pouco de dinheiro, com o que os escoceses compraram muitos presentes e celebraram as festividades com grande regozijo. Embora lamentassem abandonar as cidades irms to cedo, alegravam-se de conseguir por fim um emprego. Desceram em balsa pelo Danbio at os subrbios de Belgrado com umas comodidades que no puderam desfrutar desde que saram da Esccia. A cidade foi erigida em torno de uma antiga fortificao celta situada no promontrio de Kalemegdan, que se encontrava na confluncia entre os rios Danbio e Sava, ao sudoeste dos Alpes da Transilvnia. Os

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hunos a destruram no ano 442 e fora governada ao longo dos sculos por povos muito diversos: os srmatas, os godos, os egpcios, os francos, os blgaros, os srvios e os turcos. Estes sitiaram a cidade em 1440, tinhamna perdido no transcurso dos vinte e cinco anos seguintes e, nesse momento tratavam, de conquist-la uma vez mais. No acampamento hngaro, que se achava a quase quarenta quilmetros ao norte da cidade, Hunter e Cadman encontraram o capito das tropas, a quem entregaram as ordens do rei. Alegro-me de que sua majestade os tenha enviado disse o oficial hngaro com semblante sombrio Nosso exrcito se reduziu de maneira alarmante, desde que o rei Dobre subiu ao trono. Dobre? perguntou Hunter, arqueando uma sobrancelha. Acredito que significa muito bem em seu idioma informou o capito Ivn Tisza traduzindo a palavra hngara ao francs, que em certo modo era a lngua universal da poca. Continue, por favor insistiu o cavalheiro escocs, desejando saber com exatido no que se colocaram. Depois da morte de Matias Corvino, o anterior rei explicou o capito Tisza os potentados conseguiram um grande poder e escolheram Ladislao de Bomia para que os governasse. Este um rei dbil e est acostumado a discrepar dos potentados a maioria das vezes. Da o apelido Dobre. Pois bem, consentiu na dissoluo do Exrcito Negro, que somava uns trinta mil mercenrios em tempos de Corvino. Esta pequena e ridcula turma que veem quanto fica dele. O capito hngaro fez um gesto com a mo para assinalar a suas tropas Cinco mil homens contra um exrcito seis vezes mais numeroso disse com amargura.

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Se a notcia alarmou Hunter e Cadman, no o mostraram. Haver mais homens em Belgrado interveio Cadman. Mil; talvez mais respondeu o capito Tisza Quando os turcos compreenderam que no podiam conquistar Belgrado, sitiaram-na. Levam trs meses espera que as provises da cidade se esgotem e os habitantes se vejam forados a abrir as portas. Os infiis ignoram que ns acampamos aqui. Estamos esperando que desanimem e abandonem o cerco. Os turcos so diablicos. Atacam em hordas e parece que no lhes importa perder a vida ou ficar aleijados. Assim que um homem cai, sempre outro ocupa seu lugar. Pensvamos que com a chegada do inverno retornariam a seu pas; em troca, o que fazem foi mandar reforos para substituir a quo soldados no podem suportar as geladas. Meus homens, claro est, no gozaram desse luxo. Os sapadores comearam a cavar faz quinze dias. Os sapadores? perguntou Mary. O capito Tisza se voltou para ela cortesmente. At esse momento no prestara ateno s mulheres, j que no lhe despertaram maior curiosidade. Eram muitas as que seguiam seus homens batalha, fossem esposas ou amantes, de modo que no lhe surpreendia as ver. Quando se disps a responder Mary, seu rosto tinha a expresso cansada de um homem que sabe que ser derrotado e no pode fazer nada para impedilo. Sim, senhora. So os homens que esto escavando uns tneis enormes sob as muralhas da cidade para logo as incendiar. O calor minar a fora da terra e provocar a queda das muralhas, com um efeito semelhante ao que ocorreria se houvesse um terremoto. Essa tarefa leva tempo; podem demorar anos em acabar. E, para quando o fizerem, os

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habitantes j teriam morrido de fome ou aberto s portas da cidade, a menos que consigamos lhes subministrar provises. Duvido de que Belgrado aguente muito mais. Dou-lhe de seis a oito semanas como muito. O que acontecer ento? Ver-nos-emos obrigados a atacar, senhora. Mas deixemos isto. Acompanhem-me e lhes mostrarei suas tendas. De seis a oito semanas! Mary olhou com preocupao a Hunter, que tinha um gesto contrariado no rosto. S dispunham de seis a oito semanas para adestrar um grupo de soldados muito pouco capacitados para o manejo do arco e a flecha. Aquela era uma tarefa impossvel! E, em efeito, assim se demonstrou, medida que transcorreram os dias. Os soldados hngaros tinham frio e fome, pois a comida escasseava. Em lugar de combater, queriam retornar a Buda e Pest para reunir-se com suas famlias. Taciturnos e desinteressados, atendiam instruo de mau humor. Muitos deles nada aprenderiam, se o capito Tisza no percorresse as filas brandindo um largussimo ltego para acordar aos mais lentos. Formaremos filas de quinze homens explicou Hunter, com a vista fixa nas hostis tropas, enquanto o capito Tisza traduzia Um peloto estar composto por duas filas que mantero entre si uma distncia de uns dois metros; os pelotes estaro separados entre si por uns oito metros. Contamos com um nmero relativamente reduzido de homens, por isso no correremos riscos desnecessrios. Os soldados pareceram relaxar ao ouvir aquilo, por isso Hunter continuou com maior confiana A fila dianteira ficar de joelhos; a traseira permanecer de p e ser a que disparar em primeiro lugar, apontando de tal forma que as flechas

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desenhem um grande arco no ar; desse modo, as flechas cairo como chuva sobre as cabeas dos infiis. Mas, senhor MacBeth interrompeu um soldado No provvel que os turcos se protejam levantando os escudos sobre suas cabeas? Isso precisamente o que espero que faam respondeu Hunter, esboando um sorriso de astcia Ser ento quando intervir a fila dianteira, que dirigiro suas flechas diretamente para o corpo dos infiis, que estaro desprotegidos, ao levantar os escudos para defender do primeiro ataque. Se tudo for bem, baixaro ento os escudos e ns repetiremos o ataque da mesma maneira. Quando os soldados compreenderam a colocao ttica, voltaram-se uns para os outros para coment-lo em voz baixa; em seus olhos, brilhava um brilho de esperana. Quando o primeiro peloto tenha esgotado todas suas flechas prosseguiu Hunter Dividir-se- pela metade, formar duas colunas e passar retaguarda. O segundo peloto ocupar ento seu lugar e assim sucessivamente. Os ltimos pelotes lubrificaro de breu as flechas e as acendero, porque para ento provavelmente os turcos se encontraro muito perto. E assim transcorreram os dias. De noite, Hunter e Cadman chegavam cansados s tendas e se sentavam no cho junto fogueira para esquentar suas intumescidas mos e seus gretados rostos. Mary e Joanna lhes tiravam as botas e lhes esfregavam vigorosamente os ps para lhes fazer entrar em calor e lhes restabelecer a circulao. Logo os dois cavalheiros engoliam vorazmente o escasso jantar que prepararam as moas, antes de ficar dormidos pelo esgotamento.

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Pelo dia, os cavalheiros adestravam os soldados hngaros; de noite, entravam cambaleando s tendas, muito cansados para fazer amor, se quisessem. E todo o tempo ressonava em seus ouvidos as longnquas marteladas que davam os sapadores na terra gelada. Geoffrey e Ranald foram desanimando-se de uma maneira pouco natural; mantinham-se pegos s saias das mulheres, como se pensassem que se, se separavam delas, as perderiam para sempre. Mary se sentia preocupada ao v-los to calados, por isso se props lhes dedicar o maior tempo possvel, lhes contando contos luz da fogueira e cantando para os ajudar a conciliar o sono. Assim que Joanna viu que lhe avultava o ventre, comeou a inquietar-se pelo bem-estar de seu filho. Os dias se converteram em semanas e as inexorveis marteladas dos sapadores continuavam ressonando monotonamente pelo acampamento. Mary comeou a cobrar conscincia de que a batalha que se formava era uma crua realidade que ela desconhecia por completo. No passado, ela se mantivera a salvo atrs das muralhas do castelo; agora sabia que no tinha nada com o que proteger-se, exceto a espada e o escudo de Hunter. Alm disso, seus filhos tambm estariam expostos ao perigo do ataque dos infiis. Quando o medo comeou a apoderar-se dela, decidiu procurar um lugar nas colinas onde pudessem esconder-se em caso de que os hngaros fossem derrotados. Ao cabo de uns dias, achou uma cova no alto de uma colina e considerou que poderia servir de refgio. Limpou-a com esmero e armazenou nela as poucas provises que conseguiu tirar do acampamento escondida entre a roupa, depois do qual tampou a entrada com os arbustos que encontrou na rida colina. Hunter observava os preparativos de Mary sem dizer nada, agradado de que fosse to previsora. Ele tampouco abrigava nenhuma iluso com

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respeito ao resultado da batalha. Seria um milagre que vencessem os hngaros. Assim, em lugar de desalentar Hunter, o que Mary conseguiu foi tranquiliz-lo, lhe tirando o cargo de conscincia que tinha com respeito ao que pudesse acontecer a sua pequena famlia, se o faziam prisioneiro ou matavam no campo de batalha. Hunter passeava pelo acampamento mais animado. Absorto em seus pensamentos afastou-se para ceder o passo a uns carros. De repente, fez um brusco movimento com a cabea. Esperem! ordenou aos soldados, que se voltaram, mas como no o entendiam seguiram adiante Capito Tisza! Capito Tisza! Sim, senhor MacBeth? O oficial se aproximou de Hunter assim que ouviu sua voz. Diga a seus homens que deixem o que estejam fazendo e que venham aqui em seguida. O capito Tisza o olhou com estranheza, mas traduziu a ordem sem perguntar nada, pois, com o passar das semanas, acabou por respeitar e admirar os dois cavalheiros escoceses e reconhecer sua habilidade como militares. Escutem bem disse Hunter s tropas, quando estas se reuniram Quero que desmontem estes carros. Cortem-nos pela metade, desta maneira disse indicando e coloquem os eixos na parte traseira de cada seo de forma que paream carros romanos. Logo elevem as laterais de modo que possam ficar de p no interior vrios homens sem medo a cair. O que pretende com tudo isto, senhor? perguntou o capito Tisza Necessitamos dos carros para transportar provises.

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De pouco nos serviro, se perdermos a batalha respondeu Hunter, arqueando uma sobrancelha friamente sero mais teis, se fizermos o que disse. Quero que seus homens fabriquem umas peas de metal em forma de prego que possam segurar s rodas a ambos os lados do carro. Atacaremos aos infiis com eles e secaremos suas vidas como se fossem folhas de erva. Ah, j o compreendo. O oficial hngaro esboou um sorriso Os homens que vo ao interior defendero os vages e impediro que os turcos possam empreg-los contra ns. Em efeito respondeu Hunter laconicamente. Muito engenhoso, senhor MacBeth. uma arma dos romanos, capito. No sei o que me fez pensar nela. Uma espcie de dej vu talvez aventurou o capito Tisza, encolhendo-se de ombros Aqui era antigamente uma cidade romana, Singidunum. Ento se voltou para seus homens Comecem a preparar os carros tal como indicou o senhor MacBeth. Com uma risada sardnica, Hunter observou Cadman, quem fazia o sinal pago. O jovem se ruborizou, envergonhado. Bom, no h nada de mau nisso se justificou, sorrindo com acanhamento. Hunter o olhou friamente e partiu. Os preparativos para a batalha continuaram. O inverno deu passo a primavera, e Belgrado seguia aguentando o assdio. Os raios do sol esquentaram de novo, por isso a terra no demorou em degelar-se. medida que esta se abrandava, as marteladas dos sapadores aumentaram, a neve comeou a desaparecer, e as flores foram abrindo-se caminho nas parcelas de terreno que ficavam limpas.

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Um dia de princpios de maro de 1493, a alvorada despontou no horizonte em meio de um silncio exasperante; as marteladas dos sapadores cessaram. Mary se aproximou de Hunter presa do pnico. O que acontece? perguntou ela, ao tempo que olhava com suspiccia o campo que se estendia ante eles. Hunter meneou a cabea. Tinha os olhos entreabertos e o olhar cravado na cidade. No sei. No posso acreditar que tenham chegado s muralhas. No, no necessitaram interrompeu o capito Tisza Como temia os habitantes da cidade abriram as portas. Temos que atacar agora mesmo! Hunter deu um forte beijo em Mary e, antes de afastar-se, olhou-a fixamente, como se quisesse memorizar todos e cada um de seus formosos traos. Leve Joanna e os meninos cova disse Reunir-me-ei com vocs ali. Ela assentiu com a cabea e no disse nada, pois lhe tinha feito um n na garganta. Estendeu sua plida mo para seu amante, mas ele j desaparecera.

Os turcos, com a confiana que lhes infundia acreditar que j obtinham a vitria, aproximavam-se lentamente a Belgrado sem saber que da colina do norte todo um exrcito os observava. Assim, as hostes que desceram pela colina pegaram despreparados os infiis. Os hngaros, em lugar de atacar em turba como acostumavam, cumpriram as ordens de Hunter e formaram pelotes de arqueiros integrados por uma fila dianteira de soldados ajoelhados e outra traseira de soldados de p. Estes foram os

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primeiros em disparar as flechas, que saram para as alturas desenhando um arco para cair sobre as cabeas dos turcos. Os infiis, surpreendidos, reagiram com lentido, e vrias centenas deles morreram, durante a primeira inundao. Ao cabo de vrios ataques, atuaram tal como Hunter esperava. Disseminaram-se pelo plano que rodeava Belgrado e cobriram as cabeas com os escudos, criando assim um teto de metal quase compacto. Os hngaros soltaram uma gargalhada sinistra; era o turno das fileiras dianteiras. As flechas voaram em linha reta e acertaram nos peitos descobertos dos infiis. As baixas se multiplicaram. Os habitantes de Belgrado, compreendendo finalmente que chegavam reforos, fecharam as portas da cidade e se dispuseram a resistir das muralhas. Segundos mais tarde, quo infiis trataram de entrar receberam um grande banho de breu e caram das ameias envolvidos em chamas e proferindo horrveis gritos de dor. Confusos, os soldados turcos de infantaria no sabiam o que fazer com seus escudos. Se os levantavam, ficavam indefesos ante o ataque frontal; se os sustentavam na posio normal, chovia uma rajada de flechas. Optando por uma soluo intermediria, avanaram pouco a pouco pelo plano, alternando a posio dos escudos, com resultado bastante desafortunado, j que, face estupidez dos arqueiros hngaros, as baixas no fizeram a no ser aumentar. vista da confuso que reinava entre os turcos, o capito Tisza ordenou que interviessem os carros. O grupo de veculos carregou a toda velocidade contra os infiis, como se de uma foice se tratasse, e dividiu as ordenadas filas em duas metades. Quando se retiraram, os turcos se apressaram a reagrupar suas tropas,

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momento que aproveitaram os arqueiros para reatar seus ataques. Minutos mais tarde, os carros investiam de novo contra os infiis. Aquela frmula foi repetida com xito vrias vezes. Os turcos, entretanto, seguiam avanando como se seu contingente de soldados fosse infinito. Partiam por cima dos cadveres de seus companheiros sem nenhum escrpulo, como uma multido de formigas arrasando o campo. Quando os hngaros julgaram que j se encontravam perto, molharam as flechas em breu, prenderam-lhes fogo e as dispararam. Os projteis atravessaram o cu como se fossem estrelas fugazes, deixando atrs de si uma esteira de fumaa negra. E enquanto isso, Hunter e Cadman cavalgavam como dois jovens deuses, invencveis e formidveis.

Mary, Joanna e os dois meninos, escondidos na cova, permaneciam encolhidos. Face distncia chegavam-lhes os gritos dos soldados moribundos e os penetrantes aromas de carne queimada e sangue fresco. Joanna se aproximou discretamente a um canto da cova para vomitar. Mary se levantou para atend-la, mas antes que pudesse dar um s passo, um terrvel zumbido comeou a lhe brocar os ouvidos e foi aumentando de volume at que retumbou com a mesma contundncia que as marteladas dos sapadores. O mundo pareceu nublar e dar voltas ante seus olhos; era como se estivesse bbada. Mary tampou os ouvidos com as mos e fechou os olhos em uma tentativa por acabar com tudo aquilo. Ento sentiu um puxo dilacerador, como se lhe arrancassem a alma do peito ou do centro de sua cabea. Estava aterrada. Sufocando um alarido, tratou de defender-se com toda sua energia daquela terrvel fora. Estou morrendo! Sim, estou morrendo! pensou Esta a sensao que se

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tem! Freneticamente, moveu as mos a provas, como se quisesse agarrar-se a algo. Mas era intil, e sabia. A impotncia a atendia. J no podia controlar seu corpo. Tinha a impresso de estar flutuando sobre uma voluta de nvoa. Viu seu prprio corpo estendido sobre o cho da cova, e Joanna e os meninos inclinados sobre ele com gesto de preocupao. Ento a imagem se nublou para dar passo a uma do campo de batalha. Que vivaz! Parecia real! Podia inclusive ouvir os gritos dos soldados, cheirar o sangue e os corpos chamuscados. Os olhos empanaram de lgrimas pela fumaa. Tinha sede. Viu Hunter montado sobre seu espectral cavalo de guerra, ditando ordens a voz em grito, repartindo talhos a torto e direito com sua espada, abrindo-se caminho entre as filas da cavalaria infiel. Um turco se equilibrou sobre ele. Atrs de voc! exclamou Mary em sonhos Atrs de voc, meu amor! Hunter no a ouviu. Segundos mais tarde, uma tropa de inimigos se equilibrava sobre sua imponente figura. Aquilo foi quo ltimo Mary recordaria. Mary! Mary! Quando despertou, teve a impresso de que passaram horas. Entretanto, ao ver que o sol brilhava com a fora de antes soube que no transcorreram mais que uns minutos, desde que se desvaneceu. Joanna lhe esfregava as mos, angustiada. Mary as afastou e ficou em p, cambaleando. Doa-lhe muitssimo a cabea, e o corao ainda pulsava com violncia. Mary, o que lhe ocorreu? Diga-me o que acontece, por favor rogou Joanna. Tive uma viso. Jamais tive uma to forte e repentina. E quando estava acordada Oh, meu Deus.

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Em seu ntimo, Mary sabia que Hunter no voltaria aquele dia.

Entre mortos e feridos, as baixas dos turcos somavam vinte e cinco mil. Em comparao os hngaros, graas a Hunter e Cadman, sofreram muito poucas perdas. Os infiis se retiraram e enviaram um mensageiro com uma bandeira branca para discutir as condies da rendio e o tratado de paz com o capito Tisza, que falava rabe. Trs dias mais tarde, Mary baixou plancie de Belgrado com a inteno de falar com Bayaceto II e averiguar que resgate teria que lhe pagar para que liberasse Hunter MacBeth so e salvo. Senhora suplicou o capito Tisza em uma tentativa por dissuadi-la. Rogo-lhe que permanea no acampamento. Estes infiis no so dignos de confiana. Mary se limitou a negar com a cabea. Nem Cadman, que fora o portador da triste noticia da captura de Hunter, pde raciocinar com ela. meu senhor e o pai de meu filho disse com voz baixa Daria sua vida por mim. o menos que posso fazer por ele. Acessou, entretanto, a satisfazer os desejos do capito Tisza cobrindose bem com vus, j que no queria que a raptassem para lev-la a um harm. As histrias que os oficiais hngaros contavam a respeito a assustavam mais do que gostaria de admitir. Bayaceto II, o sulto do Imprio turco, era um homem de aparncia agradvel. Contava quarenta e seis anos de idade e era alto e fornido. Seus belos olhos amendoados eram escuros e estavam protegidos por umas sobrancelhas excessivamente finas para um homem. Tinha o nariz largo e reto e estava acostumado a apertar os lbios, pequenos e magros, em um gesto que dava a entender que estava acostumado a desfrutar das

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coisas formosas da vida. Usava bigode e barba, que lhe cobriam virtualmente todo o rosto e levava o cabelo, de cor castanha escura, curto. Estava embelezado com um grande turbante branco, uma capa de brocado, caxemira e veludo e uma tnica de seda que lhe caa at as botas e se atava a sua cintura com um cinto tranado em ouro. Seus olhos brilharam levemente, quando viu a altiva figura de Mary entre Cadman e o capito Tisza. Quando se ajoelharam, indicou-lhes com um sinal que se sentassem nas almofadas de cetim pulverizados sobre os preciosos tapetes que cobriam a areia de sua tenda. Umas donzelas descalas e vestidas com blusas sem mangas e calas bombachas lhes serviram um refrigrio e se retiraram em silncio. Em um canto da tenda, uns msicos tocavam brandamente uns instrumentos que Mary jamais tinha visto. O sulto falou por fim. O capito Tisza atuou de tradutor. Vieram para resgatar o cavalheiro escocs, no certo? Mary fez um gesto de assentimento, mas no disse nada um bom guerreiro prosseguiu o sulto Vale seu peso em ouro. Arqueou uma sobrancelha com ar meditabundo e observou a velada figura da moa. A Mary, encolheu o corao. Joanna, Cadman e ela no possuam tal quantidade de dinheiro. Bayaceto guardou silncio por um momento e logo voltou a falar. No se preocupe se no dispuser dessa soma, senhora. Nossos escravos recebem um bom trato e princesa Shelomith disse assinalando a uma sedutora mulher que se abanava distraidamente acomodada sobre um monto de almofadas a poucos metros de distncia Lhe tem cado em graa seu cavalheiro. Asseguro-lhe que no sofrer nenhum dano.

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Mary apertou os punhos quando a princesa sorriu languidamente. No permitirei que fique com ele! meu!, pensou furiosa. Mary comeou a queimar os miolos para achar a maneira de liberar seu amado. Seu olhar posou em um pequeno cofre adornado com joias que havia aos ps do sulto. Ento lhe ocorreu uma ideia. Voc um homem rico, senhor. Possui bens, joias e tesouros, de modo que no necessita do peso de um homem em moedas de ouro. Ofereo-lhe em troca do cavalheiro algo muito mais formoso. Deixe-me aquela arca pequena disse indicando o cofre e a devolverei, antes do anoitecer cheia de um fio de ouro to puro e fino como a seda. Senhora O capito Tisza olhou Mary com expresso de perplexidade; a de Cadman era inescrutvel. Sabia que se tratava de uma mutreta. Se Mary tinha tramado um ardil para recuperar Hunter, adiante; ele no pensava interpor-se. Traduza o que disse a senhora, capito Tisza disse Cadman, inclinando-se. O oficial hngaro resmungou um juramento e obedeceu. Bayaceto mostrou um vivo interesse pela proposta. Estava intrigado como Mary esperava. A princesa, por sua parte, fechou seu leque de um golpe, moveu a cabea airadamente e olhou Mary com rosto de poucos amigos. Fio de ouro, senhora? perguntou o sulto com ar pensativo Que interessante. Muitas pessoas trataram de consegui-lo, mas todas fracassaram. Acaso conhece a senhora algum segredo antigo? Bem, bem. Se me trouxer o prometido, liberarei a seu senhor. O sulto se voltou para a princesa Em caso contrrio, Shelomith ser uma mulher muito feliz. Antes do anoitecer, senhora. No me faa esperar, por favor.

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Fio de ouro! Fio de ouro! O capito Tisza passeava preocupado pelo acampamento retorcendo as mos Mas como pde ocorrer tal ideia? impossvel encontrar nada semelhante na face da terra. Fio de ouro! Oh, senhora, como pde dizer isso? No que estava pensando? Onde achar fio de ouro? Mary esboou um sorriso, enquanto tirava um aps outro os vus com que se tampou. Com dedos trementes, agarrou sua adaga de prata da cintura e a entregou a Cadman. Depois desprendeu as forquilhas de seu cabelo e com um movimento da cabea deixou que sua brilhante juba dourada lhe casse pelas costas at o cho. Corte-o altura da cintura disse.

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Captulo 29

Os escoceses e os dois mil soldados hngaros que os acompanhavam (o resto permanecia em Belgrado como guarnio) foram recebidos nas cidades irms de Buda e Pest como verdadeiros heris. Salvadores! Clamava calorosamente a multido que se congregou nas ruas para presenciar o desfile. Belgrado foi salva! A fronteira sul da Hungria est protegida!, exclamavam, jubilosos, os habitantes das cidades, ao tempo que lanavam rosas vermelhas aos soldados. Muitas mulheres se equilibravam atrevidamente sobre eles e os beijavam na boca e nas mos. Os sinos da igreja repicavam alegremente; a gente se passava taas de vinho e as elevava para saudar as tropas e brindar pela vitria da Hungria. Muitas pessoas aclamaram especialmente a Hunter e Mary, e vrias moas de temperamento romntico choraram, ao ver a mulher que sacrificara suas preciosas mechas douradas para resgatar a seu senhor. Hunter olhava sua amada recordando a valentia com que se ajoelhou ante o sulto e destampou o cofre para lhe mostrar seus cabelos. Por um angustiante momento, o cavalheiro cigano temia que todos fossem executados, que os guardas turcos empunhariam suas cimitarras de prata e lhes cortariam o pescoo como represlia. Durante uns segundos que pareceram durar uma eternidade, Bayaceto contemplou as mechas e logo, de repente, jogou a cabea para trs e comeou a rir. Fio de ouro era o que me prometera senhora, e fio de ouro o que me trouxe. Desse modo, Hunter ficou em liberdade.

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No houve nenhuma pessoa em toda a Hungria que no se inteirasse daquela emocionante histria e no entregasse seu corao ao casal escocs, cujo amor inspirara uma ao valente e nobre. Sade! Sade para os apaixonados! aclamava a gente, ao tempo que os cobriam de ptalas de rosas e riam. O dia que se celebrou a vitria foi maravilhoso, e os escoceses, que tanto perderam, desfrutaram seriamente da embriagadora comemorao que as cidades irms lhes coletaram. Tinham deixado de ser uns estranhos para converter-se em cidados. Mary sorriu a Hunter, quando subiram pelas escadas do palcio real, consciente de que, por fim, encontraram um lugar onde se sentiam a gosto e a salvo. Durante os dias que seguiram a sua triunfal volta, a gente se aproximou em turba ao palcio para ver os estrangeiros, e um sem-fim de jovens se alistou as filas do Exrcito Negro, no que, a Hunter e Cadman, lhes tinham atribudo postos de mando. Os dois cavalheiros adestraram diariamente s unidades de soldados at que obtiveram que desfilassem com uma preciso perfeita e dominassem com segurana as armas e as tcnicas de batalha. Enquanto isso, Mary e Joanna se dedicavam a fazer compras no mercado, ainda desconcertadas ante o fato de poder comprar quanto quisessem sem medo a ficar sem dinheiro e morrer de fome. Geoffrey e Ranald recuperaram o bom humor prprio dos meninos de sua idade. Sua me era incapaz de conter a transbordante alegria dos pequenos. A vida era maravilhosa, e eles gozavam de seu esplendor. Deixaram em liberdade o pssaro de Geoffrey, que j se restabelecera da ferida na asa. A ave bateu as asas em um balco do palcio e, quando se sentiu segura, elevou-se elegantemente para o cu azul. Quando o viram alcanar vo,

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lhes saltou o corao no peito e lhes embargou uma imensa alegria. Aquela criatura de Deus lhes trouzera sorte e felicidade. O pssaro se afastou, at converter-se em um ponto negro na distncia e desaparecer finalmente entre as nuvens, livre e selvagem, como o jovem cigano que se apresentaria aquela mesma noite nos aposentos dos escoceses; um pressgio que pensaria Mary mais tarde. Era alto, magro e tinha a pele morena como Hunter. Antes que falasse, Mary j sabia que se tratava de um cigano. Dirigiu-se a ela em romeno e pareceu surpreender-se quando lhe respondeu no mesmo idioma e lhe franqueou a entrada para que visse Hunter. O jovem se ajoelhou ante o amado de Mary em silncio. Levante-se, moo disse Hunter com voz baixa No tem por que me fazer nenhuma reverncia. voc o cavalheiro escocs que levou os soldados hngaros vitria em Belgrado e de quem todo mundo fala em Buda e Pest? Sim respondeu Hunter Quer se alistar no Exrcito Negro? Se esse for seu desejo, deve falar com o capito Tisza. No, senhor. No sou um guerreiro. certo que tem sangue cigano? Bom, est claro, no necessita nem de que pergunte Resulta evidente que voc um dos nossos, e tanto voc como sua senhora falam meu idioma. Aprendeu-o faz muito tempo, senhor? Na Esccia talvez? Sim. Minha av me ensinou os velhos costumes e o idioma dos ciganos informou Hunter. Ento voc a pessoa que procuro senhor, e tenho que me ajoelhar ante voc. A Rainha dos ciganos me enviou senhor, para convidar voc e sua famlia a nosso humilde acampamento nos subrbios de Obuda. A

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Rainha deseja que v amanh pela tarde para jantar, senhor, e me pediu que lhe diga que se sentiria honrada, se aceitasse. Hunter olhou Mary com gesto interrogativo. Claro que sim. Temos que ir exclamou ela. Comunique rainha dos ciganos que ela quem nos honra com seu convite respondeu Hunter com gravidade ao moo Ser um prazer para ns visit-la manh.

Quando chegaram aos subrbios de buda, os escoceses ouviram a animao das alegres gargalhadas e a fria selvagem e cativante das melodias dos instrumentos de corda, o surdo retumbar dos tambores e o tinido do bronze. Ento contemplaram o maravilhoso espetculo do acampamento cigano em todo seu esplendor de vida e cor. Mary no pde sufocar um leve grito de gozo, quando Aziz, o mensageiro que os visitara a noite anterior, os conduziu pelo labirinto dos vistosos carros dos bronzeados ciganos, que, embelezados com preciosos vestidos

multicoloridos, olharam aos escoceses com curiosidade. Quantos estavam danando, retrocederam, silenciosos, para deix-los passar e se ajoelharam para tocar o cho com a cabea, quando Hunter passou a seu lado. Mary olhou Hunter com expresso interrogativa. Este respondeu negando com a cabea, pois ignorava tanto como ela por que os ciganos se fincavam de joelhos ante ele. Por fim, quando quase atravessaram o acampamento, os escoceses viram a rainha dos ciganos. Era uma anci, embora se dissesse que no tinha idade, de olhos escuros e rasgados, pele de tom avel, nariz aquilino, boca generosa e sensual e cabelo liso e prateado. Vestia uma brilhante

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tnica de brocado adamascado e usava um sem-fim de joias reluzentes nos braos, pulsos, dedos, tornozelos e orelhas. Cobria-se a cabea com um gorro dourado. A primeira vista, parecia pequena e frgil, mas quando se levantou para dar a bem-vinda a seus convidados, Mary se deu conta de que era o enorme trono de folhas douradas em que estava sentada o que produzia aquela impresso. Em realidade era alta, majestosa, imponente. Quando se aproximou deles e lhes estendeu as mos para os saudar, Mary percebeu a almiscarada fragrncia de seu perfume. Hunter a olhou fixamente por um momento e sussurrou: Av? Ento se lanou em seus braos. Ento sim est longe de Esccia, meu neto disse Ashiyah, rainha dos ciganos, uma vez se tiveram reposto todos do sobressalto que causara seu aspecto e o descobrimento de seu parentesco com Hunter. Logo se sentaram junto a ela, e lhes serviu cerveja, vinho, carne, queijo, fruta e po. Sim, av, tanto como voc. Jamais esperaria me encontrar com sua caravana na Hungria, embora pudesse hav-lo adivinhado, ao ver como se comportavam seu mensageiro e os outros em minha presena. Ashiyah ps-se a rir. Ameacei Aziz o executando se me danificava a surpresa. Seus olhos faiscaram como os de Cadman Alm disso, como lgico, no tinha certeza se era voc em realidade, embora, pelos rumores que nos chegavam, estava virtualmente convencida de que no podia tratar-se de outra pessoa. Bom, me deixe que o olhe. Ah, que orgulhosa se sentiria Laureiem se pudesse ver voc. Parece todo um homem um valente guerreiro. Inclusive aqui, em nosso humilde acampamento, ouvem-se histrias que narram suas faanhas no campo de batalha e como impediu

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que Belgrado casse em mos dos infiis, que como os hngaros chamam os turcos. De todos os modos, se tiver que lhe dizer a verdade, para mim, todos so infiis, porque a verdadeira religio a cigana. Mas bom isto no vem ao caso. Ashiyah sorriu e se encolheu de ombros De modo que voc salvou a cidade e a moa salvou voc, no, Hunter? Sim, av. Apresento Mary, minha esposa. J supunha que seria voc. Que formoso cabelo. Deve amar muito meu neto se foi capaz de cortar isso minha filha. Sim, senhora. E estes so seus filhos? Sim, senhora. Geoffrey filho de meu primeiro marido; Ranald o filho de Hunter. Ranald. A Laureiem, agradaria. So uns meninos muito formosos. Quanto me alegro de viver o suficiente para conhecer meu bisneto. Apresento meu irmo de adoo, Cadman, e sua esposa, Joanna continuou Hunter Agora deve me dizer, av, por que abandonou as Terras Altas e como veio parar na Hungria. Bom, Hunter, parti da Esccia porque voc j no necessitava de mim, e minha tarefa ali finalizara. Retornei aqui porque Obuda o lugar onde nasci. Ah, isso no sabia, verdade, Hunter? Sim, Hungria minha ptria. Tinha saudades, tanto como voc deve ter saudades das Terras Altas. Exilou-lhes. Aquilo era uma afirmao, no uma pergunta. Sim, av, como o adivinhou? Pelos olhos de Mary, neto. So os dos Carmichael. Na Esccia, no se pode amar a um inimigo e seguir com vida. Tem razo, av disse Hunter com amargura J nos demos conta. Ento tm quebrado com seus cls?

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Sim, av. J no estvamos a salvo nas Terras Alta,s e no queria me expor a perder nem Mary nem meu filho. Nem eu a Joanna e ao filho que vai me dar interveio Cadman. Ah disse Ashiyah com um sorriso pcaro ento os MacBeth e os Carmichael foram trados duplamente. Se s fosse isso, av Hunter lhe explicou a histria de Ian e Euphemia. Bom, a verdade que parece um enredo dos bons comentou Ashiyah, quando terminou E acabou vindo a Hungria. Bom, bom, que interessante. Bem, faz-se tarde. Sou uma mulher mais velha e temo que me canse com facilidade. Hunter, voc e sua famlia tm que voltar a me visitar. Desfrutei muito desta noite. obvio av. Juraria que no me equivoco se afirmo que todos passamos muito bem. Hunter j tinha se posto em p e estava ajudando rainha a levantar do trono. Boa noite. Ashiyah inclinou a cabea com elegncia em sinal de despedida e desapareceu nas sombras em direo a sua carreta.

***

Aquele vero passou muito depressa, como se quisesse ganhar uma competio consigo mesmo. Mary nunca se sentira to feliz e, mesmo assim, tinha a sensao de que sua vida se converteu em um carrossel desenfreado, que dava voltas e mais voltas no imprevisvel redemoinho do destino. Vivia cada dia ao mximo, como se fosse o ltimo. Embora no era cigana de sangue, ao menos o era de esprito. Confeccionou-se vrios vestidos de cigana e aprendeu suas danas. Cada

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vez que os escoceses iam ao acampamento dos ciganos e se sentavam ao redor do fogo para beber, cantar e danar, ningum se mostrava mais selvagem e amalucado que ela. Aprendeu tambm a tocar o oud (um estranho instrumento de corda que vira durante a primeira visita ao acampamento), o doumbek (um tambor de som surdo) e os zils (uns pires de bronze que utilizavam os ciganos). Ao cabo de trs meses j dominava os rudimentos bsicos da sensual dana oriental que danavam e era capaz de fazer uma demonstrao aceitvel de seu talento, embora Ashiyah assegurava que lhe custaria anos converter-se em uma verdadeira perita. Mary e a rainha se fizeram boas amigas, durante aqueles meses estivais. A moa abriu seu corao anci, e esta escutou com expresso grave e meditabunda sua triste e romntica histria; umas vezes a aconselhava e outras, quando a histria se fazia mais difcil de contar e a moa no podia conter as lgrimas, consolava-a. Oh, senhora dizia Mary entre soluos Amo tanto Hunter. Jamais imaginaria que poderia querer com tanta paixo a meu inimigo. ilcito que nos amemos com tal intensidade e egosmo, sem ter em conta a outros? O amor que sentimos causou grande dor e muitas mortes nas Terras Altas; por isso, nos convertemos em exilados. No, Mary. A anci deu uns tapinhas na mo da moa Trata-se de algo que j estava escrito, antes que nascesse. Voc no pode trocar seu destino. Oh, senhora, sabe voc algo da lenda? Por favor, se for assim, digame isso, eu s conheo a parte que me referiram de pequena. Talvez se soubesse algo mais

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Sim, conheo muito bem a lenda em que se amaldioam os MacBeth e os Carmichael. Mas tem que ter em conta que ningum chegar a saber nunca toda a verdade, pois as pessoas que a originaram faleceram j faz muito tempo. De todos os modos, acredito que no h pessoa viva que a conhea melhor que eu, dado que eu tambm desempenho um pequeno papel neste drama. Sim, Mary lhe contarei quanto sei, mas com duas condies. O que seja senhora. A primeira que se case com Hunter. Mas mas senhora! protestou a moa J estou casada! Ora! A Rainha fez um sinal com a mo para dar a entender que aquilo carecia de importncia Eu no reconheo esse matrimnio. Para mim, umas bodas no tm validez, a menos que se realize segundo o rito cigano, como por exemplo a que celebraram minha filha Laureiem e seu marido Ranald. Ah, suas bodas ser formosa, a mais formosa de toda a Hungria. Por favor, Mary, rogo-lhe isso s por mim. Sei que o matrimnio no ser legal segundo as leis escocesas, mas, para mim, representar uma grande satisfao ver meu neto casado, antes de morrer. Alm disso, pelo que a mim respeita, seu matrimnio ser sagrado. Como voc deseje, senhora concedeu Mary, fazendo um gesto de assentimento E a outra condio? No lhe posso dizer isso agora. Deve confiar em mim e me dar sua palavra de que a cumprir assim que lhe explique o que sei da lenda. De acordo? Mary observou fixamente os escuros olhos da anci. De acordo, senhora disse Dou-lhe minha palavra e confio em seu bom julgamento neste assunto.

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Ashiyah se recostou de repente e fechou seus intensos e brilhantes olhos. Veja murmurou Ocupar-me-ei de que a cerimnia se celebre assim que nasa o menino de Joanna. No me decepcione, Mary. Em agosto, Joanna deu a luz, um menino e uma menina gmeos. Cadman no poderia haver-se mostrado mais orgulhoso, quando viu seus filhos, to pequenos e cmodos, nos cansados braos de sua mulher. No pensei em nenhum nome disse a moa ao elevar a vista Eis acreditei que voc gostaria de escolh-los. Cadman se ajoelhou a seu lado e tomou sua mo. Querida, agradar-me-ia que a menina se chamasse Janet. E seu filho. Como voc gostaria que se chamasse? Eu gostaria que se chamasse Gordon. O que lhe parece? Bem, Cadman respondeu Joanna com voz baixa e os olhos arrasados em lgrimas Eu gosto muito. E naquele momento soube que amava o cavalheiro dos MacBeth que a tinha feito prisioneira e tomado por esposa. Hunter e Mary apadrinharam os preciosos gmeos. Em setembro, se iniciaram os preparativos para as bodas, j que Ashiyah tambm obteve o consentimento de seu neto. Curaram-se queijos; sacrificaram-se animais selvagens; recolheu-se fruta fresca, e, com jubilosa antecipao da cerimnia, encheram-se vrios barris de vinho. Mary cooperou em tudo isso. Fabricou colares trespassando contas de cristal; ajudou rainha a cardar algodo, para logo tec-lo no tear e confeccionar o precioso traje que usaria durante a cerimnia. Era um vestido de seda verde com um estampado de pssaros cujas vistosas plumas laranja, vermelhas, azuis e violetas formavam um

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desenho que se repetia por todo o tecido. O suti tinha um grande decote; as mangas, at o cotovelo, eram largas, a saia ampla e de volantes. Como complemento, levaria uma capa de cetim vermelho, seu cinturo dourado e a adaga com incrustaes de pedras preciosas. Igual aos ciganos, calaria sandlias e adornaria sua dourada juba com flores. Por fim, chegou noite das bodas. Nervosa, Mary se vestiu cuidadosamente, escovou o cabelo e terminou de arrumar-se na carreta que Ashiyah devotou a ela e Hunter como presente de bodas. Uns enormes aros de ouro danaram sobre os ombros, ao mover a cabea; os colares de cristal que ela mesma fez cintilavam em torno de seu pescoo; e os braceletes que adornavam seus pulsos tilintaram quando, entre risadas e brincadeiras, os ciganos comearam a persegui-la, e ela ps-se a correr pelos caminhos atapetados de flores do acampamento. Finalmente, se ajoelhou ante a rainha. Hunter se encontrava a seu lado. Que arrumado estava! moa saltou o corao de orgulho, quando o viu e ele tomou sua mo. Sua tez adquirira um tom mais moreno sob o sol hngaro, por isso a cicatriz que tinha na boca se destacava mais que nunca. Levava uma camisa branca de linho, meias negras e uma grande faixa vermelha a jogo com uma jaqueta bordada vermelha e negra. Suas botas de azeviche brilhavam a luz da fogueira. Ashiyah pronunciou as palavras do antigo ritual cigano, e o casal as repetiu em voz baixa, mas firme; ambos desejariam que aquelas fossem suas verdadeiras bodas, mas ainda se sentiam muito presos aos costumes escoceses para considerar aquele rito realmente vlido. Compartilharam o vinho e os mantimentos tradicionais, e quando Hunter beijou Mary, os ouds comearam a soar.

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A moa se separou de seu marido para executar a dana matrimonial. Depois de entreabrir os olhos e esboar um sedutor sorriso, elevou os braos e danou ao ritmo da msica, golpeando sonoramente os pires. Gotas de suor empapavam seu decote. Pouco a pouco, aproximou-se de Hunter, dando voltas, rebolando, movendo o ventre, estendendo as pernas, o provocando com carcias, exibindo-se sensualmente ante ele ao compasso daquela melodia cativante. Sua saia voava ao redor de suas plidas coxas. Tinha as bochechas acesas, e a boca sedutoramente entreaberta. Danava de uma forma selvagem, apaixonada, incitante. Seus ombros nus brilhavam a luz da fogueira e seus largos cabelos despediam quentes brilhos de ouro como se fossem labaredas de fogo. Danava s para Hunter, entregando-se em corpo e alma a aqueles antigos e sedutores movimentos e pondo em todos eles at o ltimo grama do amor que sentia por ele. Fechou os olhos; o acampamento cigano se desvaneceu; para Mary, s existia o palpitante som daquela estranha e maravilhosa msica e Hunter, sempre Hunter, eternamente Hunter. Mary no viu que seu marido agarrava o ltego de um cigano, desenrolava-o e o lanava para trs. At que ouviu o leve assobio e forte estalo da vara perto de seu corpo (to perto que pde sentir o ar que levantara), no se deu conta de que seu amado se situou no centro do crculo. Ento o viu ao seu lado, esboando um estranho e triunfal sorriso, empunhando o negro ltego. Mary o olhou com olhos exagerados. Tinha esquecido que em uma parte da cerimnia cigana o marido tinha que demonstrar que dominava a sua mulher. Recordou ento que no devia mostrar medo. Tal como Ashiyah explicara a ambos, faz-lo equivaleria a humilhar Hunter aos olhos dos vares ciganos. Alm disso, este aprendera a dirigir o ltego de pequeno e no lhe causaria dano. Assim, continuou

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danando cheia de confiana. Os ciganos lanaram um grito de aprovao. O ltego estalou em torno dela uma e outra vez, mas em nenhum momento chegou a toc-la. Um mero roce teria produzido uma marca indelvel em sua dourada pele. Curvou os lbios e ps-se a rir; a risada brotou de sua garganta como se de um rio se tratasse. Finalmente, resmungando um juramento, Hunter jogou o ltego de tal forma que desse voltas e se enroscasse ao redor de Mary. Quando a correia se enrolou em torno de sua cintura, a moa no sentiu dor; se acaso o impacto do couro sobre seu vestido e um muito leve roce sobre a pele quando o teve rasgado. Tratou de desenredar-se da vara, mas Hunter puxou com fora e a atraiu para si, animado pelas vivas dos ciganos. Agarrou-a bruscamente pela juba e lhe levantou a rosto para lhe estampar um beijo abrasador. Mary se entregou com avidez ao violento abrao e a presso do fornido corpo de seu amado, que a estreitava com tal fora que a ponto esteve de lhe romper as costas e se no chegasse a agarr-la bem teria cado ao cho. A cabea comeou a dar voltas moa. Aquele beijo, aquela boca firme e exigente acendiam em seu corpo e em seu nimo uma paixo trrida e cega que a fazia desfalecer, lhe arrebatando todo o vigor para devolverlhe a seguir. Ouviu um estranho gemido animal; vagamente, deu-se conta de que provinha de sua prpria garganta. Hunter lhe dirigiu um olhar triunfal e a soltou, o que provocou um verdadeiro fragor de vivas e aplausos. Voltou a agarr-la, a jogou ao ombro e se encaminhou para o carro, enquanto os ciganos lhes jogavam flores. Quando chegaram, Hunter fechou a porta aos curiosos.

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Hunter a estendeu na cama e se aproximou dela. Mary estremeceu ao ver sua imponente figura na escurido. Ento notou que tratava de lhe tirar o suti. Romper o vestido sussurrou. Ento, tire isso, tigresa. No sabe quanto a desejo. Hunter se levantou e, sem afastar a vista dela, serviu-se uma bebida. Mary tremeu de excitao ao ver o atrevido e admirado olhar que lhe lanava. Lentamente, incorporou-se e se desatou o vestido, que caiu ao cho em torno de seus ps. De tudo, amor. Hunter assinalou a regata. Por um muito breve momento, o homem conteve a respirao e devorou com o olhar aquele corpo nu. Mary se ruborizou e baixou sobressaltada a vista para evitar aquele olhar escrutinador e cheio de desejo. Hunter apurou a cerveja e se aproximou dela, gil e perigoso como um felino. Mary era consciente de que baixo aquele traado de frieza havia uma violncia latente e por um momento levou a mo ao pescoo como se quisesse se proteger dele. s vezes me d medo murmurou. Seriamente? Sim, to selvagem, to intenso a paixo que acordada em mim, tigresa. Quero-a tanto que s vezes acredito que vou enlouquecer. Quando a beijou, seus ardentes lbios tiveram sabor de cerveja. Hunter entrou em sua boca, lanando sua lngua em busca de seus tesouros mais escondidos. Depois de lhe acariciar os rosados seios e estimular os mamilos, desceu pelo ventre e passeou sua mo pelo quadril. Mary notou a presso de seu duro membro sobre a pele, e um comicho de desejo

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percorreu todo seu ser. O corpo de Hunter, musculoso e forte, parecia de ao bem temperado. Ele voltou a deit-la sobre a cama, e sua figura se elevou imponente ante ela, enquanto tirava a roupa. Ento, deslizou ao lado dela, murmurando palavras ininteligveis. Mary ouviu que dizia bruxa, antes que lhe separasse as pernas e a penetrasse. Nenhum dos dois necessitava de mais prembulos. Hunter se internou no mais profundo de seu ser uma e outra vez e aliviou o ardor que Mary sentia na virilha. Mary acreditou que estava sonhando. Assim devia ser, pois ficou adormecida, quando Hunter era ainda parte dela, e de novo podia sentir como sua carne se inflamava em seu interior. Quanto tempo esteve dormindo? Ignorava-o. Estava embriagada de vinho e de amor. Moveu-se e proferiu um leve gemido que Hunter se apressou a silenciar com os lbios. A luz da lua entrava em torrentes pelas janelas do carro, envolvendo os objetos com um estranho vu prateado. Na penumbra, Mary distinguiu as firmes e arrogantes feies de seu amado, enquanto a olhava: seus brilhantes olhos violetas; seu nariz aquilino; seu anguloso queixo; a branca cicatriz que marcava a comissura de seus carnudos lbios. Seu peito subia e baixava pausadamente, e deixava escapar um leve assobio rouco. A expresso do rosto de Hunter era hipnotizadora. Mary notou que lhe acelerava o corao. No podia mover-se, nem queria faz-lo, deitada como estava com os braos estendidos sobre a cama. Hunter penetrou nela uma vez mais, arqueando seu quadril com as mos para entrar com maior facilidade. Amo voc. Era realmente sua voz aquele sussurro que ouvia? Hunter ps-se a rir, e sua risada soou to aveludada como o ronrono de um gato. bria de

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paixo deixou que lhe beijasse a garganta, os ombros, os seios, e sentiu as suaves e lnguidas ondas que anunciavam a chegada do clmax. minha, Mary Carmichael; sempre o ser. Para mim, jamais haver ningum mais que voc jurou apaixonadamente, antes de entregar-se uma vez mais a seu ardoroso e selvagem abrao. Hunter se moveu em sonhos e estendeu um brao para agarrar novamente Mary. Maldio! Abriu os olhos sobressaltado. A cama estava vazia. Ela no estava no carro. Levantou-se e se vestiu. Quando abriu a porta, encontrou Geoffrey. Bom dia, senhor disse timidamente. H. Ol, Geoffrey. Hunter lhe acariciou o cabelo com carinho e deu uma rpida olhada ao redor. No havia nem rastro de Mary. Quando se dispunha a sair a procur-la, advertiu algo na expresso do menino que o fez deter-se. Agachou-se e se sentou em um degrau O que faz levantado to cedo, filho? perguntou. Queria falar com voc, senhor; se tiver tempo. Claro que tenho tempo respondeu Hunter amavelmente, animando o menino a que se sentasse a seu lado E bem, do que quer falar? Bom, que no sei muito bem como dizer-lhe, senhor Tente-o, moo. Sei que s vezes resulta difcil achar as palavras para expressar exatamente o que algum sente, mas tente-o de todos os modos. Bom, senhor, algo assim. Eu em realidade no tenho pai Claro que o tem, Geoffrey. Mas est morto, senhor. No o mesmo.

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No, suponho que no admitiu Hunter Meu pai tambm est morto. Oh. Ento voc sabe como me sinto senhor. Sim, meu filho, acredito que sim. Sabe senhor? Durante um tempo, tive meu tio Hugh, mas no era meu verdadeiro pai. Era meu tio e um homem mau. Nunca chegou gostar de mim, e no acredito que eu gostasse dele. Apenas me dirigia palavra, exceto pouco antes de casar-se com minha me. Ento comeou a me acariciar a cabea como o faz voc, senhor, embora, quando ele o fazia, dava-me calafrios. No sei por que. Havia algo nele que Entendo voc, Geoffrey. O menino pareceu sentir-se aliviado ao ouvir aquilo. Bom, o caso que me alegrei, quando Cadman nos levou consigo. Ao princpio, acreditei que tambm era um homem mau, embora no assim. Geoffrey guardou silncio por um momento Cadman no um homem mau, verdade, senhor? No, moo respondeu Hunter. Como podia explicar a um menino de cinco anos o que significava uma inimizade nas Terras Altas? Isso eu pensava disse o menino gravemente Joanna no se casaria com ele, se o fosse. Tudo resulta to estranho, senhor No sei o que ter ocorrido a meu tio Hugh, mas me alegro de que j no vivamos com ele. Machucava minha me. Em troca voc, senhor voc faz com que se sinta feliz de novo. Oh, deveria hav-la ouvido esta manh, senhor. Cantava como o pssaro ao que voc curou a asa. Lembra-se, senhor? Sim. Hunter sentiu um estranho n na garganta. Bom, pois soava como o pssaro. E deu a Ranald e a mim uma parte de bolo antes de me pedir que no me esquecesse de dizer a voc que

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sara para passear. No me esqueci, verdade, senhor? disse com um sorriso de orgulho nos lbios. No, Geoffrey. Bom, senhor, o que queria lhe perguntar que, como se casou com minha me, bom, e agora voc algo assim como meu pai perguntavame se poderia lhe chamar assim, senhor. Oh, j sei que em realidade no sou seu filho, mas que Ranald o chama pai, senhor, e eu gostaria muito o chamar assim. Quer dizer, se voc pensar que, a meu verdadeiro pai, que est morto, no lhe importaria que o fizesse, senhor disse o menino precipitadamente. A Hunter, deu um tombo o corao. Oh, Edward estaria to orgulhoso de voc. Como posso lhe explicar que sua me e eu no estamos realmente casados? Eu eu. A Hunter quebrou a voz. Voltou o rosto para impedir que Geoffrey visse as lgrimas que apareciam em seus olhos Seria uma honra para mim que me chamasse pai, Geoffrey conseguiu dizer por fim. Oh, obrigado, senhor, quero dizer, pai disse o menino, sorrindo timidamente. Ento, de repente, deu-lhe um forte abrao. O cavalheiro estreitou o menino entre seus braos. Quero que jamais esquea seu verdadeiro pai, Geoffrey. Foi um homem maravilhoso. Se estivesse vivo, sentir-se-ia muito orgulhoso de voc. Ao moo, alegrou o rosto ao ouvir aquilo. Seriamente cr? Oh, no me esquecerei dele, o prometo. Olhe. O moo lhe mostrou sua adaga Minha me me entregou a adaga de meu

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pai, para que no me esquecesse dele, e logo me explicou que lutou como um valente na guerra civil. Sim, filho, foi um valente; tinha, alm disso, um um grande sentido da beleza, da formosura da vida. Compreende do que estou falando, moo? Sim. Minha me diz que escrevia uns poemas muito bonitos e que tocava a flauta. Voc acredita que eu poderia ter uma flauta? Assim estaria mais perto dele. Nem me lembro de seu rosto. Claro, Geoffrey. Compraremos uma em Obuda amanh mesmo. E, quanto a seu rosto, bom no tem mais que se olhar em um espelho; seu vivo retrato, filho. De verdade? Oh, obrigado. Muitssimo obrigado, pai exclamou, antes de sair correndo para comunicar a Ranald a boa notcia. Hunter permaneceu sentado no degrau do carro, durante um bom momento, antes de levantar-se para ir procurar Mary. Encontrava-se nos subrbios do acampamento, no alto de uma pequena colina da que se vislumbrava Obuda. Hunter conteve a respirao, quando distinguiu a solitria figura de sua amada. Jamais me cansarei de v-la, por muitas que sejam as vezes que contemple seu precioso rosto pensou Parece estar mais formosa cada dia que passa. Mary se voltou e assim que o viu, esboou um sorriso e ps-se a correr descala para seus braos. Ento, o beijou e apoiou a cabea em seu peito, deixando que a abraasse. No que estava pensando? Os olhos violetas da moa s refletiam amor, quando elevou a vista. Estava pensando em quo formosa , Mary. Sete anos passaram realmente sete anos desde a primeira vez que a vi? E seis desde a primeira

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vez que fiz amor com voc? Parece impossvel. Como pde passar o tempo to depressa? No sei meu amor. Oh, embora transcorressem cem anos, seguiria a querendo. O que fazia sozinha aqui em cima? Quando despertei esta manh, j no estava na cama. Estava olhando Obuda, Buda e Pest. Este pas, Hungria, que nos recebeu com os braos abertos, um lugar estranho. E est muito longe de nosso lar, verdade? feliz aqui, Mary? Sou feliz em qualquer lugar que voc esteja, meu amor. Mas tem nostalgia das Terras Altas. No; no o negue, tigresa. Leio-o em seu olhar, como no meu, quando me olho no espelho. Somos escoceses, meu amor, e levamos no sangue o esprito selvagem das Terras Altas. Jamais nos liberaremos dele. No, suponho que no. Inclusive agora posso ver Bailekair com absoluta claridade em minha mente, como se fosse ontem a ltima vez que subi ao escarpado de Mheadhoin para espionar o orgulhoso castelo de meu pai no alto da longnqua montanha prpura. Tenho-o gravado na memria de forma indelvel. Mas com isso me basta. No peo mais, Hunter. Se pudesse comear de novo, voltaria a renunciar a tudo por voc. Voc minha vida; sem voc, no seria mais que uma casca vazia. Conseguiu que me sinta completa. Quando nos separamos sinto que morre uma parte de mim. Eu sinto o mesmo, meu amor. Oh, oxal esta passada noite fosse nossa verdadeira noite de bodas. Teria dado algo por poder chamar voc de esposa, esta manh.

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E eu por chamar voc esposo. Oh, Hunter, o que importa? Voc quem enche meu corao todas as horas do dia, e quem o encher durante toda a eternidade, meu amor. E voc o sol que ilumina as sombras de minha vida. Sem voc, minha vida seria uma noite sem fim, fria e vazia, e no haveria planeta, lua ou estrela que pudesse encher meu ser. Graas a voc, minha taa transborda sempre de vinho; d igual s vezes que apure at o sedimento. Inclusive seus filhos nossos filhos me comovem at o mais fundo. Sabe que esta manh Geoffrey me perguntou se podia me chamar pai? A Mary, alegrou a expresso. E o que lhe respondeu, meu amor? inquiriu com um sorriso. Disse que, para mim, ser um orgulho que me chame assim e lhe prometi que lhe darei de presente uma flauta, para que se lembre sempre de seu pai. to bom com o filho de Edward Agradeo-lhe isso, Hunter. Vamos, meu amor. H um lugar no bosque que eu gostaria de lhe mostrar. Ali limparei as nuvens que escurecem seu horizonte. Ento, a levou a um arvoredo afastado e a abraou sobre a murcha erva de vero.

A noite era escura e silenciosa. Em algum lugar entre as sombras, o vento que sussurrava por entre as folhas douradas que comeavam a colorir as verdes rvores arrastou o lastimoso chiado de um pssaro solitrio. O fogo danava com a sensualidade de um cigano no tranquilo acampamento dos ciganos. Depois de apurar sua taa, recostar-se em seu trono e entreabrir os olhos por um momento, Ashiyah deixou escapar um

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suspiro e olhou os escoceses, que estavam sentados aos seus ps. Por fim, falou. Chegou o momento. Sim, acredito que por fim chegou o momento de que lhes conte o que sei da lenda. A Rainha se interrompeu por um instante para observar ao espectador auditrio. Satisfeita, iniciou seu relato Faz muitos, muitos anos, minha bisav era a rainha dos ciganos. Chamava-se Grizel e foi uma grande profetisa. Possua todos os poderes antigos que as rainhas dos ciganos iam herdando, desde tempos imemoriais. Uma noite teve um sonho. Encontrava-se no alto de um escarpado, nos subrbios de um povo em runas, contemplando uma grande massa de gua acumulada entre dois grandes e escarpados penhascos. Embora fosse de noite, podia ver, j que a lua iluminava o cu infinito com reflexos chapeados e um vu de bruma cobria o campo, conferindo-lhe um brilho irreal. Ao longe, atravs dos tufos de nvoa, Grizel espionou as imponentes silhuetas de trs castelos recortadas sobre o horizonte. Um era de pedra branca e brilhava fantasmal na penumbra. Outro era enorme, construdo com granito cinza, e oferecia um aspecto impressionante. O terceiro, que se encontrava em meio dos outros dois, era vermelho como o sangue; suas elegantes torres semelhavam as cpulas da igreja que dominava o escarpado prximo ao velho povo em runas. Ento, o lago comeou a encrespar-se, e, dentre as turbulentas ondas, emergiu um monstro de cor negra. Erguendo-se silenciosamente nas agitadas guas, fez um sinal a Grizel e lanou na noite um estranho uivo, um lamento. Tratava-se, sem dvida, de um canto fnebre, uma elegia, pois as ondas voltaram a levantar-se e surgiram vrios fantasmas que danaram com ar triste, como sombras brancas sobre as cristas das verdes

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guas. Um dos espectros, uma jovem donzela de larga juba negra e olhos azul marinho como uma noite de lua separou-se do grupo. Aproximou-se da borda, flutuou sobre a dourada areia e se ajoelhou ante o escarpado, estendendo os braos em direo a minha bisav em atitude suplicante. Grizel despertou, nesse momento. manh seguinte, referiu seu sonho aos outros e lhes disse que devia encontrar o lugar que aparecera em sua viso. Abdicou o trono a minha me, Nejat, e saiu em busca do lago verde. No sei por que Grizel se props encontr-lo, embora, como j disse, conhecia os segredos dos mistrios mais antigos e tinha uns poderes muito grandes. Percorreu muitssimos quilmetros por todo o continente, atravessou regies estranhas em que os ciganos jamais estiveram. Finalmente, cruzou o mar do Norte e chegou Esccia. Ali, nas Terras Altas, encontrou o lago Ness, o estranho e misterioso lago que vira em seu sonho coberto pela nvoa. No castelo vermelho, Glenkirk, lorde Kevin MacBeth acabava de ter uma menina. Quando Grizel se inteirou da boa nova na aldeia de Glenkirk, intuiu que se tratava da jovem donzela que se ajoelhou ante ela sobre a dourada areia do lago Ness. Minha bisav se apresentou no castelo e contou a histria ao conde de Glenkirk. Ignoro por que, mas o certo que lhe permitiu que educasse sua filha; talvez porque acreditasse que Grizel poderia salvar menina da sorte que a aguardava, segundo a viso que tivera minha bisav. A menina se chamava Anne, e Grizel acabou lhe cobrando um profundo carinho. Naquela poca, os MacBeth e os Carmichael, que viviam na borda oposta do lago, estavam enfrentados. Ningum sabe como nasceu realmente aquela inimizade, pois, embora se diga que o dio entre os cls surgiu como consequncia do rapto de Anne s mos dos Carmichael, o

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certo que a hostilidade tinha sua origem anos atrs. Uma noite, quando Anne j tinha completado os quinze anos, o conde de Bailekair, James Carmichael, que tinha os olhos violeta, e seu irmo, Robert de Dndereen, atacaram a aldeia de Glenkirk e fizeram prisioneira Anne. No se sabe como o conseguiram, j que em nenhum momento chegaram a assaltar o forte, e Anne se encontrava comodamente alojada atrs das muralhas do castelo de seu pai, onde no corria perigo algum. Houve quem afirmou que James se transformou em um grande pssaro e levou Anne das ameias do castelo. De que outra maneira, se no, poderia violar as inexpugnveis muralhas de Glenkirk e rapt-la? Fosse como fosse, o certo que os Carmichael capturaram Anne e a encerraram em Bailekair espera que pagassem o resgate. Kevin MacBeth sitiou a imponente fortificao da montanha prpura; Bailekair, entretanto, resistiu, e os MacBeth se viram obrigados a retornar a Glenkirk humilhados, pois no conseguiram resgatar sua senhora. Nunca se voltou a ver Anne. Embora se narre muitas histrias sobre ela, a que lhes contarei a verdadeira. Durante a batalha entre os Carmichael e os MacBeth, acontecida o vero de 1397, James brigou com seu irmo Robert. Os dois homens se bateram em duelo sobre as muralhas de Bailekair; James matou Robert com sua poderosa espada e jogou o corpo por uma ameia. A seguir, Anne atravessou o restelo de ferro do castelo e desapareceu na nvoa das Terras Altas para sempre. Ningum sabe o que motivou a briga entre Robert nem por que o conde liberou Anne aps hav-la feito prisioneira, se que realmente foi ele quem a liberou, depois de acabar com seu irmo. Talvez os dois homens brigassem por ela, j que Anne era uma moa muito formosa; e James sofreu logo um insuportvel cargo de conscincia e se sentiu incapaz de olh-la. No sei. Quo nico

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posso dizer que Anne escapou, porque sua gua branca apareceu mais tarde na borda do lago Ness. Diz-se que ainda hoje em dia dana sobre suas verdes guas como se fosse um fantasma. Como resultado do desaparecimento de Anne, minha bisav me escreveu uma carta em que me contava esta histria. Para ento, Grizel era j uma anci, e o anjo negro da foice se abatia sobre ela. Na carta, me explicava que se propunha lanar uma maldio sobre os dois cls para vingar a morte de Anne, pois estava segura de que a formosa moa morrera, e me pedia que fosse s Terras Altas para aguardar o nascimento de um menino no cl MacBeth que tivesse os olhos Carmichael, o qual marcaria o comeo da maldio. Naquela poca, eu j fora proclamada rainha dos ciganos, devido a minha me ter sido assassinada por uns soldados bbados que assaltaram nosso acampamento. Temia pelo bem-estar dos meus e no queria ficar em um lugar que me trazia lembranas extremamente tristes, de modo que empreendi a viagem a Esccia em companhia de toda minha gente. Poucos meses mais tarde, chegamos s Terras Altas e me inteirei de que, no norte, nascera um menino no seio dos MacBeth que tinha os olhos Carmichael. Tratava-se do senhor George, seu bisav, Hunter. Ao cabo dos anos contraiu matrimnio com uma parente longnqua, que morreu ao dar a luz a Ranald, seu pai. Como Ranald no tinha os olhos violetas dos Carmichael, o senhor George se convenceu de que ele era o nico MacBeth que estava maldito e enlouqueceu. Arrancou-lhe os olhos e se tirou a vida. Anos mais tarde, Ranald encontrou nosso acampamento nos subrbios de Torra nam Sian. Apaixonou-se por minha filha, Laureiem, sua me, Hunter. Casaram-se, segundo o rito cigano e logo pelo catlico, j

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que Ranald queria ater-se aos costumes escoceses e impedir que algum pudesse repudiar sua esposa cigana, que o que lorde Duncan, o baro de Torra nam Sian, no duvidaria em fazer. Ento nasceu voc, Hunter. Laureiem o queria, mas estava muito preocupada, porque tinha os olhos Carmichael e, como eu lhe falara da lenda, conhecia o poder da maldio. Quando ainda no se restabeleceu do parto, levantou-se da cama com a ideia de me pedir que conseguisse um talism que o protegesse da maldio. Como sabe, quando falou comigo, sofria umas febres muito fortes, que lhe causariam a morte pouco depois. No pude salv-la. Laureiem me entregou isto. Ashiyah extraiu um pesado colar de ouro do cofre que tinha no colo. Era uma corrente preciosa, cujos elos estavam engastados de uma maneira extremamente complexa, como se fossem as peas de um quebra-cabea ou os passadios de um labirinto. Duas chaves de ouro, uma grande e outra pequena, pendiam dela Pertenceu ao senhor George, que o deu de presente a sua esposa; Ranald, a sua vez, o daria de presente a Laureiem. Agora dou isso a voc, Hunter, para que o d de presente a Mary, sua esposa. Por esta razo, insisti em que se casassem, segundo o rito cigano. No podia lhes entregar isso com a conscincia tranquila, se no contrassem matrimnio em minha presena, embora fosse mediante a tradio cigana. Acredito que estas chaves so o meio para acabar com a maldio que perseguiu os MacBeth e os Carmichael, durante todos estes anos. Nunca coloquei este colar e no sei que poderes tm, da que no pudesse permitir que Mary se arriscasse a lev-lo sem ser uma MacBeth, embora seja maneira cigana. Grizel possua uns conhecimentos enormes sobre os segredos antigos e a maldio que lanou sobre os cls era cigana. Ponha-o agora, Mary; meus

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poderes no so como os de minha av, mas a proteger, no caso de que algo lhe acontecesse. Tremente, Mary colocou a pesada corrente de ouro ao redor do pescoo. Por um angustiante e eterno minuto, no se atreveu sequer a respirar por medo de que os elos a estrangulassem. Mas nada ocorreu, e a moa suspirou aliviada. Ashiyah fechou os olhos por um momento. J est. Agora est a salvo. cigana por matrimnio, e Grizel no permite que os seus sofram nenhum dano. Agora, Mary, dir-lhe-ei a segunda condio que prometeu cumprir se contava esta histria. Quando chegar a primavera retornar s Terras Altas; ali comeou a lenda e ali deve concluir. Pode permanecer aqui at que nasa seu filho, mas depois ter que voltar para casa. So escoceses, e seu futuro no est entre os ciganos. Meu meu filho? perguntou Mary. Sim, o filho que concebeu a noite de suas bodas cigana nascer em maio. Sei graas a um dos antigos poderes que tenho. Deu-me sua palavra, Mary, a palavra da filha do leo. Meu papel na lenda termina aqui; s voc pode acabar com ela. No deixe de fazer o que lhe peo; do contrrio, o grande monstro negro do lago Ness chorar pelos mortos da Esccia que moram sob as verdes guas do lago, e o fantasma de Anne MacBeth seguir vagando por suas bordas durante toda a eternidade, presa do desassossego.

Captulo 30

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Aquela primavera, tal como Ashiyah vaticinou, nasceu o filho de Mary, um formoso menino ao que o casal deu o nome de Magnus Hunter por seu pai e em lembrana de seu av, o grande leo de Bailekair, que nunca chegaria a v-lo. Quando Mary recuperou as foras suficientes para viajar, os escoceses se despediram de Ladislao, o rei da Hungria, que lamentou perder aos melhores oficiais que tinha. Entretanto, com a tranquilidade e a indiferena que lhe valeu o apelido de Dobre, Ladislao se limitou a encolher-se de ombros e dizer muito bem, quando os escoceses insistiram em que deviam abandonar o pas. O monarca se despediu dos dois cavalheiros com solenidade, abraou-os e ordenou que fossem escoltados. A despedida de Ashiyah, rainha dos ciganos, foi mais emotiva e difcil. Mary chorou a lgrima viva, igual Joanna; Hunter e Cadman sentiram que se fazia um n na garganta, quando disseram adeus rainha. Fora, minha filha. Ashiyah levantou a rosto de Mary, para olh-la aos olhos O sangue do leo corre por suas veias. Recorde-o. No o esquecerei senhora. O que me di que fomos muito felizes aqui e na Esccia no fica nada. No, Mary, isso no certo. Vi voc passear pelo alto da colina da que se vislumbra Obuda e sei que tem saudades do escarpado de Mheadhoin. Seu lugar est ali. J ver como encontra o caminho. Quando chegar o momento, o colar lhe mostrar o atalho que a conduzir de volta s Terras Altas. Tenha f, Mary, quo mesma tive no amor que lhe professa meu neto, e no fracassar. Tenha f e no fracassar. Os escoceses atravessaram a Europa no carro que Ashiyah tinha presenteado Hunter e Mary como presente de bodas. Tambm lhes

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proporcionou um par de fortes cavalos de tiro, por isso ataram Desmond e os dois cavalos de guerra na parte traseira; a viagem resultou assim mais suportvel. Como Mary estava ainda se recuperando do parto, deitava-se na cama que compartilhava com Hunter e os outros, cada vez que precisava descansar, sem que tivessem que frear a marcha. Alm disso, o carro lhes ofereceu certo casaco das chuvas torrenciais que convertiam as colinas e os vales da Europa em um muito verde vergel durante a primavera. Como nada lhes urgia, no apertaram a marcha; alm disso, dispunham do abundante dinheiro que lhes entregara o rei Ladislao, por isso podiam se permitir o luxo de viajar lentamente e desfrutar de um mnimo de comodidade. Ao cabo de uns meses, chegaram costa da Frana, cruzaram o canal da Mancha e navegaram ao longo das praias inglesas at o mar do Norte. Finalmente, o pequeno grupo atracou ao porto de Leith, situado nas praias escocesas do fiorde de Forth, no condado de Midlothian. Achavam-se em sua ptria! Entretanto, ningum sairia para dar a bem-vinda aos exilados. No se atreviam a aventurar-se nas Terras Altas, onde a morte os aguardava, nem a chamar as portas do palcio, por temor a que algum membro de seu cl se alojasse nele. Nem sob o teto de Jamie se encontrariam a salvo de um repentino e traioeiro ataque de arma branca. Alm disso, se Hugh se inteirava do paradeiro de sua esposa fugitiva, o rei no poderia impedir que exigisse a Mary que retornasse a Dndereen. Foi, portanto, uma triste volta para os escoceses, que tanto arriscavam para voltar a pisar sua terra natal. A sensao de desamparo que os embargou foi to grande como quando partiram.

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Como no tinham alternativa, dirigiram-se ao sul de Edimburgo, j que no resultava difcil perder-se na grande cidade para algum que queria permanecer oculto. Hunter tinha a inteno de hospedar-se na residncia que lorde Duncan possua na capital, sem que este soubesse. Talvez ali pudessem proteger-se. Tal como sups, a casa estava fechada. exceo de quando tivera que assistir aos funerais da rainha Margaret, lorde Duncan no se aproximou de Edimburgo em muitos anos. O ancio baro se sentia feliz e seguro em sua grande herdade de Torra nam Sian e no desejava ver-se envolto nas muito frequentes intrigas palacianas. Hunter rompeu uma janela e se introduziu na casa para abrir a porta aos outros. No temia chamar a ateno dos serventes, j que lorde Duncan no mantinha nenhum em sua residncia de Edimburgo. Deus santo! Mary enrugou o nariz ao entrar na casa. O interior cheirava fortemente a fechado Quanto tempo faz que no limpam este lugar? Hunter esboou um sorriso. Conhecendo baro, alguns anos. Temo que sua esposa fosse bastante mais ordenada que ele. Desde sua morte, lorde Duncan no se preocupou muito pelas questes domsticas. Pergunto-me por que conserva ainda esta casa. Suas razes ter, suponho. Mary e Joanna deram uma olhada ao redor. Os mveis estavam protegidos com lenis cobertos de p; o cho estava abafado com vrias pilhas de juncos velhos que ningum se ocupou de trocar; a lareira tinha uma capa de fuligem de mais de cinco centmetros de grossura; as tapearias estavam irreconhecveis pela imundcie que os cobria. As duas

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mulheres se olharam com uma expresso de desagrado. Mary se voltou para Hunter com gesto de gravidade. Neste lugar no se pode viver, a menos que algum ajude Joanna e a mim a limp-lo. Suponho que no pretendero que nos ocupemos sozinhas de semelhante tarefa, Hunter. Necessitamos ao menos de trs donzelas, um cozinheiro e uma criada, assim como dois homens que se encarreguem dos trabalhos mais pesados, o jardim e os estbulos, e dois ou trs moos para o resto. Advirto-lhe que nem Joanna nem eu moveremos um s dedo at que chegue o servio que pedi, e no me diga que no mais que um pobre cavalheiro Hunter, porque sei perfeitamente que o rei Ladislao foi muito generoso ao gratificar voc e Cadman por seus servios. Por amor de Deus! No falha! Entregue uma casa a uma mulher e inclusive a mais carinhosa se converter imediatamente em uma ferazinha de lngua viperina. Muito bem, senhoras disse Hunter, ao ver que Joanna mostrava em seu rosto a mesma determinao que Mary Vamos, Cadman, vamos daqui antes que nos ataquem com as panelas e as vassouras e nos obriguem a trabalhar como se fssemos lacaios. Asseguro-lhe que, se no escaparmos, nossa sorte ser pior que a morte. O cavalheiro cigano soltou uma sonora gargalhada, fazendo caso omisso ao severo olhar que lhe dirigia Mary poremos uns aventais, e, quando sairmos praa do mercado, outros cavalheiros, em sua ignorncia, trataro de ganhar nossos favores. Oh, senhor, senhor! Hunter tampou o rosto e piscou coquetemente Sou uma moa decente, senhor, embora no lhe farei ascos a um par de soberanos prosseguiu, enquanto Cadman fingia colocar um xale e sorria com afetao.

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Fora! Fora daqui os dois! exclamou Mary, que mal podia conter a risada. Joanna sorriu, ao ver seu marido flertando escandalosamente com um cavalheiro imaginrio Muito desesperado teria que estar um cavalheiro para ter que recorrer a um par de moas como vocs se mofou Mary Mais vale que no tratem de ganhar os favores de outras moas, porque ento sua sorte ser realmente pior que a morte, quando retornarem a casa. No lhes caiba dvida! Os dois homens riram dissimuladamente, fizeram-se uma reverncia um ao outro e abandonaram a estadia. Depois de levar o carro parte traseira do imvel e deixar os cavalos nos estbulos, saram em busca de quo serventes Mary pedira. A brincadeira serviu para alegrar o nimo das moas e, apesar da advertncia que Mary fez a Hunter, comearam a arrumar a casa. Para quando se apresentaram os primeiros empregados que Hunter e Cadman tinham contratado a casa j oferecia outro aspecto. Antes do fim da semana j dispunham de um servio completo, e a casa de lorde Duncan estava virtualmente limpa. Hunter tambm contratou um tutor para que substitusse Mary nas classes que repartia a seus dois filhos. Alm disso, como finalmente comprou a Geoffrey uma flauta em Obuda, tambm se fez com os servios de um poeta para que o ensinasse a toc-la. Durante as semanas que seguiram, o grupo se acostumou a realizar suas atividades de uma maneira mais ou menos rotineira. Hunter, Cadman ou qualquer dos serventes se ocupavam da maioria daquelas coisas que requeriam sair a Edimburgo, enquanto que Mary e Joanna permaneciam na casa ou no jardim. As mulheres protestaram por isso, mas os homens no deram seu brao a torcer, j que no queriam que se aventurassem l onde os MacBeth ou os Carmichael pudessem as reconhecer, as raptar ou

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as assassinar. J corriam eles bastante perigo, disseram. Ambos deixaram barba e bigode crescer em uma tentativa por passar inadvertidos e, em lugar de levar o breacan vermelho e verde de seu cl, embelezavam-se com os uniformize de oficial hngaro que tinham. Recorde, J. advertiu Cadman seriamente a sua mulher Inclusive no caso de que os cls no nos busquem por ser fugitivos, Mary segue em perigo. Hugh Carmichael no se deter ante nada com tal de apanh-la de novo. Estive ao lado de sua senhora desde que eram meninas. Inclusive o parvo do povo adivinharia que Mary no poderia estar muito longe se visse voc. Quer arriscar a vida de sua senhora? No. A moa abriu seus olhos castanhos de par em par, alarmada. No pensara naquilo, quando perguntou a Cadman se podia ao menos ir ao mercado, j que os homens no diferenciavam a verdura fresca da passada e com frequncia adquiriam mantimentos em mal estado. Envie o cozinheiro, se considerar que temos m mo para as compras disse ele com um sorriso nos lbios. Logo adotou de novo uma expresso sria Mas no saia. A segurana de Mary depende disso. No desejo ter que me enfrentar com Hunter, se a capturarem por culpa de nosso descuido. Joanna deixou escapar um suspiro e obedeceu. Oxal no tivessem que viver como proscritos. Estava segura de que o cozinheiro lhes ajustava. Por uma questo de necessidade, os membros do servio que contrataram eram de origem bastante humilde; homens e mulheres que no tinham motivo nem para conhecer os MacBeth nem para formular perguntas sobre sua estranha forma de vida. De fato, vista de como se comportavam alguns deles, Joanna no duvidava de que eram sentenciados que conseguiram escapar do crcere ou simplesmente

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pessoas procuradas pela justia. Assustava-lhe pensar que ela, Mary e os meninos estavam rodeados de ladres ou possveis assassinos. Mas no ficava outro remdio. Graas a Deus, os serventes sentiam um temor reverencial por Hunter e Cadman, com seu aspecto forte e sua atitude possessiva, e pareciam necessitar desesperadamente dos soberanos que lhes pagavam por permanecer na casa e manter a boca calada a respeito de seus senhores. Contudo, Joanna surpreendeu a vrios dos caipiras que contrataram observando grosseiramente tanto a ela como Mary e tremia ao pensar no que poderia lhes acontecer, se no contassem com o amparo dos cavalheiros. De todas as formas, embora levasse uma vida clandestina que alm no parecia oferecer uma perspectiva de futuro muito aduladora, o grupo tratava de manter-se animado. Duas semanas antes do Natal, Hunter e Cadman destruram um grande pinheiro escocs nos subrbios de Edimburgo e o transportaram a casa. Com grande dificuldade, mas inspirados pelos gritos das mulheres e dos meninos, conseguiram levantlo no salo principal, depois do qual comearam todos juntos a adorn-lo. Penduraram fileiras de arndanos e passas, cadeias de papel, bonecos de po de gengibre, barras de caramelo e velas, e remataram a decorao colocando na ponta da rvore uma enorme estrela chapeada. Quando terminaram com os adornos, penduraram os presentes pequenos dos ramos e depositaram os grandes debaixo deles. Logo, acenderam o lenho de Natal na lareira, onde arderia at que finalizassem as festividades, e cantaram canes de natal. Quando Mary ouviu sua cano de Natal favorita da infncia, rompeu a chorar:

Vi uma luz suave e formosa

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um pssaro alegre e uma flor preciosa aquela manh de boa fortuna. E a uma me doce e decorosa que cantava em voz baixa mas gozosa a um menino dormido em um bero: Dorme, meu menino, durma j Dorme, meu menino, dorme em paz.

Sem compreender por que chorava, Hunter apoiou a cabea de sua amada brandamente contra seu peito e lhe enxugou com carcias as lgrimas que escorregavam pelas bochechas. Vamos, meu amor disse com doura No momento de chorar. Esta a poca do ano em que ter que estar alegre. Por que chora, tigresa? Sinto muito. Mary elevou o olhar e tentou sorrir Meu pai estava acostumado a me cantar essa cano no Natal. Era minha cano de Natal favorita. Sentava-me em seu colo, contava-me a histria do Menino Deus e logo cantava dorme, meu menino, durma j; dorme, meu menino, dorme em paz. Oh, Hunter, so tantos os seres queridos que desapareceram de minha vida Tenho que me resignar a que as Terras Altas tambm dela desapaream? Hunter a abraou com mais fora. No sei, meu amor. No sei. Oh, me perdoe. Sei que prometemos no falar das Terras Altas. Sinto muito. Tenho me posto muito sensvel com o Natal. Perdoe-me, querido. Sou feliz onde quer que voc esteja.

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Entretanto, por muito que ela o negasse, Hunter sabia que uma pequena parte do corao de Mary, em lugar de pertencer a ele, pertencia a Bailekair; sentia saudades do castelo em que nascera e se sentia angustiada ante a possibilidade de no voltar a v-lo jamais. Hunter estava preocupado. Oh, Mary, Mary! No quero v-la sofrer desta maneira; mas o que posso fazer? Oh, meu amor. Antes bastava voc comigo para ser feliz. Acaso j no assim? Entretanto, compreendo-a perfeitamente. Meu Deus, este no o tipo de vida que queria para voc, uma vida em que sente medo e tem que se esconder. No, se estivesse em minhas mos, lhe daria um reino. Meu amor, sou eu que devo pedir perdo. Por fim chegou o Natal. Brindaram com uma bebida feita com cerveja, mas assadas, ovos, acar, noz moscada, cravo e gengibre, e comeram bolo de carne e bolo de ameixa. A casa cheirava a acebo e romeiro, que ainda no comeara a florescer. Os homens perseguiram as mulheres entre gritos e risadas, tratando de persuadi-las de que se ocultassem sob o azevinho; os meninos, por sua parte, davam palmas e riam, ao v-los. Quando abriram os presentes, os adultos fizeram um esforo por no pensar em quo diferente seria aquele Natal, se estivessem nas Terras Altas. Hunter se entristeceu, porque no pde dar de presente a Mary o que esta mais desejava e jurou para si que acharia a maneira de aliviar a dor que s vezes refletiam os cativantes olhos violetas da jovem.

***

Quando passaram a vspera de ano novo e os primeiros dias de janeiro, os homens comearam a inquietar-se e sentir-se irritados pelas limitaes que sofria sua liberdade por causa da clandestinidade que impuseram a si

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mesmos. A Hunter, alm disso, remoia-lhe a conscincia pelo fato de que Mary se viu obrigada a abandonar as Terras Altas por sua culpa e, embora no o manifestasse, tinha saudades de Bailekair. Embora em um princpio acreditasse que retornando a Esccia seria suficiente, o cavalheiro se deu conta de que no era assim. Igual a Mary, ele tambm sentia a chamada selvagem dos dourados paramos, que lhe animavam a voltar para casa, e sabia que sempre levaria as Terras Altas no sangue. Props-se encontrar a maneira de entrar na corte e encontrar-se com o rei, seguro de que Jamie acharia a maneira de lhes ajudar. No me ocorre como podemos consegui-lo, Hunter disse Cadman uma noite que estavam sentados ante o fogo H guardas por todo o palcio. Inclusive se consegussemos subornar a um, que desculpa daramos para que Jamie acessasse a nos receber em privado? Pensariam que somos uns espies ou uns assassinos e nos jogariam no calabouo. No podemos correr esse risco, irmo. Suponho que nos vissem e fssemos reconhecidos Temos que encontrar a maneira, Cadman! Somos homens leais ao rei. Estou seguro de que esteve preocupado por ns todos estes anos. Recorde que fomos sem sua permisso No nos devemos ao rei, a no ser a lorde Angus. Em efeito! E tambm fomos sem sua permisso! No ficou outro remdio, Hunter. J sabe. Sim, sei, sei. Mas estou me fartando desta vida, irmo. No agradvel sentir-se como um animal enjaulado. E Mary no feliz; sei que no o , por muito que o negue. Oxal achasse a maneira de solucionar tudo.

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Eu tambm quero encontrar a maneira de sair daqui, irmo. Joanna parece cada dia mais uma gazela assustada. Alm disso, no quero que meus filhos cresam com medo a nada. O que podemos fazer Hunter? O cavalheiro cigano esboou um diablico sorriso. Ocorreu-me um plano, mas duvido que voc goste. Eu tambm o duvido, vendo como brilham seus malditos olhos. Bom, do que se trata, irmo? Lembra-se da brincadeira que gastamos s moas o dia que chegamos aqui? Sim Oh, no, Hunter! No o dir a srio? Sim, Cadman. perfeito. Venha, no se ofenda. Voc se vestir de mulher e eu fingirei ser um oficial ou um emissrio que acaba de chegar da Hungria com uma misso secreta e de grande importncia ou algo pelo estilo. Voc poderia ser o presente que envia meu pas ao rei em sinal de amizade e boa vontade. Toda a Europa sabe que nosso jovem monarca adora as moas. Estou seguro de que podemos subornar a um dos guardas para que nos permita acessar s escondidas os aposentos do rei com o pretexto de que no queremos que nenhum de nossos inimigos se inteire de nossa presena na Esccia nem que as amantes do rei se sintam injuriadas com nossa amostra de boas intenes. J sabia que eu no gostaria. Por que tenho que ser eu mulher, Hunter? Porque uma preciosidade. O cavalheiro cigano deu uma forte palmada nas costas a seu irmo de adoo. Cadman esboou um sorriso a contra gosto. Voc tampouco est nada mal disse.

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Os dois homens puseram-se a rir a gargalhadas, por isso Mary e Joanna no demoraram em aparecer para averiguar o que lhes resultava to divertido. Elas no julgaram a ideia to hilria como eles, mas, ao compreender que no conseguiriam os dissuadir de que realizassem seu plano, ofereceram-se a ajud-los no que pudessem. Cadman se retirou para barbear-se, enquanto Joanna procurava pela casa algum vestido de sua medida. Mary limpou e escovou o uniforme de oficial hngaro de Hunter at deix-lo como novo; o cavalheiro cigano, por sua parte, ocupou-se de falsificar uma carta de apresentao do rei da Hungria para Jamie. Quando acabou, cobriu o pergaminho de areia para secar a tinta, sacudiu-o e soprou brandamente sobre ele. Continuando, selou o documento com um anel que o rei hngaro lhe dera em sinal de avaliao. No o selo do rei Ladislao, certamente, mas duvido de que algum na corte de Jamie o descubra disse a Mary, para anim-la, quando esta olhou com gesto de preocupao o que fez Amanh irei ao palcio para tentar subornar um dos guardas. manh seguinte, encaminhou-se para o palcio. Mary e Joanna dedicaram a maior parte do dia a adestrar Cadman nas artes femininas com o conseguinte regozijo dos meninos e os serventes. No, no, Cadman! Deve dar passos mais curtos e rebolar assim disse Mary, mostrando-lhe. Por amor de Deus! Mas se no poder nem andar tal como vou! Este vestido fica muito apertado, juro-lhe isso. Pelos pregos de Cristo! Vou arrebent-lo! Coloque os ombros disse Joanna tampando a boca para que no visse que estava sorrindo. Seu marido tinha uma pinta muito graciosa.

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Se o fizer ficarei sem peito! Meu Deus! Bom, no vai ao campo de batalha, de modo que no necessrio que o tire. Prefiro o campo de batalha a isto, J! exclamou, olhando-se indignado. As moas descobriram no andar de cima uma velha arca cheia de vestidos da corte que deviam pertencer esposa de lorde Duncan. Ao que parecia, a defunta baronesa fora uma mulher alta e bastante corpulenta, j que os vestidos eram extremamente grandes. Mesmo assim, todos se ajustavam em excesso ao musculoso corpo de Cadman. Rodeada as mangas ficavam por cima do cotovelo, e a saia no chegava a lhe cobrir as botas. Seu fornido peito aparecia estranhamente formal pelo suti. As mulheres lhe rodearam o pescoo com um leno de tal forma que casse em dobras sobre a escura sombra de plo que deixava ver o decote do vestido. Entretanto, no conseguiram lhe segurar o sobretudo, de maneira que o objeto pingava pelos lados sem nenhuma graa e os fechamentos de ouro ressonavam com um alegre toque de campainha cada vez que se movia, como se pretendessem burlar-se dele. A capa com que as moas queriam cobrir todo o conjunto foi pasto das traas, por isso o tecido de algodo aparecia furado. Jesus! Devia estar bbado, ontem noite, quando acessei participar deste desgraado plano. Vou matar Hunter. Secundei-lhe em muitas de suas loucuras, mas desta vez passou. Uma concubina! Pois estamos bons! Um trombadinha! Isso o que pareo, Por Deus! exclamou Cadman ,no momento em que tropeava com a saia e caa de bruos ao cho. Oh, Cadman. Agora sim parece uma mulher cada se mofou Mary, colocando a mo no flanco por quo ferroadas sentia ao rir.

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Inclusive Joanna ps-se a rir a gargalhadas ao v-lo. Os meninos soltaram um alarido de alegria e correram a esmurrar Cadman em brincadeira, imitando os rapazes das ruas de Edimburgo que golpeavam aos bbados. Isto j excessivo balbuciou o humilhado Cadman. Oh, se levante, meu amor disse Joanna, afastando os meninos e agachando-se para ajudar seu marido. impossvel comentou Mary, suspirando Temo que uma de ns ter que ir em seu lugar. No, muito perigoso protestou Cadman, sacudindo a roupa Seguirei tentando-o. A ver, me mostrem outra vez como andar. Quando Hunter retornou, as moas j chegaram concluso de que Cadman no daria mais. E bem? Cadman olhou a seu irmo de adoo severamente, como se o desafiasse a fazer alguma brincadeira J solucionou tudo ou acaso perdi todo o dia fazendo o idiota? No se preocupe. Hunter se esforava por reprimir a risada que lhe provocava a estranha pinta de seu irmo de adoo. J est tudo disposto. Meu Deus! Subornei o senhor Percy Chisholm, nem mais nem menos. E no me reconheceu. Inclusive consegui lhe convencer de que nos envie um carro explicou com um sorriso de satisfao, encantado pelo xito que teve De modo que no ter que montar a cela feminina. A cela feminina! Por amor de Deus! No tinha pensado nisso. Graas a Deus que ao menos no terei que sofrer essa indignidade balbuciou Cadman.

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O que? Teve um dia muito duro? Qualquer o diria Em realidade, considero que est realmente encantadora, Cadman comentou Hunter, sufocando uma gargalhada. Hunter, juro-lhe isso; esta a ltima vez que permito que me utilize como alvo de suas brincadeiras. Mas, Cadman, com o bem que o faz sempre disse Hunter com lstima fingida, antes de agachar-se rapidamente para esquivar o golpe que tratava de lhe atirar seu irmo de adoo. Pouco depois, os dois homens estavam brigando no cho como no o faziam desde que eram uns adolescentes. Basta! Basta j! exclamou Cadman finalmente vai romper-me o vestido. Os dois riram a gargalhadas, momento que aproveitaram as duas moas para separ-los. Deus santo! No sei nem por que me tomei molstia brincou Hunter, quando ficou em p No chega s Carmichael nem sola do sapato. Cadman se aproximou de um espelho para arrumar o conjunto e sorriu. Eu que o diga! Assim que me veja, Jamie nos jogar no calabouo por lhe haver insultado. Esperemos que tenha bebido umas quantas jarras quando, nos receber disse Hunter com simulada solenidade Do contrrio, temo que no dar nem meio penique por voc. Isto por impertinente, meu senhor. Cadman deu um sonoro soco a seu irmo de adoo. Ento recolheu a saia e dando meia volta adicionou Caipira! Evitem a companhia desse bruto, senhoras. ele quem no vale nem meio penique.

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Chis! Mary sorriu. Os olhos brilhavam da risada ouviro os meninos. Temo que j disseram o suficiente para que passem o resto do dia lhe dando voltas cabea. Oh, tem toda a razo. Vamos, J, me ajude a tirar tudo isto, antes que este canalha me aborde outra vez disse, assinalando Hunter com uma piscada. Cadman! exclamou Joanna, franzindo cenho e olhando os meninos, que estavam construindo um forte com cubos de madeira. Bom, bom disse seu marido, encolhendo alegremente. Economizar-me-ei minhas grosserias para mais tarde. Ento lhe pegou uma palmada no traseiro. Cadman! repetiu Joanna com um tmido rubor. Se apresse, minha senhora, antes que esta saia comece a mostrar curvas por onde no deve!

A noite envolvia Edimburgo com suas escuras sombras. O frio era gelado. O vento trocara e agora soprava gelidamente da costa, levantando pequenas rajadas de neve em p da branca capa de flocos que cobria os paraleleppedos do High Street altura a que se encontrava a casa de lorde Duncan. A densa nvoa cinza que caa sobre a cidade resplandecia tremulamente luz dos faris do carro e da chapeada lua que acabava de comear sua lenta ascenso para o firmamento. O intenso aroma de fumaa que desprendiam as fogueiras que ardiam no interior das casas para acabar com o frio invernal enchia o ar da noite com uma fragrncia acre. A porta se fechou ruidosamente, assim que Hunter e Cadman entraram na carruagem. Nervosos, os cavalos deram coices, mordendo

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impacientemente o bocado, como se queriam reatar a marcha. O lacaio subiu a boleia e se sentou ao lado do chofer, que fez estalar seu ltego com um estalo que rompeu o silncio que reinava na noite como se fosse um disparo. Os animais empinaram e se lanaram subitamente rua abaixo. Os cascos retumbavam sobre os paraleleppedos com um eco surdo quando o carro comeou a baixar a colina pela que se chegava ao palcio de Holyrood. Balanando entre as correias que o seguravam, a carruagem avanava com muita dificuldade pelas brancas ruas, escorregando sobre a fina capa de gelo como se quisesse escapar dos dedos glidos da noite. Pequenas gotas de gua caam sem piedade sobre os dois homens sentados na boleia. Um deles proferiu um juramento, que apenas se ouviu por causa dos surdos golpes dos cascos e o estalo continuado das grandes rodas do carro que atravessava a escurido da noite. Sinto-me como um estpido balbuciou Cadman, no interior da carruagem, enquanto esticava as pernas e se acomodava no cmodo assento. Sentiu um tremor e se agasalhou com a capa que Joanna lhe entregou Bonita noite para sair disfarado de mulher. No sei como essas moas podem suport-lo. Vou comprar para J uma capa de arminho. No me importa que sua posio lhe impea de us-lo. Hunter no fez nenhum comentrio, pois nesse preciso momento a carruagem cambaleava ao lado do carro de lenha de um mascate. O chofer puxou as rdeas e conseguiu esquiv-lo milagrosamente. O acidente, de ter ocorrido, seria grave. Hunter golpeou com fora o teto da carruagem e pediu ao chofer que tivesse mais cuidado. O veculo reatou a marcha colina abaixo. Ainda ficava um quilmetro longo de caminho. Finalmente o palcio de Holyrood apareceu ante eles. O chofer entrou no palanque e passou ao ptio interior do castelo. Hunter e Cadman

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apearam em silncio, e o lacaio acompanhou s escadas privadas que conduziam aos aposentos do rei. Espere-nos ordenou Hunter ao lacaio, quando chegaram. Ento abriu a porta que dava s cmaras do rei e viu que Jamie no se encontrava sozinho. Cinco de seus conselheiros de maior confiana estavam examinando com ele vrios pergaminhos. Embora falassem em voz baixa, o tom da conversa era acalorado. Jamie elevou a vista, e os homens se calaram. Hunter escrutinou rapidamente aqueles rostos que o olhavam com curiosidade. Qual deles os entregaria, se descobriam que foram disfarados? Lorde Bothwell? O conde de Angus? O pai de Alinor, o poderoso senhor de Eadar D Voe? Quais eram os dois homens que estavam ocultos nas sombras? Reconheceriam a ele ou a Cadman? No, seu irmo de adoo apenas se relacionou com Darnley e Maitland no passado. Hunter deixou escapar um suspiro de alvio; sobressaltou-se ao ver que o rei no estava sozinho. O conde de Angus se adiantou. Capito Tisza? Sim mentiu Hunter. Estvamos o esperando, capito. Permita-me que o apresente a sua majestade. Hunter fez uma profunda reverncia ao rei. Cadman s conseguiu inclinar-se torpemente. Patrick Hepburn lanou um olhar escrutinador desproporcionada mulher. O jovem MacBeth, face s srias advertncias que lhe fizera Joanna, esqueceu-se de fazer a reverncia com suavidade. Lorde Bothwell entreabriu de repente os olhos com ar suspicaz. Tinha decidido manter-se alerta durante aquela recepo. Ao fim, uma trama para derrocar o governo era um assunto de vida ou morte. No seriam

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espies ingleses que conseguiram infiltrar-se nos aposentos do rei? Teriam se interceptado cartas secretas de vital importncia? Hngaros. O que faziam hngaros na Esccia? Havia algo que no encaixava. E se esses homens (para ento o conde de Bothwell j se persuadiu de que aquela mulher no era a no ser um homem mal disfarado) eram uns sicrios enviados pelo prprio Enrique Tudor para eliminar seu inimigo do norte? O assassinato do soberano escocs sumiria o pas no caos. No estaria a Inglaterra planejando uma nova invaso da Esccia? Hngaros. Por amor de Deus! O homem que falava no tinha acento estrangeiro! Majestade, entendi que nos receberia em privado estava dizendo Hunter ao rei naquele momento. Perdoe, majestade interrompeu o conde, aproximando-se do rei com atitude protetora, antes que este pudesse dizer algo Ei, voc! Sim, voc, moa! disse com tom zombador Tire a capa, por favor. Antes de comear a fazer negcios, o rei deseja ver os presentes para saber que considerao lhe tm as pessoas que querem relacionar-se com ele. Cadman ficou tenso e dirigiu um olhar interrogativo a Hunter. No contavam com isso. O jovem aproximou sigilosamente uma mo adaga que tinha escondida sob a capa, mas o gesto no passou despercebido ao conde de Bothwell. So impostores! Capturem! Capturem! exclamou o conde, equilibrando-se sobre Jamie e caindo com ele ao cho em uma tentativa por lhe proteger. Por amor de Deus! Embainhem as espadas! exclamou Hunter freneticamente. Os homens do rei lhes tinham rodeado e imobilizado contra a parede Patrick detenha-os, antes que nos matem! Ouve-me? Somos Hunter e Cadman MacBeth.

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Alto! ordenou Jamie, aparecendo por cima do ombro do conde de Bothwell e aguando os olhos para ver os dois homens luz das velas Por Deus! exclamou ento com irritao Cadman a moa mais feia que jamais vi. No se estranha nada que Patrick tenha suspeitado de voc. Soltem ordenou a seus homens Parece mentira, Patrick, mas pesa uma tonelada. Se levante antes que acabe comigo! Sou eu quem est acabado disse Cadman com um sorriso, ao tempo que tirava de um puxo a roda capa Hunter me disse que estou encantadora. E eu lhe digo que no o est! exclamou Jamie, enquanto ficava em p No daria nem um penique por voc, se o encontrasse em um botequim do porto. Bom, ao menos algo mais do que Hunter estava disposto a me dar. O conde de Bothwell comeou a limpar o p ao rei, desculpando-se por lhe haver atirado ao cho. Basta j de palavrrio, Patrick. J sei que queria me proteger. O rei olhou com gravidade aos presentes e logo se ps a rir a gargalhadas Deus santo! S a ocss dois lhes podia ocorrer coisa semelhante! Jamie se aproximou deles para abra-los efusivamente Quanto me alegro de v-los! Estive preocupadssimo por vocs. Senti sua falta na corte. Onde estiveram estes trs anos? Desapareceram sem sequer me pedir permisso. Rogo-lhe que nos desculpe majestade disse Hunter sentando-se. O rei ordenou que lhes servissem cerveja, e Cadman tirou o vestido, que se rasgou durante a briga Mas tivemos boas razes para faz-lo. Antes que o explique, majestade tem que me dar sua palavra de que o que lhe conte no sair desta estadia.

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Tem-na. James olhou severamente a seus conselheiros para assegurar-se de que o entendiam Bem, continue. Ao cabo de algo mais de uma hora, Hunter e Cadman tinham concludo seu relato. O rei os observou com ar pensativo por um momento. Agora entendo por que recorreram a uma soluo to drstica para conseguir que os recebesse em privado. Meu Deus, uma lstima que no possamos fazer brincadeiras disto na corte, Cadman. Estou seguro de que os cortesos lhe dariam de presente ao menos uma dzia de ramos de flores. Os presentes riram ruidosamente ao ouvir aquilo Assim que o senhor Hunter MacBeth teve dois filhos com lady Mary e voc, Cadman, casou-se com uma donzela. Bom, bom. Permitam que lhes conte agora o que aconteceu em sua ausncia. O velho urso morreu o mesmo dia em que desapareceram. No chegou a inteirar-se de que fugiram das Terras Altas. Os dois cavalheiros se entristeceram ao inteirar-se da morte de lorde Angus, mas se alegraram de que no soubesse de sua traio Quando receberam em Glenkirk a notcia de que escaparam prosseguiu Jamie lady Sophia me escreveu uma carta para me explicar quanto sabia ou supunha sobre a situao e me rogar que intercedesse por vs. Deve os querer muito, porque me pediu ajuda at sabendo que tinham trado o cl MacBeth. Encarreguei Patrick que difundisse a notcia de que eu os enviara ao estrangeiro em uma misso secreta. No sei quantos dos seus acreditaram, mas estou seguro de que, apesar de minha histria, houve pessoas que sabiam a verdade de um princpio e pessoas que acabaram por sab-la. Acredito que o mais conveniente ser que mantenham as precaues e sigam se considerando fugitivos, at que achemos a maneira de tir-los desta confuso. Eu lhes ofereo meu amparo, certamente, mas se houver algum membro de seu cl que est empenhado em mat-los,

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dificilmente poderei impedir que enfie uma adaga nas costas. Tampouco posso impedir que Hugh Carmichael obrigue Mary Carmichael a retornar a Dndereen, o que com toda probabilidade far, se inteira de seu paradeiro. Mary segue sendo sua esposa. Sim interveio o senhor de Eadar D Voe Segundo Hugh, Mary enlouqueceu, raptou os meninos e escapou do castelo. Ofereceu uma recompensa de vinte e cinco mil Marcos a quem a encontre. Entendo disse Hunter. Ah, no se preocupe, moo continuou o conde Poucas pessoas acreditam na histria do senhor de Dndereen. A maioria da gente conhece seu violento temperamento e supe que a moa j no aguentava mais e fugiu. Certamente, minha filha, Alinor, e seu marido, o irmo de Mary, Charlie, no tragaram o conto, mas esto profundamente afligidos, porque temem que Mary tenha morrido. Ao princpio, fizeram indagaes de forma muito discreta, mas no conseguiram averiguar nada. Quando se inteirarem de que esto equivocados, alegrar-se-o. No, Hunter, no se preocupe; no os descobriro. Alinor sempre suspeitou que Hugh e Ian Carmichael fossem os responsveis pela morte de Gordon e de todo o resto. Confiou a Charlie, porque temia que seu marido fosse seguinte vtima de seus parentes. O irmo de Mary se enfureceu ao princpio, como lgico, pois pensava que Mary trara seu cl. um jovem temperamental e sua reao compreensvel. Alinor sabe como lhe tratar. O senhor de Eadar D Voe ps-se a rir Bom, em realidade acredito que sabe como tratar a todos os homens, eu includo. Bem, o caso que Charlie j no culpa Mary pelo que possa fazer. Podem estar tranquilos quanto a isso. Jurou-me que, se seguir viva, perdo-la- e aceitar sua relao com voc, Hunter. Quando sua irm desapareceu,

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pensou em assassinar Hugh Carmichael, mas eu o impedi. No queria que corresse nenhum perigo. Ele jovem ainda, e Hugh um homem cruel. Encerrei-lhe uma temporada no calabouo e no demorou a acalmar-se. Agradeo, senhor disse Hunter Estou seguro de que perderia a vida na tentativa e duvido de que Mary fosse capaz de suportar outra morte; a de Gordon a afetou muitssimo. Relate a Alinor e Charlie que Mary se encontra bem, mas os advirta tambm que no devem contar a ningum nem tratar de ficar em contato conosco. possvel que Hugh pense que Mary lhes pediria ajuda e que os tenha, portanto, sob vigilncia. No podemos regular precaues, se quisermos que no corra nenhum perigo. J me ocuparei do conde de Dndereen no momento e do modo que julgue adequados disse com tom sombrio e ameaador. Estou seguro de que o far, Hunter disse Jamie, lhe lanando um olhar penetrante Mas, por desgraa, tenho que lhe pedir que pospor seus planos no momento. O rei assinalou os documentos que descansavam sobre a mesa Estamos ultimando um plano para perseguir o rei Enrique da Inglaterra. Alegro-me de que tenham aparecido porque acredito que me sero muito teis. Como, de todas as formas, j estiveram no estrangeiro de forma clandestina, e essa a desculpa que diga em seu dia para explicar sua ausncia, ser melhor que continue sendo assim. Desse modo, os membros de seu cl se persuadiro da verdade do que digo. Embora Ricardo III morreu, Enrique no se afianou ainda no trono, apesar de haver-se casado com Isabel, a filha de Eduardo. Os dois filhos de Eduardo, que precediam a seu irmo Ricardo na linha de sucesso, desapareceram. Certamente morreram na torre de Londres s mos de seu tio ou desse arrivista do Enrique Tudor, embora no h provas. James esboou um sorriso de astcia Tenho em meu poder

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um jovem que , sem dvida, um bastardo Plantagenet. possvel inclusive que seja filho de Eduardo IV. Seu verdadeiro nome Perkin Warbeck, embora ele assegure ser o jovem Ricardo, um dos prncipes supostamente assassinados. Conforme diz, conseguiu escapar da torre de Londres e o verdadeiro herdeiro da coroa da Inglaterra. Proponho-me lhe brindar meu apoio neste assunto. Vai casar se com lady Mary Katherine Gordon para dar credibilidade histria de que de origem nobre e logo partir para a Inglaterra. Hunter, quero que voc e Cadman acompanhem a seu pas natal. Ali faro de espies e me informaro de tudo que julguem importante ou possa ser utilizado contra nosso velho inimigo do sul. O fato de que estavam na Europa como exilados os ajudar em sua defesa, no caso de que sejam capturados. Resultar mais difcil que lhes acuse de traio, quando se souber que estiveram trs anos em paradeiro desconhecido. Assim, por muito que Enrique suspeite que a Esccia esteja por trs de todo o assunto, no poder sab-lo com segurana. Sinto ter que me separar de vocss com tanta rapidez, mas me serviram bem no passado, e sei que tampouco me falharo nesta ocasio. Enquanto isso procurarei, por todos os meios lhes tirar do apuro em que se encontram. Isso tudo. Hunter endureceu o gesto, e a cicatriz de sua boca se transformou em uma feia careta. Como podia lhe pedir o rei que se separasse de Mary depois de tudo o que passaram juntos? Aquilo era uma verdadeira crueldade! Teria que deixar Mary e os meninos sozinhos, desprotegidos. No lhe entrava na cabea. Entretanto, no cabia discutir, e Hunter teve que esquecer-se do desejo que sentia de protestar ante o rei e de lhe rogar que ao menos o permitisse matar Hugh Carmichael, antes de abandonar de novo a Esccia. Teria que adiar seus planos; embora lhe

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custasse aceit-lo, no ficava alternativa. Apertando os dentes, fez uma profunda reverncia ao rei e saiu junto com Cadman plida luz da alvorada, que j despontava no horizonte. A noite tinha sido larga. Hunter! Espere! Patrick Hepburn saa apressadamente atrs dos dois cavalheiros Espere! repetiu. Hunter, que estava a ponto de subir carruagem, voltou-se com gesto de impacincia. Sim, Patrick? Lamento-o, Hunter. O conde de Bothwell o olhou fixamente aos olhos Sei que est aborrecido por ver-se obrigado a se afastar de sua mulher, mas Jamie seu senhor e, dadas suas circunstncias, so as pessoas idneas para viajar a Inglaterra. Levvamos horas discutindo sobre a quem encarregar misso, quando chegaram como cados do cu. O dever tem que sobressair sobre os assuntos pessoais. Assim so as coisas, Hunter. Sim, mas a que preo? pensou o cavalheiro cigano. Lembrava-se de quando perdeu Mary por ante pr sua lealdade para lorde Angus ao amor que sentia por ela Pelo amor de Deus! Quando deixar o mundo de interpor-se entre ns? Oh, meu amor. No deveria ter vindo ao palcio esta noite. Que Deus me condene de novo por minha maldita honra. Sempre ao lado do rei, n, Patrick? Bem, no tema. Manterei a palavra que dei ao Jamie disse laconicamente. Sei disse o conde, mais relaxado Como sei que se no fosse por sua mulher, aceitaria esta misso sem duvid-lo. Hunter leve-a ao castelo de seu irmo. Charlie a defender com sua vida. Sim, mas temo que isso seja precisamente o que lhe custar. Ento no s voltaria a estar Mary em poder de seu marido, mas tambm alm

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seu irmo estaria morto. J teve que suportar bastante por mim. No penso lhe pedir que em cima sofra outra perda. A Hunter, ocorreu pedir ao conde que tomasse Mary sob seu amparo em sua ausncia, j que Patrick Hepburn era uma pessoa extremamente influente na Esccia, alm de um grande guerreiro. Mas o cavalheiro sabia que o conde se negaria. Ocultar mulher de um fugitivo era delito, por muito que esta fosse maltratada e ultrajada por seu marido. Depois de tudo, uma mulher era propriedade de seu marido; isso estabelecia a lei na Esccia. Inclusive Jamie tinha que acat-la, e Patrick Hepburn era, acima de tudo, um homem do rei. O conde de Bothwell deve supor que o cavalheiro cigano estava procurando desesperadamente a forma de desenredar o matagal em que se colocou, pois repetiu: Lamento-o, Hunter. Eu tambm respondeu este com amargura, depois do qual subiu rapidamente carruagem, fazendo voar sua capa sobre sua escura figura como se se tratasse de um vu que flutuasse na nvoa. A ideia de separarse outra vez de Mary Carmichael lhe rompia o corao.

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Captulo 30
Ladres! Canalhas! Descarados! O peso da justia cair sobre suas cabeas! Isto invaso de moradia! Meu Deus, at o rei se inteirar disto, prometo-o. H tempos que nos h tocado viver, que nem as ruas de Edimburgo esto seguras e uns patifes como vocs podem instalar-se na casa de um homem com toda tranquilidade. Menos mal que me ocorreu encarregar Humphrey que solucionasse uns assuntos na cidade, porque do contrrio roubariam toda a casa. Levar-lhes-ei ante um magistrado agora mesmo, ouvem-me? Por todos os Santos? O que acontece? Mary despertou sobressaltada, ao ouvir o terrvel alvoroo que havia na planta baixa. Hunter j se levantou. Tinha se vestido e nesse momento estava atendo a espada. No sei querida, mas muito em breve o averiguarei balbuciou, antes de precipitar-se escada abaixo. Mary se levantou apressadamente para vestir-se e segui-lo. Cadman passou ruidosamente por diante da porta nesse momento. Joanna apareceu atrs dele em camisola e com a mo no peito em sinal de inquietao. Mary, o que ocorre? No sei. A moa lanou um olhar de temor a Joanna. s duas, passava pela cabea a mesma terrvel ideia. Os MacBeth ou os Carmichael os descobriram! Matariam a todos! Depois de sufocar um grito de terror, avanaram silenciosamente pelo corredor para inteirar-se do que estava

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acontecendo sem ser vistas. Mary apoiou a mo no punho de sua adaga. No consentiria que a raptassem a ela ou a seus filhos sem defender-se. Lorde Duncan! ouviram exclamar Hunter. Seus temores acabavam de fazer-se realidade. Assim que Joanna pegou sua roupa, entraram rapidamente na cmara onde dormiam os meninos, fecharam a porta com ferrolho e apoiaram uma pesada arca contra esta tal como Hunter e Cadman lhes indicaram que fizessem em caso de emergncia. Joanna se vestiu depressa e se sentou ao lado de Mary sobre a arca. Ambas tinham a adaga na mo e o corao encolhido. Na planta baixa, o ancio baro olhava de marco a marco o jovem com bigode e barba que caminhava para ele. Hunter? disse, aguando a vista Hunter MacBeth? voc, moo? Mas bom, parece todo um homem. Apenas o reconheci. Humphrey um estpido! No se d conta de que este homem de minha famlia e que estas pessoas so seus serventes? Solte essa moa. Ladres em casa! Est voc bom tolo! Conseguiu que me inquiete por nada. Sabe perfeitamente que o mdico me aconselhou que no me alterasse e me obriga a realizar uma viagem longussima, com a neve e o frio que faz, alm disso. Mmmm. Ladres em casa! Meu Deus, Humphrey. Juro-lhe que, embora more aqui mesmo, receber seu castigo. Sinto muito, senhor, sinto-o muito se apressou a desculpar o homem de armas do baro, sem deixar de fazer reverncias No sabia, senhor. Seriamente, no sabia. O que ia pensar eu, se no levavam o breacan dos MacBeth? Oh, pergunto-me por que acreditei em voc exclamou lorde Duncan Pelo amor de Deus, pare j de choramingar como um estpido!

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Com um gesto de irritao, o baro ordenou ao cavalheiro que se retirasse Ferve-me o sangue! Teremos sorte, se no cair redondo aqui mesmo. Bom, Hunter, no fique a como um parvo, ou comearei a pensar que to nscio como Humphrey. Traga-me uma cadeira e uma jarra de cerveja e logo se sente e me explique s razes que o levaram a invadir minha casa, jovenzinho. Estou muito aborrecido com voc. Permita-me que lhe diga que havia trazido da Frana o cristal que quebrou. Custar uma fortuna rep-lo. Bem, quem est com voc? O bastardo de Torquil? No me olhe assim, moo, porque isso o que . Ainda no tenho a vista to mal. Chama-se Cadman, verdade? Bem, sente-se voc tambm. Quero que me expliquem umas quantas coisas agora mesmo, ouvem-me? O que significa tudo isto? Malditos mucosos desrespeitosos. No sei aonde vamos parar. Deveria ordenar que os aoitassem por insolncia. Os jovens de hoje em dia no respeitam nada; nem aos ancies nem a propriedade alheia. Se me escrevessem uma carta para me dizer que necessitava da casa, mandaria a chave. No necessitava romper uma boa janela como essa assim, pelas boas. Seguro que pensaram que no valia nada, patifes. Bom, juro-lhes que no se liberaro de pag-la. Havia a trazido da Frana, nem mais nem menos, e meus bons peniques me custou. No me entra na cabea Lorde Duncan, lorde Duncan. Reporemos a janela interrompeu Hunter, uma vez que teve compreendido que lorde Duncan no tinha a inteno de mat-los e um pouco surpreso e afligido pela diatrisse J encarregamos uma nova, mas estas coisas levam tempo Certamente que levam tempo, descarado canalha exclamou lorde Duncan Por quem me toma? Por um parvo? No, senhor, claro que no.

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Mmm! balbuciou o ancio, algo mais relaxado Bom o que esto fazendo aqui e sem breacan, alm disso? No se estranha que Humphrey os tomasse por ladres. Ouvi dizer que estavam mortos ou alguma tolice pelo estilo. Ou era Angus? Sim, deve ser o velho urso quem morreu, j que vocs esto obviamente vivinhos e abanando o rabo. Tm sorte de no ser os ladres que suspeitava que fossem, porque do contrrio j estariam ante o rei. possvel que James III no seja capaz de montar a cavalo, mas, por Deus, conhece a lei como devido. Lorde lorde Duncan, James III est morto disse Cadman amavelmente e com um leve gesto de lstima. Comeava a dar-se conta de quo mal envelhecera o senhor nos ltimos anos. Agora perdoava o cruel comentrio que lhe dirigiu antes em relao a sua linhagem Agora seu filho o rei da Esccia. James est morto? E o jovem Jamie, o duque de Rothesay, agora o rei? Mas bom! J veem o incomunicvel que estou no norte, houve uma peste? Parece que todo mundo que conheo morreu. No, senhor. Hunter tambm se entristeceu ao ver o senil que se tornou seu ancio parente com o passar dos anos Houve uma guerra, uma guerra civil. James III foi assassinado no moinho de Beaton durante a luta. Oh, sim, acredito que comeo a recordar agora. Bom, no importa. Sou muito mais velho para sair ao campo de batalha. Bem, quero uma explicao, moos; por que invadiram minha casa? Lamentamo-lo, lorde Duncan se desculpou Hunter O rei nos encarregou uma misso secreta e necessitvamos de um lugar em que nos esconder informou ao baro. O que dizia no deixava de ser a verdade, embora um pouco desvirtuada A segurana da Esccia est em jogo.

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O qual no era de tudo certo, mas serviria para o caso Da que no levemos o breacan. No queramos que nos reconhecessem. Devo lhe pedir senhor, que no revele a ningum nosso paradeiro concluiu, sentindo-se algo culpado por haver-se aproveitado da senilidade do ancio para lhe enganar. Mmmm. Uma misso secreta, n? Bom, ento no insistirei. Suponho que minha lealdade o suficientemente slida para manter a boca fechada, quando a situao o exige. Bom, se posso fazer algo por vs, moos, no duvidem em me dizer isso; amanh pela manh partirei para Torra nam Sian. No aguento Edimburgo. Condenada cidade! Muito rudo e agitao para mim, diz o mdico. Necessito de paz e tranquilidade. Ouvindo lorde Duncan, a Hunter, lhe ocorreu uma ideia. Tratava-se de um plano atrevido e arriscado, mas a situao em que se achava o cavalheiro cigano era desesperada. Levava quase duas semanas refletindo sobre como conseguir que Mary no corresse perigo em sua ausncia. Havia torturado os miolos procurando um plano que lhe satisfizesse, mas no conseguiu encontrar nenhum. Agora estava calibrando os riscos que entranharia pr em prtica o que lhe vinha cabea. Torra nam Sian se encontrava muito ao norte e estava bastante isolado. Poucas pessoas se aproximavam do imponente castelo. Nem os membros do cl MacBeth estavam acostumados a visit-lo. A baronia era um territrio solitrio e saltava vista que seu senhor se converteu em um excntrico com a idade e no estava muito a par do que acontecia alm das muralhas de seu castelo. Certamente, ignorava que Hunter e Cadman eram fugitivos, porque do contrrio j trataria de acabar com eles, apesar de seus achaques. No havia mais que recordar como tinha viajado at Edimburgo para defender sua residncia da cidade! E isso que ele juraria que o baro

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no saa de Torra nam Sian fazia anos. De todas as formas, o plano poderia conduzir a morte de Mary, Joanna e os meninos, se se torcia. Lorde Duncan era um MacBeth, ao fim, por muito ancio que fosse. O que podia fazer? Se as mulheres e os meninos ficavam em Edimburgo, corriam o risco de que os vissem, reconhecessem e capturassem, j que no podiam confiar em que os serventes no sassem fugindo, assim que eles dois partissem; pior ainda, os rufies que contrataram na rua podiam chegar a incomodar s mulheres. Sim, as moas e os meninos estariam mais seguros em Torra nam Sian, por muito que este fosse um feudo dos MacBeth. Em realidade, onde menos probabilidades tinham que as buscassem era em territrio inimigo. O plano era muito atrevido. E se lorde Duncan se inteirava das identidades das moas? Hunter olhou rapidamente Cadman com expresso interrogativa. A seu irmo de adoo, devia haver lhe ocorrido mesma ideia na cabea, dado que levavam vrios dias discutindo sobre o que era o melhor para suas famlias. Cadman tinha os olhos entreabertos, como se tambm estivesse calibrando os perigos que entranhava o plano. Finalmente, o jovem cavalheiro fez um gesto leve, quase imperceptvel, como resposta ao penetrante olhar de seu irmo de adoo. Hunter respirou fundo. Agora que o diz, h em efeito algo que, se no lhe supuser nenhum inconveniente, poderia fazer por ns, senhor disse ao ancio baro. Do que se trata Hunter? Basta com que me diga isso, moo. Seu olhar de reumtico pareceu cobrar nova vida ao ouvir aquilo. Em honra verdade, adoraria viver alguma emoo forte, dissesse o que dissesse o mdico. H, no havia se sentido to animado desde 1444, quando lutei contra os turcos

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Bem, senhor, trata-se do seguinte: Cadman e eu temos nossas esposas e filhos aqui. Sentiramo-nos mais tranquilos, se soubssemos que esto a salvo de qualquer perigo em nossa ausncia. Durante nossa n misso, granjeamos muitas inimizades e temos que sair da Esccia muito em breve A Hunter voltou a remoer a conscincia por aproveitar-se da decrepitude do baro, mas seguiu adiante apesar de tudo importaria ao senhor as acolher em Torra nam Sian, senhor, e as proteger at que retornemos? Sou consciente de que se trata de uma grande responsabilidade. O cavalheiro procurava sentir-se menos culpado, dizendo a si mesmo que o baro se sentiria importante e til, se algum lhe necessitava. Estava convencido de que, com a exceo da lembrana das glrias passadas, lorde Duncan no tinha nada que animasse os ltimos anos de sua vida Mas sei que voc cuidar delas, senhor. Ningum esqueceu seu valor no campo de batalha. Pois claro que no! resmungou o ancio com indignao, mas adulado de que ainda se recordasse a valentia que demonstrara em sua juventude Claro que me ocuparei de suas esposas e filhos. No faltaria mais. Contem comigo. Onde esto agora? Mary! Joanna! chamou Hunter, rogando para que o baro fosse to mope que no pudesse advertir a cor violeta dos olhos de Mary, j que estes revelavam sua identidade de forma conspcua No se preocupem. Podem sair sem nenhum problema. Tragam os meninos. As duas mulheres e os meninos desceram em silncio pelas escadas. Mary levava o pequeno Magnus nos braos. Conseguiram ouvir o suficiente da estadia em que haviam se acomodado para saber que o ancio no tinha inteno de lhes causar dano. Apesar disso, mostravam-

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se precavidas, j que tambm eram conscientes de que os olhos de Mary poderiam supor sua sentena de morte. Lorde Duncan, lhe apresento minha esposa, Mary disse Hunter, indicando moa com o olhar que no tratasse de explicar ao baro o estranho matagal de sua relao. O baro olhou fixamente a jovem. Seus lacrimosos olhos pareceram penetrar em sua alma por um momento. Mary deu tropees; Hunter, alarmado, apoiou uma mo no punho de sua espada. Teria se equivocado com o baro? No. Depois de um breve e tenso minuto, lorde Duncan estendeu a mo para que Mary a beijasse. Como est, senhora? disse, movendo a cabea cortesmente. Senhor. Mary fez uma profunda reverncia. Est cego? perguntou-se a moa Acaso no v a cor de meus malditos olhos Carmichael? Ou est esperando ficar fora do alcance das espadas de Hunter e Cadman para capturar a ns e aos meninos? Oh, meu amor. Espero que no tenha cometido um engano. E estes so meus filhos prosseguiu Hunter, mostrando mais confiana da que realmente sentia Geoffrey vai fazer sete anos. Ranald tem quase quatro. E este Magnus, que no chega aos nove meses. Se ao baro estranhou que o filho menor de Hunter se chamasse igual ao antigo inimigo dos MacBeth, o leo de Bailekair, no deu nenhuma amostra disso. Ah, so uns meninos formosos, Hunter. Deve estar muito orgulhoso deles. Lorde Duncan parecia encantando, quando Geoffrey e Ranald lhe fizeram uma reverncia, com grande soltura, alm disso Esto muito bem educados disse, olhando de novo Mary com um gesto de admirao.

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Obrigada, senhor. Mary aceitou o elogio cortesmente. Apresento-lhe minha esposa, Joanna disse Cadman, indicando a sua mulher que se aproximasse do baro e a nossos gmeos, Gordon e Janet. Tm quase um ano e meio. Senhora, meninos saudou lorde Duncan Bem, estarei encantado de me fazer cargo de vocs. Espero que desfrutem de uma estadia amena em Torra nam Sian. O baro pareceu duvidar do que acabava de dizer, quando voltou a olhar os meninos. Tinha recordado de repente que em seu enorme castelo do norte da Esccia no havia muito que fazer Embora haja de lhes avisar que nos encontramos um pouco isolados do resto do mundo. Espero Por favor, no se preocupe conosco, senhor disse Mary para o tranquilizar Edimburgo nos parece muito agitado. Estaremos

encantados de nos alojar em um lugar onde os meninos possam jogar livremente. Bem, me alegro disse o baro com um sorriso. Mary comeou a animar-se e afugentar as suspeitas que abrigou em um princpio. Lorde Duncan no tinha feito a no ser mostrar a curiosidade natural que podia sentir pela esposa de Hunter; isso era tudo. Sem dvida, como educara o cavalheiro cigano desde pequeno, quis assegurar-se de que seu protegido elegeu corretamente e fez honra ao cl MacBeth Estou seguro de que nos levaremos de maravilha. Bom, estarei preparado para partir, quando desejarem. De todas as formas, eu gostaria que arrumassem meus aposentos. Tenho que admitir que j no seja jovem e me sinto rendido depois da dura viagem em que me embarcou Humphrey. Mas senhor comeou a protestar o homem de armas.

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Oh, basta j, Humphrey atalhou o ancio baro, subitamente esgotado. Com amabilidade, Joanna se apressou a levant-lo e a ajud-lo a subir pelas escadas. Lorde Duncan se voltou por um momento e, lhes olhando fixamente, disse Talvez meus parentes no sejam uns ladres, mas seguem sendo uns canalhas! O baro tinha arrumado para dizer a ltima palavra e os deixar realmente intranquilos depois de tudo. Oh, Hunter, est seguro de que fazemos o correto? perguntou Mary em voz baixa uma vez o baro e seu squito se retiraram por que no nos permite ir com meu irmo? Charlie e Alinor nos receberiam com os braos abertos. Sei, mas possvel que Hugh tenha disposto que os vigiem Mary. Alm disso, no me disse infinidade de vezes que Charlie muito temperamental? No quero nem imaginar que possam mat-lo por voc, o que seria mais que provvel se se produz um enfrentamento. No poderia viver com essa carga sobre sua conscincia, querida. J teve que aguentar o bastante. Acredito que estar a salvo com lorde Duncan. Parece que no a reconheceu, e duvido de que a Hugh ocorra buscar voc em Torra nam Sian. Sim, amor, a nica maneira disse lhe acariciando a dourada juba No me atrevo a deix-la em Edimburgo. No fica mais remdio. Se permitir que se arrumem por sua conta na cidade, os rufies que temos a nosso servio poderiam nos atacar e no quero nem pensar o que poderia lhes acontecer ento. Oh, Hunter, estou preocupadssima com essa loucura que planejou Jamie. muito perigoso? No quero enganar voc, meu amor. No sei. Temos que escoltar o pretendente ao trono da Inglaterra a Londres e, uma vez ali, fazer de espies para a Esccia. No acredito que corramos um grande risco, j

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que, em minha opinio, Enrique VII no to estpido para no dar-se conta de que tudo um ardil tramado por Jamie para o incomodar, sejam quais sejam as ideias de nosso soberano a respeito. Duvido de que o rei da Inglaterra nos permita averiguar algo importante, inclusive no caso de que consigamos nos infiltrar em seu crculo. Exilados ou no, seguimos sendo escoceses. Provavelmente, quo pior pode ocorrer que o pobre impostor acabe com seus ossos na torre de Londres e que nos enviem de volta a casa com o rabo entre as pernas. Tenho medo, meu amor disse Mary com gesto grave e suplicante Supondo que o baro descubra que no estamos realmente casados e que Joanna e eu pertencemos ao cl Carmichael. No est to senil para no lembrar-se quais so seus inimigos. Oh, maldito Jamie! No acredito que, a lorde Duncan, se apresente ocasio de inteirar-se de algo respondeu Hunter O pior foi o de hoje, e j passou. Ter que se manter alerta de todos os modos. Alan a adestrou bem, inclusive melhor que a muitos escudeiros, e Joanna no tem medo s armas. No confie em ningum, meu amor, em ningum absolutamente. Se suspeita que lorde Duncan se inteire de sua identidade, acabe com ele e se ponha a salvo, enquanto possa; v a Bothwell e busque a ajuda de Jane Gordon se a situao for realmente desesperada. Casou-se com Patrick Hepburn e uma pessoa muito influente na Esccia, como bem sabe. Sim, Mary, recorra a Jane, no a seu irmo. No o esquea. De modo que Patrick a conseguiu, por fim. Mary sorriu malevolamente por um momento, perguntando-se como seria o matrimnio entre o arrogante lorde Bothwell e a irascvel Jane Gordon. Talvez se alegrassem de ter companhia, pensou a moa. Ento recordou a razo pela que poderia necessitar de sua ajuda e voltou a ficar sria Cr

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que o correto, Hunter? Patrick leal coroa e no acostuma infringir a lei. A menos que lhe convenha replicou Hunter com secura Apesar de que lhe tenho simpatia, no me inspira confiana. Esse homem um enigma; suas reaes so imprevisveis. Se no fosse por ele, no nos encontraramos neste apuro, porque poderia persuadir o rei de que desprezasse a ideia de nos mandar a Inglaterra. Exerce uma grande influncia sobre o jovem Jamie. No falou em nosso favor porque nossa situao o beneficia. Mesmo assim, se necessitar ajuda, no acredito que te d as costas. Duvido de que sua conscincia o permita, sobre tudo estando Jane no meio. De acordo. Iremos com lorde Duncan, e se algo vai mal, iremos s terras da fronteira e procuraremos ajuda em Bothwell disse com voz trmula. Vamos, Mary, onde est essa tigresa a que tanto amo? Minha valente menina. No permita que v da Esccia com a imagem de seus olhos violetas arrasados em lgrimas, porque ento no poderei partir e Jamie ordenar que me executem como proscrito. Hunter esboou um sorriso. Mary sentiu em seu interior esse remorso agoureiro que tantas vezes a tinha temperado e se perguntou se aquela despedida seria a ltima.

Um par de semanas mais tarde, Mary se encontrava dando tombos na carruagem de lorde Duncan em direo a Torra nam Sian, em companhia do baro, Joanna e os meninos. Os MacBeth se despediram de seus serventes, de modo que os membros do servio de lorde Duncan se viram obrigados a seguir o carro do baro em trs carros carregados com cofres e arcas cheios de joias e outros pertences que as mulheres se negaram a

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separar-se. Os poucos cavalheiros do ancio galopavam aos lados da pequena, carruagem. Joanna conversava afavelmente com lorde Duncan; Mary intervinha na conversa por pura cortesia, j que tinha a mente em outra parte. Fechou os olhos e por um agridoce momento se viu na residncia do baro em Edimburgo, deitada ao lado, de Hunter na escurido de sua cmara. Ele se voltou para ela e a colheu com seus fornidos braos para beij-la larga, apaixonada, profundamente. No, meu amor murmurou ela Esta noite serei eu quem leva a iniciativa. Deite-se e me deixe satisfazer voc. Ele se surpreendeu, mas obedeceu, e uma fasca de interesse e excitao cintilou em seus olhos violetas. O muito leve trao de um sorriso se desenhou em seus lbios. Mary afundou suas mos no arbusto de cabelo mogno de seu amado e lhe beijou a boca em que imprimira sua marca anos atrs. Percorreu o contorno de seus carnudos lbios com a lngua, separou-os brandamente e comeou a explorar sua doce boca; tinha sabor de cerveja, fresca e limpa, como as guas cristalinas de uma corrente da montanha. Mary apagou a sede dele o provocando com a lngua docemente, lanando-a aqui e l, corcoveando em torno da dele com avidez. Passou ento a suas bochechas, aos lbulos das orelhas, sussurrando palavras de amor ao ouvido com voz rouca, murmurando sedosamente em romeno, o idioma que sempre lhes recordaria os desenfreados dias que passaram juntos no alegre acampamento cigano da Hungria. Beijou-lhe o nariz, as plpebras e as tmporas. Sorrindo, apoiou o rosto sobre o dele para piscar coquetemente sobre sua pele morena como se suas pestanas fossem as

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asas de uma mariposa; Hunter riu pelas ccegas. Mary riu a sua vez e inundou o rosto no cabelo do cavalheiro cigano para cheirar a fragrncia de sua virilidade mesclada com o perfume a sndalo que sempre utilizava. Depois de deslizar o rosto por sua garganta, mordiscou-lhe os ombros ao tempo que lhe acariciava o acetinado e escuro plo do trax. Logo lhe beijou o musculoso peito, imitando os movimentos que ele estava acostumado a fazer para lhe excitar os seios, e advertiu que respondia de uma maneira similar sua. Maravilhada pelo descobrimento, levantou a cabea e o olhou ao rosto. Sim, eu tambm o sinto assegurou ele. Passou os dedos ao longo da grande cicatriz que lhe atravessava o abdmen, e ao recordar como a tinha feito seus olhos se alagaram em lgrimas. Beijou-a com ternura e notou que ao Hunter esticavam os fortes msculos das virilhas; ele tambm se lembrava. No mais que uma cicatriz, querida sussurrou carinhosamente Sua sombra j no se interpe entre ns. muito bom comigo, meu amor. Posou as mos na cintura de Hunter; deixava-a muito estreita, como o quadril. Percorreu suas coxas, apertou-lhe as ndegas; beijou-lhe os ps, as panturrilhas, as curvas, o provocando, excitando-o pouco a pouco at que por fim chegou a seu membro. Passou a lngua brandamente sobre a inflamada verga, desceu at o plo negro de onde esta surgia e se recreou com as duas bolsas que havia debaixo, as chupando com furor antes de voltar rapidamente para contornar a grande seta de sua virilidade. Subiu at a ponta e a lambeu uma e outra vez com movimentos circulares; ento a engoliu, metendo-lhe at a garganta e soltando-a rapidamente para repetir a operao uma e outra vez enquanto apoiava a mo em sua base

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e lhe acariciava as esferas como se estivesse executando uma doce tortura. Hunter tinha enredado seus dedos na larga juba loira de Mary, que lhe cobria as coxas e o abdmen. Querida gemeu no poderei aguentar muito mais. Ela elevou o olhar e, com um sorriso nos lbios, incorporou-se. Seus olhos brilhavam de paixo. Ficou ento de joelhos sobre ele, agarrou com firmeza sua ardente virilidade a introduziu no mais profundo de seu ser. A vagem de sua feminilidade apanhou docemente o membro. Mary foi descendo pouco a pouco para, continuando, ascender languidamente e esticar os msculos para no deix-lo escapar. Caiu outra vez sobre ele e outra e outra mais, enquanto Hunter lhe cravava as unhas na pele para ajud-la a manter-se firme sobre seu musculoso corpo. Ento ela se recostou sobre o peito de seu amado, lhe roando com os seios sem deixar de mover-se cada vez mais depressa. Sua dourada juba ondeava sobre ele, envolvendo-o com uma mida nuvem dourada. As gotas de suor escorregavam pelas sedosas mechas at cair sobre seu rosto, sua garganta, seus ombros, seu peito. Hunter se entregou com avidez fragrncia de urze que emanava de sua pele de cetim, arqueou o quadril para receb-la mais comodamente e notou a aucarada umidade com que lhe acolhia entre suas aveludadas dobras no momento justo em que ele gritava de paixo e penetrava definitivamente nela. Triunfal, Mary se levantou, jogou a cabea para trs e a cascata de seus cabelos flutuou como se fosse uma onda de fascas que surgisse de uma fonte de ouro lquido. Seus seios nus reluziam ante ele. Parecia uma deusa selvagem e travessa que queria lhe cativar com seu canto de sereia. Abriu a boca, passou a lngua lentamente pelos midos lbios e lanou um

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gemido de puro jbilo enquanto as lgrimas rodavam por suas bochechas como gotas de chuva. Proferindo uma exclamao rouca e pastosa, Hunter a abraou. Oh, Meu Deus, Meu Deus, Mary murmurou. No no quero que se esquea de mim, meu amor, minha vida. Esta minha forma de lhe dizer adeus. Parece que sempre temos que nos separar. Nunca sei que ocasio a definitiva. Oh, Hunter, que Deus o acompanhe amanh. Cale, cale, no chore, tigresa. Voltarei, prometo-lhe isso. Acontea o que acontecer, voltarei com voc. Oh, Mary, minha donzela de ouro. Separar-me de voc como perder a metade de minha alma. Amo voc, quero-a mais que a minha vida. Voltarei, juro-o! Quando a urze floresa e cubra com seu manto prpura os paramos das Terras Altas, voltarei com voc, meu amor.

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Quinta Parte Onde As Lendas Perduram

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Captulo 31
As Terras Altas, 1495

A neve caa em rajadas, branca, dura e implacvel, enquanto o pequeno rodeio deixava atrs as Terras Baixas e avanava em direo ao norte da Esccia. A marcha era lenta. Muitas vezes se viam forados a deter-se enquanto os homens de armas cobriam o testuz a seus cavalos para lhes esquentar os narizes, por onde soltavam geladas nuvens brancas que se desvaneciam no ar invernal. Desde no hav-lo feito, lhes congelariam e os animais morreriam asfixiados ali mesmo. Os homens se abrigavam com suas pesadas capas e se esforavam por no amaldioar Duncan MacBeth por obrig-los a realizar semelhante viagem no mais cru do inverno, quando os caminhos resultavam virtualmente intransitveis. A Humphrey nem dirigiam a palavra, j que era a ele a quem culpavam daquele desatino. Os passageiros da carruagem do baro haviam se aconchegado uns contra os outros. Mal falavam, porque os dentes no deixavam de bater. Mary apareceu cabea por uma janela, mas logo se viu obrigada a fechla. Os flocos de neve envolviam o carro em um enfurecido e inclemente redemoinho. O inverno era inclemente aquele ano. Os montes de neve alcanavam alturas de dois metros em algumas partes. As rvores se elevavam rgidas e nuas; suas severas silhuetas se recortavam sobre um horizonte apenas perceptvel. Grandes e bicudos pedaos de gelo pendiam como adagas dos diretos ramos. A noite chegou logo, envolvendo os campos com um suave vu negro que dava a

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enganosa impresso de abrigar algum em um refgio do que nem podia ser visto nem podia ver outros. S os parvos conciliavam o sono a seu calor; no contemplariam o estranho amanhecer sem luz que seguiria. Com um peculiar e hostil brilho prateado, cegava os olhos como se fosse uma folha de ao que refletisse repentinamente os raios do radiante sol. Se um dos veculos ficava apanhado, os passageiros tinham que sair e comear a caminhar, enquanto os homens de armas se esforavam por tirar as altas rodas da tenaz neve. Talvez quem melhor o suportavam eram Mary e Joanna, pois j sobreviveram a um terrvel inverno nos Alpes, e o clima escocs lhes parecia quase temperado em comparao. O grupo s fez uma parada desnecessria: sobre o escarpado dos subrbios de Mheadhoin. Quando se aproximavam do povo, Mary espiou ao longe a cpula da igreja e ordenou ao chofer que se detivesse, assim que chegassem. Desembarcou da carruagem sozinha e se aproximou do lugar onde anos atrs Grizel lanara sua maldio sobre todos eles. Mary ficou na borda do escarpado, alheia s geladas rajadas de neve que aoitavam sem piedade seu rosto e se mesclavam com as agridoces lgrimas que escorregavam por suas bochechas. Fazia quase quatro anos que no via as Terras Altas; quatro anos que no via o lugar onde nascera e a igreja em que fizera amor com Hunter. Ali se elevava Glenkirk, de onde ele veio audaz, moreno e atrativo, para abra-la e possu-la; mais frente, Dndereen, onde o bondoso Edward jazia sob a fria terra e Hugh exercia um poder supremo. E Bailekair. Ah, Bailekair, sua vida, sua fora. Refletia com um brilho duro e prateado, como se fosse um diamante, a esfumada luz invernal sob a imponente montanha purprea que se abatia sobre seu lar como se de seu prprio destino se tratasse. Seu lar. Jamais

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chamaria lar a outro lugar que no fosse Bailekair. Bailekair, que invocava ao corao da moa sem saber que ela no podia responder. Bailekair! Oh, Bailekair! Nunca voltaria para ele! Mary continuou chorando sobre a borda do escarpado. Vamos, Mary. Joanna se encontrava de repente a seu lado, abraando a triste figura da jovem para consol-la Comearo a recear. perigoso atrasar-se neste lugar. Por favor, vamos. Mary obedeceu moa consciente de que tinha razo. No queria despertar as suspeitas de lorde Duncan nem ser vista por qualquer dos habitantes dos trs castelos; isso suporia pr em perigo Joanna e os meninos. Ergueu finalmente a cabea e retornou carruagem sem voltar vista atrs.

As semanas em Torra nam Sian transcorriam montonas, interminveis e vazias, porque Hunter no se achava ali. Mary entretinha as horas se encarregando do grande castelo, o qual, igual residncia de Edimburgo, encontrava-se em muito mal estado. Tambm cuidava dos meninos, lhes dando ainda mais carinho devido ausncia de seu pai. De noite, jogava xadrez com lorde Duncan, um passatempo com o que o ancio baro sempre se divertia. Com frequncia subia s ameias do castelo junto a Joanna para ver se chegava alguma mensagem de seu amado. Entretanto, Hunter no dava sinais de vida. Embora em seu ntimo mantinha a esperana, supunha que no lhe enviaria nada, dado que escrever uma carta sem saber que mos poderiam as receber era muito perigoso. Oh, meu amor, quanto sinto sua falta, quanto sinto saudades. Meus dias esto vazios sem sua presena. A moa dava voltas na cama,

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estendendo os braos em sonhos em uma tentativa por abraar Hunter. Ento, despertava e se dava conta de que este no se encontrava a seu lado para lhe dar calor. Morria por sentir o roce de suas mos sobre sua sedosa pele dourada. Apesar do intenso frio daquele cru inverno, seus lenis acabavam empapados de suor. Nos sonhos, o via erguendo-se sobre ela na escurido e podia o sentir beijando-a febrilmente com seus lbios marcados, lhe roando os seios com seu bronzeado corpo, entrando com seu palpitante membro no interior dessa parte de seu ser que s desejava a ele. Oh, Hunter! Hunter! Maldito seja Jamie por se arrancar do meu lado! Tem-me saudades, meu amor? Sonha comigo como eu sonho com voc? Oh, volte logo, querido! Volte logo a meu lado! Chegou primavera, e o cortante frio daquele rigoroso inverno se permutou em uma suave brisa. A neve se abrandou e, medida que se derretia, o campo apareceu pouco a pouco superfcie. O sol abriu caminho por entre a grossa capa de nvoa cinza que havia trazido a estao precedente e despertou a terra com seu primeiro toque de calor, que cobraria fora conforme transcorressem os dias. Dos esponjosos e frteis campos brotaram pequenos brotos de cor verde que cresceriam como amantes graas aos beijos e as carcias dos alaranjados e cada vez mais intensos raios de sol. As urzes no demoraram a aparecer nos paramos das Terras Altas. Mary seguia aguardando, mas Hunter no acudia. Um dia, a comeos daquela primavera, entretanto, um camel se apresentou ante as portas do velho castelo. Conduzia um carro desvencilhado, adornado de tal forma que parecia um carro cigano. Estava pintado vistosamente e tinha o mesmo tipo de rodas, altas, com aros e raios multicoloridos, e as mesmas alegres cortinas nas janelas. O interior

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transbordava de panelas e frigideiras, agulhas e alfinetes, cilindros de tecido, pastilhas de sabo, frascos de perfume, pentes e todo tipo de pequenos objetos que uma mulher pudesse desejar. As criadas do castelo rodearam o carro lanando gritos de alegria e conversando

animadamente; o homem abriu as portas do veculo e pulverizou suas mercadorias pelo cho para que as moas escolhessem o que mais gostassem. Muitos dos objetos que elas poderiam fazer facilmente por sua conta, como velas ou perfumes, lhes pareciam muito preciosos e atrativos quando os mostrava o camel, pois alguns procediam nem mais nem menos que da Frana (ou ao menos isso o assegurava). Poucos eram os camponeses que resistiam a seu extico encanto, de maneira que o camel no demorava em encher sua bolsa de moedas. Era um homem inteligente e sabia perfeitamente como adular as moas singelas, razo pela qual muitas delas acabavam adquirindo um recorte de cetim vermelho ou um pente com diamantes de imitao engastados, quando uma frigideira nova, um bule ou qualquer outro utenslio de cozinha seriam muito mais teis. Mary e Joanna apareceram em uma janela do castelo. Estavam desejando descer com as outras moas, mas no se decidiam a faz-lo. Oh, Joanna, por que no baixamos? A Mary encolhia o corao, ao ver o alegre carro. Recordava-lhe os felizes dias que passara com Hunter no acampamento cigano. Joanna negou com a cabea. perigoso que mais gente se inteire de que estamos aqui. No mais que um simples camel. No nos reconhecer. Levamos as cores dos MacBeth insistiu Mary, pois, em efeito, as duas moas trocaram o estampado de seus vestidos, quando saram da Esccia com

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Hunter e Cadman No se dar conta de que no vivemos aqui. Os vendedores ambulantes so pessoas solitrias. No frequentam a companhia da gente; preferem ocupar-se de seus assuntos. Oh, por favor, Joanna, vamos. Talvez traga notcias de Edimburgo e inclusive possvel que alguma esteja relacionada com nossos cavalheiros. Foi este ltimo o que, contra o que lhe aconselhava o sentido comum, persuadiu donzela de Mary. Apressadamente, as moas abriram caminho entre a multido de vociferantes mulheres, mostrando a mesma emoo que elas. O camel se precaveu em seguida da presena da moa de juba dourada e olhos violetas; destacava entre todas as mulheres. Meu Deus, que formosa era! Sentiu um comicho de desejo na virilha e pensou que estava disposto a dar os lucros de um ms por possu-la. Saltava vista que no se tratava de uma criada. Ao vendedor, lhe picou a curiosidade. Devia ser uma das bastardas do ancio baro, concluiu, ou a concubina de algum de seus cavalheiros. O homem avanou e lhe cravou um olhar admirador, assim que as moas chegaram ao carro. Que notcias traz, senhor vendedor, que notcias traz? perguntou Mary com a esperana de que soubesse algo sobre a expedio que enviara o rei a Inglaterra e, por conseguinte, sobre Hunter e Cadman Traz alguma notcia interessante este formoso dia? O vendedor entregou um par de pentes para que os examinassem, enquanto a observava com encantamento no dissimulado. O que gostaria de saber, senhorita? Mary deixou escapar um leve suspiro de alvio. O homem era algo assim como um figurino, um sedutor bem disposto a quem no teria que insistir como outros membros de seu grmio. Tirar informao a aquele aspirante

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a gal seria como recolher mas do cho, pensou a moa, pois no lhe passou inadvertido o interesse que por ela mostrava o vendedor. Pois algo que possa me contar disse ela com um sorriso de orelha a orelha. Ele lhes mostrou um cilindro de cetim prpura. Ento lhe direi que seus olhos so da cor deste tecido e que sua beleza ganharia os favores de um rei. Olhou-a sedutoramente. Criada ou no, talvez conseguisse persuadi-la de que se deitasse com ele. Voc cr? Mary inclinou a cabea com paquera, fingindo sentir-se turvada Oh, senhor vendedor, seria capaz de confundir uma donzela com tanta adulao. Vai conseguir que desmaie aqui mesmo. Que possibilidades pode ter uma pobre e ignorante camponesa como eu de captar a ateno do jovem Jamie? Certamente lhe assediam jovens formosas. Mary exalou um suspiro de tristeza, rindo para si e desejando por um momento explicar ao camel que, em efeito, em uma ocasio roubara o corao do rei, embora, tanto ele como ela, sabiam que ela jamais ficaria. Bom, dizem que est prendado de Maggie Drummon, embora a moa seja muito tmida e lhe faz perder o tempo. Estou seguro de que a abandonaria, assim que visse voc. Eu o faria. O vendedor se aproximou um pouco mais. Oh, pobre Mariot. Que fugaz o amor de um rei. E Maggie est prometida com o jovem Crief, ou ao menos o estava, pensou Mary, ao ouvir a notcia.

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Oh, tem voc um bico de ouro, meu senhor replicou pouco depois Seguro que mais convincente que qualquer corteso e inclusive capaz de rivalizar com o prprio Jamie. O camel sorriu encantado e se perguntou se poderia tomar a mo. Talvez se equivocasse em sua primeira impresso da moa, porque parecia estar muito bem disposta. E se no fosse ao fim mais que a filha bastarda de uma vulgar rameira? Seu comportamento resultava quase ousado. voc quem tem um engenho muito acordado, senhorita sussurrou. Uma vez mais Mary decidiu no lhe dizer que corrigisse o tratamento que estava lhe dispensando. Mais valia que no soubesse que pertencia nobreza. Tenho a impresso de que se propem me roubar o corao, senhor vendedor. Deve ser voc um perito em intrigas, porque embora pensasse que o tinha bem protegido, possivelmente tenha agora que trocar de parecer comentou zombeteiramente. Como desejava impression-la. Talvez pudesse realmente convenc-la de que passasse um momento com ele no campo. J quase podia sentir o roce da pele da moa sobre seu corpo. Bom, respeito a isso disse, baixando a voz como se estivesse tramando algo dir-lhe-ei que em uma ocasio estive envolto, de forma indireta, obvio, em uma das intrigas do rei. No me diga! Oh, conte-me isso, por favor. Mary o olhou com os olhos exagerados da emoo, como se estivesse pendente de cada palavra que fosse dizer (que era, de fato, como estava nesse momento).

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Certamente, senhorita. Ricardo Plantagenet, um dos filhos de Eduardo IV, no foi assassinado tal como se disse em seu dia, mas sim escapou da torre de Londres e veio aqui, a Esccia. Noo! Sim, assim . O juro. E com quem voc cr que foi uma noite, disfarado, claro est, at Perth depois de viajar a Irlanda e voltar? Oh, no me diga, senhor vendedor. Seriamente? Sim, senhorita. Comigo, nem mais nem menos, e no carro que tem voc diante. E onde est agora? O corao comeou a pulsar com tal rapidez que temeu que o homem chegasse a ouvi-lo. Oh, quer recuperar o trono que lhe arrebatou seu tio e que este perdeu as mos de Enrique Tudor. O rumor que Jamie enviou navios e homens para ajudar o moo, embora tambm ouvi comentar que estes perderam o rumo e a invaso teve que atrasar-se. H quem assegura que os dois navios foram vistos ao norte, em Clveris, e ao sul, em Braganza, de modo que quem sabe? Eu, pessoalmente, acredito na verso que diz que atracaram em Borgoa, porque o jovem Ricardo tem familiares muito poderosos ali. Que emocionante! Sentir voc muito orgulhoso de participar de semelhante aventura. Obrigado, senhor vendedor. Mary se alegrou imensamente para si, pois se informava de quanto queria saber. Com um brusco movimento da cabea, pagou os pentes e o tecido, pensando que embora o preo fosse escandaloso para sua pssima qualidade, o gasto valia a pena dado a preciosa informao que tinha obtido. Senhorita! O vendedor se encorajou de repente e a agarrou da mo Perguntava-me se

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Mary a retirou rapidamente e ps-se a correr em direo ao castelo com Joanna, que no comprara nada. Sinto muito, tenho pressa. Meu senhor me aguarda disse por cima do ombro, fazendo um esforo por no rir da expresso de desolao do pobre homem. Uma vez tiveram desaparecido, o camel se voltou com tristeza para as prometedoras moas que lhe rodeavam e observou, consternado, como empalideciam em comparao com a preciosa loira com olhos de ametista com que acabava de falar. Maldio! Daria os lucros de um ms em troca de um beijo.

O mascate prosseguiu seu caminho, e Mary se esqueceu dele, emocionada com a notcia de que, ao menos no momento, Hunter se encontrava a salvo e no podia reunir-se com ela devido a que o vento interferira na misso e desviado o rumo de seu navio. Com verdadeira alegria, aferrou-se ideia de que estava bem e se persuadiu de que logo se reuniria com ela. Guardou os pentes no joalheiro, o tecido de cetim prpura na arca e no voltou a pensar no homem que os vendera.

O camel, em troca, deu-se conta de que no podia apagar de sua mente a imagem de Mary e, desejou haver-se atrevido a lhe pedir que se perdesse com ele por uns minutos entre as retamas das Terras Altas. Oh, possuir uma moa como essa seria todo um triunfo para ele, sem dvida! Deveria hav-lo pedido balbuciou bbado, enquanto olhava melancolicamente o fundo de sua jarra de cerveja Talvez aceitasse. Quem sabe Oh, mas no que estou pensando? Era muito fina para algum de minha estirpe.

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Esse o problema hip! Com as mulheres. Um homem sentado ao lado do mascate levantou a cabea Elas sempre pensam que so superiores a algum. Pois bem hip! No certo! O camel se alegrou de que algum estivesse disposto a emprestar ouvidos sua desventurada histria. Oh, deveria hav-la visto, bom homem suspirou O cabelo dourado como a samambaia e os olhos meu Deus, seus olhos Jamais tinha visto nada parecido. Como ametistas. Sabe voc o que so as ametistas, bom homem? So umas joias de cor prpura. Uma vez em Edimburgo vi uma cafetina que levava um par delas no colar. Eu estava ento com meu amigo, Davey se chamava Era um ladro, mas nunca me roubou nada; que fique claro. Era um verdadeiro amigo, sim, senhor, um verdadeiro amigo. Pois bem, Davey me olha e me diz: Fixou-se nessas gemas, Finn? Finn sou eu E logo diz: chamam-se ametistas, Finn. Valem uns bons quartos, sabe? Uns bons quartos, srio. Eu os arrancaria do pescoo dessa velha, se no temesse que seus valentes me surrassem. No sabe voc bem a animao que armam estas velhas cafetinas. No esto to indefesas como parecem. Assim foi como me inteirei de que de cor prpura e tudo isso; refiro s ametistas. E por isso essa moa me recordou isso. Oh, era uma preciosidade, seriamente. Tenho que voltar. Deveria lhe haver pedido que se deitasse comigo. Agarrei-a da mo, mas ela a retirou. Mesmo assim, deveria haver o pedido. Talvez houvesse dito que sim. Quem sabe Bom e a que hip! Est esperando, senhor Fitch? Venha, v e pealhe. Finn, no Fitch. Certamente j se esqueceu de mim. Mesmo assim tenho que voltar.

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Bom, senhor Filmer, a que estamos esperando? Vamos hip! A por ela Venha, senhor Fiske, o que me diz? Onde est essa moa da que fala? Finn Chamo-me Finn. A moa no est em Invernes, bom homem, a no ser a muitos quilmetros daqui. Bom, temos toda a noite, no assim, senhor Filbert? Que hip! Dizme? Assim ver quem aqui o mais fino. E no ser ela, verdade, senhor Firmin? Finn, bom homem. Meu nome Finn. Finn! Bom, no necessita que se irrite, senhor Fimm. Fimm, verdade? Que nome mais estranho S tratava de lhe ajudar. No vale pena. Est muito longe; no norte da Esccia, em um velho e ruinoso castelo encarapitado sobre um escarpado como uma guia. Alm disso, h um ancio que cuida dela. No vale a pena o esforo, srio. No vale a pena. Oh, anime-se, senhor Fielding. J encontraremos outra moa, hip! To formosa como ela. Acabo de lhe dizer que me chamo Finn. Finn! O camel se zangou seriamente E para cmulo, certamente querer me roubar moa! Oh, no, eu no faria isso, senhor Fyfe. Ao ouvir aquilo, o camel se equilibrou sobre o bbado e lhe deu um murro no nariz, depois do qual desmaiou e caiu ao cho, sem dar-se conta de que um terceiro homem, que tinha ouvido a conversa, acabava de sair furtivamente pela porta traseira do botequim para perder-se na escurido da noite.

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Hugh Carmichael sorriu perversamente, e o homem que estava ajoelhado diante dele estremeceu de medo. Deixa de tremer! espetou impacientemente o conde de Dndereen Recorde a meu irmo de adoo Ian, quando no pode conseguir algo para beber. Alm disso, no h razo para que tenha medo. Fez bem ao me dizer isso muito bem, em realidade. Tanto assim que o gratificarei pela molstia que o tomou. Ofereci vinte e cinco mil Marcos e vinte e cinco mil Marcos lhe entregarei. Toma, leve esta nota ao senhor Keane, que quem se ocupa de minhas contas. Leslie lhe dir onde pode encontrar e logo lhe dar comida quente, uma cama e uma moa. Oh, obrigado, senhor. Muito obrigado. O homem do botequim de Invernes fez vrias reverncias. No acreditava a sorte que estava tendo. Quando teve fechado a porta, o sorriso que Hugh tinha nos lbios se permutou em uma sombria careta de ira. Vinte e cinco mil Marcos para esse desgraado. Estaria bom. Connall, j sabe o que tem que fazer. No mais que um velho bbado. Ningum sentir sua falta. Desfaa-se dele e logo venha me informar. Sim, senhor. Connall assentiu com a cabea e fechou os punhos como se quisesse antecipar a morte do confidente.

Est segura de que no quer ir celebrar em primeiro de maio? Joanna arqueou uma sobrancelha interrogativamente Os meninos levaro uma decepo. Alm disso, lhe sentaria bem sair do castelo. Ningum nos conhecer em Wick; estar cheio de forasteiros. No, Joanna. Prometi a lorde Duncan o ajudar a inventariar umas coisas esta manh. Tem alguns objetos que so verdadeiras joias e duvido de que conhea seu valor exato. Alguns so muito valiosos, embora ele

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insista que os objetos realmente preciosos so os que trouxe da Frana nem mais nem menos disse com um sorriso No de se estranhar que suas criadas se deixassem enganar pelo camel to facilmente. De todos os modos, assim que os meninos cheguem a Wick e vejam a feira, deixaro de me sentir falta. Tome disse lhe entregando umas moedas Divirta-se e compre algumas quinquilharias por mim. Joanna sorriu. Muito bem. J vejo que no trocar seus planos. No nos espere at tarde. Embora haja tentado lhes dissuadir, os meninos seguem empenhados em ver todas as atraes da feira. Por fim Joanna, os meninos e os homens de armas de lorde Duncan saram em direo ao povo, rindo e gritando animadamente. Mary sorriu, enquanto se despedia de uma das janelas do castelo, e pensou que a Joanna custaria evitar que cinco meninos travessos se aproximassem dos postos da feira para ver Deus saberia que tipo de monstruosidades. Mary sentiu um ligeiro tremor, ao recordar aquele longnquo dia da feira de Invernes. De repente, embargou-lhe uma morbosa sensao de desastre, que se apressou a afugentar assim que se reuniu com o baro. Por que lhe teria vindo Hugh cabea? Certamente, baro, aqui tem algumas coisas que so verdadeiras joias disse ao cabo de quase uma hora, enquanto catalogava outro objeto, uma cimitarra rabe com punho de ouro e joias incrustadas de um valor incalculvel. Consegui essa espada quando lutei contra os turcos. Condenados infiis! Esto em todas as partes! grunhiu lorde Duncan Embora, claro, aquela no foi uma verdadeira cruzada, porque acabou em 1369. Entretanto, estive em Varna em 1444 quando nos enfrentamos ao Imprio

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turco. Ento sim estava na flor da vida, moa, e no agora, que no sou mais que um velho e decrpito cavalo de guerra. Os olhos de reumtico do baro brilharam pela emoo ao recordar o passado. Por que no me conta tudo, lorde Duncan? animou-lhe Mary amavelmente. No queria lhe falar da aventura que ela vivera com os turcos, pois desejava que o baro pensasse que ia relatar-lhe uma experincia muito especial. A moa sabia que ao ancio adorava reviver as muitas campanhas em que tinha participado do passado. Bom, foi da seguinte maneira comeou. Entretanto, o choro do Humphrey apareceu naquele momento, o interrompendo bruscamente. Senhor! Senhor! O que acontece, Humphrey? Lorde Duncan lanou um olhar furioso ao homem de armas, que tinha ficado pasmado. Humphrey tragou saliva. Senhor, no o vai acreditar Bom, dificilmente posso sab-lo, se no me diz antes a que se deve tanto alvoroo. Solte-o de uma vez! No fique a com a boca aberta como um idiota! Se senhor. Um exrcito est agrupando-se ao redor das muralhas do castelo para atac-lo. Atac-lo? O baro estava verdadeiramente aceso E a aldeia? Pelo visto, no lhes interessa, porque passaram direto. O que querem conquistar o castelo. Por Deus! Vo ver o que bom esses bastardos! Com que querem fazer-se com meu castelo, n? Por Deus, no se sairo com a sua exclamou, empunhando a cimitarra violentamente sejam quem seja.

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Senhor, so so os Carmichael conseguiu dizer Humphrey com voz trmula. O ancio baro dirigiu um olhar penetrante a Mary, mas seu rosto no demorou a relaxar-se. No se preocupe moa disse com voz rouca, embora com tom amvel Prometi a Hunter que a defenderia e isso farei. No tema. No a entregarei. Vem por voc, no assim? Sabe? Sim, sabia desde o comeo que uma Carmichael, moa. Seus olhos a delataram; sim, seus malditos olhos violetas. No podia ser de outra maneira, pois, se fosse uma MacBeth, o saberia. Ento por que? Por que? Logo, moa. Agora tenho que me ocupar de meu castelo. Por Deus! Ainda no estou to velho para no poder repelir um ataque! A Mary, lhe encolheu o corao de medo quando o ancio saiu da cmara. Eram os Carmichael! Os Carmichael estavam atacando Torra nam Sian! O medo a atendeu; a angstia, fria e cruel, invadiu todo seu ser. Ouviu as criadas cochicharem aterrorizadas, enquanto baixavam pressurosas ao armazm que havia sob a torre principal do castelo para esconder-se. Sabia que devia ir com elas, mas se sentiu atrada pela batalha e decidiu v-la, como tantas vezes fizera em Bailekair. Deu meia volta e, recolhendo a saia do arascaid, subiu rapidamente pelas escadas aos aposentos da planta superior. Correu pelo corredor, chegou a sua estadia, abriu a porta e a fechou violentamente assim que entrou, depois do qual jogou o ferrolho e se apoiou por um momento contra a barreira com o corpo tremente. Ento se aproximou do balco, colocando a mo sobre os olhos para proteger-se do sol. Mary sufocou um grito. Graas a

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Deus que Joanna levou os meninos a Wick aquela manh. Ao menos, eles estariam a salvo. Mary no queria chamar engano pensando que o baro e seus homens de armas, que no somariam cinquenta, conseguiriam repelir o ataque da multido de soldados que se reunia ante as deterioradas muralhas do velho castelo; devia haver quinhentos ou mais, todos eles perfeitamente providos para a batalha. Acudiam bem preparados, como se planejassem o assdio durante semanas. No se tratava de uma incurso qualquer. Contavam com trs grandes catapultas e carros cheios de pesadas pedras com que as carregar; vrias escadas para subir s muralhas; diversos aretes de grande envergadura e um escudo coberto de pele de aproximadamente nove metros de comprimento e cinco de largura sob o qual se ocultariam os encarregados de conduzir os pesados aretes para proteger-se do breu quente e as flechas que choveriam sobre eles das ameias do castelo. Alm disso, vinham providos de vrios parapeitos forrados de couro; os arqueiros poderiam resguardar-se atrs deles para disparar suas mortferas flechas e acabar com os homens que defendessem as muralhas de Torra nam Sian como se fossem moscas. O combate seria longo e sangrento. Podia durar talvez um par de semanas se os habitantes do castelo eram afortunados, e s uns dias se no o eram. Ento ento Mary no pode concluir a frase que comeava a formar em sua mente. Quando comearia? Amanh? Depois de amanh? Certamente os atacantes nivelariam o terreno antes, porque do contrrio no poderiam conduzir as mquinas para o assdio at a base das muralhas. Oh, oxal se apresentasse Joanna, visse o que estava ocorrendo e fosse procurar auxlio antes que se iniciasse o terrvel assalto,

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antes que a fria mo da morte ascendesse silenciosamente pelas muralhas para sossegar os homens de armas do baro para sempre. No! Impossvel! Aquilo no podia estar acontecendo! Como podia pensar em Belgrado? Estavam na Esccia e, por alguma estranha razo, os Carmichael, embelezados com o breacan prpura e azul j tinham comeado a mover-se para iniciar o ataque! Era muito cedo! No tiveram tempo de preparar-se! Mary voltou a sentir a pontada de um pressentimento em seu interior. Algo ia mal. Oh, Deus, do que se tratava? Se conseguisse averiguar o que era, talvez os homens de lorde Duncan pudessem defender-se disso. E se conseguisse distinguir os rostos dos Carmichael que se aproximaram das muralhas, poderia fazer uma ideia do que estavam tramando. Eram os homens de Hugh? Acaso os de Ian? Seriam os de lorde Gilchrist? A colocao ttica da batalha dependeria do senhor que os encabeasse. Lorde Gilchrist lutaria limpamente, Ian e Hugh em troca As muralhas do castelo tremeram como consequncia do impacto da primeira das pedras lanadas pelas catapultas. A pedra rodou daqui para l de forma infeliz, golpeando quanto lhe ps por diante antes de perder velocidade e deter-se pesadamente. Ouviram-se gritos. Reinava a confuso. Ao que parecia, os Carmichael consideravam que aquela estratgia no funcionaria, j que estavam trocando a posio das catapultas e apontando a alvos diferentes. Uma e outra vez, conforme o dia avanava, os soldados moveram os trambolhos at que, por fim, encontraram um lugar do que os projteis caam certeiramente sobre o restelo e as portas de madeira da torre de comemorao. Entretanto, as duras barras de ferro da porta aguentaram, embora a contnua inundao de pedras as deixasse virtualmente plainas.

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Enquanto isso, os arqueiros colocaram seus parapeitos a pouca distncia das catapultas e comearam a disparar uma chuva de flechas sobre os homens do baro que se postaram nas muralhas. Mary deu graas a Deus por que os Carmichael no obtessem ainda aproxim-lo suficiente para prender fogo s flechas. Mesmo assim, medida que passavam as horas, os inimigos avanavam centmetro a centmetro como se no lhes importasse o perigo, e a moa compreendeu que s era questo de tempo que as flechas incendirias comeassem a voar sobre as muralhas e criassem o caos entre os habitantes de Torra nam Sian. Os homens de armas mais atrevidos entre os Carmichael j se precipitaram para as muralhas levando escadas com que esperavam salvar as defesas exteriores do castelo. Pareciam macacos escalando e retorcendo-se para esquivar os projteis que lhes caam das ameias. Os mortos j se amontoavam. Os MacBeth penduravam como bonecos das ameias da muralha exterior com os corpos atravessados pelas flechas que jogaram os arqueiros com suas mortferas molas de suspenso. Os Carmichael apareciam disseminados pelo campo, muitos deles

irreconhecveis pelas queimaduras que lhes produziam o breu fervendo que lhes jogaram das ameias. O sangue corria e desprendia um aroma intenso que se mesclava com o asqueroso fedor a carne calcinada. Mary fez um esforo por no vomitar. O nauseabundo aroma lhe revolvia o estmago. Ouviam-se gritos por toda parte; terrveis alaridos de agonia e estremecedores gemidos de angstia. Nuvens de fumaa encapotavam o cu azul, que tinha se tingido de laranja medida que o sol descia sobre o horizonte. A Mary, picavam os olhos como consequncia da fumaa que flutuava sobre o campo de batalha. Os acres tufos de vapor que despediam os caldeires de breu lhe encheram os olhos de lgrimas.

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Piscou. A vista turvava e esclarecia alternadamente. Mary esfregou os olhos com fria. Os Carmichael se aproximaram o suficiente para que pudesse distinguir seus rostos sedentos de sangue. Oh, Deus! Era Hugh! Era Hugh que encabeava o exrcito de sitiadores. Nem as negras bocas de fumaa podiam ocultar sua mo esquerda e malvola figura, que se via aos longe ao lombo de um imponente cavalo de guerra da cor do bano. Seus dentes brancos cintilaram, quando avistou o corpo encolhido de Mary no balco. Jogou a cabea para trs e, depois de soltar uma gargalhada, exclamou: Buaidh no Bs! Buaidh no Bs! o grito de guerra dos Carmichael ressonou por todo o campo de batalha. Sua tocha chapeada brilhou com intensidade luz do quente sol primaveril. Estava dirigindo um grupo de homens; uns conduziam um arete e outros levavam uma espcie de manta de pele curtida com que se protegeriam do abrasador breu. Tratava-se de uma arma pouco segura que estava acostumado a utilizar-se uma vez a batalha estava avanada, quando as muralhas careciam de amparo. Por que Hugh no esperava que as mquinas de assdio, que podiam alojar a um mnimo de cem homens com uma relativa segurana, conseguissem aproximar-se das muralhas? Mary voltou a ter a estremecedora sensao de que algo ia mal. O que era? Ela no era um soldado e no podia adivinh-lo. Tinha comparado aquela com as batalhas que presenciara no passado e quanto vira at o momento lhe parecia perfeitamente normal. Entretanto, estas no eram mais que meras escaramuas. Belgrado fora a nica exceo. Oh, Deus, onde est, meu amor? Voc saberia me dizer que no vai bem. Ajude-me! Ajude-me! Entretanto, Hunter se achava longe dali e ignorava a situao em que se encontrava sua amada.

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Os homens de armas dos Carmichael continuavam avanando pouco a pouco ocultos sob o escudo de pele. O breu comeou a cair sobre eles. Grossos jorros do abrasador lquido escorreram sobre a pele e foram parar s mos e os braos de vrios homens, que soltou o escudo e caram ao cho retorcendo-se de dor. Outros seguiram adiante sem prestar ateno a seus companheiros. Deviam tratar o couro com algo, pensou Mary, pois, embora fumegasse e cheirasse, o fogo no prendia nele. O restelo de ferro e as pesadas portas de madeira de Torra nam Sian estremeceram ao receber o impacto do arete antes que os homens de Hugh se vissem obrigados a retirar-se; pareciam um porco-espinho com o escudo crivado de flechas. Os homens de armas dos Carmichael se reagruparam e se dispuseram para iniciar um novo ataque contra as defesas do castelo. Uma vez mais, o restelo e as portas, seriamente debilitadas j pela ao das catapultas, rangeram sob a presso do arete. Mary no podia v-lo, mas este rachou uma das portas e abriu um grande buraco na madeira. Ao v-lo, Hugh esboou um sorriso e fez um sinal a um grupo de homens que se encontravam perto. Estes se aproximaram arrastando dois grandes caldeires de breu fervendo e se cobriram sob o escudo enquanto os homens que carregavam o arete se retiravam. Graas ao amparo da pele, conseguiram verter parte do breu pelo buraco e por debaixo da porta para deixar a seguir os caldeires, ainda meio cheios, apoiados contra esta. Um dos homens se adiantou com um barril pequeno na mo. O pequeno tonel trouxe repentinamente a Mary algo memria. J sabia o que era o que no encaixava; j sabia o que era o que no deixava de a aquietar durante todo o dia: o armazm. O estranho armazm de Dndereen, construdo no cho a certa distncia da torre principal e

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outros edifcios do castelo. S a parte superior da construo aparecia na superfcie; o armazm em que no se podia entrar com uma tocha, nem com uma vela. Um homem recebera uma brutal surra s mos de Hugh por entrar nele com uma pipa acesa. Quer que saltemos todos pelos ares? lhe recriminou o conde em um arrebatamento de ira e medo, enquanto o golpeava sem piedade. Plvora negra! Isso devia ser! Mary ouvira vrias histrias sobre ela, embora nunca a tivesse visto. Dizia-se que a empregavam umas pessoas que estavam confabuladas com o diabo e procediam do este, de uma terra muito longnqua habitada por um povo de olhos rasgados como os dos gatos. Deus saberia como a obteve Hugh. No era de se estranhar que no mostrasse nenhuma preocupao nem aguardado que as mquinas de assdio conseguissem aproximar-se das muralhas; no necessitava. Se as histrias que Mary ouviu eram certas, a muralha exterior saltaria feita pedaos em s uns segundos. A batalha teria concludo antes que o sol desaparecesse do incandescente cu! Oh, Deus! O homem que tinha o tonel comeou a pulverizar a plvora sobre o atoleiro de breu que gotejava do buraco que abriram na porta. Jogou um pouco sobre os caldeires e atirou o restante ao cho. A trilha chegava at onde Hugh se encontrava desenhando meandros com a plvora sobre a terra, como se de uma serpente negra se tratasse. O marido de Mary agarrou a tocha que sustentava um de seus homens e aproximou a chama serpentina. Como se fosse o fogo mgico de Anglica Fleming, a plvora se acendeu e comeou a consumir-se rapidamente, vaiando e despedindo fascas medida que desaparecia e deixava sua sombria marca no cho. No, Meu Deus! No! exclamou Mary, antes de proferir um grito de alarme.

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Mas j era muito tarde. A chama tinha alcanado finalmente o breu. Ningum estava preparado para o que aconteceu ento. O mundo inteiro pareceu saltar pelos ares, lanando fragmentos de metal, partes de madeira e jorros de breu em todas as direes. Uma parte da muralha do castelo se derrubou e as pedras saram despedidas em um e outro sentido. Os Carmichael se precipitaram em turba pela abertura que produzira a exploso e passaram por cima dos cadveres e os escombros, uivando e atravessando com suas espadas aos MacBeth sobreviventes, que ficaram estupefatos e paralisados pelo medo. Lorde Duncan dava ordens freneticamente tratando de reagrupar o maior nmero possvel de seus homens atrs da muralha interior antes de fechar a torre de entrada. O baro era consciente de que tentar ganhar tempo para defender-se resultaria intil, pois a batalha j estava perdida. Os homens de Hugh carregaram de novo com o arete para repetir o processo que lhes permitiu franquear a entrada ao palanque. Mary ouviu ento uns passos apressados nas escadas que conduziam aos aposentos superiores da torre principal. Segundos mais tarde, algum chamava de modo premente a sua porta. Mary, moa, sou lorde Duncan! Abre a porta! Mary se apressou a abrir o ferrolho. Oh, senhor, o que vamos fazer? O baro fechou com uma portada e voltou a jogar o ferrolho. Tinha a rosto negro de fuligem e sujeira e o breacan manchado de sangue e imundcie. Em seus lbios se desenhava uma careta sombria. No se preocupe moa. Defender-lhe-ei, embora me custe vida. Em seu olhar se mesclavam a derrota e a determinao.

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No! Oh, lorde Duncan, no! a mim quem Hugh veio procurar! Deixe que me entregue e ponha fim a este aougue! No, moa. No posso permitir que se sacrifique por mim. Alm disso, no conseguiria nada dessa maneira; sabe muito bem que no pensam nos perdoar a vida. Tenho que tratar de salvar voc ao menos. Mas por qu? Por qu? Estamos condenados. intil e insensato seguir lutando, senhor. V-se! V-se, senhor, enquanto possa escapar! No, no posso faz-lo. Mas mas por qu? Porque quero morrer em paz, moa. Sabe Mary? Faz anos, quando a me de Hunter fugiu deste castelo, Ranald se props sair em sua busca. Sabia que ela estava doente e temia por sua vida, inclusive at que chegasse a reunir-se com sua gente, que era o que supnhamos queria fazer. Eu era ento um homem muito estrito, por isso me neguei a permitir a Ranald que a seguisse e o encerrei na masmorra do castelo. No sabia quanto amava Laureiem. Pois bem, a cigana nunca retornou. Ao cabo de vrias semanas, liberei Ranald, e este empreendeu

imediatamente a busca de sua esposa. Por desgraa, ela tinha morrido, ou ao menos isso foi o que Ranald disse, quando voltou a Torra nam Sian. Depois de passar vrios meses em um estado de profunda aflio, Ranald subiu torre norte e se enforcou. Os remorsos no me deixaram descansar aps; sinto-me responsvel pela morte de meu parente e da orfandade de Hunter. Ento apareceu voc, com seus malditos olhos violetas, e Hunter estava apaixonado por voc, to apaixonado que parecia perder a razo. Eu sabia que ele arriscava a vida por voc, j que a perder, se seu cl se inteira de sua relao. Entretanto, alegrei-me de que a encontrasse Mary,

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embora fosse um inimigo de nosso cl, porque o queria tanto como ele a voc; via-o em seu rosto, quando a olhava. No quero cometer outro engano que lamentaria o resto da pouca vida que fica. Necessitava de ajuda, e eu lhe dei isso, me esquecendo da inimizade que separou nossos cls durante quase cem anos. No me arrependo de hav-lo feito, porque voc e as pessoas que a acompanham acabaram durante os ltimos meses com o tdio de minha vida. Cobrei-lhe afeto, moa, apesar de que sempre a deixe ganhar no xadrez. Mary olhou ao ancio baro de marco a marco. Sabia tudo sobre ela do primeiro momento e mesmo assim no a entregara. As lgrimas transbordaram seus olhos e escorregaram por suas bochechas. Perdoe-me. Perdoe-me senhor. Sinto tanto corresponder a sua bondade com com No estava em sua mo, moa, de modo que no tenho nada que perdoar. Vamos, Mary. Acima esse nimo. Sou eu quem deveria desculpar-se por no saber cuidar melhor de voc. Hunter ordenar que me executem assim que se inteire do que est ocorrendo. O baro esboou um sorriso. Ambos eram conscientes de que o ancio no sairia daquela; jamais voltaria a ver Hunter Este homem, Hugh, matar voc? No, senhor. meu marido murmurou Mary com amargor. Ento lhe contou seu passado De maneira que, j v lorde Duncan, no tem por que preocupar-se por mim. Hugh se limitar a procurar a forma de me castigar. Oh, Mary. Sei que Hunter vir por voc assegurou o ancio, quando a moa concluiu seu relato Um amor como o seu no pode ser destrudo. Sim, vocs poro fim a esta inimizade e maldio que com sua

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sombria tristeza tem a todos possudos. Quo nico lamento que no v viver para v-lo. Oh, senhor! No se preocupe, Mary. Sou um ancio; vivi uma longa vida e tenho poucas coisas de que me arrepender. Os gritos e o rudo de esporas sobre o cho de pedra do salo principal lhes anunciaram que a torre principal do castelo tinha sido invadida. Segundos mais tarde ouviram uns passos fortes nas escadas; a seguir algum golpeou a porta e carregou contra ela com todo seu peso produzindo um rudo surdo Vamos, moa disse lorde Duncan com um sorriso D um beijo de despedida a este ancio para que confronte com valor a batalha. Chorando, Mary o abraou e beijou meigamente. Adeus, lorde Duncan. Que Deus o acompanhe disse com voz entrecortada no momento em que a porta saltava sobre suas dobradias e caa ao cho. Mary viu ento a sombria e ousada figura de seu marido, que sorria perversamente. Proferindo um grito de guerra dos MacBeth, o ancio baro desembainhou a espada e se equilibrou sobre seu inimigo. A luta foi breve e fatal; seu resultado, o previsvel. Ao cabo de uns segundos, o valente baro de Torra nam Sian jazia inerte entre as runas de seu castelo. Chorando, Mary se ajoelhou ao lado de seu corpo sem vida. Elevou seus turvos olhos violetas e viu Hugh, que lhe sorria depravada e impdicamente enquanto limpava sua espada de sangue e a embainhava. No me dir que o velho bastardo tambm a levou a cama, rameira disse a modo de saudao. No, foi muito bom comigo replicou, antes que seu primo a pusesse em p de um puxo e a arrastasse fora da estadia.

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Bem, senhora. Hugh sacudiu Mary bruscamente no salo principal, quando o registro acabou e seus homens mataram o resto dos MacBeth, que no quiseram render-se, conscientes de que era prefervel morrer a ser capturados vivos por seus inimigos Onde est esse cigano filho de cadela? Onde est seu amante, rameira? No era meu amante! mentiu Mary Por que no me disse que estava vivo? Voc sabia, no trate de neg-lo. Foi ele quem me falou da traio de Euphemia MacBeth e Ian. Estou segura de que Ian lhe disse que o cigano estava vivo e tinha a inteno de vingar-se de todos ns. Sabia e, entretanto, no me disse nada. Foi seu parente quem raptou Joanna e os meninos. Vi o o vi em sonhos e fui a Glenkirk para me oferecer em troca deles, para salvar seu filho, Hugh. Mary rezava para si para que acreditasse Mas j era muito tarde. Como no tinha me avisado, eu ignorava que o cigano estava vivo. Matou matou meus filhos No! exclamou Hugh com voz trmula. Esto mortos! Mortos! E o cigano o cigano Mary se interrompeu como se fosse incapaz de seguir falando, sem atrever-se a olhar Hugh ao rosto. O cigano lhe perdoou a vida para que se convertesse em sua concubina concluiu ele, colrico Perguntarei de novo, rameira: onde est? Se fartou de mim e entregou a lorde Duncan. Oh, Deus, um assassino filho de cadela! Foi voc, com a ajuda de Ian, que assassinou meu irmo, a meu querido Gordie! E agora mata um ancio que quo nico fez foi me tratar muito melhor do que voc pode chegar a imaginar e que nem me tocou! Mary cobriu o rosto com as mos e rompeu a chorar desconsoladamente.

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Baixe a voz, puta! ordenou Hugh, enquanto olhava ao redor para assegurar-se de que ningum ouvia a acusao que fez Mary. Com alvio, viu que seus homens estavam muito ocupados violando as criadas que descobriram no armazm e bebendo a cerveja e o vinho que encontraram na despensa para lhes prestar ateno E capaz de acreditar nas mentiras que sobre mim e seu irmo lhe contou um filho de cadela dos MacBeth? Mary no respondeu consciente de que sua vida pendia de um fio. No lhe cabia dvida de que Hugh a mataria ali mesmo se insistia em manter a acusao; teria que sosseg-la da mesma maneira que o tinha feito com Gordon. A moa comeou a tremer. No sei a quem acreditar respondeu por fim. Claro que no disse ele em tom de brincadeira Est louca. Louca, ouve-me? A expresso de seus olhos se escureceu, enquanto a devorava com o olhar juro-lhe que no permitirei que repita essa historia diante de ningum. Encerrar-lhe-ei, assim que cheguemos a casa para impedir que faa mal a voc mesma ou a outra pessoa. Comeo a temer que seja perigosa, muito perigosa, para falar a verdade. O mais provvel que tenha sido voc mesma quem matou aos meninos. Sim, isso deve ter ocorrido, porque cometer uma barbaridade semelhante prprio de uma pessoa demente. Lembro quando era menino que uma velha cafetina da aldeia de Dndereen perdeu a cabea e acabou com seus cinco filhos. Esquartejou-os com uma faca de aougueiro e os enterrou em uma parcela de terreno que havia atrs de sua cabana. Sim, est louca, louca de arremate, Mary. No fica outro remdio que a encerrar. Senti sua falta rameira. Sabia? Senti falta das noites que passvamos juntos e as baixezas que lhe fazia. Como desfrutava com elas.

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Por certo, aprendi umas novas. Assim que cheguemos a Dndereen, encerrarei voc e lhe ensinarei isso. E no incomodar a ningum com seus gritos porque lhe juro que vai gritar, puta. Embora, claro, isso est acostumado a fazer uma louca Mary retrocedeu horrorizada, ao ouvir o relaxado tom com que seu marido pronunciava aquelas ltimas palavras. Hugh se equilibrou sobre ela, apertou-lhe brutalmente os seios e lhe plantou a boca sobre os lbios com tal fora que a ponto esteve de lhe cortar a respirao. Ela presa do dio e o desespero tratou de escapar dele. Hugh lhe imobilizou os braos atrs das costas e lhe deu uma violenta bofetada, ao tempo que balbuciava um juramento. Ento lhe cravou um olhar penetrante, como se quisesse mat-la ali mesmo, e a agarrou pelo cabelo para obrig-la a levantar o rosto. Depois de lhe dar um novo beijo, rasgou-lhe o arascaid e deixou ao descoberto seus trementes seios. Fique quieta, puta! espetou ao ver que resistia e tentava se liberar e tampar os seios Fique quieta ou a deixo nua aqui mesmo e entrego a meus homens para que se divirtam contigo. Tremendo de raiva, medo e impotncia, Mary abandonou suas infrutferas tentativas por desembaraar-se dele. Hugh a estendeu de um empurro sobre uma larga mesa que havia em um dos cantos da estadia. Por Deus, ia viol-la na presena de todos seus homens! Alguns destes estavam forando a sua vez s criadas, sem lhes importar que outros fizessem fila atrs deles espera de seu turno, abarrotando-se de cerveja e vinho, observando as selvagens violaes e rindo das mulheres que gritavam uma e outra vez pelo ultraje que estavam sofrendo. Mary gemeu ao sentir que Hugh lhe cobria um seio com a boca e lhe lambia e mordiscava cruelmente o mamilo. Fechou os olhos e se sumiu no

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abismo de seu terrvel passado. Agitou as mos debilmente, mas freneticamente. J notava o membro inchado de Hugh sobre as coxas; estava lhe recolhendo a saia do arascaid, estava lhe separando as pernas. Fechou os punhos com fora e golpeou com os ndulos um objeto de metal macio. Abriu rapidamente os olhos. Era um pesado candelabro de ouro. Mary estendeu a mo desesperadamente e conseguiu agarrar o objeto, que se elevava da base formando elegantes curvas. A moa se incorporou como facilmente pde. Hugh levantou o olhar, surpreso de a moa opor novamente resistncia, e Mary aproveitou a ocasio para estelar o candelabro contra seu rosto. O homem caiu de costas, cobrindo o rosto com as mos para conter o sangue que emanava a fervuras do nariz; o tinha quebrado. Enquanto proferia um bramido de raiva, Mary desceu da mesa e ps-se a correr. Quando j conseguia tirar Desmond dentre os escombros aos que tinham ficado reduzidos os estbulos e mont-lo, apareceram os homens de Hugh e a derrubaram do cavalo. No! No toquem a essa puta! exclamou Hugh, enquanto se aproximava lentamente a ela com gesto ameaador, apertando um pano mido sobre seu sinistro rosto Eu mesmo a castigarei pelo que fez, quando chegarmos ao castelo. Aos cavalos! Partimos esta mesma noite. Aguarda-nos cinco dias de viagem, Mary; tempo suficiente para que cresa em seu interior o medo que me tem como se fosse uma serpente que lhe esmagasse o corao e para que v preparando para tudo o que lhe farei, assim que cheguemos. O desta noite no foi mais que para abrir o apetite, sua puta! Pelos pregos de Cristo, juro-lhe que pagar por isso! disse, assinalando seu ensanguentado nariz quebrado farei voc sofrer at

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limites inimaginveis e, quando acabar, lev-la-ei ao estrangeiro, a Espanha, para a vender no primeiro bordel mouro que encontre. Oh, Deus, por favor! Faz que isto no seja mais que um pesadelo! rezou Mary fervorosamente Por favor, faz que desperte e me encontre s e salva nos braos de Hunter! Entretanto, Mary era consciente de que as ameaas de seu marido eram certas e que as cumpriria sem pensar duas vezes. Quando se afastaram das devastadas e tristes muralhas de Torra Sian, a moa, seguida muito de perto por Hugh, no pde evitar estremecer.

por quanto destruio ir com ela a todas as partes e no haver forma de remedi-lo.

Joanna observava fixamente as runas do castelo. Aquilo era um verdadeiro cataclisma. Temeu o pior. Desceu da carruagem de lorde Duncan e abriu caminho por entre os escombros que se amontoavam no lugar onde estavam antes porta do imponente castelo. Mary? O eco de sua trmula voz ressonou de forma estranha na noite Mary? No est aqui disse um dos homens de lorde Duncan, quando os homens de armas que a acompanhavam aquela manh registraram completamente todo o castelo foi revistado e no ficava ningum vivo, nem o baro. Entre os cadveres no acharam o de Mary Possivelmente siga com vida, senhora. No perca a esperana. Encontrar-la-emos. A Joanna, arrasaram os olhos em lgrimas; os meninos no demoraram para formar uma vaga ideia do que tinha ocorrido e tambm puseram-se a chorar. Quando a moa se encaminhava para a carruagem para consol-

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los, tropeou com um cadver. O corpo rodou e lhe lanou um olhar perverso a tnue luz das tochas. Tratava-se de Connall, o mestre de campo de Hugh. Oh, Meu Deus gemeu a moa aterrorizada A levou Hugh. Hugh? perguntaram os soldados de lorde Duncan. uma histria muito longa para cont-la agora respondeu, Joanna procurando acalmar-se. Apoiou uma mo no brao de um dos homens de armas e lhe disse Dickon, a esposa do senhor Hunter se encontra em grave perigo. Voc e os poucos homens que ficam devem me escoltar at At onde? o castelo de lorde Bothwell, nas terras da fronteira. A moa recordou o conselho que Hunter dera a Mary com respeito Jane Gordon Lorde Duncan morreu, de maneira que voc j no se deve a ningum, Dickon. Tem que nos levar a Bothwell e rogar por que lady Hepburn ajude minha senhora.

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Captulo 32

O comprido corredor parecia danar a luz das tochas, quando Hugh voltou para a torre de Dndereen onde encerrou Mary, assim que chegaram ao castelo. Afastou bruscamente o guarda que tinha postado diante da porta e agarrou uma chave que pendurava de uma cavilha da parede. Mary o olhou espantada, quando ele entrou na cmara. Presa da angstia esteve temendo sua apario, desde que, depois da queda da tarde, a lua comeava a deslizar com seus ps chapeados pela estreita janela da cmara circular onde a jogara seu marido. Demoraram cinco dias em atravessar as Terras Altas e chegar a Dndereen e nem em uma s ocasio tentou toc-la. Mary sabia, portanto, o que ocorreria aquela noite; golpe-la-ia, maltrataria e violaria. Ao pensar nisso, tremia e chorava desconsoladamente, invadida pela raiva e a impotncia. No poderia suport-lo de novo. J a ultrajara e manchara antes, j lhe quebrara a alma, destroado o corpo e transtornado a mente com suas torturas. Tinha-a reduzido a escria, e s o profundo amor e a sensibilidade de Hunter lhe permitiram sentir-se limpa de novo. No estava disposta a permitir que Hugh a humilhasse outra vez; jamais permitiria que o fizesse. Entretanto, Mary se dava conta de que como prisioneira no tinha mais que uma possibilidade de sair com a sua. Conforme transcorriam as horas, a ideia no deixava de lhe rondar angustiosamente a cabea, mas ao anoitecer chegou nica concluso que aceitava sua alma atormentada:

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com grande serenidade, havia resolvido tirar a vida. Era pecado mortal, bem sabia, mas se persuadiu de que preferia condenar-se a submeter-se uma vez mais a Hugh Carmichael. S a dolorosa ideia de separar-se definitivamente de Hunter e seus filhos a fez duvidar; mas ao final a convico de que seria incapaz de os olhar ao rosto outra vez com o aroma e as marcas dos golpes de Hugh na pele a decidiu. Quando olhou a seu marido, a expresso de terror de seus olhos se devia unicamente ao medo que tinha a no ser capaz de levar a cabo a fatal determinao que tomou. Com as pernas separadas e uma mo apoiada no quadril, Hugh acariciava seu cinturo, como se quisesse anunciar a Mary o que lhe aguardava, como se estivesse saboreando mentalmente as afrontas que se propunha lhe inferir. Nem a expresso de Mary, que recordava a de um animal enjaulado, alterava-o. Em realidade, desfrutava, vendo como se encolhia ante ele. Entreabriu seus escuros olhos e esboou um sorriso zombador, quando advertiu que Mary deslizava uma mo tremente por seu cinto dourado e a pousava sobre o punho de sua faca. Ento viu como a tirava e a brandia com ar temeroso. Ia defender se, por Deus! Estava disposta a defender-se! Ao compreender as intenes da moa, Hugh sentiu uma onda de desejo na virilha. Quanto a desejava! Obcecava-lhe. Viveu sem ela durante quase quatro anos e em nenhum momento conseguira saciar a nsia que sentia por seu corpo cada vez que pensava nela e que o convencia de que devia recuper-la. Rememorou uma e outra vez os dias e as noites que passaram juntos; evocou a imagem de Mary retorcendo-se no cho, enquanto ele a golpeava, fustigando sua pele dourada com o cinturo de

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couro, castigando-a por haver-se atrevido a pensar que ele herdara a loucura de sua me. Tinha-a beijado com fruio at lhe deixar os lbios inflamados; tinha-lhe manuseado os peitos at machucar-lhe, tinha-lhe separado as coxas e tinha penetrado no mais profundo de seu ser enquanto ela gritava e lhe suplicava que tivesse compaixo. Como rira, ento, afogando os alaridos da mulher com sua dura virilidade, antes de lhe dar meia volta para possu-la pela terceira vez e de uma forma mais srdida ainda. As meias se avultaram com a lembrana, e Mary tremeu ao v-lo. Oh, Meu Deus, me infunda foras e perdoe minha falta de vontade rezou desesperada mas isto excessivo. No posso suport-lo. No penso suport-lo de novo! Muito bem, minha pequena nscia. Por fim estamos sozinhos disse Hugh com a voz pastosa de desejo Sonhei com voc estas ltimas noites e no sabe bem quanto me excitou a ter to perto. Possuiria voc durante a viagem, mas, claro, ento no poderamos desfrutar de nossas pequenas preliminares. Haveramos? Querer dizer que voc no poderia desfrut-los, Hugh. Depois de tudo, inclusive o mais brutal de seus homens estremeceria, ao ver que algum trata to grosseiramente a uma dama de alto bero. Dama? mofou-se ele Acreditava que estvamos de acordo em que no mais que uma rameira, Mary. Uma rameira que assassinou seus filhos e acabou to desenquadrada que sequer o cigano dos MacBeth foi capaz de aguent-la. Eu no matei meus filhos disse Mary, apertando os dentes. Como desejava lhe cuspir ao rosto que seus filhos estavam ainda vivos J lhe disse

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Mas cr que me importa algo o que voc possa dizer? Convm-me que meus homens pensem que foi voc que matou meu filho e ao de Edward, tanto se for certo como se no. De todos os modos, esto mortos e eu fiquei sem herdeiro, portanto, melhor ser que me d outro. Dito isto, comeou a despir-se, sem afastar a vista da moa. No, Hugh, no voltar a me possuir, nem agora nem nunca disse Mary com voz baixa. Ele ps-se a rir. Sua risada soou na cmara com um eco estranho, cavernoso, perverso. Cr realmente que poder me esfaquear com isso? perguntou, assinalando a adaga que Mary empunhava com gesto ameaador Ter sorte se consegue me ferir, puta. Eu adorarei utilizar essa adaga com voc, assim que lhe tire isso das mos. Sim, ainda no jogamos a isso, verdade, Mary? Sou bom com a faca, realmente bom. Posso atravessar voc de mil formas distintas. No acabarei com voc, obvio, embora duvide de que logo queira se olhar ao espelho. No empregarei esta faca contra voc replicou Mary com surpreendente frieza. Agora que tinha decidido o que tinha que fazer, sentia-se vagamente alheia a toda a tragdia. Logo, logo seria livre livre para sempre da cruel escravido que supunham Hugh e seus sdicos jogos. Sua alma se desprenderia das cadeias e voaria sem travas longe de todas as penalidades terrenas. Seu pai, Edward e seu irmo, seu querido Gordon, estariam esperando-a. Sim, j podia v-los nas sombras que cobriam o lago Ness, danando tristemente sobre as escuras ondas do lago ao compasso da melanclica elegia que cantava o monstro Eu serei a vtima. Prefiro morrer a permitir que me toque de novo. Elevou a faca,

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dirigiu-o para seu peito e apoiou a fina ponta entre seus suaves seios, que subiam e baixavam apressadamente. Hugh respirou fundo; olhava-a como se seus movimentos lhe hipnotizassem. No acredito que seja capaz de faz-lo. Hugh surpreendeu a si mesmo. No queria que morresse. No; preferia que seguisse viva e sofresse. F-lo-ei! Juro-lhe que o farei! Ele endureceu o gesto, mal-humorado, consciente de que a moa falava a srio. No necessita de que cometa o pecado mortal, puta. Ao menos por esta noite, livrou-se de meus brutais cuidados. Sim, a deixarei para que medite sobre sua perfdia. Quer viver como uma freira? Muito bem, viver como tal. Espero que suas oraes lhe provejam de algum sustento, porque eu no penso lhe proporcionar nenhum, a menos que troque de parecer, rameira. E acabar por faz-lo, assim que comece a passar frio e fome. A morte por inanio lenta e desagradvel. Sim, j ver como troca de opinio; ento agradecer que a abrace. Recorrerei a minha faca antes que isso chegue a ocorrer, no o duvide. Seriamente? Bom, j o veremos, puta. A morte to definitiva. Mary. Pense nisso. Sua beleza deixar muito que desejar, quando os vermes acabarem com voc. Dito aquilo, Hugh deu meia volta e a abandonou na escurido da torre. Mary esperou e esperou, mas ele no retornou nem enviou a ningum com o jantar. Quanto tempo? pensou Mary desesperadamente Quanto tempo serei capaz de aguentar, antes que me veja forada a me

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cravar a faca no peito? Oh, meu amor, onde est? Onde est? Fora, nos paramos das Terras Altas, o urze j tinha florescido quase de tudo, e Hunter seguia sem aparecer.

O navio balanava e cabeceava em alto mar a merc das encrespadas ondas. A chuva de uma furiosa tormenta de primavera caa copiosamente sobre a vela e a coberta. As rajadas de gua marcavam um ritmo sinistro nas torcidas lonas, que no deixavam de ondular ao ar, e na madeira, que rangia com o esforo que fazia a embarcao por manter-se a flutuao. As vozes dos marinheiros se perdiam no fragor da tempestade, e os troves que estalavam entre as enormes nuvens que encapotavam o cu. Um relmpago iluminou o navio, despedindo fascas de fogo ftuo por entre os cabos do navio, que foram amarrados aos mastros para segurar as velas em seu lugar. Obstinado ao leme, o capito tratava em vo de manter o rumo. O veleiro no respondia ante aquele implacvel temporal e no demorou a desviar-se novamente de sua rota, aproximando-se das costas da Frana em lugar das da Inglaterra, que era aonde se dirigia a embarcao. No se via nem rastro do navio que a acompanhava. Tambm teria se extraviado? Hunter MacBeth permanecia convexo de barriga para cima em seu beliche com o olhar fixo no teto. Tornamos a perder o rumo. O capito no pode control-lo comentou. Cadman tambm se deu conta de que o navio trocava de direo. No demorar a control-lo de novo replicou o jovem para manter a conversa. No com esta tormenta.

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Fez-se novamente o silncio na escurido da cabine. Embora no fossem marinheiros profissionais, os dois MacBeth eram o

suficientemente sensatos para no acender uma vela, enquanto o navio balanasse a merc das ondas, pois a vela poderia cair ao cho e causar um incndio a bordo. Maldito Jamie murmurou Hunter. Eu que o diga. Esta misso foi pouco mais que uma brincadeira admitiu Cadman J estou farto. Quo nico desejo agora voltar com minha mulher e meus filhos. Eu tambm. Em realidade, o plano se complicou de um princpio. Demoraram vrias semanas em aprovisionar os dois navios e reunir os homens necessrios para a invaso da Inglaterra. O exrcito no era muito numeroso, j que Jamie no desejava comear uma guerra aberta com seu inimigo do sul, a no ser s perseguir o rei Enrique VII. A partida que se fez finalmente ao mar era consciente de que, se era capturada, o mais provvel seria que o rei da Esccia se desentendesse de todo o assunto, deixando-a desse modo a merc da Inglaterra. Obviamente, os homens, que empreenderam a misso bastante desanimados no fizeram a no ser perder a moral medida que transcorriam as semanas. Perkin Warbeck no era s um impostor (algo que, apesar de seus protestos, todos sabiam), mas sim, alm disso, era um marinheiro condenadamente mau. O pretendente ao trono ingls esteve doente a maior parte da viagem e vomitou toda comida que levou a boca. Em definitivo, no fazia mais que causar molstias. Para cmulo, o jovem impostor insistia em que lhe dessem o tratamento de sua majestade, o rei Ricardo III da Inglaterra, apesar de

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que tinha ainda menos direito a fazer uso dele que seu suposto tio, que fora o primeiro em usurp-lo. Hunter no entendia como Kate Gordon podia aguentar aquele desgraado mentiroso que no fazia mais que compadecer de si mesmo. Entretanto, aquilo no parecia importar moa, pois no se separou dele em nenhum momento, ocupou-se de limpar todos seus vmitos e tratou de sossegar seus gemidos com palavras carinhosas. Em maro, descarregou a primeira das chuvas da primavera acompanhada de um vento fortssimo que encrespou o mar e levantou umas ondas to furiosas que sacudiram as embarcaes sem piedade, at lhes fazer perder o rumo, as arrastando virtualmente at Clveris. Depois de pr novamente rumo ao sul, uma das embarcaes se desviou da rota planejada por culpa de um engano de clculo de um marinheiro brio, que se empenhava em ir at Braganza. Ento, o pretendente insistiu em que queria visitar sua tia de Borgoa, e se Hunter no tivesse revogado a ordem firmemente, o capito do navio se veria obrigado a remontar o Sena. Deus santo, v desastre! Hunter tamborilava com os dedos sobre a lateral do beliche em sinal de impacincia. O melhor era retornar. Tinham o vento contra; de fato, tiveram-no desde o comeo. James deveria prever aquilo, deveria consultar seus conselheiros navais, antes de ordenar que os navios se fizessem ao mar. Sim, o melhor seria retornar a Esccia com Mary. Onde estaria agora sua valente e formosa menina? Proteger-na-ia lorde Duncan como prometera? Agora se arrependia de no haver-se animado a pedir a lorde Bothwell que acolhesse Mary, Joanna e os meninos, at sabendo que este se veria obrigado a dizer que no. Oh, Mary, Mary! Inclusive pronunciar seu nome o atormentava. Dia e noite o obcecava

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durante aquela desgraada viagem, lhe enchendo a cabea com lembranas de sua figura. Mary descala entre as urzes dos paramos das Terras Altas, dourados e prpuras como ela, que despediam uma fragrncia to doce como a da moa, antes de dar meia volta, lhe sorrir e correr porta da igreja, onde ele a esperava em sombras para cobri-la entre seus fornidos braos; Mary, galopando para ele pelos campos gelados, coberta de neve e envolta por uma nvoa to cinza como as nuvens que escureciam seu destino cada vez que se separava dele; Mary sentada com gesto orgulhoso no camarote durante o torneio de vero do rei, enquanto seus largos cabelos de ouro ondeavam ao vento em torno de seu esbelto corpo, com a suavidade da carcia de um amante; seus cabelos lhe rodeando o pescoo; seus cabelos amontoados em um cofre aos ps do sulto. Mary dando voltas em atitude desafiante, com olhos cintilantes de desejo, ao compasso da dana de bodas cigana e paquerando com o ltego que ele tinha jogado com mo perita para apanh-la; Mary rindo, enquanto ele fazia ccegas no pescoo, sussurrando seu nome no momento em que ele entrava nela e a elevava ao glorioso topo do xtase e o abandono, e Mary, com o rosto aceso e expresso triunfal no momento de lhe entregar seu filho, Magnus. Meu amor! Tenho-a to presente que quase posso saborear seus lbios escarlates, sentir os sedosos cabelos de sua longussima juba dourada, acariciar sua plida pele acetinada. Oh, meu amor! Hunter desceu de seu beliche de um salto com determinao e saiu disposto a falar com o capito do navio. Uma vez na coberta, quando se encaminhava para a timoneira, onde o capito seguia tratando de corrigir o rumo da embarcao, o fortssimo vento o empurrou e a ponto esteve de o fazer cair. A chuva caa torrencialmente nesse momento.

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D a volta, capito! Ponha direo a Esccia! vociferou Hunter no meio do fragor da tormenta No podemos desembarcar com este tempo e tornamos a perder o rumo. Alm disso, esse estpido capaz de nos levar a Borgoa ou acabar com todos ns antes que cheguemos a nosso destino. D a volta! Mas mas, senhor, o rei Ricardo Maldito seja o rei Ricardo! Voc deve lealdade ao rei da Esccia. Obedea. Do contrrio, juro-lhe que ordenarei que o executem. Eu sou a pessoa encarregada desta misso. Sua majestade me confiou segurana do pretendente. Est claro que no podemos desembarcar. Tentamos duas vezes e no o conseguimos. Temos o vento contra. A misso tem que ser posposta at nova data. D a volta agora mesmo e ponha rumo a casa! Sim, senhor. Como voc deseje, senhor. O capito tragou saliva e desejou no haver embarcado naquela empreitada to ingrata. Hunter avanou como facilmente pde at a amurada e escrutinou a enfurecida massa de gua verde alm da cortina de chuva e bruma que rodeava o navio. Meu amor, volto com voc. Volto para casa. No fim de junho, atracaram em Berwick, na desembocadura do rio Tweed, apesar dos protestos, queixa e ameaas de Perkin Warbeck de denunciar Hunter e Cadman ante o rei por sua inqualificvel conduta. A aquilo MacBeth era indiferente. Quo nico queriam era sair daquele desgraado navio e se afastar do condenado impostor o antes possvel. Berwick no se achava muito longe de Bothwell, a propriedade de Patrick Hepburn, e foi ali aonde se dirigiram assim que desembarcaram seus cavalos. O jovem pretendente animou aos outros a que prosseguissem a travessia at Leith para logo ir a Edimburgo e denunciar os MacBeth ante o rei.

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Esse estpido terminar na torre de Londres murmurou Cadman, assim que saram de Berwick. Acredito que tem toda a razo, irmo respondeu Hunter com um sorriso, face expresso de gravidade de seu olhar. Jamie se zangar seriamente, Hunter. Nosso comportamento com o pretendente e o capito foi um tanto caprichoso. Deus santo! Que assunto mais desagradvel! Oxal tivesse mantido a boca calada em lugar de me unir a seus protestos. No me importa a reao de Jamie. Tenho saudades a minha mulher e meus filhos, e ningum me impedir que os veja. Sim, adiante, irmo. Tambm sinto falta de minha mulher e meus filhos. Quando atravessaram os Montes Cheviot, que separavam a Esccia da Inglaterra, a alvorada j despontava no horizonte. A escarpada silhueta da cordilheira se recortava sobre o cu do amanhecer, que nesse momento apresentava um tom rosa plido tingido de laranja e uma muito leve franja azulada. Ao sul, justo atrs da grande corrente montanhosa, divisava-se Northumberland, propriedade dos poderosos Percy da Inglaterra. A oeste, se vislumbravam os castelos dos Hepburn e os Home, os senhores da fronteira escocesa, capazes de reunir cada um at quatro mil homens tanto a favor como contra a causa do rei, tal como demonstraram na ltima sublevao. Os dois cavalheiros no falaram muito durante a viagem, ambos sumidos em seus pensamentos. No precisavam expressar seus temores com palavras, pois com o passar dos anos chegaram a intimar tanto que o mais frequente era que estivessem de acordo um com o outro.

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Detiveram-se em duas ocasies, uma no caminho para beber gua fresca de um riacho e comer sua rao de po duro, queijo e carne seca que levavam nos alforjes e outra em uma estalagem, onde pernoitaram. Duas criadas que trabalhavam nela se insinuaram com claras intenes de dormir aquela noite ao calor de seus corpos. Ambos rechaaram seu convite, embora Hunter entregasse uns soberanos em lembrana da ocasio em que, por culpa do atraso que sofreu ao entreter-se com uma mulher quando se dirigia a Sterling, viu-se surpreendido por uma tormenta e conheceu Mary em uma humilde cabana. O cavalheiro cigano observou com semblante risonho como as moas olhavam as moedas com estranheza e as mordiam sem acreditar que fossem autnticas. Por que fez isso? perguntou Cadman. Hunter sorriu. Porque em uma ocasio lhe menti. Cadman estava perplexo. Seriamente? Quando? Quando lhe disse h anos que Craigor podia cavalgar mais rpido que o vento. Cadman compreendeu ento a que se referia seu irmo de adoo e esboou um sorriso. D-se conta? Se no chegasse a lhe fazer ccegas na virilha quela moa do botequim, no o pegaria de surpresa aquela tormenta e no teria conhecido Mary. Sim. As voltas que d o destino para trocar o curso de nossas vidas, verdade? Certo respondeu Cadman em voz baixa, pensando em que fora sua sede de vingana o que o permitiu conhecer Joanna.

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Meditabundos, os dois homens apuraram suas cervejas em silncio e se retiraram. manh seguinte, reataram a marcha cedo, de sorte que divisaram o castelo de Bothwell antes que entardecesse. Assim que avistaram a propriedade de Patrick Hepburn, aceleraram o passo. Arrumado a que Patrick se surpreender ao nos ver disse Cadman jovialmente, olhando Hunter com seus brilhantes olhos azuis. Por uma vez, o cavalheiro cigano no correspondeu a seu encantador irmo de adoo com outro sorriso. Duvido de que o conde se encontre no castelo disse sombriamente Jane a quem quero ver. Talvez ela consiga apaziguar seu marido, quando este se inteire de que abandonamos a misso e o navio. Desse modo, possvel que Patrick mantenha acalmado ao Jamie, enquanto eu trato de me inteirar se Mary est definitivamente a salvo de Hugh Carmichael. Hunter, rogo-lhe que no se precipite neste assunto. No prprio de voc atuar com imprudncia. Est casado com uma Carmichael, Cadman, e vive sob o efeito de seu feitio, como eu abaixo do de Mary. No entende acaso como me sinto? Oh, irmo, o que ser o que tm? Amo tanto Mary que acredito que vou perder a razo. Sim, sei a que se refere. Frequentemente me formulo a mesma pergunta, mas no encontro a resposta. Talvez sejam seu amor fiel e constante e seu desejo selvagem e apaixonado. Sim, acredito que uma Carmichael o par adequado para um homem feito. Acredito que tem toda a razo, irmo disse Hunter, no momento em que chegavam s portas do castelo de Bothwell.

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Aos dois cavaleiros lhes conhecia por ser bons amigos de Patrick Hepburn, por isso lhes franqueou a entrada sem maior demora. Quando passaram ao ptio interior, viram que um par de homens de armas estavam explicando os rudimentos do manejo da espada a um grupo de meninos, que atendiam com interesse e gesto emocionado enquanto tratavam de imitar com suas pequenas armas os movimentos que realizavam os cavalheiros. Hunter sorriu ao v-los, lembrando-se de todas as vezes que Geoffrey e Ranald se reuniram com ele para aprender os fundamentos da arte da espada e a faca que ele pudesse lhes ensinar sem exp-los a nenhum perigo. Dois daqueles moos recordaram a seus filhos. Aproximou-se do pequeno grupo de meninos, que no deixavam de rir e gritar. Mas mas se eram Geoffrey e Ranald! Hunter sentiu que encolhia o corao. Ento, no momento em que o maior de seus filhos punha-se a correr para ele proferindo um grito estremecedor, um calafrio premonitrio lhe percorreu todo o corpo. Papai! Oh, papai! Sabia que viria! Sabia! Oh, papai, o tio Hugh matou lorde Duncan e levou mame de Torra nam Sian. Ao ouvir as palavras do pequeno, Hunter acreditou que todo seu mundo desmoronava. Sentiu que revolvia o estmago e se agarrou s rdeas de Craigor. No! No! Aquilo no podia ser certo! Desceu do cavalo e abraou seu filho com fora. Est est seguro, filho? Embora em seu ntimo sabia que dizia a verdade, ainda alimentava a esperana de que o moo pudesse haver-se equivocado. Sim, papai. Oh, papai, tudo minha culpa. A prima J nos levou a Wick em primeiro de maio e no pude proteger mame como voc me disse que fizesse. O tio Hugh apareceu durante nossa ausncia e fez voar o

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castelo com no sei o que. Dickon, um dos homens de lorde Duncan, chama-o plvora negra. Tinha que ter visto o castelo, pai. Foi foi horrvel! Havia sangue e e corpos queimados por toda parte. Revistamos o edifcio, mas no encontramos mame. A prima J reconheceu alguns homens que no estavam muito muito Compreendo-o, filho. Hunter advertiu que ao menino lhe dava asco recordar aquilo Segue. Oh, papai, eram os homens do tio Hugh. Por isso sabemos que foi ele quem raptou a mame. Sinto muito, pai. No pude proteger a mame No sua culpa, filho. No podia fazer nada. Com expresso sombria, Hunter viu que Joanna saa apressadamente do castelo nesse momento. J! Cadman a abraou e a ponto esteve de lhe romper os ossos da emoo Graas a Deus, est viva! Hunter os contemplou e por um terrvel momento desejou que fosse Joanna a cativa do conde de Dndereen. Assim que lhe assaltou semelhante ideia, odiou-se por hav-la tido e se arrependeu de seu egosmo. Joanna adivinhou como devia sentir-se e, depois de desprenderse brandamente de seu marido, aproximou-se dele com passo vacilante e apoiou uma mo em seu brao. Lamento-o, Hunter murmurou, com uma expresso de medo e tristeza em seus grandes olhos castanhos Geoffrey no deveria lhe comunicar a notcia dessa maneira. Oh, se tivesse ido a Wick conosco! Se tivssemos sabido Trouxe os meninos aqui. Escoltaram-nos os homens de lorde Duncan. No sabia que outra coisa podia fazer. Fez o que devia Joanna disse Hunter No sua culpa. O cavalheiro olhou carinhosamente moa por um momento, pois sabia

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que ela tambm queria a Mary. Sob a expresso solene de seu rosto, viase que estava angustiada pela incerteza e o fato de no ser capaz de fazer nada Pelos pregos de Cristo! Leva j dois meses em poder desse filho de cadela! Tem-lhe feito mal? Segue viva? Oh, Joanna, sabe algo sobre minha mulher? Est viva, Hunter, mas muito doente. Jane enviou um mensageiro ao palcio de Holyrood para informar o conde de Bothwell de que tnhamos chegado. O conde viajou a Dndereen assim que pde. Acredito que estava muito afetado por sua separao e a parte que lhe corresponde em todo este assunto. Inteirou-se de que Mary estava meio morta de fome e que Oh, Hunter, o conde diz que que perdeu o julgamento. No! Juro-lhe isso. Por Deus. Hugh Hugh. Oh, Hunter. No sabe o que Hugh Carmichael, o que Sim, Joanna. Sim, sei. Oh, Deus! Mat-lo-ei! Embora seja quo ltimo faa nesta vida, juro que o matarei!

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Captulo 33
Mary tinha a sensao de que o tempo passava muito lentamente. Hugh a encerrou na torre do castelo e no lhe permitia sair nem de dia nem de noite. Os serventes tragaram a farsa de que estava louca e os assustava atend-la ou sequer falar com ela, lhe privando desse modo de qualquer oportunidade de escapar ou conseguir ajuda. Sozinha, isolada do resto do mundo, sem notcias de ningum, sem nenhuma pequena mensagem que a ajudasse a albergar esperanas, aproximava-se, lenta, mas inexoravelmente, morte. A fome j no lhe parecia to insofrvel depois de duas semanas de jejum. A sede, em troca Deus santo, a sede era insofrvel! Tinha a lngua to seca e inflamada que nem podia articular palavra; os lbios tinham inchado e gretado. Sentia-se mais fraca a cada dia que passava. No sabia quanto tempo seria capaz de manter seu marido a distncia. Este a visitava todas as noites e desfrutava vendo-a sofrer, provocando-a, intimidando-a ou tratando de persuadi-la que trocasse de opinio, segundo o humor de que estivesse. Nesses momentos, Mary se limitava a encolher-se em um rinco com a faca apoiada sobre o peito. Tinha os olhos exagerados, como se perdesse o contato com a realidade. S a vaga lembrana de um homem alto e bronzeado que a amou fazia tempo mantinha viva. Sentia-se esgotada pelo esforo que supunha manter-se acordada e descansar s a momentos por medo de que Hugh aparecesse, surpreendesse-a dormida, arrebatasse-lhe a faca das mos e a violasse.

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Poucas vezes fechava os olhos, e quando a fadiga a rendia seu sono se via turbado por um pesadelo premonitrio que se repetia uma e outra vez. O pesadelo era a um tempo semelhante e distinto ao que teve aquela noite do dia do po h j tantos anos. Como naquele, tudo estava s escuras e uma nvoa cinza flutuava ao redor, to densa que impedia a viso. Nesse ponto, acabavam as similitudes, pois nesta ocasio se encontrava na borda do escarpado que dava s encrespadas e pardas guas do lago Ness. Como se de uma serpente gigante se tratasse, o monstro emergia silenciosamente das lgubres profundidades e aparecia entre as brancas ondas. Ento cantava a triste melodia que a moa j ouvira em uma ocasio, um soluo melanclico que ressonava nas sombras da noite. Uns fantasmas danavam sobre o lago ao compasso daquele canto fnebre. Com consternao, reconhecia entre eles seu pai, Edward e Gordon, com o aspecto que tinham ao morrer, ensanguentados e com um rictus de dor. Chamava-lhes, mas eles no a ouviam; talvez nem pudessem v-la. Ela tratava desesperadamente de chegar at eles, mas ento se dava conta de que se encontravam fora de seu alcance. S a moa, Anne MacBeth, aproximava-se dela, flutuando sobre as guas e ajoelhando-se com gesto aflito sobre a areia da borda para dirigir a vista para o recife onde se encontrava Mary, uma solitria sombra sobre o disco prateado da lua cheia, cuja luz se refletia nas lgrimas de gelo que banhavam as bochechas da MacBeth. Ela elevava os braos como se tratasse de lhe comunicar algo, mas no pudesse falar. Parecia assinalar a igreja, a mesma em que Mary e Hunter se amaram. Mary dava meia volta e se encaminhava para a igreja com a vaga esperana de encontrar Hunter aguardando-a na soleira da porta. Entretanto, ali no havia nem rastro dele. Ela seguia andando, e medida

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que avanava sentia cada vez mais medo. Fez-lhe um n na garganta, e o corao pulsava lentamente, mas com fora. Nesse momento, se apoderava dela uma estranha sensao de vazio que revolvia o estmago. Ali, atrs da igreja, em uma pequena parcela cercada que quase nunca visitavam, havia uma tumba. Como enfeitiada, Mary se sentia atrada por aquele tenebroso lugar, presa do terrvel poder que exercia sobre ela. No podia desfazer-se daquela fora irresistvel. Tinha que aproximar-se. Quando chegava, subia ao tmulo e, horrorizada, ficava olhando a laje de granito da tumba. Nesse momento, aparecia a imagem mais macabra do sonho. A lpide no estava gravada. No havia nenhuma palavra inscrita nela que indicasse moa a quem pertencia a tumba. Seria a sua? A de Hunter? Oh, Deus, quem jazia naquele escuro buraco cavado na terra? Ignorava-o. S sabia que esperava a ela. Ento, de repente, a terra se abria e uma ossuda mo surgia da sepultura com o dedo indicador estendido em direo igreja. Sempre era naquele momento, quando Mary, coberta de um suor frio, conseguia escapar das garras do pesadelo, com o corao desbocado como se fosse sair do peito e proferindo alaridos que lhe rasgavam a garganta. O que significava tudo aquilo? Pelos pregos de Cristo, o que significava aquele pesadelo? Vaticinava sua morte? Ou acaso Hunter j tinha morrido em algum longnquo lugar? Qual era o significado daquele terrvel sonho? Oh, Deus, no! No! rogava cada vez que despertava daquele horror Est vivo! Est vivo! Vir me resgatar! Sei que o far!, dizia-se uma e outra vez, tentando que no lhe apagasse sua imagem da memria.

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Entretanto, as urzes cobriam j com seu manto prpura os paramos das Terras Altas, e Hunter seguia sem vir. Magra e abatida, Mary parecia um fantasma de si mesma, um espectro plido que mal deixava entrever a selvagem e esquiva beleza de antigamente. Umas sombras escuras de cor violcea apareceram sob seus olhos. Sabia-se apanhada na torre, condenada. Comeou a temer por sua prudncia, a acreditar que talvez estivesse enlouquecendo realmente. Aquela ideia no fazia mais que alimentar o terror que sentia. Era uma linha to fina, um fio to frgil o que separava a realidade da soleira da demncia Hugh j obteve no passado que atravessasse aquela fronteira, atormentando-a at obrig-la a sumir em um negro abismo de que chegou a pensar que no haveria escapatria. Teria tornado a conseguir? Oh, Virgem Santa! Eram seus pesadelos meros sonhos? No seriam alucinaes? Um dia abriu a boca e se deu conta de que no podia falar. No conseguia articular palavra, nem emitir um leve grito. O pnico se apoderou dela. Ento recordou que levava mais de duas semanas sem beber nada nem falar com ningum, sequer com um servente. A nica pessoa que se aproximava de sua ttrica cmara era Hugh, que se dedicava a olh-la fixamente e a mofar-se dela. Tratava de incit-la lhe fazendo perversas insinuaes, mas ambos sabiam que no se atreveria s levar a cabo, enquanto se interpunha entre eles a adaga que Mary sustentava na mo. A crueldade de Hugh era tal que chegava a jantar a poucos metros de distncia do rinco onde Mary se encolhia tremente, faminta, meio morta de sede. Ele, fingindo descuido, derramava o vinho pelo cho e ria enquanto o lquido corria sobre as pedras como se fosse sangue.

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Mary nunca lhe deu o gosto de responder a suas provocaes ou lhe deixar ver que sua firmeza fraquejava. Limitava-se a olh-lo de marco a marco at que o homem partia, momento em que ela se desabava com a sensao de que o anjo da morte se abatia sobre ela. Quanto tempo poderia aguentar? Quanto demoraria a converter-se em verdades as mentiras que Hugh contava sobre sua loucura? Mary tratava de cantar em um esforo por recuperar a voz, mas as cordas vocais se negavam a reagir. Contudo, ela continuava ouvindo uma triste melodia no interior de sua mente, como se algum a cantarolasse ao ouvido. No demorou em compreender que aquela estranha cano era em realidade a melanclica elegia, o choro fnebre que o monstro entoava em seus sonhos. Ao precaver-se disso, Mary se sentiu atendida pelo terror e ps-se a chorar amargamente. Naquelas condies, a encontrou Patrick Hepburn, quando, depois de receber a mensagem urgente de sua esposa e lutar vrios dias com sua prpria conscincia, apresentou-se por fim em Dndereen e, ignorando os protestos de Hugh com gesto de impacincia, exigiu-lhe que lhe permitisse entrar imediatamente na torre em que encerrou Mary. No trate de me intimidar nem de tomar por tolo, senhor disse nitidamente lorde Bothwell ao arrogante conde de Dndereen com um frio olhar No sou estpido, e suas ameaas no me impressionam absolutamente. Leve-me aos aposentos de lady Mary ou do contrrio lhe juro que no demorar a ter ms notcias. No esquea que sou uma pessoa muito prxima ao rei, senhor conde, muito prxima! Quando Patrick viu por fim ao plido fantasma de Mary Carmichael, lhe encolheu o corao. Hunter MacBeth no o enganara ao descrever Hugh. Se pudesse, eu mesmo mataria o conde pensou enquanto ajudava

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Mary a ficar em p Nem me reconhece. A moa piscou levemente e fez um fraco e infrutfero esforo por livrar-se dele, sacudindo os braos e procurando desesperadamente a adaga, que caiu ao levantar-se. Lady Mary? Lady Mary? Sou eu, Patrick Hepburn. Compreende o que lhe digo? No tem nada a temer de mim. A moa ficou quieta. O conde de Bothwell temeu que sofresse um desmaio, mas em seguida advertiu que a moa estava esperando a que lhe acostumassem os olhos luz. Qual no seria sua consternao, quando compreendeu que a mantinham s escuras durante todo o cativeiro. Se no fosse pela estreita ranhura a que se reduzia a nica janela da estadia, nada iluminaria os terrveis dias que passou encerrada. O conde sacudiu Mary com suavidade e disse: Lady Mary. Quanto tempo faz que no come ou bebe? Pode me responder? Ela o olhou com os olhos exagerados, com aquelas ametistas que ele no duvidaria em reclamar, com aqueles remansos de cor violeta em que teria se afogado de boa vontade. De repente, compreendia por que Hunter a amava tanto. Era pelos olhos; cativantes, selvagens, formosos Eram os malditos olhos Carmichael. Um homem podia enlouquecer com apenas olh-los. Mary fez um esforo por falar, mas mal conseguiu emitir um muito leve grunhido, um som spero e ininteligvel. gua! pediu lorde Bothwell gua! Aproximou-lhe uma taa aos lbios e a ajudou a levantar a cabea para que pudesse beber; estava to fraca que nem era capaz de fazer aquilo sem ajuda.

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Pouco a pouco, lady Mary, pouco a pouco ou lhe sentar mal disse o conde com amabilidade. Lorde Bothwell? conseguiu dizer. Parecia hav-lo reconhecido por fim Oh, lorde Bothwell. Onde est? Por que no veio? A moa ps-se a chorar desconsoladamente e lhe abraou. O conde a estreitou contra o peito e lhe acariciou o cabelo para reconfort-la. Tranquilize-se, lady Mary. Esteve doente e agora deve recuperar-se. Vim para me assegurar de que assim seja. De algum modo, ela pareceu compreender o que o conde lhe dizia e procurou acalmar-se. Sim. Estive doente. De repente, se separou dele assustada; Hugh se achava na soleira da porta. Patrick advertiu a expresso de terror da moa e se voltou airadamente para Hugh. esta a maneira em que cuidou de sua esposa doente? Encerrando-a em uma cmara s escuras? Deixando que morra de inanio? Negando-se a apagar sua sede? Meu Deus deveria mandar que o aoitassem por isso. Fora daqui! Fora de minha vista! Vou tirar lady Mary daqui. Quero que lhe prepare outra cmara imediatamente. Pelos pregos de Cristo! Juro-lhe, senhor conde, que sua majestade se inteirar disto! Advirto-o; espero que de agora em diante dispense a sua esposa o trato que merece; do contrrio, senhor conde, juro-lhe que ser voc quem termina doente. Deus santo, nem um animal selvagem merece algo assim. Hugh ordenou que se arrumasse uma cmara no segundo andar da torre, pois o segundo homem mais poderoso de toda Esccia lhe infundia

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verdadeiro temor. S Deus saberia o que lorde Bothwell se propunha fazer com ele. Alm disso, era certo que o rei escutaria atentamente o que o conde pudesse dizer sobre ele. Maldita Mary! A muito puta! A rameira! Deveria hav-la matado em Torra nam Sian. Outra vez ia escapar de suas mos. Patrick conduziu Mary outra cmara e a estendeu na cama. Descanse, lady Mary sussurrou Descanse e reponha-se logo. Mary abriu os olhos atemorizada e se aferrou a ele No, no a deixarei sozinha; o prometo disse firmemente tratando de acalm-la. Agora que por fim se achava a salvo, Mary pde dormir e no despertou at passados vrios dias, no transcurso dos quais gritou em vrias, ocasies devido ao estado delirante em que a tinha sumido o horripilante fechamento. O aflito conde de Bothwell no deixou de observ-la em nenhum momento e mandou uma mensagem a sua esposa para inform-la de que Mary Carmichael estava perturbada, porque seu marido a torturou at extremos insuportveis e que no sabia se sobreviveria. Jane e Joanna leram triste noticia e choraram por sua amiga. Quando Mary despertou, Patrick se encontrava ainda ao seu lado. Esboando tremulamente um tmido sorriso, disse: Temo que fui uma verdadeira carga para voc, lorde Bothwell. No, Mary disse ele com amabilidade, aliviado ao apreciar um espiono de prudncia no olhar da moa Deveria vir antes, pois em parte eu sou o culpado de que teve que se separar de seu cavalheiro. a Jane a quem tem que agradecer minha presena aqui, porque foi ela que me comunicou que se encontrava nesta situao.

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Jane sempre se levou comigo como uma verdadeira amiga, lorde Bothwell. Mary se interrompeu por um momento e logo perguntou Encontram-se bem Joanna e os meninos? Sim, esto sos e salvos em Bothwell. Esteja tranquila; no revelei a Hugh a verdade sobre seus filhos. Agradeo, lorde Bothwell. Mary comeou a tomar mantimentos; primeiro, caldos e, logo, medida que cobrava foras, comidas mais consistentes. Ao cabo de uns dias j se sentia melhor. Patrick no se separava dela em nenhum momento e ordenou a um de seus homens que provasse a comida antes de entregar-lhe por quanto considerava o conde de Dndereen muito capaz de envenenar tanto a sua prpria esposa como a um homem do rei. Quando Mary se sentiu com foras suficientes, lorde Bothwell comeou a tir-la para passear as muralhas, de onde ela escrutinava o horizonte em busca de algum sinal de Hunter. Entretanto, seguia sem haver nem rastro dele. J ver como vem, lady Mary. Patrick, a diferena da moa, estava completamente seguro disso. No desconfiarei dele se repetia uma e outra vez J o fiz em uma ocasio e a ponto estivemos de morrer os dois. No voltarei a desconfiar dele. Vir. Prometeu-me isso. Quando a urze floresa e cubra com seu manto prpura os paramos das Terras Altas, disse-me. De maneira que ela contemplava os brejos, dourados e violetas em pleno vero, e embora no perdia a esperana, a angstia embargava seu corao. Patrick enviou uma nova mensagem a sua esposa para lhe comunicar a melhora de Mary. Entretanto, Hugh, temeroso de que lorde Bothwell

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quisesse informar o rei do trato que dispensara a sua esposa, ordenou a um homem, Leslie, que seguisse o pajem, de forma que o destino deste acabou sendo uma sarjeta no meio do bosque em lugar do castelo das terras da fronteira ao que se dirigia. Um dia, Mary convenceu Patrick de que a acompanhasse em um passeio a cavalo. Cavalgaram pelo campo, acariciados pelo vento, em que flutuava a limpa e fresca fragrncia do vero. No se afastaram muito, pois Mary no se recuperara de tudo e em seguida se cansava. A moa retornou ao castelo a contra gosto, j que tinha se acordado da igreja e estava convencida de que seria nela onde encontraria a resposta ao enigma que lhe exps o pesadelo. A partir desse momento, no perdeu ocasio para pedir a lorde Bothwell que a acompanhasse a Mheadhoin at que finalmente este acessou a ir uma tarde, apesar que a ideia no o convencia muito. Mary tinha os olhos excessivamente brilhantes e o rosto aceso como se tivesse febre, quando saram em direo s calcinadas runas da aldeia. Por um momento, lorde Bothwell recordou a histria da praga que aoitara o lugar, a peste negra, e se perguntou se Mary no teria contrado a enfermidade, pois lhe havia dito que visitara a aldeia em muitas ocasies. Olhou-a e viu que estava tremendo. Em seguida, suspirou aliviado; a moa estava fatigada e profundamente emocionada, mas absolutamente doente. Patrick Hepburn era de natureza reservada e no acostumava bisbilhotar nos assuntos alheios a menos que animasse a isso algo concreto, pelo geral, algo relacionado com a poltica escocesa. E estava seguro de que Mary no estava envolvida em nenhuma intriga, exceo da estranha lenda, da qual lhe falou uma noite.

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Chegaram ao escarpado depois de umas poucas horas de marcha tranquila. Detiveram-se ante o lago Ness, cujas azuis guas cintilavam luz do sol. No oferecia absolutamente o aspecto ameaador de outras ocasies. Lorde Bothwell sorriu. Supunha que teria um aspecto mais imponente depois de ouvir as histrias que se contam sobre ele nas terras da fronteira. certo que um pequeno animal vive sob as ondas? Mary lhe respondeu com gravidade, e Patrick compreendeu que o grande lago Ness no era um assunto sobre o que brincassem os habitantes das Terras Altas. O conde de Bothwell ficou respeitosamente srio. Sim, um monstro mora no fundo do lago explicou a moa mas no nenhum pequeno animal, lorde Bothwell. Eu o vi. Em uma ocasio, h muitos anos, surpreendeu-me uma tormenta no momento em que saa de Mheadhoin e vi como surgia dentre o encrespado fluxo do lago. Aquele dia no estava em calma nem tinha a cor azul que vemos hoje; suas guas se enfureceram e se tornaram pardas pela fria da tempestade. O monstro era era gigantesco e negro como um mundo sem sol. A cabea e o pescoo pareciam uma serpente larga e magra que queria desenroscar-se e ficar em posio horizontal. O corpo, em troca, era uma massa enorme e arredondada, como uma corcunda. Ento comeou a gemer, a cantar uma espcie de choro, uma melodia triste que ressonou misteriosamente por todo o lago levado pelo vento impetuoso. Diz-se que, enquanto se continue assassinando nas Terras Altas, o monstro seguir cantando seu queixoso lamento por quem sofreu uma morte violenta entre ns. Talvez nunca volte a descansar.

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Mary estremeceu. Patrick Hepburn se deu conta de que, face luminosa e clida tarde ele tambm tremia. No mais que uma lenda disse o conde em uma tentativa por livrar-se da estranha sensao que lhe tinha invadido. Sim, mas eu o vi insistiu ela E mais de um pobre habitante das Terras Altas acabou com seus ossos na mida tumba do lago Ness. Ento se voltou para a igreja e, com um n na garganta, disse espere-me aqui, lorde Bothwell. Quero ir sozinha. Ele assentiu com a cabea e dirigiu o olhar discretamente para o lago Ness, enquanto a moa montava Desmond e se afastava. Lorde Bothwell se perguntou por que aquela nuvem cinza teria elegido esse preciso momento para passar diante do sol. Desmond subiu cautelosamente a pequena colina sobre a qual se elevava a igreja com a cpula rematada em cruz. Aquele dia, no oferecia o ar idlio do lago, mas sim apresentava um aspecto, mas bem ameaador e sombrio. Embora no se tratava de um edifcio de grande tamanho, o templo fora construdo com o mesmo tipo de granito cinza que se utilizou em Bailekair, por isso resultava igualmente imponente sob o cu azul. Os dourados raios do sol caam sobre as vidraas que ainda sobreviviam, atravessavam os cristais formando um arco-ris deslumbrante, e como se fossem dois apanharam Mary com sua luz. A impresso que teve a moa foi de frieza, no alegre e acolhedora como a que tinha cada vez que se reuniu com Hunter na soleira daquela porta. Mary estremeceu. Deteve Desmond e desmontou. Era aquele realmente o lugar em que fez amor com o cavalheiro cigano? Oh, Hunter, onde est agora, meu amor? Por que no retornou comigo como me prometeu? esta a sensao que o invadia h tantos anos cada vez que vinha a este lugar para me esperar e

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eu no aparecia? Era desespero o que sentia? Era dor? Era a mesma saudade que hoje sinto por voc? A moa duvidou em entrar na igreja em um primeiro momento. Poderia suportar a dor que sabia que torturaria todo seu ser quando entrasse na capela e visse que Hunter no se encontrava nela? Mary rodeou lentamente a igreja, dirigiu-se parcela cercada que havia atrs e abriu a porta de ferro forjado. Ento ficou aterrada. A tumba estava ali, tal como a viu em seu sonho. Perguntou-se por que nunca se fixou nela. O tmulo estava cheio de ervas daninhas e flores silvestres que a brisa balanava brandamente; a lpide, que se erguia na cabeceira da tumba, estava muito erodida; a ao do tempo e os elementos a deixaram reduzida a uma simples pedra de forma desigual. Atrada pela laje de granito, aproximou-se dela como se estivesse hipnotizada. Igual no sonho carecia de inscrio, ou ao menos isso foi o que pareceu em um primeiro momento, porque quando se aproximou mais distinguiu umas leves marcas. No eram muito profundas; parecia que as gravaram uma pessoa anci ou de escassa fora. Dir-se-ia, de fato, que era produto da ponta de uma faca e no de um cinzel. Mary se ajoelhou ante a tumba e tratou de ler as marcas. No parecia que fossem palavras, mas sim formavam uma espcie de flecha. Sim, era uma flecha; no havia mais que uma flecha que apontava igreja da mesma maneira que fez a mo em seu sonho. Fosse o que fosse o que Mary tinha que encontrar, no se achava na tumba, a no ser na igreja. Levantou-se e sacudiu as mos e os joelhos com o alvio de saber que nem ela nem Hunter estavam destinados a jazer naquela sepultura. Disso ao menos estava segura; a eroso da laje evidenciava que a tumba no era recente.

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Encaminhou-se para a igreja. Tenha f e no fracassar. Tenha f e no fracassar. Respirou fundo, fez proviso de valor e entrou no templo. Estava em pior estado que nunca, como se a pouca esperana que o recinto pudesse abrigar em sua prpria existncia se desvaneceu, quando os amantes cessaram de refugiar-se sob seu teto. Vrios pssaros construram seus ninhos nos caibros de madeira. Em diversos lugares, as aranhas teceram seus tecidos, com formas intrincadas e de grande beleza, embora no por isso deixavam de ser mortferas para os incautos insetos que se aventurassem entre seus sedosos fios. Nas vidraas,

desapareceram algumas peas mais, e em seu lugar havia agora uns enormes buracos negros que contrastavam com os iluminados cristais vermelhos, verdes, azuis e prpuras que ainda se mantinham em seu lugar. O caruncho afetara uns quantos bancos mais, e as formigas e os vermes estavam rematando a tarefa. Sobre o presbitrio ainda se via um pequeno monto de cinza, lembrana de uma das fogueiras que Hunter tinha acendido para que esquentasse aos dois. moa, encolheu o corao. Sem saber exatamente o que estava procurando, Mary se agachou para olhar sob as pranchas de carvalho do cho. Algumas estavam torcidas, por isso no lhe resultou difcil levant-las; outras, podres, esmiuavam-se assim que as tocava. Em vrias ocasies, cravou os dedos com as lascas. Havia partes do cho cujas pranchas desapareceram por completo. Mary dedicou uma hora longa busca, sujando-se e desesperando-se mais e mais, medida que passava o tempo. Enquanto isso, Patrick aguardava no escarpado. Era um homem paciente. As intrigas que viveu o ensinaram a s-lo, e isso o permitiu manter-se no poder, enquanto que os mais ousados ou ambiciosos eram marginados. Sua nica preocupao

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nesse momento era que Mary se fatigasse e sofresse uma recada, por isso, embora no a insistisse a voltar, sim a chamava de vez em quando, para assegurar-se de que se encontrava bem. s vezes olhava com ar risonho os homens de Hugh, que aguardavam certa distncia com atitude vigilante para assegurar-se de que lorde Bothwell no planejava escapar com a condessa de Dndereen. Mary no encontrou nada sob as maltratadas pranchas do cho exceo de terra e os alicerces de pedra do edifcio. Cansada e desanimada, pensando que talvez tivesse enlouquecido de verdade, saiu da igreja, ao ver que as sombras se alargavam no interior do templo. O dia chegava a seu fim. Sentia-se to decepcionada que arrasaram os olhos em lgrimas, o que no passou inadvertido a lorde Bothwell. Seja o que seja o que esteja procurando, j o encontrar, lady Mary. Retornaremos amanh. Ao dia seguinte, Mary chegou algo mais cedo e comeou a esquadrinhar as paredes. Golpeou cada pedra de granito com um canto, aguando o ouvido espera que algum ponto soasse a oco e lhe indicasse um bloco falso. Entretanto, tambm aquilo resultou infrutfero. Quando retornaram a Dndereen aquela noite, um mensageiro do rei estava esperando lorde Bothwell. Patrick leu o pergaminho em silncio, voltou a enrol-lo e disse ao pajem que descesse ao salo principal para jantar com seus homens. Mantenha-se afastado dos homens do conde. Coma com os meus, que o protegero lhe advertiu, lhe entregando um soberano. Obrigado, senhor. O pajem se inclinou cortesmente. uma m notcia? perguntou Mary assim que o mensageiro se retirou.

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Lorde Bothwell deixou escapar um suspiro. Suponho que depende do ponto de vista. Olhou-a com semblante grave Hunter e Cadman decidiram abandonar a misso que devia os levar at a Inglaterra e desembarcaram em Berwick. Tenho que voltar ao palcio agora mesmo. A Mary saltava o corao. Em um princpio se sentiu esperanosa, mas em seguida lhe invadiu o temor. Ento possvel que Hunter se encontre agora mesmo de caminho para aqui disse, levando a mo ao peito. Isso acredito respondeu Patrick Oh, lady Mary, espero que no cometa nenhuma imprudncia. Est profundamente apaixonado por voc e com seus atos est arriscando-se a provocar a ira do rei. Oh, lorde Bothwell, no me deixe ainda. No no compreende que agora mais necessrio que alguma vez que ache a resposta ao enigma da lenda? Pense alm que, se partir, encontrar-me-ei de novo a merc de Hugh. No tema. Acredito que deixei suficientemente claro ao conde de Dndereen que sua vida depende da sua, lady Mary. Lamento que no possa me acompanhar. Devo obedecer a sua majestade. Oh, Patrick, por favor. Certamente o rei no demorar a esquecer seu aborrecimento e perdoar meu querido cavalheiro cigano. D ao Hunter um dia mais para chegar aqui E o que ocorrer, quando chegar? Hunter no tem nenhuma possibilidade de liber-la. Lutar sozinho contra quinhentos homens. Por essa razo, devo encontrar a chave que me permita limpar o enigma da maldio. Poderia ser a resposta ao futuro de Hunter e ao meu. OH, Patrick, por favor!

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Lorde Bothwell meditou durante uns minutos e logo sorriu. De acordo. Nunca pude me negar s splicas de uma moa bonita. Mas s um dia, recorde. Logo partirei. Ao dia seguinte, Mary registrou o presbitrio, que at esse momento evitava por ser o ninho de amor que compartilhara com Hunter. As lembranas que lhe evocava eram muito intensas e vvidas para ser esquecidos ou rememorados com uma alegria completamente isenta de tristeza. Os painis dos muros que rodeavam o altar estavam antigamente cheios com umas pinturas preciosas, de vivas cores e complexa composio, que representavam a vida de Jesus cristo. A maior parte das cores se apagou com o passar dos anos, e algumas pinturas estavam gretadas e inclusive descascadas. Entretanto, aquelas partes que sobreviveram ao embate do tempo estavam muito belas. Mary retrocedeu para observ-las com ateno e se perguntou quem seria a pessoa que investira as muitas horas que devia haver levado figurar a dramtica vida do Salvador da igreja naqueles grandes painis. Ao cabo de vrias horas, o desnimo j se apoderou dela. Entretanto, quando se dispunha a sair, deu um golpe a um dos painis que, a diferena dos outros, soou surdo. Observou distraidamente que a imagem representava o nascimento de Cristo. Os Reis Magos estavam ajoelhados ante o menino. Ento se fixou em um pequeno cofre adornado com joias que descansava aos ps de um deles. Ali, dissimulado engenhosamente entre os desenhos do cofre, distinguiu o olho de uma fechadura. Tenha f e no fracassar. Tremendo de emoo, Mary puxou com impacincia a pesada corrente de ouro que Ashiyah lhe entregou. Enredou-se com a do medalho que Hunter lhe dera num longnquo Natal

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naquela mesma igreja. Que ironia. Parecia obra do destino. Introduziu ento a chave maior que pendia da corrente no olho da fechadura. Encaixava perfeitamente. Mary a girou e uma pequena porta se abriu no muro. Depois dela havia uma despensa que em seu momento fora utilizada para custodiar as hstias para a missa. Agora, em troca, guardava um pequeno cofre adornado com joias, muito semelhante ao da pintura. A moa o extraiu cuidadosamente e, com o corao acelerado e mordendo o lbio pela incerteza, colocou-o sobre o altar. Agarrou ento a chave menor, introduziu-a na fechadura do cofre e a girou. A tampa se abriu e deixou ao descoberto trs cilindros de pergaminho velho a ponto de esmiuar-se. Contendo a respirao, tomou os pergaminhos com suma delicadeza e, temendo que se desintegrassem em suas mos, desenrolouos e comeou a l-los. Lgrimas de alegria e tristeza rodaram por suas bochechas. Ao cabo de uns minutos, Mary j sabia a quem pertencia tumba que havia fora da igreja e a soluo ao enigma da maldio. Ao longe, nas colinas das Terras Altas, um gato monts soltou um uivo.

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Captulo 34
Mary enrolou os pergaminhos com supremo cuidado, depositou-os no cofre, fechou a tampa e jogou a chave. Frentica, saiu da igreja com o cofre nas mos, consciente de que nas Terras Altas havia pessoas dispostas a matar por seu contedo. A quem poderia confiar a informao que levava consigo? A Patrick Hepburn? Lorde Bothwell era um homem leal ao rei e no duvidaria em romper a tampa se julgasse que a paz da Esccia estava em jogo; alm disso, assim que lesse os pergaminhos, comunicaria a Jamie seu contedo, e ainda no chegara o momento adequado para isso O que podia fazer? No podia recorrer a ningum mais nem arriscar-se a que o cofre acabasse nas mos de Hugh Carmichael. No queria nem imaginar as repercusses se aquilo chegava a produzir-se. Mary montou Desmond e voltou lentamente para o lugar onde a esperava Patrick Hepburn. Tinha decidido confiar nele. Lorde Bothwell disse com voz baixa Tratou-me com uma grande amabilidade durante as ltimas semanas. Estou convencida de que, se no fosse por voc, perderia a prudncia e a vida. Sei que tenho uma grande dvida com voc; mesmo assim devo lhe pedir que me faa outro favor. Encontrou o que estava procurando. Era uma afirmao Em tal caso, no desperdicei o dia, e a ira do rei ser mais fcil de suportar. Digame o que deseja lady Mary. Lorde Bothwell observava o cofre que Mary sustentava nas mos, perguntando-se o que continha. A moa advertiu o olhar de curiosidade do conde.

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Lorde Bothwell, dou-lhe minha palavra de que o contedo deste cofre no afeta absolutamente ao bem da Esccia. Agora deve voc me dar a sua de que no tentar apropriar-se dele; pode me dar isso, lorde Bothwell? Ele a olhou com frieza por um momento. Mary teve a impresso de que lhe penetrava a alma com os olhos, enquanto considerava se podia acredit-la. Tremeu levemente, compreendendo por que era um homem to poderoso. Era como se pudesse lhe arrancar quo segredos escondia nas curvas mais ocultas de sua mente. No se estranhava que nenhum prisioneiro fosse capaz de resistir muito tempo sem proporcionar ao conde a informao que desejasse. Por fim, Patrick assentiu com a cabea. De acordo, lady Mary, dou-lhe minha palavra. Que deseja que faa com o cofre? Quero que o leve com voc, quando partir, e o ponha bem guardado, lorde Bothwell. Proteja-o com sua prpria vida, pois guarda algo precioso para mim. J o avisarei, quando chegar o momento de abri-lo e revelar seu contedo. Espero me encontrar presente, quando chegar esse momento, lady Mary. O conde arqueou uma sobrancelha com gesto interrogativo. Lorde Bothwell, se fizer isto por mim, prometo-lhe que assim ser. Muito bem. Dou-lhe minha palavra de que no revelarei seu segredo. Entretanto, quando ao anoitecer Mary apareceu a uma das achatadas torres de Dndereen e viu como lorde Bothwell se afastava, sentiu-se mais necessitada e impotente que nunca e rezou para que no cometesse um engano, ao permitir que partisse.

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Hunter MacBeth contemplou o plido castelo que se elevava ao longe. A fortificao em meio das urzes que cobriam os infinitos paramos das Terras Altas aparecia como uma galinha em um ninho. Ah, meu amor. No faltei a minha palavra. Vim quando a urze, sua doce fragrncia, ainda segue em flor. Mantive minha promessa. Cadman, que se encontrava a seu lado, olhou-o com semblante sombrio. Hunter, est louco, seriamente. Rogo-lhe que no o faa suplicou o jovem tal como fizera durante as duas ltimas semanas. Sabia, entretanto, que suas palavras de nada serviam, pois Hunter estava decidido. Cadman voltou a recordar o arrepiante juramento pelo que seu irmo de adoo trataria de levar a cabo aquele desatinado plano: Matlo-ei! Embora seja quo ltimo faa nesta vida, juro que o matarei! No tenho alternativa disse o cavalheiro cigano com expresso severa Sou um exilado de meu cl e no conto com um exrcito ao que possa mobilizar para tomar vingana. Jurei matar Hugh Carmichael e liberar Mary de uma vez por todas. Trata-se de um juramento sagrado que fiz a minha amada, de modo que devo cumpri-lo, sejam quais sejam as consequncias para mim. E devo faz-lo sozinho, irmo. Mat-lo-o, Hunter! No h nenhuma possibilidade de que saia vivo do castelo! Sei, mas tenho que resgatar Mary s e salva, seja da maneira que seja. Conformo-me conseguindo isso. Diga-lhe Por um momento lhe quebrou a voz, mas em seguida recuperou a calma diga-lhe que a quero, que a quero mais que a minha prpria vida Sem acabar a frase, esporeou Craigor e atravessou a galope os violetas e dourados urzes em busca da mulher que tinha gravado sua marca na

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boca e exigido que lhe entregasse seu apaixonado corao para sempre. Oh, Deus, me d foras rezou Hunter Faa com que o brao com que empunharei minha espada no fraqueje ante a Hugh Carmichael. No peo nada para mim, Senhor, a no ser para Mary. Mary! Oh, Mary! Sua formosa e valente Mary. Para ele, no havia nada mais que ela. Era dela, s dela, at que a morte os separasse. E a morte, disse-se, separ-los-ia esse mesmo dia. Cavalgou at o restelo de Dndereen, sabendo, por muito que lhe pesasse no corao, que no sairia com vida de suas muralhas. Morro por voc, Mary. Por voc, daria minha vida mil vezes se pudesse. Oh, meu amor, me perdoe, pois ter que compor isso sem mim. Devo a liberar para que siga vivendo, para que cuide de nossos filhos e faa homens deles, para que lhes ensine aquelas coisas que eu valorei na vida. Quero-a! Quero-a! Voc quo nico existe para mim. Das ameias do castelo, Mary o viu chegar. E seu corao saltou de alegria como ela jamais o tivesse acreditado possvel, para encolher-se a seguir assim que se deu conta de que estava sozinho e compreendeu o que se propunha. Patrick Hepburn tinha acertado com exatido qual seria o comportamento de Hunter. Oh, no! Meu Deus, no! exclamou correndo para a torre e caindo pela levantada escada de caracol com a pressa. Tinha que impedir que cometesse aquela loucura. Mat-lo-o. Oh, Deus, mat-lo-o e no servir de nada, pois eu no posso viver sem ele. Oh, meu amor, por que est cometendo esta loucura? Mary chegou muito tarde. Hunter j exigia que abrissem as portas do castelo. Os homens de Hugh ficaram to impressionados com o imprudente e arrogante comportamento do cavalheiro que o permitiram passar. Hunter esporeou Craigor e assim que teve atravessado a entrada,

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desmontou e com passo resolvido se dirigiu para a torre principal, enquanto os Carmichael se aproximavam dele cautelosamente. Com um n na garganta, Mary abriu caminho a cotoveladas entre os homens, proferindo maldies e os golpeando, quando tentavam det-la. Por fim, chegou junto a seu amado, indiferente ao feito de que com essa atitude to amalucada e temerria se condenava mesma sorte que ele corresse. Volte! advertiu Hunter com voz rouca. Jamais esteve to assustado em toda sua vida Volte! Mas ela no fez conta. Hunter! Hunter! exclamou jogando-se em seus braos, chorando, soluando, lhe rogando que fugisse, que tratasse de escapar antes que fosse muito tarde. Ele a abraou ardentemente, apanhando por um momento por sua dourada juba para acariciar-lhe a seguir e lhe sussurrar umas palavras ao ouvido. Ento, depois de enxugar as lgrimas de seus enormes olhos violetas, beijou-a com ternura nos lbios trmulos de amor e medo. Est bem? Sim. Lorde Bothwell veio e me salvou. Oh, Mary, minha tigresa, minha formosa e valente moa. No valho tanto para que d sua vida por mim. No necessitava de que se sacrificasse. Por que no esperou a que a liberasse? Por que desceu? Oh, Deus, meu amor! Agora mataro os dois! Oh, querida minha, minha bela donzela de ouro, meu louco amor. Por qu? Por qu? Jamais lhe pedirira que fizesse isto. Cale! Cale! disse ela sorrindo e lhe acariciando a rosto com dedos carinhosos e convulsos, como se se achassem sozinhos no salo principal de Dndereen Cr seriamente que poderia deixar voc morrer sozinho?

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Oh, minha vida, quero-o tanto que vou enlouquecer. No tenho medo afirmou erguendo-se orgulhosamente Seguirei voc aonde voc v. H, h Isto do mais comovedor disse o conde de Dndereen, enquanto baixava lenta e petulantemente pelas escadas procedente das cmaras superiores Ia perguntar a que se deve um um prazer to inesperado como este, mas j vejo que no necessita. Bem, agora compreendo a que se deve seu apaixonado interesse por esta rameira, senhor MacBeth. Foram amantes desde o comeo! exclamou com uma careta de raiva. Pelos pregos de Cristo. Este homem deve estar louco ou um verdadeiro estpido para vir aqui sozinho. Hugh Carmichael se aproximou de Hunter MacBeth sigilosamente, como se fosse um animal enjaulado que procurasse o momento adequado para equilibrar-se sobre seu guardio. Os dois homens se olharam de marco a marco, calibrandose mutuamente. Sim, a mim a quem ama disse Hunter com voz baixa Sempre me amou. Realmente pensava que poderia me esquecer dela? Amor! exclamou Hugh em tom de mofa O amor um ideal prprio de estpidos. J o disse a Mary em uma ocasio. Voc, senhor MacBeth, um estpido dos ps cabea. Bem, filho de cadela, espero que Mary se comporte na cama melhor com voc que comigo, porque se no, no entendo por que se arriscou a apresentar-se aqui disse burlonamente com um sorriso perverso Que espera conseguir vindo aqui? Hunter esboou a sua vez um sorriso zombador. Liberar minha amada de um porco que abusou dela da maneira mais vil possvel. voc pior que um animal, Hugh Carmichael, e no merece o

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qualificativo de homem. Ser um verdadeiro prazer para mim degol-lo como o porco que . Venha, comecemos de uma vez, bastardo. At seu aroma me produz nuseas. A Hugh, acendeu o rosto de ira pelos insultos. Tanta pressa tem em morrer, filho de cadela? grunhiu E voc, Mary? Voc, puta mentirosa, tem vontade de ver como morre seu amante? Acabarei com ele muito lentamente, prometo-lhe isso, para que veja como sofre e sem que possa fazer nada para impedi-lo. E talvez, enquanto agoniza, enquanto sangra, aproveite para lhe inchar a tripa com outro mucoso. Mary no se arredou ao ver de novo seu impudico sorriso. Hunter lhe tinha infundido foras. Dar-me voc um filho, Hugh? disse com desprezo H! No sabia que era capaz de algo semelhante. Ranald no seu filho, para que saiba. Passou um tempo antes que o significado de tais palavras sortisse o devido efeito. O menino filho bastardo desse MacBeth e est vivo! exclamou Hugh de repente. Desenquadrado, soltou um alarido e deu em Mary uma cruel bofetada que a mandou dando voltas ao cho. Aquilo foi gota que encheu o copo para Hunter. Sua fria no conhecia limites nesse momento. Cego de ira equilibrou-se sobre Hugh e lhe agarrou brutalmente pelo pescoo com inteno de estrangul-lo. Os homens de armas do castelo lhe rodearam com as espadas em alto para lhe deter. Para trs! exclamou Hunter, ao tempo que empurrava

violentamente Hugh contra um muro sem solt-lo em nenhum

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momento Este assunto s corresponde a seu senhor e a mim, a menos, claro est, que seja to covarde que no se atreva a brigar comigo. Hugh entreabriu seus negros olhos ameaadoramente e agarrou o punho de sua espada. A tenso era tal que poderia haver-se talhado com uma faca. Mary estremeceu. Oh, Deus, que no lutem rogou fervorosamente Quanto mais tempo estejam insultando-se, mais viveremos meu amado e eu. Temos tantas coisas pelas que viver Oh, Senhor, por qu? Por que cometeu Hunter esta loucura? Jamais sairemos vivos daqui. Hunter freou o gesto de Hugh lhe retorcendo rpida e grosseiramente o pulso ento retrocedeu e, depois de aproximar-se de Mary para ajud-la a levantar-se, tirou a manopla de malha da mo. Com um olhar assassino, Hunter o estampou contra o zombador rosto de Hugh Carmichael lhe arrebentando o lbio. Isto pela Mary. Dito aquilo, Hunter jogou a luva ao cho Agarre-o ordenou brandamente Agarre-o! Ou que lhe falta tanto honra que no pode? Hugh recolheu a luva e a lanou bruscamente ao peito do cavalheiro cigano. Aceito o desafio, bastardo! Mas o advirto que no mais que uma rameira por quem vai dar a vida, filho de cadela. Recorde-o, quando rezar suas oraes. Uma rameira que eu Hunter lhe golpeou uma vez mais o lhe fazer calar, depois do qual desembainhou a espada. Em guarda! exclamou Levo muito tempo esperando este momento e tenho muitas afrontas das que me ressarcir.

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Os dois cavalheiros iniciaram a luta. As espadas cortaram o ar e se chocaram com fria produzindo um estrondo que ressonou em todo o salo. O duelo era a morte, pois nenhum dos dois se protegia com armadura. Como Hunter tinha suposto que Hugh no levaria a cota de malha dentro de seu prprio castelo, renunciou, honrado como sempre, sua e ps unicamente a tradicional manopla para poder desafiar seu adversrio. As espadas se cruzavam e esquivavam uma e outra vez, enquanto os inimigos se deslocavam cautelosamente e moviam penosamente os braos sob o peso das enormes armas. s vezes a gente saltava para frente para encontrar-se unicamente com o lugar, no cho ou na parede, onde acabava de ver seu adversrio. Quando isto ocorria, o reluzente ao golpeava a superfcie de pedra e despedia um sem-fim de fascas. Hugh esquivou destramente um perigoso ataque, e a espada de Hunter, com um assobio, fatiou uma vela. A vela ricocheteou contra uma parede e rodou pelo cho, lanando labaredas em todas as direes. Vrios homens de armas se apressaram a apagar o fogo. Os duelistas prosseguiram sem prestar ateno, resolvido cada um a matar seu competidor. Hunter aumentou os ataques e obrigou o conde a subir por uma das escadas de caracol que havia no salo. Por um apurado momento, os dois homens lutaram perigosamente perto da borda dos degraus. Ao no haver balaustrada, qualquer dos dois poderia cair e encontrar a morte. As espadas voavam, desenhando arcos no ar, chocando, separando-se, imobilizando-se uma outra, enquanto cada adversrio tratava de achar a ocasio de jogar em seu contrrio da escada. Por um fugaz segundo, Hugh esteve a ponto de cair, mas em seguida trocou de posio e conseguiu

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equilibrar-se. Hunter ps-se a rir burlonamente e aproveitou a pequena pausa para enxugar o suor da testa. Parece que trocaram as coisas, verdade, bastardo? disse ao conde, que ofegava Agora no conta com algum que me empurre ao cho como a um co. Que sensao se tem ao lutar com um verdadeiro homem? Hugh no respondeu; estava muito ocupado tratando de esquivar outra diablica investida. Certamente os dois homens brigavam em igualdade de condies. O conde de Dndereen, que tinha iniciado o duelo com toda confiana, comeava a perguntar-se se sua vida corria um srio perigo. Sentiu ento que se chocava contra uma parede e que a espada de seu contrrio lhe feria um ombro. Saltou para evitar o seguinte ataque, perdeu o equilbrio e caiu escada abaixo. Vede a ferida! ordenou Hunter secamente ao aproximar-se dele, imponente como um demnio sobre seu adversrio. O cavalheiro cigano esboou um sorriso severo e cheio de dio, mas seus olhos de ametista permaneceram imutveis, brilhando sinistramente. Acabava de lembrar-se das palavras que Hugh empregara em Stirling para humilh-lo e as repetiu com insolncia: No gosto de escorregar com seu sangue. Habilmente, Hugh arrancou um farrapo de seu breacan e enfaixou o profundo corte de seu ombro para deter a hemorragia. Tem uma magnfica memria para ser to estpido disse. Sim respondeu Hunter No esqueci nem a covardia que demonstrou aquele dia nem a cicatriz que me cruza o abdmen por sua culpa. As espadas reataram sua dana da morte. Mary estremeceu de novo. As armas levantavam uma muito leve brisa que vaiava com crueldade

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entre seus dourados cabelos; era como se entoassem uma sorte de canto fnebre. Deus santo! Soava igual estranha elegia que cantava o monstro do lago Ness. Por quem seria aquele repique de defuntos? Por amor de Deus! Que no seja por Hunter! Por favor, Deus santo, que no seja por Hunter! Com um n na garganta, viu como seu amado rechaava um desumano ataque de seu competidor e lhe esticavam os msculos das costas. Ento recordou as vezes que se deitou com ele e havia sentido como esses mesmos msculos se contraam sob sua mo enquanto o acariciava, apertava-o e arranhava a bronzeada pele para insistir que seguisse amando-a. Era evidente que Hugh estava cansado. No estava acostumado a lutar contra um canhoto. Respirava trabalhosamente e a espada lhe resultava muito pesada. Mate-o! Mate-o, Hunter!, pensava Mary. No se atrevia a diz-lo em voz alta por temor a distrair seu amado e pr em perigo sua vida. O conde comeou ento a mover a espada malucamente, como se o que empunhava fosse uma maa, sua arma favorita e a que dirigia com maior soltura. Lanou um reverso ao pescoo, mas Hunter se agachou a tempo e deu uma cambalhota. A espada do conde de Dndereen foi dar contra a escada, produzindo um estalo ensurdecedor e se rompeu em pedaos pela fora do golpe. Hugh soltou aquela arma imprestvel e tirou sua faca no momento em que o cavalheiro cigano ficava agilmente em p. Hunter sorriu cruelmente. Mary comeou a tremer; seu amado acabava de liberar a besta selvagem que levava dentro. Cego de fria, Hunter jogou a espada ao cho, desembainhou sua adaga e entrou para matar. Oh, Deus gemeu Mary. O duelo com faca em um lugar fechado era o mais perigoso de todos.

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Cautelosos, os dois homens comearam a girar e a aproximar um ao outro com gesto ameaador. As adagas eram curtas, por isso tinha que as dirigir a pouca distncia de seu rival e com rapidez e destreza. Hunter atacou; Hugh retrocedeu. Antes que este tivesse tempo de recuperar-se, o cavalheiro cigano se equilibrou sobre ele. Ambos caram ao cho e rodaram, tratando cada um de cravar a faca a seu contrrio. Uma das adagas saiu disparada do enredo que formavam deslizando pelo cho. Mary proferiu um grito sem querer. Ignorava a qual dos dois homens pertencia arma. De repente, Hunter se elevou sobre Hugh e lhe cravou a faca na garganta. O sangue brotou como se sasse de um fornecedor, manchando o breacan e as mos do cavalheiro cigano, enquanto tirava a faca da ferida. Ouviu-se um som estranho, afogado, uma espcie de gorgolejo; Hugh convulsionou e ficou inerte. Cambaleando, Hunter afastou o corpo sem vida do conde de Dndereen. Mary observou maligna e sombria figura de Hugh Carmichael estendida no cho e pensou em toda a dor e a tristeza que lhe causou. Ter morrido realmente? Tenho que me certificar. Nunca se sabe Mary perdeu ento os estribos. Lanando um gemido de indignao, desencapou sua faca, equilibrou-se sobre o cadver e o apunhalou repetidas vezes, no peito, no abdmen, chorando, gemendo, gritando histericamente, tremendo de raiva e medo; apunhalou-o por Magnus, por Edward, por Gordon, por Hunter e por si mesma, uma e outra vez, sem advertir a enorme quantidade de sangue que emanava do corpo de Hugh e lhe salpicava o cabelo, a rosto, as mos, formando riachos no duro cho de pedra do salo principal de Dndereen, deixando manchas que jamais seriam limpas.

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Oh, meu amor. O olhar de Hunter s expressava lstima, enquanto a observava. Tinha presenciado muitas vezes aquela reao no campo de batalha. Inclinou-se e a afastou ante o olhar horrorizado dos homens de armas de Dndereen Est morto, meu amor disse brandamente No voltar a lhe fazer dano. Com ternura, estreitou-a contra seu peito e a beijou cheio de carinho, antes que os homens de Hugh os rodeassem dispostos a captur-los.

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Captulo 35

Ian Carmichael cambaleou brio, na adega de Bailekair. Maldio! Onde diabos estavam as criadas quando precisava? Deus necessitava de um gole. E com urgncia. No deixou de necessit-lo desde que viu o corpo destroado de Euphemia MacBeth ao p do escarpado do lago Ness. Ainda no averiguou como tinha podido acabar assim a moa; s sabia que estava morta. Morta! Nunca mais voltaria a ver sua faminta Effie. Tinha-a abandonado ali. Tinha que faz-lo. Que outra opo tinha? No podia enterr-la em Bailekair, nem explicar to sequer como chegara a dar com ela. Tinha retornado ao castelo sufocado, com a sensao de que iam arrebentar-lhe os pulmes em qualquer momento. A impresso que lhe produziu a morte de Effie junto com a indignao que sentia ao deix-la daquela maneira, sem receber os ltimos sacramentos, lhe talhava a respirao. No era nada sem ela. Nada mais que um peo em mos de sua me, que no cessava de intimid-lo, incit-lo e o fazer sentir como um estpido. Era Effie que o fazia sentir forte, que o fazia sentir-se como um homem. Oh, Deus! Effie! Effie! Effie? Ian elevou o olhar e viu uma sombra em um rinco da escura adega. Levantou a vela e repetiu Effie, voc? Oh, Effie exclamou cambaleando para ela. J no estava. Tinha desaparecido. Invadiu-lhe o pnico. Tinha que encontr-la! Era a nica mulher que o estimulava de verdade, que o

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animava a enfrentar sua tirnica me. De repente, sorriu e meneou a cabea lentamente. Basta de brincadeiras, Effie sussurrou, compreendendo por fim que se tratava de um jogo. Sempre foi uma lagarta descarada. Estava acostumada a esconder-se e, quando Ian a achava e a abraava, ria e dava palmas de regozijo J ver quando a encontrar, moa. No est bem que me gaste brincadeiras, quando sabe que morro de vontade por possu-la. Sai! Sai de onde esteja! Mas s o silncio respondeu a sua ordem. Ian avanou nas pontas dos ps pela adega, olhando atrs de todos os postes com a esperana de surpreend-la, quando se dispusesse a trocar de esconderijo, que era o que costumava fazer, apesar de que lhe recriminava que fazia armadilhas. Ouviu ento uns golpezinhos surdos no cho, uns muito leves passos sobre a pedra. Effie! Como era to magra apenas fazia rudo. Pesava quase quo mesmo um menino. Sim, ali estava. Escondeu-se no interior daquele barril. Ian estava seguro. Sim! Soltando uma exclamao de alegria, destampou o barril e viu a reluzente cerveja que havia dentro, to cristalina como a gua de um manancial sombra. Ali estava, claro que sim; nadando nua, o animando com uma mo a que baixasse, o incitando a que se reunisse com ela, passando provocativamente a lngua pelos lbios. Effie! mergulhou no lquido diamantino e, bbado como estava, afogou-se.

Cadman. Joanna no afastava a vista da figura de Hunter MacBeth, que minguava na distncia No deveramos o deixar fazer isto. Mat-lo-

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o. Sei. Mary jamais nos perdoar que no lhe tenhamos dissuadido de cometer esta loucura. Duvido muito que deseje que ele se sacrifique por ela. Sua vida careceria de sentido sem ele; Hunter tudo para ela, Cadman. Tudo o que Mary fez, fez por ele; quanto tem feito, quanto sofreu, quanto sacrificou foi por ele. Siga-o, rpido! No o permita fazer esta loucura. F-lo-ia se pudesse, J. Hunter um homem, mais homem que a maioria, e um homem tm que fazer o que considera que justo. Mas ele tudo para ela, Cadman. Mary no poder viver sem ele. J temo que nenhum dos dois saia vivo de Dndereen. Deus santo gemeu a moa, horrorizada Oh, Cadman, esposo meu, devemos intervir. Sinto-me to impotente Oh, por amor de Deus, no me entra na cabea que possam morrer. Seus pobres meninos O que vou dizer-lhes? Cadman, por favor, pensa como poderamos ajudar Hunter e Mary. Nunca me perdoarei se no conseguir Se interrompeu e comeou a chorar desconsoladamente. Eu tampouco disse Cadman, consternado Acalme-se, J. Chorar no serve de nada e chamar a ateno com suas lgrimas. Seu semblante se escureceu Quero tanto a esse casal como voc. Acalme-se e me deixe pensar em algo. Soluando, Joanna se tranquilizou e deixou de soluar. H uma possibilidade, J disse Cadman lentamente mas muito pequena, de modo que ser melhor que no faa iluses. Diga-me! Diga-me do que se trata! Contanto que possam salvar-se Bom, suponhamos que por acaso o conde se comporta com honradez e permite que se batam em duelo limpamente. Se meu irmo de adoo consegue acabar com ele, Dndereen ficar sem autoridade, j que temos

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que supor que os homens do conde no obedecero a Mary, dadas s circunstncias. Mesmo assim, sua senhora no uma simples mulher a que se possa assassinar sem razo. Alm de ser a filha de um conde, a condessa de Dndereen. Ela deve responder pelos delitos que cometam ante o tribunal de um cl, sem importar a urgncia com que se renam seus membros. Se meu parente matar Hugh Carmichael, no haver ningum no castelo com autoridade suficiente para presidir semelhante tribunal, e como cabe supor que querero que Hunter sofra uma morte lenta, o mais seguro que transfiram aos dois ao castelo de um senhor de fila. Ian! Seria Ian! A Joanna iluminou o rosto Bailekair o castelo mais prximo a Dndereen. Sim, isso mesmo pensei, Joanna. Talvez, se tudo for bem, possamos lhes fazer saber em algum ponto do caminho que vamos ajudar-lhes. Desse modo, no perdero a esperana. Sim, mas como? J, h algum nos arredores em que confia cegamente, algum que, apesar da situao, estaria disposto a fazer algo por Mary e guardar o segredo? Flora! Flora e seu marido, Alan. Ela a velha bab de Mary. Os dois cuidaram e quiseram a minha senhora desde que no era mais que uma menina. De acordo. Vamos a sua casa. Agora bem, no podemos ir desta forma; temos que nos vestir com roupa de campons para nos mesclar com os granjeiros de Dndereen. Se nos mantemos calados, duvido que nos descubram.

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Os habitantes de Dndereen interromperam seu trabalho, quando viram passar o grupo de pessoas a cavalo. Os Carmichael cavalgavam em silncio com gesto sombrio e ameaador. O cadver do conde de Dndereen ia ao lombo de seu negro cavalo de guerra. O cavalheiro cigano e sua amante, a traidora Mary Carmichael, cavalgavam emparelhados. Dirigiam-se a Bailekair, onde lhes imporiam seu justo castigo, j que era preciso que os julgasse um senhor de fila superior a de Mary. No obstante, todos sabiam qual seria a sentena: fogueira para a bruxa, Mary Carmichael, e forca para o intruso, Hunter MacBeth, a quem se estriparia pendurado da soga, antes de morrer. Vrios camponeses jogaram pedras, tomates e outros objetos no casal de prisioneiros, pois, embora no sentissem nenhuma avaliao pelo conde, o dio que lhes inspiravam os MacBeth era muito intenso. Uns quantos se aproximaram para lhes cuspir e os insultar cruelmente. Mary tratou de livrar-se de uma mulher lhe dando chutes. Mas foi intil. A camponesa persistia presa da histeria, exclamando baixezas, lhes espetando palavras carregadas de dio e veneno, lhe puxando do arascaid e tratando de lhe tirar as botas. Mary olhou friamente mulher e reprimiu um grito. Tinha ante si os olhos castanhos de Joanna. Joanna!? Esteve a ponto de dizer seu nome. Entretanto, viu que a moa fazia um sinal de advertncia com a cabea e afogou o grito no momento em que seus lbios se curvavam para pronunci-lo. M pcora! Golfa troca! insultava Joanna, enquanto lhe rasgava o vestido Desavergonhada! Bruxa! Ento, no momento em que lhe arrancava o xale dos ombros, sussurrou rapidamente Faremos o que possamos para ajud-la. Tenham f!

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Mary assentiu com um movimento apenas perceptvel de cabea e dirigiu um olhar de gratido moa. Em um gesto de valentia, tratou de sorrir, mas as lgrimas arrasavam j seus olhos de ametista. Para continuar com a farsa, Mary levantou as mos, que tinha atadas, do pomo da cadeira, como se quisesse recuperar seu tonnag. Ento, dando um pulo, viu a esmeralda que levava no anular. Se me necessitar em alguma ocasio, manda-me isso, juro que irei a sua chamada com o exrcito do rei se for necessrio. Alinor! Querida Alinor! Joanna, o anel! murmurou O anel! Leve-o a Alinor! Por um terrvel momento que pareceu durar uma eternidade, Joanna a olhou sem compreender at que se deu conta de qual era o motivo do sobressalto de Mary. Traiu nosso cl! Arrependa-se! Arrependa-se, antes de morrer! vociferava Joanna, enquanto lhe tirava o anel do dedo e o guardava sob o xale antes que algum pudesse adverti-lo. Mary deixou escapar um suspiro de alvio e deu um suave chute moa. Joanna caiu ao cho. Oxal arda na fogueira por seus pecados, rameira! A moa sacudiu o punho em sinal de ameaa e seguiu balbuciando juramentos, enquanto os cavaleiros passavam diante dela. Joanna apertou o anel contra o peito e, cobrindo a exagerada corcunda com o andrajoso tonnag de Mary, cruzou o caminho a toda pressa em direo a um curvado campons que a aguardava. Sem chamar a ateno dos granjeiros, desapareceram entre as rvores que cresciam a borda do atalho e se encaminharam para onde tinham preso os cavalos. Quando chegaram, Joanna mostrou o anel a Cadman.

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Mary me disse que leve este anel a Alinor, Cadman. A esposa de Charlie deve saber ou possuir algo que, segundo minha senhora, pode lhes servir de ajuda. Deus santo, temos que os socorrer de algum jeito; do contrrio morrero! E Eadar D Voe est to longe! Tambm Edimburgo comentou Cadman com o corao encolhido Jamie deve um favor a Hunter, mas tampouco o rei chegar a tempo. Inclusive possvel que se negue a vir, se segue zangado conosco pela falta da misso a Inglaterra. Nem sei se sua majestade se encontra no palcio de Holyrood. A Jamie, adora sair de caa no vero Oh, Cadman, parta agora mesmo. Dirija-se a Glenkirk, que est mais perto. Eu no posso, pois me matariam assim que me vissem. Lady Sophia sempre quis a Hunter e a voc. Talvez v em nosso auxlio e consigamos atrasar seu fim, embora seja s um pouco. Necessitamos de tempo! Eu irei a Eadar D Voe, enquanto isso Oh, J, no tem nenhuma possibilidade de chegar ali sozinha, e provvel que os MacBeth me mate assim que me vejam no castelo. Temos que tent-lo de todos os modos! Se no, morrero. Oh, Cadman, queremos-os muito para no tent-lo. Sim, mas, Oh, Deus. Tambm quero voc, J. Cadman, nunca seremos felizes, se no fizermos algo para salvar Hunter e Mary. Como vamos viver o resto de nossas vidas com o peso de suas mortes sobre nossas conscincias? Eu no poderia suport-lo! Eu tampouco. Oh, Meu Deus! Tome cuidado, meu amor! D-me um beijo de boa sorte e marche rpido. Joanna ficou nas pontas dos ps para dar a seu marido um tenro e apaixonado beijo nos lbios.

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Amo voc, Cadman. Acabei por amar voc mais que a minha vida. Recorde-o se se no voltarmos voltamos a nos ver. Oh, v com Deus, meu amor. Adeus.

Em Bailekair, reinava o caos. Primeiro, apareceu Ian afogado em um barril de cerveja e logo chegaram os homens de armas de Dndereen com o cadver de seu senhor e os dois prisioneiros. Lady Margaret observava tudo aquilo como se fosse uma rainha, como a nica vencedora, jubilosa em seu momento de glria, na hora da vitria: Era dela! Bailekair era por fim dela! No importava que Andrew, que nascera trinta minutos antes que seu irmo gmeo, fosse o herdeiro ao ttulo, j que o rechaaria, porque Harold no toleraria que o aceitasse, e os gmeos nunca faziam nada que pudesse dividi-los; estavam muito unidos. Sim, Margaret no teria rival naquele enorme castelo pelo que tanto tinha suspirado, mentido, trado e pelo que seria capaz de matar, se fosse necessrio. Amortalhem meu filho e meu sobrinho no salo principal ordenou e encerrem esses dois no calabouo. Ento, olhando friamente a Mary com gesto de suficincia, acrescentou Vo morrer lentamente, muito lentamente. Mas antes os membros de nosso cl tm que receber sepultura como merecem. Enterraremos meu filho e meu sobrinho com todas as honras. Ao fim, essa puta e o filho de cadela de seu amante tm tempo de sobra para apodrecer. Mary tremia, quando os homens que antes a trataram como senhora a agarraram brutalmente e comearam a passar-lhe uns aos outros, sovando-a, lhe gritando e insultando-a, enquanto Hunter lutava furiosamente tratando de livrar-se dos homens que o deixavam seguro. Temia que fossem violar sua amada ali mesmo, em sua presena, sem que

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ele pudesse fazer nada para impedi-lo. De fato, Mary deslocaria essa sorte, se no fosse pela interveno de Alan. Que vergonha! exclamou o velho mestre de campo do leo de Bailekair, ao entrar no salo que no tm nenhum sentido de decncia ou de honra? Como so capazes de burlar da nica filha de seu antigo senhor? No importa o delito que tenha cometido. Acaso guardam to pouco respeito pelo amor que professava lorde Magnus a sua pequena que seriam capazes de viol-la em seu prprio castelo? Que vergonha! Deixem-na em paz e retornem a suas obrigaes, se no v sair o velho conde de sua tumba e os perseguiro por ter em to pouco sua memria. Os homens baixaram a cabea envergonhados e arrastaram os ps pelo cho com gesto coibido, pois no havia nenhum s entre eles que no quisesse e respeitasse o leo de Bailekair. Alguns recordaram fazer saltar Mary sobre os joelhos, quando era pequena, e se sentiram enojados, ao pensar no que chegariam a fazer, se Alan no protestasse. Um a um foram desaparecendo todos. No escutem este velho tolo, se desejarem essa puta disse lady Margaret, correndo atrs deles e lamentando de que no fossem humilhar sua filha. A condessa de Bailekair estava lambendo-se, ao imaginar o ultraje que Mary ia sofrer No mais que uma rameira! vozeou. Entretanto, no conseguiu dissuadir os homens de armas de que voltassem para suas obrigaes Levem-nos. ordenou, quando o salo j estava virtualmente vazio No suporto ver esta puta! Quando os homens que no se retiraram ainda se dispunham a levar Mary e Hunter, a condessa estremeceu. O MacBeth mantinha seu maldito olhar nela, ameaando-a, devorando-a com insolncia como se a desejasse, e logo jogou a cabea para trs e riu burlonamente dela. Tinha-

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a insultado e pagaria por isso! Jurou lady Margaret. Esse vulgar filho de cadela! Mesmo assim, sentia-se acalorada e o corao, por estranho que parecesse, pulsava apressadamente. Pelos pregos de Cristo, o amante de Mary era extremamente atrativo! Os calabouos eram midos e escuros. As dobradias de ferro das pesadas portas de madeira que davam musgosa escada chiaram. Oxidaram-se por falta de uso, j que nas Terras Altas no era frequente fazer prisioneiros. Os selvagens membros dos cls da regio preferiam dar uma soluo definitiva a seus enfrentamentos. Os ratos chiaram zangados ante a invaso de seus ninhos por parte do pequeno grupo e fugiram da luz das tochas, arrastando as caudas com um sussurro trmulo pelo mido cho de pedra. Quando comearam a descer pelos levantados degraus, Mary se apoiou em Hunter para no escorregar, j que se caa talvez no morresse, mas certamente ficaria invlida ao estelar-se sobre as bicudas rochas que havia ao p da escada. O que importa pensou Mary com uma mescla de ironia e angstia Vamos morrer de todos os modos, de maneira que seria melhor ter um final agradvel. Ento recordou o olhar de dio que lhe jogara sua me e compreendeu que a morte mos da condessa seria lenta e atrozmente dolorosa. Os homens de armas abriram uma das celas, jogaram Mary e Hunter em seu interior, fecharam a porta e jogaram a barra sem deixar sequer uma tocha com que iluminar-se. Tigresa? murmurou Hunter na escurido. Estou aqui, meu amor. Guiando-se pela voz, aproximou-se dela. Encontra-se bem, Mary?

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Sim, embora no sinto as mos. pelas cordas. Esto muito apertadas e detiveram a circulao. Deixe-me, tent-las-ei desatar. Logo poder desatar isso. Em silncio e s escuras, lutou pacientemente com os ns, puxando deles daqui para l at que por fim conseguiu afroux-los e os speros cabos de cnhamo caram ao cho. Mary esfregou os pulsos vigorosamente at que o sangue voltou a circular com normalidade; ento se disps a desatar Hunter. Ao cabo de um momento estavam dando tropees na escurido, examinando a cela centmetro a centmetro. Pelo que puderam comprovar, no havia sada. O cho e as quatro paredes eram de rocha slida; a pesada porta de carvalho era grossa e estava bem trancada. A Mary, encolheu o corao, quando se sentaram na cama, uma tbua segura a um par de enormes cadeias de ferro penduradas da parede. Hunter acolheu em seus fornidos braos a trmula figura da moa e a estreitou. Era um consolo que estivessem juntos. Quanto tempo cr que fica? perguntou Mary em voz baixa, apesar de que sabia a resposta to bem como ele. Trs, quatro dias no mximo. Oh, meu amor. Nunca pensei que isto acabaria assim. No tenho medo. No nos separaro meu amor, nem nos matando.

A escurido da noite caiu sobre as Terras Altas, cobrindo os interminveis paramos e as purpreas montanhas com um manto cinza que brilhava com um estranho fulgor prateado e avermelhado luz da lua e dos alaranjados raios do sol, que agonizava no horizonte. Cadman elevou a vista para as imponentes torres do castelo de Glenkirk, que se elevava sinistramente ao longe. Aquele lugar, que o jovem considerara seu

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lar e sempre lhe pareceu acolhedor, resultava-lhe agora alheio. Perguntou-se se sairia vivo do castelo de sua juventude, se voltaria a ver Joanna, sua gentil gazela. Bom, no havia alternativa. Um homem tinha que fazer o que considerava justo, e ele sabia que sua esposa tinha razo. Sua conscincia no suportaria viver com o peso de no tentar ajudar seu irmo de adoo, que lhe salvara a vida mais de uma vez no campo de batalha. Respirou fundo, esporeou Logie e vociferou seu nome s sentinelas.

Muito longe dali, Joanna fustigava sem piedade sua montaria pela primeira vez em sua vida. Sua formosa gua de cor castanha, Maeve, que lhe presenteou Cadman, acelerou o passo e cavalgou temerariamente pelos paramos das Terras Altas a fantasmal luz do entardecer. Dirigia-se ao sul, a Eadar D Voe. Rpido! Rpido! Rpido! murmurava a moa, animando seu palafrn e olhando atentamente ao redor por medo de que a perseguisse um grupo de assaltantes ou bandidos com inteno de viol-la e acabar com ela. Tinha perdido o julgamento? Como podia esperar chegar fortaleza dos Murray por sua conta? O castelo se encontrava na costa leste da Esccia e uma mulher s era alvo fcil para qualquer assassino solitrio ou uma turma de homens de armas bbados que procurassem a ocasio de divertir-se. Puxou as rdeas bruscamente com a inteno de retornar com seu marido e lhe dizer que aquela era uma empreitada to intil e descabelada como a loucura que Hunter cometera e terminou por enredar a todos na triste situao em que se encontravam. Ento foi a sua mente a imagem de Mary assustada e banhada em lgrimas e se convenceu de que

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tinha que seguir adiante. Levantou a vara com deciso e continuou a marcha.

As sentinelas postadas na torre de entrada de Glenkirk ficaram perplexos, ao ver Cadman MacBeth s e ao lombo de seu cavalo de guerra castanho, de selvagens crinas e cauda de bano, esperando com gesto de espera ante as pesadas portas de madeira do castelo. Uns o consideravam ainda um membro leal ao cl e eram partidrios de levantar o restelo imediatamente; outros, em troca, suspeitavam que fosse um traidor e tambm eram partidrios de lhe permitir o acesso, embora s para lev-lo a julgamento ante um conselho do cl e o ver pendurado pela perfdia em que tinha incorrido. Tambm havia quem o dera por morto durante os ltimos anos, por isso afirmaram que se tratava de um fantasma que aparecia para atorment-los e que atravessaria as portas, quando quisesse. Finalmente, uma sentinela que era mais inteligente que outros disse que Cadman sempre contara com o favor de lady Sophia e que se fosse leal, traidor ou fantasma, devia conduzi-lo em seguida ante a condessa de Glenkirk, que escutaria sua histria e decidiria como teria que atuar. Outros se apressaram a assentir, pois embora seu verdadeiro senhor fosse Stephen, o filho de lorde Angus, todos sabiam que quem governava realmente Glenkirk era a condessa, que no duvidaria em ordenar que os executassem se faziam algo que lhe desagradasse. Levantaram o restelo, abriram as portas do castelo e rodearam cautelosamente Cadman, que desmontou e pediu para ver lady Sophia. Acompanharam-no at sua presena e soltaram um suspiro de alvio, quando viram que, depois de o olhar fixamente por uns minutos com

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rosto de pasmo, sua senhora se lanava aos braos de Cadman, beijava-o com amor de me e punha-se a chorar sobre seu ombro. Oh, Cadman! voc realmente? disse lady Sophia com voz entrecortada, enquanto enxugava as lgrimas No posso acreditar depois de todos estes anos. Deixe que o olhe, filho. Oh, Cadman! Senhora, senhora. No sabe quanto me alegro de v-la disse com a voz trmula da emoo, ao tempo que se separava dela para ajoelhar-se a seus ps e lhe apresentar seus respeitos. Oh, se levante, meu filho, se levante. No quero que me faa estas reverncias. meu dever, senhora, e mais ainda porque sabe o que sou e o que fao murmurou ele. Quo nico sei que teria suas razes e que no prprio de voc trair seu cl nem nos desonrar. Levante-se, Cadman, e me explique por que veio. Chame Stephen, senhora, porque o assunto tambm corresponde a ele. Cadman aguardou que o filho maior da condessa fosse ao salo principal para servir uma taa de vinho e comear seu relato.

Quando j se encontrava a poucos quilmetros de Glasgow, os temores de Joanna se fizeram realidade. Eram sete e assim que a viram, aguilhoaram seus cavalos e se precipitaram atrs dela gritando e rindo ruidosamente, animados pelo lcool que consumiram em um botequim prximo e pensando somente em satisfazer seu apetite. Ela sentiu certo alvio, quando viu que eram homens de armas e no bandidos, pois, em caso de que a alcanassem, teria mais possibilidades de que no a

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matassem, uma vez abusassem dela. Angustiada, olhou por cima do ombro e viu que estavam aproximando-se; j podia ouvir seus gritos entusiasmados. Fustigou Maeve brutalmente, apesar de que temia que, se seguisse o demente passo que levavam, acabaria arrebentando a dcil gua. De todas as formas, no importava; o pequeno palafrn no podia competir com aqueles velozes cavalos de guerra, e Joanna no demorou em ver-se rodeada pelos bbados, que segurou as bridas e obrigaram gua a deter-se. Ento agarraram moa, que tratou corajosamente de defender-se com a vara, enquanto eles a repreendiam e se mofavam de sua defesa, gastando brincadeiras de mau gosto. Sem maior dificuldade, arrebataram-lhe o ltego de suas crispadas mos e, assim que a tiveram descido do cavalo, a passaram uns aos outros, lhe rasgando o vestido, ao tempo que discutiam sobre quem tinha que possu-la primeiro. Em meio da confuso, Joanna acertou a distinguir o breacan dos MacDonald e sups que deviam ser os homens do conde de Wynd Cheathaich, dado que o castelo de David MacDonald no se encontrava muito longe de Glasgow. Basta! Basta! exclamou, aferrando-se a leve esperana que lhe infundia saber quem era o senhor dos homens de armas e confiando em poder raciocinar com eles Violariam a um membro de seu cl? De nosso cl? Ouviram isso? A moa diz que pertence a nosso cl! exclamou um deles entre risadas, como se o que acabasse de ouvir fosse uma piada divertidssima. Sou-o! insistiu Joanna No so acaso homens de armas do conde de Wynd Cheathaich? perguntou desesperada. H, nossa fama nos precede moos! resmungou outro, to bbado que parecia no saber o que dizia.

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Oh! So, so! reiterou Joanna. Encolhia-lhe o corao ao pensar no que poderia lhe ocorrer se no conseguia os convencer. E se formos? Escutem-me. Se no me soltarem, juro-lhes que o ides lamentar. Sou esposa do senhor Cadman MacBeth, irmo de Grace MacBeth MacDonald, a esposa de seu senhor. Est mentindo! exclamou um dos homens, com aspecto de ser mais dissipado que seus companheiros A que estamos esperando? Tenho as meias a ponto de arrebentar. E se est dizendo a verdade? reps outro que estava mais sbrio Se o que est dizendo certo, a lorde David, no far nenhuma graa que a danifiquemos. Os outros homens comearam a murmurar entre si. Obviamente, a ideia de que o conde se zangasse pela violao bastava para esfriar grandemente o ardor que sentiam. Oh, no acredito que o conde v inteirar-se. Alm disso, repito-lhes que a moa est mentindo. Bom, h uma maneira de saber afirmou outro Que a veja o conde. Se no for quem diz ser, no lhe importar que faamos com ela o que nos agrade. Mais vale ser prudentes, no, companheiros? Sim! responderam eles. De uma maneira um pouco mais amvel e respeitosa, subiram Joanna ao lombo de sua gua e a levaram a Wynd Cheathaich.

A lady Sophia, lhe mudou visivelmente o semblante, quando Cadman concluiu seu relato. Mesmo assim, e apesar de que tremia a mo que tinha apoiada sobre o peito e afogou um leve gemido, no ps-se a chorar

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como temia seu filho Stephen, que tambm havia se sentido comovido pela dilaceradora histria que acabava de lhes referir seu parente. Hunter e voc cometeram um engano disse Stephen lentamente Entretanto, resulta-me difcil lhes fazer nenhuma recriminao. Os MacBeth so gente apaixonada e nos deixamos guiar com mais frequncia pelo corao que pela cabea. Oh, me disse, voltando-se para a condessa O que podemos fazer? Se destas unies no tivessem nascido filhos, no teria dvidas na hora de tomar uma deciso. Mas Hunter e Cadman mesclaram seu sangue com os Carmichael e suas vergnteas so, apesar das circunstncias, membros de nossa famlia. Seu sangue ser seu sangue Minha conscincia no me permite justiar aos pais, me. No importa o que fizeram. A minha tampouco me permite respondeu a Santa lady Sophia com uma integridade inquebrvel Chame seus homens de armas, meu filho. Temos que atacar Bailekair antes que amanhea!

Joanna se ajoelhou ante David MacDonald para lhe contar sua histria e lhe pedir que lhe proporcionasse uma escolta que a levasse s e salva a Eadar D Voe. Ele meditou bem o que lhe tinha referido, pois tinha razes para acreditar tudo, consciente como era o amor que Hunter professava a lady Mary. Entretanto, no se decidia a responder, pois o conde no conhecia Joanna e nada o assegurava que aquilo no era uma mutreta urdida pela moa para livrar-se dos molestos cuidados de seus homens. Grace MacBeth MacDonald estudou atentamente a jovem moa que afirmava ser a esposa de seu irmo. Ento se fixou em que levava o anel de Cadman em um dedo e disse com firmeza:

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Eu acredito, David. Grace se levantou de sua cadeira, aproximou-se lentamente a Joanna, que seguia ajoelhada e com a cabea inclinada, e aps ajud-la a ficar em p, olhou-a fixamente a seus olhos castanhos, deu-lhe um beijo em ambas as bochechas e disse Bem-vinda a casa, querida irm. E no se preocupe: meu marido lhe emprestar toda a ajuda de que necessite. E o conde de Wynd Cheathaich, que senhoreava a qualquer rei, mas no podia negar nada a sua frgil e doce esposa, gritou: Kevin! Giles! Chauncey! Preparem-se para escoltar a senhora Joanna a Eadar D Voe pela manh e renam meus homens para enviar um destacamento a Bailekair imediatamente. Ento se voltou para Joanna Eu mesmo me encarregarei de dirigir minhas tropas no assdio ao castelo de sua senhora. No tenho esperanas de ganhar a batalha, mas talvez consigamos ganhar um pouco de tempo para Hunter e Mary. Eu acompanharei minha cunhada a Eadar D Voe disse Grace com um tom que fez David entender que no aceitaria nenhum protesto. Tome cuidado, querida. Ao amanhecer do dia seguinte, os MacBeth iniciavam o assdio s muralhas de Bailekair. David MacDonald e seus homens saam em direo ao castelo que se encontrava no corao das Terras Altas, enquanto Joanna e Grace se dirigiam a galope para Eadar D Voe, acompanhadas de uma escolta integrada por um mnimo de cinquenta homens.

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Captulo 36
Lembra-se da primeira vez que nos vimos querida aquele tormentoso dia de vero h tantos anos? perguntou Hunter com voz baixa na escurido. Sim. Mary tratou de sorrir, embora ele no pudesse v-la. Era muito prprio dele tentar afugentar o medo e a dor que ela sentia rememorando momentos felizes Faz j nove anos. Passou tanto tempo, meu amor, e, mesmo assim, to pouco. Acredito que vivemos mais durante estes nove anos que a maioria das pessoas durante toda sua vida, Mary. Estava to formosa aquele dia Deixou-me aniquilado. Como a desejava E voc, to moreno e bonito, to orgulhoso e arrogante, meu amor. A ponto estive de mat-lo Oh, estremeo ao pensar em todo o amor e paixo que no poderia sentir de hav-lo feito. Nove anos, e cada vez a desejo mais, meu amor. Cada dia, cada hora, cada minuto que passa, nosso amor se faz mais forte, mais intenso. Oh, uma bruxa, Mary Carmichael; a feiticeira mais hbil. O feitio de seu amor ps cadeias a meu corao. Ah, o par ideal para mim, minha querida donzela de ouro; vale tudo o que lhe posso dar e muito mais. E voc me deu a vida, Hunter MacBeth. Se no estivesse ao meu lado, eu s poderia existir. Lembra-se, lembra-se daquela ocasio em que lhe pedi que me amasse como se fosse a ltima vez? Sim.

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Quero que volte a faz-lo agora. Quero que me ame pela ltima vez, que me ame por todas s vezes, que me ame tanto como eu amo voc, minha vida. Ento venha aos meus braos, tigresa. Mas no pela ltima vez. No; faamos amor como se fosse o princpio, no o final. Vou querer voc como um moo que ainda vive no mundo inocente da adolescncia, quando o amor algo novo e valioso, que no entranha nenhuma dor. Sim, assim como vou quer-la, Mary, pois nenhum homem valora o amor tanto como eu. Com movimentos lentos, suaves e tenros, igual um moo que estivesse descobrindo o que uma mulher, como se dispusesse de todo o tempo do mundo, estendeu-a sobre a dura tbua de madeira que havia na diminuta cela. Acariciou-a docemente na escurido; percorreu todas e cada uma das curvas de seu precioso rosto, maravilhando-se, como se fosse um cego que, havendo acabado de conhec-la, estudasse-a com as mos e pretendesse explorar sua aveludada pele centmetro a centmetro; suas tmporas, suas plpebras, seu nariz, suas bochechas, sua boca Oh, sobretudo sua boca, aqueles lbios doces, delicados e trmulos, que se separavam brandamente, quando ele inclinava a cabea e a beijava, saboreando-a primeiro levemente para logo embeber-se dela at sentir que se afogava em uma onda de paixo, em um redemoinho infinito. Beijou-a no pescoo e as orelhas, inundou seu bronzeado rosto na corrente dourada de sua juba, aspirou a fragrncia de seu perfume com tristeza, pois o aroma a urze evocava os paramos purpreos das Terras Altas que jamais voltariam a ver. Lentamente a despiu, como se ela fosse uma rainha e ele um escravo que esteve preparando-a para um banho ritual; beijou cada dobra de sua

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grcil figura medida que a despia, figurando-lhe sem um s defeito, j que no podia v-la na escurido. Mas aquilo nada importava, pois a conhecia to bem e a amava tanto que a memria no podia lhe falhar. Tinha passado tantas horas, dias e anos conhecendo-a e amando-a que a intimidade que existia entre eles no tinha limites. Procurou seus seios com as mos e os acariciou com delicadeza; rooulhe os rosados mamilos, que reagiram imediatamente, cobriu-os com a boca e os chupou. Mary comeou a gemer de prazer, como se suas veias fossem um trilha de plvora ao que acabassem de prender fogo. Hunter comeou a descer com sua boca. Depois de penetrar com sua lngua na pequena concavidade de seu ventre, aventurou-se mais abaixo at alcanar o inflamado montculo que se escondia entre suas coxas e perder-se no quente e mido vale que se abria em seu interior. Como sentisse que Mary tremia sob seus lbios, deslizou uma mo para aliviar o desejo que provocava aquela reao; ele sabia que aquele era o lugar onde esta se originou, e que ele a causara. Tratou de elevar a cabea, mas Mary se apressou a det-lo, afundando os dedos em seus cabelos de mogno. Languidamente, comeou a lhe despojar da roupa tal como ele fez antes com ela, imaginando-o forte, moreno e viril e com a pele atravessada de brancas marcas, lembranas de batalhas que proclamavam sua condio de guerreiro. Ele se jogaria sobre ela imediatamente, mas Mary o impediu, lhe empurrando brandamente para que se deitasse a seu lado. Imitando o que ele fez antes, a moa comeou a explorar o corpo de Hunter, apertando a umidade de suas coxas enquanto o beijava, acariciava-lhe o rosto, contornava sua boca com os dedos e a lngua, antes

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de procurarem o interior de seus lbios como se fosse uma jovem donzela cheia de ansiosa curiosidade. Quando a boca de Mary desceu ao bronzeado peito de Hunter, este estremeceu consciente de qual era sua inteno, e afogou um gemido, quando ela confirmou suas suspeitas lhe rodeando o inchado membro com os lbios e corcoveando sobre ele com deleite. Hunter a agarrou com rapidez, levantou-a e, lhe dando meia volta, deixou-a ante si, disposta, ofegando, espera que a penetrasse limpa e fulminantemente. Entrou no quente e incitante remanso de seu interior; mergulhou em suas profundidades at alcanar o centro de seu ser, afogando-se nela, sentindo como o fluxo de sua mar o arrastava at o vrtice de sua intimidade e ela saa a seu encontro como se fosse uma onda gigante que rompesse uma e outra vez sobre a praia. Como gozaram um do outro! Tal como lhes ocorreu tantas outras vezes, alcanaram o glorioso topo do xtase para logo retornar flutuando realidade, escura e lbrega cela em que estavam encerrados. Hunter enxugou com seus beijos as agridoces lgrimas que banhavam as bochechas de Mary. No falaram. No necessitavam das palavras; nunca necessitaram. Permaneceram deitados em silncio, enquanto acalmavam os batimentos de seus coraes. Ambos sabiam que o amor que se professavam lhes custaria vida, mas no importava, pois fosse qual fosse o preo que tivessem que pagar, havia valido a pena.

J esto aqui pensou Mary vagamente, movendo-se entre os braos de Hunter J esto aqui. Vieram nos torturar e nos matar. Acabou-se. Entretanto, foi o ralo de ferro que havia a meia altura da

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pesada porta do calabouo, e no esta, a que se abriu naquele momento com um chiado. Senhora! Senhor! Podem me ouvir? Mary deu um pulo e, confusa, correu para o lugar de onde procedia a voz, colocando a prova o arascaid para ocultar sua nudez. Sim? Sou eu, Collie. Trago-lhes algo para comer e uma vela, senhora. O moo introduziu dois pratos fumegantes, duas jarras frias, uma vela e uma pederneira pela abertura. A luz da tocha que sustentava permitiu a Mary ver o que lhe entregava. Collie, o que faz aqui? Segui os homens do conde, quando os conduziram aqui. No repararam em minha presena devido animao que havia. Senhora, foi todo um detalhe de sua parte me golpear com o vaso, antes de escapar. Se no fizesse, o conde me teria modo a pauladas explicou. Mary esboou um sorriso. S um servente poderia considerar um favor que lhe fraturassem o crnio naquelas circunstncias fez-me um galo enorme na sobrancelha, senhora, e desse modo o senhor acreditou que voc me pegou despreparado. Mandou-me lavar pratos durante dois meses, mas ao menos no me aoitou. Agradeo-lhe que me economizasse as chicotadas, porque o senhor era muito cruel com os castigos. Aquela noite, no consegui conciliar o sono de preocupao. No sabia o que tinha sido de voc. Ouvi dizer na cozinha que essa velha puta de rua (rogolhe que me perdoe, senhora), a condessa, proibiu que lhes servissem comida para que no tenham foras quando os torturarem, de modo que assim que me apresentou a ocasio, agarrei estas coisas e disse que eram para uns homens de armas. Lamento no conseguir a chave da porta para

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deix-los sair, porque com todo o alvoroo que h, estou seguro de que poderiam escapar sem que ningum se precavesse. Alvoroo? Que alvoroo? Collie, o que est ocorrendo a acima? Oh, senhora. Os MacBeth esto atacando o castelo e dizem que o conde de Wynd Cheathaich, dos MacDonald, uniu-se a eles. Todos esto como loucos, porque fazia anos que ningum assediava o castelo. Mary ouviu que Hunter respirava fundo e compreendeu que estava acordado e ouvia as palavras do moo. O cavalheiro cigano se aproximou sigilosamente porta. Moo, est seguro de que esto atacando o castelo e no a aldeia? Sim, senhor. Estou completamente seguro. Nem puderam celebrar o funeral pelo conde com toda esta animao. Alm disso, a senhora est frentica de raiva. Imagino comentou Mary laconicamente, apesar de que a notcia j tinha comeado a dar asas a suas esperanas Sabe o que tm pensado fazer conosco? No, senhora. A condessa era partidria de mat-los imediatamente, mas Alan disse que vocs aguentariam e que dadas s circunstncias no podiam entreter-se em execues e menos ainda prescindir dos homens que deviam ocupar-se de tortur-los. Oh, Meu Deus. Obrigado, Alan, obrigado pensou Mary Se sair desta, encarregar-me-ei de que nem a voc nem a Flora lhes falte nunca nada, custe-me o que custar. Agora devo ir senhora, vir algum dar uma olhada, embora acredite pouco provvel. Tentarei lhes trazer mais comida e velas assim que possa. Sinto trazer s uma desta vez, mas no me atrevi a agarrar mais dos candelabros.

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No se preocupe, Collie. J tem feito mais que suficiente por ns. Obrigada, muito obrigada, moo. Que Deus o benza disse Mary, emocionada. O servente, entretanto, j desaparecia. A moa se voltou para Hunter O que lhe parece tudo isto, querido? No sei o que dizer, exceto, que de algum jeito, Cadman e Joanna operaram um milagre.

A batalha entre os Carmichael, os MacBeth e os MacDonald se prolongou durante quase um par de semanas, ao cabo das quais, Bailekair seguia resistindo. Suas muralhas repeliram os furiosos ataques, e os cados dos trs cls acabaram amontoados em um enorme atoleiro de sangue. No haveria vencedor, j que Alinor, fiel a sua palavra, iria ao castelo, e no s com os homens de seu pai, mas tambm com os do rei e o conde de Bothwell. Ambos foram a Eadar D Voe para tratar com o poderoso conde do fracasso que tinha suposto a misso a Inglaterra e ainda se encontravam ali, quando Joanna e Grace foram pedir ajuda. Jamie ps fim ao enfrentamento em seguida e ordenou que se abrissem as portas de Bailekair. Ento, pela primeira vez em quase cem anos, os Carmichael e os MacBeth se reuniram sob um teto distinto ao da corte. Uma vez que restaurou-se a ordem no castelo, Jamie os ordenou que se congregassem no salo principal para lhes expressar seu desagrado pelo ocorrido. Eles obedeceram, cansados e com atitude hostil, mas assustados ante a evidente ira do soberano. Embora o rei falasse com serenidade, o tom de sua voz denotava a irritao que sentia, e nenhum dos presentes se deixou enganar por seu aspecto calmo.

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Contemplem as consequncias que conduziu sua inimizade: morte e destruio. Observem o sangue em que alagastes suas terras. Plantaram sementes de amargura e compilastes tristeza. Envergonho-me de vocs! Ouvem-me? Envergonho-me de chamar vocs de minha gente! Se for a discrdia, e no a paz, a que tem que reinar entre ns, como podemos abrigar esperanas de nos mostrar fortes e unidos ante aquelas naes que queiram lutar contra ns, que desejem incendiar nossas casas, violar nossas mulheres, matar nossos vares e nos arrebatar nossa querida Esccia das mos? Proponho-me os conduzir vitria e me respondem me arrastando derrota com suas miserveis disputas. Conseguiram que me sinta enojado e colrico com sua inimizade, que me ponha doente com seu dio. E esto dispostos a destruir o amor que professam dois dos seus, um amor to grande que algum dia um poeta escrever sobre ele, e todo mundo poder alimentar-se da eterna esperana que brotou as sementes de sua sangrenta inimizade. O que faro com eles? Onde esto o senhor Hunter MacBeth e lady Mary Carmichael? Imediatamente um murmrio de denncias, desculpas e comentrios indignados comearam a elevar-se entre os presentes. O clamor no demorou a ressonar por todo o salo. Silncio! bramou Jamie No atenderei suas splicas, pois o nico que pretendem culpar uns aos outros. Tampouco tolerarei que difamem o nome das duas pessoas que se atreveram a os desafiar com seu amor, j que suas lnguas s so capazes de soltar ruins e vulgares maledicncias sobre algo que no podem entender. Jamie se voltou para lorde Bothwell com semblante sombrio Ordene que os busquem

imediatamente, se que seguem com vida, porque estes estpidos so

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capazes, de hav-los matado. Ento olhou airadamente aos presentes no grande salo Logo os traga aqui, para que de agora em diante estes desprezveis covardes disse com desdm saibam reconhecer a pessoas de verdadeiro corao e valentia, quando as tiverem diante. Ento se sentou para esperar, e ningum ousou romper o silncio que se fez no salo principal do castelo. Mary e Hunter entraram na estadia lentamente. Mal podiam acreditar que estivessem livres, que no iam morrer, que o prprio rei sasse em sua defesa. Agarrados da mo aproximaram-se do monarca orgulhosamente com a cabea erguida. Mary apertava contra seu peito o cofre que entregara a Patrick Hepburn para que o guardasse. Nesse momento, se ouviu um tumulto ao fundo do salo procedente das portas do castelo. Ao ouvir o rudo, todo mundo voltou o olhar, e viu Jane Hepburn cruzar a porta com gesto resolvido. Seu marido lhe escrevera apressadamente uma mensagem, antes de sair de Eadar D Voe para lhe pedir que levasse os meninos dos MacBeth a Bailekair a toda pressa. Mame! Papai! Os filhos dos amantes puseram-se a correr para seus pais, que estenderam os braos cheios de jbilo e estreitaram os meninos embargados pela emoo. Mary e Hunter afundaram o rosto no suave cabelo de seus filhos para ocultar a confuso, enquanto Cadman e Joanna abraavam seus gmeos em um rinco do salo. Mary e Hunter deixaram seus filhos no cho e se ajoelharam ante o rei, cujos olhos estavam suspeitamente empanados. Contemplem a este casal ordenou Jamie com o olhar fixo nas cabeas inclinadas que tinha ante si e no esqueam a lio que nos ensinaram com seu amor, inclusive quando estiveram em perigo de morte. Deles depende sua salvao. Levantem-se, Hunter MacBeth e Mary

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Carmichael, pois seu amor a nica chama de esperana que arde em meio desta trgica e lamentvel inimizade, a mesma chama de esperana que deu a todos a velha bruxa, quando os amaldioou, e quo mesma no foram capazes de ver por culpa de sua cegueira. Sim, existe uma resposta ao enigma da maldio, e Patrick Hepburn me informou que lady Mary tem a chave para resolv-lo. Assim, lady Mary, peo-lhe que abra a porta do labirinto em que se extraviaram tantas vidas. Desse modo, rompendo o silncio que seguiu s surpreendentes palavras de Jamie, Mary, com Hunter ao seu lado e seus filhos aos seus ps, contou a histria da lenda e referiu como encontrou o cofre que sustentava nas mos. Esta arca pequena disse, levantando em alto o cofre para que todos o vissem contm a resposta ao enigma da lenda. Mas, antes que o abra e revele o que guarda em seu interior, quero lhes dizer o seguinte: Grizel no nos amaldioou. Fomos ns que amaldioamos a ns mesmos com nossa sangrenta inimizade e que, com nosso dio, destrumos quanto de precioso havia entre duas pessoas que se amaram to

apaixonadamente como Hunter e eu nos amamos. Agora lhes narrarei o final da lenda, posto que sua maldio leva j muito tempo nos atormentando. James Carmichael no sequestrou Anne MacBeth como todos pensvamos. Eram amantes, igual a ns tudo voltar a ser como era em um princpio mas seus cls estavam enfrentados e no sabiam o que fazer para que seu amor sobrevivesse a tal inimizade. Estavam desesperados; no podiam viver um sem o outro, de maneira que se propuseram desafiar seus cls, tal como Hunter e eu temos feito. Casaram-se em segredo e quando James foi reclam-la em Glenkirk com a

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inteno de levar-lhe a Bailekair, alegando que se tratava de sua esposa, Anne no duvidou em ir com ele. Os MacBeth assediaram Bailekair para resgatar Anne. O irmo de James, Robert de Dndereen, inteirou-se ento de que se casaram e, quando viu que James no pensava devolver Anne aos membros de seu cl, bateu em duelo com ele nas muralhas de Bailekair. Robert resultou morto, e seu cadver foi jogado das ameias do castelo ao campo de batalha, que estava coalhado das vtimas que se cobraram tanto os Carmichael como os MacBeth. A bondosa Anne no pde suportar o fato de que o amor que se professavam James e ela causasse tanta morte e sofrimento, por isso decidiu abandon-lo com a inteno de ingressar em um convento e arrepender-se de seus pecados. Ser amaldioada por sua gente por causa de um pecado cometido por outros e que ela mesma acabar cometendo Entretanto, como estava grvida e no podia empreender uma viagem longa, decidiu dirigir-se igreja de Mheadhoin, que era onde teve lugar seus encontros com James e onde faziam amor furtivamente. Ali Anne MacBeth encontrou a morte; em troca, o fruto de sua breve e apaixonada unio conseguiu viver e sobreviver. A fiel bab de Anne, a cigana Grizel, encontrava-se presente no momento do parto. Agarrou o menino e o levou a Torra nam Sian, ao norte da Esccia, onde havia poucas possibilidades de que algum se inteirasse de sua origem e o matasse. Persuadiu a uma jovem do cl MacBeth, que acabava de perder um filho, de que adotasse o menino e o criasse como se fosse o seu. Grizel retornou ento a Mheadhoin e lanou sua maldio sobre todos ns.

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O filho de James Carmichael e Anne MacBeth se chamava George e foi o primeiro em ter os malditos olhos violetas dos Carmichael. Hunter seu neto. Na verdade, lhes digo que pelas veias de Hunter MacBeth corre tanto o sangue dos Carmichael como o dos MacBeth. Seu bisav meu bisav. Segundo esta linha genealgica, o senhor Hunter MacBeth o verdadeiro conde de Bailekair.

E tudo o que ganhe ter sido seu desde o comeo.

O que deve sentir o cavalheiro? Indignao? Surpresa? Incredulidade? Por estranho que parea, Hunter no sentiu nada disso. Era como se, de algum jeito, j soubesse, por quanto ele formava parte de Mary tanto como ela dele. Era conde! Era conde e no se importava! Ele nunca se desprezou nem desesperou como Cadman pelo fato de ser de classe humilde. O que de verdade o alegrava era o fato de que Mary jamais tivesse que voltar a abandonar Bailekair. Apertou-lhe a mo para lhe dar a entender que sabia o que aquilo supunha, e ela prosseguiu com a voz trmula de emoo. Abram o cofre. Dentro encontraro os certificados de matrimnio e nascimento e a carta de Grizel. Quanto expliquei certo. O sangue dos Carmichael e o dos MacBeth esto mesclados de forma definitiva. O que dizem? Vo assassinar Hunter e seus filhos? Vo assassinar os filhos de Cadman MacBeth e sua esposa, Joanna Carmichael? Embora matem todos, no podero desfazer o que j parece, no podero separar aquilo que s o amor uniu, porque o amor a resposta ao enigma da maldio. Devem acabar com sua inimizade, esquecer seu dio e perdoar uns aos outros. Perdoem. Perdoem para que uma alma atormentada e

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fatigada descanse em paz e deixe de caminhar entre vs Se no o fizerem, digo-lhes quo mesmo Grizel em seu dia: destruiro a todos. Repito a pergunta: o que dizem? A multido reunida no salo guardou um estranho e tenso silncio, como se a sombra da velha bruxa os tivesse coberto. Ento um homem mais valente que outros deu um passo frente. Mary sentiu que lhe saltava o corao de alegria quando viu que Charlie Carmichael estendia a mo a seu querido cavalheiro cigano e lhe dizia: Sinto-me orgulhoso de cham-lo irmo, lorde Hunter MacBeth, conde de Bailekair. No! No! exclamou ento lady Margaret. Todo seu imprio estava desmoronando Jogou tudo a perder, puta! Destruiu tudo aquilo pelo que trabalhei! Equilibrou-se furiosamente sobre Mary louca de raiva com a adaga em alto e a mo fechada sobre o punho como se fosse uma garra. Hunter se apressou em deter condessa, mas no com a suficiente rapidez para proteger sua amada. A faca se afundou irremediavelmente no peito de Mary, que o ltimo que recordaria seria a seu cavalheiro cigano No, a seu senhor conde, corrigiu-se confusamente inclinando-se sobre ela e dizendo uma e outra vez: Oh, tigresa, no pode morrer agora depois de tudo o que passamos juntos!

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Captulo 37
Mary Carmichael no morreu e nunca chegou a saber qual dos dois colares que levava sempre sob o suti de seu arascaid lhe salvou a vida; as chaves com que resolvera o enigma da lenda ou o medalho que lhe presenteara Hunter um Natal de h muitos anos. Gostava de pensar que os dois colares se entrelaaram para salv-la: a adaga de lady Margaret se chocou contra a superfcie de ouro para deslizar a seguir para baixo e lhe causar um leve corte justo debaixo do esterno. Surpreendentemente, a cicatriz que ficou, quando fechou a ferida, se parecia com a que cruzava o abdmen de Hunter. A desalmada condessa tinha morrido. Assim que se inteirou de que Mary seguia viva, ingeriu uma taa de cicuta e, antes de expirar, confessou que fora ela quem verteu um narctico no vinho de Magnus aquela longnqua noite. Mary pensou que, depois de tudo, sua me teve a morte que merecia. A paz reinava agora nas Terras Altas. Os Carmichael e os MacBeth juraram o fim definitivo de sua inimizade ante o prprio rei. A satisfao embargou Jamie, quando posou o olhar em Hunter e Mary, que acabavam de ajoelhar-se ante ele. Eles eram os ltimos que lhe jurariam paz e lealdade.

Entretanto, do mesmo modo que agora perdura a tristeza, reinar a alegria, mas s quando tiverem completado o ciclo. Quando os

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tempestuosos mares voltem para quem abandonasse sua casa, duas pessoas se ajoelharo ante o senhor soberano, que por suas mos sobre eles e lhes dar sua bno para sempre, como no passado, quando certa pessoa benzeu a sua vez a um casal.

Sim, a alegria que Grizel prometeu reinava por fim nas Terras Altas. Levantem-se lorde Hunter MacBeth, conde de Bailekair, e lady Mary Carmichael ordenou o rei. Ento deixou escapar um suspiro de fingida tristeza e disse Hunter, ainda tenho uma dvida com voc, o que no deixa de me incomodar. algo que no posso tirar da cabea. Como isso possvel? perguntou o flamejante conde de Bailekair com ar perplexo Se sua majestade tinha uma dvida comigo, saldou-a com acrscimo. No, Hunter. Refiro-me gratificao que lhe ofereci faz tempo e voc rechaou. Ainda lhe devo isso. Resolvamos este assunto de uma vez e diga o que posso fazer por voc. Majestade sinto-me adulado, mas seriamente lhe digo que no desejo nada. Mesmo assim, majestade, se no importar A Hunter, no passou inadvertido que o rei franzia o cenho Eu gostaria de ceder minha gratificao a Mary como presente de bodas, pois embora ainda no pedi sua mo, espero me casar com ela muito em breve. Ainda no pediu sua mo? exclamou o rei fingindo que se zangava Mas pelo amor de Deus! A que est esperando? a moa mais formosa de toda Esccia, e ainda no pediu sua mo. Se no se apressa, juro-lhe que o farei eu por voc. J me tentou faz-lo no passado, asseguro-lhe isso. Ajoelhe-se agora mesmo e expresse os sentimentos que sei que guarda em seu corao.

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Com gesto solene, Hunter dobrou o joelho cortesmente ante Mary e lhe agarrou da mo. Lady Mary Kathryn Carmichael, amo voc. Amo voc mais que a minha vida. Far-me- a honra de se casar comigo? Sim, senhor. Os Carmichael e os MacBeth que se reuniram no salo principal de Bailekair prorromperam em uma grande ovao ao ouvir aquilo. O rei no demorou a pr ordem. E bem, moa? disse, voltando-se para Mary amavelmente quando se fez de novo o silncio Que deseja? Tenho mais do que poderia desejar, majestade murmurou a moa, olhando seus familiares e amigos: Hunter e seus filhos, Geoffrey, Ranald e Magnus; Patrick e Jane Hepburn; David e Grace MacDonald; Charlie e Alinor Carmichael; Cadman e Joanna MacBeth. Cadman e Joanna, as duas pessoas s que Hunter e Mary tanto queriam tinham permanecido ao seu lado em todo momento, sem lhes falhar em nenhuma ocasio. Cadman e Joanna, dois bastardos desdenhados que, depois de perder a seus amantes, haviam tornado a encontrar o amor um no outro Sim, sim, majestade. H algo que quero lhe pedir! de repente a Mary acendeu o rosto pela emoo. Pea-me e seu. Ao rei brilhavam os olhos de curiosidade e regozijo Mas lhe aviso que se se tratar das propriedades do senhor Fleming, no lhe poderei dar isso porque tornei a lhe perdoar. No, majestade. Trata-se de Dndereen. Dndereen, Mary? Sim, majestade, mas no para mim se apressou a lhe tranquilizar para que no pensasse que era uma sdita ambiciosa No, o que lhe

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peo que conceda os ttulos de conde e condessa de Dndereen e todas suas propriedades a Cadman e Joanna MacBeth. Oh, no, Mary! Trata-se da herana de Geoffrey! exclamou Joanna com estupefao. Edward no a queria e tampouco acredito que teria querido que seu filho a aceitasse respondeu Mary com serenidade e deciso Se voc e Cadman estiverem de acordo, eu gostaria de comprometer o filho de Edward com Janet. Construiremos um castelo para eles no ponto em que se unem nossas propriedades. A Cadman, mudou o semblante de maneira estranha. Seus olhos azuis estavam arrasados em lgrimas. Ento se ajoelhou ante Mary e lhe beijou a mo. Mary, Mary eu eu Levante-se lorde Cadman MacBeth, conde de Dndereen disse James com a voz entrecortada pela emoo. Seus sditos o afligiam. Depois de esfregar os olhos, esclareceu a garganta e disse Mas no pense que, porque Hunter e voc so agora condes, liberar-se-o de me dar uma explicao sobre o assunto de Perkin Warbeck. Oh, majestade grunhiram os dois homens, ao ver o gesto de fingida desaprovao do rei.

Hunter MacBeth e Mary Carmichael se casaram em 1 de agosto de 1495, festa do po, na igreja de Mheadhoin. Parecia adequado que a lenda conclui-se no mesmo lugar em que comeara. As Terras Altas da Esccia estavam cobertas de um formoso manto dourado e prpura, quando os maridos subiram aquela colina. A igreja se elevava orgulhosamente no topo e sua cpula rematada em cruz se

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recortava sobre um esplendoroso cu azul pintalgado de nuvens brancas. As tranquilas e claras guas do lago Ness despediam brilhos azuis luz do sol. Em um momento da cerimnia, Mary acreditou ouvir ao longe um estranho grito de triunfo e pensou que s o monstro do lago podia hav-lo proferido. Depois da solene, mas jubilosa boda, os recm casados se aproximaram agarrados da mo solitria tumba que havia atrs da igreja, depositaram um par de ramos de flores sobre a lpide e renderam uma silenciosa comemorao a valente e formosa moa que ali descansava. Anne MacBeth alcanava por fim a paz eterna. Esse mesmo dia, como lembrana para a posteridade, os recm casados mandaram gravar no granito as seguintes palavras:

Anne LEAH MACBETH CARMICHAEL Condessa de Bailekair Querida esposa de James George Carmichael Conde de Bailekair 1382-1397 R. I. P.

Acabou. A lenda chegou a seu fim sussurrou Mary com o olhar fixo na lpide. No, meu amor disse Hunter sorrindo. Seus olhos violetas tinham esse brilho que fazia que lhe acelerasse o corao A lenda acaba de comear.

Fim

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Nota da Autora
Todos os personagens que aparecem neste livro so fictcios com a exceo das figuras histricas, quer dizer: os diferentes reis e rainhas, os condes de Angus, Huntly e Bothwell, lady Gordon, etctera. Todas as situaes em que suas vidas se cruzam com as dos personagens fictcios so pura inveno, embora a batalha de Sauchieburn (Esccia), os acontecimentos que a desencadearam e o ocorrido no moinho de Beaton respondem a feitos verdicos. Entretanto, as circunstncias que rodearam ao assassinato do rei James III da Esccia no chegaram a ser esclarecidas. Embora se produzissem vrias escaramuas entre os turcos e os hngaros em torno da cidade de Belgrado na poca em que est ambientada a novela, a batalha que descreve a autora fictcia. Perkin Warbeck, pretendente coroa da Inglaterra, fez duas tentativas frustradas de invadir o pas, a primeira em 1493 e a segunda em 1495, antes de obter seu objetivo em 1497. Em vrias ocasies, recebeu ajuda do rei James IV da Esccia. A autora no pde resistir tentao de incorporar uma destas tentativas no relato, embora alterando os fatos verdicos para ajust-los a sua histria. Em realidade, no sculo XV, os membros da famlia Carmichael pertenciam aos cls MacDougall e Stewart. Por sua parte, os membros da famlia MacBeth pertenciam aos cls MacBain, MacDonald e MacLean. Nenhuma das duas famlias constitua um cl por si mesmo. No obstante, a autora decidiu os retratar na novela como se fossem. Qualquer

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semelhana, intencional ou no, que se d na narrao entre estas e as verdadeiras famlias Carmichael e MacBeth do sculo XV mera coincidncia. Embora os cls Murray e MacDonald sim existiram, os membros de ditos cls que aparecem na novela so imaginrios. Por outro lado, a autora tomou a liberdade de atribuir lemas, gritos de guerra, brases, divisas e cores aos cls mais importantes e escolheu aqueles que lhe pareceram mais satisfatrios. No so autnticos, j que as famlias possuem hoje em dia seus prprios brases e demais. Em alguma ocasio, embora naquela poca fosse ainda pouco frequente, o braso estava rematado em uma cilada com um lambrequn. O braso ou braso completo (que consiste no escudo, a cilada, o lambrequn, a coroa, a cimera, os suportes, a base, o lema e s vezes a ordem de cavalaria) com que estamos familiarizados hoje em dia comeou a utilizar-se muito mais tarde, razo pela qual no se emprega na novela. Tambm tem que se ter presente que na poca em que est ambientada a novela no era habitual o uso de sobrenomes; se recorreu a isso para evitar confuses ao leitor. Embora o galico fosse o idioma que se falava nas Terras Altas escocesas durante o sculo XV, a autora empregou a verso inglesa dos nomes de batismo, caso que ao leitor resultariam mais familiares. De todos os modos, virtualmente todos podem ser traduzidos ao galico. Todos os castelos (Bailekair, Dndereen, Glenkirk e demais) que aparecem na novela como parte das propriedades dos Carmichael ou dos MacBeth, assim como os castelos dos Murray e os MacDonald e a aldeia de Mheadhoin e sua igreja s existem na imaginao da autora.

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Sobre os Cls
O CL CARMICHAEL

LEMA: Nunquam obliviscar. (Nunca esquecerei.) GRITO DE GUERRA: Buaidh no B. (Vitria ou morte.) BRASO: campo de ouro com cruz prpura coroado por um unicrnio rampante de prata com asas, corno, cascos, crinas e cauda de ouro, sobre nuvem azul, com uma espada de prata e punho dourado na pata dianteira direita. (O unicrnio que aparece no braso do chefe do cl est coroado com um diadema de ouro.) DIVISA: urze prpura. CORES: prpura e azul.

O CL MACBETH

LEMA: Que a ponta da lana no toque o escudo. GRITO DE GUERRA: Pelos MacBeth! Pelos MacBeth! BRASO: farrapo palado de ouro e sabre; direita de ouro e sabre e dividido em quatro tringulos; esquerda de ouro coroada por um flamejante gato monts sabre saltando; na pata dianteira esquerda um escudo redondo das Terras Altas, sinople direita, gules esquerda e com bordadura sabre. (O gato monts que aparece no braso do chefe do cl est coroado com um diadema vermelha.) DIVISA: pinheiro escocs CORES DO CL: vermelho e verde.

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Rebecca Brandewyne
Mary Rebecca Wadsworth Brandewyne nasceu em

Knoxville, Tennesse (1959) e viveu em Knoxville e Chattanooga os primeiros anos de sua vida. Mais tarde viveu no Kansas, e passava os veres no Alabama com seus avs. Se graduou com honra em Filosofia e letras e Jornalismo pela Universidade de Wichita. Comeou sua carreira como escritora aos vinte e um anos com Gentle Love, novela que demorou um ano em acabar e vendeu em trs meses, convertendo-se na autora romntica mais jovem da Amrica. Aps publicou mais de uma trintena de novelas. Depois de ter viajado pelos EUA, Europa, Caribe, Canad e Mxico, ela se define como uma garota de campo a que soltaram na grande cidade.

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