Roma e o Evangelho (D. Jose Amigo Y Pellicer)

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D. Jose Amig Y Pellicer

Roma e o Evangelho
Traduzido do Espanhol Roma y el Evangelio 1874

Cristo Ensinando os Apstolos Catacumba de Domitila em Roma

Contedo resumido
O Livro Roma e o Evangelho, que foi compilado por D. Jos Amigo y Pellcer contm os estudos filosficos-religiosos e tericoprticos feitos pelo Crculo Cristiano Espiritista de Lrida, na Espanha, em 1874, e por no poderem conciliar a estreiteza da Igreja de Roma com a largura da obra traada por Deus, sentiam que algo de humano precisava ser removido e que o Espiritismo devia ser o motor de tal depurao do Evangelho de Jesus Cristo.

Sumrio
Prefcio do Tradutor Quatro Palavras ao Leitor

Primeira Parte A Razo em busca da F


Captulo I
Os nossos propsitos. - A Razo. - A Verdade, a Cincia e a Religio. - Buscai e achareis

Captulo II
Motivo da nossa iniciativa em matrias religiosas. - A f cega

Captulo III
O nosso racionalismo. - Erro dos que pretendem perpetuar a infncia da Humanidade

Captulo IV
Razo das nossas crenas primitivas. - Insuficincia das crenas que se baseiam na f cega

Captulo V
Roma pode errar. - Tem errado. - Pode, portanto, induzir ao erro

Captulo VI
O Deus dos catlicos. - O Infinito com limites. - O absurdo

Captulo VII
Dever do homem verdadeiramente religioso. - Necessidade de uma imediata regenerao religiosa

Captulo VIII
Farisasmo e hipocrisia. - Importncia do Catolicismo pelo nmero dos seus adeptos

Captulo IX
Roma no a igreja de Jesus. - Um s rebanho e um s pastor

Captulo X
O Evangelho. - A nova escola - Seus adeptos

Captulo XI
Os adeptos da nova escola. - Os defensores da ltima hora do Catolicismo Romano. - Campanha clerical

Captulo XII
O Catolicismo combatido pela nova escola com os ensinamentos do Cristo. - O Espiritismo: seus princpios. - Os mercadores do Templo

Captulo XIII
Covardia. - A nossa loucura. - Os prudentes e os loucos do sculo

Captulo XIV
As nossas esperanas a respeito dos catlicos, dos indiferentes em religio e dos materialistas

Captulo XV
O Espiritismo julgado sem prvio estudo. - Afirmaes romanas e afirmaes espritas

Captulo XVI
Pluralidade dos mundos habitados

Captulo XVII
Pluralidade das existncias da alma

Captulo XVIII
Conseqncias absurdas derivadas do dogma da existncia nica da alma. - Reencarnao das almas

Captulo XIX
Eternidade relativa das penas das almas

Captulo XX
Comunicao entre o mundo espiritual e o dos encarnados

Captulo XXI
F cega e f raciocinada. - Conformidade do Espiritismo com o Cristianismo. - Os tormentos da dvida. - O nosso credo

Segunda Parte A Razo e a F esclarecidas pela Revelao


Captulo I
Influncia benfica do Cristianismo puro. - A presena de Deus

Captulo II
A procura dos fatos. - A Revelao progressiva

Captulo III
Primeiros resultados. - Inconvenientes da comunicao e meios de evit-los

Captulo IV

Importncia da comunicao espiritual. - Decepes. -. O que se deve procurar obter das comunicaes

Captulo V
A comunicao um fato. - Como a julgam os despreocupados e a Igreja

Captulo VI
Como se realiza o fato. - Os mdiuns

Captulo VII
A comunicao no um fenmeno contranatural. - O perisprito. Hipteses sobrenatural nem

Captulo VIII
Autenticidade das comunicaes

Captulo IX
Desconfiana prudente. - Prece. Evocao

Captulo X
Continuao do mesmo tema. - Contradies em que incorre a Igreja Catlica

Captulo XI
Importncia moral da comunicao. - Objeo contraproducente. Consideraes

Comunicaes ou ensinos dos Espritos


N - 1, de Luculo N - 2, de Luculo N - 3, de S. Lus N - 4, de Fenelon N - 5, de Fenelon N - 6, de S. Paulo

N - 7, de Luculo N - 8, de Moiss N - 9, de Eulgio N - 10, de S. Paulo N - 11, de S. Lus N - 12, de S. Lus Gonzaga N - 13, de S. Lus N - 14, de S. Joo Evangelista N - 15, de Santo Agostinho N - 16, de Fenelon N - 17, de Maria N - 18, de S. Lus Gonzaga N - 19, de Tomas de Aquino N - 20, de Maria N - 21, de Vtor, bispo N - 22, de Maria N - 23, de Maria N - 24, de Vtor, bispo. N - 25, de Santo Agostinho N - 26, de Allan Kardec N - 27, de Luculus N - 28, de Joo e do Abade Lamennais N - 29, de Maria N - 30, de Allan Kardec N - 31, de Jos N - 32, de Jesus N - 33, de XXX e L N - 34, de V N - 35, de Gratry N - 36, de Vtor N - 37, de Gratry N - 38, de Luculus N - 39, de Agostinho e Joo

Parte Terceira O Espiritismo nos livros sagrados


Captulo I
Preliminares

Captulo II
Pluralidade de mundos e de existncias. - Reencarnaes dos Espritos

Captulo III
O inferno no eterno. - O diabo, em pessoa, no existe

Captulo IV
Salvao universal

Captulo V
Revelao e ensinos dos Espritos

Concluso

TESTEMUNHOS VALIOSOS SOBRE O ESPIRITISMO


Testemunho do Abade Almignana Testemunho de Alfred Russel Wallace Testemunho de Victorien Sardou

INFALIBILIDADE DO PAPA
Discurso do Bispo Strossmayer Evaso de Sacerdotes

PREFCIO DO TRADUTOR

A obra que traduzimos no desses trabalhos que falam mais inteligncia, pelas idias brilhantes e pelo colorido com que so revestidas, do que ao corao, pelos sentimentos puros e elevados que provocam douras na alma de quem ama o bem e rende culto verdade, que Deus. "Roma e o Evangelho" inspirada em ambas quelas fontes: na do saber, que ilustra - e na dos sentimentos, que purificam. "Roma e o Evangelho" fala razo e ao corao - e f-lo de um modo to sentido e to vibrante, que s um obcecado pelo esprito de sistema ou pelo fanatismo, poder recusar a luz e a verdade que palpitam em cada. uma destas sublimes pginas. Em Lrida, alguns espritos sequiosos de conhecerem se srio ou ridculo - se verdade ou falsidade - isto que sob o ttulo de Espiritismo se espalha pelo mundo e cria razes no seio da Humanidade, combinaram estudar e examinar por si mesmos os princpios essenciais que constituem os fundamentos e a bandeira da nova doutrina, cuja apario foi devida a fatos extraordinrios que se deram simultaneamente em mltiplos pontos do nosso planeta. Dizem que os associados eram padres ilustrados que, por no poderem conciliar a estreiteza da doutrina romana com a largura da obra traada por Deus, sentiam que algo de humano precisava ser removido - e que o Espiritismo devia ser porventura o motor de tal depurao. de simples intuio que, sacerdotes, pisando o solo sagrado, no o podiam fazer seno amide e com sobressaltos da conscincia, e, assim, os seus trabalhos foram feitos com escrpulos verdadeiramente meticulosos.

Tais foram, porm, os resultados obtidos naquelas especiais condies, que no vacilaram em dar ao pblico o que colheram em confirmao dos princpios cardeais da doutrina esprita, hoje para eles de origem divina, como a revelao mosaica - como a messinica. Com a assistncia, bem experimentada, de altos Espritos, lograram reconhecer as imperfeies do romanismo em relao s sublimidades contidas no Evangelho - e da que vem o ttulo da, obra que publicaram, por dever de conscincia e para evitar que se despenhem na incredulidade os que no encontram na igreja romana satisfao racional aos ditames da sua conscincia, iluminada pela razo, como devia ser, se Roma fosse para o Evangelho o que este para as verdades eternas. Corrigindo e ampliando a doutrina romana pelos ensinos da nova Doutrina Esprita, como corrigiu e ampliou o divino Jesus as falsas prticas da lei moisaica, os associados de Lrida plantaram em seu seio, que denominaram "Crculo Cristiano-Espiritista", o estandarte da verdadeira escola crist - e nesse crculo de trabalho santo receberam, a princpio, tmida, e depois, confiadamente, o ensino de altos Espritos, que lhes foi luz para discernirem os golpes que Roma tem desfechado no Evangelho, entendendo-o pela letra, ao passo que o Espiritismo o explica em esprito e verdade. A obra que traduzimos escrita em estilo bem claro, ao alcance de todas as inteligncias; o que no a priva de ser firmada em lgica rigorosa e em amena e agradvel linguagem. As mais srias e intricadas questes que tm trazido em constante lidar a inteligncia dos sculos, so a esclarecidas

por comunicaes espritas de tal beleza, que encantam, e de tal rigor, que cativam a razo. "Roma e o Evangelho" um livro preciosismo, em si, pelos sublimes ensinos que d - em sua origem, pelo exemplo que abre: de serem padres seus autores, rompendo com o fanatismo que proclama a absurda "f passiva" - e tomando posse, em nome da suprema lei do livre-arbtrio, da "f raciocinada", nica que pode ser agradvel Oniscincia, que no deu raciocnio ao esprito para lhe ser instrumento intil no trabalho do seu aperfeioamento, que toda a lei da sua evoluo. O livro, a o tem o leitor - e, por sua atenta leitura, decida se so exagerados ou malcabidos os conceitos deste prefcio a seu respeito. Rio de Janeiro, 31 de maro de 1899.

QUATRO PALAVRAS AO LEITOR

Quando, no intuito de estudarmos o Espiritismo, demos princpio, em maio passado, s nossas reunies, bem longe estvamos de suspeitar que um dia havamos de publicar o resultado dos nossos modestos trabalhos. Levvamos a suspeita de encontrar, na nova doutrina, pontos ridculos - flancos vulnerveis - emotivos mais que suficientes, no s para a votarmos ao desprezo, como para sepult-la por atentatria das sbias leis da moral evanglica; caso em que estvamos, de antemo, resolvidos a dissolver as nossas reunies, volvendo cada um de ns ao seu estado anterior.

Fora, porm, confessar que redondamente falsa era aquela suposio e que infundada e ilegtima era ela. Em vez de teorias ilgicas - afirmaes ridculas crenas supersticiosas e absurdas - e moral suspeita, deparam com uma filosofia robusta e acessvel razo, sancionada pelos fatos e solidamente firmada nos ensinamentos de Jesus Cristo. Movidos por uma fora superior e irresistvel, demos, em setembro, um carter mais formal s reunies, estabelecendo, em razo dos estudos feitos e das idias aceitas, o Crculo Cristiano-Espiritista, j ento decididos a darmos oportunamente, ao pblico, o fruto dos nossos trabalhos. Sem o impulso superior e sem a fora de convico e do dever que nos fizeram corajosos, no nos atreveramos a publicar este livro. Frgeis e fracos para resistirmos ao sopro do Aquilo sem abrigo, alm da conscincia satisfeita, para enfrentarmos com a tempestade, bem sabamos que, da publicao deste livro, s colheramos desgostos e amarguras.(*)
(*) Poucos meses depois de publicada esta obra, o Ministro da Instruo Pblica na Espanha, Marqus de Orovio, suspendia dos seus empregos de Diretor e segundo Professor da Escola Normal de Lrida, por causa das suas opinies filosficoreligiosas, a D. Domingo de Miguel, presidente do "Crculo Cristiano-Espiritista", e ao autor do "Roma e o Evangelho".

Dbeis pigmeus, arrojamo-nos a pr os olhos num colosso de dezenove sculos, cujo simples estremecimento podia aniquilar-nos. Por que, ento, no vacilamos - no trememos? Por que, como David, nos oferecemos s iras de Golat? Por que to inslito valor, quando sabamos que ramos irremissivelmente vtimas da fora? Ah! uma voz mais poderosa que a de todos os colossos da Terra, soou clara aos nossos ouvidos - e ns seguimos os

seus preceitos, tomados da loucura do dever a que estamos resolvidos sacrificar tudo. Como os primeiros cristos, temos a f precisa para desenrolar o divino estandarte dos ensinos de Jesus, embora tenhamos de sucumbir sua gloriosa sombra. No nos amaldioeis, sacerdotes do Cristo, que vos julgais depositrios da verdade absoluta. Somos vossos irmos - e, mesmo que recussseis o vosso corao caridade, to recomendada pelo Enviado do Altssimo, no deixaramos de s-lo. Ns vos amamos e bendizemos, porque devemos assim fazer - porque devemos amar e bendizer todas as criaturas emanadas do pensamento de Deus. No nos amaldioareis, no? Dizeis-vos cristos - e estamos certos de que procedereis como cristos. No ignorais que Jesus repreendeu severamente a Tiago e a Joo (**) quando pediram o fogo do cu para samaritanos que recusaram receb-los em uma das suas cidades.
(**) S. Lucas, cap. IX, vers. 54, 55 e 56.

E o que fareis, se chegasse a vs outros a palavra de Jesus dizendo-vos: "fazei isto?" Fareis o que o Mestre vos ordenasse; e, pois, deixai que o faamos ns. O fim do presente livro justificar o nosso procedimento e combater os erros plantados pelos homens na religio crist, demonstrando que o Evangelho, longe de opor-se realizao do progresso condenado pelos decretos de Roma, a fonte e a grande alavanca do progresso infinito da Humanidade. assim que, convencidos os homens de que o Cristianismo satisfaz a todas as necessidades e legtimas

aspiraes, abraa-lo-o com entusiasmo e f - e desaparecero o indiferentismo e o culto da matria. Como, porm, a existncia dos erros supe a de indivduos ou classes que os aceitam e sustentam, impossvel combat-los sem ferir as suscetibilidades destes. A fim, portanto, de evitar falsas interpretaes que no esto em nosso nimo, declaramos formalmente que, nem antipatias, nem prevenes, nem m-vontade, e tampouco desejo de ofender ou prejudicar algum, moveram, direta ou indiretamente, a nossa pena, pois ela exclusivamente dirigida pelos impulsos da conscincia. Quando censuramos, referindo-nos ao clero ou s autoridades da Igreja, deve isso ser entendido como dirigido aos erros e abusos, nunca porm aos indivduos ou classes; pois que, se nos julgamos autorizados a censurar mistificaes, direitos no presumimos ter de condenar os que porventura vem o bom uso no abuso - e a verdade no erro. E como poderamos condenar, se o princpio capital da nossa doutrina a caridade e o perdo? Tudo tem sua razo de ser - e tudo contribui e coopera para o cumprimento da lei que preside criao. Moiss no podia deixar de preceder a Jesus, porque o povo hebreu, ento grosseiro, material e prevaricador, no estava em condies de receber o Evangelho. Tampouco Jesus no ensinou tudo o que sabia, porque a gerao do seu tempo no suportaria o peso de todas as verdades.(*)
(*) S. Joo, cap. XVI, vers. 12.

Por isto, ele serviu-se de alegorias e de parbolas que, se no momento se prestavam a errneas interpretaes, mais tarde deveriam ser entendidas em seu verdadeiro sentido. Quem, entretanto, poder com razo acusar Moiss, pela dureza das suas leis, e Jesus, por haver falado ou dito em linguagem obscura o que no convinha revelar? A inspirao e a palavra de Deus so sucessivas, e a Humanidade vai recolhendo-as medida das suas necessidades. Por conseguinte, no podemos culpar a Igreja Romana por erros que no so seus, mas sim da misria dos tempos e da ignorncia das geraes que se tm sucedido aps a morte de Jesus. Julgamos ter manifestado com bastante clareza os nossos pensamentos: tudo pela idia - nada contra as pessoas. Se, depois do exposto, algum se julgar ferido por qualquer frase nossa, sentiremos; mas a culpa no nossa. As pessoas, repetimos, merecem-nos indistintamente o mais cordial respeito; os erros, eis o que nos propomos combater. Lrida, abril de 1874. O Crculo Cristiano-Espiritista.

PRIMEIRA PARTE A Razo em busca da F I

Os nossos propsitos. - A Razo. - A Verdade, a Cincia e a Religio. - Buscai e achareis

Deus, que conhece os nossos mais ntimos pensamentos, sabe quanto so bons os propsitos e sinceros os desejos que nos movem a publicar o presente trabalho, fruto de maduro estudo e de imparcial observao. Dedicados de boa-f, com a melhor boa-f, ao movimento intelectual que vem agitando as conscincias e as sociedades, sob o plio das liberdades que nos trouxe o movimento poltico, a brisa revolucionria, empreendemos procurar a razo das nossas crenas religiosas, com nimo firme de robustec-las e afirm-las pela fora da convico, e de purific-las em tal caso, ou de substitu-las, se chegssemos convico oposta de alimentarmos erros. Bem sabemos que este nosso atrevimento ser, por alguns, qualificado de orgulho satnico - de revolta ou de esprito de independncia, censurado e condenado pela Igreja; desses tais, porm, apelaremos para o senso comum, para a conscincia universal - e, em ltimo caso, Para a suprema Justia, no nos acobardando nem retrocedendo ante uma qualificao gratuita e caprichosa. A razo um atributo, um dom, concedido aos homens pelo Altssimo. E, do mesmo modo que os olhos do corpo nos foram dados para abrirmo-los luz, a razo, que vista da alma, nos foi concedida para buscarmos a luz da verdade, que o po do esprito. Porventura a criatura racional procura a razo, no como luz, que mostre os perigos, mas como perigo, como obstculo - como ameaa?

Porventura o Sumo Legislador estabeleceu o feudalismo intelectual - a escravido da razo a razo - da inteligncia a inteligncia? Onde estar o orgulho - onde a soberba? Estar nos que, reconhecendo-se pequenos e falveis, empregam a maior atividade em descobrir algum raio de luz da verdade que desce das alturas -, ou nos que alardeiam possuir em depsito a verdade inteira e absoluta, e negam aos outros o direito de procur-la? A verdade absoluta, una e indivisvel - Deus. Todas as manifestaes da verdade procedem do mesmo foco, do mesmo centro: a divina substncia. Quem busca a verdade busca a Deus. A Cincia e a Religio so manifestaes da verdade absoluta; emanam de Deus e volvem a Deus. A religio a cincia, e a cincia a religio; so, permita-se-nos a expresso, o fio condutor que comunica a criatura com o Criador. A cincia que no conduz a Deus, falsa - a religio que no marcha com a cincia, no verdadeira religio. Pois bem: o que temos procurado , na cincia, os fundamentos da nossa religio - da religio que nos transmitiram os nossos maiores e que aceitamos de olhos fechados, sem a conveniente reflexo. O que temos pretendido, sancionar o sentimento pela convico - e a f pelo estudo! "Buscai e achareis - batei e abrir-se-vos- - pedi e dar-sevos-", disse Jesus. (1)
(1) E rogo que a vossa caridade abunde mais e mais em cincia e em todo o conhecimento, para que aproveis o melhor e sejais sinceros e sem tropeos no dia do Cristo. (S. Paulo aos filip., cap. I, vers. 9 e 10.) Examinai tudo e abraai o que for bom. (Idem aos tess., capitulo IV, vers. 21 da Epst. I).

Fomos buscar uma luz, que desvanecesse as dvidas que de vez em quando nos assaltavam sobre o destino das almas; fomos bater porta do santurio, onde tem assento a verdade; - pedimos fervorosamente o auxlio de Deus, em nossas debilidades e misrias. Que mal pode haver nisto? Podemos ser censurados? Podemos estar em erro - pode-nos cegar alguma preocupao imperceptvel; mas, se nos lcito dizer o que sentimos, no podemos deixar de declarar que, em nosso conceito, o que a maior parte, a maioria dos catlicos tem pedido a muitos sculos, o esquecimento do conselho ou preceito evanglico que ficou acima apontado. Temos buscado - temos batido - temos pedido para os outros, deixando a outros o cuidado de buscarem - baterem e pedirem por ns.

II Motivo da nossa iniciativa em matrias religiosas. - A f cega

Para os que tm o consolo de crer em Deus e na imortalidade do Esprito, a salvao da alma o que h de maior monta - a nica coisa verdadeiramente importante. E se nos assuntos transitrios, como podemos chamar os que se referem ao nosso bem-estar puramente material, no nos confiamos a mos estranhas e queremos intervir e assegurar-nos por ns mesmos da sua gesto e resultados, no censurvel, antes de justia, de prudncia e de razo

que, tratando-se do estado ulterior das almas, que nos tem sido apresentado como definitivo, procuremos adquirir diretamente a necessria certeza, quando no-la possa dar a luz da nossa razo. Bom que cada um desconfie prudentemente de si prprio e renda autoridade dos doutores da Igreja a homenagem de respeito que merecem nas questes religiosas; mas, da abdicao completa do critrio individual, vai enorme distncia. Bom , nas excurses cientficas, seguir as pegadas dos sbios; nunca, porm, com uma venda nos olhos, pois o cego no pode compreender a beleza dos fenmenos que o seu guia lhe descreve, nem evitar o abismo em que um e outro podem precipitar-se, pelas distraes e abstraes daquele. Queremos salvar-nos, e a salvao parece-nos arriscada quando a alma cerra os olhos para procur-la. Por isso, procuramos abri-los, seguros de que a religio e a moral verdadeiras nada podem temer da cincia; temos pedido cincia: a verdade da moral e da religio em que nos educaram, a confirmao do Catolicismo, da Igreja em que se formaram as nossas crenas. Obedecia esta conduta ao desejo de encontrar motivos para combater os fundamentos religiosos que nos legaram nossos pais? No, certamente. Tnhamos tido momentos de dvida, de incerteza, de ansiedade, relativas questo capital do destino ulterior do homem, momentos que, bem a nosso pesar, se reproduziam e nos fustigavam freqentemente; e, como a f cega no bastava para tranqilizar-nos, corremos a buscar armas com que robustecssemos a nossa f e fizssemos face aos assaltos da dvida. (2)
(2) Mateus, cap, VII, vers. 7.

E muito cmodo dizer crede; sumamente difcil crer o que a razo no aceita. Em vo se esforaro os mdicos por persuadir o enfermo de que a sua sade melhora, se este, cada dia, se sentir mais debilitado e abatido. Que se diga cr ao mesmo tempo em que se recomende o estudo das crenas impostas, isto sim, compreende-se; mas, impor a f e negar o direito de lhe procurar os fundamentos, motivo suficiente para se suspeitar da recomendao. Dizei a um homem, no pleno gozo dos seus sentidos, que cerre os olhos para sempre, sob promessa de que outros se encarregaro de ver por ele e de gui-lo - e ele zombar da vossa singular proposta. E querer-se que a gente, no perfeito gozo de sua razo, renuncie completamente a seu uso e dela abdique, precisamente no que h de mais transcendental, para deixarse levar pela razo de outrem! Ameaais a alma com uma pena sem apelao e com uma sorte definitiva aps a vida corporal; deixai, pois, que as nossas almas meditem profundamente sobre os seus passos e estudem a sua misso e deveres com toda a luz possvel, a fim de no se extraviarem nos desvios da vida. Quem no faz isto, confessa-se nscio ou imprudente e temerrio.

III O nosso racionalismo. - Erro dos que pretendem perpetuar a infncia da Humanidade

J nos parece ouvir a palavra racionalistas, lanada em tom de antema sobre ns, que ousamos lembrar que a razo o atributo distintivo da natureza humana - atributo que no pode o homem ter recebido da Divindade sem um fim: sem o dever de desenvolv-lo e de servir-se dele para os atos que dependem da liberdade individual. O que seria a liberdade humana, o livre-arbtrio, sem o jogo da razo e sem a luz do entendimento? Como poderia a conscincia ser responsvel por suas faltas e a vontade por suas determinaes, faltando ao homem o farol que esclarece a primeira e guia a segunda? E se, possuindo essa luz, o homem procura apag-la ou cerra os olhos para no se servir dela, como proceder com liberdade? Pode ter Deus posto na substncia racional algo que corte a sua atividade e a condene a um estado embrionrio ou ao quietismo e inrcia, a respeito das verdades eternas, religiosas? Pode o Supremo-Arquiteto ter querido, em suas relaes com a criatura, e da parte desta, a correspondncia humilhante do escravo a um culto automtico, sem inteligncia e sentimento, ou a homenagem que nasce do reconhecimento e da admirao? Racionalistas! Se com esta palavra se pretendesse designar os que levantam em sua alma altares razo, para diviniz-la, considerando-a como a nica lei das aes humanas, repeli-la-amos com toda a energia; pois bem compreendemos que as faculdades do homem so progressivas, conseguintemente limitadas e limitado o crculo da sua atividade e a esfera do seu poder.

Tampouco somos racionalistas no sentido de negar toda a autoridade. Admitimos, de bom grado e com venerao, a autoridade que emana direta ou indiretamente de Deus e as de todos as que tm tomado a dianteira nos caminhos difceis da Cincia, enquanto as suas afirmaes se conformam com as leis do bom senso. Mas, se ser racionalista consiste em empregar prudentemente a razo, at tende chegam os raios mais ou menos intensos da nossa luz - em buscar a Deus por ns mesmos, estimando pelo seu valor a meditao alheia - em procurar irmanar e harmonizar a cincia com a religio e a religio com a cincia - em pedir a esta sano f - em considerar a autoridade dos homens como autoridade falvel, o que equivale a dizer: autoridade humana - em discorrer sobre o que a razo no compreende e recusar o que a razo recusa por absurdo - em investigar a maneira mais prpria e agradvel de servir, em esprito e verdade, ao Pai comum das criaturas - em confiar sua paternal justia o que possa fortificar as nossas almas no desejo e na, prtica do bem - em reconhecer a nossa fraqueza, a nossa impotncia, e implorar o superior auxlio em nossas dvidas e desfalecimentos; se nisso consiste o nosso racionalismo, por que neg-lo, quando ele est na dignidade e nos atributos da natureza humana? Quo errados vo os que pretendem perpetuar a infncia da Humanidade! A criana transformou-se em adulto, e busca a emancipao e a independncia prprias da nova idade em que entrou. No crem no progresso dos tempos, e o progresso dos tempos se lhes impe. Educaram as sociedades, mas no souberam aprender que as sociedades no ficam estacionrias. Monopolizaram a Cincia, mas tm visto

como irradia ela a sua luz em todas as direes, e no adivinharam que essa luz havia de espancar as trevas da f que no se firmasse na Cincia. A Histria nada lhes ensinou - o vu das cincias experimentais e da filosofia nada lhes tem deixado ver - a Terra continua para eles fixa e encravada no centro do Universo - e ainda tm a aspirao de deter o curso do Sol, como Josu. Talvez oponham, aos nossos bons desejos e sinceras observaes, os seus costumados antemas. No os tememos, porque j perderam a sua escassa importncia, desde que se fizeram infalveis; sentimos, porm, e deploramos isso, como sentimos e deploramos todos os abusos desta espcie, que se do em nome de uma religio que recomenda a caridade como a primeira das virtudes. Se nos amaldioam, ns os abenoamos. So nossos irmos, e, s suas palavras de dio e de maldio, responderemos com palavras de amor e de perdo.

IV Razo das nossas crenas primitivas - Insuficincia das crenas que se baseiam na f cega

Por que somos catlicos romanos? Tal foi primeira pergunta que formulamos, como primeiro ato de nossa independncia religiosa.

Para responder e discorrer sem paixo, foi preciso varrer todo o esprito de seita, como o devem fazer quantos desejam investigar a razo das suas crenas. Somos catlicos, ouvimos dizer, porque o foram nossos pais - porque o era o pas em que nascemos - porque o foi a nossa educao - porque nos ensinaram a discorrer com o critrio catlico - porque s o Catolicismo, entre as religies, tinha carta de cidade no nosso solo - porque, no ser, era incorrer no desprezo de muitos dos nossos concidados e nas iras de um clero prepotente - porque nos tnhamos convencido, fora de ouvi-lo, que fora dele no h salvao - porque temamos a clera do Senhor, as unhas afiadas de Lsbel e as fogueiras do inferno com que se ameaava os que no reconheciam a autoridade do que se assenta na cadeira de Pedro, isto : na cadeira em que Pedro nunca se sentou - porque, finalmente, no deixvamos de entrever uma grande luz, um grande ensino e um grande fundo de verdade na religio romana. Basta, porm, isto para justificar o nosso catolicismo? No o podem contestar, em idnticos termos, os sectrios das religies primitivas? Tambm neles tm infludo as circunstncias de nascimento e educao, o egosmo, a influncia clerical ou sacerdotal, a esperana da salvao das suas almas, e o temor de terrveis castigos na vida de almtmulo - e tambm eles entrevem algo divino e verdadeiro no fundo das suas crenas religiosas. Em tal caso, preciso convir que no nos assistem, para sermos catlicos, razes mais poderosas que as que podem alegar os judeus - os budistas - os sectrios do bramanismo, os maometanos - e os filiados s diferentes seitas em que se acha dividida a religio crist.

E havemos de convir igualmente que, para afirmarmos que as nossas crenas so as nicas verdadeiras, nos apoiamos nas mesmas razes que os filhos dos demais cultos invocam, para sustentarem que as nicas crenas verdadeiras so as suas. Em suma, chegamos concluso de que ramos catlicos romanos por sentimento, em virtude de uma srie de circunstncias que se agruparam em torno de ns, independentes da nossa vontade, alheias nossa iniciativa. Catlicos sem convico - sem aquela convico que penetra suavemente na alma por todas as suas avenidas - sem a convico que o resultado progressivo da comparao e da comprovao - sem a firme convico que procede da harmonia das leis dos fatos com o juzo e da harmonia do juzo com a conscincia. Haver catlicos em grande nmero, que o sejam por este ltimo critrio. E semelhante catolicismo, o geral, seja dito sem inteno de ofender, poder satisfazer? Podia ele servir-nos de ponto de partida, de primeiro degrau, para o nosso ensaio filosfico-religioso; mas faltavanos a convico, e uma voz poderosa, a da conscincia e do dever, repetia-nos sem cessar: buscai a convico, porque, sem ela - a f desprovida do mais legtimo dos seus ttulos -; a moral, do mais eficaz dos seus apoios -; a religio, do mais slido dos seus fundamentos.

Roma pode errar. - Tem errado. - Pode, portanto, induzir ao erro

Em nossos estudos, tomamos por ponto de partida a hiptese de que a Igreja Romana pode errar e, portanto, induzir a erro os fiis que seguem os seus ensinos. Aquele era ponto obrigatrio, pois que, admitindo a infalibilidade de Roma, fica entendido que s ela tem o direito de estudar e decidir as questes religiosas. Que Roma pode errar, como duvidar, se est provado, evidncia, que ela tem errado? E se algum duvidar, d-se a,o trabalho de lanar a vista pela histria dos papas, desses deuses sagrados pelo conclio ecumnico de 1870, e compare-a com a histria dos deuses da antiga Grcia e da antiga Roma - compare-a com a de todos os dominadores dos povos - e, vendo como uns e outros seguem a mesma rotina de misrias - de corrupes - de fraquezas - de erros de contradies - de ambies - de fraudes - de arbitrariedades - e de injustias, concluir por no reconhecer outros deuses e outras infalibilidades que no sejam o Deus do Cu e da Terra, e a infalibilidade (3) da Sabedoria Infinita.
(3) Porque Deus veraz e todo o homem falaz. So Paul aos romanos, cap. III, vers. 4.

Que Roma pode errar e tem errado, dizem Victor I, no segundo sculo da igreja - Marcelino, no terceiro sculo Gregrio I e Verglio, no sexto - Bonifcio III e Honrio, no stimo - Formoso, Estevo XI e Adriano II, no nono - Joo XI e Joo XII, no dcimo - Pascoal II, no undcimo Eugnio III, no duodcimo e, no dcimo quarto, Joo XXII no dcimo quinto, Eugnio IV, Pio II e Alexandre VI - no

dcimo sexto, Xisto V - no dcimo stimo e dcimo oitavo, Clemente XIV - e no dcimo nono, Pio VII. Que Roma pode errar e tem errado, dizem-no as heresias aprovadas por ela num dia e, no outro, condenadas - as contradies do seu ensino - os progressos da Cincia, condenados e logo depois aproveitados - as influncias cortess dominantes nos palcios dos papas - o procedimento pouco cannico de uns, para conquistarem a tiara - e outras mil verdades, ainda desconhecidas da imensa maioria dos catlicos, referentes histria da falibilidade dos sucessores de S. Pedro, desconhecidas at hoje, mas que sero amanh conhecidas e apreciadas por quantos tenham olhos de ver e ouvidos de ouvir. Felizmente, as fogueiras da Inquisio foram para sempre apagadas, no sabemos se a gosto dos infalveis, ou se ao irresistvel sopro da liberdade por eles proscrita e condenada. E, pois que Roma pode errar e tem errado, pode tambm induzir a erros os que das suas doutrinas se alimentam. Eis por que lhe negamos uma autoridade absoluta e inapelvel nas decises religiosas - eis por que lhe negamos o direito de impor uma f cega - eis por que reivindicamos o direito de intervir diretamente nos negcios da nossa alma.

VI O Deus dos catlicos. - O Infinito com limites. - O absurdo

Segundo o critrio romano quem Deus? Deus, em sua essncia, em si mesmo, um ser infinitamente puro e perfeito, eterno, imenso, onipotente, causa do Universo, infinitamente bom, sbio, justo e misericordioso; em suma, o poder, a sabedoria e o amor infinitos concentrados numa individualidade indefinvel. Estamos conformes, de toda a conformidade, com o critrio de Roma, quanto essncia da divina substncia. Corresponde perfeitamente idia que pode fazer da Divindade o limitadssimo entendimento do homem. Despojar a Deus de qualquer daqueles atributos, seria destruir a concepo de Deus - seria estabelecer a negao como ponto de partida e base de todas as afirmaes altrusticas. E isto perfeitamente o que faz a Igreja Romana dentro do seu critrio religioso, na esfera das relaes entre o homem e o Ser Supremo. O infinito limitado, o absurdo, tal o cimento da religio dos papas; mas o cimento de toda religio Deus - e o Deus de Roma o infinito com limitaes. Pureza - perfeio - sabedoria infinitas, limitadas, no entanto, por uma impureza - por uma imperfeio, seria um erro eterno; seria o mal absoluto, seria um dos resultados da obra de Deus. Neste caso o poder infinito para o bem seria limitado pelas conquistas do Esprito maligno, pois revelam claramente a importncia divina (4) ante o poder de uma das suas criaturas.
(4) Ningum pode entrar na casa do valente e roubar-lhe as jias, sem que primeiro prenda o valente, para depois lhe saquear a casa. (S. Marcos, cap. III, vers. 27.)

A bondade infinita seria limitada pela criao da imensa multido de Espritos predestinados a eternos sofrimentos. A misericrdia e o amor infinitos teriam seu limite porta do horrendo calabouo dos miserveis rprobos. A justia infinita seria limitada pela injustia de brbaros e exagerados castigos - e pelas preferncias caprichosas entre os Espritos anglicos e humanos - entre estes, principalmente, pois, sendo definitiva a sua sorte depois da existncia corporal, para que fosse justo o castigo e imparcial o prmio, seria preciso que todos soframos iguais provas, assim como contrariedades e tentaes em condies idnticas. Se, pois, aceitamos o critrio de Roma quanto evidncia divina, muito longe estamos de respeit-lo como guia fiel e intrprete infalvel no que entende com as relaes entre as criaturas e o Criador; mas, to longe mesmo, que no vacilamos em consider-la a principal causa das divises e cismas da Igreja - da indiferena religiosa - do positivismo - e do materialismo que to audaz se ostenta em nossos dias. O absurdo no pode dar outro fruto que no seja a negao. O absurdo religioso conduz, primeiro, diviso, ao cisma, e conclui pela indiferena e pelo atesmo. Estamos na ltima fase do Catolicismo Romano.

VII Dever do homem verdadeiramente religioso. Necessidade de uma imediata regenerao religiosa

No estado atual das sociedades e na altura a que tem chegado o desenvolvimento do senso comum e da razo humana, no basta dizer e assegurar que tal ou qual igreja a nica depositria do fogo sagrado, e sim faz-se preciso satisfazer, com provas concludentes, as legtimas aspiraes dos que baseiam a verdade no seu terreno natural - no terreno da Cincia. O magister dixit j fez seu tempo, e os menos exigentes reclamam alimentos mais substanciais para saciar sua fome intelectual. E, quando em busca da razo da f, se tropea num diabo, que limita o poder de Deus - com um inferno que fala contra a bondade, a misericrdia e a justia divinas - com um purgatrio que pode ser abreviado por dinheiro, etc., etc., no possvel deixar-se de exclamar estas doutrinas so atesticas e irracionais - e o ateu no pode, nem poder jamais fazer parte da verdadeira religio. E qual o dever do homem que cr em Deus e na imortalidade da alma, se persuade de que a sua religio no explica as verdadeiras relaes entre a criatura e o Criador se reconhece que a mentira est de envolta com a verdade - e o transitrio e mutvel confundido com o eterno e essencial? O seu dever levantar a voz contra a impostura - no consentir em silncio na explorao da razo e dos sentimentos do homem pelo homem - protestar contra os abusos e mistificaes que se cometem, tomando-se a Divindade por editor responsvel - discriminar o divino e o humano, a fim de que as obras de Deus brilhem em todo o seu esplendor - arrostar as conseqncias, comumente desagradveis e funestas, que soem provir da defesa de verdades ainda no aceitas pela generalidade dos homens -

em uma palavra: cooperar decididamente para que a verdade religiosa faa caminho pelas inteligncias e pelos coraes, sacrificando nas aras de to santa causa o prprio bem-estar e mesmo a vida, se os acontecimentos fizerem necessrio tal sacrifcio. Que nos deve importar o ridculo, se, desprezando-o, levamos o nosso gro de areia para a obra da regenerao humana? Que nos deve importar o insulto, se no santurio da nossa conscincia gozamos a inefvel satisfao de quem faz o bem pelo bem, sem esperar recompensa dos homens? Que importam humilhaes - improprios - antemas e perseguies, com que os defensores do erro contestam os que se atrevem a denunci-los ante o grande tribunal da conscincia universal, se, com isso, logra-se que a conscincia humana se emancipe do secular domnio que corta a sua atividade e se eleve sobre as preocupaes que a envolvem e obscurecem? Basta de temores indignos e de consideraes egosticas, nico esteio do vacilante edifcio dos absurdos religiosos. J chegada hora de se restaurar e reedificar o Templo, e de se adorar a Deus em esprito e verdade. Basta de mistificaes e de supersties - de comdias religiosas - de deuses pequenos - e de cultos insustentveis, que tm desmoralizado as sociedades e desenvolvido, de um modo pavoroso, a indiferena, o cepticismo e o culto da matria. No vedes como o mundo moral se desmorona? No ouvis o rudo das crenas que caem por terra? No vos faz tremer o clamor que se levanta de todas as conscincias, o frio que gela todos os coraes, o simum que impele e

arrasta todos os povos, o fogo que abrasa todos os Estados catlicos da Terra? Dirigimo-nos aos homens de boa-vontade. Sabeis por que imperam o dolo e a mentira nas relaes sociais e na poltica dos povos? Por que os laos da famlia se relaxam e a imoralidade campeia em todas as esferas? Por que o egosmo se apossa dos homens e por que o ouro o m das suas aes e desejos? A causa de tantos males a falta de crenas que sejam a sano da moral - e, sem o regulador da moral, a perturbao se introduz nas famlias e a corrupo agita as sociedades. Os homens que aspiram vitria da verdade so mais numerosos que os interessados, de boa ou de m-f, na sustentao do erro. Unamo-nos, pois, juntemos os nossos caritativos esforos, porque insulados eles no do fruto. A arca da salvao, o Evangelho de Jesus, flutua ainda sobre o oceano das misrias humanas. No transijamos por mais tempo com a mentira religiosa, seja qual for a sua procedncia - sejam quais forem os atavios com que se adorne - seja qual for autoridade que a pregue e explore.

VIII Farisasmo e hipocrisia. - Importncia do Catolicismo pelo nmero dos seus adeptos

Muitos se escandalizaro ou dar-se-o por escandalizados com a leitura das linhas que precedem: to pervertidas se acham as conscincias de alguns - to acostumadas elas esto a nutrem-se de hipocrisias e enganos. A verdade escandaliza-as e revolta-as. No sabem escandalizar-se, quando um homem atribui a si prprio infalibilidade, atributo do Ser Supremo - quando um bispo, que se diz cristo, nega obedincia aos poderes do Estado e provoca a rebelio - quando um sacerdote romano empunha um fuzil, e ensina, a balzios, o catecismo religioso - quando se regateia a salvao de pobre alma perdida num canto do purgatrio - quando um catlico que nada na abundncia, clrigo ou secular, se esquece das misrias alheias - quando um pobre levado cova sem responsos, por no terem a mulher e os filhos dinheiro para pag-los quando um fervente devoto, que reza rosrio e ouve missa, empresta aos pobres a juro de vinte ou trinta per cento quando religiosamente se despoja, de seus bens terrestres, a um pai de famlia, in articulo mortis, com promessas ou ameaas celestiais - quando se ataca reputao de um homem de bem, ad majorem Dei gloriam, em um crculo de beatos ou de sacristos - quando se usa do nome de Deus nas contendas fratricidas - quando se explora o cu, at a ponto de destin-lo exclusivamente aos filiados de uma bandeira poltica. Oh! fariseus hipcritas! (5) Felizmente o mundo j vos vai conhecendo.
(5) Nesta apstrofe referimo-nos aos que se escandalizam das nossas verdades e no dos fatos verdadeiramente escandalosos que deixamos apontados.

A vossa religio um arranjo, mscara; porm mscara que est caindo a pesar vosso. Tendes Deus nos lbios e o interesse no corao. Invocais a cada passo o Evangelho;

porm o Evangelho a caridade e a humildade - e vs sois orgulhosos e egostas. Condenais a liberdade, mas usais e abusais dela para vossos fins mundanos. Jesus Cristo a paz - a mansido - a justia - o amor - a doura - a tolerncia - o perdo - a luz - a liberdade - a palavra de Deus - o sacrifcio pelos outros; e vs sois o reverso da medalha - o plo oposto - a perfeita anttese das suas virtudes. "Mas, ai! de vs, fariseus hipcritas, que ocultais o reino do cu aos olhos dos homens. Nem vs entrais, nem aos que entrariam deixais entrar. Devorais as casas das vivas fazendo grandes oraes. Por isso sereis submetidos a um mais rigoroso juzo." (6)
(6) S. Mateus, cap. XXIII, vers. 13 e 14.

"Ai! de vs, guias cegos, fariseus hipcritas, que dizimais a hortel, o endro e o cominho, e haveis deixado as coisas mais importantes da lei: a justia, a misericrdia e a f; estas coisas eram as que deveis praticar sem que omitsseis aquelas outras. Condutores cegos, que engulis um camelo e vos engasgais com um mosquito." (7)
(7) S. Mateus, cap. XXIII, vers. 16, 23 e 24.

"Ai! de vs, fariseus hipcritas, que limpais por fora o vaso e o prato - e por dentro estais cheios de imundcies. Fariseu cego, limpa primeiro por dentro o vaso e o prato, para que seja limpo o que est fora." (8)
(8) S. Mateus, cap. XXIII, vers. 25 e 26.

"Ai! de vs, fariseus hipcritas, que sois semelhantes a sepulcros caiados, que parecem por fora formosos, mas por dentro esto cheios de rapinas e imundcies. Assim, vs, por fora pareceis justos, mas por dentro estais cheios de hipocrisias e de iniqidades." (9)
(9) S. Mateus, cap. XXIII, vers, 27 e 28.

Escandalizai-vos quanto quiserdes; mas no vos iludais em pensar que, por esse caminho, continuareis a avassalar moral e materialmente os povos. O verdadeiro escndalo - o grande escndalo que deveis ter evitado, a prostrao religiosa em que tantas e tantas mistificaes, introduzidas no credo catlico romano, tm feito afundar o mundo cristo. Ah! se fizsseis uma estatstica imparcial dos homens verdadeiramente filiados, por convico, ao Catolicismo de Roma, que desengano sofrereis! Quo pequeno ficaria seu nmero, descontados os indiferentes- os cpticos - os materialistas - os hipcritas - os fanticos - os catlicos de ofcio - e os de convenincia! E se dos restantes descontssemos ainda os que interiormente repelem alguns dos dogmas estabelecidos, seria de temer que a Igreja Romana ficasse reduzida ao seu estado-maior, um pouco reduzido, e a alguns milhares de adeptos.

IX Roma no a igreja de Jesus. - Um s rebanho e um s pastor

Desconsolador o quadro que em nossos dias oferece a sociedade catlica romana. Contra ela prevalecem as portas do inferno, toda a vez que em seu seio se desenvolvem as ruins tendncias - e sua

sombra e calor, todas as ambies fermentam, todas as ms paixes se nutrem e se robustecem. E, pois que as portas do inferno no podem prevalecer contra a verdadeira religio crist, que a que reconhece por nica lei o Evangelho, conclumos que no Roma a legtima expresso da igreja estabelecida pelo Filho de Maria. Onde, pois, encontrareis o Cristianismo em sua pureza? Em nosso sentir, a igreja do cristo no nenhuma dessas igrejas estreitas, que disputam encarniadamente a supremacia sobre as conscincias e o predomnio temporal igrejas mesquinhas, que fazem consistir o essencial da religio no conjunto de exterioridades e frmulas mais ou menos inaceitveis ou ridculas - igrejas exclusivistas, que condenam a sofrimentos eternos a imensa maioria dos homens e se apoderam do cu como pas conquistado igrejas que grosseiramente arremedam as parcialidades polticas, reservando exclusivamente para seus adeptos e apaziguados as delcias celestiais - igrejas ftuas e orgulhosas, que a si prprias atribuem a posse absoluta da verdade e a infalibilidade do seu critrio - igrejas, enfim, que fazem o monoplio de todos os dons com que a Bondade infinita enriquece a Humanidade inteira. A Igreja do Cristo h de ser algo mais, mais e muito melhor que tudo isto. Maior que Roma - maior que Lutero maior que Mafoma - maior que as demais igrejas que a si prprias do o ttulo de nicas verdadeiras. Dentro dela ho de caber todos os homens de boa-vontade (10), chamem-se judeus - protestantes - catlicos ou maometanos; de outra sorte no seria baseada na justia, nem seria universal, caracteres inseparveis da religio divina.

(10) Eu vos digo que viro muitos do Oriente e do Ocidente, e se assentaro com Abrao, com Isaac e com Jacob no reino dos cus. (S. Mateus, cap. VIII, vers. 11.)

O judeu - o muulmano - o protestante - o budista - o catlico - o cismtico, que ama a Deus em esprito e verdade e pratica a virtude, est com o Cristo (11) e dentro da verdadeira igreja.
(11) Mas Deus recebe todo o que o ama e pratica a justia. (Atos dos Ap., cap. X, vers. 35.)

No cristo o que se diz tal, s porque recebeu a gua do batismo, e sim o que abraa os ensinos do Cristo (12), ensinos que se simbolizam numa nica palavra: caridade; isto : amor a Deus e ao prximo. (13)
(12) Porque no judeu o que o manifestamente, nem circunciso o que se faz exteriormente na carne; mas judeu e circunciso o que o no interior. (S. Paulo aos rom., cap. II, vers. 28 e 29.) (13) Amars o Senhor teu Deus de todo o teu corao, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Amars teu prximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos depende toda a lei e os profetas. (S. Mateus, cap. XXII, vers. 37, 39 e 40.)

Esta palavra, esta frmula, este smbolo evanglico liga em um corpo nico os homens de todos os pases - de todas as raas - de todas as crenas, formando a igreja universal - a Igreja essencialmente crist. Dia vir em que somente haver um rebanho: a Igreja de Deus - e um s pastor: o Verbo, a palavra de Deus, o Evangelho, Jesus Cristo. Em toda religio h algumas coisas divinas, mescladas com impurezas humanas e como a luz vai manifestando e separando a verdade da mentira - o eterno e essencial do transitrio e vo - chegar o dia em que todas as religies se depuraro e formaro uma nica.

O Evangelho. - A nova escola, - Seus adeptos

A grande luz e o grande fundo de verdade que entrevemos na religio romana, o ensino de Jesus; o seu carter moral denuncia divina origem; pelo que, tomamos por bandeira, para nossos estudos religiosos, o Evangelho e, por mestre, Jesus Cristo. Que a sabedoria infinita nos ilumine; este o desejo que sentimos e a suplica que elevamos. O Evangelho a fonte das verdades morais e religiosas, e fundamento da igreja crist - da igreja da verdade; mas, assim como se deve ir buscar a gua pura e cristalina, no na corrente, porm, sim, no manancial primitivo, assim tambm o puro Cristianismo deve ser procurado, no na corrente romana, mas sim em seu princpio - no manancial evanglico. As guas medicinais da verdade, purssimas em sua origem: no Verbo, expresso do pensamento de Deus correm adulteradas pela mescla do orgulho e da ignorncia, e corrompidas e infeccionadas pelo fermento das misrias humanas. Remontemos, pois, ao manancial de que procede a corrente, convidando a nos acompanharem quantos sintam a necessidade de reparar os estragos de suas crenas, causados pela impureza do atual Catolicismo. Tomando essa resoluo, ouvimos dizer que se havia formado e propalado no mundo com incrvel rapidez, uma escola filosfico-moral cujos adeptos j eram contados por dezenas de milhes, que pretendem restaurar o Cristianismo

puro e explicar a religio pelo Evangelho de par com a Cincia. Ser verdade? dissemos. Ser possvel que do seio da Humanidade presente, to perturbada em sua f, se levante uma voz que arraste as conscincias para a lua, uma filosofia que levante os nimos, uma religio que, brotando do Evangelho, leve a convico ao entendimento e a esperana ao corao? Deus dos cus! Que seja isto uma verdade - que no seja uma mistificao, um erro mais sobre tantos que disputam o imprio das almas! Mais tarde ouvimos ainda que a nova propaganda era por uns, qualificada de loucura - por outros, de aberrao satnica - e que os filiados sofrem, impassveis, o ridculo e os antemas, compadecidos dos que os ofendem com seus sarcasmos ou os perseguem com suas maldies. Que o fundamento da sua religio era a caridade, na qual faziam consistir a moral e as aes humanas - e que a caridade era para eles o essencial do culto, apoiando-se em que o corao e as obras so os nicos e legtimos ttulos de merecimento do esprito. Que pregavam recompensas e castigos espirituais em justssima proporo com o bem ou o mal realizado durante a vida corporal. Que acreditavam na pluralidade dos mundos habitados, considerando a obra da criao, majestosa e grande, como emanao da sabedoria infinita - e na pluralidade de existncias, como necessria ao desenvolvimento progressivo e gradual das criaturas, para chegarem perfeio, que o fim, e outro no pode ser, da lei a que todo o Universo obedece. E, por ltimo, que, achando-se comprovada, desde a mais remota antiguidade, a comunicao do mundo espiritual com o dos encarnados -

comunicao autorizada pelo Evangelho e confirmada por experincias recentes e indubitveis, ela aceita, e os ensinos dos Espritos so como fachos luminosos postos por Deus na senda da Humanidade, para alent-la e gu-la. Ainda bem! Qual destes pontos e qual destas afirmaes pode ter dado motivo a que seus defensores sejam motejados por loucos ou como instrumentos infernais? Achar-se-o, por desgraa, to obcecadas as conscincias, que se julgue loucura recomendar-se a caridade - e conceito diablico a idia de um Deus infinitamente grande - infinitamente justo - infinitamente sbio infinitamente misericordioso e bom? A ignorncia e a malcia sempre se deram s mos para rechaarem a verdade e defenderem o erro. O prprio Jesus Cristo foi qualificado como louco, impostor e instrumento de Belzebu, por seus contemporneos, e, por ltimo, sofreu a morte, em testemunho da bondade da sua doutrina.

XI Os adeptos da nova escola. - Os defensores da ltima hora do Catolicismo Romano. - Campanha clerical

Antes de condenar e antes de aceitar uma doutrina, preciso estud-la, a fim de no se incorrer na insensatez de abraar ou combater uma coisa sem convico e sem conhecimento dela; procedimento leviano e atoleimado.

Antes de se argir de malcia ou de loucura, preciso certificar-se de modo irrecusvel de que, na realidade, h loucura ou malcia no ponto obscuro de que se trata. Tomando esta norma, que nos pareceu a mais prudente e acertada, resolvemos certificar, por ns mesmos, e no de ouvido, como muitos o fazem, do que podia haver de verdade ou de falsidade na escola esprita, que a nova escola filosfico-religiosa a que nos referimos sem ento design-la. Sabamos que lhe estavam filiados muitos homens distintos por seu carter, pela firmeza de suas convices crists, por sua grande elevao no mundo das letras, por sua posio poltica e social, e que ela contava, no considervel nmero de seus adeptos, homens de todas as classes e condies, desde a mais humilde at a mais elevada; e, em verdade, essa circunstncia muito concorreu para a nossa resoluo de estudar o Espiritismo, entendendo que, se ele era uma loucura, no podia ser seno uma sublime loucura, pois que o abraavam, e o faziam seu, inteligncias to privilegiadas e to puros coraes. Corramos ao risco de ser vtimas do contgio; consolava-nos, porm, pensar que sofreramos a qualificao na mais honrosa e judiciosa companhia. Tnhamos alm disso observado que, entre os mais fervorosos advogados da Igreja Romana, nas discusses privadas que freqentemente se suscitavam a respeito da nova escola, figuravam no poucos homens de moralidade e crenas uma tanto suspeitas, homens que j haviam ridicularizado o Catolicismo, homens descrentes que sempre fizeram gala da sua incredulidade, homens do ouro, positivistas de ruim gnero, sem conscincia, nem pudor,

que tudo subordinavam sua insacivel sede de bens e convenincias materiais. E, ao ouvirmos tais defensores da ltima hora falarem a favor das doutrinas de Roma, to empenhados em se oporem invaso da loucura esprita, sentimo-nos inclinados a suspeitar de que essa loucura condenava a sua licena, e de que eles estavam mais a gosto dentro da moral romana. Tambm excitou vivamente a nossa ateno a cruel guerra movida pelo clero s novas doutrinas, s quais se ope com empenho muito maior e maior energia, do que ao materialismo, inimigo capital e o mais implacvel de toda a crena religiosa. Concordando-se mesmo que a escola esprita no interprete fielmente o esprito do Evangelho, a verdade que ela o aceita como base de suas crenas, s isto era bastante para que o clero romano limitasse a sua campanha a mostrarlhe os erros e a atra-la, com amor e mansido, ao redil da ortodoxia. Longe porm de discutir com uno e brandura, ele rompe abertamente com os novos propagandistas - vituperaos - insulta-os - amaldioa-os - apelida-os de instrumentos de Satans - e, como tais, vomita sobre eles toda a blis que pode caber em um corao nada cristo. Por que tanta tolerncia com os apstolos da matria - e tanta raiva com os espritas que, afinal de contas, procedem do mesmo tronco que os partidrios da infalibilidade papal? Quando falar a esfinge para revelar a razo de to irregular e misteriosa conduta?

XII

O Catolicismo combatido pela nova escola com os ensinamentos do Cristo. - O Espiritismo: seus princpios. - Os mercadores do Templo

No necessrio que a esfinge fale; a chave das iras sacerdotais temo-la no estudo dos princpios e doutrinas que se propagam sombra da bandeira desfraldada por Jesus h dezenove sculos, e que tem sido transformada em trapo pelos que a tm manuseado e explorado. Alguns homens de boa-vontade, persuadidos de que no pode ser verdadeira a religio que condena o progresso humano - a religio que repele as descobertas da Cincia - a religio que despoja Deus de seus essenciais atributos, fazendo-o co-participante das misrias humanas, e leva certas e determinadas criaturas categoria de deuses - a religio, enfim, que tem levado a descrena e a perturbao aos organismos sociais - procuraram uma tbua de salvao uma luz que permitisse aos homens medir a profundeza do abismo que se abre em sua desalentada carreira - esta luz eles a encontraram nos ensinamentos do Cristo, no prprio Evangelho em que Roma pretende apoiar seus ensinos. E, como isto destruir os abusos e erros com os prprios textos de que os fazem derivar, eis por que os interessados em sua continuao distinguem, com o mais cardeal furor, os atrevidos e indiscretos inovadores. Que lhes importa a eles a escola materialista? Pode esta ter por si a opinio pblica, lutando, como luta, contra a conscincia universal - contra as tradies - contra a necessidade - contra a filosofia - contra o sentimento - contra

os desejos - contra as esperanas - contra as crenas de todos os povos? No temem eles, portanto, os defensores da matria - e abandonam-nos a seus esforos impotentes, concedendolhes, por muito favor, um olhar de compaixo e um sorriso de triunfo. Por mais que o materialismo procure destruir seu imprio, nada conseguir, no colhendo seno provocar conflitos parciais e passageiros na economia social conflitos que, em ltima anlise, daro maior importncia s classes sacerdotais, e torna-las-o mais necessrias. Com o Espiritismo o caso diverso. Esta escola no vem destruir, mas sim corrigir, restabelecer e bradar - Alerta? - a Humanidade que se afastou do verdadeiro caminho, a fim de que, reconhecendo seus extravios e reconhecendo o precipcio que se abre sob seus ps, retroceda s vias retas do Evangelho. No vem destruir o Cristianismo, mas restaur-lo, varrendo dele as impurezas introduzidas pelos homens, em oposio s verdades pregadas por Jesus. No vem abalar a sociedade por seus fundamentos, mas sim robustec-los e firm-los. No traz na destra o facho da discrdia - dos dios - das paixes revoltas, nem prega o egosmo - o privilgio - a intransigncia ou a rebelio, mas, humilde como seu Mestre, Jesus-Cristo, ela chama os coraes humildade e caridade - exalta o sofrimento e a resignao - desperta a esperana da felicidade, pela purificao dos sentimentos e pela prtica do bem - e aponta com o dedo o Filho do Homem, como o mais completo modelo que os homens devem seguir.

Uma escola de to puros e benficos princpios h de chamar a si todas as conscincias honestas - todos os coraes nobres - todas as inteligncias independentes, que buscam a verdade na virtude; e isto quanto basta para levar o alarme s tendas dos que no admitem outra verdade que no seja suas afirmaes - e para convulsionar as iras dos que se sentiam bem com o monoplio do alimento espiritual. Estudai o sculo apostlico, vs que tendes olhos de ver comparai a pobreza do episcopado daquele tempo, dos discpulos de Jesus, com a opulncia do episcopado dos nossos dias - e dizei-nos: Pode isto ser a continuao daquilo? Nada se tem exagerado - nada se tem mudado - nada se tem mistificado? Se Pedro e Paulo se levantassem por um momento, volveriam a seus sepulcros envergonhados das riquezas e do fausto dos que ousam dizer-se seus sucessores. Cheios de santa indignao, corr-los-iam a azorrague, como Jesus correu os mercadores do Templo.

XIII Covardia. - A nossa loucura. - Os prudentes e os loucos do sculo

Ronca a tempestade por sobre nossas cabeas. Como no, se somos fracos e dizemos a verdade aos poderosos? Quando deixou de ser ridicularizada ou perseguida a verdade que ope diques a erros e abusos inveterados?'.

Desgraadamente, as sociedades esto organizadas de modo que, embora muitos lhe conheam os abusos, poucos se acham com a coragem de denunci-los e de afrontar as conseqncias da sua ousadia. J sabemos, portanto, o que nos espera: dios da parte de uns e comiserao da parte de outros. Em troca, olharemos para uns e outros com amor. Estamos possudos da loucura esprita que consiste no ensinamento da lei moral pela caridade, e marchamos de conformidade com essa lei. Loucos no meio de um sculo de egosmo, fazemos o sacrifcio do nosso amor-prprio e de nossas comodidades, e seguimos, at onde no-lo permitem nossas fracas foras, as pegadas de Jesus-Cristo. O que sentimos, o que firmemente deploramos, no termos a necessria virtude para imitar a Jesus Cristo em todas as nossas aes. No somos ainda to loucos quanto devamos ser, para nos podermos dizer fiis imitadores do que morreu para testemunho da divindade da sua loucura. - Por que no chamam loucos aos padres - os bispos - os arcebispos - os cardeais - os papas - e, em geral, os dignitrios da Igreja? Por qu? No difcil adivinh-lo. O deus do sculo o bezerro de ouro, e o sculo chama sensatos aos que possuem o precioso metal de que se fabrica o seu deus. O esprito do sculo a mercancia, e o sculo reconhece, por filhos seus, os que sabem mercadejar e obter pingues gorjetas.

A moral do sculo a comodidade e os prazeres, e o sculo aplaude os que gozam e desfrutam as comodidades da Terra. O sculo no inquire de linhagem nem de procedncias no pergunta a quem quer que seja donde vem e para onde vai - toma as coisas tais quais se apresentam, e limita-se a perguntar a cada um por sua posio e riqueza, para exclamar: vs homens do negcio, do bem-estar e da fortuna, vinde a mim, porque sois filhos da sensatez resultante do positivismo utilitrio - e vs, pobres do corao, que antepondes ao negcio a conscincia e o dever, e no tendes sabido ajuntar os presentes da fortuna, passai minha esquerda; no sois meus filhos - sois uns nscios e uns loucos, dignos do sarcasmo e do desprezo.

XIV As nossas esperanas a respeito dos catlicos, dos indiferentes em religio e dos materialistas

Alguns nos lero com imparcial critrio e viro a ns. Sorri-nos a esperana de que estes sero em maior nmero, porque o maior nmero sente a imperiosa necessidade de encher o vcuo que os sofismas religiosos deixaram em seu corao. Cedo ou tarde, quantos se dedicarem de boa-f ao estudo da natureza humana, em suas relaes com a Divindade, se recolhero sombra das consoladoras crenas por ns aceitas, porque reconhecero que elas so necessrias, e que

no o Espiritismo uma escola fantica, impregnada de misticismo fantstico, como geralmente se cr, mas sim uma doutrina racional, sancionada pela lgica e confirmada pelos fatos. Os catlicos sinceros, que seguem e observam os ensinos de Roma, porque vivem na persuaso de que so os nicos verdadeiros, como fiel expresso das prdicas de Jesus, abraaro com entusiasmo o Espiritismo, considerando bem a estreiteza e as tendncias acomodatcias do critrio dos papas - e a pureza evanglica da moral que a nova escola tem por fim restaurar e difundir. No aceitam, por seu credo, o Evangelho? Pois venham ao nosso campo, que tambm invocamos o Evangelho e o proclamamos como de origem celestial, e mais que celestial, divina. Queremos, porm, o Evangelho em sua pureza crist: no corrigido nem aumentado ao sabor dos interesses e caprichos dos homens. Perscrutai o Evangelho, catlicos romanos; perscrutai bem, e dar-nos-eis a mo - e unir-vos-eis a ns no empenho de cooperarmos para o renascimento da verdadeira f, pois que vereis com a maior claridade que, se Jesus Cristo foi o reflexo do pensamento de Deus, Roma est hoje muito longe de refletir o pensamento de Jesus-Cristo. Tambm aguardamos a vinda dos indiferentes, daqueles cujo indiferentismo provm menos do apego aos gozos materiais, que das contradies onde pensavam encontrar a solidez da verdade e a fonte de suas crenas. Esses tampouco se ocupam com a existncia de Deus e com a sobrevivncia da alma; no porque neguem interiormente uma e outra, mas porque a sua razo no pde

transigir com os erros palpveis que obscurecem a concepo daquelas duas afirmaes. Desaparea a contradio - fale-se de um Deus verdadeiramente justo e sbio - e de uma vida futura, sem castigos ferozes e prmios imerecidos - e eles deixaro, com ntima satisfao, sua indiferena, em parte justificada. Igual esperana, alimentamos quanto aos materialistas, que o so, no por sistema, mas por no terem encontrado terra firme no espiritualismo das religies existentes. Vem nelas a confuso, e preferem o vcuo porm o vcuo um abismo sem fundo - e o abismo o desespero. Quem se afoga busca uma tbua - o que se sente afogar no espao, agarra-se corda que mo benfazeja lhe atira. A tbua salvadora, que ns lhes oferecemos, o estudo do Espiritismo, no qual podero saborear os princpios de uma filosofia robusta - e adquirir uma f consoladora e firme baseada em fatos irrecusveis. Catlicos - indiferentes - materialistas - homens de bom senso, estudai. No vos pedimos uma adeso fcil; pois sabemos, e vs sabeis, ao que conduz a aceitao, sem reflexo, das crenas religiosas. O que vos pedimos - o que vos aconselhamos - e, fazendo-o, cumprimos um dever que no podemos calar, que estudeis e compareis.

XV O Espiritismo julgado sem prvio estudo. Afirmaes romanas e afirmaes espritas

Como o nosso objetivo se resume a assinalar a senda por onde chegamos escola esprita e como tomamos assento em seu seio, julgamos ocioso fazer nestas pginas um estudo consciencioso e filosfico dos princpios que essa escola sustenta. Livros h, em que aqueles princpios so expostos com a extenso e profundezas convenientes. A eles enviamos os nossos benvolos leitores. (14)
(14) Aos que desejarem possuir convices slidas em matrias religiosas, recomendamos a leitura dos seguintes livros: "Deus na Natureza" e "Pluralidade dos mundos habitados", por Flammarion. Pluralidade das existncias da alma, por Pezzani. Evangelho segundo o Espiritismo "A Gnese", "O Cu e o Inferno", "O Livro dos Espritos" e "O Livro dos Mdiuns", Por Allan Kardec, e muitos outros.

Apesar porm disto, diremos alguma coisa sobre as afirmaes capitais da nova escola, visto termos at aqui procurado patentear as contradies e erros da doutrina romana, no falando seno ligeiramente do Espiritismo. Isto nos autoriza, na opinio dos homens pensadores, a recusar a moeda falsa que Roma nos oferece por ouro de lei; no, porm, a filiar-nos noutra igreja e a substituir, por outras, as principais crenas, pois queremos tornar bem claro; que, se deixamos de lado alguns ensinos romanos e abraamos a religio verdadeiramente crist, no seno em virtude da maior reflexo - da maior madureza - do maior estudo. Alm de tudo, no s o vulgo, mas tambm muitssimas pessoas de grande ilustrao tm formado do Espiritismo um conceito extravagante, sem fundamento, visto no o haver estudado por si mesmos, aceitando com suma ligeireza apreciaes alheias, inspiradas, na maioria dos casos, na paixo e no interesse.

Este mais um motivo para que nos estendamos em consideraes que julgamos oportunas no intuito de destruirmos conceitos errneos e infundadas prevenes. Para tal fim, apresentamos, em frente uns dos outros, os ensinos espritas e os do Catolicismo Romano, para que, comparando-os, decidam quais deles merecem a preferncia.
Afirmaes Romanas
Um nico mundo habitado: a Terra. Existncia nica do homem. Sorte definitiva depois da morte. Inferno eterno em absoluto. Comunicao entre o diabo e o homem.

Afirmaes Espritas
Pluralidade de mundos habitados. Pluralidade de existncias do homem. Reencarnao das almas. Eternidade relativa dos sofrimentos da alma. Comunicao dos Espritos superiores e inferiores com o homem.

Em muitos outros pontos diferem as duas escolas; porm, conforme j dissemos, no pretendemos ocupar-nos extensamente de ambas nem fazermos detalhado estudo comparativo - estudo que talvez mais tarde se realize. Por hoje, limitaremos nossa tarefa a apresentar ao leitor algumas das razes que pem em relevo a superioridade do cristianismo esprita sobre o romano, em suas essenciais diferenas caractersticas.

XVI Pluralidade dos mundos habitados

Moiss, escrevendo no primeiro captulo do Gnesis, versculos 14 e 15, que Deus criou os astros para luzirem no firmamento e alumiarem a Terra, exps literalmente a opinio vulgar de seus contemporneos, e porventura a sua prpria, pois que, se, como legislador, era ilustrado, como astrnomo no resplendia em to elevada altura. Viu que as estrelas luziam e alumiavam - e acreditou piamente que o Supremo Criador as havia engastado nas superiores abbadas, para luzirem e alumiarem. E, como havia concebido, assim o escreveu no primeiro dos livros que comps para recolher a tradio e referir a histria do seu povo. Apesar da categrica afirmao de Moiss, o certo que os astros foram criados por Deus para algo mais que alegrar a Terra com sua luz e nenhuma dvida temos de que o caudilho do povo hebreu teria opinado conosco, se soubesse que, alm do firmamento, rolam milhes de milhes de astros cuja luz no atinge a Terra. Para que fim ps Deus esse infinito nmero de astros que se banham nas imensidades do ter, muito alm do firmamento de Moiss? Este nos disse que foi para alumiar a Terra; mas, uma vez que tal no se d, fora convir que, longe de supor-se um erro de clculo no Legislador do Universo, deve-se ter por certo que Moiss se equivocou. O equvoco do caudilho hebreu desaparece no entanto, se, em vez de se tomarem pela letra os versculos citados, se procurar o conceito que deles decorre. Subordinando-se todos os demais astros a Terra - e esta, segundo os versculos 28, 29 e 30, ao homem, segue-se que

as luzes do cu foram criadas para iluminarem as humanidades, e no somente o nosso planeta. Deste modo, Moiss, divinamente inspirado, estabeleceu uma grande verdade, desconhecida dele e dos homens do seu tempo; pois no h dvida de que as estrelas foram criadas para alumiarem e darem vida Humanidade. Sendo assim, no menos certo que o nmero dos astros cuja luz no chega a Terra excede infinitamente o dos que vemos brilhar em torno dela, e podemos, em boa lgica e, autorizados pelo Gnesis, deduzir que a Humanidade no est limitada aos homens que povoam a superfcie do planeta, pois so muitos - muitssimos - inumerveis - os mundos habitados espalhados pelo Universo - e toda a criao canta a glria e a sabedoria de Deus, visto que em toda ela h seres capazes de conhec-lo e ador-lo. Esta verdade confirmou-a Jesus, quando disse: H muitas moradas na casa de meu Pai. (15)
(15) S. Joo, cap. XIV, vers. 2.

Que casa e que morada so essas de que nos fala Jesus, seno a Universo e os mundos que servem d e habitao aos homens, infinito Universo, e digno da imensidade de Deus, porm, com mundos limitados como as criaturas a quem servem de moradas? S a ignorncia poderia imaginar que o nosso planeta, o pigmeu dos astros, miservel gro de areia no espao, merecesse a preferncia e a homenagem sobre os demais corpos celestes. S o orgulho do homem da Terra, porventura dos menos elevados na escala do progresso, poderia atrever-se a pr limites criao, supondo que toda a Humanidade estava reduzida ao seu mundo.

Como era de esperar, a Cincia est de acordo com ss palavras de Jesus e com o pensamento que Moiss exprimiu, sem penetr-lo. As vistas do astrnomo, rompendo pelo telescpio enormes distncias, fixaram-se em outros astros - e descobriram neles todas as condies de vida que enriquecem o nosso. E como seria ofender a Deus, em sua sabedoria, supor que ele criou mundos em condies inteis e desnecessrias, mais uma vez se demonstra que no a Terra a nica habitao dos homens. Moiss - Jesus Cristo - a Cincia, atestam a pluralidade dos mundos habitados; e, pois, os que outra coisa afirmam, pecam contra a Cincia, contra o Evangelho e contra o Gnesis.

XVII Pluralidade das existncias da alma

No dizer de Roma, as almas so criadas no momento de virem aos corpos, seus instrumentos de bem-aventurana ou de perdio. Vivem depois sob o invlucro material e, emancipandose dele pela morte, so transportadas ao infinito, para cantarem eternamente louvores a Deus ou para blasfemarem eternamente. Analisemos estas afirmaes luz da razo.

Se a alma passa, ao sopro divino, do no ser ao ser, no momento de penetrar no corpo, como se lhe assinar responsabilidade no pecado original dos nossos primeiros pais? Por que princpio de justia - por que impenetrvel mistrio se lhe imputa uma falta cometida quando ela ainda no havia sido criada? Ser, porventura, que o Supremo Criador no criou as almas, mas f-las de uma substncia contaminada em sua primeira manifestao individual? Todos os homens, diz-se, estavam contidos no primeiro. Como isto? Corporal ou espiritualmente? Na primeira hiptese h um erro evidente; pois que o organismo humano se renova, de modo que, em certo tempo, no existe nele nenhuma partcula do que foi o corpo nos primeiros dias da vida - na segunda, o prprio Catolicismo Romano estabelece que Deus cria sucessivamente as almas, o que repele a hiptese. Supondo mesmo que houvesse no primeiro homem o princpio gerador e orgnico, que se h transmitido pela gerao aos demais, no deixa de ser menos concebvel a transmisso do pecado original. O nico responsvel pelos atos da malcia o eu, o ser inteligente e livre, a alma, e, portanto, o responsvel pelo primeiro pecado exclusivamente a alma, que o praticou (16), e de modo algum as que no foram presentes, nem contriburam para que ele se desse.
(16) A alma que pecar, essa morrer: o filho no carregar com a maldade do pai, nem o pai com a do filho - a justia do justo sobre ele ser, assim como a impiedade do mpio. (Ezequiel) XVIII, 20.)

Ainda mais: a mcula original, segundo afirma a igreja dos papas, foi completamente lavada pela gua do batismo.

O homem, recebido aquele sacramento, fica puro e imaculado, de sorte que, se naquele feliz instante desaparece do nmero dos viventes, a sua alma se eleva sem tropeo aos ps do seu Criador. Ainda bem. Se o homem pelo batismo se desprende do pecado hereditrio, por que novo mistrio o transmite a seus filhos? Em virtude de que lei nova transpassa e lega a seus herdeiros um vcio - uma lepra - uma dvida, que j tinha saldado? E, se herdam as conseqncias da primeira falta, que, por ser a primeira, no deixa de ser da natureza das outras, por que no se herdam as conseqncias da segunda e da terceira? Ponhamos de parte responsabilidades absurdas e inconcebveis em justia -- e estudemos o que pode significar o pecado original no terreno filosfico, j que a religio romana lhe d uma interpretao evidentemente errnea. Que o homem vem ao mundo com algum vcio anteriormente contrado, no lcito pr em dvida, e menos neg-lo. Tal fato aparece escrito, com caracteres irrecusveis no organismo humano e em cada uma das manifestaes da alma. Os sofrimentos fsicos e morais no merecidos por atos da vida presente - a misria, os infortnios, as enfermidades, o idiotismo, a loucura, que so, que podem ser ante a justia de Deus, seno provas assaz claras de que o Esprito vem s lutas da vida com feridas recebidas em anteriores combates? Que podem ser seno conseqncias de extravios e erros persistentes da alma?

E, pois que no possvel conceder a culpa sem o culpado, preexistindo primeira, a preexistncia do segundo fica igualmente estabelecida e fora de toda a dvida. Resumamos: O homem no responsvel por pecado em que no tomou parte pessoalmente, por sua livre vontade; logo, a teoria da Igreja Romana, quanto transmisso do pecado original, evidentemente errnea. A vida uma demonstrao palmar de que o homem vem ao mundo com responsabilidades inatas; logo, a alma humana em quem se faz efetiva tal responsabilidade preexistente sua unio com o corpo. Resulta da que, alm da vida presente, da existncia atual, o homem deve ter tido outras existncias solidrias. a cada uma das quais a alma traz a responsabilidade das faltas cometidas na anterior e os efeitos de suas fraquezas e extravios; existncias de provas, de reparao e de purificao, destinadas a conduzi-la, de grau em grau, perfeio e felicidade, por seus merecimentos e virtudes.

XVIII Conseqncias absurdas derivadas do dogma da existncia nica da alma. - Reencarnao das almas

Vejamos, agora, as conseqncias que resultam de aceitai-se a sorte definitiva da alma depois da morte; e, se tais conseqncias so ofensivas justia e misericrdia de Deus, como poder o verdadeiro cristo deixar de repeli-las por seus fundamentos?

Que Deus no faz exceo de pessoas (So Paulo aos Colossenses, III, 25) disse o Apstolo dos gentios; todos os homens so iguais em sua presena, e cada um recebe o fruto das suas obras. Esta doutrina, que a do colgio apostlico, a dos primeiros dias do Cristianismo, nos quais se respirava, em toda a sua pureza, o hlito divino do ensino de Jesus, completamente incompatvel com o destino definitivo das almas depois de uma nica existncia corporal. Que aos olhos de Deus no h - distino de pessoas, compreende-se claramente pelo simples bom senso; porque no pode hav-la em sua justia - e, em Deus, no se pode supor contradio, o que haveria se a sorte do homem fosse definitivamente resolvida depois da morte. E o que nos propomos demonstrar. No procedimento de cada um influi uma multido de causas. A idade - o sexo - o temperamento - as inclinaes naturais - a sade - o pas em que se nasce - a educao - o talento - a posio social - e outras mil condies e circunstncias contribuem para formar a moral do indivduo e para dirigir sua vontade. Essas causas estabelecem tal variedade entre os homens que, pode-se afirmar sem receio de erro, no h dois em condies de existncia perfeitamente idnticas, em todo o gnero humano. O princpio de to notrias desigualdades entre os homens, de modo algum pode ser atribudo a Deus; pois valeria por atribuir-lhe a exceo de pessoas de que fala o Apstolo; donde a arbitrariedade e o capricho.

Como atribuirmos ao Ser Supremo, essa desigualdade de condies, sem ofendermos a sua justia? Por que uns morrem em idade em que no puderam conquistar merecimentos, nem contrair responsabilidades, ao passo que outros vivem longos anos e se fazem merecedores de castigos e de recompensas? Por que h de haver afortunados que, por exemplo, nascem no seio do Catolicismo - e mal-aventurados que vm vida em terra infiel; predestinados os primeiros, certamente, a gozar o cu - e os segundos a aumentarem o nmero das almas condenadas? Como explicar o fato de serem uns inclinados prtica do bem, que fazem sem esforo - e outros no poderem fazlo sem violentar a corrente das suas inclinaes, que os arrasta para o mal? Por que se nega generalidade dos homens o direito de pensar que se concede a uns tantos, se este dom uma lmpada acesa para conhecer-se Deus e as leis da sua soberana vontade? Por que - a misria - abaixa condio - a fealdade - as deformidades - a falta de sade - a humilhao - e os sofrimentos morais de um lado; e do outro a abundncia - a elevao social - a formosura - a robustez - a glria - e a tranqilidade de esprito? No; no pode ser Deus autor de tantas desigualdades, porque as imperfeies no procedem da perfeio infinita. O nosso nascimento no mais que a continuao da nossa perfetibilidade, e um efeito do grau de progresso que, por nosso livre-arbtrio, temos alcanado.

Viemos ao mundo colher o fruto das sementes plantadas em anteriores existncias, e semear de novo para a vida futura. Somos, por conseguinte, ns e no Deus, a causa da diversidade das condies humanas. A alma, desprendendo-se do seu invlucro corporal, readquire a memria do seu passado, temporariamente perdida, lana a vista para o caminho percorrido e pressente o que lhe falta ainda percorrer, estuda seus erros, examina suas impurezas, mede sua fraqueza e sua fora, e busca, em uma srie de reencarnaes, os meios de purificar-se, de reparar o mal feito, de retificar seu falso juzo e de aproximar-se do seu sapientssimo e bondoso Pai, que a espera para receb-la em seu seio. Quo esplendorosa brilha, deste modo, sobre a Terra, a justia de Deus! O homem filho de suas prprias obras; e as diferenas humanas so filhas do uso que cada um faz da sua liberdade. Renascem a paz e a esperana nos coraes - brota a verdadeira piedade - revive a f - progride o homem - e a Humanidade progride.. Um suave murmrio de louvores se eleva da Terra ao cu, porque do cu desce um raio de luz reparadora, que dissipa as trevas e o desalento. No se julgue que a justa e consoladora teoria das reencarnaes sejam exclusivas destes tempos e da escola esprita. Filsofos ilustres da antiguidade sustentaram-na proclamaram-na os profetas - o prprio Jesus a indicou pregaram-na os Apstolos (17) e, posteriormente, continuaram a defend-la venerveis doutores da igreja

catlica, entre os quais, alguns, como Clemente de Alexandria e Gregrio de Nicia, so venerados nos altares cristos.
(17) Na terceira parte deste livro, encontrar o leitor uma multido de citaes comprobatrias da reencarnao da alma, bem como das demais teorias essenciais da escola esprita.

Um bispo francs, Monsenhor de Montal, falou das vidas anteriores da alma em uma pastoral que publicou em 1843.

XIX Eternidade relativa das penas das almas

Defrontamos com o cavalo de batalha do Catolicismo Romano: o dogma do inferno eterno, com que ameaa os mseros mortais que no praticam a virtude a morrerem impenitentes; dogma horrendo, que, comeando por incutir o desnimo, acaba por inspirar, nas almas fracas, o sentimento do desespero. O inferno romano, substituindo o amor pelo terror, desnaturou completamente o gnio do Cristianismo; pois no h dvida de que o dogma que mais influi, no nimo dos fiis, o da eternidade das penas que flutua nos coraes, muito por cima do sentimento do amor e da caridade, pedra de toque do Cristianismo evanglico. Nem no Velho nem no Novo Testamento encontramos coisa alguma que se parea com essa maldio eterna, que Roma pe nos lbios da Bondade e da Misericrdia infinitas.

Encontramos, sim, severssimas ameaas, que, no entanto, no cerram jamais a porta ao arrependimento e reabilitao. E a linguagem das Escrituras quase sempre hiperblica, especialmente na cominao dos castigos, em razo de no abrandarem nem se comoverem facilmente os coraes aos quais era dirigida; e a isto que devemos atribuir a aplicao da palavra eternidade, tratando-se dos sofrimentos espirituais. No versculo 6, cap. VI da Epstola aos hebreus, So Paulo afirma ser impossvel a reabilitao do que, uma vez iluminado, cai - e, no entanto, os comentaristas do ao vocbulo impossvel a significao de difcil. Se, pois, impossvel pode significar difcil, por que eterno no poder significar longa durao? Nenhuma falta pode o homem cometer cujas conseqncias sejam eternamente permanentes. Ele limitado, e limite, por conseguinte, ter tudo que emanar da sua natureza. A isto opem, os que defendem a eternidade do inferno, que, se o pecado do homem no tem da parte deste o carter ou selo do infinito, adquire-o, por ser infinita a entidade a que esse pecado ofende. Estranha maneira de discorrer! No seria mais lgico dizer que, quanto mais pequeno for o ofensor, menor a importncia da ofensa - e que, sendo infinita a distncia que o separa, no h, nem pode haver, ofensa da criatura ao Criador? A Igreja define os pecados mortais, dizendo que eles so ofensas graves - e que os veniais so ofensas leves contra Deus; mas, como haver ofensas leves, sendo o ofendido

Deus, e se devemos julg-las, no em relao ao ofensor, mas em relao ao ofendido? Aceitando a lgica romana: se o castigo eterno merecem os pecados que se classificam de mortais, castigo eterno merecem os veniais, pois que uns e outros so ofensas a um Ser eterno e infinito. O Espiritismo no compreende um Deus injusto, iracundo - e vingativo; nega, por isso, a eternidade de penas, entendida em sua acepo rigorosa e absoluta, admitindo-a unicamente em um sentido relativo - no sentido de que a purificao h de ser to duradoura quanto a impureza - e a expiao to intensa quanto a maldade da falta. Terminaremos este pargrafo com as seguintes palavras de Isaas: "No castigarei eternamente - e fim ter o meu rigor; porque de mim saram os Espritos - e eu criei as almas." (18)
(18) Isaias, LVII, 16, segundo a Vulgata. O dogma do inferno vem magistralmente tratado na comunicao n 23, da segunda parte deste livro. Recomendamos a leitura dessa comunicao.

XX Comunicao entre o mundo espiritual e o dos encarnados

A muitas pessoas, mais ou menos conhecedoras da Doutrina Esprita, temos ouvido dizer e repetir: " pena que o Espiritismo aceite a comunicao do mundo dos Espritos com o dos encarnados! Sim, este lado

ridculo e fantstico seria mais cabvel nas teorias religiosas, porque a mais racional, a mais consoladora e a que melhor explica as relaes do visvel e corporal com o invisvel e espiritual" Esses tais pertencem ao nmero dos que se blasonam de despreocupados - e temem a classificao de crdulos ou supersticiosos, se transigirem com a idia da comunicao dos Espritos. Outros - e estes so a generalidade dos catlicos, admitem o fato da comunicao; porm, em vez de consider-la ensino proveitoso, permitido por Deus, e dado por Espritos de todas as categorias na escala do progresso, atribuem-na interveno malfica do Esprito das trevas, partindo do suposto que, nem os bem-aventurados do cu, nem as almas dos que temporariamente sofrem no purgatrio, nem os condenados dor sem termo, podem comunicar-se com os mortais. Dessa liberdade, dizem, somente gozam os demnios, para fazerem aos homens suas tentaes e arrast-los s fogueiras inferiores, isto , inquisio eterna. Outros, finalmente, os materialistas, negam redondamente a comunicao esprita, como tudo o que aparece com carter extranatural e fora do alcance dos sentidos e atribuem-na a causas puramente mecnicas, conquanto desconhecidas: alucinao ou feitiaria. A comunicao espiritual, sano dos princpios que constituem o credo do Espiritismo, pois que, faltando ela, careceriam de autoridade e no se elevariam da esfera das hipteses humanas aqueles princpios, a continuao da revelao divina, sem cujo auxlio jamais teria a

Humanidade alcanado a idia de Deus e o conhecimento de seus deveres morais e do seu futuro destino. Sendo necessria a revelao para o progresso das sociedades, ela devia vir, e tem vindo, do Alto, em todos os tempos, na medida das necessidades humanas e do cultivo e aperfeioamento das almas. A Cincia e a lei moral vm de Deus; e, portanto, a Humanidade, sem a revelao, no teria dado um passo nas vias da Cincia, nem produziria um cdigo moral que merecesse dos homens um mediano respeito. Ou preciso ir com os materialistas negao de Deus e da sobrevivncia individual do Esprito - ou preciso aceitar a possibilidade e a realidade da comunicao espiritual. O mais lgico aceitar a possibilidade, porque, se os Espritos presos no grosseiro crcere do corpo comunicam, apesar disso, seus pensamentos, com quanta maior facilidade podero comunic-los, rotos os laos que os prendiam e tolhiam? Aceitemos a realidade; porque, alm de vir comunicao com o testemunho dos homens, , como o temos demonstrado, um fato necessrio - e o que necessrio, infalivelmente sucede. No merece a honra de uma refutao idia de atribuir ao diabo, exclusivamente ao diabo, as comunicaes espirituais. Dando de barato que o diabo fosse uma entidade real, uma personalidade e no um mito alegrico, seria blasfmia supor que Deus consentisse numa influncia malfica sobre as criaturas e lhes recusasse a influncia benfica dos Espritos de luz.

No existindo entre o homem e os Espritos outra comunicao que no seja a diablica, de que servem as oraes aos santos, to recomendadas pela igreja? Era o diabo o Esprito que inspirava os profetas - que punha em movimento a pena de Isaas (19) - que enviou Joo a batizar em gua (20), dizendo-lhe como reconheceria a Jesus?
(19) Isaas, VIII, 1. (20) S. Joo, I, 33.

o Esprito maligno que Jesus promete (21) aos que em esprito pedirem ao Pai?
(21) Lucas, XI, 13.

Foi demnio o Esprito que saudou a Maria, e o que falou pela boca de Estevo (22), e o que conversou com Pedro e com o centurio Cornlio (23), e o inspirou a Agabo? (24)
(22) Atos dos Ap., VI, 9 e 10. (23) Atos, X, 19 e 22. (24) Atos, XI, 28.

Referindo-se Paulo, o Apstolo dos gentios, s comunicaes do Esprito (25), em sua carta aos filipenses, aludiu porventura a comunicaes infernais?
(25) Cap. II, 1.

"Carssimos, disse S. Joo, em sua primeira carta (26), no acrediteis em todo Esprito, mas verificai se so de Deus"; formal confirmao da possibilidade e realidade da comunicao recproca dos Espritos, em seus diversos graus, como os homens.
(26) Cap. IV, 1.

A comunicao esprita foi e continua a ser uns fatos constantes, atestados pelas Escrituras e por milhares de homens de todos os tempos e de todos os pases. Como se verifica esta comunicao? Ignoramo-lo; esta ignorncia, porm, no destri o fato.

E ignoramo-lo, porque desconhecemos a natureza do corpo espiritual de que fala S. Paulo em sua primeira carta aos corntios. (27)
(27) Cap. XV, 44.

Se a comunicao esprita fosse, como crem os materialistas, resultado de uma alucinao, que no se explica sendo to geral, ainda assim veramos nela a ao providencial da Divindade; pois que s pode ser de origem divina uma alucinao que eleva as almas pelo cumprimento do dever.

XXI F cega e f raciocinada. - Conformidade do Espiritismo com o Cristianismo. - Os tormentos da dvida. - O nosso credo

Comeamos os nossos estudos de Espiritismo com a resoluo de abandon-los se, no caminho de nossas investigaes tericas-prticas, surgisse algum princpio oposto moral evanglica, baluarte inabalvel de nossas crenas religiosas. Envoltas no tenebroso turbilho que nasce da discordncia da f com a razo, quisemos arrancar a tnica envenenada da dvida e procurar a paz dos coraes crentes; mas isto sem sairmos dos limites do Evangelho, monumento imperecvel da verdade revelada.

E qual foi o resultado - qual o fruto colhido na excurso realizada? O presente trabalho responde claramente. Renunciamos completamente f que no pde suportar o peso da investigao - e colhemos, em compensao, profundas convices e a confiana que inspira a certeza de se haverem encontrado os traos da verdade. Somos fracos - somos fceis s sedues da carne e do orgulho; porm no podemos deixar de confessar que o Espiritismo um regulador eficaz dos costumes e poderoso incentivo a todos os bons sentimentos. No se opem as doutrinas espritas moral pregada pelo Filho do Carpinteiro; antes vm oferec-la em toda a sua pureza e limpa das inovaes humanas que a tem desnaturado e corrompido. Registrando as prdicas de Jesus e dos Apstolos, captulo por captulo, versculo por versculo, vimos nelas claramente sua perfeita concordncia com todos os fundamentos do Espiritismo - e no menos clara discordncia com grande nmero de dogmas do papado. Nesta alternativa, a quem devemos seguir: ao papa ou a Jesus? Aos bispos do sculo ou aos Apstolos das primeiras eras? Deveremos seguir a Roma que condenou, ou a Jesus que no veio condenar, mas salvar? (28)
(28) S. Lucas, IX, 56.

A escolha fcil. Sem vacilao, nos acolhemos bandeira do Cristo e, sua sombra, aguardaremos o cumprimento das divinas promessas: cus novos e terra nova onde domine a justia. (29)
(29) S. Pedro, II Epstola, III, 13.

Abraados a ela, arrostaremos as provaes, os insultos, s injrias, as ameaas, os dios e as perseguies, pedindo, a quem nos h de julgar a todos, tesouros de caridade e de amor para saber perdoar aos nossos inimigos. Por que nos odiarem e nos perseguirem? Somos, porventura, responsveis por adquirirmos convices, pedindo a Deus luz e proteo? Erguemos, acaso, algum pendo de extermnio? Se no quiserdes vir conosco, inspirar-vos em sentimentos cristos, no nos persigais; pois que, se o Espiritismo inveno humana, por si mesmo sucumbir - e, se divina sua origem, em vo tentareis pr diques corrente invasora da vontade de Deus. Somos espritas em Cristo, e os nossos deveres em Cristo so a prdica da verdade e a prtica do amor. Em cumprimento desse dever, para ns sagrado, vamos hoje dizer a nossos irmos que nos lerem: no ridiculizeis no repudieis o Espiritismo sem estud-lo; no desprezeis a nova revelao que baixa das alturas, e nela descobrireis o remdio para vossos males e para as enfermidades que corroem as entranhas da sociedade moderna. Vinde conosco, ns vos pedimos - e pedimo-lo, porque sois nossos irmos e queremos vosso bem e vossa felicidade. Vinde, os despreocupados, que no encontrareis em ns supersties ridculas. Vinde, os catlicos sinceros, que o demnio no pousa onde reinam a caridade e a adorao ao Ser Supremo. Vinde os materialistas, pois, se procurais de boa-f as provas do vosso erro, provas tereis com que encher o vcuo em que miseravelmente vos revolveis. Quo longos, tristes e negros, so os dias em que se apodera da alma a dvida, e a fustigam, e a torturam com a

ameaa de um futuro que se some na pavorosa confuso do nada! Os sentimentos - vontade - a conscincia - o juzo todas as foras vivas do esprito se sublevam, sentem horror ao vcuo - negao - e buscam, na Terra, no espao, no cu, onde quer que veja brilhar uma chispa luminosa, a afirmao do seu ser e da sua imortalidade. Consulta, ento, o homem a seus semelhantes; mas onde achar uma autoridade infalvel? Inquire Cincia - pergunta Religio; porm estas se destroem; e tal confuso aumenta as dvidas do esprito. As noites de insnia sucedem os dias de ansiedade, a sade se quebranta, foge a paz do corao, e perde-se, por fim, a ditosa atividade do bem, que necessita do estmulo da esperana e do incentivo da f. Tambm ns, pouco mais pouco menos, temos passado por essas fases do esprito - por estes Silas e Carbdes da dvida e do temor. Por isso mesmo, e porque temos experimentado as suaves douras que penetram na alma com as doutrinas que o Espiritismo professa, chamamos para ns os enfermos - os que carregam a cruz do infortnio - os que correm desorientados em busca das verdades psicolgicas - as frgeis barquinhas humanas que se sentem impotentes para resistir aos temporais da vida. Mas, a fim de que os que queiram vir, saibam de antemo e com cincia certa para onde vo, expor-lhesemos, com preciso, o nosso credo, que no teme a luz, mas que, pelo contrrio, a procura e deseja. Talvez em breve todos os espritas se vejam na necessidade de fazer outro tanto, para desmascararem os

falsos crentes, que se cobrem de aparncias com o intuito de semear a discrdia, a ciznia, e minar o puro Cristianismo que ora se levanta sobre as runas do cristianismo dos papas. Eis a expresso da nossa f: Cremos em Deus, nico onipotente, consciente, infinito em perfeio, causa do Universo. Cremos na existncia e imortalidade da alma espiritual e em sua perfectibilidade progressiva pelos merecimentos. Cremos nas recompensas e expiaes dos Espritos, em justssima proporo com a bondade ou a maldade de seus atos livremente realizados. Cremos na pluralidade de mundos habitados e na pluralidade de existncias, como expresso, a primeira, da sabedoria de Deus - e como meio, a segunda, de purificao das almas e de reparao das faltas cometidas. Cremos na salvao final de todo o gnero humano. Cremos na divindade da misso de Jesus Cristo - e na redeno dos homens pelo cumprimento dos preceitos evanglicos. Nossa moral a caridade; nossa religio, o Evangelho nosso mestre, Jesus-Cristo. Cremos, com Jesus, que toda a lei e os profetas se reduzem ao amor de Deus e ao amor de nossos semelhantes. Cremos, finalmente, na comunicao espiritual, necessria ao progresso da Humanidade - e prova da soberana Providncia, que vela incessantemente pela fraqueza dos homens.

PARTE SEGUNDA

A Razo e a F esclarecidas pela Revelao I Influncia benfica do Cristianismo puro. - A presena de Deus

Assim como o orvalho da noite reverdece as plantas emurchecidas ao beijo do sol canicular, assim reviviam nossas esperanas abatidas, medida que respirvamos, no reparador ambiente, o ar puro das crenas verdadeiramente crists. Novos e dilatados horizontes se abriam nossa admirao - e a alma, livre e com o gozo da liberdade, voava de horizonte em horizonte, at descortinar o misterioso ponto em que a Terra se junta com o cu. Desertores da casa paterna e voluntariamente desterrados do nosso pas natal, respirvamos, outra vez, as brisas queridas do lar e da ptria, enriquecidas j de saudveis e perfumadas emanaes. Saindo do cristianismo romano, volvamos ao Cristianismo, mas ao Cristianismo em sua consoladora pureza, levando um tesouro inesgotvel de convices e de f. Tal o resultado que produz o estudo das doutrinas crists-espritas em quem o empreende dominado do desejo de descobrir o caminho cia verdade religiosa. Elas penetram suavemente na razo - a conscincia abraa-as sem obstculo - e a vontade acolhe-as com entusiasmo e prazer.

influncia benfica da sua luz fogem, envergonhadas, todas as dvidas - desaparecem as contradies - e brotam torrentes de consolaes e harmonias. a f triunfaste da negao - o ter - a esperana - a realidade enchendo o abismo do vcuo - Deus que se levanta esplendoroso do seio do Universo, inundando-o com seu amor. Benditas as horas que a to saudvel estudo dedicamos! Porque nessas horas o corao sente Deus, a alma respira Deus, a vontade busca Deus - e o encontra em toda parte: no sopro do zfiro, no bramido da tempestade, no cntico do passarinho, no silvo da serpente, na escurido, na, luz, no gusano, no homem, na Terra e nos cus. Nessas horas, o esprito readquire a paz e a liberdade, e, sobrepujando as misrias da vida, eleva sua vista na direo que lhe aponta o gnio do bem.

II A procura dos fatos. - A Revelao progressiva

Admitidas a possibilidade e a necessidade da revelao, da comunicao de pensamentos, entre os Espritos e os homens, incompleto ficaria o nosso estudo se, antes de sujeitarmos ao crisol da razo os princpios da escola esprita, esquecssemos o mais importante: a parte experimental. Longe de cometermos essa falta, era nossa inteno confirmar as teorias por fatos, buscando nestes o

complemento necessrio da f que ia ganhando terreno em nossos nimos. E esse complemento veio, porque a revelao ou comunicao espiritual necessria a toda a Humanidade, e o Ordenador do Universo no a vinculou a determinadas classes, nem a transmite por herana a certos indivduos. Desde o momento em que um corao aflito eleva seus rogos, pedindo a Deus luz, suas palavras chegam ao alto, so ouvidas, e Deus envia Espritos de conselho (30). "Sempre que me buscardes de todo o corao, encontrar-me-eis", disse o Senhor. (31)
(30) Daniel, X, 12. (31) Jeremias, XXIX, 13.

Em sua presena, no h preferncia nem excluso dos seus dons; a todos ns ele faz igualmente participantes dos bens que com abundncia derrama sobre os homens. A revelao sempre progressiva e na razo do estado de necessidade da Humanidade; suas fases so to variadas gomo as do gnero humano na sucesso dos sculos. Cai a chuva e fecunda a terra - e torna a cair, para continuar a fecund-la. Nem Moiss, nem os profetas, nem Jesus disseram tudo o que podiam ter dito; cada um falou segundo seu tempo e segundo o que podiam suportar as geraes da sua poca. O excesso de luz cega, do mesmo modo que a sua ausncia completa; por isto, os profetas falaram diferente de Moiss - e Jesus Cristo diferente dos profetas. Moiss falava com o castigo - os profetas, com a ameaa -, e Jesus, com a promessa e com o amor. Hoje, a revelao uma grande caudal cujas guas cobrem a Terra de um a outro confim.

As profecias de Isaas e Joel (32) cumprem-se letra - e os Espritos derramados por toda a carne, por toda a linhagem dos homens, declaram a verdade da sobrevivncia da alma e da existncia de Deus.
(32) Isaas, XXXII, 15. - Joel, II, 28.

Os erros religiosos, alguns dos quais oriundos de antigas alegorias mal interpretadas, tm por tal modo aludo as crenas e semeado o desconsolo, a dvida e a negao, que fizeram necessrio o cumprimento daquelas profecias e a vinda do Consolador ou Esprito da Verdade prometido por Jesus Cristo (33), para restabelecer todas as coisas.
(33) S. Joo, XIV, 16, 17, 26; XVI, 7 e 13.

S o Esprito da Verdade poder salvar o mundo moral de um naufrgio, que parece inevitvel.

III Primeiros resultados. - Inconvenientes da comunicao e meios de evit-los

No foi preciso multo tempo em ensaios, para que obtivssemos provas eficientes da verdade da comunicao dos Espritos. Vrios dos que so hoje membros do grupo lograram prontamente resultados mais ou menos importantes, porm os precisos para adquirirmos a necessria convico. Esses ensaios se espalharam, com o melhor desejo, por algumas famlias - e, atualmente, so muitos os mdiuns psicgrafos, de um e outro sexo, que praticam com proveito

a mediunidade, numa Capital onde nem de nome era isso conhecido. (34)
(34) D-se o nome de mdium pessoa que serve de instrumento de comunicao dos Espritos.

Desde as primeiras experincias, tivemos ocasio de observar que a comunicao no era isenta de contradies e perigos. Vaticnios frustrados, promessas no realizadas, afirmaes desmentidas, inexatides, leviandades, tolices no faltaram, e talvez nos houvessem feito vacilar e desistir da empresa, se no tivssemos visto, no fundo de tudo aquilo, a realidade de um fato digno de ser estudado, e, ao lado daquelas comunicaes desanimadoras, outras, por todos os ttulos respeitveis. Possuamos o fato, e o nosso dever era estud-lo e evitar quanto possvel seus inconvenientes. No nos foi difcil compreender que a diversidade e os contrastes das comunicaes eram naturais e lgicos, como reflexo da diversidade intelectual e moral dos Espritos. O Esprito, pelo simples fato da sua emancipao do corpo, no adquire o conhecimento de todas as coisas, nem fica limpo de todas as suas impurezas. Goza, certo, de maior lucidez, porm conserva as inclinaes, os sentimentos e, at certo ponto, os hbitos contrados em sua vida corprea. um ser progressivo, que no realiza as suas transformaes bruscamente, e sim de um modo harmnico e por sucesso gradual. Isto aceitvel e filosfico, mesmo que o Espiritismo no o tivesse feito evidente. A diversidade que se observa entre os homens no menor no mundo dos Espritos - e, portanto, as

manifestaes individuais dos seres de alm-tmulo variam ao infinito, como as manifestaes individuais dos homens. O Esprito manifesta-se de outro, prudente, bondoso, verdadeiro, profundo, grave, discreto, virtuoso; ou ignorante, leviano, malvolo, falso, superficial, atoleimado, ridculo, maldizente, segundo o grau da sua cultura intelectual e moral. O que interessa, pois, no ligar importncia a comunicaes que no produzem, moralmente falando, nenhum bem - e que no podem proceder seno de Espritos superficiais ou malvolos. A prtica nos ensinou que, com prudncia e boa-vontade, se evitam facilmente esses escolhos, em que no poucos soobram, por no darem mediunidade a importncia devida. A falta de conveniente respeito, as exageradas pretenses, a curiosidade, o amor-prprio e o egosmo, so causas de se recolherem freqentemente contradies, zombarias e disparates. E, como tirada a causa, cessa o efeito, as comunicaes frvolas e infrutferas deixam de repetir-se, quando no forem provocadas pela falta da necessria preparao ou por outros motivos facilmente determinveis. O prprio desdobramento das comunicaes, mesmo das que convm evitar, instrui a quem sabe aproveitar-lhes o ensino; pois que, sendo a comunicao, em geral, fiel reflexo das boas ou ms disposies do que a d - de seu maior ou menor grau de elevao, podem-se tirar dela estmulos ou consideraes que sirvam de corretivo. preciso estudar, como aconselha o evangelista S. Joo, se so de Deus os Espritos que se comunicam ou, o que vale

o mesmo, se suas intenes tm o selo da moral evanglica e, caso no seja assim, suspender as comunicaes e dispormo-nos dignamente para obt-las proveitosas. Quando os Espritos enganadores vem que suas insinuaes malvolas so conhecidas e repetidas vezes desprezadas, retiram-se e deixam o campo a Espritos superiores, aos quais atrai o bom desejo dos que buscam, nos ensinos espirituais, a verdade e o bem.

IV Importncia da comunicao espiritual. - Decepes. -. O que se deve procurar obter das comunicaes

A comunicao espiritual um ato de tanta gravidade e transcendncia, que nenhum outro, na vida do homem; lhe pode ser comparvel. Por seu intermdio, alcanamos a verdade psicolgica e a felicidade, que se elevam sobre tudo o mais a que possa o homem aspirar. o telescpio que pe ao alcance da nossa vista a mundo a que seremos trasladados aps a presente peregrinao - e que nos faz conhecer a sorte que nos espera como fruto de nossas obras. Pela comunicao, a misericrdia do Altssimo descerra o vu que nos ocultava o porvir, nos envia um raio da sua divina luz, e nos alenta e fortalece.

Aquele que considera a comunicao como coisa leviana e sem valor, condena-se perda dos alicerces de suas mais seguras esperanas. No lhe resultaro dela nem consolos, nem convices, nem conselhos teis, nem acrescentamento de virtudes, nem qualquer coisa que possa contribuir para sua felicidade; pelo contrrio, ser ela em suas mos o que perigosa arma nas mos de uma criana; ser qual corrente de ofuscaes e manancial de decepes. Qual o fim a que devemos propor-nos pelas comunicaes? Este ponto essencialssimo - e recomendamo-lo, com o maior empenho, a quantos se dedicam ao estudo da filosofia esprita. Talvez no tenha ele sido bastante meditado; ou, se o tem sido, no se tem feito na prtica as convenientes aplicaes. Tem-se dado demasiada importncia aos fenmenos fsicos - ao fato material da comunicao, em prejuzo da moralidade do ato, que deve ser seu guia e fim. E por isso que as reunies espritas ainda tm, aos olhos da multido, certo aspecto ou carter teatral e fantstico, completamente estranho majestade atraente das doutrinas evanglicas. Tudo que no seja procurar, pela comunicao, o melhoramento dos costumes, a comear por ns mesmos, perder e profanar uma graa de inestimvel valor, que cessar pelo seu mau uso. Somos discpulos recm-chegados escola esprita e no alentamos, nem jamais alentaremos, a pretenso de nos arvorar em mestres do seu luminoso ensino.

Somos, porm, discpulos animados de bons desejos, de convices e de f, e invocamos este ttulo a fim de se compreender que nossas observaes procedem de um bom propsito e se dirigem remoo dos obstculos que possam retardar, por mais ou menos tempo, a vitria do Cristianismo.

V A comunicao um fato. - Como a julgam os despreocupados e a Igreja

Se somos vtimas de uma alucinao - de uma iluso da esperana - de um desarranjo mental - de um erro com a mscara da verdade!. . . cem vezes nos tem vindo ao pensamento - e outras tantas tm sido as nossas dvidas dissipadas pela realidade. A comunicao espiritual um fato, dizia-nos a pena que a mo punha em movimento sem o concurso da vontade; a comunicao espiritual um fato, ajuntava o testemunho de milhares de homens de irrecusvel autoridade; a comunicao espiritual um fato, ajuntavam o Antigo e Novo Testamento. Podemos suspeitar, sequer, que se tenham posto de acordo, para seduzirem-nos e enganarem-nos, o testemunho dos nossos prprios sentidos, a autoridade humana, e as Sagradas Escrituras?

To pouco o que o homem conhece das leis e da natureza dos seres, que a sua marcha pelas vias do progresso se faz lentamente e s escuras. Sua ignorncia torna-o suspicaz - e f-lo receoso de dar agasalho s verdades que no cabem na estreiteza do seu crebro. Um fraco raio de luz o cega - e ele nega a luz, at que se habitue com ela, logrando domin-lo. V os astros - e julga que so simples faris pendentes de slida e firme abbada! Ai do primeiro que se atrever a desprend-los do firmamento e arrancar a Terra do centro do Universo! As verdades, porm, se impem, apesar da ignorncia dos homens, e chegar o tempo em que eles as admiraro entusiasticamente, depois de as haver repelido com desprezo. O que sucedeu com as leis cosmolgicas, com a eletricidade, com o magnetismo, em uma palavra, com cada um dos progressos cientficos, sucede hoje com o fenmeno da comunicao espiritual. Desconhecem-se suas leis - e a ignorncia ope-se a reconhecer e autorizar o fenmeno. Os despreocupados riem-se dele, como se riram de Coprnico e de Galvani os despreocupados dos sculos XVI e XVIII. O que diria o mundo, se eles confessassem a realidade de uma lei que no podem explicar em sua suficincia, em seu positivismo, em sua cincia universal, em sua superioridade sobre quantos acreditam que muito h a descobrir, e que nem toda a sabedoria poder tudo alcanar? Mais cordata, a igreja romana admite o fato da comunicao; porm, presa dentro do crculo de ferro da sua

infalibilidade e do seu dogma, explica-o pela influncia malfica do diabo, recm-chegado, ao que parece, dos desertos da Tebaida, onde o tinha encadeado o bom Rafael, companheiro de Tobias. No decurso deste livro e, muito principalmente, em uma das comunicaes subscritas por Maria, debate-se, com a maior profundeza e amplitude, a questo do diabo, razo pela qual nos julgamos desobrigados de faz-lo aqui: Dia chegar em que Roma se desprender do seu Pluto e das suas eternas fogueiras, como se tem desprendido de outras afirmaes, cadas, em tempo, no completo descrdito. VI Como se realiza o fato. - Os mdiuns

Como se verifica a comunicao espiritual? No nos referimos seno s que se obtm por meio da escrita, pois que a esta classe pertencem s obtidas no crculo de Lrida. O mdium, isto , a pessoa que tem a faculdade de receber as comunicaes, toma a pena, abandona a mo sobre o papel - e a mo move-se por impulso alheio e inteligente, traando palavras, frases, perodos legveis, cujo conjunto exprime, no os pensamentos do mdium, mas os da fora inteligente, exterior e invisvel, que imprime movimento pena.

A mo do mdium, completamente passiva, age como a da criana que forma sobre o papel traos e letras, obedecendo ao movimento e direo da mo do seu mestre. A capacidade ou aptido medinica muito geral. Em nossa opinio, todas as pessoas a possuem em maior ou menor escala - e, se nem todos obtm resultados, talvez seja devido, menos falta de aptido, que impacincia ou falta de ordem com que a maior parte faz os seus ensaios. indispensvel compreender que a comunicao no pode dar-se sem permisso superior - e que no a alcanaremos se no soubermos pedi-la. No condio essencial crermos na realidade do fenmeno, para obt-lo; basta estud-lo com respeito e desej-lo com o propsito de o aproveitar em bem da Humanidade. O mdium pode ser mecnico, ou intuitivo (vede "O Livro dos Mdiuns"); o primeiro, obra maquinalmente, sem conscincia do que sua mo escreve - o segundo, recebe os pensamentos e at as palavras, que sua mo traslada automaticamente para o papel. Neste ltimo caso, a comunicao uma verdadeira inspirao - e no merece menos confiana que a primeira, a mecnica, sempre que o mdium, deixando completamente abandonada a mo, evite a possibilidade de mesclar seus prprios conceitos aos que lhe so inspirados. A mediunidade intuitiva freqentemente causa de desconfiana da parte do mdium, que, vendo sua mo traar o que passou por sua mente, suspeita ser sua vontade que determina o movimento da pena. Essas suspeitas se desvanecem com o bom uso da mediunidade e com a prtica; pois que, no decurso das

comunicaes, dar-se-o casos de algumas referirem fatos por ele ignorados e depois comprovados - ou fatos muito superiores aos seus conhecimentos. Que o mdium intuitivo pode influir na estrutura e fraseologia da comunicao, no h que duvidar; pois que um pensamento, inspirado pelo mesmo Esprito a dois mdiuns de diferentes graus de instruo, aparece escrito com palavras e construo mais ou menos cultas, segundo a cultura e a ilustrao do mdium. Isto, porm, que, prima fatie, faz suspeita a comunicao, no , se bem se reflete, seno resultado lgico e natural que facilmente se explica, to facilmente como a comunicao estritamente mecnica. Para o Esprito, as palavras nada so - o pensamento tudo; ele comunica seu pensamento ao mdium - e, enquanto v que este o interpreta fielmente, deixa que o escreva com as palavras que lhe ocorrerem. Por esta razo, raras vezes um Esprito elevado se serve de um mdium intuitivo de escassas luzes, para comunicaes importantes. Ter com ele conversaes ntimas ou dar-lhe- conselhos familiares; mas, para assuntos srios ou matria de importncia, preferir servir-se de quem, embora incapaz de compreender os conceitos que lhe transmite, possa, em maior ou menor grau, corresponder-lhe e corretamente formul-los.

VII A comunicao no um fenmeno sobrenatural nem contranatural. - O perisprito. Hipteses

A nosso ver, o ato da comunicao dos Espritos com o homem, fantstico e, por isso mesmo, suspeito, se o considerarmos ligeiramente, no , se bem refletirmos, seno o resultado de nova lei natural, desconhecida dos nossos antepassados, mas lobrigada pela presente gerao, que a descortina, l, nos seus longnquos horizontes - e que ser do domnio das vindouras geraes. Assim como se ignoravam, em outros tempos, a maior parte das leis cosmolgicas que formam a cincia astronmica de nossos dias, a influncia do vapor, a existncia da eletricidade e do magnetismo, e tantos outros fenmenos e leis naturais, que tm vindo sucessivamente alentar e recompensar os esforos da inteligncia humana, assim tambm pode permanecer, e permaneceu, ignorado, o fenmeno da comunicao, sem que isto prove contra a existncia da lei por virtude da qual se produz esse fenmeno. Jesus, como Galileu, foi vtima do ridculo e do antema da igreja oficial; entretanto, a Terra continua girando em torno do Sol, conforme os ensinos de Galileu - e as doutrinas evanglicas transformaram a Humanidade e conquistaram o imprio moral do mundo civilizado. Os progressos realizam-se atravs dos sculos, com admirvel sucesso, sem violncias nem impetuosos abalos. O solo no recebe a semente sem ter sido convenientemente preparado, e a semente no se converte em saboroso fruto, seno depois de ter triunfado dos ventos e das tempestades.

Moiss preparou o corao dos homens - e Jesus derramou nele a semente santa do Evangelho. Newton no podia nascer antes de Galileu. A idia da pluralidade dos mundos no teria alcanado carta de naturalizao entre os homens, se antes o telescpio no tivesse posto o mundo planetrio ao alcance da sua investigadora atividade. O fluido eletromagntico rasgou novos horizontes, ignorados panoramas, s investigaes humanas; e talvez no esteja longe o dia em que o estudo dos fluidos nos leve ao descobrimento dessa lei natural que pressentimos sem conhec-la: o fenmeno, to combatido e condenado, da comunicao dos Espritos. S. Paulo, em sua primeira epstola aos corntios, afirma que o homem tem dois corpos: um animal, pelo qual o Esprito comunica com o mundo material - outro, espiritual, fludico e incorruptvel, que serve de intermedirio entre a alma e o corpo material. Desta opinio participaram sbios eminentssimo, desde a mais remota antiguidade - e participam a escola esprita, que distingue o corpo espiritual, com o nome de perisprito. Este nos d a chave dos fenmenos psicolgicos, e, sem ele, seria de todo incompreensvel manifestao ou influncia do princpio inteligente sobre o organismo humano. Ele tambm um raio de luz no mistrio da ressurreio da carne, que seria inadmissvel, caso se referisse ressurreio dos corpos animais. Com tais precedentes, a obscuridade que envolve a comunicao esprita cessa completamente e comea-se a

ver, com alguma claridade, a existncia da lei que rege o fato. Duas coisas h a estudar no fato da comunicao a transmisso do pensamento e a fora que dirige o movimento da pena ou de outro qualquer objeto. A primeira, isto , a transmisso do pensamento, pode ser o resultado de uma corrente fludica entre o Esprito livre que se move no fluido universal e a inteligncia do homem a segunda, isto , o movimento da pena ou outro objeto, realiza-o o Esprito com o seu invlucro fludico sobre o fluido em que se acham mergulhadas as molculas materiais do objeto em que se exerce a atividade do mesmo Esprito. Isto que acabamos de dizer, no o damos como afirmaes indiscutveis; pois que no nos presumimos mestres em to difceis matrias. Apenas o indicamos aos que podem, com maior proficincia, levar alm seus estudos - para que os cpticos se persuadam de que o Espiritismo est na posse da verdade e da f, pelas vias da Cincia.

VIII Autenticidade das comunicaes

Com raras excees, as comunicaes escritas so assinadas pelo Esprito que as dita. Seus nomes so s vezes desconhecidos; porm, muitas outras, so de amigos ou de personagens que, por seu saber

ou virtudes, se fizeram conhecidas na Histria da Humanidade. No primeiro caso, no h dificuldade, pois que, no sendo o Esprito conhecido, julgamo-lo pela comunicao que d; no segundo, porm, quem nos assegura a autenticidade da assinatura - quem nos assegura que foi realmente o Esprito do nosso amigo, que moveu a mo do que escreveu o comunicado e, bem assim, que foi a personagem histrica que revela essa assinatura? Essas dificuldades, no entanto, so mais aparentes do que reais, e no devem ser motivo de desnimo na continuao da prtica da mediunidade. Ainda mais. Essa incerteza necessria e proveitosa; j porque nos leva a estudar a verdade da comunicao, pondonos em constante vigilncia contra as sugestes que possam induzir-nos a erro e desviar-nos do caminho do bem; j porque, por ela, se nos reserva completa liberdade de arbtrio e o mrito de nossos atos morais. A autenticidade das assinaturas s poderia ser provada, de maneira indubitvel, pela viso constante dos Espritos viso que seria nada menos que a evidncia da nossa sorte futura e a anulao completa da nossa atividade individual. A evidncia da autenticidade das assinaturas no poder ser absoluta; porm, poder s-lo quanto seja suficiente para tranqilizar-nos. J que no podemos verificar com segurana, pelos sentidos, que o Esprito que nos fala o que diz falar-nos, empreguemos todos os meios racionais para no sermos vtimas de uma substituio de nome que pode prejudicarnos, do mesmo modo que sucede em nossas relaes sociais,

por causa da identidade da pessoa que nos escreve, sobre assunto de importncia. Que faz quem recebe uma carta, em que se lhe ordena ou pede a entrega de valores ou documentos de grande interesse, a pessoa desconhecida, no caso da firma da carta ser a da pessoa que tem o direito de dar essa ordem? Consulta detidamente o contedo da carta e observa se est escrito de conformidade com os precedentes que essa firma oculta - estuda se envolve alguma contradio ou conceito em desarmonia com os pormenores do assunto, e, se nada lhe provoca suspeita, entrega os valores ou documentos, sem desconfiana e sem receios. Poder acontecer que haja um engano; porm, nem tais enganos so comuns, porque, se do uma ou outra vez, no interrompem a boa marcha das relaes sociais. Pois bem; quando, em uma comunicao, virmos aparecer firma de um amigo, de um irmo, de uma me, ou de qualquer pessoa que foi da nossa intimidade, estudemos se o carter da comunicao est em harmonia com o da pessoa que a deu; e, se depois de escrupulosa e severa anlise, reconhecermos perfeita conformidade, por que duvidarmos da autenticidade? Se vier ela firmada por um Esprito de cuja elevao no podemos duvidar, atento o nome que conquistou durante a sua passagem pela Terra, temos o direito de exigir pensamentos elevados, conselhos teis e proveitosos ensinos, consoantes com seus predicados em saber e em virtudes; e, se esta consonncia se patenteia na comunicao, razo no temos para suspeitar da veracidade da firma, pois no presumvel que um Esprito elevado substitua outro, sem ser por delegao deste.

Pelo fruto se conhece a rvore, disse o divino Mestre. Faamos aplicao desta prudente mxima; julguemos os Espritos por seus frutos, que so as comunicaes - e, respeitando e aceitando as que nos encaminham para Deus, pela prtica do bem, larguemos de mo as outras que, excitando a nossa concupiscncia, tendem a desviar-nos do amor de Deus e do cumprimento do nosso dever.

IX Desconfiana prudente. - Prece. Evocao

As comunicaes frvolas, mesmo que sejam dignas de estudo, no por si, mas pelas consideraes a que se prestam, produzem mais mal do que bem; pelo que, o dever do mdium, que aspira a colher da sua faculdade o melhor fruto, evit-las, procurando sujeitar seus trabalhos medinicos ao critrio de pessoas ilustradas. O mdium pouco cauteloso freqentemente vtima de certos Espritos que, sob a aparncia de moraliz-lo e guilo, o arrastam aos maiores absurdos. A experincia nos ensina que se deve desconfiar das comunicaes devidos aos esforos individuais e isolados. Sem ir mais longe, vemos que os mdiuns de que atualmente dispe o Crculo Cristiano-Espiritista de Lrida, por cujo intermdio temos conseguido em nossas sesses importantssimos resultados, alguns dos quais vm consignados nesta segunda parte, se tm achado na dura necessidade de no praticarem a mediunidade, seno em

presena de assistentes, pois que, ss, ou no obtm resultado algum ou, se o obtm, so comunicaes insulsas afirmaes falsas, frivolidades, e contradies. Jesus Cristo prometeu seu esprito aos que se reunissem em seu nome - no amor do Pai e em caridade, termo e ponto de partida dos ensinamentos evanglicos. As oraes coletivas, quando os que as fazem se unificam no mesmo desejo, para o mesmo fim; o melhoramento moral deles e da Humanidade e a glorificao de Deus, obram com grande eficcia e atraem as bnos do cu. So uma prova de fervorosa humildade, e Deus ouve os rogos dos humildes - dos que, sentindo-se fracos e indignos dos favores superiores, unem suas aspiraes em uma nica e as elevam em comum. So esses, tambm, atos de verdadeira caridade, de solidariedade no bem, porquanto cada um deposita no acervo comum a oferenda espiritual que sai dos tesouros da sua alma, formando tais oferendas uma nuvem de incenso que eleva a Deus seus bem-aventurados mensageiros. esta a razo por que as comunicaes alcanadas nos centros ou reunies espritas so incomparavelmente superiores s alcanadas por mdiuns insulados. A orao que precede ao ato de o mdium tomar a pena para receber as instrues espirituais, e que deve preceder a todo ato medinico, recebe o nome de evocao. Dizemos que deve preceder a todo ato medinico, porque os Espritos superiores sentem tanta repulso pelos atos frvolos, como complacncia em acudir aos chamados dos que lhes pedem auxlio, dispostos a aproveitarem seus conselhos.

Pode assegurar-se, sem receio de que venha o fato desmentir, que os fenmenos da mediunidade, provocados e realizado sem a devida preparao, so sempre diretamente produzidos por Espritos superficiais ou imorais. Para merecermos de Deus as comunicaes de que temos necessidade, precisamos pedi-las, mas pedi-las com fervor, recolhimento e bom desejo. No ato da evocao, principalmente o mdium, e com ele todas as pessoas que o acompanham e desejam proveitosas instrues, devem elevar o seu corao a Deus com o maior fervor, pedindo-lhe um raio da sua divina luz e a assistncia de Espritos elevados; devem uniformizar seus desejos, subordinando-os vontade soberana - e, por ltimo, devem ter o propsito de glorificar a Deus pela caridade, isto , de cumprirem a lei moral que nos prescreve o amor a Deus e a benevolncia para com os homens, nossos irmos. Observando, alm disto, um religioso silncio e evitando a curiosidade, a impertinncia, o orgulho e a hipocrisia, pode-se esperar, com fundamento, a interveno dos bons Espritos, atrados pela bondade dos desejos, e sempre dispostos a contriburem para o bem da Humanidade. Meditem, no que acabamos de indicar, os catlicos que temem as evocaes, acreditando na existncia do diabo, e reconhecero que, mesmo que fosse real tal existncia, Deus no poderia, em sua justia, entregar-nos s sugestes daquele inimigo, quando lhe pedimos luz e proteo do ntimo de nossas almas. Feita a evocao, como fica exposto, devem-se esperar, com respeitoso recolhimento, os ensinos superiores, provocando-os com a continuao dos bons desejos, m que atrai os Espritos que ministram a palavra do Altssimo.

E, pois que eles conhecem melhor do que ns as necessidades humanas e os meios mais eficazes de nos guiarem pelos retos caminhos da virtude, prudente ser receber as inspiraes que espontaneamente nos comuniquem, sem pretendermos sujeit-los a perguntas sobre pontos determinados. No obsta isto a que, num ou noutro caso, os consultemos sobre questes srias, sempre, porm, procedendo com a maior cordura e humildade, e sem esquecer que a consulta deve ter um fim moral. No pretendamos, jamais, descobrir por meio dos Espritos os segredos do futuro, nem meios de abreviar nossos trabalhos mentais, nem se devemos ou no praticar o que nos prescreve a conscincia; porque, em tais casos, os Espritos que vivem na luz calar-se-o, e viro a confundirnos os que vivem de enganar e seduzir.

X Continuao do mesmo tema. - Contradies em que incorre a Igreja Catlica

Convm desvanecer uma preocupao muito vulgarizada entre os que condenam ou ridicularizam o Espiritismo, sem conhecerem suas prticas, nem terem tomado o incmodo de estudar suas doutrinas. Supem, de boa ou m-f, que os mdiuns se atribuem o poder de obrigar os Espritos - de perturbar a paz dos sepulcros, arrancando deles, por meio de esconjuros ou

palavras cabalsticas, as almas dos defuntos; de violar os segredos que oculta o silncio da morte; de descobrir, pelos Espritos, os arcanos do porvir, em uma palavra, de ordenar a seu talante as manifestaes de alm-tmulo, nem mais nem menos como se exercessem domnio absoluto sobre o mundo espiritual. Se assim fosse, o Espiritismo seria realmente o maior dos sacrilgios e a mais orgulhosa das profanaes, e mereceria o desprezo e os antemas de quantos crem na existncia de Deus e na imortalidade da alma. Por fortuna, semelhante suposio caluniosa e balda de todo o fundamento. Nenhum esprita tem a insensatez de atribuir-se autoridade de qualquer ordem sobre as almas e tudo espera da bondade dos seus prprios atos e da permisso divina. (35)
(35) No basta dizer-se esprita, preciso conhecer as doutrinas e prticas. No faltam espritas de nome, que entendem tanto do Espiritismo, como a maior parte dos catlicos romanos entendem do Catolicismo romano.

Nenhum pretende dominar a vontade dos que foram; antes, pelo contrrio, busca em seus venerandos conselhos o melhoramento prprio e a vitria da virtude. Sabe que filho de Deus e pede confiante a seu Pai, que o Pai de toda a Humanidade, luz para conhec-lo e sentimento para am-lo. to doce o nome de pai!... Ao pronunciarem-no os lbios, abre-se o corao a todas as esperanas; porque o bom pai d a vida pela sade de seus filhos - e nossa sade est nas mos do Pai que est nos cus. A evocao esprita no um esconjuro supersticioso ou malfico; uma orao humilde e respeitosa, que se eleva ao Ser Supremo, a fim de que se digne inspirar-nos e fortalecer-

nos na prtica do bem, com o conselho dos Espritos que durante a vida terrena conquistaram, por suas virtudes, o prmio dos justos e a admirao dos homens. o terno suspiro do filho que invoca a proteo do Pai, a fraqueza da criatura que se acolhe ao amparo do Criador, o gemido dolorido do enfermo que procura a sade, o aceno da alma que deseja agradar a Deus e conhecer sua vontade, para respeit-la e cumpri-la. No so cristos estes propsitos e estas prticas? Diferem, porventura, das prticas e propsitos que derivam da moral evanglica? So as evocaes mais do que preces dirigidas a Deus, pela intercesso dos nossos protetores, os santos, to eficazmente recomendadas pela igreja catlica romana? Se nossas splicas chegam at aos seres ditosos que vivem nas esferas da felicidade imortal, com igual razo chegaro a ns suas santas inspiraes. Assim o aceita a igreja romana - e pede freqentemente, para os homens, as inspiraes superiores. Cada santo goza, em seu conceito, de uma prerrogativa especial - e ns devemos invocar este ou aquele, segundo a natureza de nossas necessidades. Assim, pois, podem ou no ser ouvidas as nossas preces? Podem ou no os santos exercer em ns suas proveitosas influncias? Claro est que sim; pois, de outra sorte, as oraes aos santos seriam coisas inteis e estreis. E, se podem, como Roma o assevera, que isto seno a comunicao entre os Espritos e os encarnados de que fala o Espiritismo?

Se S. Joo, por exemplo, pode inspirar-nos sentimentos de ternura e S. Paulo sentimentos de caridade, se Santa Luzia intervm na cura das enfermidades dos olhos, S. Roque na cura dos empestados, S. Romo nos desvairamentos, etc., etc., por que lhes negar o poder de fazer sensvel sua interveno? Em vida curavam as enfermidades da alma e do corpo, pela virtude de seus piedosos rogos; no podem, depois de glorificados, pr em movimento uma pena? Cada nao, cada comarca, cada povo, venera em seus altares, de preferncia, um determinado santo, que considera patrono e protetor e a ele recorre em suas necessidades e aflies; se vem ameaados de tempestade, se d algum tremor de terra, se a colheita corre perigo de perder-se, por falta de chuva, se alguma terrvel enfermidade se desenvolve, o povo eleva fervorosos rogos ao seu santo tutelar e, por sua interveno, a tempestade se amaina, o terremoto passa, a chuva rega os campos e as enfermidades cessam. O clero catlico no s permite, mas tambm, felizmente, fomenta estas crenas. Mas, se um Esprito bem-aventurado pode encadear os ventos, dissipar as nuvens e diminuir os horrores da peste ou de outra qualquer praga, por que lhe negar a faculdade de dirigir o movimento de uma mo, para transmitir piedosas admoestaes? Para recorrer ao extremo de atribuir ao diabo as manifestaes espirituais sensveis, que condenam certos abusos? No h povo, nem famlia, que no conserve, em sua tradio ou em sua histria, a recordao de alguma dessas

manifestaes que se transmitem piedosamente de pais a filhos e de gerao em gerao, tradies que o clero catlico tem recolhido e respeitado, sem pensar em combater-lhes a origem como prejudicial e diablica. Aqui, um Esprito bem-aventurado que aparece envolto em um crculo de luz - ali, um rumor de correntes que quebra o silncio da noite - alm, uma mo que escreve com caracteres de fogo - noutro ponto, uma voz sepulcral que pede missas para sair do purgatrio. Espritos celestiais, demnios, condenados, almas penadas; de tudo h nas tradies vinculadas ao Catolicismo e recolhidas em pequenos ou grandes volumes, para instruo e melhoramento dos fiis. E sem embargo, como acabamos de manifestar e todo o mundo sabe, jamais o clero romano impugnou por absurdas ou irreligiosas semelhantes tradies; aceitava a possibilidade dos fatos, como de permisso divina, ouvia relat-los com piedosa uno - e com piedosa uno celebrava as missas e ajuntava os proventos que provinham das crenas da apario das almas. Se for possvel haver comunicado entre os Espritos e os homens, sem a interveno do diabo, por que no o ser hoje? E, se no possvel, por que o clero no lanou o antema contra as comunicaes, quando nelas se exigiam a celebrao de missas e legados igreja? Duas grandes verdades resultam do inconseqente procedimento da classe clerical: a primeira, a comunicao recproca dos Espritos com os homens cabem dentro dos princpios verdadeiramente cristos, pois que recebeu em dias no remotos o assentimento da Igreja; segundo, o clero sacrifica a suas convenincias pessoais a verdade dos

princpios, para dizer que o Espiritismo se prope a destruir a religio crist; quando, o que ele procura, afirm-lo, ainda que para consegui-lo seja foroso arrancar a mscara aos que, sob a capa de religiosa piedade, exploram a ignorncia dos fiis.

XI Importncia moral da comunicao. - Objeo contraproducente. Consideraes

Pelas consideraes que precedem, podem os nossos leitores julgar da importncia moral do fato da comunicao esprita; e, talvez, modificar a opinio formada ligeiramente, sem um exame imparcial e maduro do fenmeno. Nada de fantasmagorias, nada de prticas misteriosas, nada de concilibulos na sombra, nada de profanaes insensatas ou de esconjuros e palavras cabalsticas, nada de mortos que se levantam das sepulturas para responderem ao chamado imperioso de um fraco mortal, que obedece malfica influncia do maligno Esprito. Preces piedosamente elevadas a Deus, na humildade dos nossos coraes, como filhos e servos seus que somos, como fracas criaturas que pedem ao Senhor fora que lhes falta, misericrdia divina, que envie um raio da sua luz aos que buscam em humildade e no desejo do bem, graas ao Altssimo, pelas inspiraes e favores alcanados da sua bondade onipotente: eis o princpio e o fim da comunicao esprita, eis as timbrosas prticas dos que, desenganados,

buscam, em Deus, as verdades religiosas, que no tm podido encontrar na palavra dos homens. Antes de condenar tais prticas, preciso negar a eficcia das oraes, o poder consolador e benfico dos bemaventurados e a verdade das promessas evanglicas. "O demnio do orgulho fala por vossa boca - dizem os sacerdotes romanos - sois umas miserveis criaturas, e atrevei-vos a presumir que podeis pr-vos em relao com os santos." No duvidamos confessar que somos fracos, que padecemos enfermidades da alma, que sentimos em ns o peso da concupiscncia e de mil e mil misrias da nossa natureza; mas, por isto mesmo que estamos enfermos, deixai que peamos a Deus, que o melhor mdico, o remdio para as nossas enfermidades; por isto mesmo que somos fracos, no nos arranqueis a consolao de chamar em nosso auxlio proteo superior. Isto no orgulho, humildade - f - esperana - adorao - amor. Se Deus ouve, propcio, as nossas preces, sem que o mereamos, bendito seja Deus, que nos envolve em sua misericrdia infinita! Vs, porm, que nos encrespais e condenais, haveis de permitir que, por nosso turno, vos perguntemos: so vossos costumes to puros e imaculados, vossos desejos to santos, vossos propsitos to nobres, vossa caridade to exemplar, que mereais comunicar-vos diretamente, no s com as criaturas celestiais, mas tambm com o prprio Deus e com Jesus Cristo em corpo e alma, como pretendeis faz-lo no sacrifcio da missa? No vo nisto orgulho e insensatas pretenses?

Porventura, o Supremo Senhor vinculou o monoplio de seus dons classe sacerdotal? Ignorais que em Deus no h preferncias nem excluses, quer para as pessoas, quer para as classes - que, como diz o profeta, jamais deixa de atender s splicas dos coraes contritos e humildes: "cor contrictus et humiliatus, Deus non despiciut?" Caso somente os justos pudessem esperar a comunicao superior, quantos dos vossos pronunciariam em vo as frases sacramentais? A comunicao com os Espritos, tomadas as disposies necessrias, um ato eminentemente cristo. Assim o entende o Circulo Cristiano-Espiritista de Lrida - e assim o entendero, seguramente, os nossos leitores, que tenham acompanhado, com juzo imparcial, o curso de nossas observaes filosfico-religiosas. Um ano antes, no ramos espritas; e hoje, somos. Comeamos pelo estudo das doutrinas - e as doutrinas, que se recomendam pela sublimidade da sua moral, nos atraram. Examinamos os fatos com vistas indagadoras - e os fatos nos tm trazido ao terreno das mais arraigadas convices, e vimos neles a sano dos princpios. Temerosos das dificuldades que oferece a parte experimental, procuramos cerc-la das mais escrupulosas precaues e os resultados atestam que no trabalhamos em vo. Disto julgaro nossos leitores pela srie de comunicaes que adiante publicamos, obtidas por este Crculo - e para cujo valor e a importncia chamamos, muito particularmente, sua ilustrada e benvola ateno.

Comunicaes ou ensinos dos Espritos 1 (36) Maio de 1873 "Amigos meus. Rompei com os vossos escrpulos e com as consideraes humanas, para dedicar-vos defesa das verdades que vos so ensinadas. Luculo." Esta comunicao foi a primeira que recebemos em nosso centro de estudo das doutrinas espritas. Algumas tinham sido anteriormente dadas a membros do centro, e entre elas aparece o nome de Luculo, como protetor de um deles, aconselhando a formao de um centro de estudos, que ele prometia proteger e dirigir espiritualmente.
(36) Julgamos a propsito declarar que em nenhuma das comunicaes que transcrevemos, cujos originais conservamos para serem apresentados aos que desejam examin-los, introduzimos alteraes de espcie alguma, nem de conceitos, nem de palavra, nem de letra. Elas so inseridas tal como foram inspiradas. admirvel que nos ditos originais no apaream correes nem emendas, no obstante o indiscutvel mrito de alguns sob o duplo aspecto cientfico e literrio. Tampouco nos julgamos autorizados a suprimir os nomes com que aparecem assinados, pois os consideramos como parte integrante das comunicaes. Alguns so to venerados, que bem quereramos ocult-los, pelo respeito que nos merecem; porm, esse mesmo respeito nas priva de suprimir da revelao uma s palavra que seja.

No as publicamos, porque resolvemos no publicar comunicaes particulares, nem mesmo as recebidas no Crculo, que no tm o objetivo desta segunda parte, que apresentar considerao do leitor um conjunto delas, que possa servir de fundamento a seguro juzo acerca da marcha e da importncia dos resultados medinicos, obtidos em Lrida no curto espao de alguns meses. Compreende-se, pois, do exposto, que a formao do Crculo foi devida iniciativa dos Espritos, e que seus

fundadores no fizeram inspiraes do Alto.

mais

que

corresponder

2 Maio de 1873 "Queridos irmos. Cerrai vossos peitos aos conselhos do egosmo - e abri-os ao amor dos homens, vossos irmos em esprito e verdade. No temais. Luculo." Todas as comunicaes que publicamos foram dadas espontaneamente. Acreditamos sempre que no somos ns que haveremos de dirigir o ensino dos Espritos; mas sim que devemos receb-los da forma e sobre os pontos que seja Deus servido no-los conceder. A comunicao supra a sntese dos deveres do homem para com a Humanidade - a palavra de Jesus; e o diabo, se existisse, jamais falaria como o Cristo, nem seria propagandista da moral evanglica. 3 Junho de 1873 "Cada dia vossa razo julgar mais admirveis as lies de moral que tm por fundamento o amor do prximo e por termo o amor de Deus. No vos esqueais de que amanh tereis de responder ler vossa corao; porque o tendes em vossas mos, e sois

responsveis pelas obras de vossas mos quando movidas pela razo. S. Lus." Luculo, mestre e guia espiritual do Crculo, tinha anunciado, em uma comunicao particular, que viriam ilustrar-nos e firmar-nos na f alguns Espritos superiores - e esta promessa comeou a ser cumprida com a comunicao nmero 3. Em outras, obtidas por diferentes mdiuns e inspiradas por distintos Espritos, se declara que Luculo Esprito de elevadssima categoria. O Crculo Cristiano-Espiritista honra-se e compraz-se em dar-lhe aqui pblico testemunho do respeito e da gratido que lhe deve. 4 Junho de 1873 "Nunca imagineis que possa Deus permitir abuso e sofisma ou fraude, quando se invocar seu misericordioso nome. Fenelon." Quatro palavras que encerram irrecusvel mxima e a mais explcita negao da interveno diablica, nos atos em que se invoca com fervor o auxlio do Altssimo! No; ainda que o clero romano afirme o contrrio, no possvel que Deus permita, ao Esprito malfico, envolvernos e confundir-nos no momento em que procuramos o amparo da Divindade.

Uma tal hiptese, ou aberrao da razo e do sentimento, ou blasfmia abominvel! 5 Junho de 1873 "Aspirais a conhecer os segredos do mundo espiritual e eterno, mas, para obterdes to alto favor, preciso que passeis por provas que vos faam dignos e merecedores. No deixeis de orar e de amar; pois que verdade s se chega pela prtica constante da orao e do amor. Fenelon." Sublimes, estas ltimas palavras do que foi arcebispo de Cambray. So os compndios da doutrina de Jesus: a caridade pelo amor de Deus e do prximo. Penetrem estas mximas no corao do povo - e a sociedade ser salva. Fenelon ensinava e praticava; pois dele se l que se fez amado da sua diocese, por seus hbitos caritativos, e admirado do mundo, por sua sabedoria. Isto, porm, no o salvou da intolerncia romana, que condenou seu livro: Explicao das mximas dos santos: Igual sorte tiveram muitos gnios. 6 Junho de 1873

"Humilhai vossos pensamentos e vosso corao aos ps daquele, que em vo procuraro os homens definir e conhecer. Irmos meus. A idia de Deus est gravada em tudo o que no Deus. Na caridade encontrareis a luz, que vos dar a percepo, ainda que plida, da Natureza Divina. Erigi, em vosso corao, um altar ao Deus desconhecido, e proclamai seu nome, e fazei que lhe rendam culto os que vos ouvirem. S. Paulo." Obtivemos estas linhas aps uma conversa em que discutimos os atributos e a natureza da Divindade. Com penada de mestre, S. Paulo disse de Deus tudo o que os homens poderiam dizer em cem volumes. 7 Junho de 1873 "Atendei aos conselhos que freqentemente vos do vossos irmos e amorosos mestres espirituais, com os quais alcanastes pr-vos em comunicao. Nunca vos esqueais de que a semente no lanada a terra sfara e infecunda, mas sim quela em que pe suas esperanas o ativo lavrador. Luculo." Indigno se considera desses celestiais impulsos o Crculo Cristiano-Espiritista, e a Deus rende graas, e a seus

enviados, por lhos haverem concedido, sem nenhum merecimento da sua parte. A esses impulsos responde hoje, publicando o presente livro, persuadido de que, por este meio, contribui para o melhoramento da Humanidade, generalizando o conhecimento das doutrinas espritas. No ignora nenhum dos que o compem, que a publicao do seu livro e a propaganda das doutrinas em que se empenharam, lhes ho de trazer inmeros dissabores; mas, o que valem desgostos, quando se cumprem deveres? Sentimos intima felicidade - e a caridade nos impe o dever de a repartirmos pelos que sofrem, muito embora chovam sobre ns as maldies de uns e os sarcasmos de outros. O tempo nos justificar e os anatematizados e os loucos de hoje sero os abenoados e os sensatos de amanh. 8 Junho de 1873 "Sobre os povos antigos, firmaram os tiranos e usurpadores da conscincia seus abominveis direitos, valendo-se da sua ignorncia, que, como um largo sudrio de trevas, envolvia a Terra. Hoje, a ignorncia foi substituda pela indiferena e pela negao, ainda filhas das trevas que vingam nuns, como em outros vinga o materialismo utilitrio, mais pernicioso que a indiferena e a negao, por ser o filho primognito do mais refinado egosmo. Nestes tempos, notveis pela transcendental revoluo que, em todas as ordens, principalmente na moral, se est

elaborando com incrvel e desconhecida rapidez, o esprito humano chamado a descobrir, pelo estudo e pela observao, a chave dos milagres e o segredo dos mistrios. Moiss." A ignorncia era o mal da Humanidade antiga - e o materialismo utilitrio o vrus que corri as entranhas das sociedades modernas. O Espiritismo, em cumprimento de uma misso providencial, vem combater, pelo Evangelho, os males sociais de que fala a comunicao de Moiss. Era necessrio restabelecer o senso moral dos povos, alterado pelas interpretaes errneas das doutrinas de Jesus, e a essa necessidade veio satisfazer o Cristianismo esprita, corrigindo os erros religiosos que, em luta com o sentimento e com a Cincia, avolumam dia a dia o nmero dos incrdulos. A f, de acordo com a Cincia, regenerar a Humanidade - e a Cincia revelar aos homens regenerados o segredo dos milagres e dos mistrios da f. 9 Junho de 1873 "Nunca tenteis saber pelos Espritos segredos profticos, porque os Espritos que vivem na luz calar-se-o, e viro confundir-vos os que sentem prazer em enganar e seduzir. Eulgio." No percam este ensino os que, movidos exclusivamente por curiosidade ou por interesse, procuram descobrir, por

interveno dos Espritos, os segredos do futuro e satisfazer desejos frvolos e orgulhosos. Na comunicao espiritual no se deve buscar seno a satisfao de necessidades morais prprias ou comuns; do contrrio, os Espritos frvolos se encarregaro de semear a confuso pelos mesmos meios que a Providncia ps disposio do homem para alcanar a verdade. E certo que as faltas trazem em si mesmas seu castigo. 10 e 11 Junho e julho de 1873 "Ensinai aos que no tm f as excelentes e doces verdades do Espiritismo que o bom Senhor vos concedeu por seus enviados, porque a Verdade se aproxima e necessrio que os enviados lhe preparem o caminho. Em verdade vos digo: que o Cristo j recebeu a palavra de Deus - j desceu da regio da luz - e est entre vs. S. Paulo." "Amigos e irmos em esprito. Em vossos dias se cumprir a palavra de Jesus, quando disse: Eu enviarei o Esprito da Verdade. Abri os olhos e vede em torno de vs: o que admirais, brota aqui - ali - por toda parte. So os alvores luminosos precursores do nascimento do Sol dos Espritos. Porque, em verdade vos digo: que os tempos se aproximam, e o Enviado e os enviados restabelecero as coisas em seu verdadeiro lugar. S. Lus."

Ambas estas comunicaes confirmam ou ratificam o que os Espritos tm dito em diferentes pontos do globo, h dez ou doze anos, isto , que o Esprito da Verdade, anunciado e prometido por Jesus, vir em nossos dias restabelecer a verdade religiosa, obscurecida pelas interpretaes falsas e pelos interesseiros comentrios do Evangelho. Significar isto: que temos de assistir vinda, entre os homens, de outro Messias restaurador do verdadeiro sentido da moral evanglica - continuador do Messias que veio h dezenove sculos a remir-nos com sua doutrina? Ou dever-se- entender, pelo advento do Esprito da Verdade, a revelao espiritual que, neste momento histrico, cai como rocio sobre todos os pases da Terra? Da linguagem velada das comunicaes, parece que devemos entender conforme a primeira hiptese - e, neste pressuposto, o dever de todo cristo vigiar e estar preparado para receber dignamente o Enviado de Deus. 12 Julho de 1873 "Belo e divinamente consolador o ensino dos Espritos. a luz que vem romper o vu das trevas, que impede o homem de entrever qualquer coisa do seu destino espiritual. a verdade que rasga, com seus irresistveis resplendores, a escura nuvem que ensombra o horizonte da conscincia e da razo humanas. o suave rocio do amor que vem vivificar os coraes na caridade.

E a voz daquele que trovejou no Sinai, e que agora vos fala a linguagem de um pai condodo das fraquezas de seus filhos. S. Lus Gonzaga." Quanta uno, quanta misericrdia e quo consoladora ternura respiram estas linhas ditadas pelo Esprito de S. Lus Gonzaga! A revelao que baixa para dar luz Humanidade extraviada, a mo providencial do Criador, semeando amor nos coraes dos homens e o olhar terno e compassivo do Pai envolvendo seus fracos filhos, perdidos pelos tortuosos caminhos da vida, so um quadro que comove todas as fibras da alma e a faz cair de joelhos, exclamando: Pai meu! Pai meu! pequei em tua presena, calquei a lei; mas sou teu filho, salva-me. Bendita mil vezes a doutrina que inspira to piedosos sentimentos. 13 Julho de 1873 "Irmo. Intil ser a vossa espontnea misso, a vossa misso apostlica e a vossa propaganda caridosa e racional para com aqueles que procuram no Espiritismo, no a luz que vem do Alto - no as doces e purssimas guas da virtude, que descem da fonte da vida, no a reforma de seus hbitos nem o repdio de suas frivolidades, no, enfim, seu melhoramento moral, pela caridade e pelo amor, mas, sim, procuram a insensata satisfao de orgulhosa curiosidade.

Rogai por eles, porque so dos tais, de quem disse Jesus: tm olhos e no vem, tm ouvidos e no ouvem; por isso cerram os olhos vida e os ouvidos caridade. Porque viram as luzes e a desprezaram, volvero por seus ps regio das trevas. Irmos. Aproveitai os ensinamentos e conselhos que a misericrdia do Pai vos d, a fim de que faais reviver a semente nas coraes que a buscam. Crede, amai e ensinai. S. Lus." A primeira parte desta comunicao o complemento da que tem o nmero 9 e o nome de Eulgio. Ambas revelam qual o fim que deve mover os que desejam as instrues superiores. Na segunda parte, impelem-nos a continuar na f e na propaganda da moral evanglica, impulso a que no podemos fugir, sem faltar conscincia e gratido que devemos pelos benefcios que nos tm sido prodigalizados com imerecida abundncia. 14 Julho de 1873 "Vedes como os raios do Sol, aps uma tempestade, atravessam as negras nuvens que envolvem a Terra e encobrem o horizonte? Vedes como amaina a tempestade, restabelece-se a calma, recobra-se a esperana, suspiram docemente as brisas, os passarinhos renovam seus melodiosos gorjeios, e a Natureza se reanima?

Assim so as tormentas sociais e as tempestades humanas. O mundo fsico, em suas perturbaes e em seus violentos abalos, no pode exceder o limite da lei do seu equilbrio, que a lei eterna da sua conservao e das suas necessrias transformaes. Do mesmo modo sucede no mundo moral, ou antes, no universo moral. A ignorncia, as revoltas da razo e da conscincia, o fanatismo, as paixes, os interesses e o orgulho, so os ventos que revolvem as sociedades e arrancam a Humanidade do seu repouso. No vos perturbeis, porm; o universo moral segue sua rota, impelido pela divina lei da perfectibilidade e da purificao - e tudo, dia a dia, passo a passo, caminha para o seu providencial destino. No penseis que em algum tempo a Humanidade retroceda; ela vacila; porm, em sua vacilao, fortifica-se para avanar com impulso mais vigoroso. Quo instrutivas e civilizadoras seriam, para o homem, as lies da Histria, se ela fosse o quadro fiel das vicissitudes humanas e se o homem pudesse abra-la em sua universalidade! Porque, preciso que o saibais, a vossa Histria uma gota dgua no oceano das humanidades que se movem e se desenvolvem nas imensas campinas do infinito, e, mesmo assim, essa gota no chega a vs seno corrompida e adulterada. E tudo por este molde. Sempre existe o vu espesso com que a cobrem e desfiguram as paixes e os interesses de seita e de partido.

Tudo por este molde, repito, vereis na Histria confirmado o sucessivo e infinito progresso das sociedades humanas. E quando chegar, pois chegar o venturoso dia em que a Histria Universal se apresentar a vossos olhos, clara, transparente, luminosa, sem vus e sem enfeites, ento caireis, tomados de surpresa, aos ps dessa eterna Providncia, cuja suprema luz arrancou a Humanidade das tenebrosas imensidades do caos. S. Joo Evangelista." Os acontecimentos poltico-sociais que nessa poca atravessavam a Espanha, fazendo recear grandes catstrofes, acabavam de ser o tema da nossa conversao, no momento de se receber essa comunicao evanglica. Profundo conhecedor do movimento moral da Humanidade, ele desvanece as nossas dvidas e acalma os nossos temores, falando-nos da lei do progresso, para o qual concorrem esses abalos sociais que aterram os homens. Em testemunho de suas palavras, ele fala-nos dos ensinos da Histria; mas, de um trao, faz-nos compreender a insuficincia da nossa Histria - e a existncia de outra maior - mais universal - mais digna da criao: a de todas as humanidades que se movem e se desenvolvem nas imensas campinas do infinito. Essa a criao digna de Deus: um universo cheio de inteligncia, de adoraes e de vida, e no o insignificante planeta em que habitamos, at hoje considerado como obra privilegiada da Suprema Inteligncia. 15

Julho de 1873 "Enchei vossos coraes de f e de esperana. Por que se refletem em vossas palavras o desnimo e a dvida? Porventura precisais, para vos mostrardes animosos e fortes, de legies de homens que vos assistam e defendam? Temeis!... Para crer, sem olhar para trs, aguardais que ronque o trovo e caia o raio? Vacilais!... Ah! vede que o vosso valor o dos que no tm f: Vede que essa f a dos cobardes. Prossegui em vossa obra e regozijai-vos, porque a obra dos discpulos e precursores do Esprito da Verdade, eleitos nos eternos conselhos do Altssimo. No sereis, no podeis ser filhos prdigos dos dons que o Pai vos tem concedido. No vos orgulheis, nem seria prudente encher-vos de vaidade, porque o passado e o porvir so livros fechados a vossos olhos velados pela matria. Avante, irmos meus queridos - virtude, perseverana e f. O que quiserdes dar-se-vos-. Na casa do Pai h moradas sempre cheias de luz e de amor, onde os Espritos voam no purssimo ambiente da eterna felicidade, onde se realizam todas as harmonias da alma, onde se confundem todas as vontades numa nica vontade, todos os sentimentos em um nico sentimento, todas as felicidades na felicidade inefvel do amor, do amor dos amores. Santo Agostinho."

No princpio dos nossos estudos tericos e prticos acerca do Espiritismo, realizava-se em ns uma luta acerba, cujas diversas alternativas se refletiam em nossos atos e em nossas palavras. Em presena dos fatos e ante a lgica dos princpios, a f apoderava-se de ns e nos impelia, voz da conscincia, pela senda do dever; mas, outra voz, a das recordaes das crenas em que se haviam nutrido os nossos coraes, entibiava o nosso valor, e as dvidas nos tomavam e nos faziam vacilar. Os costumes lutavam, em ns, com a realidade - os sectrios dos ensinos de Roma lutavam com o cristo - e o temor com a convico. Talvez, se no fossem as freqentes inspiraes que do Alto nos vinham fortalecer e alentar, tivssemos sucumbido e abandonado gloriosa empresa; felizmente, porm, essas inspiraes vieram, e a vitria coroou os nossos esforos. Essa vitria nos condenava s stiras de uns e perseguio e maldio de outros; no obstante, porm, o sacrifcio estava feito; aprovao e s bnos dos homens, antepusemos a aprovao da conscincia e a bno de Deus. 16 Julho de 1873 "Meus irmos, filhos como eu do Pai Espiritual que est no Cu. Marchai com passo firme, sem dvidas nem vacilaes, pelo caminho encetado, em cujo termo se encontra a luz regeneradora dos mundos e a paz dos Espritos.

Se algum na Terra vos disser: "eu sou a eterna verdade", cerrai os vossos ouvidos, porque a verdade imutvel o sol que brilha sobre as moradas da Cidade Santa. Porque Roma quis usurpar a prola que orna o divino diadema, que esto contados os seus dias. Seus esforos so as supremas agonias da morte. O orgulho blasfemou de Deus e ousou levantar outro deus, mas soprou o vento das alturas, e o deus do orgulho, que era de barro, caiu reduzido a p. Vereis cumpridas estas palavras. Continuemos, irmos. O cristianismo romano no o Cristianismo estabelecido por Jesus e pregado pelos Apstolos e pelos Padres dos primeiros sculos da Igreja; ramo decado do grande tronco do catolicismo, j quase morto, porque perdeu o elemento essencial de vida - a seiva da humildade e do amor. Porque os pastores no cuidaram, como deviam, de suas ovelhas, e buscaram a sombra e o cio, anda o rebanho disperso e aventura, aniquilado pelo cansao e sufocado pelo calor, em busca do cristalino manancial que h de restabelecer sua esperana e refazer suas foras. Compadecei-vos desses guardas obcecados em um materialismo demasiado egosta e terreno - e rogai por eles. Perderam a confiana do Pai de famlia - e no se sentaro sua mesa, entre os escolhidos, enquanto todas as ovelhas, sem falta de uma, no tiverem chegado salvas ao redil. No olvideis jamais estas verdades. Seguiro as fugitivas pegadas da ovelha perdida - e passaro os dias e os anos. Sofrero angstias e grandes temores - o desalento apoderar-se-lhes- da alma - noite os

surpreender no bosque - os rigores do estio, no areal - a tempestade, no deserto. No sofrer, por sua causa, a pobrezita ovelha? Bendigamos todos a Deus, em seus sapientssimos desgnios. Fenelon." Tinha versado a nossa conversao sobre o dogma da infalibilidade, decretado pelo ltimo conclio ecumnico, em 1870. Sem dio, sem paixo, sem animosidade de espcie alguma, antes, pelo contrrio, com todo o respeito que merecem as decises das autoridades e das corporaes sbias, cada um de ns havia manifestado o seu modo de sentir a respeito desse assunto. Terminada a pacfica discusso, ou, antes, a exposio de nossas apreciaes particulares, desejvamos obter um raio de luz superior no assunto, e a luz nos veio por meio do imortal Fenelon. Permita o cu que no seja ela repelida pelos que dirigem a nau do cristianismo oficial. Permita o cu que os pastores, em cujo nmero devemos considerar todos os que, por sua ilustrao, podem servir de guias aos demais, abandonem a sombra e o cio - e corram, pressurosos, salvao do rebanho, que se perde nos despenhadeiros do materialismo e nos desertos do indiferentismo religioso. 17 Julho de 1873 "Meus amigos, velai sem cessar.

No olvideis, nem por um momento, o que deveis Providncia, aos vossos irmos do Universo, e a vs mesmos. A Providncia deveis tudo o que pode fazer a vossa felicidade - aos homens, o vosso amor - avs mesmos, a salvao. Sois dos chamados; de vs depende que, em breve, sejais dos escolhidos. Vejo que trabalhais por ser destes ltimos e, para alcanardes to inefvel ventura, ouvi o que vos cumpre fazer: Desde que desponte a aurora at que o sono volva noite a cerrar-vos os olhos, ocupai todos os instantes que vos permitirem os cuidados e deveres que vos rodeiam, em elevar vosso esprito at ao Pai de todas as criaturas e em cumprir sua sapientssima e provida vontade. E sabeis qual o melhor meio de elevar a Deus o corao e de obedecer s suas vontades na Terra? Orar pelos que sofrem - condoer-se das misrias, principalmente das da alma - levar o consolo onde irrompe uma lgrima - amar as crianas e a todos os seres dbeis, e ser sua providncia olhar com carinho os que vos ofendem, esquecendo suas injrias - instruir os ignorantes, de preferncia nas verdades espirituais - combater, com a uno da palavra e do exemplo, todos os fanatismos e, muito especialmente, o fanatismo religioso - no dissimular a verdade, antes preg-la sempre sem temor - ser severo consigo mesmo e relevar as faltas dos outros - no abrir o corao lisonja e ao orgulho - no esquecer os deveres para com os vossos pais, para com as vossas esposas e para com os filhos que vos forem

confiados, sem exager-los, porm, em prejuzo dos demais; - em suma: amar a todos e praticar o amor. Cada um destes atos uma flor da alma que, juntas, formam um delicado ramalhete, cujos aromas sobem at Deus. Maria." Os que atribuem ao diabo as comunicaes que se recebem nos crculos ou reunies espritas, julgam de boa-f que o que acabamos de transcrever pode ser inspirado por algum desses espritos malficos, destinados pela Igreja Romana a atiar eternamente o fogo das regies infernais, aceso ao sopro da divina vingana. Um cdigo da mais sublime moral, inspirado e escrito pelo apstolo da imortalidade, da corrupo e do crime, cuja nica misso infeccionar os costumes e os sentimentos, para aumentar o nmero dos infelizes condenados, fenmeno to novo - to inconcebvel - to irracional, que o repelem, de comum acordo, por absurdo, a razo e o corao. Dar bons conselhos aos que deles carecem, uma das obras de misericrdia - e a ningum ocorreu, at hoje, que o diabo pudesse empregar seu tempo em obras to caritativas e crists. Isso s se pode explicar admitindo-se que os Espritos rebeldes acabaram por abdicar as suas ruins manhas, e por converter-se em discpulos e apstolos das doutrinas evanglicas. Escorregadio o terreno em que o diabo colocou os partidrios do seu tenebroso poder! O Espiritismo incomparavelmente mais lgico e oferece solues que esto em perfeita harmonia com a

bondade e a justia de Deus. Cr que os espritos benficos tm mais poder que os malficos e que, se Deus nos sujeita a provas e a tentaes em que intervm estes, permite tambm que aqueles venham sustentar-nos e alentar-nos. Se discorrer assim - para uns loucura e para outros heresia - no lhes invejamos o entendimento, nem a f. 18 Julho de 1873 "Meus irmos. Quando o gorjeio dos passarinhos rompe o silncio da noite e desperta a natureza adormecida, porque uma nova aurora rompe o manto das noturnas trevas e espalha pela Terra a sua face risonha e a sua habitual alegria. Quando os Espritos deixam ouvir as suas misteriosas harmonias e a Humanidade se agita, como que sacudida com violncia, porque um novo raio de luz vem mostrar aos homens a senda abandonada do dever e do progresso. O progresso pelo dever a lei do Universo moral - e, quando essa lei olvidada ou se entorpece em seu cumprimento, vm os abalos sociais, as violncias, as revolues e, conjuntamente, os temores e os arrependimentos. Estudai a poca atual e descobrireis sintomas assustadores de decomposio; porm, esses sintomas precedem sempre as grandes renovaes. Preparai-vos, no durmais; porque, em vossos dias, o Esprito da Verdade vir, com seus eleitos, operar a mais importante das renovaes que a Humanidade jamais tem presenciado e admirado.

S. Lus Gonzaga." A renovao de que nos fala o Esprito de So Lus Gonzaga uma necessidade universalmente reconhecida por quantos estudam o estado moral da Humanidade - e o que necessrio, irrevogavelmente sucede. Um mal-estar geral sente-se em todos os povos e em todas as sociedades - e ningum descobre o meio de remedi-lo. A poltica ensaia todos os processes de manter a paz; flo, porm, inutilmente, porque a enfermidade, que procura na cabea, est no corao. Os erros religiosos geraram a incredulidade e o materialismo - e os povos no podem viver sem a f, que o alimento da alma. A vida do sentimento vida de expanso e de verdadeiro bem-estar - e na poca atual o sentimento apenas d sinais de vida. Dezenove sculos so decorridos desde o estabelecimento das doutrinas do Cristo - e ainda no temos sabido ser verdadeiramente cristos - e tanto, que os homens se olham com indiferena, como estranhos, sem cuidarem de que Jesus no cessou de recomendar a caridade e o amor. E, todavia, abundam os ricos que no cogitam das misrias dos pobres - e pobres que aborrecem os que desfrutam as comodidades da vida. Este o cancro da humanidade presente - e o Espiritismo que lhe arrancar a raiz, vista dos homens, a fim de que penetre em seus coraes o mandamento do Mestre: Amaivos uns aos outros. Eis a frmula da felicidade humana.

19 Julho de 1873 "Irmos. Falais e pensais do Espiritismo como de obras de homens - e por isso vacilais, por isso duvidais da sua eficincia e no estais ainda bem persuadidos do seu triunfo. Acreditais, porventura, que foram os homens que pregaram o Evangelho de Jesus? A luz veio das alturas de Sio - e o que desce do Alto no perece. O que os homens fizeram com relao ao Evangelho, foi explic-lo a seu modo e acomod-lo sua orgulhosa ignorncia. Se o Evangelho fosse um monumento erguido por mos de homens, ningum se preocuparia com ele. Sede mais refletidos e pensai com mais critrio. O Cristianismo Esprita ou obra humana ou procede da Suprema Razo, da Origem Eterna das coisas. Na primeira hiptese, pereceria inevitavelmente; na segunda, porm, quem poder frustrar-lhe o triunfo ou deter-lhe o passo? Quem pode temer que o pensamento divino tropece nas miserveis dificuldades criadas pelos homens? Que significam os interesses, a ambio, o amor-prprio, o orgulho, os dios, o egosmo e todo o inferno de vis paixes que agitam o corao humano, diante da eterna e imutvel vontade do Altssimo? O Espiritismo, meus amigos, bem o compreendem alguns de vs, vem de cima - e porque vem de cima, triunfar. o Evangelho revelado pelos Espritos que recebem a palavra de Deus, e explicado conforme as necessidades morais dos tempos e das geraes; porque o

Evangelho o manancial de luz e de vida em todas as idades da humanidade e para todas as humanidades. O Cristianismo Esprita triunfar, porque a verdade dos sbios, a alegria dos coraes humildes, o consolo dos que choram e a esperana dos que sofrem. Tomas de Aquino." Novas vacilaes na f - novos terrores oriundos de sentimentos humanos - e novos impulsos celestiais. Gozvamos de certa considerao entre os homens, e essa considerao ia desaparecer como fumo. Nefitos ainda, vamos no caminho da f um futuro cheio de espinhos e de dissabores, e volvamos os olhos, com a maior freqncia, ao nosso passado, prestes a retroceder. Nesses momentos solenes, a conscincia, ilustrada e fortalecida pelas superiores inspiraes, nos atirava face as nossas fraquezas e o nosso egosmo, e o batel, prximo a soobrar, triunfava da voragem e de novo fendia as ondas, em busca do porto da salvao. 20 Agosto de 1873 "Meus irmos. Os vossos enrgicos esforos para atrair ao caminho da verdade os que no o conhecem, nunca sero infrutferos. Sois o eco da trombeta do anjo que chama a juzo as conscincias adormecidas no erro - e a voz do cu muito penetrante para no ser ouvida pelos mortais. Dizeis, porm: quem sou eu, para que venha a mim a palavra que se pronuncia nos conselhos do Senhor? Eu me

sinto dbil e enfermo, vacilo, duvido, as minhas aes esto muito longe de corresponder perfeio que distingue os eleitos do Pai. Donde, pois, a graa de ser instrumento da Eterna Misericrdia e mensageiro de seus dons? Fazeis bem em confessar vossa pequenez, e eu vos aplaudo sinceramente, meus amigos. Dos filhos do orgulho fogem os Espritos da verdade. Sois fracos e imperfeitos, certo, porm no caminhais com decidido propsito em busca da purificao e da salvao da alma? Pois que ides em procura da luz, no podeis chamar outros para que vos acompanhem? Chamastes o mdico, porque vos senteis enfermos do corao - e o mdico veio curar-vos, porque o chamastes. O que h de estranhar que, enquanto tratais da vossa cura, faais participantes dos remdios que avigoram vosso esprito, a outros Espritos que sofrem como vs? Demais, j se vos disse que o livro do passado e do futuro est cerrado aos olhos da carne e que em vo tentareis profetizar? Obedecei aos decretos superiores, sem inquirir de suas causas e de seus fins; continuai dceis e submissos s inspiraes do Alto, porque pelo fruto se conhece a rvore, no esquecendo nunca que no faltam nas regies das trevas Espritos que tenham recebido, em suas encarnaes, luzes especiais de que no souberam fazer o conveniente uso. Valor, meus filhos, e atividade. Voltarei a ver-vos e a instruir-vos. Maria." O venerando nome de Maria, com que termina a comunicao sob o nmero 17, tinha sido para ns motivo de

confuso, desconfiana e receio. O excesso de luz cegava a vista de nossos espritos. Como poderamos ns, mseras criaturas, vencidas cada dia centenares de vezes nas tentaes e nas provas, como poderamos crer-nos dignos de receber diretamente as inspiraes da Me de Jesus! Estvamos como que atordoados, sem poder explicar o que se dava conosco e sem nos atrevermos a julgar fatos, de cuja realidade, por outro lado, no nos era permitido duvidar. Em tal estado, veio novamente Maria na comunicao nmero 20, desvanecer as causas do nosso espanto e receios. A Providncia serviu-se dos mais humildes meios para o cumprimento de seus fins: fazer brilhar com todo o esplendor a sua onipotente interveno. 21 Agosto de 1873 "Mil graas rendo por vos terdes lembrado de mim. Durante a minha misso episcopal pertenci, em aparncia, Igreja Romana, mas, na realidade, por uma intuio inata do mundo espiritual, eu pertencia religio da verdade. Por isso, na minha propaganda religiosa procurei suavizar, quanto me foi possvel, os dogmas do pontificado e fundament-la no sublime princpio do amor, que a alma do Evangelho de Jesus. No precisais de mim para os vossos ensinos, mas isso no me impede de acudir aos vossos chamados. Vejo que a luz de vossos espritos muito superior minha; segui, pois, essas inspiraes, sem vacilar, e sereis felizes.

No me afastarei de vs, irmos queridos, sem deixarvos um conselho: vossa misso sacerdotal, como foi a minha. No sacerdote quem veste o hbito; mas, sim, quem prega a verdade e pratica a virtude. Os primeiros sacerdotes da religio crist, foram os Apstolos - e os Apstolos nunca foram sacerdotes, no sentido que hoje se d a esta palavra. Dia vir em que os sacerdotes no se distinguiro pela cor e pela forma de suas vestimentas; mas, sim, por suas prdicas. O verdadeiro sacerdcio no exige votos nem frmulas especiais, nem pertence determinada classe; , pelo contrrio, misso ao alcance de todos, sem distino de estados, sexos ou condies. Falastes no caminho da vida; segui-o. Vtor, bispo." O catlico romano, que l este livro com a preveno de sectrio, dir talvez, ao fixar os olhos na comunicao de Vtor: vede como o diabo que intervm nas comunicaes, atacando rudemente a classe sacerdotal para destruir o Cristianismo! O lobo toma a pele do manso cordeiro, para seduzir os incautos. o diabo? o diabo? Nem todos os nossos leitores julgaro de um modo to diablico - e, a este nmero, pertencero todos os que examinarem a questo com critrio reto e desprevenido. Porque: ou no Catolicismo Romano as frmulas so o essencial, e neste caso chegaramos concluso de ser ele uma religio absurda - ou as palavras de Vtor so a fiel expresso de uma verdade dentro do Catolicismo. Vtor faz consistir a misso do sacerdote em ensinar a verdade e a virtude, pela palavra e pelo exemplo - e despoja

do carter sacerdotal a todo o que, embora vestindo o hbito, no guarda a harmonia entre suas palavras e seus atos com a sublimidade de sua misso. atacar a classe sacerdotal? Quem assim julga, longe de pr em evidncia a meditao do Esprito maligno, na comunicao de Vtor, condena implicitamente o clero catlico romano, dando a entender que no muito comum, entre os sacerdotes, pregar a verdade e praticar a virtude. Vtor, elevando o ministrio sacerdotal, no censura os ministros que, com a palavra e o exempla, seguem as pegadas do que foi a encarnao da divina palavra; mas, sim, aqueles que tm o orgulho de se julgarem representantes de Deus entre os homens, s por vestirem um hbito que mancham com suas misrias. 22 Agosto de 1875 "Irmos; a orao dominical a sntese e a chave da doutrina pregada pelo que morreu na Cruz. um smbolo uma profisso de f essencialmente crist - um respeitoso tributo de gratido e adorao ao Ser Supremo - a expresso do desejo mais ardente do corao humano: o desejo da eterna felicidade - a confisso de nossa inferioridade, de nossa debilidade, de nossas misrias, acompanhadas de uma humildade e espontnea submisso divina vontade. tambm, muito particularmente, a frmula mais pura e expressiva da lei da caridade, nica do Universo moral, e uma doce imitao de Jesus-Cristo. Maria."

No queremos insistir sobre intervir ou no, nas comunicaes, uma influncia diablica. A sublime moral que respiram as que deixamos transcritas, revelam claramente sua origem superior - e quanto pudssemos falar em apoio da sua elevao e pureza, mais eloqentemente o dizem as prprias comunicaes. Atendam bem nossos leitores, e vero que o Espiritismo encaminha as crenas pelas verdadeiras correntes evanglicas. 23 Agosto de 1873 I "Meus filhos, esperai, esperai (37). A semente confiada a Terra no se transforma em loura espiga sem sofrer os frios do inverno e os sinistros abalos da tempestade, nos primeiros dias do vero.
(37) O principio desta comunicao, importantssima pelo fundo e pela forma, responde aos nossos desejos de se propagar rapidamente o Cristianismo, em toda a sua pureza. Tais so a bondade e a excelncia das doutrinas espritas, que quisramos v-las j aceitas pelo mundo, parecendo-nos longo o tempo, que tarda a invadir todos os entendimentos e apoderar-se de todas as vontades.

Tendes ouvido que as leis do universo moral guardam a mais perfeita harmonia com as que regem o universo sensvel. A Doutrina Esprita que, em sua essncia, a santa semente do Evangelho, experimentou, e continua a experimentar, o frio do ridculo com que acreditaram sepult-la no mais obscuro esquecimento; mas, j se ouve o rugir da tempestade que se aproxima. Enquanto o Espiritismo esteve oculto no fundo da conscincia, como o gro de trigo nas entranhas da terra,

julgou-se suficiente o ridculo para aniquil-lo; entretanto, contra todas as previses de seus inimigos, no somente no caiu no olvido, nem ficou envergonhado nas secretas dobras de uma ou outra conscincia, mas tambm se atreveu a sair luz e a disputar o direito de legitimidade na herana de Jesus, pelo que todos os elementos opostos se amanham, e seus mais intransigentes inimigos se aparelham para investir contra ele e venc-lo. Quem ser o vencedor nesse combate de morte? Quem, aps a luta, far tremular sua bandeira vitoriosa? Vs o sabeis, como eu; porque sabeis perfeitamente que os Anjos do Senhor no podem pleitear ao lado do egosmo contra o amor, do orgulho contra a mansido, da escravido contra a emancipao, do comrcio ou especulao religiosa, contra a piedade, do fanatismo contra a verdadeira f, das trevas contra a luz, do erro contra a verdade, da impostura que emana dos homens, contra a moral evanglica, que nasceu, desde a eternidade, nos Conselhos do Altssimo. No vos admireis de que o sacerdcio se oponha, com furiosa tenacidade, contra a nova revelao de que dais testemunho, pois no de admirar que as mesmas causas produzam os mesmos efeitos. O farisasmo, contemporneo de Jesus, no quis reconhecer nem sancionar a moral da divina doutrina, porque a verdade evanglica, que santificava a pureza, a humildade e a nobreza de corao, era a mais terminante condenao de seu amor carne, de sua soberba e de seu apego s riquezas e glrias exclusivamente mundanas. O que menos podia o farisasmo fazer, do que qualificar de louco, de impostor, e at de instrumento de Belzebu, ao que, de tal modo, lhe jogava face seus vcios, seus erros e seus crimes?

Encarem o farisasmo de hoje, do qual o sacerdcio forma a parte mais importante. A igreja oficial que, por isso mesmo que oficial, no pode ser a verdadeira, pois que o ministrio do culto e o ensino da f so atributos e deveres indeclinveis das almas - a Igreja Romana, que, desde o momento em que se designou romana, devia deixar de chamar-se catlica e crist - a igreja, repito, que por tantos sculos manteve o cetro do mundo; que dominou as conscincias, que marcou os limites dos mais formosos atributos da liberdade humana; que exerceu nas massas ignorantes uma influncia decisiva, com o fogo do cu e as fogueiras da Terra; que enfrentou com todos os poderes e ps por escabelo da sua arrogncia todas as instituies; que tem amontoado, sofismando a alma do Evangelho, riquezas e comodidades; que levou seu esprito comercial at pedra do altar e vendeu a salvao a peso de ouro; que prenderam a razo de todos os homens, subordinando-a a de um miservel mortal, por ela divinizado; que se julga e se intitula a nica possuidora das verdades eternas, como se Deus, no podendo suportar, s, o peso dessas verdades, se tivesse achado na contingncia de reparti-lo pelos representantes de uma seita: como essa igreja, como esse sacerdcio h de consentir, sem lutar, e lutar desesperadamente, que triunfe o Espiritismo, o qual vem apagar os ltimos vestgios das diferenas de classe, pregando a igualdade natural, que emancipa a conscincia da superstio e a inteligncia do absurdo; que revela o dever e as excelncias da caridade e da orao, porm, de uma caridade sem limites egosticos; que lana fora do templo, com o ltego da cincia, os que negociam e regateiam a salvao das almas; que depe de seu pedestal o Homem Deus, para confundi-lo no p comum das geraes

perecedoras e falveis; que tira a luzerna de sob o alqueire, para que todos vejam por seus prprios olhos; que faz toda a Humanidade herdeira do cu, que cada seita adjudicava a si com excluso das demais; que arranca ao Vaticano a chave misteriosa, sacrilegamente usurpada? Sim, sacrilegamente usurpada, porque Jesus estabeleceu sua doutrina e fez suas promessas, no sobre os homens e as instituies, mas sim sobre a f em Deus e na prtica da caridade, que uma derivao daquela f." II "Qualificaram-vos de loucos. Bendita loucura a que consola pela esperana e purifica pelo cumprimento do dever sancionado pela cincia e pela razo. Outros vos chamaram instrumento de Satans - e vossos nomes atraram algumas dessas abominveis maldies que se pronunciam em nome de um Deus de paz; mas no vos assuste ver que vos assinalaram como emissrio -do inferno, nem tremais ante as maldies impotentes, esperando a bno de cima. Dizei aos primeiros, aos que vos chamam loucos: o que vale vossa sensatez se vos agitais nas solides espantosas do vcuo, enquanto viveis, e esperais desaparecer no horrvel vcuo do nada, quando vosso corpo cair, para no mais se levantar? Se a sensatez, se a cordura, esto na negao, no desespero e no nada, preferimos, vossa cordura, a nossa loucura passiva e generosa. E aos segundos, aos que vos indicam como instrumentos do diabo, redargiu: se isto do diabo, se do diabo procedem os virtuosos conselhos, as mximas salutares, as caridosas

exortaes, os evanglicos impulsos que todos os dias recebemos e admiramos, fora confessardes que o diabo trabalha por destruir o imprio do diabo. ("Se Satans se levantar contra si mesmo, dividido est, e no poder durar, antes est para acabar." So Marcos, III, 26); ou esta personagem de melhor condio que vs, pois que vem organizar e restabelecer o que vs, em tantos sculos, no tendes feito seno perturbar e distrair do seu curso natural. Escolhei: no primeiro caso, contribumos para destruir o poder do demnio, ajudando-o contra si mesmo - e para firmar o reino de Deus, fazendo assim um bem; no segundo, contribumos com os que so melhores que vs, para a reforma moral de nossos irmos - e Deus levar em conta nossos esforos e piedosos desejos, no trabalho da nossa regenerao. E acrescentai: se o diabo fosse o diabo, no vedes, insensato, que, para estender seus domnios, ele no tinha necessidade de recorrer a um novo sistema, menos eficaz que o que lhe oferecem as doutrinas da vossa igreja? No sois vs os que prostituem a redeno, abrindo, de par em par, as portas dos tormentos infinitos e guardando os supremos gozos para um limitado nmero de mortos? Que mais poderia desejar o deus do mal? O diabo existe, certo; mas no o diabo, negao da onipotncia, da misericrdia e da justia de Deus. Existe; porm, no personificado em um ser imundo e abominvel, destinado a fomentar perpetuamente o mal, a lutar vitoriosamente com a origem do bem, e a destruir quase todos os efeitos permanentes, e sempre vivos, da redeno. O diabo da seita romana, que no passa de uma alegoria, literalmente interpretada, uma afirmao atia, porque

supe em Deus, que e no pode deixar de ser o Pai e causa espontnea das criaturas, fraquezas e sentimentos de que vos envergonhareis, embora no exerais a paternidade seno pela carne e em virtude de superior delegao. Os diabos so: o egosmo, a impureza, o orgulho, a avareza, os dios, as hipocrisias, as paixes e os sentimentos que revoluteiam dentro do crculo da liberdade humana. Jesus livrara os endemoninhados; mas, supondes acaso que arrancava aos corpos seres malignos, individualidades reais, que se tinham deles apossado? Assim o acreditou a ignorncia dos meus contemporneos - e Roma fomentou essa crena em proveito prprio, fazendo dela a mais poderosa de suas armas e o instrumento da sua larga dominao e do seu poder temporal. Jesus curava os corpos enfermos pela eficcia da virtude que dele emanava, como de um foco de regenerao e de vida. (E toda a gente procurava toc-lo, porque saa dele a virtude - e os curava a todos. S. Lucas, VI, 19.) E curava as lceras da alma pela eficcia e santidade do seu olhar, que tocava o corao, e da divina palavra, que, como uma torrente de luz, flua de seus amorosos lbios; e os surdos ouviam - e os cegos viam - e os mortos na vida da alma ressuscitavam." III "O homem um ser dbil, muito dbil, em sua dupla natureza. Seu corpo, formado de elementos e combinaes puramente materiais, traz em si mesmo o grmen de decomposio inerente matria; grmen que se desenvolve

rapidamente no organismo humano, pela fora do princpio vital que por ele circula e que vem a ser, para a matria, o agente e motor de suas transformaes. Sua alma, substncia real, porm misteriosa e desconhecida para os que no vem o pensamento de Deus, penetra o corpo e adere a ele por um lao semimaterial (Se h corpo animal, tambm o h espiritual. S. Paulo aos Corntios, I, XV, 44), ignorante de si mesma, como em letargo, esquecida do seu passado, em trevas sobre seu presente e seu porvir, com faculdades embrionrias para o bem, como para o mal, e conservando impressas as marcas de suas faltas e fraquezas anteriores. Que far essa alma ao despertar do seu letargo e tomar posse do seu corpo? De um lado, o organismo, os estmulos da carne, provocando necessidades, apetites e tendncias sensuais e egosticas - de outro, a alma com aspiraes a elevar-se e a enobrecer-se, mas coibida e neutralizada pelos cegos impulsos do seu invlucro material e pelos rescaldos de erros e extravios morais, cuja origem no poderia ser explicada sem recurso preexistncia do Esprito. De um lado, a carne imperiosa, dominante, lasciva - de outra, a alma, a princpio inconsciente, dbil, enferma, e com a porta aberta a todos os ventos da seduo. Que far? Que poder fazer, seno sucumbir sem lutar, essa pobre alma, se tudo o que a rodeia e acompanha conspira para perturb-la, debilit-la e aniquil-la? O Onipotente, porm, de cujo amor nasceram e descenderam as almas, no havia de cri-las para condenlas ao mal (Eu as fiz e lev-las-ei. Eu as trarei e salva-las-ei. Isaas, XLVI, 4); nem havia de consentir que fossem,

inermes, entregues a uma luta em que seriam vencidas infalivelmente. Ele quis que a vida do homem, sobre a Terra, fosse um combate, mas um combate glorioso, um combate de purificao, de reparao e de provas, de penas e humildade no sofrimento e de galardo na vitria. Sua justia viu a necessidade de um equilbrio de foras, e esse equilbrio, base da moralidade e responsabilidade das aes humanas, foi feito. Como contrapeso e corretivo para os instintos e impulsos grosseiros da matria, ele ps na alma a semente dos sentimentos que purificam e enobrecem; em oposio s tendncias para a sensualidade, deu os desejos constantes de puras e inefveis sensaes; ao lado dos rescaldos do mal as intuies e os pressentimentos, acompanhados de um moderador severo e incorruptvel: a conscincia. E ainda no era de todo acabada a obra; faltava luz ao quadro. A vontade havia trabalhado s escuras, porque a conscincia continuava ainda em trevas e a liberdade no surgia. Esta apareceu por ltimo, com a luz da razo que, arrancando do caos a conscincia, veio a ser o coroamento do sapientssimo equilbrio ordenado pela Suprema Justia. No lcito retocar este quadro, nem aditar-lhe o mais ligeiro detalhe, pois que a Divindade se reflete nele com seus mais formosos atributos, e o homem uma obra que glorifica, seu incompreensvel Autor. E, no entanto, o homem se atreveu a pr nele sua mo sacrlega e ignorante! Submeteu a fraca natureza da criatura racional a uma influncia malfica, decisiva, porque destruiu o divino

equilbrio, rodeou-a de legies de Espritos privilegiados para o mal, dotados de um poder quase infinito, destinados a envolv-la e a perd-la para sempre. Desgraado destino, o da alma: sair do nada, aspirar, por um momento, felicidade, que pressente sem conhec-la, e sucumbir, para ser arrastada a eternos sofrimentos! Para que uma nica alma pudesse sair vencedora na luta com o diabo, dado o poder que a este se atribui, necessria seria a interveno direta de Deus - e, nem Deus faz milagres, que seriam uma soluo de continuidade na maravilhosa sucesso das leis, por Ele com infinita sabedoria estabelecidas, nem admissvel em sua justia que, feito o milagre em benefcio de algumas almas, no o fosse em benefcio de todas. Insistirei ainda sobre o mesmo ponto, porque de importncia decisiva e de transcendentalssima influncia, para estabelecer, sobre base slida, a ordem de relaes entre a criatura e o Criador. A concepo de Satans , no fundo, essencialmente atia. Estudai refletidamente a natureza desse tenebroso produto, tal como o apresentam e descrevem, e vereis, com toda a clareza, que uma negao hipcrita de Deus em alguns dos seus essenciais atributos. Nega, em primeiro lugar, sua justia, com relao ao mesmo diabo, de quem no deixa de ser autor e pai - e, com relao aos homens, cujas dbeis foras submete a uma fora brbara e a um poder irresistvel. Nega, em segundo lugar, sua bondade, pelos seres predestinados a sofrerem e a produzirem eternamente o mal. Nega sua sabedoria, supondo na obra das criaes, que deviam ser perfeitas, uma imperfeio absoluta e infinita. Nega sua onipotncia, pondo

por limites do poder soberano, que o poder do bem, a ao triunfante do Esprito do mal. E nega sua misericrdia, excluindo dela todos os anjos decados e as vtimas desse poder irresistvel e tenebroso." IV "Um erro arrasta, em geral, a uma srie de erros; pois, s por este modo se pode sustentar e perpetuar o primeiro. O dogma errneo do diabo suscitou o dogma, no menos errneo, do inferno - a falsa doutrina da redeno da Humanidade em Jesus Cristo - um dogma absurdo sobre o perdo dos pecados - e, destes, outros erros no menos transcendentais. O dogma do inferno - de uma regio horrvel de dores, sem esperana, sem termo, sntese de todas as dores, de todas as agonias, de todas as angstias, de todos os suplcios que possam conceber o corao mais desumano, a mais requintada crueldade, , como o dogma do diabo, uma grande blasfmia e a negao de Deus, em sua bondade, sua misericrdia, em sua justia, em sua sabedoria, e, pode-se acrescentar, em sua imensidade, pois que no se concebe a presena. da divina substncia na tenebrosa regio do crime eterno e do desespero sem fim. Ligai, se vos possvel, o que ameaam com eternas torturas os que esperam o justssimo e o supremo bem - ligai, repito, esse dogma com as prescries da moral evanglica, que tambm invocais. No compreendeis, no vedes, com toda a clareza, um contra-senso, uma flagrante contradio, um absurdo, num Deus que prescreve, por seu Enviado, a caridade sem limites e o perdo das ofensas, e, ao mesmo tempo, d o exemplo de

um dio eternamente vivo e de uma, caridade mesquinha? Digo mesquinha, porque, com as dificuldades e tropeos que no caminho da salvao amontoou a Igreja Romana, seria mesquinho, para no dizer completamente nulo, o nmero dos eleitos do Senhor. Jesus Cristo, que nunca abriu os lbios para pronunciar uma palavra intil, porque era a encarnao da divina palavra e em tudo falou por superior delegao, nos ltimos instantes da sua vida, e mesmo para resumir a moral dos seus ensinos, disse aos homens: amai-vos; e, elevando os seus sentimentos ao Pai, disse: perdoai-lhes, porque no sabem o que fazem. No vos bastam, homens, essas palavras de amor e de esperana, para vos persuadirdes de que a caridade universal e de que o perdo a ningum foi negado, antes foram nele includos os prprios que quiseram matar a doutrina de amor na pessoa de Jesus - os prprios que levantaram mo parricida contra Deus, na pessoa do seu Enviado? Jesus Cristo, morto, baixou em Esprito aos infernos (Cristo, em Esprito, depois de morto, foi pregar aos Espritos que estavam no crcere. Ep. I de S. Pedro, III, 19), isto : ao mundo dos Espritos, em suas diversas regies de luz e de trevas, para dizer a uns: vs, que merecestes a paz da justia, os que por vossas obras merecestes transpor a linha que separa a expiao e a reparao, da provao, mas que vos sentis sedentos de maior purificao; ide, descei a Terra e apoderai-vos do meu testamento - sede os continuadores da minha obra e os mestres da doutrina redentora; - e aos outros, aos que haviam morrido no remorso, aos enfermos, aos leprosos da alma, aos

condenados por suas prprias obras: ide, subi Terra, e encontrareis nela, se procurardes, o rocio de vossas esperanas murchas, a piscina de vossa salvao, a inesgotvel fonte de vossa redeno e infinito progresso. E Abrao e Caim volveram vida da carne. (Abrao figura dos Espritos bons - Caim figura dos rebeldes.) Se o dogma da eternidade de sofrimentos se firmasse no sentido de uma eternidade relativa, que o sentido em que Jesus o entendeu, a justia de Deus teria nele resplandecido e nele a Igreja t-lo-ia glorificado. A ao da justia divina no pode ser concebida seno exercitando-se e aplicando-se dentro de uma proporo e correspondncia absoluta, entre o castigo e a malcia da falta, e, como nenhuma das faltas humanas procede de malcia por sua natureza e origem infinita, nem suas conseqncias so eternamente permanentes, tampouco pode, por isso, em reta justia, continuar eternamente o castigo. Continuar, sim, enquanto persistir a malcia e o Esprito se obstinar no mal, em termos tais que, se a obstinao fosse eterna, eterna seria irrevogavelmente a expiao. Esta a eternidade relativa de que eu vos falava; assim a entendia Jesus." V "Resolvido pela morte o problema do destino das almas, de maneira definitiva, sem esperanas, necessrio se fazia, j que ficava para sempre cerrada aos Espritos porta do arrependimento e da reparao, levar um consolo aos homens, que, de outro modo, teriam fatalmente cado no desespero; e este consolo foi-se buscar na falsa explicao da

redeno por Jesus-Cristo, falsa, como falso era o motivo que a fizera necessria, impossibilitando o homem de purificar-se e reabilitar-se aos olhos de Deus, por meio da reparao das faltas e males cometidos e ocasionados na vida. No tendo, tampouco, mritos prprios, que viessem de certo modo servir de fogo purificador, de batismo das almas, ficava, entre ele e Deus, um vcuo desconsolador, o abismo da condenao, impossvel de transpor, e soterrou-se aquele vcuo, e suprimiu-se aquele abismo, substituindo a reparao pela arrependimento - e a purificao e os mritos prprios, pelo sublime sacrifcio e mritos pessoais de Jesus. Dentro deste ensino, dentro desta redeno, cabe a idia absurda de que pode um homem ser causa ocasional da condenao de milhares, e que, reparando to graves e incalculveis males, pode apresentar-se justificado suprema Justia. Nem isto bom e justo, nem a redeno, tal como Roma a explica, concebvel. Ado no uma personalidade; o tipo de uma raa humana que, havendo conseguido, pelos sempre sbios desgnios da Providncia, habitar mundos superiores ao vosso, pecou por orgulho e por egosmo, abusando, em proveito prprio, da natural benevolncia dos que a haviam recebido como raa irm. Chamado a juzo, foi condenado expiao e reparao; justssima sentena, que veio a cumprir-se na Terra, alguns mil anos antes da poca fixada no primeiro livro de Moiss. Ado, no paraso, simboliza aquela raa habitando esferas superiores - e simboliza-a em sua expiao na Terra, depois do pecado original.

Necessrio era, para entrar de novo no paraso, de que havia sido expulsa, na terra de Cana, donde seus pecados a tinha obrigado a sair, passar primeiro pelo deserto da expiao, que purifica, e da reparao, que justifica. E por que meios havia de expiar e reparar seus pecados e os males causados? Trabalhando e regando a terra com o suor do seu rosto, isto : lapidando sua inteligncia, com as grosserias de matria, de carne mais impura - elevando aos homens, que antes dela habitavam o planeta, luzes de aperfeioamento, at ento ignoradas. Que no vos suscitem dvidas estas revelaes, pois, se vos so dadas, porque so necessrias, em razo de se aproximarem os tempos em que vai surgir a nova gerao. Apesar de a raa simbolizada em Ado ter sofrido, em sua imigrao a Terra, uma grande perturbao moral que ocasionou o esquecimento do seu passado, no foi ela to absoluta, que no deixasse nas almas alguns vestgios da perdida felicidade e certa esperana, maneira de pressentimento, de que seriam remidas e novamente elevadas, pressentimento este concebido nas claridades do mundo espiritual. Com os condenados da raa admica, vieram tambm Espritos de misso, com o divino encargo de arraigar e fortalecer aquela esperana, e, assim, apoderando-se dela a Humanidade, considerou-a como uma promessa de origem celestial, que passou e se robusteceu atravs dos sculos e das geraes. E na realidade existia a promessa da redeno, pois promessas divinas so as esperanas e os desejos inatos da felicidade espiritual. Como esta felicidade inacessvel s almas impuras, por suas impurezas condenadas, tinha de

brotar, e brotou, no corao do homem, a esperana da sua redeno, princpio mais ou menos remoto da sua felicidade vindoura. Mas, a redeno prometida Humanidade extraviada no a redeno explicada pelos sacerdotes e doutores do cristianismo romano, conforme acima foi indicado, porque esta no cabe na justia de Deus. Jesus Cristo no podia, nem quis assumir, nem assumiu todas as responsabilidades individuais, contradas e por contrair, emanadas dos pecados dos homens e muito menos podia, pelo sacrifcio da sua vida, remir a Humanidade da pena do desterro a que fora condenada. O princpio da redeno perde-se no misterioso princpio das humanidades, pois que a redeno comea com o desejo de ser remido - e houve esse desejo, desde que houve Espritos que sofriam e aspiravam a chegar ao termo de seus sofrimentos. Comea com o desejo de ser remido, porque esse desejo conduz primeiro ao arrependimento e, em seguida, ao amor e prtica do bem, que so o princpio e o termo da verdadeira redeno. A redeno da Humanidade no se firma, pois, nos mritos e sacrifcios de Jesus, e, sim, nas boas obras dos homens. O que Jesus Cristo fez, enviado pela misericrdia do Pai, foi apressar a redeno do gnero humano, derramando sobre o mundo e sobre seus erros a luz da doutrina nica redentora." VI

"Isto assentado, fcil e lgico deduzir que nem Roma nem ningum possui o divino privilgio de perdoar os pecados - e que este perdo o efeito natural da redeno. A chave do paraso, o Supremo Jardineiro nem mesmo a confiou aos Espritos mais chegados a Ele por sua pureza quanto mais aos homens ou s instituies humanas, to pecadoras e falveis. (Porque Deus veraz e todo o homem falaz. S. Paulo aos Romanos, III, 4.) Os Espritos puros e os homens de misso tm a seu cargo guiar a Humanidade para o caminho que conduz ditosas moradas, quando dele se perdem; mas suas portas s o Onipotente pode abri-las. Ao que por suas obras fica remido, Deus perdoa, porque Ele o centro de todas as harmonias. No o explica assim Roma, nem era possvel que assim o explicasse, desde que admite a existncia do diabo e de uma manso de eternos sofrimentos, como sorte fatalmente definitiva das almas condenadas. No podia arrancar aos homens, mesmo os mais pecadores, a suprema esperana de se reabilitarem aos divinos olhos; em primeiro lugar, porque seria contradizer claramente o Evangelho - e tambm porque nenhuma sociedade aceitaria uma religio que, como o Saturno dos pagos, devorasse seus prprios filhos. E, como aquela esperana, se desvanecia para o pecador no destino definitivo da sua alma, houve necessidade de faz-lo compreender que ali, aonde no pudesse chegar sua expiao e os seus mritos pessoais, chegariam, por obra do arrependimento, a expiao e os mritos de Jesus. Que cegueira! Quanta aberrao! Supor e afirmar que os sofrimentos e a morte do Justo foram ordenados do Alto, em

expiao dos pecados de todos, a mais orgulhosa das blasfmias contra a justia do Eterno. Deus no s fez tudo bem, como fez tudo melhor, e uma, verdade evidente que, fazer recair sobre quem no delinqiu a expiao de faltas por outros cometidos, assim como levar em conta os mritos espirituais de um para a salvao de outro, no o melhor, nem mesmo o bom, tanto na divina como na humana justia. Esta exige, quanto for possvel, a reparao do mal feito e a conseqente expiao e o melhor que tem a justia dos homens. E havia de falhar, de maneira completa e absoluta, a justia de Deus? Jesus Cristo transmitiu aos seus Apstolos e discpulos e, com estes, a quantos acudissem a sustentar e propagar o Evangelho, a faculdade de perdoar os pecados; esta faculdade, porm, vinculou-a aos continuadores da sua santssima misso, nos mesmos termos com que a tinha recebido do Pai. (Como o Pai me enviou, assim vos envio eu tambm. S. Joo, XVII, 18.) O orgulho e a ignorncia desnaturam, entretanto, o legado transmitido por Jesus - e os homens atriburam a si prprios uma virtude que continuava inaltervel no fundo da verdade evanglica. O que desligares, no por tua virtude e poder, mas sim pelo poder e virtude da doutrina sobre a qual foi edificada a minha Igreja, que a Igreja de Deus - o que assim desligares e perdoares na Terra, tambm nos cus ser desligado e perdoado. No equivale isto a dizer: Em meu testamento, que vos lego, para que o faais cumprir, para que o expliqueis e torneis claro ao meu pobre povo, que a Humanidade

inteira, sem exceo de um s homem - achareis o Jordo das almas - a fonte da sua redeno e do perdo dos seus pecados; todos os que atrairdes para mim, que sou, em representao daquele que me enviou, o caminho, a verdade e a vida; todos os que atrairdes, com vossos conselhos e prdicas prtica sincera da minha doutrina, ficaro remidos e perdoados, sendo vs os instrumentos do perdo? Sim, filhos e irmos meus; no sobre os homens e sobre as instituies humanas, porm sim sobre a divina palavra e a prtica da caridade, estabeleceu Jesus seu sacerdcio e suas promessas." VII "Hora est jam nos de somno surgere. J tempo de a Humanidade reconhecer-se - j tempo de, obediente s inspiraes que baixam das esferas etreas, acompanhando sua prpria e espontnea atividade, sair de sua obcecao, da escravido de seus erros, para empreender e seguir, com passo firme, sem vacilaes e sem prevaricaes, o caminho que conduz terra prometida; - j tempo de abrir-se verdade nas inteligncias e de reinarem nos coraes a caridade e a humildade; - j tempo de a semente, plantada nas conscincias pelo Filho do homem, produzir fruto abundantssimo de vida - e de todas as seitas religiosas, depurando-se de tudo o que obra e mandamento do homem, e conservando o que permanente e eterno, convergirem, unirem-se e identificarem-se em Deus e no Evangelho, para constiturem a Igreja universal - o verdadeiro Catolicismo cristo.

Vs, os que por fanatismo, por ignorncia ou por orgulho, vos julgais ministros, sacerdotes e representantes de Deus, e depositrios de suas verdades e poder, s porque outros homens vos tm posto suas mos, talvez impuras e manchadas, e pronunciado, sobre a vossa cabea, uma frmula v e ineficaz, vinde - vinde aqui, irmos meus, filhos meus, vinde, pois que todos cabem na misericrdia do Pai; vinde e dizei-me: Que sois? Quem sois? Haveis penetrado, com vista imparcial e investigadora, em vossos coraes, nas recnditas dobras da vossa conscincia, nos segredos da vossa alma? Haveis medido a extenso dos vossos desejos? Haveis sondado vossas fraquezas e misrias, e buscando, livres de amor-prprio, o verdadeiro nvel de vossas virtudes? Haveis olhado e estudado bem? Haveis, sequer, pensado em estudar-vos? Em uma palavra, conheceis-vos? Pois, se no vos conheceis, parai a, concentrai-vos, filhos meus, e pedi a Deus que vos abra os olhos, para que possais ver-vos com cuidado e sem orgulho, porque tendes de ser chamados a um juzo de amor, em virtude do qual se vos abre o caminho da reparao e o meio de poderdes comparecer limpos a outro juzo - ao juzo em que cada um colhe o fruto de suas obras. Estudai-vos, repito, e dizei-me: Ao encontrar-vos frente a frente com vossos irmos, os outros homens, a quem levianamente condenais, e com vossa conscincia, que vos recorda o que sois, vos haveis, porventura, julgado superiores e dignos de ser seus mestres e os ministros daquele que a todos v e a todos julga? Tendes podido duvidar de que, perante Deus, ningum mais do que suas obras o fazem merecedor?

Vinde e dizei-me: A f que quereis impor aos demais, prescrevendo e condenando o principal atributo das almas, tende-a vs? E os que, dentre vs, a tm, como a adquiriram? Foi por sua iniciativa, por suas virtudes, por seus estudos e esforos, por haverem encarado a luz, ou por haverem cerrado os olhos para no v-la? Vinde, e dizei-me: Ao consagrar-vos ao sacerdcio, haveis consultado os interesses espirituais da Humanidade ou os vossos interesses temporais? Vs o aceitastes como um sacrifcio ou como um modo de viver e prosperar? Tendes professado a pobreza que nasce do amor, e a doura que nasce da humildade, ou, pelo contrrio, tendes sido ambiciosos e iracundos? Vinde, e dizei-me: Tendes dado e ensinado a dar a Deus o que de Deus, e a Csar o que de Csar, ou vos haveis prostrado aos ps de Csar, em desdouro da majestade de Deus, e invocado o nome de Deus para combater a Csar? Nas contendas, nas guerras contra vossos irmos, tendes corrido a cont-las e a faz-las menos sanguinolentas com vossa misso apostlica, ou tende-as soprado e ensangentado, abusando da influncia que haveis exercido e ainda exerceis, em razo do vosso ministrio? Tendes querido, como Jesus, imperar sobre as almas pela caridade, ou dominar na Terra pela ignorncia? Vinde, e dizei-me: Depois de tantos sculos em que haveis governado as conscincias, explicado a moral e dirigido as sociedades, em que estado haveis deixado as sociedades, os costumes e as conscincias? Ah! o vosso procedimento no o fruto do Evangelho. Reconhecei-vos, filhos meus; compadecei-vos de vs mesmos, como eu me compadeo, e como amanh se

compadecer a Humanidade. Amai-vos mais em Deus e menos na carne - ainda estais em tempo. Tendes errado; quem no erra? Tendes cometido faltas; quem ter o direito de vos atirar a primeira pedra? Levantai a bandeira que Jesus desfraldou - e, deixando de ser sacerdotes pelo hbito, sede-o pela caridade e pela pregao. No duvideis de que Maria quem vos fala, a mulher ditosa que trouxe em seu ventre o celestial Enviado, o Fundador da religio divina, que julgais professar, mas que no professais como deveis. No desprezeis esta revelao, nem a condeneis sem meditar. Estudai-a sem dio, sem paixo, sem prevenes de escolas e sem o egosmo do sectrio - e, se depois desse proveitoso estudo, para o qual, peo-vos, invocai fervorosamente o auxlio de Deus, vos sentirdes dispostos a confessar que este documento, reflexo fiel da verdade evanglica, no pode ser obra de um gnio malfico, de um Esprito mentiroso, confessai-o, irmos meus, filhos meus, e aceitai e defendei a nova revelao. Que importa que esta revelao venha derrubar e pulverizar um colosso de dezenove sculos, se ao mesmo tempo levanta do p da ignorncia, do erro e do egosmo, toda a Humanidade? No rechaceis o Espiritismo - no intenteis combat-lo com o diabo que se evapora em vossas mos ao calor da nova luz, e desaparece, para ocupar seu verdadeiro lugar, entre as recordaes mitolgicas. Se vos obstinardes em vossos erros e se vos encastelardes em vossa orgulhosa infalibilidade, nem por isso lograreis impedir e deter, por um momento, o que est

irrevogavelmente decretado. Sereis arrastados pela idia, e sucumbireis miseravelmente, levando convosco, em vossa queda, a compaixo de uns, o desprezo de outros, o dio de muitos, e a severa responsabilidade de vossos atos. Maria." "Amai-vos uns aos outros e glorificai a Deus. Maria." Deixamos ao bom critrio dos nossos leitores os comentrios a que se presta a comunicao de Maria. O que poderamos acrescentar, que no fosse plido e descorado ao lado da fluidez do estilo e da profundeza dos conceitos que se ostentam nas preciosas linhas inspiradas pela Me do Redentor Bendizemos mil vezes a Providncia, por haver-nos concedido, sem merec-lo, uma jia de preo inestimvel, e um escudo em que se embotaro as setas envenenadas dos inimigos e detratores do Cristianismo Esprita, ou, falando com mais propriedade, do Cristianismo de Jesus! 24 Agosto de 1873 "Meus amigos. No me chamastes pela palavra; mas fizeste-o pelo desejo e, por isso, volvo a vs. O bom desejo como a estrela luminosa que acompanha as almas dos viventes e serve de guia aos Espritos que dormem o sono da justia. Contais com os dias da justia e das amarguras - e no vos enganais. Vo erguer-se contra vs, de um lado, as exageraes atias com seus sarcasmos, e, de outro, as exageraes religiosas com suas furibundas maldies. Nem

umas, porm, nem outras vos ho de fazer vacilar ou retroceder um passo, porque a vitria ser para as doutrinas que professais e que se propagam em todas as direes com assombrosa atividade. Vossos sofrimentos sero exclusivamente morais, pois que, felizmente, j passaram, para vs, os tempos em que era preciso a autorizao eclesistica para se estabelecer verdade. Estais ou no persuadidos da bondade e justia dos costumes, dos princpios que brotam da Nova Revelao? Pois se assim , deixai todo o temor pueril, imprprio de nimos resolutos. Que o mundo veja vossa f e inquebrantvel resoluo. O mundo poder, primeiro, apontar-vos com o dedo, mas logo vos respeitar e acabar por seguir-vos. Que o mundo veja, por vossas aes, que sois bons - e ele repelir vossos caluniadores. Vossas condies exigem que melhoreis incessantemente vossos hbitos, e adoceis os sentimentos que sentis vibrar no seio da vossa alma. O Espiritismo terico uma filosofia e o Espiritismo prtico uma virtude. No esqueais que o mundo no necessita nem busca filosofias estreis, mas sim virtudes. Vtor, bispo." Quanta bondade e quo virtuosos conselhos na comunicao de Vtor! Sem atirar-nos ao rosto as nossas misrias, ele nos aponta o caminho que devemos seguir, se quisermos trazer dignamente o nome consolador de cristos. No basta discutir a bondade das doutrinas, nem propag-las com a palavra; necessrio ensin-las com o

exemplo, adoando os sentimentos e reformando os costumes. Ser vo nos chamarmos espritas sem procurar com eficcia o melhoramento do Esprito. Lendo as palavras de Vtor, parece-nos estar contemplando um gnio benfico, em atitude de indicar aos homens o templo da virtude. 25 Setembro de 1873 "Irmos! Lembrai-vos a cada instante do salutar ensino que vos deu Vtor, quando disse: O Espiritismo terico uma filosofia, e o Espiritismo prtico uma virtude - e no esqueais que o mundo no necessita nem busca filosofias estreis, mas, sim, virtudes. Discorreis com certa lucidez sobre as verdades fundamentais do Espiritismo - e vos sentis comovidos por bons desejos; isto, porm, no basta. Vossos discursos e a vossa lgica so quase completamente infrutferos, pois no passam do limitado crculo de vossas relaes ntimas - e vossos bons desejos no so ativos, como deviam ser, depois do que vos tem sido concedido. Quereis guardar a luz debaixo do alqueire? Se assim for, escondei-vos no escuro recanto de vosso egosmo - e deixai a outros essa misso, que requer a infatigvel atividade da formiga e o zeloso cuidado do pastor. Ainda vacilais, ainda temeis e no ousais decidir-vos; sabeis par qu? Porque vos falta a f do apstolo, porque o amor-prprio ainda o mvel de muitas das vossas aes, porque pretendeis acomodar, no vossas convenincias ao

Espiritismo, mas o Espiritismo a vossas convenincias; porque, apesar de muito falardes em caridade e humildade, no sois sinceramente humildes, nem verdadeiramente caridosos. Sois frios e, para o cumprimento do encargo que tomastes, preciso ter o corao de fogo; sois excessivamente tmidos e vos necessrio o valor do mrtir. Lede as comunicaes que, sem as merecer, tendes obtido e cobrai o valor e o entusiasmo que vos faltam. E, sobretudo, pensai menos em vs e muito mais nos outros e no temais, nem vacileis no dizer e proclamar em voz alta as verdades que vos tm sido dado conhecer. Santo Agostinho." 26 Novembro de 1873 "Meus irmos e meus filhos, porque o sois de minha doutrina, fundada sobre a f de Jesus: a paz seja convosco e a caridade em vosso esprito. Glria a Deus nas alturas e a Jesus Cristo direita do Pai - e eu a seus ps. Estou convosco desde que vos reunistes em esprito de verdade e em nome de Jesus - e ansiosamente sigo vossos passos. Receava que retrocedsseis por causa das contradies e pelo temor dos juzos do mundo! Felizmente, assim no foi, e, pois, me felicito e vos felicito. Tambm tenho acompanhado vossos trabalhos em prol da propaganda crist. Vosso livro ser o protesto da verdade humilde contra o erro triunfante e orgulhoso. Sua doce filosofia penetrar

suavemente pelas entranhas do povo; ser um pequeno roedor, mas que, em sua pequenez, contribuir eficazmente para destruir os ps do gigante. No um trabalho perfeito, mas sim de grande utilidade; mais til para o povo que alguns dos meus livros, que convir reformar. Talvez Roma e o Evangelho no seja o ltimo que tenhais de publicar em defesa das verdades crists. Pedi e dar-se-vos-, disse Jesus, nosso divino Mestre. Esvaziai vosso corao de suas impurezas e pesai vossas obras e vossos hbitos na balana do dever. No vos peo impossveis; mas, porque vos amo, vos aconselho, e continuarei aconselhando-vos por amor e por dever. Sede perseverantes no bem, como o Pai em suas misericrdias. A paz seja convosco, e a caridade em nosso esprito. Allan Kardec." Allan Kardec, o homem ilustre que, com atividade infatigvel, soube reunir os dados e antecedentes que revelam a verdade do Espiritismo, espalhados por todos os pases da Terra, formando com eles um corpo de doutrina moral e religiosa, o distinto apstolo da caridade crist, que hasteou com firmeza a bandeira do Evangelho feita em retalhos pelo egosmo e pelo orgulho, o esprito varonil a quem no acobardaram os insultos e sarcasmos da poca, em sua misso de impelir e dirigir as sociedades pela senda da felicidade e do amor - Allan Kardec continua, das regies espirituais, a salutar propaganda que iniciou e fez frutificar durante sua vida corporal. Mais de trinta milhes de espritas do testemunho da poderosa iniciativa que desenvolveu o autor de O Livro dos

Espritos, de O Evangelho segundo o Espiritismo, de A Gnese, de O Cu e o Inferno, de O Livro dos Mdiuns e de outras obras de inestimvel valor para o desenvolvimento das virtudes crists. 27 Dezembro de 1873 "Meus amigos. As contrariedades so o crisol da f. Tendes entendimento para julgar, o corao para sentir e vontade para agir. Estudai as coisas, meditai-as com cuidado e discrio, e depois fazei o que vos indicar a conscincia. No espereis s o que vem do Alto. A graa, alcana o que no podem as foras da natureza, humana, porm, nunca desce ao que est na esfera do poder da criatura. Consultai os Espritos, com o beneplcito de Deus, sobre o que vos superior; quanto ao mais, se seguirdes os conselhos de vossa conscincia, ela vos dar as inspiraes dos Espritos de Deus. No peais conselhos a respeito de vossos deveres, pois so deveres e se cumprem sem fora estranha. Consultar sobre o cumprimento de um dever, supe vacilao, e esta o princpio do seu no cumprimento. Luculus, vosso irmo." Nunca recomendaremos demasiadamente a leitura e o estudo desta comunicao aos cristos espritas, e especialmente aos que se dedicam prtica da mediunidade. Tais atrativos se encontram na comunicao espiritual, e no h um nefito do Espiritismo que no se esforce por ensin-la e provoc-la antes de conhecer o respeito que ela merece, os inconvenientes que apresenta a maneira de

pratic-la sem cuidado, resultando da uma infinidade de decepes. Quando a indiscrio, a vaidade, a curiosidade, o orgulho, ou o egosmo, so os motores da vontade do mdium ou dos que contribuem para provocar o fato, as comunicaes se ressentem de mil defeitos e frustram-se as esperanas dos indiscretos, frvolos e orgulhosos. necessrio que nos persuadamos de que, no uso da mediunidade, unicamente se deve procurar o bem moral prprio e alheio; pois, tudo o que no seja responder a esses nobres desejos e caridosos propsitos, so profanar a comunicao. A caridade o esprito dos ensinos do Cristo; busquemos pois a caridade e nada mais que a caridade, no fruto da comunicao entre os seres espirituais e os homens. 28 Maro de 1874 I "Elevei-me para alm do presente, meus irmos, e meu esprito descortinou Que descortinou meu esprito? Descortinou o passado e algo do futuro. Viu primeiro a 5confuso, o estado catico primitivo do planeta em que habitais, e minha alma admirou o poder de Deus na esfera da Humanidade. O caos terrestre estava imerso na luz, na harmonia universal, no fecundo seio do Criador. Que viu mais?

Viu a nuvem condensar-se, e o caos obedecendo ao impulso da nica lei que governa o Universo. A Terra ia surgindo da confuso e rolava e rolava pelo infinito, banhada nos raios do Sol e envolta na luz de mirades de formosssimas estrelas - e minha alma admirou o poder de Deus em sua sabedoria incriada. Que mais viu? Viu levantarem-se da Terra os vapores e a chuva cair torrencialmente, resfriando-a, fecundando-a e preparando-a para os seus grandes destinos. E seu seio virginal, obediente suprema lei das harmonias, recebia os primeiros germens, a semente da vida, destinada a fecundar os organismos - e minha alma admirou o poder de Deus, em sua inefvel providncia. Que mais viu? Viu a Terra soerguer-se do fundo das guas e separaremse os mares dos continentes, e o fluido vivificante elaborar, no segredo da Natureza e no mistrio das foras emanadas da suprema lei, os organismos primitivos. Um princpio sem princpio, anterior e superior a toda a fora, uma lei anterior e superior a toda a lei, uma causa anterior e superior a toda a inteligncia, uma vontade anterior e superior a toda vontade, penetravam e ligavam tudo - e minha alma admirou o poder de Deus e sua incomparvel imensidade. Que mais viu? Viu os raios do Sol banhando as primeiras colinas da criao e produzindo um oceano de pontos luminosos na superfcie agitada das guas. Que bela e majestosa solido! E as colinas da Terra, e o fundo dos mares se cobriam e se matizavam com as encantadoras primcias da vegetao, - e

minha alma admirou o poder de Deus e a formosura de suas obras. Que mais viu? Viu grandes abalos e espantosos cataclismos; a Terra agitar-se e arrojar de suas entranhas nuvens candentes e turbilhes de fumo e fogo, como montanhas, e as guas romperem os diques naturais, inundando a Terra, como se corressem a apagar aquele incndio universal, por meio de um dilvio universal. E, nem por isso, deixava o globo de seguir seu curso, porque os cataclismos entravam nos efeitos da primeira e nica lei imposta substncia material - e minha alma admirou o poder de Deus e sua admirvel previso. Que mais viu? Viu surgir de novo ordem e a harmonia do seio da confuso, desenhar-se no firmamento o arco-ris, renascerem as plantas e transformarem-se, mais ricas de frescura e louania, embelezando mais e mais a superfcie terrestre. A nuvem, que circundava e prendia a Terra, ia se purificando e adelgaando, tornando-se mais sutil e transparente. O planeta tinha soterrado os enormes boqueires que deram passagem ao fogo de suas entranhas - e minha alma admirou o poder de Deus, e sua esmagadora grandeza. Que mais viu? Viu, com surpresa, e percorreu toda a escala ascendente da vegetao, em seus inumerveis tipos, desde os mais simples e imperfeitas at os mais perfeitos e complexos. No cimo da montanha, no pice da pirmide, no mais elevado dos tipos, pareceu adivinhar que o desenvolvimento das plantas no era s devido ao fluido, ao princpio vivificante, mas que tambm intervinha um fluido, um princpio,

porventura mais etreo e celestial. E fixando, confusa e impotente, os olhos na soberba vegetao que cobria as terras primitivas - minha alma admirou o poder de Deus e seus insondveis mistrios. Que mais viu? Minha alma ficou deslumbrada e cega, porque quis desafiar a luz do Sol. Deixai que minha alma recobre a vista que perdeu, tentando surpreender um dos segredos de Deus." II "Ao restabelecer-se a viso, j no eram s os vegetais os seres viventes que povoavam a superfcie da Terra e os abismos do oceano. As aves se aninhavam agitadas por suaves brisas e cantavam nas ramagens; os animais corriam, cada um segundo seus instintos e necessidades, pelos montes e vales, por desertos e selvas, pelos bosques e margens dos rios; os peixes desfilavam pelo seio das guas, e, sobre todos esses seres, dotados de vida e de movimento, destacava-se outro mais nobre e privilegiado, o rei de todos - o homem. Tinha mediado um parntesis, talvez de muitos milhares de sculos. Este parntesis no pertence criatura; do domnio da Sabedoria Infinita. Donde saram os peixes, as aves e os animais terrestres? Qual foi o princpio de sua formao e desenvolvimento? Vieram do Alto ou surgiram do p? Meu esprito no o tinha visto, porm minha alma parecia ter algo adivinhado, mais puro que o impulso vivificante, nos primeiros e mais elevados elos da cadeia vegetal.

Livrai-vos de firmar juzos sobre minhas palavras, quanto ao misterioso nascimento dos animais. Meu esprito estava cego; e que confiana merece a vista de um pobre cego? Ascendendo, pelo estudo, escala ascendente do reino animal, em seus inumerveis tipos, vi com surpresa, nos mais perfeitos, algo que no podia explicar, algo que parecia escapar e parecia estranho natureza animal. Meu Deus! quo pequenos somos a teus ps! Donde havia sado o homem? Qual tinha sido o princpio de sua formao e de seu desenvolvimento? Veio diretamente do pensamento de Deus ou levantou-se do p por uma srie de transformaes sucessivas? Meu esprito no o tinha visto, porm minha alma no podia esquecer aquele algo indefinvel, que tinha como que adivinhado nos animais superiores. Luz - luz - muita luz - muitssima luz! porm a luz reside em Deus. Eu tinha visto, e via vegetais como minerais e minerais como vegetais, animais como vegetais e vegetais como animais, homens que participavam muito do animal e animais que participavam alguma coisa do homem. Livrai-vos de assentar juzos sobre minhas palavras quanto ao misterioso nascimento do homem. Meu esprito estava cego; e que confiana merece a vista de um pobre cego? Eu via o homem, e via nele o sentimento, vontade e a luz; via o animal, e via nele a sensao, o impulso e o instinto; via o vegetal, e via nele a tendncia para a conservao. E perguntava a mim mesmo:

O sentimento, vontade e a luz so criaes independentes e primitivas ou so uma criao nica, j modificada ou transformada? E, ao pensar que os trs caracteres distintivos da natureza humana poderiam confundir-se em sua raiz, acudiu fugitivamente minha alma a idia de que podia ser a unidade, a identidade, o limite de sua depurao. E perguntava a mim mesmo: So, porventura, o sentimento, a sensao depurada e transformada - vontade, o impulso depurado e transformado? Sero, porventura, o sentimento e a sensao, vontade e o impulso, a luz e o instinto - depuraes e transformaes daquela tendncia para a conservao iniciada no organismo vegetal? Ignoro; no sei; no quero; no posso; no me atrevo a sab-lo; porque Deus ps um vu entre o seu segredo e os olhos de meu esprito. Minha alma nada sabe acerca do princpio e do nascimento do homem!" III "Ado, Ado, onde ests? Meus olhos procuravam-no e no o viam; eu o chamava e ele no me respondia. Ado ainda no tinha vindo. Onde estava Ado? No me aparecia; Moiss tampouco vinha, para dizer-me onde se achava escondido o primeiro homem do Gnesis. Porque eu via um homem, dois homens, muitos homens e, no meio deles, no via Ado, e nenhum deles conhecia Ado.

Eram os homens primitivos, esses que meu esprito, absorto, contemplava. Era o primeiro dia da Humanidade; porm, que humanidade, meu Deus?. . . Era tambm o primeiro dia do sentimento da vontade e da luz; mas de um sentimento que apenas se diferenava da sensao, de uma vontade que apenas alcanava desvanecer algumas das sombras do instinto. Primeiro que tudo, o homem procurou que comer, e comeu; aps, procurou uma companheira - juntou-se com ela e tiveram filhos, parecidos com o pai e com a me; finalmente, ele ergueu os olhos na direo do cu, e, tombando pesadamente sobre a terra, dormiu. Quo nebuloso e triste o primeiro dia da Humanidade comparado ao tempo de hoje!... Meu esprito procurava o homem, e, descobrindo-o, retrocedia. Volvia a observ-lo, e de novo retrocedia. Porque meu esprito no via o homem do Paraso; via muito menos que o homem, coisa pouco mais que um animal superior. Seus olhos no refletiam a luz da inteligncia; sua fronte desaparecia sob o cabelo spero e hirsuto da cabea; sua boca, desmesuradamente aberta, prolongava-se para diante; suas mos pareciam-se com os ps, e freqentemente tinham o emprego destes. Uma pele pilosa e rgida cobria as suas carnes duras e secas, que no dissimulavam a fealdade do esqueleto. Oh! se tivssemos visto, como eu, o homem do primeiro dia, com seus braos compridos e esqulidos cados ao longo do corpo, e com suas grandes mos pendidas at aos joelhos, vosso esprito teria fechado os olhos para no ver, e procuraria o sono para esquecer.

No obstante, no deixeis de glorificar a Deus; porque Ele a sabedoria infinita, e o homem primitivo uma manifestao - um raio da luz eterna da sabedoria infinita. Deixai seguir a obra de Deus. Seu termo, como o de todas as obras do Senhor, a pureza e a perfeio. O homem primitivo, visto de hoje, um espetculo que fere de horror e desolao; visto dos primeiros sculos do nascimento dos animais, uma esperana luminosa, uma nuvem rasgada no horizonte da eternidade. Amemos e adoremos a Deus. O homem dos primeiros dias da Humanidade comia e bebia, porm no comia nem bebia como homem; andava, porm no andava como homem; via, porm no via como homem; amava e odiava, porm no amava nem odiava como homem. Seu comer era como o devorar; bebia abaixando a cabea e submergindo seus grossos lbios nas guas; seu andar era pesado e trpego, como se a vontade no interviesse; seus olhos vagavam, sem expresso, pelos objetos, como se a viso no se refletisse em sua alma; e seu amor e seu dio, que nasciam de suas necessidades satisfeitas ou contrariadas, eram passageiros como as impresses que se estampavam em seu esprito, e grosseiros como as necessidades em que tinham sua origem. O homem primitivo falava, porm no como homem. Alguns sons guturais, acompanhados de gestos, as precisos para responder s suas necessidades mais urgentes, eram a linguagem do homem do primitivo dia. Fugia da sociedade e buscava a solido. Ocultava-se da luz e procurava indolentemente, nas trevas, a satisfao de suas exigncias naturais.

Era escravo do mais grosseiro egosmo. No procurava alimento seno para si. Chamava a companheira em pocas determinadas, quando eram mais imperiosos os desejos da carne; e, satisfeito o apetite, retraa-se de novo solido, sem mais cuidar da companheira e dos filhos. Era extremamente preguioso. Estendido na terra, alimentava-se do que estava ao alcance de sua mo; e, sempre que se punha em movimento, seus gestos revelavam repugnncia e desgosto. Passava pelo cadver de outro homem, fixava nele um olhar estpido, e ia alm. Nunca ria; nunca, os seus olhos derramavam lgrimas. O seu prazer era um grito, a sua dor era um gemido. O seu pensamento era superficial, incerto e fugitivo; as suas idias eram elementares e confusas; no deixavam em sua alma outro vestgio mais que aquele que em vs deixa um sonho incoerente e fugaz. O pensar fatigava-o; ele fugia do pensamento como da luz. Considerava os animais terrestres como iguais, em natureza, a si mesmo, e considerava as aves como superiores ao homem. O cu girava e as estrelas luziam por cima de sua cabea, mas ele no percebia o movimento do cu, nem o brilho das estrelas. Para ele no havia terra alm do que divisavam seus olhos, nem outros seres alm dos que descobriam os seus toscos sentidos. Vivia sem conhecer o motivo da sua vida; morria sem ter jamais pensado em morrer.

Oh! se houvsseis visto, como eu, o homem do primeiro dia, com os seus longos e esqulidos braos cados, e com as suas grandes mos que chegavam aos joelhos, o vosso esprito teria fechado os olhos para no ver, e buscaria o sono para esquecer. No obstante, no deixeis de glorificar a Deus, porque Ele a sabedoria infinita, e o homem primitivo uma manifestao, um raio da luz incriada, da sabedoria infinita." IV "Tinha findado o primeiro dia do homem; dia de sculos, porque no relgio da Humanidade os dias so segundos de segundos, e os sculos de sculos so dias. Amemos e glorifiquemos a Deus e elevemos-lhe cnticos. A Humanidade deu um passo nas vias do progresso. Como penetra no corao o rocio da consolao! Como brilham para o esprito os primeiros albores da luz! Como desperta a alma, trmula de emoes, ao doce pressentimento de uma felicidade a conquistar nos sculos. O homem primitivo no o homem; a humanidade do primeiro dia no a humanidade. O primeiro homem o primeiro degrau da escada de Jacob: mal se destaca do p. O homem a lei, o progresso, o aperfeioamento, a elevao pela matria, a purificao pela luz o melhoramento pelo mrito, a felicidade pelo dever, a palavra de Deus que subsistir pela eternidade. Se o homem do primeiro dia fosse o homem, no teria ele sado do primeiro dia. E o homem saiu do primeiro dia.

Meu esprito v o corpo do homem, e no cerra os olhos para no v-lo; contempla sua alma, e no repele a imagem de sua alma. Comeou a luta do esprito com a matria, e o princpio espiritual avana, ainda que pouco, porm avana. A primeira jornada augura a vitria do esprito sobre a carne; o ponto de partida - a princpio do fim do reinado da matria - o primeiro anncio do reinado do pensamento de Deus. Nessa luta, eternamente secular, o corpo o crisol do esprito, e o esprito o modelador, o artfice do corpo. Depois do primeiro dia da Humanidade, o corpo do homem aparece menos feio, menos repugnante contemplao de minha alma. Sua fronte comea a debuxar-se na parte superior do rosto, quando o vento aoita e levanta as speras melenas que a cobrem. Os seus olhos so mais vivos e transparentes, o seu nariz mais afilado e levantado e a sua boca menos proeminente. Um princpio de expresso se manifesta no conjunto. Os seus braos so menos longos e esqulidos, suas carnes so menos secas, suas mos menos volumosas e, com dedos mais prolongados, os ossos do esqueleto so mais arredondados, mais bem dispostos ao movimento das articulaes; maior elasticidade existe nos msculos e mais transparncia existe na pele que cobre todo o corpo. No seu olhar, ele reflete o primeiro raio de luz intelectual; o olhar da criancinha, ao despertar a sua alma, ao primeiro despertar da sensao em seu esprito adormecido.

No seu caminhar, j menos lerdo e vacilante, adivinha-se facilmente a ao inicial da vontade, o princpio das manifestaes espontneas. Procura a mulher, e no mais a abandona, como no primeiro dia do homem. Assiste-a no nascimento de seus filhos, com quem reparte o calor e o alimento. O sentimento comea a despontar. Move a lngua, entorpecida e balbuciante, como a do pequeno prvulo. Sente novas necessidades - e ensaia os meios de exprimi-las, para satisfaz-las. Eis o princpio da linguagem: a necessidade. Julgam inferiores os demais animais e aproveita-se deles para saciar a fome, conforme o seu apetite. Suspeita que nem tudo acaba onde termina o alcance da sua vista; que, por detrs da sua montanha, levanta-se outra, em uma extenso relativamente dilatada. No seu olhar divisa-se mais surpresa e curiosidade do que estupidez. Foge dos objetos que encontra pela primeira vez; pouco a pouco perde o temor que lhe causa a novidade; evita, aceita - e, por fim, compraz-se em tomar nas mos o que lhe causou receios. J o seu rosto, os seus ademanes e as suas exclamaes revelam a pueril alegria de que est cheio o seu corao. o soldado que acaba de alcanar grande triunfo sobre um invencvel inimigo. O medo mais poderoso nele que todos os seus clculos e sentimentos. O rugido das feras, o estampido do trovo, o fulgor do relmpago, o sinistro rumor que precede a tempestade, os freqentes tremores de terra, pelas expanses interiores, a erupo dos vulces, e no s isto, tudo o que novo, tudo o

que desconhecido, gelam de espanto, transtorna-o e aniquila-o. Esquece a companheira, esquece os filhos, e cr que vai morrer. Porque ele sabe que tem de morrer e o temor da morte sobreleva todos os seus temores. Ele viu, com medo, cadveres de outros homens e julga inevitvel a morte. J no procura a sombra e a solido, como no primeiro dia; foge das trevas, porque tem medo; e foge da solido, porque se reconhece dbil e impotente. A mulher e os filhos so a sua companhia habitual. Admira, com infantil entusiasmo, a sada do prncipe dos astros e renascem as suas recordaes e as suas esperanas, pintando-se, no seu rosto, o desnimo e a angstia quando v o Sol perder-se no horizonte. Volvers? pergunta-lhe entristecido. E o Sol reaparece, porque a satisfao de todas os desejos legtimos de felicidade est prevista na eterna lei que imprime seu movimento aos mundos e dirige a evoluo dos seres. E o homem cai agradecido, de joelhos, ao contemplar o renascimento do Sol e, na sua grosseira e incipiente linguagem, exclama: Graas, meu amigo protetor - meu Deus! Tu vens consolar-me. A ti devo a minha felicidade e a minha alegria. Eu te adoro!. . . O benefcio foi o primeiro deus da Humanidade, personificado no Sol, porque o Sol era o maior dos benefcios que a materializada inteligncia do homem podia conceber. No tomeis por vituprio essa adorao primitiva; ela o ponto de partida da religio natural; completada pelo

Evangelho de Jesus e pelas sucessivas instrues sobre os pontos obscuros do Evangelho. Ela , ainda, a raiz da moralidade das aes humanas - a primeira manifestao de agradecimento da criatura ao poder superior desconhecido." V "Adiante! adiante!... O homem emergiu de sua inofensiva infncia. Os seus apetites, os seus instintos e as suas paixes dominam a vontade, que precisa de leme. O homem uma barquinha agitada pelo vendaval. V a mulher, sente de chofre o fogo da luxria. Ai da mulher, se atreve a opor-se, a resistir aos seus carnais desejos! Quebra-la- entre as mos, com a facilidade com que quebra um frgil canio a mo contrada da adolescente contrariado. Os apetites da carne preponderam e exercem no homem violenta influncia. Estamos no reinado da carne. O corpo humano adquiriu toda a sua fora e robustez. No vos falo de sua beleza. Conheo eu, porventura, o limite da beleza dos organismos humanos? Sei, mesmo, se existe ou no esse limite? A carne impera; os seus estmulos so to poderosos no homem, que obscureceram completamente a sua razo, torcem o seu juzo e pervertem-lhe a conscincia. No importa: adiante! Adiante!....

O homem julga lcito tudo servir sua concupiscncia. Ainda no pensou em classificar os seus atos, como lcitos ou ilcitos, seno como agradveis ou desagradveis. Sente a fora, que em si brota, e corre a satisfaz-la, sem cuidar de meios brandos ou violentos. Se outros homens tm em seu poder o manjar que ao seu estmago apetece, corre a arrebat-lo; se para arrebat-lo mister matar, mata. Fustigado pela fome, mata do mesmo modo um seu semelhante e devora-o, mesmo que este seja um filho ou a sua prpria companheira. Horrorizai-vos... mas no condeneis. S compaixo devem inspirar-vos os primeiros extravios da nascente humanidade. Ai! vs no sabeis sobre quem cairia a vossa condenao. Sente o aguilho da luxria, e tudo o impele a satisfazer o seu insacivel e vulcnico apetite. As contrariedades excitam a sua ira e movem-no vingana. Irado, perde os traos humanos do seu semblante e no compreende outra vingana que no seja a morte. Os seus deuses so o raio e o furaco, smbolos, para ele, os mais expressivos da fora, e do poder. O grmen de todos os maus instintos que tm nascimento da carne, a semente de todos os impulsos malvolos que tm a sua raiz na conscincia, desenvolvem-se aceleradamente e dominam no corao do homem. O bem moral desconhecido, o mal o soberano da Terra, e tem sujeitas ao seu domnio as manifestaes da vontade humana. No digo da liberdade humana, porque, nessa fase da humanidade, a vontade no a liberdade; pouco mais que um impulso mecnico e inconsciente; uma pequena fagulha

luminosa, amortecida pelo frio da insensibilidade afetiva e pelo impulso destruidor das exigncias da carne. Os diabos espalham-se e pululam por toda a extenso da Terra - e insinuam-se enganosamente nas inexperientes criaturas. Incitam, com sedutores afagos, volpia - intemperana - ao egosmo - ao dio - violncia - ao homicdio; triunfam sem resistncia. Isto devia ser, e foi, o reinado da carne; - devia preceder, em virtude da eterna lei, ao reinado do Esprito - assim como o reinado do diabo ao de Deus, sobre a Terra. No vos escandalizem estas palavras. O mal absoluto no existe. Tudo o que est no tempo relativo. O mal de hoje o bem de ontem - e o bem presente ser o mal de amanh. Nada h absolutamente perfeito seno o absoluto - e nada h absoluto, seno Deus. Tudo o que existe fora de Deus, vem de Deus, porm no Deus - existe de toda a eternidade, sem ser Deus, porque Deus o princpio de todas as coisas, e existe de toda a eternidade. No princpio era Deus e era o Verbo - e o Verbo em Deus era Deus, porque era o prprio Deus - e o Verbo como emanao de Deus - e no era Deus fora de Deus. Porque todas as coisas do cu e da Terra so efeitos da palavra de Deus. Nada h absolutamente perfeito seno Deus e o Verbo em Deus, que a lei em Deus. O perfeito no pode ser jamais princpio do imperfeito; e eis porque a imperfeio absoluta, o mal absoluto, no uma realidade. A lei perfeita, porque o Verbo em Deus - as criaturas no so perfeitas, porque so o Verbo fora de Deus.

Porm, o Verbo fora de Deus, como o que vem de Deus, caminha para a perfeio, que o seu princpio e o seu fim. A imperfeio das criaturas, as suas misrias, as suas fraquezas, os seus extravios, os seus erros, no so mais que transies ou fases progressivas de sua perfectibilidade infinita - eis por que eu dizia e repetia: Adiante! adiante! " VI "Somos chegados ao nascimento das sociedades. Donde veio a sociedade? No o adivinhais? Meu esprito contempla, absorto, o encadeamento e sucesso das maravilhosas fases da gerao e do movimento do Verbo. No princpio era Deus, e em Deus o Verbo, e Pensamento de Deus. E o Verbo em Deus gerou hoje, no princpio, a Palavra, que Verbo fora de Deus. E o Verbo, a palavra, gerou no princpio a matria csmica, e o movimento; e o Verbo em Deus gerou hoje, no princpio, a lei fora de Deus. E a lei, atuando desde o princpio sobre a matria csmica, e o movimento, gerou a sucesso eterna das coisas e dos tempos. E a lei gerou a condensao e a separao da matria csmica. E a condensao gerou o movimento circular - e a separao gerou a translao.

E a rotao e a translao geraram o resfriamento e as formas das massas condensadas e separadas da matria csmica. E a lei gerou, pelo resfriamento das grandes massas de matria csmica condensada, os globos vaporosos - e os vapores geraram os lquidos, e os lquidos se transformaram em slidos. E a lei, atuando sobre os slidos e os lquidos, gerou os primeiros organismos. E vieram os vegetais. Eu no sei qual a gerao dos animais aquticos, que certamente vieram aps a vegetao aqutica. Eu no sei qual a gerao dos animais terrestres e das aves; sei, porm, que vieram depois da vegetao terrestre. Eu no sei qual o princpio da gerao do homem; porm, sei que ele veio depois da sucesso dos animais terrestres. Meu esprito estava deslumbrado e cego. E a lei, na sua atividade eterna, gerou hoje, no princpio, o ser da matria csmica, e gerou, no seio da substncia, o princpio vivificante. E o princpio vivificante gerou o desenvolvimento expansivo e a transformao progressiva de todas as substncias, procedentes da substncia nica. E a lei, agindo sobre o princpio vivificante, gerou, para o vegetal, a tendncia - para o animal, a sensao, o impulso e o instinto - para o homem, o sentimento, vontade e a luz. J conheceis o mistrio; hoje no podeis penetr-lo nem eu tampouco. Estudemos em Deus, neste e no outro sculo, ativemos o estudo e oremos pelo estudo e em verdade; porque Deus v o

nosso estudo, e os seus ouvidos ouvem, e os seus olhos esto postos nos nossos bons desejos. Porque est escrito: que nada permanecer eternamente oculto. E o princpio vital, predominante, gerou nos vegetais, nos animais e no homem o desenvolvimento e o predomnio dos rgos. E o predomnio dos rgos, no homem, gerou primeiro a estupidez, que o sonho da luz - e a inrcia, que o sonho da vontade e do sentimento. E a primeira chispa luminosa gerou o primeiro movimento da vontade incipiente. E o predomnio orgnico, no homem, gerou a fora muscular. E a vontade, subjugada pela carne, gerou o abuso da fora. Dos estmulos da carne nasceu o amor. Do abuso da fora nasceu o dio. E a luz, agindo com maior intensidade sobre o amor e sobre o dia, gerou as sociedades primitivas." VII "O homem mora em companhia das suas mulheres e dos seus filhos, e a volpia no meio deles. E a volpia a fogueira que d o sinal e atrai os ladres. E os filhos do fogo se ajustam aos filhos do fogo - e a volpia os faz fortes, pela unio contra os fortes. No meio de todos existe a fora. e a iniqidade, porque a fora est com o poder, e a luz, no homem, j lhe ensinou o poder da fora.

Um homem, dois homens, dez homens; uma mulher, duas mulheres, dez mulheres, uma famlia. Uma famlia, duas famlias, dez famlias, uma sociedade. Primeiro o homem. A famlia existe pela carne; a sociedade existe pela fora.. Moram as famlias vista. de todos, protegem-se, criam rebanhos nos pastos prximos, levantam tendas sobre troncos, e depois caminham pela terra; primeiro o homem. Entre as tribos v-se a guerra. A guerra pela volpia, pela violncia, por causa dos rebanhos, dos pastos, das peles, por causa da sombra das tendas. O primeiro direito a fora, porque o primeiro rei a carne. O homem mais forte o senhor da tribo, a tribo mais poderosa o lobo das outras. Porm, duas tribos, trs tribos, se concertam e se opem vontade do lobo; e, o que devorava, devorado. Que vale a vida de um homem? Que vale a de cem homens? Morre um filho? Um movimento da carne um choro e uma lgrima. Morre um homem? um gro de areia nas entranhas do mar. Todos os gozos so a gula, a volpia e a vingana; todas as dores so a fome, os males do corpo, os sofrimentos e as violncias do dio. As tribos errantes, como o furaco, marcham para diante, e, como o gafanhoto, assolam a terra onde pousam seus enxames.

As pedras e os ramos despencados das rvores so os seus instrumentos de destruio e de morte; o seu grito de guerra um alarido feroz. Mas, o abuso da fora e da volpia era necessrio: estava na lei da depurao e da perfectibilidade. Em virtude dessa lei se purificam o ouro e o cristal, o esprito e o corpo; porque ambos vm de um mesmo princpio, e marcham para o mesmo fim: para Deus, que o princpio e o fim dos seres. A preponderncia, porm, do corpo, devia preceder; pois que, da vitria do Esprito sobre a carne, depende a depurao e desenvolvimento indefinidamente sucessivo da criatura racional. Se o desenvolvimento espiritual preceder ao predomnio da carne, vereis desaparecer o mrito das aes humanas; porque no h mrito sem luta - e a razo, sem os estmulos e os apetites do organismo, o triunfo sem combate. No acrediteis, entretanto, que a desesperao e a elevao do corpo sejam o predomnio da carne; precisamente, o que este predomnio revela a inferioridade do corpo. O aperfeioamento do corpo segue paralelo ao do Esprito; porque ambos obedecem mesma lei - e o Esprito edifica o seu teto conforme as suas necessidades e na altura das suas aspiraes. medida que o Esprito se emancipa das suas impurezas, o corpo se desprende tambm das suas, pela comunicao que existe entre o Esprito e o corpo, e em virtude da influncia que o primeiro exerce sobre o segundo.

O homem tem dois corpos. Pelo primeiro, que o toma da substncia etrea fludica, comunica o Esprito sua atividade e perfeio ao segundo. O primeiro tanto mais etreo e celestial, quanto maior a elevao do esprito do segundo, e menos carnal, conforme a purificao do primeiro. O limite superior do corpo carnal o corpo espiritual; o limite do corpo espiritual o Esprito - e o limite do Esprito Deus. No o duvideis, embora no o compreendais. O corpo terreno se purifica gradualmente e se eleva at ao corpo espiritual - o corpo espiritual at ao Esprito - e o Esprita at a Deus. Esta a lei. No a conheceis hoje; esperai, que a conhecereis amanh." VIII "Donde vieram esses homens, novos no meio dos homens? A Terra no lhes deu nascimento, porque eles nasceram antes de ela ser fecunda. A Humanidade no se transforma num dia, ,mas no decurso de sculos e sculos. No meio dos homens antigos da Terra descubro homens novos, meninos, mulheres e vares robustos; donde vieram esses homens que nasceram antes da fecundidade da Terra? Em cima e ao redor da Terra, rodopiam os cus e os infernos com sementes de geraes e de luz. O vento sopra para onde o impulsa a mo que criou a sua fora, e o Esprito vai para onde o chama o cumprimento da lei.

Os homens novos que descubro entre os homens antigos da Terra, e que nasceram antes de esta ser fecundada, vm a ela em cumprimento de uma lei e de uma sentena. Eles vm de cima, pois vm envoltos em luz, e a sua luz um farol para os que moravam nas trevas da Terra. Se, porm, seus olhos e suas frontes desprendem luz, nos semblantes eles trazem o estigma da maldio. a reprovao das suas conscincias. So rvores de pomposa folhagem, mas privadas de frutos, arrancadas e lanadas fora do paraso, onde a misericrdia as havia colocado, e donde as desterrou por algum tempo. A sua cabea de ouro, as suas mos de ferro e os seus ps de barro. Conheceram o bem, praticaram a violncia e viveram para a carne. Os que, entre eles, se aproveitaram da luz e praticaram a justia, viram o ferro das suas mos e o barro dos seus ps transformar-se em ouro, como o de suas cabeas, e ficaram residindo no paraso at sua elevao. Para os outros, a misericrdia foi justia, e seu pecada acompanhou-os em maldio perptua, at ao renascimento. Eles tinham a luz, e desprezaram-na - e, em vez dela, surgiram o orgulho e o desejo de oprimir os bons. Moiss viu a sua luz e disse: So anjos decados; viu-os feitos de barro e disse: So homens - Ado e Eva; e f-los serem expulsos do paraso pela tentao dos anjos decados. Vs perguntais: Como se pode retrogradar no caminho da felicidade e da perfeio. Poderemos deste modo ir viver um dia na morada da ventura? Somos fracos, e o temor e o desnimo se apossam de ns.

Recuperai a paz; eu, Joo, vo-lo digo: descansai no seio da sabedoria e da misericrdia do Pai, como descansei a minha cabea no regao e no amor do Filho, Jesus Cristo. (38)
(38) No comeo desta comunicao, sabamos que era Lamennais quem nos falava: mas a diferena do estilo e dos conceitos em alguns pontos nos fez suspeitar que no era ele s quem a inspirava. Com efeito, ao chegarmos a este ponto, tivemos a inefvel satisfao de ver que o pensamento do evangelista Joo tambm nos vinha fortalecer e iluminar.

Na perfeio nunca se retrocede; o Esprito sempre atrado para o centro da perfeio, que Deus. Os homens de Ado, ao virem para a Terra, no perderam um s tomo do aperfeioamento adquirido. Eles tinham sido elevados ao paraso pela misericrdia divina e no pelos seus merecimentos, porque as felicidades so tambm provas, assim como os sofrimentos e as misrias. Muitos saram bem na prova e mostraram que era justia o que tinha sido misericrdia; estes herdaram o paraso at que a fossem elevados, porque a felicidade da justia se perpetua de tempos a tempos e de gerao a gerao. Outros abusaram dos dons da misericrdia, e as suas obras clamaram justia; e o peso dessas obras na balana da justia f-los descer a Terra, at ao renascimento. Mas a misericrdia de Deus os segue sempre de sculo em sculo, de gerao em gerao. A gerao proscrita traz na fronte o selo da sentena, mas tambm tem o da promessa no corao. Tinham pecado por sabedoria e orgulho, e o seu entendimento obscureceu-se. Passaro os anos e os sculos, e o entendimento estar nas trevas e as trevas no entendimento.

Foi o entendimento quem pecou; as trevas so o seu castigo; no h outro. A obscuridade foi sentena do entendimento ensoberbado - a luz, a promessa da misericrdia que subsiste e subsistir. E essa luz deve iluminar a todos os homens que vm ao mundo para cumprir uma sentena. A uns com o sol nascente, a outros o sol meridional, a outros com o sol poente, prestando-lhes o seu calor at a manh em que ele despontar mais luminoso. l no Oriente que irrompeu o primeiro albores do sol dos Espritos, os crepsculos do novo dia, a aurora da redeno. Bem-aventurados os que no dormem e tm os olhos voltados para o nascente do Sol: porque sero os primeiros a ver a luz e se regozijaro antes do dia, e o dia no os cegar. Bem-aventurados os que choram por causa das trevas e da condenao, e cujos coraes no edificam moradas nem levantam tendas. Porque sero peregrinos no crcere, e renascero para morar perpetuamente, de gerao em gerao, nos cimos onde no h trevas; porque recuperaro os dons da misericrdia na consumao. Ai dos que dormem com o rosto voltado para o poente! Ai dos que olvidam e riem! Ai dos que estabelecem moradas e levantam tendas! Ai dos que se enrazam no p! Eles ficaro cegos antes de verem a luz - os seus olhos renascero na obscuridade - e o seu dia no renascer nem neste nem no sculo vindouro. Eles sero considerados, no como peregrinos, mas como habitantes; a sua justa sentena.

Sero novamente plantados no p das suas razes, at hora do fruto, na justia e na renovao. Eu - Joo." IX "Quem poder contar os dias da Terra? Somente Aquele que a tirou do caos, que a separou, que a arrancou do seio da geratriz. Quem poder, quem se atrever a exprimir por um nmero determinado os dias do homem? Os dias da Terra so um; os do homem constam do ontem, hoje e amanh. Antes de ser a Terra, ela o era em seus elementos, juntamente com o homem, com o esprito do homem. Quando ela deixar de ser a Terra, ser ainda a Terra em seus elementos - e ficar ainda o homem, o esprito do homem. Antes de existir o homem, existiam o esprito do homem e o homem - e, antes do homem e do esprito do homem, existia Deus - e em Deus, o homem e o esprito do homem. Depois do homem e do esprito do homem, vem o homem e o esprito do homem - e depois Deus - e em Deus, o homem e o esprito do homem at o seu complemento. O poder e a glria de Deus se patenteiam no homem e no esprito do homem - e essa glria e esse poderem existiram, existem e existiro sempre. Desde o comeo e antes dele, Deus j era, bem como a sua glria e o seu poder, no homem e no esprita do homem. A semente do homem e do esprito do homem estavam, desde o princpio, nas mos de Deus - e o homem, desde o princpio, aos ps de Deus; e o esprito do homem estava

ministrando aos olhos de Deus, como complemento do Verbo, engendrado com o pensamento em Deus. No h rei sem vassalos, nem Deus sem glria, nem Criador sem as obras do seu poder. Deus sempre: por conseqncia, sempre o homem e o esprito do homem. O homem e o esprito do homem, desde o princpio, estavam em Deus; os homens no curso do tempo vo continuando as obra de Deus e marchando eternamente para Deus, que o ponto de mira da criao inteira. Deus Deus desde o princpio, e com Deus existe sua lei; porque essa lei o bem, a sabedoria, e a sabedoria Deus. A sabedoria, em sua atividade eterna, que no princpio engendrou o homem e o esprito do homem, engendra-o hoje. A sabedoria, limitando-se h um tempo circunscrito e desligando-se do que vem do princpio, a negao da verdadeira sabedoria e de Deus. Portanto, o homem e o esprito do homem existem desde o princpio; o homem e o esprito do homem emanam da atividade eterna da sabedoria. Desde o comeo a Humanidade existiu; desde ento os homens, no correr dos tempos, continuaram a obra eterna da sabedoria de Deus. Quem como Deus? Se o homem vem desde o princpio, no deixa de ter sado das mos, da sabedoria de Deus. O princpio humano desde o comeo existiu em Deus, mas os homens sucedemse no tempo.

Quem, seno Deus, poder dizer: Eu sou desde o princpio? Os homens todos tm seu princpio na lei, na sabedoria de Deus. Desde o comea estiveram em Deus o homem, o esprito do homem e a sucesso dos homens, indo estes no correr do tempo cumprir a lei de sucesso estabelecida desde o princpio. Em Deus no h sucesso, mas sim em tudo o que no Ele; a sucesso o selo da criatura, a linha misteriosa que a separa do Altssimo. O homem nasce com o primeiro pensamento, porque o primeiro pensamento a primeira palavra do esprito do homem. E o primeiro pensamento, donde o homem tira o princpio, a revelao da continuao eternamente ativa da sabedoria de Deus. Antes do primeiro pensamento o homem no existia; ele pensou, pela sabedoria de Deus, e foi criado, saindo do caos donde a sabedoria havia tirado desde o princpio a sucesso das criaturas. O primeiro pensamento o homem, ao mesmo tempo em que o princpio de uma sucesso, sem termo de modificaes e transfiguraes. Ele sai da desordem, do caos, das trevas e caminha constantemente para um foco irradiante de inextinguvel luz, ao redor do qual descreve crculos cada vez menores. As criaturas no so mais que diminutos satlites circulando ao redor do Sol da sabedoria, centro imutvel do Universo infinito. Quem como Deus? Deus o centro fixo e imutvel da felicidade e da luz; dEle procede vida, e os seus raios do o ser, e geram, desde o princpio, o movimento e a sucesso. O homem caminha para Deus; mas o homem uma sucesso e jamais alcanar a imutabilidade, s prpria do

Ser supremo. Jamais alcanar a imutabilidade, mas dela ir eternamente aproximando-se. A imutabilidade a felicidade infinita que o homem possuir. A felicidade infinita a sabedoria infinita, porque a soma de todos os gozos s cabe ao grau supremo de todos os conhecimentos. Portanto, ser sempre infinita a distncia que separa o homem da felicidade absoluta, pois ele nunca chegar sabedoria imutvel. O Verbo fora de Deus a sucesso; e o homem , desde o princpio, o Verbo fora de Deus, a sucesso eterna, a mutabilidade sem trmino. A felicidade um oceano de luz sem horizontes, sem margens, eterno, imenso, insondvel, infinito; o homem criado dentro dessa imensidade como um ponto sombrio, imperceptvel no infinito luminoso, destinado pela sabedoria e misericrdia divinas a banhar-se eternamente no oceano de felicidade que o rodeia. Como, porm, esse ponto imperceptvel poder percorrer todo esse oceano. . . se ele infinito? Deus, e s Deus, o abraa todo. Bendigamos, caros irmos, a Deus com todo o nosso corao e todo o nosso entendimento; porque a sua mo nos fez e deu-nos o poder de aumentarmos cada dia a nossa perfeio e a nossa felicidade, pelos nossos merecimentos. Mereamos, caros irmos, e a nossa felicidade ir aumentando. Meu esprito paira na esfera de felicidade de que vos falo, e de que no podeis formar juzo sob a capa que vos

envolve; mas, se elevo os meus olhos, vejo que me separa de Deus o infinito... o infinito. .. o infinito... Eu vos rendo graas, meu Deus!... pois que, achando-me mesmo a uma distncia infinita de vs, encheis todo o meu ser. Graas, meu Deus! Eu - Joo." X "Joo est separado de Deus pelo infinito; e eu estou separado de Joo por uma distncia espantosa. Ele o condor de alvssima plumagem e majestoso vo que se eleva at regio do Sol e se banha num plago de inextinguvel luz, ao passo que eu, msera ave noturna, ainda no posso subir acima da regio das trevas. O peso da minha inferioridade e das minhas misrias prende-me a Terra; mas eu elevo os meus olhos aos cus e espero em Deus. Vi Joo descendo dentro de um crculo de luz, das celestes moradas cujos umbrais s a virtude acrisolada pode transpor. Vi-o rasgar o espao com a velocidade do pensamento divino e baixar a Terra, inundando tudo com a sua luz. Vi-o incendido no amor de Deus e na caridade, radiante e formosssimo como um reflexo do Senhor das alturas. Vi-o aproximar-se de mim, envolvendo-me na sua amorosa e regeneradora vista, e depois a pousou sobre vs com inefvel ternura, semelhante a um irmo mais velho que olha com inefvel carinho e paternal solicitude seus

irmozinhos, rfos da benfeitora tutela do seu pai, e das doces carcias da sua me. Vi-o apoderar-se da minha pena para dizer-vos o que eu no podia dizer, porque o ignorava; para explicar-vos o que eu no podia explicar, porque o no compreendia; para revelar-vos o que s podem revelar os Espritos que recebem diretamente os esplendores do pensamento de Deus. Oh! Eu me achava junto de vs, e nem me lembrava de vs. Perdoai-me, porque naquele venturoso instante a minha alma estava toda absorta na contemplao do pensamento de Joo. Eu me sentia arrebatado pela corrente de uma felicidade desconhecida, pelo caudaloso rio da sabedoria celestial que se estendia ante meus olhos. Como podia lembrar-me de vs, se houve momentos em que nem me lembrava do prprio Joo! Enlevado nos divinos conceitos da mente do Discpulo, arrebatado na sublimidade da sua teologia, eu no me lembrava seno de Deus, no podia admirar seno a bondade e a sabedoria de Deus. Vi Joo elevar-se de novo, depois de vos ter falado e transpor as nuvens de ouro que servem de pavimento morada dos justos. Vi-o finalmente, antes de desaparecer das minhas vistas, dizer-me e repetir-me com indescritvel emoo "Caro irmo, estuda, ama e espera. A minha sabedoria uma gota de orvalho, o meu amor uma minscula fasca, a minha felicidade uma sombra. Estuda, ama e espera, e o teu entendimento alcanar luzes que o meu ainda no vislumbrou, e o amor transformar o teu corao em uma chama inextinguvel, e a tua ventura ir alm dos teus desejos. Estuda, irmo; ama e confia em Deus."

E ca abismado em funda meditao. Considerava a minha pequenez e orava. Orava, irmos, orava e sentia-me regenerado; orava e sentia germinar no meu corao as esperanas de Joo. Orava, meus irmos, e orarei eternamente a Deus, porque, sem o seu paternal auxlio, jamais poderei alcanar o amor e a sabedoria de Joo. Oremos todos, meus irmos; ajudai-me a orar: Deus eterno, Pai misericordioso, estende tua mo aos meus irmos que choram nas misrias da carne, olvides os que choram nas trevas do esprito!. . . Graas, Deus meu!" XI "Os homens novos, que vieram a Terra para cumprir uma sentena, olham para os homens antigos da Terra com orgulhoso desprezo, considerando-os indignos do seu convvio, e resolvem nos seus conselhos domin-los e abatlos. No Paraso, eles abusam da mansido e da simplicidade de corao dos seus irmos; na Terra, abusaro da sua ignorncia. Ontem se julgaram superiores, e o seu entendimento foi confundido e o seu orgulho foi humilhado pela justia; hoje, julgam-se de novo superiores, e sero confundidos no seu entendimento e humilhados no seu orgulho. J o sabeis at quando. Lavram a pedra, a madeira e o ferro, porque o seu orgulho precisa de castelos; a sua sensualidade, retiros de

prazeres; e a perversidade dos seus sentimentos, instrumentos de opresso e de morte. Vieram a Terra como peregrinos, e ficaro residindo nela, porque construram a moradas para o seu corao, e palcios para o seu orgulho. Iro e voltaro; porque, ao partir, as suas almas no abandonam as chaves das moradas que edificaram na Terra. Vo e voltam, e tecem vestidos de vaidade para os seus corpos, e tnicas de corrupo para as suas almas. Andam rastejando sobre as harmonias da criao, no para buscar nelas Deus e virtude, mas para acomod-las aos gozos da matria. Sentem nos seus coraes um desejo celestial; mas o seu entendimento ofuscado desvia as suas conscincias e s lhes fala aos sentidos. O seu deus a carne, porque no pressentem outros prazeres alm dos grosseiros da carne. Levantam na sua alma altares a todas as paixes que a corrompem, mas no se lembram do Deus de Justia e Misericrdia. Uma intuio luminosa, espcie de pressentimento, lhes fala de um Ser supremo e da responsabilidade humana; porm, o seu orgulho tem to fundas razes, que eles protestam contra a existncia dAquele que com um sopro poderia aniquil-los. Eles referem tudo ao presente; pelo que, a sua atividade e os seus esforos no se encaminham seno para a satisfao dos seus instintos e das suas paixes, esperando depois da morte o silncio, a decomposio. . . o nada.

Fogem de Deus; mas, o peso das suas misrias e as calamidades que atraem sobre eles o furor desenfreado do seu orgulho, fazem-nos sentir Deus pelo terror. Odeiam-no, temem-no, oferecem-lhe sacrifcios de sangue para acalmarem as suas iras e afastar a sua vingana, porque acreditam que a Divindade miservel e vingativa como eles. Se alguns falam de Deus, sempre do Deus que se faz ouvir na voz da tempestade e que no raio manifesta o seu poder. No temem outros castigos alm das enfermidades, a inundao, o incndio, a espada e o extermnio, nem esperam outros bens que no sejam as comodidades e os gozos dos sentidos durante os longos anos da sua vida terrena. De tempos a tempos, de gerao em gerao, aparecem no seio da Humanidade, como archotes no meio das trevas, como modelos para imitao, homens virtuosos e humildes que lamentam os erros do mundo. So meteoros que Deus envia da regio da luz para despertar os que dormem no lodo. Outros vm armados da palavra e do esprito de Deus, e apregoam o seu nome e o seu poder. Arrojam palavras de fogo, de destruio e de morte, as nicas capazes de domar as rebeldias humanas. Trazem na mo direita a promessa, e na esquerda uma espada flamejante. So os Gnios de que precisa a Humanidade no apogeu da concupiscncia. A raa dos homens novos propaga-se com assombrosa rapidez: invade a Terra e dela se assenhoreia. Sujeita ao seu domnio s raas primitivas, depois de destrurem as suas tendas pelo ferro e pelo fogo.

Contudo, na servido e nesse contacto com os seus dominadores, elas aprendem os primeiros rudimentos da virtude, e adquirem pela cultura do entendimento os primeiros elementos do poder. Haver recm-vindos que sero dos primeiros a chegar, e muitos, que vieram primeiro, cairo sete vezes no caminho e chegaro, por ltimo, ao declinar da tarde. A Terra sofre grandes perturbaes; o mundo fsico e o mundo moral caminham paralelos no cumprimento da lei. A invaso das paixes, no corao do homem, corresponde na Terra invaso das guas. O homem vomita do seu seio o fogo nelas ateado pela lascvia e pela iniqidade a Terra arroja das suas entranhas, pelos seus formidveis vulces, imensos turbilhes de fumo e matrias derretidas que assolam fertilssimos pases. Nessas comoes terrenas e morais, os homens desaparecem em legies inumerveis, e vo ao juzo; uns descem para sofrer provas a fim de se purificarem; outros para repararem faltas; depois do que, todos voltam de novo. Estes morrem debaixo das guas, aqueles sob as runas, outros no fogo, e outros a espada. As calamidades caem sem interrupes sobre os povos. Hoje, este que sente o peso da mo do Senhor; amanh, aquele. E tudo misericrdia, nada mais que misericrdia. Porque, os homens esquecem na carne os seus propsitos - e a misericrdia concedem-lhes perodos de reflexo, nos crculos espirituais, para record-los, renov-los e fortaleclos." XII

"Um sculo - outro sculo - e outro sculo. E os servos se tornam senhores, e os senhores se tornam servos. Uma estrela nasce para os homens da raa, primitiva da Terra, sob cuja luz e calor ter comeo formao de um grande povo. Essa estrela Abrao. Ele o fundamento do povo hebreu, o primeiro caudilho da emancipao da raa primitiva, e a primeira nuvem no horizonte da raa dominadora. Porque os hebreus so os homens antigos da Terra, e os seus caudilhos so os missionrios para levantar o oprimido e abater o opressor. Ao redor de Abrao, de Isaac, de Jacob e de Jos se agrupam todos os humilhados, todos os escravos, todos os que gemem no oprbrio, pelo orgulho e pela iniqidade dos estrangeiros que vieram do Paraso. E Moiss e Josu os livram do oprbrio e da servido - e caem depois sobre Cana, nao guerreira e orgulhosa, e sujeitam-na e encadeiam-na. Antes, porm, o povo hebreu passa quarenta anos de provaes, e, nessas provaes, prevarica uma vez, mais outra, e cai nas abominaes da idolatria e da incontinncia. Triunfar de Cana e sujeita-la-; mais tarde voltar servido. Hoje a expiao para Cana; amanh para o povo grosseiro, indigno e prevaricador. Recebe a lei escrita, a fim de que pelos olhos ela lhe penetre no entendimento e no corao.

A nova lei o primeiro anncio divino do amor e da caridade, como meios de depurao e de progresso. Mas - o povo hebreu v e ouve a lei, e no aparta os seus seios da leviandade, nem os seus ps da idolatria. Sofre as justas conseqncias dos seus pecados, e chora aos ps de Deus; recupera a paz, e se precipita de novo nas abominaes dos dolos. Eis a Humanidade terrena primitiva: compadeamo-nos dela!... As suas idias a respeito da Divindade nasceram no meio do terror, na presena de grandes cataclismos. Respeita a Deus, como o escravo que v seu senhor com o ltego na mo, em atitude iracunda, mas no o respeita na sua alma; treme, mas no seu temor s sente o desejo de emancipar-se. Como o menino manhoso que se aquieta com o castigo e se subleva logo depois, o povo hebreu a segunda infncia da Humanidade terrena. O Pai bondoso, mas tambm justo e sapientssimo, e quer que seus filhos se faam dignos da felicidade, pelo mrito. As abominaes do povo de Abrao clamam justia do cu - e a justia se aproxima. Vm os juzes e vm depois os reis - e as ameaas da justia tm o seu cabal cumprimento. As raas primitivas, sob o jugo das raas degeneradas, aprendem as primeiras noes do dever. Depois, as primeiras so o instrumento providencial para o castigo das segundas, e estas so os instrumentos para o castigo das primeiras. Umas sero reciprocamente o corretivo das outras, at ao seu equilbrio e confuso em uma s famlia, em cumprimento da lei da fraternidade universal.

Quando chegar esse dia venturoso, as nuvens no flutuaro mais sobre a Terra, seno para fecund-la. Antes, porm, se sucedero muitas geraes; porque a Humanidade segue o seu caminho, passo a passo. Alguns Espritos ativos transpem as distncias com inslita rapidez, mas a generalidade faz o seu progresso pausada e gradualmente. Apenas comea a germinar entre os homens de uma e outra raa a idia da imortalidade espiritual. Ela demasiado grande para que possa caber no estreito crebro dos homens primitivos e excessivamente consoladores para que sejam dignos de conceb-la os homens degenerados. Uns e outros reputam a morte como o termo do princpio de vida que sentem, e cuja natureza desconhecem. Certas inteligncias privilegiadas entrevem alguns resplendores, e, com o seu auxlio, adivinham alguma coisa sobre o destino das almas, porm, guardam o segredo da sua f, porque sabem que os tempos ainda no so chegados. Misteriosamente, elas se renem na obscuridade e falam em voz baixa das suas crenas e esperanas, sem deix-las transluzir seno aos que julgam capazes de compreend-las e senti-las. Escrevem livros divinamente inspirados, para fortalecerem, dirigirem as massas humanas e prepararem o advento do Esprito. Os homens da matria esperam, do cumprimento das promessas contidas nesses livros, anos de sade e abundncia de bens terrenos; e os que crem em segredo na imortalidade da sua conscincia aplicam vida espiritual essas promessas de penas e recompensas.

Da ressurreio da carne ningum diz uma palavra, nem o pai ao filho nem o filho ao pai. o segredo dos segredos e o mistrio dos mistrios. Depois, alguns pensadores atrevidos, aos quais o mundo d o nome de filsofos, erguem uma ponta do vu que esconde o misterioso segredo da morte. Falam da alma humana e da sua natureza, mas essa natureza ainda hoje desconhecida para os homens e para os Espritos que no vem o pensamento de Deus. Dizem a primeira palavra sobre a ressurreio da carne, palavra essa originada em inspirao superior, porm, obscurecida por conceitos errneos, nascidos da misria do entendimento humano. De todos os modos semente caiu sobre a Terra; o gro de mostarda germinar e se converter em rvore corpulenta, sob cuja benfica sombra se acolher a Humanidade inteira. Temos uma alma imortal. Estas palavras correm de boca em boca e o seu eco penetra nos coraes e se estende como a influncia da pedra lanada sobre as guas de um tanque. Mas, assim como o rudo e o movimento das guas assustam e pem em confuso os peixes, a existncia da alma imortal no comeo a causa de temores e confuso entre os povos. Levantam-se seitas disputando o domnio das almas, como as castas disputaram o domnio dos corpos. E chegam as guerras religiosas; porque, ainda est longe a hora em que a caridade destruir a intolerncia, em que a Humanidade reconhea que o amor a melhor das religies, e a nica que pode conduzir felicidade celeste.

E vm a perturbao moral e o extravio do sentimento, pelo fanatismo religioso; e as sociedades e a conscincia representam a imagem da confuso e do delrio. Os homens das raas degeneradas levantam altares s suas paixes, porque os seus deuses so apenas personificaes da sua concupiscncia, do sensualismo que lhes corri as entranhas. Os da raa primitiva edificam sob o cetro dos seus reis um s templo e um s altar, monumento alegrico da adorao do porvir; porque chegaro os dias em que o templo do Altssimo ser o Universo, e o seu altar o corao da Humanidade inteira. Os templos de barro ficaro reduzidos a escombros, por ocasio do advento do reinado do esprito profetizado por Jesus. Os que contriburam para levant-los, voltaro para destru-los com o sopro da sua palavra. Tal se cumprir quando a lei do amor imperar em toda a redondeza da Terra; quando o gnio do bem, que o sentimento da caridade, tiver penetrado e achar-se firmado no corao dos homens." XIII "Quem preparar o advento do Esprito? Quem derrubar as altares dos dolos? Quem derruir o grande templo que, simbolizando a religio do porvir, revela tambm a adorao materializada da raa primitiva, para edificar o templo moral do sentimento?

Quem fundir em uma s todas as raas e todas as famlias da Terra? Quem impelir para frente os homens primitivos, e abrir as portas da reabilitao aos homens degenerados? Quem far a luz na densa obscuridade em que esto submersas as inteligncias humanas? Quem indicar o caminho, com a palavra e com os exemplos? Quem arrancar dos coraes o temor, para derramar neles as sementes do amor? Quem dissipar todas as dvidas e far renascer esperanas mais consoladoras? Irmos, retiro-me; voltarei para despedir-me de vs, quando me ordenar quele que, com mais uno e sabedoria que eu, vem responder s perguntas ou s questes que acabo de formular." XIV "Nos conselhos do Altssimo pronuncia-se a sublime palavra da redeno; porque Deus fixou seus olhos nos homens, e, em sua justia, compadeceu-se deles. A confuso e as misrias humanas contristaram o seu corao amantssimo. A Humanidade tem fome. A Humanidade precisa de luz, porque se afoga nas trevas. Um Esprito, purssimo sobre todos, ouvindo a palavra do Senhor, desce dos seus conselhos, em cumprimento dessa palavra, para que os homens tambm a ouam e vejam. O que vem do Alto est acima de todos, e pronuncia a palavra de Deus, porque vem dos conselhos de Deus. Ele est acima de todos, porque s ele ouviu a palavra. Ele a luz, porque vem dos crculos que resplandecem com os raios da sabedoria divina.

Essa luz dissipar as trevas do mundo e as trevas vero a luz e no a compreendero, at que soe a hora. Ele o caminho, porque por ele os homens alcanaro a perfeio e seguiro para Deus. Ele a virtude, porque a expresso da lei. Tendo Maria por me e Jos por pai, ele nasce na humildade, porque vem para destruir o fanatismo do orgulho, e para que os pobres filhos do povo sofram com resignao e esperem no amor do Pai. Ele a luz e d testemunho da luz, para que os homens vejam a luz e nela creiam. Ele d testemunho de Deus, porque a luz procede de Deus, e d testemunho da luz. Ningum ainda viu Deus, mas, quem v a luz, v Deus. Nem o Filho viu o Pai; mas ele, que primeiro viu a luz, sabe o que o Pai. O Filho est no Pai, porque est no seio da luz; o Pai est no Filho, porque neste est a sua luz, que o sopro da onipotncia do Pai. O Filho nada pode sem o Pai, e tudo pode com Ele, porque todo o poder vem de Deus. O Filho um com o Pai, porque as palavras do Filho so o pensamento do Pai, e as obras do Filho so vontade do Pai. A essncia do Pai a luz, a natureza espiritual do Filho a luz emanada da substncia do Pai. O Filho superior a todos, porque ouviu a palavra e cumpre a vontade do Pai. Ningum foi, nem ser igual ao Filho, porque ele foi sempre o cumprimento da lei, sem nunca infringi-la. Portanto, o Filho o caminho, a verdade e a vida, porque o cumprimento da lei.

Mas, o Pai Deus; e, o Filho, que est acima de todos, caminha adiante de todos e a luz de todos, ele est abaixo do Pai, e s fala e obra pelo Pai. O Filho expe a luz e a verdade - o Pai a luz e a verdade. O Filho procede do Pai, e o Pai no procede seno de si mesmo. O Filho o Filho - e o Pai o Pai. S Ele no procede de outro, e nunca foi engendrado; s Ele por si mesmo o Pai. Eu - Joo." XV "O Filho desce do cu para fazer, no a sua vontade, mas a vontade dAquele que o enviou. vontade do Filho o cumprimento da lei, e, fazendo a vontade do Pai, ele faz a sua prpria vontade. vontade do Pai que todos os homens vejam a luz e por ela se salvem. vontade do Pai a lei, e o cumprimento dela infalvel. O Pai a lei, e o Filho o cumprimento da lei; por isso, o Filho o caminho para chegar-se ao Pai. Os raios do Sol revelam a existncia do Sol, e o Filho, a existncia do Pai; porque o Pai o centro da luz eterna, e o Filho, purssima centelha da divina luz. Os crepsculos precedem ao nascimento do Sol; ao Esprito que a luz, precede outro Esprito, que o crepsculo da luz. Joo Batista o crepsculo de Jesus; o maior dos profetas precede ao maior dos enviados. Jamais nasceu da mulher um profeta maior que Joo; tambm nenhum foi mais amado do Pai que Jesus, o Cristo.

Joo batiza os homens na gua, E Jesus no Esprito rito e o batismo de Jesus e a vida do Esprito porque seu batismo a palavra e as palavras de Jesus so Esprito e a vida Por isso, o que estuda as suas palavras em Esprito, ver a salvao e receber a vida eterna." XVI "Falo Humanidade. Se algum pronunciar a palavra impossvel! direi insensato! . . . Desconheces absolutamente as causas; vs e no sabes por que vs; ouves e no sabes por que ouves; e pretendes marcar limites s causas? A inteligncia do homem um efeito, e a sua ao no pode elevar-se acima dos efeitos. Deus a nica causa de tudo. Os homens e os Espritos falam de Deus, da causa de tudo; mas, quem dentre eles j o viu? Qual deles conhece a causa de tudo? Nunca digais: - impossvel! Essa palavra exprime a ignorncia, o orgulho da ignorncia. Se algum disser: no crvel que Joo nos possa transmitir a palavra de luz, seno por intermdio de criaturas perfeitssimas, perguntareis: quem so os que nos trazem a palavra de Joo, que a palavra de luz? E, quem sois vs que julgais? Est escrito que o que julga, em seu prprio juzo fica julgado.

J vistes o corao do nosso irmo? Nem mesmo o corao que est dentro da vossa alma, no vistes ainda, e quereis penetrar na alma do vosso irmo! Lembrai-vos do publicano, e no vos esqueais do fariseu. O que diz "Quem este?" - patenteia um julgamento do seu corao, e no seu julgamento est o seu galardo. No digais, portanto, a respeito do que eu afirmo: impossvel, incrvel, se no quiserdes chamar sobre vs o juzo do orgulho. Recebei as obras de Deus, e estudai-as sem procurar-lhes as causas; porque, no estudo das obras de Deus, achareis a sabedoria. A lei est em Deus e nele permanecer eternamente. Amo os homens; falo Humanidade. Minhas palavras sero a semente da parbola, e os tempos se aproximam. Eu - Joo." XVII "Ouvi a sua palavra, e recebei a sua luz. Ouvi a palavra de Jesus, o Cristo: Bem-aventurados os pobres de esprito; Bem-aventurados os mansos; Bem-aventurados os que choram; Bem-aventurados os que padecem fome e sede de justia; Bem-aventurados os misericordiosos; Bem-aventurados os pacficos; Bem-aventurados os limpos de corao; Bem-aventurados os que padecem perseguies por amor da justia de suas obras;

Porque o nome deles est escrito no grande livro da vida, e o julgamento est no seu prprio corao e nas suas prprias mos. Deus a fonte da vida - e vs recebestes o dom da vida, princpio da felicidade imortal. Se existis, por Deus que existis; se sentis, por Deus que sentis; se quereis, por Deus que quereis; se amais, por Deus que amais. Amai a Deus acima de toda a criao; porque, se Deus no existisse, a criao no existiria, nem existireis na criao. A Deus, porm, deveis amar em esprito; porque Deus o Esprito e a sua lei a verdade; ele quer que os que o amam, o amem em esprito e em verdade. O nome de Deus deve estar no lugar mais sagrado da vossa alma, porque sobre vs est Deus, como sobre o Sol que vos alumia, como sobre a lei do Universo. Deus o vosso Pai; nas vossas necessidades chamai pelo vosso Pai; e vosso Pai, que conhece as vossas necessidades, responder ao vosso apelo. Ele responder sempre que o chamardes do mago das vossas almas. Se algum vos disser que Deus s ouvem os seus eleitos, perguntai: quem s,o esses eleitos, pois que, no reino de Deus, os primeiros sero os ltimos, e os ltimos sero os primeiros. O Pai distribui igualmente o seu amor, e ouve compassivo os soluos dos pequeninos. O Pai no abandonar o que disser em seu corao: Meu Pai! Todos vs sois filhos de Deus - e Deus nunca exclui um s dos seus filhos.

Aquele que repele o dom de Deus, tem no pecado o seu castigo, e, no renascimento, a sua prova; e s entrar no reino dos cus aquele que triunfar da sua prova no renascimento. J vivestes - e os vossos pais tornaro a viver. Hoje o mundo j pode receber esses ensinos que os mestres em Israel no podiam compreender. H outras coisas, porm, que o mundo ainda no pode receber; mas o Evangelho ser sempre a luz. Quem tiver ouvidos para ouvir, oua. Em verdade, pois, vos digo que muitos, tendo o orgulho nos olhos, no vero, e a soberba nos ouvidos, no ouviro a palavra - e diro: - a obra e o Esprito de Belzebu, como o disseram do filho do homem. Ouvi a palavra: Todos os dias so de Deus, porque Deus fez a sucesso e estabeleceu a luz: por isso, honrai todos os dias o Senhor vosso Deus, e clamai aos seus ps: Pai nosso! Pai nosso! O Senhor ouve as splicas dos aflitos, tanto no sbado, como no domingo. No pergunteis em que dia deveis adorar o Senhor, porque Ele no indaga do dia, quando o chamais: Pai! Pai! Honrai, pois, a Deus todos os dias. Honrai a Deus na mansido, na humildade do corao, na pureza de sentimentos, na caridade e na justia - e glorificaio, cumprindo a sua lei. Guardai essas verdades, e tereis guardado o sbado. Se no sbado os vossos filhos vos pedirem po, buscai o po para vossos filhos - e tereis guardado o sbado. O sbado o dia em que se pratica a virtude; o sbado em que isso no se realiza no sbado.

Eis a palavra de Jesus, o Cristo, no seu primeiro mandamento. Eu - Joo." XVIII "Honrai a vosso pai e a vossa me, aos quais Deus delegou uma parte do seu poder. Eles so uma manifestao visvel da Providncia divina, cuidando das crianas desde o seu nascimento. Se virdes que o vosso pai infringe o preceito e no segue o caminho da virtude - cerrai os olhos e buscai esquecer o pecado do vosso pai, e rogai ao Senhor que apague esse pecado da sua presena. Se o vosso pai for cego - que os vossos olhos sejam os seus alhos; se for tolhido, que os vossos ps sejam os seus ps e que a vossas mos sejam as suas mos; porque deles, por delegao do Pai, recebestes os vossos olhos, as vossas mos e os vossos ps. Nunca digais diante do vosso pai: Existis, porque os vossos pais existiram, antes de vs. Sem eles, onde estaria a vossa alma e o motivo da vossa soberba? Que o nome dos vossos pais esteja sobre a vossa cabea, e pelo nome dos vossos pais sacrificai o vosso. Quando ouvirdes dizer que o vosso pai pecador, defendei o nome dele, e se o pecado subsistir chorai no vosso corao, rogai a Deus por esse pecado e buscai apag-lo da vossa mente - e Deus honrar o vosso nome nos vossos filhos, apagar o vosso pecado da mente deles e dar-vos- o galardo da vida eterna.

Honrai as cs dos velhos. Os cabelos brancos do ancio so o testemunho da madureza do seu juzo, e as rugas do seu semblante so as letras de um livro escrito pelo dedo do Senhor. No desprezeis o conselho do velho, nascido na oficina da sua experincia; o seu saber muitas vezes amargo, mas a sua virtude atua sobre a alma e corrige os sentidos. Honrai os ministros da palavra, que so os distribuidores da luz para aqueles que a no conhecem; porque, aquele que os honra, honra luz e honra Aquele que a enviou. Honrai o Filho na luz, e o Pai no Filho. O que pratica a humildade e fala a sabedoria - o que vive na pobreza de corao e s prega a paz - o que viou, despreza o Filho na luz, e despreza o Pai no Filho. Os ministros da palavra so rvores de vida para os homens, e devem ser conhecidos pelos seus frutos. O que pratica a humildade e fala a sabedoria - o que vive na pobreza de corao e s prega a paz - o que abre a sua mo e o seu seio aos que vivem na humilhao, e diz sem temor a verdade aos poderosos - o que vela enquanto os outros dormem - o que ergue a voz para denunciar o perigo o que tem puro o pensamento e vive nessa pureza de pensamento - o que diz em sua alma: eu no sou digno, esses so os ministros da palavra, e a bno de Deus os segue, porque a palavra deles bno e aplaina os caminhos do Senhor. Nem todos os que dizem: Senhor! Senhor! Senhor! so ministros da palavra, mas sim aqueles que cumprem a vontade do Senhor. Surgiro falsos ministros da palavra, mas os seus caminhos sero obstrudos e o seu julgamento estar nas suas

mos e nos seus ps; porque a rvore da mentira no pode dar frutos da verdade. Diro: abominai os bens do mundo - e a alma deles vive nas riquezas e nas comodidades; aconselharo a humildade e o orgulho lhes reside no corao e nos olhos; diro: sede misericordiosos e caritativos - e na boca se lhes aninham a injria e a maldio, e acumulam o ouro e a prata, afrontando a misria dos outros. Pregaro a mansido - e guardam o dio contra os seus inimigos, considerando-os como obra de zelo pelo Senhor; diro, sede honestos - mas a lascvia domina nos seus desejos, e o adultrio, nos seus leitos. Esses no so os ministros da palavra, mas sim hipcritas, e por isso os seus ensinos so abominveis. Se da sua boca saem palavras de verdade - essa boca indigna da palavra e profana o dom de Deus. Ouvi as suas palavras da verdade, mas conservai-vos alerta e no vos deixeis surpreender pelas .suas intenes. So os sepulcros caiados, de que fala Jesus." XIX "Ouvi a palavra: Amai - amai - amai. A letra : No matareis - o Esprito : Amai. Amai o vosso amigo e o vosso inimigo - amai o rico, o pobre, o menino, o ancio, o santo, o pecador, o homem e a mulher. Eis o Esprito. O que vos ofende, ofende o vosso irmo - e no ofendreis o vosso irmo naquilo que vos no ofende. A

ofensa seria perversidade de corao - e na corao estar o castigo. No se mova a vossa lngua nem a vossa mo, nem o vosso pensamento se levante contra um dos vossos irmos. Deixai nas mos de Deus as ofensas que vos faam - e s movais as vossas para a misericrdia. Aquele que em pensamento ofende o seu irmo, consuma uma ofensa aos olhos de Deus, porque o pensamento obra do seu esprito, e seu alimento o filho da sua concepo. O que infringe a lei, sem danificar o seu irmo, pode purificar-se pela expiao; mas, ao que ofende a seu irmo, so necessrias expiao e a reparao. Se a ofensa foi feita em pensamento, a reparao tambm o ser; se foi por palavra, ser por palavra; se foi por obras, ser por obras. Ningum ser justificado da ofensa feita ao seu irmo, enquanto subsistir o dano e no estiver saldada a dvida contrada. O juiz da lei condenar o devedor ao crcere, donde s sair quando tiver pago o ltimo ceitil da sua dvida. Todos vs sois irmos; no h um s de vs que no seja filho do Pai, como Jesus o disse. Amai-vos, pois, uns aos outros com amor de irmos, se quereis que o Pai celeste vos ame, como a filhos. Se virdes que o vosso irmo tem fome e sede, e comerdes e beberdes sem vos lembrardes da fome e da sede do vosso irmo, no sereis filhos do Pai celestial, e padecereis fome e sede. Se virdes nudez em vosso irmo, e tiverdes uma tnica e no a rasgardes para cobrir a sua nudez, no sereis filhos do Pai celestial, e sereis desnudados; porque, o po, a gua e

o linho so dons de Deus para todos os filhos do seu amor - e o que monopoliza esses dons, em prejuzo do seu irmo, um ladro e frustra o amor do Pai e a sua providncia. No se ria o vosso corao, quando o corao do vosso irmo chorar; juntai as vossas lgrimas s dele - e os anjos do Senhor recolhero as vossas lgrimas e o Juiz da lei escrever com elas o julgamento dos vossos pecados. Fazei ao vosso irmo todo o bem que estiver nas vossas mos, mas por amor do bem e no com a vista no prmio; porque, se obrardes esperando a recompensa, vosso corao indigno da obra e do prmio da obra. O prmio das obras perecvel, mas a recompensa do corao nunca morrer. O bem que fizerdes a vosso irmo, fazei-o em silncio, e que a vossa mo esquerda ignore o que faz a direita; pois o bem que se faz, ao som de trombeta, no nasce da caridade, mas do orgulho do corao. Aquele que entende que h mrito no bem produzido por suas mos, est longe da perfeio de Esprito; porque o bem a lei do Esprito, e o homem que assim obra, nada mais faz que cumprir a lei. No dividais, no corao, os vossos irmos em bons e maus; porque Deus faz brilhar o Sol para o culpado e para o justo. Todos cabem no amor do Pai - e no sois o juiz dos vossos irmos. Qual dos vossos irmos justo? qual o pecador? J vistes as suas almas? No faais portanto seleo entre eles. Quem julga os outros, provoca com o seu orgulho o julgamento dos seus pecados.

Outro mandamento tenho para dar-vos: Perdoai aos que vos ofenderem e dai sempre o bem pelo mal - essa a perfeio na caridade. O que d o bem pelo bem, obra como costumam fazer os pecadores e os mpios que procedem segundo a carne; mas, aquele que ama o seu inimigo e lhe faz o bem em troca das ofensas, obra contra a carne e imita os anjos do Senhor. Ouvi a sua palavra e recebei a sua luz. Guardai a palavra de Jesus Cristo. Eu - Joo." XX "Jesus fazia muitos prodgios em testemunho da verdade das suas doutrinas, porque, do seu corpo, saa a virtude que curava as enfermidades do corpo, e da sua boca e dos seus olhos saa a luz que sarava os males do esprito. Por isso, todos o seguiam em multido e procuravam ouvir a sua voz e abrigar-se sombra do seu corpo. Quem esse profeta? diziam. Ser o verdadeiro Messias que o Deus de nossos pais prometeu a Abrao, a Isaac e a Jacob? e alguns queriam ador-lo. Os sacerdotes, porm, os prncipes dos sacerdotes e os fariseus diziam: Ele obra pelo Esprito de Belzebu; porque a sua palavra condenava a soberba dos doutores da lei e o seu fausto; e resolveram mat-lo. Por isso, escandalizavam-se com os prodgios que ele fazia no dia de sbado, e concitavam as turbas contra ele, alegando o seu zelo pela lei e o seu amor a Csar.

Por isso, e pela iniqidade dos seus coraes, Jesus dizia aos discpulos: Se a vossa justia no for maior que a dos escribas e fariseus, no entrareis no reino do meu Pai. Mas, estava escrito que o Cristo havia de morrer em confirmao da palavra proftica e para redeno de todos. Ele no o ignorava; humilhava-se vontade do Pai e queria morrer em testemunho da luz do Pai, a fim de que todos os homens fossem salvos. Orou no horto em companhia de alguns de seus discpulos, e, depois de orar, foi preso pelos soldados; porque Judas, um dos doze, o havia vendido aos sacerdotes pelo dinheiro e com a malcia do seu corao. Depuseram contra ele testemunhas falsas - e no encontraram motivo para mat-lo. Mas, as profecias tinham de ser cumpridas; e, em seu cumprimento, foi ele carregado de oprbrio e de dores pela iniqidade dos homens, e erguido em uma cruz entre dois homens infames. Expirou na cruz, perdoando aos seus verdugos e encomendando o seu esprito ao Pai." XXI "No choreis a morte de Jesus: regozijai-vos antes, pois Jesus no morreu. A sua morte foi o sono da justia e a ressurreio gloriosa, do Filho, no seio da felicidade do Pai. A sua vida foi vida para os vivos - e a sua morte foi vida para os vivos e para os mortos; porque o Esprito purssimo de Jesus, ao abandonar o corpo, levou a palavra da redeno aos Espritos que, por seus pecados, estavam no crcere; e a palavra de caridade, aos Espritos de justia, para que uns e

outros buscassem o cumprimento da lei e fizessem, os primeiros, obras de redeno, e, os segundos, obras de glria. Por isso, disse o Apstolo que o Evangelho tambm foi pregado aos mortos. Depois de trs dias o corpo de Jesus desapareceu das vistas dos homens, e no foi mais achado sobre a Terra, mas os discpulos o viram no seu corpo espiritual, ou viram a sua voz e puderam toc-lo com as suas mos; porque vacilavam na sua f e no acreditavam ainda firmemente na revelao do Cristo, nem na ressurreio espiritual. Ainda depois de o terem visto e tocado, eles temiam e no confessavam; e continuavam a temer e a no confess-lo at que a verdade penetrasse nas nvoas do seu entendimento e o Esprito do Senhor inflamasse os seus coraes na f. Ainda pela terceira vez, e eu com eles, viram o Esprito de Jesus e ouviram a sua palavra. E essa palavra era de paz e caridade, como quando ele vivia entre ns e falava ao povo. Encarregou os Apstolos da prdica do Evangelho e de batizarem os homens no seu nome e no da sua doutrina; no na gua, como fazia Joo Batista, mas no Esprito, como Jesus, porque, o que se faz na carne, carne, e o que se faz no esprito, esprito. De novo, em nome e por inspirao de Jesus, recomendo aos pastores o batismo em esprito e em verdade, que o selo dos filhos de Deus. Mas, Jesus prometeu aos apstolos a sua luz e a sua assistncia, e, neles, isso tambm foi prometido a todos os discpulos do Evangelho e filhos de Deus, at consumao do presente sculo e do sculo vindouro; e, envolvendo-os em seu resplendor e no amor da sua inolvidvel e divina vista, ele elevou-se ao Pai.

Testemunhei isso, caros irmos. Eu - Joo." XXII "Depois disso, os discpulos, em cumprimento da palavra e da vontade de Jesus, foram e pregaram a todos o que tinham ouvido do Mestre. O Esprito de Jesus estava nas palavras deles e o que diziam era sabedoria e caridade. O fogo da palavra e a sabedoria inflamavam os coraes fracos e confundiam a sabedoria dos mestres; e muitos acreditavam no Senhor Jesus e adoravam em presena do Deus do Senhor Jesus. Os crentes foram batizados na gua, que era a figura do batismo do esprito na f. O batismo da gua, porm, intil e no tem virtude, sem o batismo no esprito, que tudo, como o atesta Paulo, falando da circunciso do prepcio. A palavra de Jesus, porm, era spera para os poderosos do mundo e feria os coraes ensoberbecidos; e o Cristianismo nasceu e levantou-se sobre rios de lgrimas e lagos de sangue, porque os potentados do mundo e os demnios pretendiam fazer abortar a semente e destruir o Esprito de Jesus; mas a semente multiplicava-se com o sangue derramado e o Esprito soprava aqui e ali, e era o Esprito de Jesus; e os potentados do mundo e os demnios da Terra foram vencidos, porque o Esprito de Jesus assenhoreou-se dos palcios e das cabanas. Soou, porm, a hora. Ai dos vencedores! as nuvens cobrem o firmamento e o Sol se obscurece; porque a

humildade, que o Esprito do Cristo, se esconde e o orgulho da vitria aparece; porque a caridade, que o Esprito do Cristo, retira-se do corao, no qual penetra o sentimento de maldio; porque a pureza do corao, que o Esprito do Cristo, foi escarnecida e as comodidades e o fausto atraem e dominam as vontades dos que se dizem discpulos do Cristo; porque a tolerncia e a mansido, que so o Esprito do Cristo, se afastam diante da invaso da intransigncia e do exclusivismo. No trio do templo, assentou o seu p o esprito de seita e no presbitrio o interesse passou a residir. No seio da igreja universal estabelecida por Jesus, sobre a pedra da f e da caridade, levanta-se outra igreja pequena, firmada no lodo do egosmo e na base da ignorncia. Os indoutos, os hipcritas e os soberbos de sabedoria adulteram para o povo o sentido das Escrituras, do que Pedro j se lamentava, falando das Escrituras e das palavras de Paulo. As guas, em que o povo vinha saciar a sua sede, comearam a correr turvas e lamacentas, porque os doutores da lei no se contentavam com a palavra e com o Esprito do Cristo e juntavam-lhes a sua prpria palavra e o esprito da sua prpria cincia. Essa cincia, porm, era v e corrompia as guas da fonte, porque saa do orgulho das entranhas deles e do seu apego s glrias do mundo e s comodidades, que no da caridade. Olvidaram as palavras do Mestre, que disse que o ltimo seria quem quisesse ser o primeiro de todos, e cada um quis ser o primeiro - e se estabeleceram primeiros, segundos e terceiros entre os doutores, contrariamente ao Esprito de

Jesus - e o ltimo dos doutores acreditou estar acima de todos os outros, que eram do povo. Porm, quando isso aconteceu, o Esprito do Senhor Jesus afastou-se deles. Tudo isso tinha de dar-se, para castigo dos pecados dos homens e cumprimento da misericrdia do Deus de nosso Mestre Jesus Cristo. Ento a igreja pequena, que tinha nascido no seio da igreja, cresceu despropositadamente e derrubou a igreja universal aos olhos da multido; porque a multido julgava que ela era a igreja universal, visto que a igreja universal se tinha retirado do templo, a deixando a igreja pequena dos mercadores. A igreja universal passou ento a ter os seus altares no corao dos filhos do Evangelho, que so os discpulos do Cristo. Em verdade vos digo que todo aquele que ama a Deus e ama tambm os homens, est na igreja universal estabelecida por Jesus, como ele o disse, e no aquele que foi batizado na gua e no ama em seu Esprito. Nesse tempo, os doutores pensavam mais na vida do corpo e nos gozos que na do Esprito, e construam palcios para os seus corpos; tinham fartura de po, de vinho e de mel, e havia pobres; viviam no fausto, ao lado dos homens que choravam. E enganavam o povo, dizendo ser isso o Evangelho. Juntaram mandamentos seus aos mandamentos de Deus e fizeram muitos mandamentos, dizendo que isso era o Evangelho e enganando o povo. Seus nomes figuravam entre os nomes dos poderosos e dos dominadores da Terra - e o seu domnio era maior que o domnio dos prncipes; porque eles dominavam sobre a

vontade dos homens - e seus mandamentos tinham mais em vista esse domnio que a caridade. Alguns cingiram a espada que mata e os demais no condenaram os que cingiram a espada; antes, nos seus coraes ou nas suas palavras, aplaudiram-nos. E houve guerras por causa deles e irmos se levantaram contra irmos, por culpa da sua ambio. Quando isso acontecia, invocavam o nome do Senhor para a guerra, diziam que a guerra era santa aos olhos de Deus, e afirmavam que tal era o Evangelho, enganando o povo e alguns deles mesmos. Acostumaram-se ao domnio dos homens e cada vez mais foram alargando esse domnio, invadindo o domnio dos prncipes do mundo e o senhorio de Deus sobre as almas, porquanto quiseram julgar as almas - e julgaram-nas, e condenaram-nas. Castigaram os corpos pelos pecados das almas e muitos homens sofreram a morte em nome do Cristo, dizendo eles que isso era o Evangelho, enganando o povo e mesmo a muitos de si prprios, em castigo dos seus pecados e dos pecados dos homens." XXIII "Se ouvirdes dizer que o Evangelho de Jesus a guerra e o derramamento de sangue, eu vos digo em verdade que esse o Evangelho dos rancorosos e vingativos, mas no o de Jesus, que amou os homens e lhes pregou a paz. Se vos disserem que o Evangelho o fausto, as riquezas e as comodidades dos ministros da palavra, eu vos digo em verdade que esse o Evangelho dos mercadores do templo,

mas no o de Jesus, que recomendou aos seus discpulos a pobreza de corao e o desprendimento dos bens da Terra. Se vos disserem que o Evangelho a gua, as mos levantadas ao cu, as pancadas no peito, as formas e o culto externo, eu vos digo em verdade que esse Evangelho o dos hipcritas, mas no o de Jesus, que recomendou o amor e a adorao a Deus em esprito e em verdade. Se vos disserem que o Evangelho a resistncia s leis e aos princpios que governam os povos, eu vos digo em verdade que esse e Evangelho dos rebeldes e ambiciosos, mas no o de Jesus, que mandou dar a Deus o que de Deus, e ao prncipe o que do prncipe. Se vos disserem que o Evangelho a intolerncia, o antema, a perseguio, a violncia e o dio, eu vos digo em verdade que esse o Evangelho da soberba e da ira, mas no o de Jesus, que rogava ao Pai de misericrdia pelos seus mortais inimigos. Tudo isso foi dito ao povo acerca do Evangelho. Por que estranhais que Joo fale assim dos doutores e ministros da palavra? Porventura julgais que Joo venha dissimular e esquecer a verdade, que h de ser o alimento espiritual do povo? Em verdade vos afirmo que vi aquilo que vos digo, e que vos falo em testemunho da verdade; porque o Evangelho a verdade - minhas palavras so verdadeiras, em testemunho do Evangelho de Jesus - e o Evangelho de Jesus o testemunho da verdade das minhas palavras. No estranheis, portanto, que Joo fale assim dos doutores e dos ministros da palavra. Eis o que digo igreja pequena:

Acuso-te de haver deixado atua primitiva caridade, aquele amor que te ensinou o corao de Jesus, e pelo qual ele morreu na ignorncia das gentes, aquele amor purssimo que abandonaste, para conceber o desejo de domnio, e o da perseguio pelo domnio. Fizeste o teu reino neste mundo. Acuso-te de haver abandonado a tua primitiva mansido, aquela mansido com que Jesus falava aos que o insultavam e nele cuspiam - e, deixada essa mansido, te rebelaste contra os prncipes e minaste nas trevas os poderes da Terra. Acuso-te de haveres deixado a tua simplicidade primitiva, aquela com que Jesus chamava a si os pequeninos; deixada quela simplicidade, foste frgil com os poderosos e arrogante com os humildes do infortnio. Acuso-te de haveres deixado o teu primitivo desinteresse, aquele desinteresse com que Jesus falava dos bens da vida, sem nunca pensares no dia de amanh - e, deixado esse desinteresse, buscaste amontoar riquezas, como os que se esquecem da vida do Esprito e s visam s comodidades da carne, e, assim, apagaste a f do corao dos homens que pensam em seu entendimento. Acuso-te de haveres deixado a tua humildade primitiva, aquela humildade com que Jesus se abaixava aos ps dos seus discpulos - e, deixada essa humildade, consentiste que o orgulho se assenhoreasse do teu entendimento, usurpaste as chaves do cu, condenaste, salvaste, e idolatraste a ti mesma, fazendo um deus para o teu prprio entendimento. Igreja pequena! no te maravilhes das palavras de Joo, antes, medita-as e chora - porque j soa a hora, e o tempo chega de surpresa, como o ladro.

Igreja pequena! recorda-te dos teus princpios, dos que esqueceste. Eu, Joo, te digo: Teus dias no sero contados, desde que de ti se separou o Esprito de Jesus at consumao do teu orgulho. Volta a ti; converte-te ao Evangelho de Jesus e pe os teus olhos na misericrdia do Altssimo Senhor, cuja vontade onipotente dispe dos cus e da Terra. No vs que as almas mirram em teu seio, como as plantas privadas de gua? A tua palavra, j no a benfica chuva, nem o orvalho consolador, mas sim o sopro frio do setentrio que gela os coraes. Igreja pequena! que fizeste da sociedade crist? Olha ao redor de ti mesma, e responde. Volve tua primitiva caridade, tua primitiva adorao, tua primitiva mansido, ao desinteresse e humildade dos primeiros tempos do sculo de Jesus Cristo - e o Esprito de Jesus voltar a ti; sers a sua esposa, e ele o teu esposo, como nesses primeiros tempos. Medita e ora - e repelir o demnio do orgulho que te cega o entendimento; porque, ento, conhecers a lei que vem de Deus. No cerre os ouvidos s palavras de Joo, igreja pequena! porque, as palavras de Joo, Joo as escreve, os homens as lero, e elas se fixaro na mente e no corao deles. Dormes, Igreja pequena; desperta! Falo aos homens: Jesus o caminho, a verdade e a vida. Deus a minha ltima palavra. A paz seja convosco, irmos. Eu - Joo."

XXIV "Irmos; volto a vs e vos sado. Volto, como a plida luz do astro da noite que vem a Terra, depois do Sol ter derramado sobre ela torrentes de luz, de fecundidade e de alegria. O resplendor vivificante do sol dos Espritos chegou at vs; bendizei a Deus. Viajor da Terra, quanto me compadeo de ti e quanto te amo! Pobre viajor da Terra! As tuas penas so as minhas tambm; os teus males tambm so os meus, as tuas lgrimas so as minhas, como o teu esforo o esforo da minha alma. Acabo de chegar da Terra e ainda sinto as suas misrias. Pobre irmo, pobre viajor da Terra! O teu trabalho uma felicidade que no conheces e de que duvidas, - e essa dvida te lacera a alma. Quanto sofres, caro irmo, pobre irmo!... Mas, ah! Volve os teus olhos para mim. Tambm o meu trabalho a felicidade, mas uma felicidade que o meu esprito vislumbrou, verdadeira, como verdadeiro o Sol que brilha todos os dias sobre ti. E eu podia ter conquistado essa felicidade!... Estava ao alcance da minha mo... Um pequeno esforo, e seria minha!... Sim... seria minha!... seria minha! E no fiz esse pequeno esforo! Lamentai-me, como eu vos lamento, caros irmos! Bastava-me amar!... e no amei, como devia.

Permiti, porm, que o meu pobre esprito, a seu turno, reflita sobre vs a pouca luz que pode receber das estrelas que brilham na profundeza dos cus. Tambm a Lua alegra o corao do pobre viajor que atravessa de noite as solides da Terra! Viajores da Terra, quo dignos sois de compaixo! Viajais nas trevas, e no vedes o caminho em que assentais os ps. Sem os astros que a Onipotente Mo derramou no seio do Universo, a Terra permaneceria eternamente abismada na obscuridade e no silncio; e sem o calor e a luz dos Espritos que vm cumprir a vontade do Altssimo e os decretos da sua misericrdia, a Humanidade continuaria ainda hoje nas trevas da sua infncia. Meu Deus! sei que chegais at ao mais ntimo dos meus sentimentos: vede que j amo; Deus meu... no me abandoneis. Fazei aumentar o meu amor, Deus da minha alma, pois quero amar, e s amar. Vedes o meu desejo, irmo? Ah! sim, vedes: mas no podeis senti-lo, como eu, porque ele meu; porque eu o mereci e no vs; porque o sofrimento que eu mesmo fiz nascer com a minha liberdade. Entretanto, uma esperana consoladora alenta e fortalece a minha alma: no vi essa felicidade para perd-la para sempre; porque Deus Deus. Vi Joo submergir-se nesse plago de felicidade, e ainda ouo as suas palavras de amor e de esperana. Ama e espera, como eu amo e espero, pobre irmo, pobre viajor da Terra!..." XXV

"H deveres reais, verdadeiros, inescusveis, disse-o eu ainda h pouco tempo, e disse-o quando ainda vivia entre vs. Mas, vs o sabeis sem que eu vo-lo diga, porque sabemno todos os que pensam e sentem. Tambm sabeis que o dever a lei imposta pela sabedoria de Deus aos espritos livres. O cumprimento dessa lei o cumprimento da vontade soberana, o lao de unio e de atrao entre o Criador e a criatura racional. O dever , pois, a religio. Existindo, como existe, o verdadeiro dever, necessariamente tambm existe a verdadeira religio; de outra sorte, a religio no seria o dever ou a lei emanada de Deus sobre o esprito livre. Qual ser a verdadeira religio? Antes, porm, permiti-me outra pergunta: Qual ser a melhor das religies? Em absoluto, a melhor das religies a religio verdadeira; mas o absoluto est fora da capacidade humana. O homem pode definir a religio verdadeira, dizendo que ela , em absoluto, o cumprimento do dever, o cumprimento da lei; mas, nem o homem, nem os Espritos podem abraar a lei absoluta do dever. O dever aumenta e estende os seus limites com o progresso e a felicidade. A vossa inteligncia invade cada dia novos horizontes; mas, medida que ela se desenvolve, a vossa responsabilidade aumenta e as leis do dever se acrisolam. A religio , por conseqncia, progressiva, como o o dever, que constitui a sua essncia; e a melhor das religies

a que melhor promove o cumprimento do dever. Em relao ao homem, a melhor das religies a religio verdadeira. A religio verdadeira o Cristianismo, porque a nica que dirige a Humanidade pelo caminho reto do dever. A palavra de Jesus, em alguns sculos, realizou progressos que nunca, seriam realizados pela virtude de todas as outras religies reunidas. H manchas que parecem empanar a religio do Cristo; mas estas procedem das formas que pertencem aos homens, e no do princpio divino que a alma da religio crist. A religio de Roma no a religio do Cristo; porque o dever que Roma prega no o dever verdadeiramente cristo. O dever, na boca do Filho do homem, o amor na liberdade; porque, sem a liberdade, impossvel o amor; e Roma condena a liberdade e exclui do amor de Deus os que no aceitam os ensinos dela. Recordai-vos de Jesus e das catacumbas; meditai, comparai e julgai. Jesus oferece a sua vida em holocausto pela salvao de todos os homens e recomenda a caridade, que o amor a Deus e ao prximo, sem excluso de publicamos e de gentios. Os cristos dos primeiros dias, escarnecidos, humilhados, vilipendiados e perseguidos como animais daninhos, como ces hidrfobos, cuja vida estava merc de todos, renem-se debaixo do solo para chorar juntos a imensidade do seu infortnio. E do fundo das catacumbas se eleva um piedoso murmrio de adorao que, penetrando e atravessando a Terra e o espao, chega como uma nuvem de incenso at ao trono do Altssimo. Um clamor unnime sai de todas as oraes, e uma mesma palavra pronunciam todos os lbios: Liberdade. Liberdade para adorar a Deus ao meiodia, luz do Sol; liberdade para se reunirem e praticarem o

amor, sem receio dos insultos da populaa e do dio dos tiranos. Recordai-vos de Jesus e das catacumbas - e julgai se a religio de Roma a religio de Jesus Cristo, se o antema e o exclusivismo so o amor e a liberdade. O dever, na boca do Filho do homem, a paz; porque, sem ela, no ha liberdade, e sem paz e liberdade no possvel o amor. E Roma intenta contra a paz dos povos, quando a guerra satisfaz as suas aspiraes de predomnio moral ou material. A guerra no est no Evangelho, meus irmos. A morte paira neste momento ao redor de vs. (39)
(39) Estas linhas foram escritas a 28 de maro de 1871.

A discrdia agita o seu repugnante archote e ateia nos coraes, nos coraes criados para o amor, o dio e a vingana. O ferro e o fogo so os emissrios da morte e os homens sucumbem aos milhares, e a maldio a ltima palavra arrojada pelos seus lbios nas ltimas convulses. Todos os ouvidos esto aguardando a infausta nova; todos os nimos esto cheios de ansiedade e de sobressaltos. Os ecos e o fragor do combate voam do Ocidente ao Oriente e penetram na cidade dos Csares e dos Papas. Tambm ali h coraes que palpitam de emoo, esperando o desenlace do trgico drama que se desenrola aos vossos olhos. Mas ah! aqueles coraes no palpitam de amor, mas sim de ansiedade; desejam a glria de uns e a derrota de outros, ainda que nessa derrota milhares de famlias tenham de verter lgrimas de sangue, de desespero e de infortnio. Uns arvoram o estandarte do progresso; os outros escrevem na sua bandeira o santo nome de Deus. E eis a o nome de Deus, nome que os lbios no deviam pronunciar

seno para vener-lo e abeno-lo; no entanto, apresentado como uma senha de dio e de guerra na bandeira arvorada pela ambio e pelo fanatismo religioso. Abatei esse estandarte profanado, apagai dele o nome cem vezes sagrado do Altssimo! Julgais que impunemente se pode brincar com o que h de mais santo na Terra e nos cus? Irmos! Lembrai-vos de Jesus, e, fixando a vossa ateno na guerra abominvel que enche os coraes de luto e a terra de cadveres, dizei-me se o dever, se a paz, se o amor, se a liberdade e se a religio de Roma so o dever, a paz, o amor, a liberdade e a religio de Jesus, o verdadeiro Cristianismo. Mas as horas esto prestes a soar; j se escapam os ltimos gros de areia da ampulheta que assinala o tempo da existncia da igreja, a que Joo chamou igreja pequena. E essa igreja morre nas suas prprias mos, por causa da perturbao que produziu nas entranhas dos organismos sociais. Quis fazer da sua religio uma bandeira poltica, e morre s mos da poltica. Perturbou as crenas para melhor e mais facilmente dominar os povos, e morre por causa da perturbao das crenas. Em sua agonia, fomenta rebelies nos Estados que sacudiram o seu pesado jugo, e ateia o fogo da guerra para prolongar por mais um minuto o seu domnio temporal; e as rebelies e a guerra apressam a terminao desse domnio. O instante supremo se avizinha, no o duvideis; mais um momento, e a igreja pequena no ser mais para os homens seno triste recordao. Assim suceder, porque preciso que suceda; do contrrio, a Humanidade estaria irremissivelmente perdida, e

Deus no pode permitir que a Humanidade se afunde para sempre no abismo. No sabeis quo nfima j a igreja pequena dos mercadores, porque no vos dado esquadrinhar o corao dos homens. Sab-lo-eis no dia em que se resolvam a falar muitos, muitssimos dos que hoje choram em silncio as abominaes religiosas. considervel o nmero dos que choram e so ainda contados no seio da igreja pequena. Eles buscam a igreja universal, e, como no a vem, choram em silncio e esperam. Surja uma pequena rstia de luz e eles correro para as portas da igreja universal. A decadncia da igreja pequena no vem de hoje, nem de ontem; a sua verdadeira decadncia data dos dias em que os seus mandamentos comearam a visar ao domnio e o interesse. Ela foi esttua de Nabucodonosor; comeou por ser de ouro no regao da igreja universal estabelecida pelo Cristo, e acabou por ser de barro nas mos dos homens. A esttua de Nabucodonosor a imagem de todas as instituies puramente humanas; e a igreja pequena j no mais que uma instituio talhada em moldes puramente humanos. Mas as molas que sustentavam e conservavam a igreja pequena, desde que o Esprito de Jesus a abandonou, j perderam toda a sua fora; e a instituio humana, a igreja dos hipcritas e dos mercadores, abate-se sob o peso dos prprios mandamentos e erros, ao alvorecer da luz da liberdade e do dia da emancipao das conscincias.

A pedra que h de derrubar e reduzir a p a esttua de barro, j se desprendeu do cimo da montanha e desce com mpeto soberano, impelida pelos mensageiros do Altssimo. Ai de quem buscar conter-lhe o mpeto. Apartai-vos. No vedes que ela vem movida pela vontade de Deus?" XXVI "Os grandes acontecimentos so sempre precedidos de anncios ou sinais para fixar a ateno dos homens na importncia do fato que vai realizar-se, a fim de despertar os que dormem. O fim da igreja pequena um acontecimento solene, o mais solene e importante de quantos a Humanidade tem presenciado; porque o fim da Igreja de Roma o comeo da igreja universal e o estabelecimento da doutrina de Jesus no entendimento e no corao dos pobres desterrados da Terra. Os sculos vindouros saudaro com jbilo essa jornada, com o jbilo com que saudais a encarnao e a memria do Cristo. Por isso, o fim da igreja pequena, que o comeo da igreja universal, vem precedido de sinais maravilhosos, que vereis multiplicar-se medida que os tempos avancem. E os tempos se precipitam, porque tudo conspira para isso, mesmo aquilo que parece aos homens empecilhos ou obstculos. O sinal que precede ao fim da igreja pequena e ao comeo da igreja universal o ensino manifesto dos Espritos, derramado com maravilhosa e misericordiosa profuso, de um a outro extremo da Terra.

E o ensino dos Espritos vem, porque absolutamente necessrio; pois tal o vcuo que h nas crenas, que a Humanidade no poderia despertar sem esse auxlio superior. Antes, porm, do fim da igreja pequena de Roma e do comeo da igreja universal de Jesus Cristo, vereis ainda outro sinal: Ouvir-se- uma voz que soar por toda parte. Recordai-vos do Esprito de Verdade prometido por Jesus Cristo - e esperai-o despertos e preparados. Os pobres filhos dos homens, os infelizes viajores da Terra, ouviro essa voz suave e atraente, como o murmrio da brisa e como o perfume da flor, e vero o cu aberto, porque os seus coraes se abriro esperana e f. Esses tempos vm pertos; podeis pressenti-los, podeis v-los, porque esto no vosso horizonte. O Sol aparece obscurecido aos vossos olhos; algumas nuvens vos impedem de ver todo o esplendor da luz; mas essas nuvens sero varridas por uma vontade soberana, e a verdade brilhar em toda a sua pureza. Mais um momento, e vereis cumpridas estas palavras. Irmos congregados, adorai a Deus. Despeo-me de vs, deixando-vos o esprito de caridade, de humildade e de adorao do nosso Mestre Jesus Cristo. A paz seja convosco e com todos os homens. Lamennais." (40)
(40) Somos muito pequenos e conhecemos a nossa pequenez para nos aventurarmos a acrescentar a esta comunicao algum comentrio; portanto, deixamo-la intactas, ao critrio das pessoas ilustradas.

29 Abril de 1874

"Meus filhos, hoje venho falar-vos pela ltima vez; o meu corao de me, porm, no vos retirar o carinho. O meu amado filho, ao morrer, legou-me os amorosos deveres da maternidade para com os homens, principalmente para com os que choram, e pertenceis a esse nmero. Como me, visitei-vos da primeira vez e dei-vos as flores da minha alma, para que com elas formasse o ramilhete dos vossos deveres, que o sinal dos filhos de Jesus Cristo. Como me, vim segunda vez, e vos alentei e animei, porque tremeis, vacilveis e estveis inclinados a retroceder por temores pueris, pois so pueris todos os temores que se referem unicamente aos bens da Terra. Como me, voltei terceira vez e vos falei da melhor das oraes, para atear em vosso peito a chama da adorao divina e deixar-vos consolados com a esperana de um auxlio superior, atravs dos desalentos e das misrias da vossa peregrinao temporria. Volto como me, uma vez ainda, para dissipar as vossas dvidas em alguns pontos transcendentais para o sossego das almas, e vos dou armas para triunfardes da dvida e defenderdes a verdade. Mas, assim como sou a vossa fiel e amorosa me, deveis ser para mim filhos obedientes, praticando as minhas instrues, encaminhadas vossa felicidade, sem vos esquecerdes de que todas as criaturas humanas so vossos irmos. Dos favores e da luz que recebestes, deveis fazer coparticipantes os demais homens, na medida do vosso poder; do contrrio, repito-vos o que vos disse na minha segunda visita, no faltam nas regies da obscuridade Espritos que deixem de fazer bom uso das luzes especiais recebidas. Vossa me - Maria."

Ao considerar a magnitude e a transcendncia das revelaes que obtnhamos e os nossos escassos merecimentos, compreendemos que no ramos mais que instrumentos providenciais de desgnios superiores, e que a revelao no tinha s por objeto a ilustrao moral do reduzido crculo que a recebia, porm que tambm se estendia para ilustrao e progresso de todos os nossos irmos. O Sol brilha tanto para o judeu como para o gentio, e ningum tem o direito de monopolizar a sua luz. As instrues superiores no desceram at ns para serem monopolizadas; um tesouro que nos foi confiada por breves instantes, um legado precioso que devemos exibir vista de todos, porque a ele todos tm direito. 30 Abril de 1874 "Irmos congregados! Chegastes a,o segundo perodo das vossas excurses no campo da verdade religiosa, do Cristianismo em sua primitiva e celestial pureza. No primeiro perodo estudastes, observastes, enchestes a vossa mente e o vosso corao com as verdades que, como luminosos raios do sol da inteligncia, varreram as nuvens amontoadas no cu das vossas convices, e pudestes alimentar-vos com os sentimentos que nascem e se desenvolvem ao purssimo calor dos dons e das graas do Altssimo. Ditosos sereis, se souberdes aproveitar das riquezas semeadas, sob os vossos passos, no primeiro perodo dos vossos ensaios e estudos religiosos.

Entrastes no segundo perodo, irmos congregados, e venho fazer-vos algumas indicaes, que espero e vos rogo no olvideis: Tendes estudado e observado, e chegado o momento de praticar os vossos estudos. Os bons Espritos vos observam dos mundos da luz; eles foram para vs emissrios da misericrdia do Eterno e esperam ansiosos o vosso progresso e o fruto dos seus desvelos. Obriga-los-eis a arrependerem-se da confiana, que depositaram em vs e a voltar-vos as costas com desprezo? E no somente eles, mas tambm os da Terra, vos seguem com as suas vistas, prontos a julgar pelas vossas obras a bondade das doutrinas que difundis com a palavra. Sois cristos ou no? respondei. Se o sois, no me respondais com a palavra, mas com os vossos sentimentos e com a vossa conduta. Em vo direis que o sois, se as vossas obras desmentirem o que a vossa lngua afirma; porque s passa como verdadeiro cristo aquele que tem o Cristo no corao e trilha as veredas da caridade que o Cristo abriu Humanidade inteira. Em vo ficareis entusiasmados com a leitura das revelaes obtidas, se no traduzirdes o vosso entusiasmo em fatos que se harmonizem com a magnitude das instrues reveladas. Ignorais porventura que os erros da igreja pequena tiveram princpio no falso cristianismo do corao de seus doutores? Assim, se o vosso corao no tiver em mira a caridade e a humildade, sereis abandonados pelo gnio do verdadeiro Cristianismo, que vos cobriu com suas asas; divagareis de novo pelas solides do esprito, castigo das almas frvolas e infecundas para o bem. Cumpre-vos, sobretudo, irmos congregados, no esquecer, antes deveis t-lo constantemente em vista, que o

Espiritismo o prprio Cristianismo, e que tudo o que alheio e contrrio s doutrinas evanglicas, palavra e ao Esprito do Cristo, deve ser alheio e contrrio vossa palavra e ao pensamento que h de guiar-vos, como uma estrela, na segunda jornada dos vossos estudos religiosos. Alheio e contrrio palavra e ao Esprito de Jesus o domnio do orgulho; alheia e contrria a hipocrisia; alheio e contrrio o apego aos prazeres e bens temporrios; alheios e contrrios so o egosmo, a ociosidade, os zelos invejosos, a revolta, o dio e a lisonja; em uma palavra, tudo aquilo que alheio e contrrio aos conselhos e preceitos de uma conscincia s e ilustrada, contrrio e alheio seiva do Cristianismo, e para vs uma rvore de prova e um fruto de proibio. A cena bblica, do paraso repete-se todos os dias; a rvore da cincia no morreu; cresce e estende os seus ramos sobre a Terra; e a serpente enroscada no tronco da rvore, se no no corao de cada um dos homens, convidaos, com os seus mentidos afagos, infrao do preceito. Leio no vosso pensamento, e, discorrendo sobre o maior ou menor preo das minhas palavras, vejo que dizeis convosco: Amor, caridade, simplicidade, adorao, pureza, tudo isso muito bom, mas j o sabamos; era melhor que nos falassem de outros pontos por ns ignorados, de alguma coisa que se refira ao mundo dos Espritos e sua admirvel ao. Para que repetir-nos hoje, amanh e sempre os mesmos conselhos e preceitos? Oh! irmos congregados. Julgais que os Espritos de conselho tenham por misso satisfazer a v curiosidade, o orgulho, o amor-prprio e os caprichos dos homens? No sejais injustos, eu vo-lo rogo, em benefcio de vs mesmos; e, a fim de que julgueis com mais acerto e retido, proponho-

me a falar-vos tambm do formoso, do celestial ministrio dos Espritos de luz. Antes, porm, tenho de falar-vos de outras coisas que vos tocam mais de perto, porque se referem a vs; antes de vos elevardes sobre as nuvens, necessrio que conheais a Terra que os vossos ps pisam e os laos que a ela vos prendem. Eu deixaria de cumprir a misso que me traz ao vosso centro se, oferecendo vossa considerao o belssimo quadro das harmonias celestes, deixasse de mostrar-vos o caminho pelo qual podeis em pouco tempo entrar no gozo dessas venturosas harmonias. Sem o consolador auxlio da Providncia, que nunca. deixa as criaturas abandonadas s suas prprias foras, em vo buscareis elevar-vos sobre as misrias da Terra e sobre o lodo das debilidades humanas: as vossas asas inexperientes se derreteriam ao sopro corrupto e abrasador das paixes engendradas pelo egosmo e pelo orgulho. Uma s palavra explica e sintetiza toda a moral, toda a lei e toda a revelao, desde o comeo do mundo at hoje; a frmula universal do progresso, da virtude e da felicidade o prprio Verbo divino revelado e a luz que sobre os homens ele irradia das alturas do pensamento infinito. Ser preciso citar-vos essa palavra? Julgo que no; porque, sem esforo, ela vos ocorrer a todos; mas, seria melhor, muito melhor que, em vez de t-la escrita na vossa mente, a sentsseis, enchendo o vosso corao e comovendo incessantemente as suas fibras. Pois bem; essa palavra caridade, que todos evocais espontaneamente, sem eu precisar repeti-la, a frmula que so chamados a resolver no segundo perodo dos vossos

estudos religiosos; a caridade prtica,, como no primeiro perodo em que discorrestes, sobre as suas belezas e excelncias, no terreno filosfico. J vos manifestei que o Espiritismo e o Cristianismo so uma mesma coisa; agora vos direi mais que ambas essas palavras significam caridade, sem a qual no h esprito verdadeiramente cristo. Caridade! palavra amorosa, manjar divino das almas puras, dos Espritos de Deus! Os anjos, a pronunci-la, uma suave harmonia enche os cus e uma ditosa corrente de inefveis douras se estabelece entre o slio do Altssimo e a morada dos homens. a escada de Jacob; por ela sobem os ais, os desejos e as preces, - por ela descem, ao corao humano, os consolos, as esperanas e os primeiros crepsculos da felicidade imortal. Mas, ah! Quo diminuto eco acha, no corao do homem, a palavra caridade! Muitos lbios a pronunciam, porm ela no vem do ntimo da alma. Escrita na mente, pronunciam-na com frieza, quando essa palavra devia sair envolta em turbilhes de chamas, porque a caridade o fogo purificador que consome todas as impurezas e imperfeies das criaturas formadas pela soberana vontade. Tende franqueado ao vosso corao o mundo das misrias humanas, vastssimo campo em que podeis e deveis exercitar e desenvolver os germens do amor com que Deus enriqueceu as vossas almas, assim como exercitastes e cultivastes o entendimento no campo das especulaes filosficas. Pensastes e meditastes em matria de religio; agora chegada ocasio de senti-la se no quiserdes ficar responsveis pelos sentimentos recolhidos na primeira jornada da vossa viagem ao mundo da verdade.

A religio antes sentimento, que conhecimento; por isso, vemos muitos ignorantes crendo em Deus e amando-o sem conhec-lo, e muitos sbios que, conhecendo-o at onde pode alcanar a sabedoria humana, no o amam, nem respeitam os decretos da sua soberana vontade. Por isso, o julgamento do primeiro ser bom, visto ter cumprido a lei pela bondade do seu corao; e o julgamento do segundo ser o castigo, porque conheceu a lei do bem e desprezou-a com a frieza e com o orgulho do seu esprito. Nenhum homem condenado por no saber, mas sim por deixar de sentir, porque o livro da sabedoria um livro geralmente fechado; mas o livro do sentimento um livro universalmente aberto. No dado a todos possuir os segredos da Cincia, mas sim as douras do sentimento, cujos tesouros esto vista de todas as criaturas, disseminados no Universo pela mo da misericordiosa Providncia. Desde o rei dos astros, radiante e orgulhoso, at o modesto lampadrio; desde o majestoso cedro que eleva a sua copa ameaando romper as nuvens, at a humilde erva que se alastra no solo; desde a guia at o inseto; desde o leo at o rptil e at o gusano; desde o monarca at o ltimo dos seus servos; desde o palcio da abundncia e do prazer at a choa da misria e da dor; em tudo se vem outras tantas pginas do livro do sentimento, sempre aberto considerao dos mortais. Sois obrigados a sentir. E no vos admireis de que eu chame energicamente a vossa ateno para o sentimento e a sua necessidade, porque, sem ele, sero inteis todos os esforos que empregardes para pertencer ao nmero dos verdadeiros cristos, dos discpulos e imitadores de Jesus, pois ele era toda caridade. Sereis cristos especulativos e

nada mais; rvores sem fruto, que o pai da famlia mandar arrancar, para lan-las ao fogo. O sentimento tudo, e por isso ele est ao alcance de todos. mais que a Cincia, porque a Cincia acha-la-eis entre os mpios e entre os justos; e mais que a filantropia, porque tambm os maus fazem s vezes boas obras. O que realmente sente, faz, se lhe possvel, as obras do sentimento, e mesmo, quando, por lhe no ser possvel, no as faa perante a lei, elas so reputadas como feitas e indicadas justia. Vede, pois, a norma do vosso dever na segunda jornada dos vossos estudos religiosos, que a jornada decisiva do vosso porvir; vede-a e segui-a sem desviar-vos. Oh, irmos. Tremo ao pensar que algum de vs pode ser chamado ao juzo com o gelo no corao, depois das luzes que a onipotente mo do Excelso to profusamente derramou sobre as vossas cabeas. O sentimento o amor, e o amor a lei; vede, portanto, que, para o cumprimento da lei, necessrio, indispensvel, que ameis. O amor cobre a multido dos pecados, porque a chama que purifica e o blsamo que consola. O que ama, pratica. exclusivamente o bem, que a reparao do mal, e a felicidade ser o prmio das suas obras amorosas. Amai, irmos congregados; amai, meus filhos, e no ministrio do amor achareis o ministrio dos Espritos perfeitos. Estes so, pelo amor e para o amor, os mensageiros cumpridores e os guardas da vontade excelsa, dessa vontade eternamente ativa, que a lei da criao, dessa vontade que acende os celestes luzeiros e a inteligncia do homem, dessa vontade que, penetrando todos os seres e todo o espao, infundem por toda parte a fora e multiplica a vida.

Seres de luz, os Espritos puros e perfeitos tm por misso refletir sobre os demais, a luz que recebem do inextinguvel foco da sabedoria de Deus; seres ditosos pelo amor, seu dever a caridade, por cuja virtude se desprenderam de impurezas e imperfeies e se elevaram s moradas felizes onde no se conhecem as misrias da Terra, nem as tormentas do corao, nem as veleidades do esprito; moradas de felicidade sempre perene, porque a felicidade do dever, e o dever est eternamente no seu princpio. Se o dever se esgotasse a, no mesmo momento se acabaria a lei de felicidade. Oh! Que formosssima a misso dos mensageiros do amor e dos Espritos da luz! Pela luz e pelo amor, eles foram glorificados e aspiram constantemente glorificao dos demais pelo amor e pela luz. Com a velocidade do pensamento, circulam sem cessar e sem cansar-se ao redor dos orbes imensos que se movem nos infinitos seios do espao, orbes que vm a ser clulas da colmia universal, em cada uma das quais os Espritos puros vo depositar o mel da sua caridade. O ministrio que, desde a sua elevao, os Espritos de luz exercem, vs podeis, embora em menor escala, exercer igualmente na Terra. Eles vem diante de si a infinidade de mundos que necessitam do seu amor; estais rodeados de uma infinidade de seres, para os quais o orvalho da vossa caridade o progresso, a regenerao, a vida e a felicidade do porvir. Quantas vezes o homem que ama seus irmos exerce a caridade, sem suspeitar que as suas obras na Terra so o preldio de misso espiritual nas regies celestiais! A caridade, irmos congregados, uma rvore cuja raiz est no misterioso e fecundo seio do Criador, e cujos ramos,

carregados de frutos e perfumes, se estendem em todas as direes, derramando benfica sombra sobre as moradas esparsas no Universo, que a casa do Senhor. Dizeis que sois espritas, irmos; bom, eu vos felicito. Sois hoje melhores do que ontem? Sereis amanh melhores do que hoje, e ireis melhorando cada dia? Comove-vos o espetculo da natureza e a contemplao do cu? Derramais lgrimas do corao vista das desditas alheias? Amais, caros irmos, amais? O Espiritismo, que o Cristianismo, que a caridade, permite-me repeti-lo, no se reduz a discorrer e a propagar, mas exige, antes de tudo e sobretudo, o sentimento, que o princpio e a fonte das obras que nos aproximam da perfeio e de Deus. Aquele que se cinge ao conhecimento e prdica das verdades crists, mas sem as sentir nem aplicar, assemelha-se ao que descobriu um abismo e que, no obstante, se precipita nele, apesar de dar aos demais aviso do perigo. Que minhas palavras no sejam para vs um motivo de desalento; demasiado conheo as debilidades da natureza humana, para estranharem as vossas e poder exigir que vos liberteis rapidamente de todas as impurezas. Como poderei exigir de vs o que foi e ainda impossvel para mim. Eu no fao outra coisa seno chamar a vossa vontade e os vossos sentimentos para o bem, mostrar-vos o caminho que juntos temos de percorrer, para nos aproximarmos da idia sempre progressiva da perfeio espiritual. Os anjos do Senhor, esses ditosos seres que bebem o amor em seu divino manancial, e dos quais, como de outras tantas fontes, emana a caridade que rege e fecunda as pobres plantas humanas esparsas pelo Universo, os anjos do Senhor

descerraram aos olhos de minha alma um dos vus que escondiam a luz da verdade, a fim de que eu possa fazer e faa o mesmo convosco. E como vi que a verdade est na virtude e s na virtude, chamei-vos prtica do amor, compndio de todas as virtudes irradiadas do divino foco. Vou terminar, irmos congregados. Sejamos todos, cada dia melhores em Jesus; o seu jugo suave e podem carreglo ainda os mais dbeis e imperfeitos. Tomemos cada um a nossa cruz com resignao e amor, e, subindo assim o Calvrio da expiao, da reparao e da prova, imitaremos a Jesus nos merecimentos, para sermos depois glorificados ao seu lado pela virtude da sua doutrina. Allan Kardec." Eis a misso verdadeiramente sacerdotal, e Allan Kardec , no mundo dos Espritos, um sacerdote modelo, um espelho em que se deviam rever os sacerdotes da Terra. As suas palavras, vazadas no molde da humildade e do amor, chegam alma e avivam a f e a esperana, inspirando santas resolues. Outro seria o estado do Cristianismo no mundo, se os intitulados ministros do Senhor, deixando orgulhosas ostentaes e vs infalibilidades, tivessem falado ao corao e ao entendimento dos homens, como fala Allan Kardec. Nem o indiferentismo, nem o materialismo, as duas enfermidades crnicas das modernas sociedades crists, teriam podido tomar as ameaadoras posies que alcanaram e que to justamente assustam os pensadores. Os erros religiosos engendram a dvida, me do indiferentismo; e o materialismo nasce da negao, filha quase sempre da dvida.

Espritas: esforcemo-nos todos por seguir com vontade resoluta os conselhos que Allan Kardec nos prodigaliza das regies da luz; no nos contentemos em serem cristos especulativos, pois as teorias, sem a prtica, so vaidades e mentiras. Sejamos bons, caritativos e virtuosos, e conquistaremos o mundo para o Evangelho de Jesus. O dardo est lanado, mas o dardo da palavra no mata a incredulidade e o egosmo; indispensvel que as obras e o dardo da virtude estejam em constante atividade. 31 Junho de 1874 "Eu sou Jos, o esposo de Maria e o guarda de Jesus nos primeiros anos da sua vida. Vigiai, irmos. Poucas palavras tenho a dizer-vos, porque a Verdade j desceu em torrentes sobre vs, e agora vos cumpre faz-la frutifica; que no seja isso a semente da parbola derramada entre as pedras. Venho a vs tambm como um testemunho dos favores com que vos distinguiu o Ser Supremo, para darvos a prova da sua misericrdia. Vigiai; porque as provas da misericrdia despertam terrveis responsabilidades. Ai dos indiferentes! ai dos pusilnimes! si dos orgulhosos! ai dos filhos da mulher de Lot!. A prova da misericrdia saltarlhes- ao rosto, e ser a sua vergonha e o seu verme roedor. Vigiai, vigiai. No terreno da teoria e da palavra, cumpris hoje o vosso dever, com a publicao do livro. Dele vos digo que ser um pequeno roedor a parte exclusivamente vossa; mas vos

afirmo que aquela que o fruto da inspirao ser um demolidor poderoso e um regenerador ativo e eficaz. Se pelo estudo e com a palavra cumpristes o vosso dever, falta-vos ainda muito na cultura do sentimento e na reforma do vosso modo de proceder. No sejais insensatos, no desprezeis as repetidas admoestaes, no sejais fracos, e no vos mostreis indiferentes a tanta luz. Quo ditosos podeis ser! Vigiai, vigiai! O livro que ides publicar devido inspirao superior chamada pela vossa iniciativa e pelo vosso estudo. As verdades que ele contm o mundo tinham de sab-las; porque os tempos se avizinham, e, se no fsseis os instrumentos dessas verdades, outros teriam sido indefectivelmente os escolhidos. Dai graas a Deus por terdes sido os chamados, sem quererdes investigar as competentes causas. Duas coisas se tm a considerar no livro: a inspirao espiritual e a interveno humana. A respeito da primeira, cabe-me dizer-vos que toda devida a Espritos de luz e de verdade que vieram a vs em cumprimento especial da sua misso de amor e como fiis instrumentos da prova de misericrdia a que vos sujeitou a sabedoria divina. Na inspirao, fostes ainda mais felizes do que julgais, pois alguns dos Espritos inspiradores recebiam a seu turno a inspirao dos mais elevados pensamentos. A respeito da interveno humana na composio e no fraseado do livro de que vos falo, s vos direi que a guiou um bom desejo e que ela no forma contraste desagradvel com os pensamentos inspirados, devendo acrescentar que, no conjunto, h mais inspirao do que julgais.

No temais as conseqncias da publicao do livro; os Espritos que com a suprema permisso souberam inspirarvos, sabero do mesmo modo dirigir o sucesso pelas sendas convenientes. Dia vir em que abenoareis a publicao do vosso trabalho. Vigiai, irmos; no esqueais que passais por uma prova difcil da misericrdia; pensai nos homens da raa admica. Jos." Suplicamos ao Senhor que nos dispensasse a assistncia dos bons Espritos, sem a qual fraquearia a nossa virtude e falharia a nossa prova de misericrdia, tornando-se assim uma vergonha e um verme roedor para ns. De que nos serviriam, sem o auxlio superior, os bons propsitos que formamos, quando a concupiscncia a cada passo nos perturba com a seduo dos seus afagos? Como a mulher de Lot, voltaramos o rosto aos nossos passados extravios e sucumbiramos sem glria. 32 Maio de 1874 "Meus filhos, o meu Evangelho a lei, e o que esta fora da lei pertence ao Evangelho dos homens. JESUS." A leitura de algumas passagens incompreensveis do Evangelho acabava de ser o tema da nossa conversao, depois da qual, um dos mdiuns do crculo tomou a pena e, sem pretenso de espcie alguma, aguardvamos a inspirao que Deus se dignasse conceder-nos. No ousamos

dizer uma palavra sobre a importncia da inspirao recebida; julguem dela os leitores, j que o respeito probe de nos estendermos em maiores consideraes. Julho de 1874 "Irmos! H entre vs trs classes de adeptos do Espiritismo; e digo trs classes, agrupados os que renem condies similares, pois, realmente, se podia fazer uma classificao mais ampla. H espritas que estudam, crem, procuram progressivamente o melhoramento prprio e desejam a felicidade alheia, a cujo fim encaminham a sua atividade e a sua palavra. Fazem tambm ostentao da sua f e pregamna, sem vacilar, onde quer que se lhes oferea oportunidade ou ocasio. Estes no retrocedero no caminho, porque provaram as primeiras douras da sabedoria, que a felicidade espiritual, e aspiram a maior soma de douras para a vida do seu esprito. H outros, espritas por inclinao e sem estudo, movidos do desejo da verdade, que no achavam em suas primeiras crenas. Confessam sinceramente a sua f, mas essa f ir sendo cada dia mais dbil at apagar-se de todo, se no a firmarem e robustecerem pelo estudo e pela atividade no bem. Correm o risco de retroceder e de perderse. H finalmente os espritas filhos da casualidade e da curiosidade, entendimentos vos e coraes vazios, que se envergonham de confessar ante o mundo uma f que no pde despertar em sua alma a vida do sentimento.

Estes no retrocedero, porque j retrocederam; e, se ainda permanecem entre vs, iro desaparecendo aos poucos. Para outra vez falaremos destas coisas; por hoje basta. 33 Julho de 1874 "Minha vida triste e solitria como a do msero desterrado em regio tenebrosa e despovoado. Estava s, ignorando desde quando comeou o meu insulamento, e chorava de angstia e de temor. Chorava e temia. Agora mesmo ouvi uma voz consoladora que, pela primeira vez, disse: Olha e ouve. Fixei os meus olhos e os meus ouvidos: vi e ouvi a leitura que fazeis, mas de longe, de muito longe. E agora vos falo, e vejo que as minhas palavras atravessam a obscuridade e o espao sem limites que me separam de vs, e vejo-as chegar at vs. Pela primeira vez deixei de chorar, depois de um sofrimento eterno. Quereis ser meus amigos e acompanhar-me? Tremo de novo, porque meus olhos volvem a nublar-se e a obscuridade aumenta. noite; no vos vejo mais. Estou do outro lado de um mar imvel e sem vida. Gritai; fazei que eu oua a vossa voz, caros amigos. Estou s. . . no me abandoneis, irmos. S. . . s. . . triste de mim!. . . S, outra vez... Meu Deus! XXX." "Orai por ele. Foi amigo de um de vs, e todos o conheceis. Orai, mas com fervor. L." 34

Agosto de 1874 "Irmos. Mesmo quando no sejam satisfeitos os vossos desejos, mesmo quando tiverdes motivo para vos lamentardes da apatia e do descuido com que alguns se conduzem, depois de se haverem apresentado como unidos a vs em crena e em vontade, no julgueis com preveno; tende presentes as mximas que pelo Justo foram proferidas para o ensino de todos. O Pastor solcito atende a todas as ovelhas, porm com uma ateno e um cuidado maior s dbeis, pequenas, enfermas e desgarradas. No julgais ordinariamente com a serenidade e a calma de esprito que so indispensveis; quereis ver os demais identificados em pensamento e em obras convosco, mas esqueceis que o crcere que contm os vossos Espritos influi em vs e que ainda no vos transformastes como a vossa razo vos manda, como a caridade vos aconselha e como a vossa regenerao e o progresso moral exigem. No vos impacienteis com o procedimento dos outros empregai, sim, sempre que vos seja possvel, a vossa caridade, procurando chamar ao bom caminho todos os que julgueis transviados. Devo, porque assim o sinto, dar-vos os meus sinceros parabns pelo resultado dos estudos que acabais de publicar. Por ele, torna-se patente que no so infrutferas as vossas reunies fraternais, que so dignos os vossos propsitos, que santa a idia que vos anima, e que, longe, muito longe de serdes o joguete de monstruoso embuste, sois instrumento providencial para a propaganda das doutrinas evanglicas.

Aqui reina a sinceridade; a verdade a nica linguagem possvel aos Espritos que a buscam com perseverana, que a desejam com incessante anelo e que a solicitam continuamente do Ser amoroso que a constitui que a faz emanar. Sede bons e justos. Com fraternal carinho, isso vo-lo deseja o vosso irmo. V." 35 Outubro de 1877 "Irmos! J eu tinha conhecimento dessas coisas e as sentia em minha alma, porm no as chamava Espiritismo, mas sim Cristianismo, porque elas so a justia, o amor e a f, e o Cristianismo, isto , o Evangelho eterno, a alma do Evangelho histrico, a f, o amor e a justia. Esta a religio universal e eterna de todos os mundos e de todos os tempos. Desta religio, que a grande, a nica, a imortal religio, que eu desejo falar-vos. Dei-vos o tema; ajudar-me-eis a desenvolv-lo com a eficcia de um piedoso desejo. Ainda vos no poderei dizer muitas coisas, irmos. Vs o desejais e eu tambm; mas, acima do vosso e dos meus desejos, est a Providncia que ordena as coisas e os sucessos para o maior bem. Da rvore da misericrdia no caem os frutos seno no tempo oportuno. A religio a alma da adorao e da justia; o corpo dessa alma a igreja universal. Religio adorao, justia e amor; Igreja a assemblia dos adoradores, dos justos e dos que amam.

Acreditais possveis, dentro da criao, a existncia de um esprito livre, de um s, estranho em absoluto adorao e justia, desprovido em absoluto do sentimento, do suavssimo sentimento do amor? Se assim fosse, a religio no seria uma lei divina e universal; a igreja tambm no seria uma assemblia universal, divinamente estabelecida. E, no sendo isso possvel, no h criatura livre, absolutamente emancipada da lei do amor e de justia; portanto, nenhuma criatura est em absoluto fora da igreja e, assim sendo, a igreja verdadeiramente universal. Todos os justos, e somente os justos, diz o dogma, pertencero alma da igreja, certo; porm, o dogma exprimiria mais claramente a verdade, se fosse concebido por este modo: Todos os seres livres pertencem alma da igreja, igreja universal. No primeiro caso, o dogma parece conter uma excluso, embora em realidade no a contenha. Examinemos agora o dogma, tal como acabo de defini-lo, isto : Todos os seres livres Pertencem a alma da igreja, igreja universal. Mas, ao examin-lo, compararemos o segundo com o primeiro. S os justos pertencem alma da igreja; mas quais so os justos? Onde comea a justia dos justos, que formam parte da alma da igreja universal? Sero os que possuem a justia em absoluto, ou os que participam dela, mais ou menos, dentro de uma gradao indefinida? S Deus bom, s Deus justo - Jesus o disse. Por conseguinte, se s a justia absoluta pudesse pertencer alma da igreja, Deus, e s Deus, seria o que chamamos igreja universal. No sentido, pois, em que devemos tomar essa

palavra Igreja, no se pode tratar seno de justia progressiva. Assentado isso, que razo pde legitimar uma diviso qualquer, segundo a qual uns Espritos sejam includos na alma da igreja, e outros excludos dela? Que grau de justia ser a medida para essas incluses e excluses? No ser mais justo e racional considerar dentro da alma da igreja todos os seres livres, uma vez que todos sejam relativamente justos? Dentro da alma da igreja, porm, cada esprito no participa dos bens da igreja, seno no grau correspondente da sua justia. Vem na Terra espritos turbulentos e cheios de iniqidades: comparais e dizeis: Como podem esses espritos fazer parte da alma da igreja? Responder-vos-ei que a iniqidade descoberta nesses seres pela vossa e pela minha justia, muito menor que a que existe em ns, se nos compararmos aos seres que esto acima de ns, a uma distncia imensa. Se esses ditosos Espritos nos julgassem por esse modo, poderiam tambm dizer de ns: Como podem essas criaturas inquas fazer parte da alma da igreja? Esse falso conceito da alma da igreja universal na Terra, tem seu princpio ou raiz no falso conceito do bem e do mal, formado pela imensa maioria dos homens. Circunscrevem os seus juzos bondade ou maldade na Terra, e, ainda mais, ao grau particular da cultura espiritual de cada um; portanto, esses julgamentos no podem deixar de ser errneos, porque essa circunscrio de julgamentos equivale a estabelecer como absolutos o bem e o mal terrestre, o que gravssimo erro. Se me falais de um bem, como tal considerado por vs, eu vos falarei do conceito do mal nas conscincias prximas

perfeio, e vereis que o que se julga um mal, est muito acima do que reputais o bem. Se vos referis ao que considereis o mal, eu vos falarei do conceito do bem nas conscincias speras e embrutecidas, muito abaixo ou de pior condio que o mal que as vossas almas abominam na Terra. De tudo isso vereis resultar uma grande verdade que ainda no foi proclamada na conscincia da Humanidade terrena; isto : a alma da igreja divina, da igreja universal, formada por todo o mundo inteligente e livre, sem excees nem excluses. E por que no, se todos os seres livres so filhos do pensamento e da vontade de Deus? Excluireis vs o que Deus no exclui? Em tal caso seria excluir do seu amor s obras da sua divina fecundidade. A conscincia humana , ainda, na Terra, escrava das trevas do erro, e a ignorncia ainda a oprime. Ela confunde o mal com o bem e no forma de Deus uma idia racional e justa. Ainda tem justificativa o atesmo, porque o deus dos que falam de Deus, no est concebido na justia e, portanto, no existe, nem pode ser o ordenador do Universo e o pai da justia. E esse selo de universalidade que a igreja tem, tambm o possui a verdadeira religio. Em que se distingue uma da outra? Em que a igreja, como sabeis, a assemblia dos justos, e em que a religio a justia? Com acerto se podia dizer que a igreja o corpo, e que a religio a alma. A religio um lao de atrao e de aproximao entre Deus e a criatura; atrao da parte do Criador, que a vontade absoluta e eterna; aproximao por parte da criatura racional, que a vontade relativa, subordinada ordem

harmoniosa, estabelecida pela sabedoria suprema que tudo dirige e estimula. Gratry." 36 Maro de 1878 "Quem viu a semente produzir frutos antes de oferecer a delicada flor, em cujo seio o fruto se engendra e vivifica? Essa a lei da natureza fsica e tambm a lei do movimento moral. A gerao de que tanto falou Jesus, chamando-lhe esta gerao, est em seus extremos dias, ao mesmo tempo em que nasce a que tem de substitu-la. Aquela foi gerao da Terra, e esta ser a gerao do Esprito. A terra j produziu todo o fruto que podia dar e, por conseguinte, vai desaparecer a gerao da Terra, isto , a gerao da matria e da forma dentro da idia crist. Se essa gerao no desaparecesse da terrena morada, o Cristianismo, que no pode morrer, por ser a lei infalvel do progresso, seria apagado do entendimento e do corao dos homens. O excesso de materialismo afogaria os germens do esprito vivificante, destinado, pela provida sabedoria de Deus, a engendrar e vivificar a segunda gerao do Evangelho. Essa segunda gerao est nascendo; o pensamento cristo da segunda gerao entra no princpio do seu desenvolvimento, e ainda h de mostrar ao mundo os matizes das suas preciosas flores, antes que a Humanidade possa nutrir-se com os seus saborosos frutos de amor e de justia. Sou vosso irmo Vtor."

37 Outubro de 1877 "Se unirdes todos os vossos desejos em um s, se submeterdes as vossas vontades ao cumprimento da lei de justia e acrescentardes o vosso fervor e por ele a vossa f, esperai tudo da Providncia, que um manancial inesgotvel de harmonias e consolos. O homem pode fazer o que quer, sempre que a sua vontade est com a justia e que confia fervorosamente no amor. Falastes da lei que h de cumprir-se e no valor da orao dentro do cumprimento da lei. Se a lei h de cumprir-se, para que serve orar pelos Espritos que sofrem? Se a lei inquebrantvel, tambm o ser o sofrimento do Esprito. A lei inquebrantvel e iniludvel, certo, e no podemos conceb-la de outro modo; mas quem mediu ou graduou o alcance da lei e a natureza das condies em que tm de cumprir-se os seus preceitos? O erro consiste em pretender-se julgar do cumprimento da lei, sendo a lei desconhecida. Pelo pouco que a conhecemos ou adivinhamos, temos de julgar que, se lei de justia expiao pelas infraes cometidas, tambm em virtude dessa lei que o arrependimento e as boas resolues ho de apressar o restabelecimento da harmonia espiritual, visto serem germens fecundos da salvao das almas. Orai, pois; porque, se a orao no redime, o arrependimento redime e a orao pode despertar o arrependimento. Gratry."

38 Outubro de 1877 "Irmos! Na humanidade terrena no h tanta iniqidade como supondes; o que sucede o seguinte: todos os seus males se exteriorizam e a publicidade e o escndalo os avultam. O homem de hoje melhor que o do sculo passado, muito melhor que o do sculo dcimo da presente era, muitssimo melhor que o dos tempos do Moiss. Nos sculos que j vo longe, era a iniqidade a enfermidade dominante do mundo; hoje, a enfermidade dominante o erro, e o erro enfraquece os homens. Julgais que seja isso um pequeno progresso? Isso nada menos que a fonte e a raiz de todos os progressos que o homem chamado a conquistar na Terra. A perversidade, que no nasce do corao, mas sim do erro do entendimento, no essencialmente perversidade, mas um mal transitrio, porque a causa tem de desaparecer. Apenas a luz da verdade dissipe as sombras do erro, o homem ser bom, porque se esgotou no seu corao a fonte da iniqidade e da injustia. No desanimeis, pois; cobrai nimo e esperai, porque o progresso caminha, caminha e muito rapidamente. Luculus." 39 Outubro de 1877 "Irmos. A Igreja vai crescendo com a luz que enviou aos homens o providencial Amor. Nessa luz estudai a vs mesmos e as vossas obras.

Agostinho." "Essa luz a mesma do Cristo, o Verbo que iluminar todos os Espritos que vm a Terra para cumprir um julgamento. Em verdade vos digo que a Terra no passar sem que primeiro esteja consumada a redeno de todos os homens da Terra. Joo." XII Julgamos suficientes as comunicaes que deixamos copiadas nesta segunda parte, para que o leitor possa, com perfeito conhecimento de causa, falar sobre a utilidade ou inconvenincia dos trabalhos que fizeram objeto do nosso estudo, e da bondade ou maldade das doutrinas que o Espiritismo propaga. Que os detratores do Cristianismo Esprita leiam estas pginas inspiradas pelos Espritos livres, bem como aqueles que o atribuem ao gnio das trevas, e os que, blasonando-se de muito sensatos, lhe chamam loucura ou aberrao do entendimento humano. Leiam-nas todos sem preveno e meditem com juzo imparcial, pois, se assim souberem faz-lo, estamos certos de que viro a ns para alentar-nos e dizer-nos: Contai conosco desde hoje, irmos; as inspiraes espirituais que recebestes no so, no podem ser fruto de inteligncias infernais, nem parto de imaginaes febris, nem mistificao produzida por homens de m-f e de corao corrupto; elas so a expresso da virtude, da verdade e do

sentimento, e nem a virtude pode ser inspirao diablica, nem a verdade pode ser produto da loucura, nem a ternura, nem o sentimento do bem podem ser produzidos por coraes degradados. So as vozes dos pastores chamando as ovelhas extraviadas; so os gritos do dever que vem despertar as conscincias adormecidas no indiferentismo e no erro; o carinhoso apelo do pai que abre os seus braos para neles estreitar os filhos do seu amor, filhos que abandonaram, inexperientes, pelos gozos ilusrios do mundo, a tranqilidade e a grande felicidade que os esperava na morada paterna. O Espiritismo a verdade religiosa, o renascimento do Evangelho, a ressurreio do verdadeiro Cristianismo, , em suma, o amor criatura e a adorao a Deus, princpio e fim da misso do homem na Terra. Tal o conceito que formamos do Espiritismo, depois de submet-lo ao crisol da observao e ao escalpelo da crtica. Em constante vigilncia com o desejo de surpreender qualquer grmen perturbador das conscincias que pudesse ocultar-se no fundo dessas doutrinas, no demos um passo para frente sem ter examinado com escrupulosa ateno o terreno em que amos fixar a misteriosa Planta. Tnhamos ouvido repetir que o Esprito tentador, para melhor seduzir e enganar os que escolhem para alvo das suas tenebrosas investidas, costuma vestir branca tnica da inocncia ou as severas roupagens da virtude; e mesmo, apesar de nos parecer que, em to estreitos e transparentes hbitos, no lhe seria possvel ocultar a sua monstruosa fealdade, vivamos de sobreaviso, dispostos a retroceder e a fugir menor suspeita de maquinao diablica. Felizmente, nossos temores no chegaram a justificar-se; e se no comeo nos haviam cativado as doutrinas espritas por sua moral pura,

persuasiva e elevadssima, achamos depois, nas comunicaes, a sano das teorias e inmeros motivos para agradecer e louvar a Deus pelos inapreciveis tesouros que, por meio das comunicaes espirituais, depositava em nossas mos. A convico e a f penetravam gradualmente em ns, medida que a luz, descendo do Alto, espancava a obscuridade do nosso entendimento e fecundava os germens de bons sentimentos e de virtudes que dormitavam, condenados talvez a perptuo sono, no recndito da nossa alma. gamos e vnhamos do Espiritismo ao Evangelho, e do Evangelho ao Espiritismo; porque, em nosso entender, o Evangelho a divina pedra de toque da religio e da moral, e, quer estudando o Espiritismo como filosofia moral, quer como doutrina religiosa, achamos perfeita conformidade entre os seus ensinos e os do Evangelho. E se, querendo ir mais longe, lamos o Antigo Testamento, o Gnesis, o livro de Tobias, o de Job, os Salmos, os Provrbios, o Eclesiastes, a Sabedoria e todos os Profetas, vamos brilhar a verdade do Cristianismo esprita. Disso se persuadiro os nossos leitores na terceira parte deste livro. Depois do que acabamos de manifestar, quem poder razoavelmente estigmatizar-nos por termos aceitado as crenas do Espiritismo? Se estamos em erro, que nos provem, porm sem nos odiar, nem amaldioar; porque a maldio e o dio, se provam alguma coisa, a ruindade de sentimentos e a ausncia absoluta de razes. No hasteamos bandeira, nem viemos armados em guerra contra algum ou contra qualquer instituio; vamos pacficos em busca da verdade, e se com mais abundncia de luz, que a que apresentamos, nos persuadirem de que a verdade no est

irmanada com as crenas a que abrimos as portas do nosso corao, abandon-la-emos sem vacilao para acariciar as que brotem ao calor benfico do novo Sol. Se algum chegar a supor que escrevemos por dio classe sacerdotal, ns lhe perdoaremos e dele nos compadeceremos; os membros dessa classe so, como os outros homens, nossos irmos, e os amamos a todos. Apodere-se o clero deste livro; estude as comunicaes obtidas em o nosso crculo; discuta sem paixo; lute com armas de boa tmpera, e, se a razo estiver do lado das doutrinas de Roma, voltaremos para Roma, cheios de gratido e amor. Anelamos porventura outra coisa, a no ser a vitria da verdade? Em todos os tempos a Humanidade teve necessidade de inspiraes superiores, e recebeu-as para seguir nas vias do progresso, que a lei constante das obras da Vontade Onipotente. Respondendo a esta necessidade, veio, na infncia da linhagem humana, a revelao primitiva, simples, incompleta e envolta em nebulosidades, tal como a podia receber e compreender a grosseira e materializada inteligncia do homem. Com o desenvolvimento desta e com o percorrer dos sculos, veio mais abundncia de luz, e, assim, harmnica e sucessivamente, a Humanidade foi elevando o seu entendimento e a sua razo, e recebendo em todos os perodos histricos a luz de que podia necessitar, para verem os seus passados extravios e vislumbrar mais serenos horizontes. Esta a instabilidade humana, porm a instabilidade caminhando para a perfeio, saindo do caos para gozar das harmonias que, em abundncia, derramou no Universo a sbia e misericordiosa Providncia.

A lei do progresso l-se em todas as histrias das sociedades humanas e em cada uma das transformaes geolgicas da Terra, desde que ela comeou a girar nos espaos planetrios. O mundo fsico, como o mundo moral, obedece a esta lei; o primeiro, gravitando ao redor do Sol, e o segundo, circulando em virtude da vontade de Deus; ambos descrevendo as suas rbitas e elevando-se sempre no seio do infinito. Em razo dessa lei, a revelao , para as almas, o que a atrao para os corpos; e, como o misterioso centro de ao dos Espritos reside na Suprema Inteligncia, o fato de negar-se o progresso indefinido da criatura racional pela revelao sucessiva, o mesmo que repelir uma verdade sancionada pela filosofia e confirmada pela razo. indubitvel que a revelao existiu desde os primeiros dias do homem, e continuou irradiando sempre com maior intensidade atravs das geraes at vinda do Messias. Comeando pelo Gnesis, na passagem alegrica dos primeiros povoadores da Terra, e acabando pelo Evangelho e pelos Atos dos Apstolos, em todos os livros sagrados v-se a fora providencial da revelao, aumentando com a necessidade dos tempos e cooperando ativamente para o progresso espiritual. A religio estabelecida por Jesus no a religio primitiva; a moral evanglica no a moral dos cdigos mosaicos; s novas necessidades e ao aperfeioamento do Esprito, so necessrios novas luzes e alimento espiritual mais depurado. Assim sendo, que so as comunicaes de que se ocupa o Espiritismo, seno a prpria revelao, a prpria influncia divina imprimindo na Humanidade um movimento acelerado na estrada do progresso? Assim o entendemos, porque assim o julgamos necessrio; nosso dever fazer um apelo aos

nossos irmos e infundir-lhes, se possvel, a f vivificante que restabelece as esperanas e renova as foras do nosso esprito. Poderamos fechar os nossos lbios, quando a conscincia nos manda falar em voz alta? Poderamos ocultar os sentimentos, quando um impulso superior nos move a public-los face de todo mundo? Poderamos guardar as nossas esperanas nos segredos do corao, quando a f e a caridade nos prescrevem faz-los sentir aos demais? Longe de ns to egostico procedimento; arrostamos, se for preciso, o antema, o escrnio e o insulto, porm no queremos nem podemos incorrer na censura da nossa conscincia. Se o clero romano, vencendo a sua habitual intolerncia em matria religiosa, pudesse entregar-se sem animosidade, nem prevenes injustificadas, ao estudo do Espiritismo, no h dvida de que a causa da religio daria em breve tempo um passo agigantado, pela influncia que aquela respeitvel classe desfruta no nimo das sociedades crists. A isso o excitamos com a publicao deste livro. Considere ele que os espritas j se contam por dezenas de milhes dentro da comunho catlica, e que, a cada hora, a cada instante que se passa, sem se demonstrar a sua falsidade, aumenta-se consideravelmente o nmero dos cristos que abandonam o dogma romano, para tomarem assento entre os filhos e defensores do puro Cristianismo. A bandeira desfralda-se vista do mundo civilizado; sua gloriosa sombra nos acolhemos ns, persuadidos de ser ela a mesma que arvorou nas suas prdicas a vtima do farisasmo judaico. Se nos enganamos, se, em vez de bandeira da virtude, for ela um pendo abominvel, o dever do clero confundi-la com o pendo poderoso da verdade e ento ns mesmos estaremos

ao seu lado para abat-la, despeda-la e desprezar os seus fementidos despojos. Ento, e s ento, a classe sacerdotal poder condenar os princpios da escola esprita. Dar-se-, porm, isso? No o cremos, porque o dogma de Roma no pode lutar, no terreno neutro da razo, com a filosofia e com a moral do Evangelho. O que esperamos que a luz abra caminho atravs de todas as resistncias, e que o clero se apodere, em breve tempo, da bandeira que hoje combate, para faz-la tremular aos ventos, com o entusiasmo do nefito e com o vigor do soldado da f.

PARTE TERCEIRA O Espiritismo nos livros sagrados I Preliminares Que livros so esses a que chamam sagrados e que servem de manancial e ponto de partida s crenas e ao culto? Eis a uma pergunta de fcil resposta primeira vista, porm que, no obstante, se presta a srias consideraes filosficas. No penetraremos nesse terreno, porque no-lo veda a ndole do livro que escrevemos; cingir-nos-emos, apenas, a algumas indicaes, que so, a nosso ver, as mais precisas para a inteligncia dos textos bblicos que nos propomos comentar nesta terceira parte. Reconhecido que o progresso das sociedades humanas precisava, para realizar-se, do concurso da Providncia,

causa nica da substncia inteligente e, portanto, do movimento intelectual, tinham de vir, e vieram, em todos os tempos e para todos os povos, inspiraes superiores que, dando satisfao a uma nova necessidade e despertando um novo desejo, levassem ao corao do homem a sano da virtude, o consolo e a esperana. A Humanidade, como a Terra, por si mesma fria e improdutiva, e continuaria perpetuamente na sua esterilidade, se no fecundassem no seu seio os temperados beijos do sol e as chuvas benficas. Quando essas inspiraes, esses orvalhos consoladores do esprito, foram necessrias ao progresso particular do indivduo, s o indivduo sentiu a sua influncia; mas, quando, no o indivduo e sim uma parte considervel da grande famlia humana, precisou do impulso providencial para triunfar dos obstculos atravessados no caminho do progresso geral, ento a influncia das inspiraes invadiu tudo, soando em todos os ouvidos e brilhando com resplendor aoS olhos atnitos dos povos. Em cada um desses momentos histricos, um novo marco assinala o caminho percorrido pelo homem. Tal a origem dos livros chamados sagrados, que cada religio guarda. na arca da sua f, como o mais expressivo sinal da sua aliana, com o Supremo Autor do Universo. Livros divinamente inspirados, cdigos de regenerao, monumentos solenes de sabedoria, testemunhos irrecusveis da misericrdia do Altssimo! Escritos com a interveno superior, resplandece neles uma luz divina, que os eleva muito acima das concepes dos homens. Os livros sagrados so o grande depsito dos tesouros de f recolhidos pelos povos na sucesso dos sculos; so a

histria do movimento moral da Humanidade e do desenvolvimento do sentimento religioso; so a misteriosa cadeia da revelao, cujos degraus ligam a Terra ao cu. preciso, porm, considerar, para a devida inteligncia das sagradas escrituras, que a revelao, como a moral, como a f, como o sentimento religioso, como as faculdades humanas, progressiva, e vem satisfazer, em cada uma de suas fases, a uma necessidade espiritual. Por essa razo, ao estudar seu curso, convm tambm fixar a ateno nas necessidades que elas satisfazem, pois essas necessidades satisfeitas so quase sempre a chave para a explicao e a inteligncia dos profundos conceitos e da sentenciosa linguagem da revelao escrita. Convm, ainda, distinguir na revelao escrita o que essencial e o que acidental, a alma e o corpo, o fundo e n forma, o esprito e a letra; o primeiro o resultado da influncia superior, como se dissssemos: o corpo celestial; o segundo o trao indelvel da interveno humana. Figuremos um raio de purssima luz envolto em escuros e densos vapores, e teremos uma imagem da revelao; o raio de luz a inspirao divina, formosa, para e imaculada; a tnica de vapores a palavra e as interpretaes dos homens, nunca bastante desmaterializadas para alcanarem o nvel da divina inspirao. Eis a por que no estudo das sagradas escrituras devemos preferir antes o esprito que a letra, antes o pensamento que as formas; o pensamento o essencial da revelao. A letra mata e o esprito vivifica. Por ter esquecido esta verdade, o cristianismo romano tornou-se uma religio escrava de exterioridades e formas, alheia ao pensamento capital, idia fundamental do verdadeiro Cristianismo.

A revelao existiu desde o princpio da Humanidade; a sua luz para a alma o que a luz sideral para o corpo a vida, o movimento, a salvao e a felicidade. A primeira afirmao da conscincia foi primeira palavra da revelao, chamada lei natural em relao s primeiras pocas do sentimento e do desenvolvimento do raciocnio. Mas, a lei natural, simplssima e incompleta em seu nascimento, multiplicou os seus preceitos medida que se desenvolviam a conscincia e a razo humanas, e, pouco a pouco, de progresso em progresso, chegou o dia em que os homens sentiram a necessidade de ter vista o cdigo moral, cujos mltiplos preceitos esqueciam com facilidade, apegados em demasia, como se achavam, aos prazeres da carne. Desde ento, comea a existncia da revelao escrita e a formao dos primeiros livros destinados a passar, com o carter de sagrados, s pocas vindouras. Esse carter no os livrou, contudo, de serem depois substitudos, reformados ou aumentados com a adjuno de outros que melhor correspondessem s novas necessidades morais dos sculos, ficando os livros primitivos cancelados em tudo o que no estivesse conforme com as prescries e com as doutrinas das ltimas revelaes. Monumentos insignes das civilizaes que passaram, destroos venerandos e eternos do templo primitivo da f, cada uma das suas pedras derrocadas, cada uma das suas paredes fendidas e ameaando runa, uma pgina sagrada da grande histria da civilizao religiosa dos povos. A estas sagradas e imperecveis relquias pertencem os livros da revelao anterior a Jesus Cristo que, compilados, formam o Antigo Testamento, essencialmente modificados nos livros da revelao crist.

Que quer dizer isso? Ser porventura que a origem dos livros sagrados puramente humana e imerecida a autoridade que o mundo lhes atribui? No, certamente, j o dissemos; a sua origem superior e providencial ressalta, se possvel, com mais fora da prpria mutabilidade progressiva das suas doutrinas, sempre suficientes e acomodadas s necessidades morais das geraes. O que isso quer dizer que o homem no possui, nem possuir a verdade absoluta; ele um ser progressivo e perfectvel que sempre girar dentro da instabilidade. O que isso quer dizer que a revelao progride, e dos seus progressos nascem transformao do sentimento religioso e as modificaes da f. Fundamentalmente, a revelao sempre a mesma, porque imutvel a lei de que procede; porm brilha cada dia com um novo esplendor e em horizontes mais dilatados, de conformidade com o progresso espiritual das sociedades humanas. Consideremos a Terra limitada montanha elevadssima, coberta de negras nuvens, quase impenetrveis luz nas camadas inferiores, e a Humanidade, em sua infncia, morando na tenebrosa fralda da montanha, cujo cimo se perde alm das nuvens, alm da atmosfera, alm das zonas etreas, banhadas pelos esplndidos raios de um sol regenerador. A famlia humana agita-se, primeiro, nas trevas; cai e levanta-se; torna a cair e a levantar-se, antes de subir alguns passos pela encosta da montanha e antes de vislumbrar os crepsculos da luz; mas, j os vislumbrou, e eles so o guia dos seus passos, a alegria dos seus olhos e a esperana do seu corao. Sobe e sobe pela montanha, adiantando-se aqui, retrocedendo ali; ora tomando alento para adiantar-se mais, e

ora fixando com horror as suas vistas nos perigos passados. As camadas atmosfricas vo sendo cada vez mais rarefeitas e a luz mais intensa, medida que se faz a ascenso; a luz do Sol, porm, a Humanidade s a ver no seu esplendor, quando terminar a sua peregrinao e chegar ao ditoso cimo, donde, olhando para baixa, v um oceano de trevas, e donde, erguendo os olhos, descobre os intrminos horizontes do infinito. Eis a o homem; eis a a revelao! Esta o purssimo Sol da verdade; mas o homem abismado na ignorncia, nas misrias, nas paixes, nas debilidades e nas torpezas, s pode ver a luz sucessiva e gradualmente, medida que se emancipa das impurezas da matria e se eleva pelas difceis veredas do progresso. Feliz ser ele, se, em cada jornada, feliz a Humanidade, se, em cada uma de suas fases, lograr transpor alguma dessas sombrias zonas que lhe impedem a viso beatfica do sol do amor Fixemos agora as nossas vistas nos monumentos antigos e modernos da revelao, nos livros sagrados do Cristianismo, no Antigo e Novo Testamento, dos quais continuao a revelao que se obtm em nossos dias com as comunicaes espritas. Moiss falou a linguagem do seu tempo; os profetas falaram para os homens com os quais conviviam; Jesus Cristo deixou ainda por dizer muitas coisas, porque o mundo no podia aceit-las; os Espritos espalham hoje com maior clareza as verdades evanglicas, e novos clares iluminaro amanh os passos da Humanidade na sua peregrinao sempre ascendente, em busca da perfeio e da felicidade, pelos merecimentos do dever. O estudo das sagradas letras na atualidade to necessrio como o dos comentrios e interpretaes com que a igreja

oficial pretendeu explic-las, pois, se em pocas passadas puderam dar alguma luz, no presente elas lutam com o senso comum, com a Cincia e com o sentimento verdadeiramente religioso. E indispensvel restaurar o gnio do Cristianismo, cuja decadncia assaz notria, para no se temer a sua prpria runa. Cristianismo fictcio, moral acomodatcia e religio toda de aparncias ocupam o lugar das doutrinas do Cristo, da moral evanglica e da religio do corao. Nela, o amor egosmo, a adorao hipocrisia, a humildade fausto e orgulho; o templo um mercado onde se cotizam e onde se trocam por dinheiro as graas espirituais, nem mais nem menos do que se usa com as mercadorias do comrcio temporal. H monopolizadores da luz e dos bens celestiais, como os h de cereais, de vinhos e de produtos da indstria. At se pretende o monoplio da orao, e estamos ameaados de no poder elevar a Deus as nossas preces, seno por meio de um procurador, previamente pago dos seus direitos, em papel timbrado com o competente selo. To notrios e escandalosos abusos sero autorizados pelo Evangelho e pelos Apstolos? Por certo que no. Volvam todos os cristos os olhos para esses livros e ficar-se- conhecendo o verdadeiro Cristianismo. Se queremos a salvao, busquemo-la na fonte de vida. Leiamos essas pginas inspiradas, at hoje no abandonadas - e veremos que os erros, os abusos, as mistificaes, os absurdos, as falsidades e a fraude no so da revelao, mas dos homens que os acomodaram s suas vistas e ao seu egosmo. Veremos o Cristianismo em sua primitiva pureza - e no acharemos ponto de semelhana

entre o cristo segundo o modelo romano e o discpulo de Jesus, entre os doutores da igreja oficial e os Apstolos. Lede, cristos, lede com os vossos prprios olhos. Acaso devemos ignorar sempre as verdades reveladas? Veremos ainda, se abrirmos as Sagradas Escrituras, que esto nelas sancionadas as doutrinas do Espiritismo, to combatidas e condenadas pela ignorncia e pela malcia dos modernos escribas e fariseus. Como no ser assim, se o Espiritismo exatamente o Cristianismo original, puro, concreto, sem acrscimos nem mandamentos humanos, sem inovaes contrrias s doutrinas do Cristo? Sim, leitores cristos e irmos nossos; se vos escandalizam as afirmaes espritas, escandalizais-vos de Jesus; se perseguis com os vossos antemas e sarcasmos os discpulos do a que chamais nova seita, anatematizais e perseguis os discpulos de Jesus. A loucura esprita a mesma que esteve na mente do Cristo durante a sua prdica; a chama do Espiritismo a mesma que inflamou o amoroso corao do primeiro dos mrtires; idia esprita a mesma que foi propagada pelo Filho do homem, at sel-la com o sacrifcio da sua preciosa vida. Por isso, ns, os espritas, seguindo as pegadas do Mestre, no vacilamos nem tememos; arrostaremos o orgulho e o desprezo dos homens, com a segurana de que o tempo nos dar razo, e de que acabaro por abraar a nossa loucura crist os mesmos que agora com mais empenho a combatem e amaldioam. Se fosse possvel, trasladaramos para aqui integralmente o Antigo e o Novo Testamento, a fim de que no restasse dvida alguma acerca da perfeita conformidade do Espiritismo com a revelao das Escrituras. Como, porm, isso tornaria interminvel a nossa tarefa e far-nos-ia sair dos

limites convenientes ao nosso propsito, que escrever um livro que possa ser manuseado com facilidade, cingir-nosemos nesta terceira parte a recompilar e a comentar os textos bblicos relativos pluralidade dos mundos e das existncias, reencarnao dos Espritos, ao inferno, ao diabo e comunicao espiritual, pois so os pontos doutrinrios fundamentais, que separam o Cristianismo Romano do Cristianismo Esprita, devendo advertir que as citaes que fizemos podero ser verificadas pelos leitores na Sagrada Bblia.

II Pluralidade de mundos e de existncias. Reencarnaes dos Espritos

Aqueles que desejarem fazer um estudo profundo e filosfico dos pontos que so o objeto deste captulo, podem consultar as obras de Flammarion, Pezzani e Allan Kardec, que tratam deles com o desenvolvimento necessrio. Na primeira parte do nosso livro apresentamos ao leitor algumas consideraes acerca dos mesmos pontos, porm ligeiramente e sem desenvolvimentos filosficos, tendo o propsito de dar sucinta idia do Espiritismo como cincia e de manifestar a conformidade dos seus princpios com o sentimento e a razo. Vejamos agora se lhe favorvel opinio da revelao, como foi a da filosofia, e assim as conscincias timoratas se persuadiro de que o Espiritismo,

longe de hostilizar o sentimento religioso, a sua legtima expresso. Abramos o Antigo e o Novo Testamento, os Profetas e os Evangelhos, a revelao primitiva e a revelao crist, e busquemos a verdade, para abra-la e defend-la, em suas inspiradas pginas. Leiamos e meditemos: "Pergunta pois s geraes passadas e examina com cuidado as memrias de nossos pais: Porque somos de ontem e o ignoramos, porquanto os nossos dias passam sobre a Terra como uma sombra." (Job, VIII, 8 e 9.) Job com essas palavras proclama a justia de Deus Se no te recordas de ter na presente vida corporal cometido faltas que te faam merecedor dos sofrimentos que torturam o teu corpo e laceram o teu corao, pergunta-o as geraes passadas, procura investigar se e possvel teres delinqido em outras existncias precedentes, pois somos de ontem, j vivemos em outros tempos, ainda que o tenhamos esquecido, por nos impedir a matria, como uma espessa sombra, a representao do quadro das nossas anteriores existncias. "Crs porventura que um homem morto torne a viver? Todos os dias da presente vida, estou esperando que chegue a minha mudana." (Job, XIV, 14.) Job eleva o seu corao ao Senhor, e a pergunta que lhe dirige a expresso da esperana que ele acalenta no fundo da sua alma. Cr, ou antes, pressente a encarnao - e esse pressentimento d-lhe foras para suportar resignado os trabalhos da sua presente vida, esperando que chegue a sua mudana: outra vida feliz, como resultado da expiao que sofre, ou da prova a que se acha submetido.

"Pois sei que vive o meu Redentor, e que no ltimo dia hei de ressuscitar da Terra; e de novo serei coberto com a minha pele, e na minha carne verei a meu Deus." (Job, XIX, 25 e 26.) O pressentimento da reencarnao se converteu em certeza, quase em evidncia, no nimo de Job; j ele sabe que ressuscitar de novo na Terra, envolto na sua pele e com um corpo carnal, no qual ver a misericrdia do seu Deus concedendo-lhe outra vida de prova para conquistar pelos seus merecimentos um grau mais elevado de felicidade e perfeio. "Quantas vezes ser apagada a luzerna dos mpios e lhes sobrevir inundao e lhes dilaceraro as dores do seu furor?" (Job, XXI, 17.) Os mpios, pertinazes na sua impiedade, vero apagada repetidas vezes luzerna da sua vida, at que se arrependam e se convertam ao Senhor. Voltaro a erraticidade freqentemente, para expiarem pelo remorso as obras do seu inquo corao e renascero na vida do corpo, para reparar os males cometidos em suas anteriores existncias. Morrero uma, outra e outra vez, at que tenham sufocado em sua alma a iniqidade e o desejo de infringir a lei da conscincia e do dever. "Quantas tribulaes penosas me tens feito provar: e, voltando a mim, me tens dado vida, e dos abismos da Terra outra vez me tens tirado. Tens multiplicado a tua magnanimidade, e, voltando a mim, me tens consolado." (Salmos, LXX, 20 e 21.) David, em um momento de inspirao superior, fala das suas passadas existncias, e, recordando as tribulaes

sofridas, entoa hinos de louvor ao Senhor por t-lo feito voltar vida, tirando-o do sepulcro dos abismos da terra. "E passaram os seus dias em coisas vs, e os seus anos com grande fadiga. Quando (o Senhor) os fazia morrer, eles o buscavam, voltavam e se convertiam." (Salmos, LXXVII, 33 e 34.) Os maus, os pecadores endurecidos, viviam na vaidade e a sua vida era apressada e curta. S se lembravam do Senhor depois da morte, e, ento, buscavam-no, e a misericrdia do Pai lhes concedia a volta vida, para que o reconhecessem e adorassem. "Porventura estars sempre irado contra ns e estenders a tua ira de gerao em gerao?. Oh, Deus. Tu, voltando para ns, nos dars vida, e o teu povo se alegrar de ti."(Salmos, LXXXIV, 6 e 7.) O salmista fala a linguagem do pecador arrependido; teme que a indignao do Senhor o persiga atravs de diversas existncias, isto , de gerao em gerao; porm, a esperana renasce logo no seu peito; entrev outra encarnao, outra vida, no de torturas e tribulaes, mas de paz e de felicidade para alegrar-se no Senhor. "Porque a tua misericrdia sobre mim grande, e tiraste a minha alma do inferno inferior." (Salmos, LXXXV, 13.) Eu morava, Senhor, diz David, em outro mundo inferior a este, onde os sofrimentos humanos so maiores; porm, a tua misericrdia grande sobre mim e, compadecido das minhas misrias, tiraste dali a minha alma e me permitiste vir descansar aqui, melhorando a sorte do meu Esprito. "E clamaram ao Senhor, quando se viram atribulados, e Ele livrou-os das suas necessidades. Enviou a sua palavra e

os curou, e livrou-os do que lhes era mortal." (Salmos, CVI, 19 e 20.) Clamaram ao Senhor os pecadores do sepulcro - e Ele compadeceu-se enviando a sua palavra de vida, levantou-os da morte tantas vezes quantas eles recorreram sua misericrdia infinita. "Ai de vs! homens mpios que abandonastes a lei do Senhor Altssimo. Se nascerdes, nascereis em maldio; se morrerdes, a maldio ser a vossa herana." (Eclesistico, XLI, 11 e 12.) Ai de vs que andais na abominao e no pecado! porque, se sois mortos, nascereis trazendo convosco a maldio das vossas obras e, se vivos, morrereis e a vossa memria ser amaldioada. "Porque, eis aqui estou Eu que crio novos cus e nova Terra: no persistiro na memria as primeiras calamidades, nem elas subiro ao corao." (Isaas, LXV, 17.) Isaas pe na boca do prprio Deus a sano da crena esprita acerca da pluralidade dos mundos; a atividade divina no cessa jamais e continua a tirar, do caos, cus novos e terras novas para moradas da grande famlia humana. "Esperana de Israel, Senhor! todos os que te deixam, sero confundidos; os que de ti se retiram, sero escritos sobre a Terra." (Jeremias, XVII, 13.) Os que abandonam a lei do Senhor durante a sua peregrinao pela Terra, na Terra sero escritos, ou, em outros termos, voltaro outra e outra vez a Terra, at que meream pelas suas obras renascer em mundos superiores. "E porei os meus olhos favoravelmente sobre eles, e restitu-los-ei a este pas; edifica-los-ei e no os destruirei; plant-los-ei e no os arrancarei." (Jeremias, XXIV, 6.)

"Porque chegam os dias, diz o Senhor, e f arei com que voltem, os que tenham de voltar do meu povo de Israel e de Jud terra que dei a seus pais - e eles a possuiro." (Jeremias, XXX, 3.) "Com choro viro, mais com misericrdia os tornarei a trazer. E assim como vigiei sobre eles, para desarraigar, demolir, dissipar, arruinar e afligir, do mesmo modo vigiarei sobre eles para edificar e plantar, diz o Senhor." (Jeremias, XXXI, 9 e 28.) "E farei com que voltem os cativos de Jud e os cativos de Jerusalm, e restabelec-los-ei como desde o princpio. Isto diz o Senhor: Neste lugar que dizeis estar deserto, ouvir-se- ainda: Voz de gozo e voz de alegria, pois farei voltar aos que venham da Terra, como no princpio isto diz o Senhor. Tampouco rejeitarei a linguagem de Jacob e de David meu servo, para no tomar da sua gerao prncipes da estirpe de Abrao, de Isaac e de Jacob, porque farei Voltar deles aos que venham, e apiedar-me-ei."(Jeremias, XXXIII, 7, 10, 11 e 26.) Com tanta clareza, o profeta, nesses versculos, fala da reencarnao dos Espritos, que consideramos ocioso qualquer comentrio encaminhado a esclarecer o sentido. Basta a simples exposio dos textos para se compreender que o Senhor, apiedado dos que vo a juzo com impurezas, os faz voltar a Terra, a fim de empreenderem de novo a tarefa do seu aperfeioamento progressivo. "Isto diz o Senhor Deus: Eis a vou eu abrir os vossos tmulos; tirar-vos-ei dos vossos sepulcros e vos introduzirei na terra de Israel.

E sabereis que sou o Senhor, quando eu tiver aberto os vossos sepulcros e vos houver tirado dos vossos tmulos, e tiver infundido o meu esprito em vs, e tiverdes recobrado a vida; e vos farei repousar sobre a vossa terra, e sabereis que sou o Senhor que falou e fez, isto diz o Senhor Deus." (Ezequiel, XXXVII, 12, 13 e 14.) No se pode falar mais claramente da pluralidade das existncias da alma. verdade que ele no frisa a reencarnao, mas parece-lhe que essa pluralidade de existncias se d antes pela ressurreio dos corpos do que pelo renascimento; entretanto, preciso levar em conta que as profecias eram dirigidas a um povo material e ignorante, incapaz de compreender o que lhe no falasse aos sentidos. "Eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o dia grande e horrvel do Senhor." (Malaquias, IV, 5.) "Se puderdes compreender, ele (Joo Batista) o Elias que tinha de vir." (S. Mateus, XI, 14.) "E Jesus falou aos seus discpulos, dizendo: Quem dizem os homens que o Filho do homem? E eles responderam: Uns dizem que Joo Batista, outros que Elias, outros ainda que Jeremias ou algum dos profetas." (S. Mateus, XVI, 13 e 14.) "E Jesus respondeu-lhes: Elias realmente tem de vir; e restabelecer todas as coisas. Mas, eu vos digo que Elias j veio e eles no o conheceram; antes (fizeram com ele tudo o que quiseram. Assim tambm faro padecer ao Filho do homem. E os discpulos compreenderam que se lhes falava de Joo Batista." (S. Mateus, XVII, 11, 12 e 13.) A reencarnao do profeta Elias, vaticinada por Malaquias no versculo citado, vem corroborar de um modo

terminante os textos copiados do Evangelho segundo S. Mateus. Ele , diz Jesus, o Elias que tinha de vir. Querero uma confirmao mais perfeita da pluralidade das existncias da alma, do que a palavra de Jesus? E como se no bastasse essa confirmao categrica, ou talvez com o fim de que os seus discpulos no pudessem conservar nenhuma dvida acerca do cumprimento da referida profecia, o Mestre lhes dirige a palavra em outra ocasio, dizendo: "Elias em verdade h de vir; mas eu vos digo que ele j veio, e o no reconheceram, mas fizeram com ele tudo o que quiseram." Foi ento que os discpulos compreenderam que ele falava de Joo Batista; Jesus, que penetrava nos pensamentos de todos, nada acrescentava a fim de desvanecer neles a idia da reencarnao de Elias na pessoa de Joo, como indubitavelmente o teria feito, caso fosse ela errnea ou contrria verdade. V-se tambm que a crena na reencarnao no era nova entre os judeus e que geralmente a aceitavam e professavam sem reserva. Segundo o que foi respondido pelos discpulos, havia judeus que tomavam Jesus por Joo Batista, outros por Elias, outros por Jeremias ou algum profeta reencarnado. Sem estarem iniciados no conhecimento da reencarnao dos Espritos, como poderiam os judeus suspeitar que a pessoa de Jesus podia ser o Esprito reencarnado de algum dos profetas, mortos tantos anos antes? Por isso, nada h de estranho que os comentadores da Bblia, aferrados crena irracional de uma existncia nica, no tenham podido explicar satisfatoriamente essas e outras passagens bblicas que se referem ao renascimento das almas.

"Eis o testemunho de Joo, quando os judeus lhe enviaram de Jerusalm sacerdotes e levitas para lhe perguntarem: Quem s tu? s Elias Ele disse: No sou. s profeta? Ele respondeu: No." (S. Joo, I, 19 e 21.) Os judeus, assustados com a fama do Batista e iniciados na teoria da reencarnao das almas, enviam de Jerusalm sacerdotes e levitas, homens sbios e versados no conhecimento das escrituras, para indagar qual dos profetas histricos podia ser o homem que falava cheio de esprito proftico. certo que Joo, respondendo aos sacerdotes, afirma no ser Elias, mas isso nada prova contra a reencarnao. Isso faz apenas supor que Joo, como os demais homens, no se recordava das suas existncias anteriores, e s pde afirmar sinceramente que no era Elias, por no se lembrar de hav-lo sido. Somente Jesus podia sab-lo pela sua natureza superior, e, por sab-lo, revelou-o aos seus discpulos quando julgou conveniente, estabelecendo assim um luminoso farol para a ulterior compreenso de vrios pontos obscuros das Sagradas Escrituras. "Havia um homem dos fariseus, chamado Nicodemos, prncipe dos Judeus. Ele veio ter com Jesus, noite, e lhe disse: Rabi, sabemos que s Mestre vindo de Deus, porque ningum, sem estar com Deus, pode fazer os milagres que tu fazes. Jesus, em resposta, disse: Em verdade, em verdade te digo, que s ver o reino de Deus aquele que renascer de novo. Nicodemos replicou: Como pode um homem nascer sendo j velho porventura pode-se voltar ao ventre materno e nascer outra vez? Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em

verdade te digo que no pode entrar no reino de Deus seno aquele que renascer da gua e do esprito santo (41); O que nascido da carne, carne; o que nasceu do esprito, esprito.
(41) O adjetivo santo que segue palavra esprito neste ponto da Bblia, anotada pelo padre Scio, no aparece em outras Bblias, nem de supor que se achasse no original primitivo.

No te maravilhes por eu te dizer que necessrio nasceres outra vez. Nicodemos diz: Como pode isso suceder? E Jesus respondeu: Tu s mestre em Israel, e ignoras essas coisas?" ( S.Joo, III, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9 e 10.) Jesus revela uma vez ainda, falando com Nicodemos, o segredo da pluralidade das existncias e da reencarnao das almas. No somente Elias quem renasce, mas o renascimento necessrio a todos os homens, para se purificarem e alcanarem a felicidade; o renascimento da gua e do esprito, ou por outra, da matria ou carne e da substncia espiritual. Nicodemos, movido pela curiosidade, quer saber da boca do Mestre como se operam as reencarnaes, e contesta com perguntas capciosas as afirmaes de Jesus; mas este, em vez de aclarar as orgulhosas dvidas de Nicodemos e em vez de satisfazer a curiosidade, nico sentimento que impele Nicodemos, repreende-o dizendo: Tu s mestre em Israel, e devias conhecer o sentido das Escrituras; mas parece que desconheces o das minhas palavras e duvidas da verdade do que digo, quando no fao mais do que esclarecer o que est escrito no Antigo Testamento.

"H muitas moradas na casa de meu Pai. Se assim no fosse, eu vo-lo teria dito. Vou preparar o lugar para vs." (S. Joo, XIV, 2.) A casa de Deus o Universo, e as moradas ou habitaes dos homens so a Terra e os demais astros disseminados no Universo pela onipotente mo do Criador. Se assim no fosse, se a nica habitao ou morada do homem fosse a Terra em que habitamos, Jesus t-lo-ia dito aos Apstolos, a fim de que no esperassem melhorar em outro mundo as condies da sua existncia. Os discpulos, estando desanimados, com o receio da prxima separao do seu Mestre, precisam de palavras de consolo, e o corao amoroso de Jesus lhas prodigaliza. - Recuperai a paz e a alegria da alma, diz-lhes ele; no vos perturbeis nem vos deixeis abater, porque vou para meu Pai, pois essa separao no h de ser para sempre. Na casa de meu Pai h muitas moradas, alm da Terra, e nelas nos tornaremos a ver e continuaremos no amor que aqui nos une. No fao mais do que preceder-vos; vau preparar o vosso lugar em outro mundo. "No qual (Cristo) fomos tambm chamados por sorte, predestinados segundo o decreto daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade, para que sejamos em louvor da sua glria, ns que antes havamos esperado no Cristo." (S. Paulo aos Efsios, I, 11 e 12.) O Apstolo parece felicitar-se e felicitar os que, tendo em existncias anteriores, pertencido ao nmero dos que acreditavam e esperam na vinda do Messias, tiveram a sorte de renascer na poca do estabelecimento da igreja crist, para celebrizarem aquele em quem haviam esperado.

"Esperamos, porm, segundo as suas promessas, novos cus e terra nova, nos quais exista a justia." (S. Pedro, II Epstola, III, 13.) Jesus Cristo havia dito aos Apstolos que ia prepararlhes o lugar em alguma das muitas moradas da casa de seu Pai; e Pedro, que no esqueceu a consoladora promessa de Jesus, a recorda aos judeus em segunda epstola, seguramente com o desejo de que, pelas suas virtudes e piedade crist, eles se faam merecedores da terra prometida.

III O inferno no eterno. - O diabo, em pessoa, no existe

Parece incrvel que possa haver, no ltimo tero do sculo dezenove, quem sustente, em nome do Cristianismo, a eternidade das penas do inferno e fale com seriedade da existncia em pessoa do diabo, que tanto prestgio alcanou na Idade Mdia, nos tempos do ferro e das fogueiras, graas ignorncia dos povos e supremacia envolvente e aterradora da classe sacerdotal. Parece incrvel que ainda despeam sinistros fulgores os fornos infernais, alimentados por um dogma anticristo e ateu, e que subsista o preito de homenagem tributado ao aventureiro fantstico que, armado de cornos e coberto de uma escama impenetrvel, guisa de infernal escudo, soube encadear e avassalar pelo terror, durante tantos sculos, os povos que se haviam acolhido sombra da bandeira evanglica. Parece incrvel, e contudo

verdade, que ainda existam homens que, em nome do Cristo, amaldioem a outros homens; que ainda existam homens que, em nome do Cristo, persigam com as suas maldies os mortos e os condenem a brbaros e eternos sofrimentos; que ainda existam homens que levem e tragam, em nome do Cristo, legies de demnios e que os apresentem em batalha, cobertos de armas, contra dbeis e inermes crianas; que, finalmente, ainda existam homens que, em nome do Cristo, apregoem o poder de Satans, arrebatando as ovelhas das mos do Pastor, para conduzi-las ao despenhadeiro do inferno. E esses homens falam em pblico, perante numerosos auditrios, e ningum se atreve a dizer-lhes Irmos, ou no acreditais no que pregais, ou viveis no maior dos erros religiosos. Deixai o enxofre, o alcatro, as tenazes, as caldeiras de chumbo derretido, os cornos e as caudas, porque blasfemais de Deus e profanais a doutrina de Jesus. O Evangelho amor, e vs s falais a linguagem da vingana. Estabeleceis odiosas divises na Terra e nos cus, quando o Evangelho faz todos os homens irmos e iguais no amor de Deus! Oh! pregai a paz e a caridade, como o Cristo vos ensinou; praticai o amor, como o Cristo o praticou ou declarai que no sois sacerdotes da religio crist. No queremos, nem podemos estender-nos aqui em mais consideraes sobre os dogmas do inferno eterno e do diabo. Est transcrita na segunda parte deste livro a importantssima comunicao de Maria, marcada com o n 23, e nela encontrar o leitor o que pode desejar sobre o exame e o estudo crtico desses dois dogmas. E, abrindo aqui de novo as Sagradas Escrituras, vejamos se elas diferem, ou se guardam perfeita conformidade com a revelao de Maria e

as suas afirmaes, no que se refere ao dogma romano do inferno e da existncia do diabo. Eis o que dizem o Antigo e o Novo Testamento: "O Senhor o que tira e d a vida; o que conduz aos infernos e de l tira." (Livro I dos Reis, II, 6.) "E abrindo a sua boca, Tobias, o ancio, louvou ao Senhor, e disse: Grande s, Senhor, para sempre, e o teu reino por todos os sculos; Porque feres e salvas; levas aos infernos e de l tiras, e no h quem escape tua mo." (Tobias, XIII, 1 e 2.) As palavras de Tobias, assim como o versculo transcrito do livro dos Reis, so a negao mais terminante da eternidade das penas do inferno. Quo diferente dos nossos doutores de Roma julgavam os antigos a misericrdia de Deus! Mas era preciso salvar o dogma do naufrgio, e, para isso, o padre Scio, torcendo o sentido claro dos textos e emendando a Histria Sagrada, explica-nos que inferno no quer dizer inferno, mas sepulcro, e que tirar no quer dizer tirar, mas ressuscitar; e, por esta maneira: Levar aos infernos e deles tirar, significa: Levar ao sepulcro e ressuscitar. Visto isso, no estranhamos ter-se chegado ao dogma da infalibilidade; porque, desse modo, a palavra de Paulo aos romanos: "Deus veraz e todo o homem falaz", deixa de ser verdadeira, se no se fizer o acrscimo a menos que no seja o Papa. Assim que, mudando e desnaturando os conceitos mais claros e precisos, adulterou-se completamente a essncia das Escrituras e o gnio do Cristianismo. "Se as tuas mos me fizeram e me formaram todo em roda, porque de repente me despenhas?

Lembra-te, eu to peo, que com barro tu me formaste, que me hs de reduzir a p. Porventura no me mungiste como leite, e no me coalhaste como queijo? Ainda que escondas essas coisas no teu corao, eu sei todavia que te lembras de tudo." (Job, X, 8, 9, 10 e 13.) As criaturas so obra do Criador e, portanto, a sua formao em tudo conforme com a sua vontade. Job, no meio dos seus padecimentos, recordava-o como um consolo, persuadido de que Deus, em cujos olhos est tudo presente, no pode querer nem consentir a perda definitiva das obras da sua vontade onipotente. "Quem me dera que me encobrisse no sepulcro e nele me escondesses, at estar passado o teu furor, e que me assinalasses o tempo em que te lembras de mim!" (Job, XIV, 13.) Aborrecido da vida, em conseqncia da terrvel prova de misrias e sofrimentos corporais e morais de que objeto, Job manifesta desejos de morrer e ficar esquecido nos infernos, at que passe o termo da prova: argumento irrecusvel de que ele no suspeitava que o inferno fosse um lugar de tormentos eternos, como pretendem os caritativos doutores do cristianismo romano. "Portanto, alegrou-se o meu corao e regozijou-se a minha lngua e, alm disso, tambm a minha carne repousar em esperana. Porque no deixars a minha alma no inferno, nem permitirs que o teu santo veja corrupo."(Salmos, XV, 9, 10.) "Senhor, tiraste a minha, alma do inferno, salvaste-me dos que descem ao lago.

Santos do Senhor, entoai salmos e celebrai a memria de Sua Santidade. Porquanto, a ira est na sua indignao, e a vida na sua vontade. De tarde haver pranto, e de manh alegria." (Salmos, XXIX, 4, 5 e 6.) "Senhor, no cu existe a tua misericrdia e a tua verdade, at s nuvens. A tua justia como os montes: os teus juzos so um abismo profundo. Aos homens e aos irracionais salvars, Senhor." (Salmos, XXXV, 6 e 7.) "Deus, tu nos desamparaste e nos destruste; aborrecestete e tiveste misericrdia de ns." (Salmos, LIX, 3.) "Porventura nos desamparar Deus para sempre, e no se mostrar ainda inclinado a aplacar-se? Ou cortar para sempre a sua misericrdia, de gerao em gerao? Ou esquecer-se- Deus de usar de clemncia? ou demorar a sua misericrdia?"(Salmos, LXXVI, 8, 9 e 10.) "E amaram a Deus com a sua boca, e com a sua lngua mentiram-lhe. Mas o seu corao no era reto com Ele, nem eles se mantiveram leais na sua aliana. Porm ele misericordioso e perdoar os seus pecados e no os destruir." (Salmos, LXXVII, 36, 37 e 38.) Todos os versculos supracitados demonstram com toda a clareza, sem necessidade de comentrios, que a eficcia da redeno no abandona os Espritos que descem aos infernos, e que a misericrdia de Deus se exerce sem limites sobre os vivos e sobre as almas dos mortos. "At quando, Senhor, te iras, sem aplacar-te? at quando se acender, como fogo, o teu zelo?" (Salmos, LXXVIII, 5. )

Como se depreende do texto, o tempo do sofrimento tem uma durao limitada. Deve-se ter isso sempre presente, para a fiel compreenso de outras passagens bblicas em que se usam as palavras eternamente, pelos sculos de sculos, etc., prprias da linguagem hiperblica dos sagrados escritores, e que no devem ser entendidas na sua rigorosa significao, mas como sinnimas de por muito tempo, at passarem muitas geraes ou sculos, etc., etc. "Porventura estar sempre aborrecido conosco? ou estenders a tua ira de gerao em gerao? Oh! Deus, tornars a dar-nos vida, e o teu povo alegrarse- em ti." (Salmos, LXXXIV, 6 e 7.) "Exaltar-te-ei, Senhor, meu Deus, com todo o meu corao e glorificarei o teu nome eternamente; Porque a tua misericrdia grande sobre mim e tiraste a minha alma do inferno inferior." (Salmos, LXXXV, 12 e 13. ) "Acaso, Senhor, estars de ns apartado para sempre incandescer-se- como fogo a tua ira? Lembra-te de qual a minha substncia; acaso criaste em vo todos os filhos do homem?"(Salmos, LXXXVIII, 47 e 48.) Em todas estas passagens, o salmista revela a mais completa ignorncia a respeito da eternidade das penas do inferno e da irrevogvel justia divina. Sabe-se que David no estava na altura dos nossos telogos moralistas, segundo os quais as esperanas do Profeta, fundadas na misericrdia de Deus, no eram mais que iluses, sem fundamento de verdade.

"Porque todos os deuses das naes so demnios; mas o Senhor fez os cus." (Salmos, XCV, 5.) O que equivale a dizer: Todos os deuses das naes so bagatelas, coisas pueris, sem importncia nem poder; mas o Senhor, que fez os cus, que o todo-poderoso. Resulta, disso, que o salmista no atribui aos demnios existncia pessoal nem os considera como individualidades reais. "Senhor, o teu nome subsistir eternamente, e a memria da tua glria conservar-se- em todas as geraes. Porque o Senhor julgar o seu povo e se deixar vencer pelos rogos dos seus servos." (Salmos, CXXXIV, 13 e 14.) "Louvai o Senhor, porque ele bom, porque a sua misericrdia para sempre. Louvai o Deus dos deuses, porque a sua misericrdia para sempre. Louvai o Senhor dos senhores, porque a sua misericrdia para sempre." (Salmos, CXXXV, 1, 2 e 3.) Nestes salmos, David repete vinte e seis vezes as palavras que esto acima, o que equivale a negar outras tantas vezes a eternidade dos sofrimentos do inferno. "Castiga a teu filho; no desesperes, e no intentes matlo." (Provrbios, XIX, 18.) O Senhor castiga as criaturas que so os seus filhos; repreende-as, e permite que elas sejam castigadas nos seus desvarios e pecados; no pode, porm, consentir, nem consente na sua morte, isto , na condenao eterna das suas almas; pois, de outro modo, no os trataria como pai que deseja a felicidade dos filhos do seu amor. Assim devem proceder aos homens, em relao aos filhos que o Senhor lhes concedeu, imitando nisso, tanto quanto possvel, a

carinhosa solicitude do Pai celestial, que castiga para corrigir ou salvar, e no para destruir. "Como poderiam subsistir as coisas se tu no quisesses? De que modo se conservaria o que por ti no fosse chamado? Porm, perdoas a todas as criaturas, porque so tuas, Senhor, e tu as amas." (Sabedoria, XI, 26 e 27.) Tu, Senhor, perdoas a todas as criaturas, quelas, j se sabe, a quem possa aproveitar o perdo, porque desfrutam como os homens da sua liberdade de ao. As almas so obras das tuas mos, e, por serem tuas, seria fazer-te uma injria o supor que deixes consentir na sua perda: "Quando o mpio amaldioa o diabo, amaldioa a si prprio e sua alma." (Eclesistico, XXI, 30.) Quem leu a comunicao n 23, assinada com o venerando nome de Maria, se lembrar que, falando do diabo, ela lhe atribui a mesma significao que o Eclesistico. O diabo no uma individualidade real, mas sim a expresso das paixes que procedem da liberdade humana; por isso, diz muito apropriadamente o Eclesistico que quando o mpio amaldioa o diabo, amaldioa a si prprio e a sua alma, porque amaldioa a iniqidade e a injustia. "H Espritos que foram criados para a vingana, e que, pelo seu furor, procuram atormentar os outros. No tempo da consumao, eles empregaro a sua denodada fora, e aplacaro o furor daquele que os criou." (Eclesistico, XXXIX, 33 e 34.) No entender do padre Scio, o Eclesistico faz a aluso aos Espritos malignos, destinados a tentar os vivos e a atormentar os condenados, misso essa brbara, injusta e abominvel, que Deus no pode estabelecer, e que s a pode

conceber um homem de corao rancoroso em sumo grau e de crudelssimo corao. Mas, supondo mesmo que assim seja, embora no o aceitemos, deixando isso somente a cargo dos caritativos inventores das fogueiras temporais ou eternas, resultar, das palavras do Eclesistico, que a salvao e o perdo so o destino final dos Espritos malignos, pois, no tempo da consumao, isto , passado o termo da iniqidade, derramaro a sua fora, esgotaro a sua malfica atividade e, arrependidos, aplacaro o furor daquele que os fez e que espera o seu arrependimento com amorosa solicitude e paternal carinho. "Porque o povo de Sio morar em Jerusalm; tu de nenhum modo chorars; com muita comiserao, ele se compadecer de ti, e, logo que oua a voz do teu clamor, te responder." (Isaas, XXX, 19.) "Falai ao corao de Jerusalm e chamai-o, porque est acabada a sua malcia, est perdoada a sua. iniqidade; ela recebeu da mo do Senhor uma pena dobrada por todos os seus pecados." (Isaas, XL, 2.) "A cana fendida no ser quebrada (Jesus Cristo); a mecha que fumega no se apagar; ele far justia segundo a verdade. Estabeleci-o (Deus referindo-se a Jesus Cristo) para que abrisse os olhos aos cegos, tirasse do crcere o preso, e das prises os que esto nas trevas. Conduzirei os cegos por um caminho que eles no vem, e os farei andar por sendas que ignoram; farei que diante deles as trevas se tornem em luz e que os caminhos todos se tornem retos; essas coisas fiz a favor deles, e no os desampararei." (Isaas, XLII, 3, 7 e 16.)

"Todo aquele que invoca o meu nome, para a minha glria o criei, formei e fiz." (Isaas, XLIII, 7.) "Eu mesmo vos trarei at velhice, at vos virem as cs; eu vos criei e vos susterei; eu vos trarei e vos salvarei." (Isaas, XLVI, 4.) "Por amor do meu nome, aplacarei o meu furor, e cobrirte-ei com o meu louvor, para que no pereas." (Isaas, XLVIII, 9.) "Por um momento, por um pouco te deixei, mas eu te acumularei com grande misericrdia. No momento da minha indignao, escondi de ti por um pouco a minha face; mas, com sempiterna misericrdia, me compadeci de ti, disse o Senhor teu redentor. Porque os montes sero abalados e os outeiros tremero; porm a minha misericrdia no se apartar de ti; e a aliana da minha paz no se mudar, disse o Senhor compassivo de ti." (Isaas, LIV, 7, 8 e 10.) "Porque no pleitearei eternamente, nem me agastarei at ao fim; porque sair da minha face o Esprito, e eu vivificalo-ei. Agastei-me por causa da iniqidade da sua avareza, e o feri; escondi de ti a minha face, e me indignei, e ele ficou vagueando. Vi as suas dificuldades, e aplainei-as, e dei consolao a ele mesmo e aos que choravam." (Isaas, LVII, 16, 17, 18.) Isaas promete ao povo de Sio, figura da Humanidade inteira, uma grande misericrdia da parte do Senhor; declara que Jesus Cristo no quebrar a cana fendida, nem apagar a mecha que fumega; afirma que o Redentor tiraria do crcere os que esto nas trevas, e que mudar as trevas em luz e no desamparar os pecadores; assegura que, pelo fato de nos

haver feito, o Senhor nos conduzir e salvar; que aplacar o seu furor por amor do seu nome e no consentir que as suas criaturas peream; que por um pouco poder abandonar-nos e de ns esconder a sua face, mas para acolher-nos, com grande misericrdia; acrescenta, por ltimo, que no apartar de ns a sua misericrdia nem a sua aliana de paz; que no estender o seu aborrecimento at ao fim; e que, se pela nossa iniqidade esconde o seu rosto, compadecido nos converter e sarar. Cada uma das palavras de Isaas um raio de luz que espanca as trevas do inferno eterno, construdo em Roma com materiais tomados ao paganismo. "Vai e profere estas palavras contra o aquilo, diz o Senhor: Prfido Israel, no apartarei a minha face de vs, porque sou santo, e a minha indignao no durar eternamente." (Jeremias, III, 12.) O Senhor, infinitamente misericordioso, no se contenta em esperar a volta, sua lei, da rebelde Israel, figura da Humanidade extraviada, mas chama-a em altas vozes e lhe promete o seu perdo, e que a sua indignao no durar eternamente. Este o amor de Deus e da verdade, e no o que se compraz com os tormentos infindveis dos infelizes condenados. "A minha alma caiu no lago, e puseram sobre mim uma pedra. Um dilvio de guas veio sobre a minha cabea; eu disse: Pereci. Invoquei, Senhor, o teu nome, do fundo do lago. Tu ouviste a minha voz; no apartes o teu ouvido dos meus soluos e dos meus clamores. Tu chegaste no dia em que te invoquei, e disseste: No temas." (Jeremias, Lamentaes, III, 53 a 57.) A palavra lago empregada com freqncia pelo profeta em vez de inferno ou manso dos mortos; o sentido em que

ele a emprega aqui, como o confirma o que se segue: e puseram sobre mim uma pedra: pereci. A lamentao de Jeremias a do pecador, que torna a si e se arrepende no fundo do lago, ou seja no ntimo do seu remorso e da sua expiao; at a o acompanha a misericrdia infinita, e o Senhor ouve a voz do pecador no dia em que este o invoca arrependido. "Senhor todo poderoso, Deus de Israel, ouve presentemente a orao dos mortos de Israel e dos filhos e daqueles que pecaram diante de ti e no ouviram a voz do Senhor seu Deus, pois os seus males nos apegaram." (Baruc, III, 4.) Baruc, suplica ao Senhor que oua as preces dos que morreram no pecado, com o que d a entender que acredita na eficcia das oraes dos mortos e na sua reabilitao pelo arrependimento. "Vendidos fostes s naes.. . Porque irritastes aquele que vos fez, ao Deus eterno, sacrificando aos demnios e no a Deus." (Baruc, IV, 6 e 7.) Ofendestes a Deus, sacrificando aos demnios, isto , s vossas paixes ou aos dolos, que so a personificao da vossa concupiscncia. "Renovarei a minha aliana contigo, e sabers que sou o Senhor; para que te recordes e te confundas, e para que no possas mais abrir a boca com essa confuso, quando me houver aplacado contigo sobre todas as coisas que fizeste, diz o Senhor Deus." (Ezequiel, XVI, 62 e 63.) Ser tanta a bondade e tal a misericrdia de Deus para com o pecador, que este, ao ver-se de novo na graa e na aliana do Senhor, apesar das suas gravssimas infraes lei da virtude, se envergonhar e se confundir de ter pecado.

"E o numero dos filhos de Israel ser como as areias do mar, que ningum pode medir, nem contar. E em vez de se lhes dizer: vs no sois mais o meu povo, se lhes dir: vs sois os filhos de Deus vivo." (Osias, I, 10.) "E direi ao que no passava por ser meu povo: Sois o meu povo; e o povo me dir: Tu s o meu Deus." (Osias, II, 24.) "No porei em prtica o furor da minha ira; no voltarei para destruir completamente Efraim; porque sou Deus e no um homem." (Osias, XI, 9.) "Livra-los-ei do poder da morte; remi-los-ei da morte; morte, serei a tua morte; inferno, serei eu o teu destruidor." (Osias, XIII, 14.) "Sangrarei as suas chagas, ama-los-ei por pura graa; porque o meu furor afastou-se deles." (Osias, XIV, 5.) Indubitavelmente, Osias dos profetas o que mais categoricamente destri o dogma dos castigos eternos, pois, alm de fazer ressaltar a infinita misericrdia do Altssimo, nos revela que, mesmo quando o Senhor fizesse, pela voz dos seus profetas e enviados, terrveis ameaas aos pecadores, para corrigi-los, no poria em prtica o seu furor, porque Deus e no um homem, nem vingativo e malvolo como os homens, e que, aos homens a quem uma vez ameaou dizendo: No sois meu povo, compadecido dir: Sois os filhos do Deus vivo. "Ouvi esta palavra com que levanto at vs o meu pranto: A casa de Israel caiu e no mais se restabelecer. Porquanto, isto diz o Senhor casa de Israel: Buscai-me e vivereis." (Ams, V, 1 e 4.) No primeiro destes dois versculos, o profeta fala por sua conta e afirma que Israel caiu para no mais se erguer; no

segundo, fala o Senhor e promete a vida a Israel, se esta o buscar. Isto confirma, como j indicamos acima, que no devem ser tomadas no seu sentido religioso s frases nunca mais, eternamente, para sempre e outras semelhantes, quando o bom senso nos diz que elas so sinnimas de outras menos absolutas, como sucede nas ameaas dirigidas s dbeis criaturas. "Disse, pois, o Senhor: Tu te enfadaste por amor de uma hera, que no custou trabalho algum e nem afizeste crescer; que nasceu numa noite, e numa noite feneceu. E, portanto, no perdoarei grande cidade de Nnive, onde h mais de cento e vinte mil homens, que no sabem discernir entre a sua mo direita e a sua mo esquerda, e um grande nmero de animais?"(Jonas, IV, 10 e 11.) Quanto consoladora essa passagem da profecia de Jonas! Vs que ameaais com penas eternas os vossos semelhantes, lede o que o Senhor diz a Jonas, e cerrareis a boca para no blasfemar do Senhor. " Deus, quem semelhante a ti, que apagas a iniqidade e que te esqueces dos pecados das relquias da tua heranas Deus no derramar mais o seu furor contra os seus, porque lhe apraz fazer misericrdia. Voltar e ter compaixo de ns: sepultar as nossas iniqidades e lanar todos os nossos pecados no fundo do mar." (Miquias, VII, 18 e 19.) Sempre a misericrdia de Deus exercendo-se conforme as pegadas dos pecados humanos. "Harmoniza-te sem demora com o teu adversrio, enquanto ests a caminho com ele; para que no suceda que esse adversrio te entregue ao juiz, que o juiz te entregue ao ministro e sejas mandado para a cadeia.

Em verdade te digo que no sairs de l at pagares o ltimo ceitil."(S.Mateus, V, v. 25 e 26.) "Quando fores com o teu adversrio ao prncipe, faze o possvel para te livrares no caminho, para que no suceda que ele te leve ao juiz, que o juiz te entregue ao meirinho, e que este te encerre na cadeia. Digo-te que no sairs dali, enquanto no pagares at o ltimo ceitil."(S. Lucas, XII, 58 e 59.) Esse adversrio, a quem Jesus se refere nas passagens citadas por S. Mateus e S. Lucas, diz o padre Scio, o nosso prximo, a quem ofendemos, ou por quem fomos ofendidos, com o qual o Filho de Deus manda acomodarmo-nos prontamente, enquanto com ele estamos em caminhe, isto , enquanto estivermos nesta vida. Aquele que no se acomoda com o seu adversrio durante a vida, ser depois levado pelo juiz ao crcere, a um lugar de sofrimento, ao inferno, no por toda a eternidade, mas at que pague o ltimo ceitil, at que tenha dado satisfao da sua ofensa ou rancor, e at que se tenha purificado da sua falta. "Como pode algum entrar na casa do valente e saquear os seus mveis, se antes no prender o valente, a fim de lhe saquear a casa?" (S. Mateus, XII, 29.) "Ningum pode entrar na casa do valente e furtar as suas alfaias, se primeiro no o atar, para depois o saquear." (S. Marcos, III, 27.) O valente sobre os valentes o Onipotente, de quem emana todo o poder e toda a fora, e as suas alfaias so as criaturas, obra do seu amor e da sua sabedoria. Vivamos, pois, seguros de que, embora mesmo o diabo tivesse uma existncia pessoal, o Deus todo-poderoso no se deixaria atar e roubar por ele. Como, porm, possvel que o diabo seja

uma realidade, quando todos os Espritos so alfaias da casa do Senhor? "E Pedro, tomando-o parte, comeou a increp-lo, dizendo: Deus tal no permita, Senhor; no suceder isso contigo. Ele, voltando-se para Pedro, respondeu: Tira-te de diante de mim, Satans, que me serves de escndalo: porque no amas as coisas que so de Deus, e sim as que so dos homens."(S. Mateus, XVI, 22 e 23.) "Eu vos escolhi em nmero de doze, disse Jesus, e contudo um de vs o diabo. O que ele dizia referia-se a Judas Iscariotes, porque ele era um dos doze e era quem o havia de entregar."(S. Joo, VI, 71 e 72.) Pedro tenta fazer que o Mestre desista de ir a Jerusalm, a fim de evitar-lhe os tormentos e a morte. O Apstolo neste caso a tentao do egosmo, pelo que Jesus lhe chama Satans, ou seja tentao, e repreende-o. Tambm ele chama diabo a Judas Iscariotes, por causa da inveja e da avareza que o induzem a vender aquele de quem s tinha recebido amor e benefcios. Em ambos os casos, as palavras Satans e diabo so empregadas pelo Redentor na acepo usada por Maria na comunicao n 23 da segunda parte deste livro, pelo salmo XCV, pelo Eclesistica no captulo XXI, por Baruc no captulo IV, e no no sentido de um ser real, como o entende o cristianismo romano. "Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e ela chegada, em que os mortos ouviro a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem, vivero.

No vos maravilheis disso, porque vem a hora em que todos os que se acham nos sepulcros, ouviro a voz do Filho de Deus. E os que obraram bem, sairo para a ressurreio da vida, mas os que obraram mal, sairo ressuscitados para a condenao."(S. Joo, V, 25, 28 e 29.) Chamamos muito especialmente a ateno do leitor para as palavras de Jesus transcritas no Evangelho de S. Joo, pois so luminosas e importantssimas, sob diferentes aspectos. , em primeiro lugar, uma confirmao concreta do que se revela na comunicao supracitada de Maria, a respeito da descida do Esprito de Jesus Cristo aos infernos, para pregar a Boa Nova, tanto s almas justas, como s almas condenadas. Note-se, alm disso, na passagem evanglica, que Jesus promete a vida aos mortos que ouvirem a voz do Filho de Deus, e acrescenta que todos os que esto nos sepulcros ouvi-la-o; do que resulta que todos os mortos, sem exceo, esto chamados a renascer, a reviver. O renascimento, porm, no ser em idnticas condies para todos os Espritos; os que fizeram o bem, iro para a ressurreio da vida, iro continuar em outra existncia o seu progresso pelo mrito, e, os que fizeram o mal, ressurgiro para a condenao, a fim de repararem o tempo perdido nos gozos impuros da matria. Se, depois disso e apesar das promessas e afirmaes de Jesus, houver ainda quem se empenhe em sustentar que no h redeno para as almas do inferno, esse algum digno de lstima e a caridade manda que o lastimemos do ntimo do corao, porque pertence ao

nmero dos desditosos que tm olhos e no vem, ouvidos e no ouvem, conforme o ensino de Jesus aos seus discpulos. IV Salvao universal

No sendo eternos o desespero e as penas do inferno, como se acha at evidncia provado com as citaes que fizemos do Antigo e do Novo Testamento, alm das muitas que podamos acrescentar, se no temssemos tornar-nos prolixos em demasia, logicamente chegamos concluso de que ningum ficar excludo da felicidade espiritual, e que todos, sem exceo, mais tarde ou mais cedo, segundo os seus merecimentos, alcanaro a graa de sentar-se mesa dos banquetes celestiais e de abrigar-se no suave afago da misericrdia do Pai comum das criaturas. Ali, em um crculo que abraar a Humanidade inteira, elevaremos cnticos de amor e adorao ao Criador, por Ele nos haver arrancado do caos e conduzido s esplendorosas regies da luz, santamente confundidos e envergonhados pela lembrana dos nossos extravios, e voando em busca do cumprimento da vontade divina. Eis o cu; eis o destino da grande famlia humana; eis a generosa e purssima felicidade apetecida pelos coraes pobres. No existe ali a egostica e cruel complacncia na contemplao de Deus, enquanto houver criaturas que gemam atormentadas pelos sofrimentos. Poderamos, portanto, prescindir de novas citaes bblicas, comprovando a salvao universal, isto , comprovando que todos seremos salvos, como tambm o

demonstra a Doutrina Esprita. Entretanto, como a questo muito capital, muito merecedora do estudo e da considerao de todos, e como h ainda homens que fazem de Deus um inquisidor terrvel e sanhudo para a maioria das almas, tomamos a liberdade de, a modo de protesto contra semelhante impiedade, transcrever algumas linhas sobre a infinita misericrdia do Senhor, demonstrada em todas as pginas das Sagradas Escrituras. Abramo-las, pois, outra vez: "Acaso no viro a ser conhecidos todos os que praticam a iniqidade, todos os que devoram o meu povo como um pedao de po?" (Salmos, XIII, 4.) "Lembrar-se-o e converter-se-o ao Senhor todos os que esto sobre a Terra, e o adoraro na sua presena. Porquanto, do Senhor o reine e ele mesmo reinar sobre as gentes. Comero e adoraro todos os poderosos da Terra. Diante dele se prostraro todos os que descem terra."(Salmos, XXI, 28, 29 e 30. ) "Porque tu, Senhor, s suave e brando, e de muita misericrdia para todos os que te invocam. Todos os povos, quantos fizestes, viro, e, prostrados, te adoraro, Senhor, e glorificaro o teu nome."(Salmos, LXXXV, 5 e 9.) Viro, pois, ao conhecimento, tornaro a si para empreender o caminho da virtude todos os que praticam a iniqidade; recordar-se-o de que Deus a vida e a bemaventurana, e todos se convertero e o adoraro. O Senhor mesmo reinar sobre os povos e diante dEle se prostraro todos os que descem terra; por ltimo, todos os povos, quantos o Senhor fez, viro sua lei, o adoraro e

glorificaro o seu santo nome; eis o que o salmista atesta do mais terminante modo. "Todas as obras de Deus so boas, e toda a obra a seu tempo far o seu servio. No se pode dizer: Isto pior que aquilo, porque todas as coisas a seu tempo sero achadas boas."(Eclesistico, XXXIX, 39 e 40. ) Fazendo aplicao desta mxima aos homens, ningum pode dizer: Este pior que aquele, porque todos so obras de Deus, iguais em natureza e destinados ao mesmo fim, que merecer mais ou menos cedo a aprovao do Senhor. "Da em diante o teu sol no mais se por, e a tua lua no minguar: porque o Senhor ser atua luz perdurvel, e sero terminados os dias do teu pranto. E o teu povo, composto todo de homens justos, herdar para sempre a Terra, como vergnteas que eu plantei e como obras que a minha mo fez para a minha glria." (Isaas, LX, 20 e 21. ) Segundo essas profecias, os dias de pranto da Humanidade tero um termo, e todos os homens, purificados e justos, herdar a terra dos viventes, uma terra privilegiada sobre as demais, feliz morada dos que glorificam o Senhor. "Mas este ser o pacto que farei com a casa de Israel depois desses dias, diz o Senhor: Porei a minha lei nos seus seios, escrev-la-ei nos seus coraes e serei o seu Deus e eles sero o meu povo. Da em diante, ningum mais ao seu prximo, ou ao seu irmo, dir que conhece o Senhor; porque todos me conhecero, desde o menor at o maior; porque perdoarei as suas maldades e no mais me recordarei do seu pecado." (Jeremias, XXXI, 33 e 34.)

Quando os tempos se cumprirem, o Senhor far um pacto definitivo com a casa de Israel, figura da Humanidade, e a sua lei no ser jamais infringida maliciosamente pelos homens. Ento, ningum precisar mais de dar ao seu prximo o conhecimento de Deus, porque todos, do menor ao maior, conhec-lo-o e cumpriro a sua vontade. "Considera pois a bondade e a severidade de Deus; a severidade para com aqueles que caram, e a bondade para contigo, se permaneceres na bondade; do contrrio, tu tambm sers cortado. E tambm, se eles permanecerem na incredulidade, sero enxertados, pois Deus poderoso para enxert-los de novo. Mas no quero, irmos, que ignoreis esse mistrio, para que no sejais sbios em vs mesmos, pois a cegueira veio em parte a Israel, at que todos entrem; A fim de que toda a Israel se salve, como est escrito: Vir de Sio um que seja libertador, e que desterre a impiedade de Jacob. Porque, assim como vs, que em outro tempo no acreditveis em Deus, e agora haveis alcanado misericrdia, assim tambm eles no acreditam agora na misericrdia, mas devem alcan-la. Porque Deus encerrou tudo na incredulidade para usar de misericrdia para com todos."(So Paulo aos romanos, XI, 22, 23, 25, 26, 30, 31 e 32.) Quanto ensino contm as instrues que aos romanos dirige o Apstolo dos gentios sobre a infinita misericrdia do Senhor! Deus trata com severidade e corta o tronco do pecador, no para arroj-lo s chamas e s dores eternas, mas para enxert-lo de novo, at que abandone a sua malcia. Que toda a Israel, toda a Humanidade, se salve e o glorifique, e,

para ter, como pai, ocasio de empregara misericrdia, ele encerrou todas as coisas na incredulidade; cobriu com um misterioso vu todas as verdades que se referem ao esprito e aos seus ulteriores destinos. Deste modo, Deus, ocultando essas verdades, faz que todos adquiram a f, pratiquem a justia e obtenham merecimentos superiores, no obstante guardar tambm os tesouros da sua misericrdia para os incrdulos, cuja incredulidade , at certo ponta, escusvel em razo da ignorncia humana a respeito das verdades do Esprito. Impenetrveis so os desgnios do Senhor, porm a bondade e a misericrdia resplandecem em todas as obras da sua onipotente vontade. V Revelao e ensinos dos Espritos

A comunicao esprita um fato. Aos materialistas, para quem isso no mais que uma alucinao em certos casos, um embuste em outros, e em muitas ocasies um fenmeno puramente fsico, nos limitaremos a recomendar que estudem, observem, experimentem por si mesmos e, principalmente, que no emitam opinio sem conhecimento de causa. Temos visto materialistas acrrimos convertidos em fervorosos propagandistas das doutrinas que o Espiritismo sustenta. um milagre muito freqente, do qual no se devem esquecer os apstolos da matria e da fora.

Esta terceira parte no foi escrita para os materialistas, mas para os catlicos romanos, e, como a Igreja Romana concorda conosco na realidade do fato da comunicao, salvo a sua confisso, ficamos dispensados de aduzir novas provas, pois so absolutamente desnecessrias. Como, porm, a Igreja na sua opinio, par si julgada infalvel, afirma que a comunicao espiritual no pode proceder dos Espritos bem-aventurados, nem das almas do purgatrio, nem dos tristes habitantes das cavernas infernais, no podendo, portanto, ser atribuda seno exclusivamente ao diabo, propomo-nos aqui, depois de dar como produzidas todas as razes que apresentamos no decurso deste livro, e mais especialmente nos pargrafos XX da primeira parte, X e XI da segunda, a demonstrar, com o testemunho das Sagradas Escrituras, que as comunicaes no so devidas a uma influncia infernal, mas aos Espritos, em seus diversos graus de elevao e pureza. verdade que, negada como ficou pela mesma Escritura a existncia pessoal do diabo, negado fica tudo o que a ele se refere; todavia, desejosos de estudar a questo, sob todos os seus aspectos, no podemos deixar de faz-lo, agora, no fenmeno das comunicaes. Lede e julgai: "Ento, tendo Tobias sado, achou um gentil mancebo, que estava cingido e prestes a caminhar. E no sabendo se era um anjo de Deus, o saudou e disse: Donde s tu, guapo mancebo? E ele respondeu: Sou um dos filhos de Israel... Mas, para que no fiques em cuidados, digo-te que sou Azarias, filho do grande Ananias."(Tobias, V, 5, 6, 7 e 18.) Desta passagem se depreende claramente que, ou o anjo mentiu, o que no admissvel, ou os anjos no so mais que

os Espritos dos homens que morrem na virtude, pois, o que fala com Tobias, afirma ser um dos filhos de Israel chamado Azarias, filho do grande Ananias. A proteo que ele dispensa famlia de Tobias, natural por causa do parentesco das famlias de ambos. Eis, por conseguinte, um fato de comunicao espiritual, e no cremos que a Igreja Romana se atreva a explic-lo pela interveno do diabo. "E ao passar diante de mim um Esprito, os cabelos da minha carne se arrepiaram. Parou diante de mim una, cujo rosto eu no conheci; vi um vulto diante dos meus olhos, e ouvi uma voz, conto de branda virao." ( Job, IV, 15 e 16. ) Um Esprito, cujo rosto no conhecia, isto , de pessoa desconhecida, pra diante de Job, e este o v e ouve. No podia ser um Esprito maligno, porque a sua voz no era atroadora coma a de um furaco, mas sim como a da meiga brisa. "E depois disso morreu Samuel, e apareceu ao rei e lhe predisse o fim da sua vida; e, saindo da Terra, levantou a sua voz, profetizando que ia ser destruda a impiedade da nao." (Eclesistico, XLVI, 23.) Eis como o padre Scio comenta esta passagem: "Julgo que a no foi o demnio que apareceu pitonisa com a figura de Samuel, mas o prprio Samuel para notificar a Saul o fim da sua vida e a transferncia do reino para a casa de David. Se isso tivesse sido obra do demnio, a Escritura no o teria contado entre as obras de Samuel, vindo portanto esse fato apoiar a imortalidade da alma." Da resulta que h comunicaes que procedem das almas dos bemaventurados, e que podem ser recebidas por pessoas pouco virtuosas e perfeitas como a pitonisa. Estamos de todo

conformes com a explicao do padre Scio, e entregamo-la, sem novos comentrios, ao juzo do leitor. "E o Senhor me disse: Toma um livro grande e nele escreve em estilo de homem." (Isaas, VIII, 1.) "Naquele tempo falou o Senhor, por intermdio de Isaas, filho de Ams." (Isaas, XX, 2.) "Agora, diz o Senhor, entra e escreve na minha presena sobre o buxo e em um livro registrado exatamente, que ser no futuro uma testemunha sempiterna." (Isaas, XXX, 8.) "Eis que lhe darei um esprito e ele ouvir uma nova e voltar sua terra, e na sua terra f-lo-ei cair morto espada." (Isaas, XXXVII, 7.) "Eis a palavra que veia do Senhor a Jeremias, dizendo: Escreve em livro tudo o que tenho ditado." (Jeremias, XXX, 1 e 2.) Sero diablicas as comunicaes e inspiraes espirituais escritas, que recebiam Isaas e Jeremias, a que se referem os versculos transcritos? No, indubitavelmente; porque, como muito bem diz o comentrio do padre Scio, se isto fosse uma obra do demnio no seria mencionado na Escritura, entre as obras de Isaas e de Jeremias. "E o Esprito entrou em mim, depois que me falou e me ps em p, e ouvi o que ele dizia." (Ezequiel, II, 2.) Supomos que tambm no foi diablico o Esprito que falou a este profeta. "Ouvi falar um dos santos, e um santo perguntou a outro, no sei a quem, que lhe falava: at quando. . ." (Daniel, VIII, 13.) "Estando ainda na minha orao, eis que Gabriel, o varo que eu havia visto no comeo da viso, voando

arrebatadamente, chegou-se-me na hora do sacrifcio da tarde. E me instruiu e falou, dizendo: Daniel, vim agora para instruir-te e fazer-te compreender." ( Daniel, IX, 21 e 22.) "E, tendo ficado s, tive esta grande viso; em mim no restaram foras, o meu semblante mudou-se e eu fiquei plido e aniquilado. Eis que me tocou uma mo e ergueu os meus joelhos e as minhas mos. E me disse: No temas, Daniel; porque desde o primeiro dia dirigiste o teu corao para entender; afligindo-te na presena do teu Deus, foram ouvidas as tuas palavras, e eu vim atender aos teus rogos. Eis que, assemelhando-se a um filho do homem, ele tocou os meus lbios, etc. Tocou-me, pois, de novo aquele que eu via como um homem e me confortou." ( Daniel, X, 8, 10, 12, 16 e 18. ) Daniel comunica-se com os santos e ouve as suas palavras; recebe instrues do Esprito de Gabriel, varo justo que descia da morada dos bem-aventurados para falarlhe; sente o seu contacto e v, com a semelhana de homem, o seu Esprito protetor, que diz ter vindo a ele em ateno aos seus rogos. Por a se v que as preces dos homens podem alcanar, com a permisso divina, comunicaes dos Espritos puros. "E, depois disso, acontecer: Derramarei meu Esprito sobre a tua carne, e os vossos filhos e as vossas filhas profetizaro; vossos velhos tero sonhos e vossos jovens tero vises." (Joel, II, 28.) As palavras de Joel so uma fiel profecia do que comea a suceder nos nossos dias, com relao vinda e ao

admirvel desenvolvimento do Espiritismo. Os Espritos do Senhor espalham-se com profuso pelo mundo, e, por toda parte, ouvem-se as suas vozes e recebem-se os seus benficos ensinos. Bendito seja o Senhor que; assim manifestando, a sua misericrdia e o seu poder, indica o caminho que deve seguir a Humanidade extraviada. "E eu vos digo: Pedi e se vos dar, buscai e achareis, batei e se vos abrir. Porque, todo aquele que pede, recebe; quem busca, encontra; e ao que chama, se abrir. Se algum de vs pedir po ao seu pai, dar-lhe- ele uma pedra? Se lhe pedir um peixe, dar-lhe- ele uma serpente? Se lhe pedir um ovo, dar-lhe- ele um escorpio? Pois, se vs, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, com quanto maior razo o vosso Pai celestial dar bom esprito aos que lhe pedirem." ( So Lucas, XI,9,10,11,12 e 13.) No esqueamos, cristos, as promessas do Enviado de Deus; peamos com f por ns mesmos, e nos ser dado aquilo de que as nossas almas necessitam; busquemos a verdade na sabedoria e na virtude, e a acharemos na medida dos nossos esforos; clamemos com humildade s portas da bondade e misericrdia do Senhor, e o Senhor, que o nosso Pai, estender sobre ns a sua sombra paternal e benfeitora. Jesus Cristo disse que o Pai celestial dar bom Esprito, isto , o conselho dos Espritos aos que lho pedirem; devemos crer mais nas suas palavras, que nas dos infelizes que julgam a Divindade capaz de enganar-nos com o falaz conselho dos Espritos malignos, quando invocam a sua justia e a sua misericrdia. Continuemos:

"Estvo, cheio de graa e coragem, fazia grandes prodgios e milagres no meio do povo. E alguns da sinagoga se levantaram a disputar com Estevo. Mas no podiam resistir sabedoria e ao Esprito que falava nele." (Atos dos Apstolos, VI, 8, 9 e 10.) "E Pedro, pensado na viso, o Esprito lhe disse: A esto trs homens, que te buscam. "E estes disseram. O centurio Cornlio, homem justo e temente a Deus, e que tem por si o testemunho de toda a nao dos judeus, recebeu ordem do santo anjo para que te fizesse chamar a sua casa, a fim de escutar as tuas palavras." (Atos dos Apstolos, X, 19 e 22. ) "E, levantando-se um deles, por nome Agabo, dava a entender pelo Esprito que ia haver uma grande fome em todo o mundo; e ela veio no tempo de Cludio." (Atos dos Apstolos, XI, 28. ) "E quando chegaram a Msia, queriam ir a Bitnia, e o Esprito de Jesus no os deixou." (Atos dos Apstolos, XVI, 7.) Estevo fala, e os da sinagoga ficam confundidos ante a sua sabedoria; ele fala inspirado por um Esprito do Senhor; um Esprito dirige a palavra a Pedro, e Cornlio recebe ordens de um santo anjo. Agabo profetiza pelo Esprito, pronunciando as palavras profticas, que um Esprito lhe inspira; e o prprio Esprito de Jesus no deixa que vo a Bitnia, como queriam, os Apstolos Paulo e Barnab. Todos estes casos so de comunicao espiritual, sem interveno diablica, e patenteiam a possibilidade e a realidade do fato, to combatido hoje, como diablico, pela igreja que julga possuir as chaves das Sagradas Escrituras.

"Portanto, se h alguma consolao em Cristo, se h algum refrigrio de caridade, se h alguma comunicao de Esprito, se h algum sentimento de compaixo; Fazei completo o meu gozo, de sorte que sintais uma mesma coisa, tendo uma mesma caridade, um mesmo pensamento." (S. Paulo, aos filipenses, II, 1 e 2.) "No apagueis o esprito. No desprezeis as profecias. Examinai tudo e aceitai o que for bom." (S. Paulo, I Epst, aos tessal., V, 19, 20 e 21.) "Rogamo-vos, irmos. No vos movais facilmente da vossa inteligncia, no vos perturbeis, nem pela Esprito, nem pela palavra, nem por carta vinda como enviada por ns." (S. Paulo, II Epst, aos tessal., II, 1 e 2.) S. Paulo, em sua epstola, fala claramente das comunicaes dos Espritos, porm, no s dos Espritos malignos; aconselha tambm aos de Tessalonica, na primeira epstola, que no apaguem o esprito; que por suas faltas no se faam indignos das comunicaes espirituais, nem desprezem os avisos profticos que possam receber, que examinem tudo e somente aceitem o que for bom; na sua segunda epstola aos mesmos de Tessalonica, aconselha que no variem facilmente dos seus propsitos e das suas crenas, nem por palavra, nem por comunicao espiritual, pois, assim como as comunicaes podem proceder dos Espritos da verdade, elas tambm podem vir dos Espritos do erro. "Carssimos, no acrediteis em todo Esprito, mas examinai se os Espritos so de Deus." (So Joo, I Epstola, IV, 1.)

"Voei em esprito, um dia de Domingo, e ouvi atrs de mim uma voz, como de trombeta, que dizia: O que vs, escreve-o em um livro." (Apocalipse de S. Joo, I, 10 e 11.) As diferenas em perfeio e em virtudes, que observamos entre os homens, existem igualmente no mundo espiritual, pois os Espritos no so mais que os mesmos homens despidos do seu invlucro terreno. O Senhor, que permite a comunicao dos Espritos elevados para fortalecer-nos e instruir-nos, consente tambm, s vezes, as comunicaes dos Espritos imperfeitos, mais ou menos apegados aos instintos sensuais e inclinados mentira ou ao erro, para sujeitar-nos a provas. Por esse motivo, o Evangelho recomenda que no depositemos confiana cega nas palavras e nos conselhos dos Espritos, sem estarmos certos de que so realmente Espritos bons e enviados de Deus para ilustrar-nos ou melhorar-nos. Pelo fruto se conhece a rvore, disse Jesus Cristo, e conheceremos os Espritos pela bondade ou malcia das suas inspiraes. Para que continuar a fazer citaes bblicas em confirmao da tese que sustentamos, a fim de provar que a revelao ou comunicao espiritual pode proceder, e procede em muitos casos, de uma origem benfica superior? No negamos que, sem o fervor necessrio, sem a boavontade conveniente, sem um fim puramente moral e humanitrio do ato da vocao, isto , sem a orao que elevamos para alcanar luzes celestiais, faltar-nos-o as condies que a fazem aceitvel aos olhos do Ser Supremo; no negamos que podemos ser mistificados e enganados por Espritos perigosos; mas da a sermos vtimas de um ser malfico, autorizado por Deus a seduzir-nos e arrastar-nos

eterna perdio, vai uma distncia enorme, uma distncia infinita. No insistiremos, pois, em invocar novos testemunhos sagrados para corroborar as nossas afirmaes; pois acreditamos que, com os que esto transcritos, ter o leitor cristo motivos suficientes, e mesmo de sobra, para compreender a leviandade com que o Catolicismo Romano condena a prtica das evocaes, quando elas so acompanhadas do fervor, da boa-vontade e do recolhimento necessrios. Uma ressalva temos entretanto que fazer, ressalva que rogamos ao leitor considere feita em todos os captulos em que temos copiado e comentado passagens das Sagradas Escrituras. No somos infalveis, e mesmo estamos muito longe de nos julgarmos tais em qualquer ramo de conhecimentos, tratando-se especialmente de assunto to rduo e difcil como a compreenso da palavra revelada; natural, portanto, que tenhamos cometido erros nos comentrios que fizemos dos versculos tirados do Antigo e do Novo Testamento. Em todo o caso, asseveramos ter procedido com a melhor inteno, movidos somente por amor verdade e desejosos de desvend-la aos olhos do pblico. Comparem, pois, os nossos comentrios com as notas do padre Scio; examine-se tudo, mas sem preveno, segundo conselho de S. Paulo, a fim de aceitar-se o que parea melhor. A ningum pedimos a f cega, mas sim a f aclarada, a f racional, a f do que tem abertos os olhos da razo, pois essa a f que desejamos e entendemos possuir. Uma observao ainda, e concluiremos. Os apologistas do Catolicismo Romano costumam lanar ao rosto dos seus adversrios alguns dos seus dogmas com o testemunho das Escrituras, procedimento esse que realmente o que eles

empregam para estabelec-los e defend-los. Consiste isso em destacar um do outro o versculo que lhes convenha, e, torcendo a sua significao, forando o sentido, criam assim o inferno eterno, inventam o diabo, ou estabelecem a infalibilidade, sem se importarem que tal infabilidade, tal diabo e tal inferno desapaream como sombras luz de outros cem versculos e passagens que evitam citar. Por isso, damos s nossas citaes toda a extenso permitida pelos limites e pela ndole deste livro, pesarosos de no podermos trasladar integralmente as Escrituras, cuja constante leitura recomendamos aos cristos, certos de que vero confirmada em cada uma das suas linhas a verdade do Cristianismo Esprita.

Concluso

H pouco mais de um ano, corriam tristes os dias para ns e a alma no vislumbrava no horizonte um s raio de luz, uma s esperana de consolo. Os nossos olhos viam o Sol, mas o Sol no alegrava o nosso corao; percebamos o fulgor das estrelas, porm elas nos pareciam lmpadas acesas por uma grande mo oculta a fim de alumiar imenso sudrio, o sudrio de toda a Humanidade; ao redor de ns a Natureza ostentava as suas galas, e a Criao apresentava as suas harmonias, mas essas galas e essas harmonias feriam os olhos do nosso esprito como iluses pticas, como sonhos passageiros de felicidade, como promessas sedutoras que nunca teriam cumprimento.

Como o condenado morte, que se v rodeado de todos os meios e elementos de vida nos melhores anos da sua juventude, como aquele que se v junto a uma famlia querida, de cujo seio a ingrata morte o arrebata, e para o qual tudo obscuro e aterrador; assim, ns, receando perder de um momento para o outro, e talvez para sempre, as riquezas e douras da vida do Esprito, s podamos considerar, com desalento, as belezas e as harmonias que Deus derramou pelo Universo, a fim de alegrar e esperanar os homens. Os nossos coraes estavam ento enfermos. Uns, dentro das crenas romanas, sentiam as dvidas apoderarem-se do seu nimo, sempre que o entendimento, procurando descobrir a verdade, invadia os trminos da filosofia racional e passava por cima da linha estabelecida, como um cordo sanitrio, pelos fariseus do catolicismo exclusivista; outros, indiferentes s matrias religiosas, em conseqncia dos desenganos colhidos nas excurses ao redor do catolicismo oficial, sentiam, nas horas de recolhimento e estudo, uma necessidade imperiosa de recuperar a paz da alma, que haviam perdido com as esperanas da f; finalmente, os materialistas, apesar de poucos, se agitam impotentes com a vertigem do desespero em um vcuo que no podia ser preenchido pelos ensinos absurdos de uma religio mal interpretada e que, apesar de pretender o monoplio da verdade, estava em luta com as descobertas da Cincia e com os mais nobres sentimentos que brotam de um corao puro e generoso. Todos lutvamos, todos desejvamos rasgar o vu do futuro; todos buscvamos um osis consolador de verdade e de esperana no deserto da dvida e do desalento em que se esgotavam as nossas foras.

Isso se dava h pouco mais de um ano. Desde ento tudo mudou ao redor de ns. Hoje, o Sol nos parece belo, belos os astros que brilham na escurido da noite, belas as galas da Natureza e as harmonias do cu, bela a vida e bela a Criao. Um doce orvalho, o orvalho da f, vivificou a nossa alma e o amor enche o nosso corao. Amamos a vida, porque um dom da bondade infinita, e amamos a morte, porque sabemos ser o comeo de outra vida mais feliz. Somos ditosos no meio das misrias da vida, porque o amor e a f so na Terra as primcias da felicidade imortal. E quem foi que realizou esse milagre, quem acalmou a tempestade que rugia ameaadora nas soledades da nossa alma, quem fez renascer em ns os doces consolos da f e despertou todos os germens de adorao ao Ser Supremo e de amor s criaturas adormecidas em ensinos insubstanciais? Foi o Espiritismo, foi o Cristianismo de Jesus. Sim, leitores e irmos, o verdadeiro Cristianismo realizou esse milagre. Bebamos guas lamacentas e estvamos enfermos; remontamos torrente em busca do manancial, e as guas puras restabeleceram a nossa sade e renovaram as foras vivas do nosso esprito. Vs, filhos do povo, pobres filhos do povo que nasceis envoltos na atmosfera insalubre do infortnio, que viveis na obscuridade e na misria, que trabalhais e no podeis com o vosso trabalho matar a fome dos vossos filhos, que tiritais de frio por falta de abrigo, que gemeis de febre por falta de alimento, e que desesperais pensando no vosso futuro, se chegardes velhice, e no futuro das vossas infelizes famlias, se uma morte prematura lhes arrebatar o vosso amparo, vinde conosco, vinde para o lado dos outros filhos do povo que vos amam como irmos, e que lamentam as vossas

necessidades e amarguras. Vinde, e as vossas lgrimas se enxugaro e os vossos trabalhos se tornaro mais suportveis, e no temereis mais pela sorte dos vossos filhos, porque recebereis inefveis consolos para o presente e a esperana de um porvir seguro, livre das misrias e das penas que consomem as foras do vosso corpo e a atividade do vosso esprito. Sabeis que sois iguais em dignidade e em direitos aos privilegiados da Terra, e sabereis igualmente que sois filhos amados do Pai celestial, que vos espera com os braos abertos para dar a recompensa que merecerdes pela vossa resignao e pelas vossas virtudes. A felicidade entrar nas vossas pobres moradas e possuireis no corao um tesouro inesgotvel que a sombria mo da morte no vos poder roubar. Ns vos chamamos, porque a caridade no-lo prescreve, porque sois nossos irmos, porque, como vs, choramos, queremos e devemos fazer-vos participantes das riquezas e da alegria que a Providncia ps em nosso caminho. Tambm a vs nos dirigimos, ricos e poderosos da Terra, que desfrutais a considerao e as comodidades do mundo. Deus concedeu-vos os bens que negou aos outros; mas, como a Sabedoria infinita nada permite de intil, devemos acatar e venerar as obras da sua justia. Ele vos concedeu as honras e as riquezas; no vo-las invejamos, porque so vossas e no nossas. Sois ricos; que Deus vos abenoe. Vinde, porm, para o nosso lado, acolheivos benfica sombra do verdadeiro Cristianismo, e sereis ainda mais ricos, possuireis as riquezas da alma, cujo valor excede bastante o dos vossos cofres. Com elas comprareis os gozos da Terra, vos e passageiros; com as outras alcanareis

harmonias sublimes e imortais. O verdadeiro Cristianismo revelar o segredo do vosso presente bem-estar, vos indicar o bom uso que podeis fazer dos vossos bens, vos recordar a misria alheia, formando um triste contraste com a abundncia em que nadais; vos dir, enfim, que no deveis consentir que os vossos irmos sofram fome quando possus montes de ouro; e, desse modo, administrando fielmente os bens que Deus concede, sabereis granjear a aprovao superior e tornar estvel a vossa felicidade transitria. Quisramos tambm chamar para o Cristianismo de Jesus os ministros da Igreja Catlica Romana. Com quanto amor e entusiasmo receb-los-amos! Eles poderiam fazer num s dia o bem que, sem o seu poderoso concurso, precisar, talvez, de um sculo para se realizar. E por que os no chamar? certo que no seio das famlias, no confessionrio, no plpito, onde quer que se fale do Cristianismo esprita, s se lembram de ns para nos ridicularizar, menosprezar, caluniar, ofender e amaldioar, pois foram educados assim; entretanto, crem na verdade dos ensinos de Roma, e so mais dignos de compaixo que de indiferena e desprezo. No vos desprezamos, nem odiamos; ficai sabendo de uma vez para sempre: compadecemo-nos de vs, porque, sem que o percebais, o orgulho vos cega. Oh! quo diverso seria o vosso proceder para conosco, se soubsseis despojar-vos desse orgulho que vos encandeia e entontece, no vos deixando ver com clareza a luz do Sol! Estudai imparcialmente as doutrinas do Cristianismo puro; estudai-as, como ns o fizemos, em nome de Deus, e, se tiverdes sentimento, se sentirdes caridade, se tiverdes um juzo so, sentireis como ns, amareis e julgareis como ns, resolvidos a fazer no altar da verdade o sacrifcio das

comodidades e consideraes mundanas. Refleti que o Cristo pregou a caridade como principal das virtudes, cuidando pouco dos interesses temporais, e procedei do mesmo modo; do contrrio, ultrajando-nos e combatendo-nos por causa da nossa doutrina, que a doutrina da caridade crist, teremos o direito de suspeitar que no defendeis a Religio que o essencial, mas sim outra ordem de interesses menos santos e um tanto mais vulnerveis, que no queremos nomear para no vos fazer corar. Finalmente, quer venhais ou no, quer sacudais ou no a lepra do orgulho, o movimento universal est iniciado e h de consumar-se apesar das vossas resistncias, porque vem impelido e dirigido pelos Espritos de Deus. A paz seja com todos.

FIM

TESTEMUNHOS VALIOSOS SOBRE O ESPIRITISMO

Testemunho do Abade Almignana Traduo do opsculo Du Somnambulisme, des Tables Tournantes et des Mediums, considers dans leur rapports avec la Thologie et la Physique. Rue St. Jacques, 42 - Paris.

Introduo Sendo o sonambulismo, as mesas e os mdiuns, para ns, fenmenos que precisavam ser muito seriamente estudados antes de se fazer juzo a seu respeito, to depressa me caram debaixo da vista, em vez de julg-los ex-abrupto, como tantos fazem, tratei de submet-los a numerosas experincias, na esperana de que me fornecessem fato, teis descoberta das causas de to prodigiosos fenmenos. Tendo j obtido alguns desses fatos, melhor ocasio jamais teria para public-los, do que no momento atual, em que dois sbios de primeira ordem, o Marqus de Mirville e o Conde de Gasparin, se empenham numa luta cientfica. E julgo tanto mais oportuno este momento, quanto os fatos fornecidos pelas minhas experincias, sendo contraditrios de certos pontos capitais das doutrinas emitidas na Pneumatologia de Mirville e no Sobrenatural em geral de Gasparin, darei ocasio a que procurem conciliar as suas opinies com os meus fatos, ou vice-versa. Fazendo-se nova luz sobre o trplice fenmeno, concorrese poderosamente para a soluo de um problema que no tem podido ser resolvido to clara e positivamente, como convm verdade, cincia e prpria religio. Tal a minha crena e a de muitos a quem consultei antes de empreender o trabalho a que me impus. Quanto linguagem deste despretensioso escrito, ch, porque, nascido e criado alm dos Pireneus, no me familiar o bom francs, como aos que nasceram e se criaram em Frana, e tiveram sbios e eloqentes mestres.

Simples, porm, como , sai da pena de um homem que procura com empenho a verdade, sem que se desvie por consideraes humanas, persuadido de que sua posio ter a indulgncia do leitor, a quem no a recusaria eu, se estivesse no mesmo caso. Para tratar com ordem a questo em que vou entrar sem mais preliminares, dividirei o meu opsculo em duas partes: na primeira, exporei os fatos que oponho a Pneumatologiade Mirville; na segunda, os que se entendem com o Sobrenatural em geral de Gasparin. Primeira Parte O sonambulismo, as mesas falantes e os mdiuns, No passam de obras do demnio, aos olhos do Senhor de Mirville. E esta, em resumo, a sua doutrina na Pneumatologia. Em uma carta que tive a honra de dirigir Sociedade Mesmeriana, de Paris, sobre a no interveno do demnio no magnetismo teraputico, carta publicada nos nmeros 54, 56 e 57 do Journal du Magntisme, estabeleci a existncia do demnio, com as denominaes que lhe d a Escritura, bem como o poder que ele tem, por permisso divina, de agir fsica e moralmente sobre o homem, segundo os prprios livros sagrados. E, pois, no posso ser suspeito ao Senhor de Mirville, quanto demonologia. Admitindo, porm, a existncia do demnio e a sua ao sobre os homens, no posso partilhar a opinio do sbio, pois, se eu aceitasse a interveno direta do demnio no sonambulismo magntico, nas mesas e nos mdiuns, me

colocaria em oposio ao ensino catlico, sobre os possessos e sobre a maneira de livr-los do maligno Esprito, como passo a demonstrar. H um axioma, to velho como o mundo: tirada a causa, cessa o efeito. Sublata causa, tolitur effectus. A verdade deste axioma, mesmo em relao s possesses diablicas, acha-se explicitamente consagrada nas Sagradas Escrituras. Apresentaram a Jesus Cristo um mudo para que o curasse; oblatus est ei mutus. O Divino Mestre, conhecendo que o mutismo era causado pelo demnio, apressou-se em remover a causa, tirando o demnio do corpo do possesso; feito o que, o mudo falou no meio do povo cheio de admirao; et cum ejecisset demonium locutus est mutus et admiratae sunt turbae. (S. Lucas, cap. XL) Havia em Filipe, na Macednia, uma rapariga que, sendo possessa do demnio, tinha o dom de adivinhao em tal grau, que de todos os pontos vinham consult-la, o que rendia grande proveito ao senhor dela. S. Paulo tirou-lhe o demnio do corpo, e ela perdeu o dom de adivinhar, pelo que, os senhores dela arrastaram o santo apstolo aos tribunais, como se fosse um malfeitor. (Atos, cap. XVI, 16, 17, 18.) Partindo desses princpios, segue-se que, se o demnio intervm diretamente no sonambulismo, nas mesas e nos mdiuns, desde que seja expulso dos sonmbulos, das mesas e dos mdiuns, como Jesus Cristo o expulsou do corpo do possesso e S. Paulo do corpo da rapariga de Filipe, os sonmbulos devem a fortiori perder a sua lucidez, as mesas

ficar imveis e os mdiuns ser incapazes de traar uma linha. Sublata causa tolitur effectus. O que importa conhecer os meios de expelir o demnio donde quer que ele se meta. Esses meios so-nos indicados pelo ensino catlico. De fato, segundo esse ensino, os demnios so expelidos pelos sagrados nomes de Deus e de Jesus, pela prece, pelo sinal da cruz, pela gua benta e por exorcismos. Conhecidos os meios de expelir os demnios, passo a expor o resultado que obtive pela sua aplicao aos sonmbulos, s mesas e aos mdiuns. Tendo visto fenmenos extraordinrios produzidos por sonmbulos, e desejando reconhecer se tais fenmenos tinham alguma coisa de diablico, aproveitei ocasies em que encontrei sonmbulos adormecidos por outros magnetizadores, e orei, invoquei os santos nomes de Deus e de Jesus, fiz o sinal da cruz sobre eles, e lancei-lhes gua benta na inteno de expelir o demnio, para me cientificar se o demnio intervinha no sonambulismo. Entretanto, nenhum dos sonmbulos perdeu a menor parcela da sua lucidez, o que me fez crer que o demnio no tem parte alguma no sonambulismo magntico. Eis um fato que deve chamar a ateno de todo observador de boa-f: Uma menina de treze anos. adormecida pela me, na minha casa, deu provas da maior lucidez, dizendo-nos que estava em comunicao com seres ultramundanos. Assustado, confesso-o, pelo que se passava minha vista, na dvida que me oprimia de ser ou no o demnio o agente daqueles fenmenos, tomei o meu crucifixo, e,

apresentando-o lcida, esconjurei-a pelo santo nome de Jesus. E sabeis o que fez a sonmbula? Em vez de repelir a imagem do Crucificado, tomou o crucifixo, levou-o respeitosamente aos lbios, e adorou -o, com a maior edificao para sua me e para mim Se o Sr, de Mirville desejar conhecer a sonmbula e seus pais, posso indicar-lhe a sua residncia. Esses meios, por mim empregados para ver se o demnio tinha parte no sonambulismo, tm sido igualmente empregados por outras pessoas piedosas com o mesmo fim e resultado. Se o Senhor de Mirville desejar conhecer algumas dessas pessoas, posso facilitar-lhe o conhecimento. Quanto aos exorcismos, sabe-se pela biografia da famosa sonmbula prudncia que, embora muitas vezes exorcismada, nunca perdeu um s tomo da sua grande lucidez. Aos fatos que acabo de referir, em favor da no interveno do demnio, vm juntar-se muitos outros de gnero diferente que, de certo modo, os confirmam. Um dos modelos da eloqncia sagrada, o reverendo padre Lacordaire, falava sobre o sonambulismo em dezembro de 1846, e longe de qualific-lo satnico, como o Senhor de Mirville, disse o sbio dominicano, do alto da cadeira da verdade, na igreja de Notre-Dame de Paris, que esse fenmeno pertencia ordem proftica, e que era uma preparao divina para humilhar a orgulho do materialismo. Essa linguagem do alto da tribuna sagrada foi publicamente aprovada por Monsenhor Afre, centro de unidade catlica na diocese de Paris, o qual, dirigindo-se aos

fiis, lhes disse: Meus irmos, foi Deus que falou pela boca do ilustre dominicano. Uma senhora, que dotada de grande piedade, tendo sido abandonada em estado desesperado pela medicina oficial, foi magnetizada por um parente e, num dos seus primeiros sonos, disse estar vendo uma pessoa que, segundo os sinais, parecia ser a bisav da lcida, falecida muito anos antes do seu nascimento. A sonmbula foi curada pelos conselhos da sua bisav, recebidos em sono magntico. Julgando este fato grave e interessante para a religio, filo publicar no n 19 do Magntisme Spiritualiste fazendo apelo a todos os que, pelos seus conhecimentos, pudessem explic-lo. Entre aqueles a quem fiz apelo, figuravam os telogos, aos quais eu dizia "Seria o demnio que, tomando um corpo fantstico, revestiu a forma da bisav de M. R. e a curou de uma enfermidade por ela mesma criada?" Ao Soberano Pontfice foram enviados alguns exemplares do citado jornal, por intermdio do Nncio Apostlico em Paris, e bem assim a Monsenhor Arcebispo de Paris Faculdade de Teologia da Sorbona, aos reverendos padres jesutas da rua dos Postes, ao rev. padre Lacordaire e ao Consistrio Calvinista de Paris, rogando eu a todos que me esclarecessem sobre um fato to grave. Pois bem: at agora, vai para trs anos, e nenhuma daquelas altas personagens me disse que era o demnio o autor do fato sobre o qual chamei a ateno delas; o que prova ser ele estranho ao mesmo fato, sem o que no teriam

deixado de me advertir, quer pelo interesse da religio quer por caridade para comigo. Se o Senhor de Mirville desejar conhecer a sonmbula a que me refiro, posso lev-la a sua casa. Interrogai Monsenhor Sibour sobre o sonambulismo, e sua Grandeza dir-vos- que as idias emitidas pelos sonmbulos no so mais que o reflexo das do magnetizador, sem vos falar sequer do demnio. Mas, basta de sonambulismos, e passemos s mesas. Tenho feito grande nmero de experincias com as mesas giratrias e falantes, com leigos e com sacerdotes, homens de sentimentos religiosos, e at com um venervel bispo. Desejando, no interesse da religio e das nossas almas, saber se o demnio com efeito o agente do movimento e da linguagem das mesas, empregamos todos os meios que o ensino catlico oferece para expeli-lo, inclusive o exorcismo, e nenhum resultado obtivemos. Nem a prece, nem os sagrados nomes de Deus e de Jesus, nem o sinal da cruz, feito sobre as mesas, nem o crucifixo, nem os rosrios, nem os Evangelhos, nem a Imitao de Jesus Cristo, postos sobre as mesas, nem a gua benta, puderam impedir que elas girassem, batessem e respondessem. Pelo contrrio, vimos muitas vezes, com grande admirao, elas se inclinarem diante da imagem do Crucificado. Direi mais: numa experincia que fiz com o bispo, foi este quem fez o sinal da cruz sobre a mesa, sem que ela deixasse de mover-se.

Monsenhor perguntou-lhe se amava a cruz, e ela respondeu afirmativamente, causando surpresa ao ilustre varo v-la inclinar-se diante da sua cruz pastoral e falar-lhe da vida futura de maneira ortodoxa. Se o Senhor de Mirville deseja conhecer a casa e a pessoa que fez com o bispo e comigo essa experincia, terei sumo prazer em satisfazer-lhe. Se, depois de todos os fatos, fosse preciso raciocinar conforme a Pneumatologia do Senhor de Mirville, o nico raciocnio possvel seria este. O ensino catlico, sobre as pessoas diablicas, d s preces, aos santos nomes de Deus e de Jesus, ao sinal da cruz, gua benta e aos exorcismos a virtude de expelir os demnios dos possessos; ora, nem a prece, nem os sagrados nomes de Deus e de Jesus, nem o sinal da cruz, etc., tiveram o poder de expelir o demnio dos sonmbulos e das mesas que, segundo o Senhor de Mirville, so verdadeiros possessos; logo, o ensino catlico no ensina a verdade; logo, a Escritura, os Padres e a Igreja, autoridades em que se firma o ensino catlico sobre possessos e modos de cur-los, esto em erro. Qual o verdadeiro catlico que ousaria ter semelhante linguagem? Foi, pois, para no me colocar em to arriscada posio, que entendi no partilhar a opinio do Senhor de Mirville sobre as manifestaes fludicas dos Espritos. Dir-me-o que, se os meios aconselhados pelo ensino catlico, para a expulso do demnio, falham algumas vezes, depende isso da pouca f de quem os emprega. A esta objeo respondo:

Os pagos no tm grande dose de f, e entretanto Orgenes diz que o nome de Deus, pronunciado mesmo por um pago, expele o demnio. (Orgenes contra Celsum.) Muitas pessoas h, entre as quais piedosos eclesisticos e leigos aferrados aos sacramentos, que tm feito comigo experincias, orando comigo, invocando comigo os sagrados nomes de Deus e de Jesus, etc. Ser crvel que entre tais pessoas no houvesse uma que tivesse pelo menos a f de um pago? No posso acredit-lo. Qu! O venervel bispo que experimentou comigo e que, durante quatro anos, se sacrificou propagando a f em longnquos pases, no possuiria a f de um pago, para poder expelir os demnios em nome de Deus? Seria isso insultar a obra santa da propagao da f na pessoa de um dos seus melhores apstolos! Passemos adiante. Eis como S. Joo nos ensina a conhecer se um Esprito de Deus ou no: "Meus bem-amados, eis como conheceis se um Esprito de Deus: todo o que confessa que Jesus Cristo veio em carne, de Deus; e todo o que no confessar que Jesus Cristo veio em carne, no de Deus." (I Epstola, captulo IV.) Instrudo por S. Joo sobre o modo de conhecer os Espritos de Deus, servi-me do meio indicado para descobrir a natureza dos Espritos ou foras ocultas que produzem os fenmenos das mesas. Foi assim que dirigi minha pequena mesa, posta em movimento, a seguinte pergunta: - Confessais que Jesus Cristo veio em carne? - Sim, respondeu ela. Repetindo muitas vezes a mesma pergunta, tive sempre a mesma resposta.

Tendo feito essa experincia insuladamente na minha casa, quis ver se, fazendo-a acompanhado, obtinha o mesmo resultado, e, nessa inteno, fui a pessoas instrudas, que se ocupavam desse gnero de estudos, e pedi a uma, que era mdium, para comigo pr as mos sobre uma mesa. Fazendo-se sentir o movimento, fiz-lhe a mesma pergunta que tinha feito minha mesa, e tive a mesma resposta. Depois dessas experincias, posso eu conscienciosamente crer na influncia do demnio sobre as mesas falantes, sem considerar errneo o testemunho de S. Joo? Cabe ao Senhor de Mirville responder-me. Ainda tenho mais caminho a andar. L se na Ritual, captulo dos energmenos ou possessos, o seguinte: Signa energumenorum sunt. Ignota igno loqui idque maxima serie verborum quoe previder non potuerunt inteligere distantia velita loquentem, et oculta patefacere et vires supra etatis suae naturam ostendere. Se os demnios falam todas as lnguas, como diz o Ritual, mesmo as desconhecidas, estou autorizado a dizer, baseado em grande nmero de experincias que fiz, que as mesas no falam todas as lnguas, mesmo as conhecidas, nem as compreendem. Um consultante, que no conhece o grego, no obter resposta nessa lngua, e, se dermos alguma pergunta escrita em linguagem que lhe seja desconhecida, para a mesa responder, ela no a compreender. Se o Senhor de Mirville desejar fazer comigo essas experincias, estou s suas ordens.

Procurei ver se as mesas possuam a faculdade que, segundo o Ritual, tm os demnios de ver o que oculto e de ler no futuro, e obtive mais erros do que verdades nesse ponto. Quanto s foras fsicas superiores que os demnios tem, segundo o mesmo Ritual, no h mesa alguma, cujo movimento no possa ser suspenso ou atenuado, desde que o experimentador envolva as mos em seda: o que prova a sua deficincia de foras supra naturam e, conseguintemente, que no o demnio quem lhe imprime o movimento. O que, porm, d mais fora s razes em que me baseio, para no aceitar a influncia do demnio nos fenmenos das mesas falantes, que, tendo-as apresentado a quatro prelados da igreja de Frana, trs dos quais figuram entre os que mais interesse, tomaram na questo religiosa das mesas, pedindolhes que as examinassem e me dissessem se eu estava em erro, para me retratar e escrever em sentido contrrio s mesmas, nenhum deles me disse que eu estava em erro ou censurou o que por mim foi exposto. Para o caso de ser preciso comprovar esse fato, guardo as cartas daqueles prelados. Agora passemos aos mdiuns. Tendo ouvido dizer que h pessoas, cujas mos, impelidas independentemente da vontade, escrevem coisas extraordinrias, quis assegurar-me desse fato. Tomei um lpis, e, colocando a minha mo sobre um pedao de papel, concentrei-me quanto pude. Decorreram apenas alguns minutos, e eis que senti arrastarem-me a mo, que traou, inconscientemente, linhas, letras e palavras. Muitas vezes repeti essa experincia com o mesmo xito, tornando-me assim mdium de ordem secundria.

Desejando verificar se nesse fenmeno havia influncia diablica, para no mais dele me ocupar, perguntei fora oculta ou Esprito que movia a minha mo se era ele o demnio, ao que me respondeu que no. Solicitei-lhe a prova, e logo a minha mo foi arrastada e traou uma grande cruz. Fiz, em seguida, as perguntas sobre Jesus Cristo que antes eu fizera mesa, e as respostas escritas foram s mesmas; donde a concluso de que os agentes da escrita dos mdiuns so os mesmos do movimento das mesas, e no demnios, como tenho demonstrado. Entretanto, para mais me assegurar da no interveno do demnio nos mdiuns, tentei mais esta experincia: Falando o demnio, segundo o Ritual, todas as lnguas, mesmo as desconhecidas, no intuito de saber se a fora oculta ou o Esprito que me fazia escrever, tinha essa faculdade demonaca, o que provaria a interveno dos demnios nos mdiuns, exigi da fora oculta que me fizesse escrever o Pater em muitas lnguas. Disse-me ela que sim. Tendo deixado a mo passivamente neutra, com uma pena escreveu ela o Pater de duas maneiras, que a fora estranha me disse serem o valaco e o russo. Pedi-lhe que escrevesse em francs, em espanhol, em italiano e em latim; e ela o executou prontamente. Pedi-lhe, ainda, que escrevesse em ingls e em alemo, e ela respondeu-me que no podia. Por que razo? Ento em que lnguas podeis fazer-me escrever? Nas que eu falava na Terra: o valaco e o russo, e nas que vs falais. Esse Pater, assim escrito, tive a honra de lev-lo pessoalmente ao Arcebispo de Paris, que mo pediu.

Algum me aconselhou que dissesse ao Esprito ou fora oculta que me fizesse escrever algumas frases em valaco, para mostr-las a quem conhecesse essa lngua. Saber-se-ia assim se era ou no valaco o que se me tivesse feito escrever. Aceitei o conselho, porm, tive a idia de verificar eu mesmo o fato. Escrevi, numa folha de papel, uma frase em francs, tirei uma cpia noutra folha. O Esprito fez-me escrever vrias linhas, e me disse que a traduo em valaco era aquela. Pedi-lhe que vertesse a frase para o espanhol, para o italiano e para o latim, e ele o fez. Tendo-lhe pedido uma verso para o ingls, respondeume que no podia, porque eu no sabia aquela lngua. Deixei passar alguns minutos, e, tomando a cpia da frase, disse ao Esprito que fizesse com ela o mesmo que com o original. O Esprito fez-me escrever a frase nas mesmas lnguas que antes, e eu apressei-me em comparar as duas tradues. Qual no foi, porm, a minha surpresa, quando, achando as tradues espanhola, italiana e latina das cpias iguais s do original, vi que a do valaco da cpia e a do original eram completamente diferentes! Convenci-me de que o Esprito no conhecia o valaco, o que demonstrava no ser ele o demnio, segundo o Ritual; entretanto, isso provava que ele me tinha enganado; repreendi-o severamente, chamando-lhe embusteiro e infame, e despedi-o da minha casa. A minha mo, acometida de violento tremor, escreveu, em grandes caracteres: "Eu sou o demnio, e vs um mau padre, que busca conhecer os segredos de Deus."

Pois bem, respondi-lhe, precisamente por me fazeres escrever que s o demnio, que eu no te acredito. Segundo o Ritual, o demnio fala todas as lnguas, e tu no falas o valaco nem o ingls, etc.; logo no s o demnio. Se sou um mau padre, no, isso da tua conta, Deus quem me julgar, e a seu santo juzo me curvarei. Se me fosse dado ver-te, como te sinto, eu te daria uma boa resposta, mas contento-me em deixar de fazer experincias contigo. Apenas disse isto, a minha mo, arrastada, escreveu: "Perdo! perdo! eu no sou o demnio. Se o disse, foi para vos meter medo, porque vs me atormentais com perguntas. "Vejo bem que sois um homem destemido. No sois um mau padre, mas sim um grande pensador. Fazei as vossas experincias comigo, que vos direi sempre a verdade." Pois bem! eu te perdo; mas dize-me, sem me enganar; quais so as lnguas que falas? Eu no falo seno as que falais, e, se disse o contrrio, foi para rir-me. Quais so, ento, as lnguas que falam os Espritos? Unicamente as dos consultantes. Essa sesso terminou assim. Querendo verificar o que me foi dito pelo Esprito, fui a outro mdium psicgrafo, e pedi-lhe uns trabalhos de escrita. Em meio das nossas experincias, escrevi em uma folha de papel estas palavras em espanhol: como te llamas? e sem dizer ao mdium a significao daquelas palavras, pedi-lhe que as lesse ao Esprito. Ele pediu ao Esprito que as traduzisse; porm este ficou mudo.

Insistiu por uma resposta, e o Esprito f-lo escrever: fatalidade. No condizendo resposta com a pergunta, pedi ao mdium que dissesse ao Esprito que aquilo no era resposta. Foi ento que este o fez escrever: "Se no respondi, foi porque no conheo essa lngua." No compreendendo o mdium o que havia lido ao Esprito, percebi que, se este no respondia em espanhol, era porque aquele no sabia essa lngua, o que confirmava o que me disse o meu Esprito. Ento pedi ao mdium que rogasse ao seu Esprito que respondesse pergunta: Como te Mamas, e ele disse: Benito. Em francs: Benoit. Em latim: Benedictus. Essa experincia, confirmando o que me foi dito pelo meu Esprito familiar, que os Espritos no falam seno as lnguas do consultante, foi para mim uma nova prova da no interveno do demnio nos mdiuns; visto como, falando ele todas as lnguas, segundo o Ritual, os mdiuns no escreviam seno nas lnguas que conheciam. Se o Senhor de Mirville quiser fazer alguma experincia desse gnero comigo, terei nisso grande prazer. Nota bene: O que h de particular no que me foi dito pelo Esprito de que sou o mdium, relativamente s lnguas de que se servem os Espritos, quando falam aos homens, o mesmo que foi dito, h 105 anos pelo exttico Swedenborg. Vede o n 236 da sua obra: Cu e Inferno. Deixemos o Senhor de Mirville, a quem cabe o dever de esclarecer-nos sobre os fatos acima referidos e de concililos com a sua Pneumatologia.

Passo agora a ocupar-me do Sobrenatural em geral, do Senhor de Gasparin. Segunda Parte Todos os prodgios dos extticos e dos sonmbulos as feitiarias, as almas do outro mundo, as aparies, as vises, etc., so, em sua origem, devidas, segundo Gasparin, excitao nervosa, ao fludica, e, algumas vezes, a alucinaes. Como no pretendo fazer aqui a anlise e a crtica da obra do Senhor de Gasparin, por me faltar competncia, a qual s a tm os que se acham na mesma altura cientfica daquele autor, ocupar-me-ei somente de alguns fatos que me so pessoais e que julgo estarem em oposio a certos pontos da doutrina do, Senhor de Gasparin, quanto s suas mesas giratrias, ou ao Sobrenatural em geral, a que j me referi na introduo deste opsculo. Comearei pelo xtase. Falando dos extticos, o Senhor de Gasparin assim se exprime "Quanto s faculdades intelectuais, so elas capazes de receber naquele estado um prodigioso desenvolvimento. Os extticos declaram que tm duas almas, que uma voz estranha que por eles fala, que recebem idias desconhecidas, em termos que nunca tiveram sua disposio. Acontece mesmo que a camponesa, habituada ao pato, fala francs, e que o iletrado se exprime em latim. Ora, h nisso alguma coisa de sobrenatural? Certamente no; o que h um estado fisiolgico, em que se abrem

tesouros de reminiscncias, que o paciente ignorava possuir, mas que de fato possua. A camponesa j ouviu falar francs, e, sem que o soubesse, lhe ficou aquilo gravado no baixo fundo da memria inconsciente, onde nada se apaga realmente. Exaltada ou doente, ela adquire a posse daquela lngua. O negociante, que apenas fez estudos primrios, e que nunca soube o latim, adquire a posse dessa lngua, e tonteia o seu mdico, a quem s nela falar." Por essa teoria exttica do Senhor de Gasparin, concluise que as idias enunciadas pelos extticos, e de que no tinham eles conhecimento no estado normal, no so mais que reminiscncias. Como o Senhor de Gasparin, eu admito a reminiscncia, que no seno a volta da alma ao pensamento de uma coisa, ou de uma idia esquecida, apesar de gravada na memria. Essa volta, entretanto, s se opera a favor de algum trabalho intelectual que nos conduza recordao de coisas ou idias esquecidas. Eu sou mdium, e o mdium, segundo as idias correntes, um sonmbulo acordado. Ora, todo sonmbulo exttico, em maior ou menor grau; logo, sou exttico. Pois bem; eu, que sou exttico, tomo um lpis, e, colocando-o sobre o papel e concentrando-me, digo fora oculta que dirige a minha mo e a leva a escrever, inconscientemente, que me faa escrever alguma coisa sobre a criao, se lhe for possvel. Apenas tenho pronunciado estas palavras, a minha mo arrastada sem interrupo, e escreve sobre a criao coisas verdadeiras ou falsas, que me surpreendem.

Terminada a sesso e desejando verificar se essas idias sobre a criao eram reminiscncias, procurei ver se elas se haviam gravado na minha memria por alguma leitura ou por t-las ouvido de algum. Nesse intuito, comecei a reler os livros religiosos e filosficos que podiam tratar da questo, porm, nada encontrei neles que se parecesse com o que escrevi. Consultei as bibliotecas pblicas, e nada descobri, a, semelhante ao que a minha mo me tinha dado a conhecer sobre a criao. Passando da leitura audio, fiz uma revista retrospectiva de fadas as universidades que freqentei, e no descobri um professor que tivesse tido aquela linguagem e que fosse mesmo capaz de t-la. A tal respeito, examinei as opinies de todos os filsofos, naturalistas, telogos e historiadores, com os quais tive relaes cientficas: nenhum havia falado na criao pela maneira por que a minha mo o fizera. Depois do que acabo de dizer, fao o raciocnio seguinte: Examinando-se atentamente os meios pelos quais as noes sobre a criao expressas pela minha mo podiam ser gravadas na minha memria, nada indicou a menor suspeita de que essas noes me tivessem chegado por tais meios. Se, pois, as ditas noes no puderam chegar a mim, nem pela leitura, nem pela audio, elas no podiam ter sido gravadas na minha memria: no existindo em mim, no podiam ter sido esquecidas, nada mais podia fazer lembrar. Se nada podia fazer lembrar-me noes que no existiam em mim, ou antes, na minha memria, essas noes sobre a criao, posto que expressas pela minha mo, no so reminiscncias.

Isso no bastante, porm; dissemos que na reminiscncia preciso um trabalho intelectual que, pela lembrana de um objeto, idia ou noo, nos induza recordao de um objeto, idia ou noes esquecidas; para que esse trabalho se efetue, preciso tempo, ainda que pouco. Coloquei a minha mo com um lpis sobre o papel, e disse fora oculta que escrevesse alguma coisa sobre a criao; e, logo, e sem a menor interrupo, exprimiu a minha mo, pela escrita, as noes que eu havia pedido fora oculta. Logo, em que momento pde operar-se o trabalho intelectual? Quais as coisas, idias ou noes, cuja recordao pde conduzir-me lembrana das noes sobre a criao, expressas pela minha mo? Convir-se- que, nesse fenmeno, nem o trabalho intelectual, nem a recordao de uma ou vrias coisas ou idias, conduzindo-nos lembrana das noes sobre a criao, existiram, o que uma dupla prova da no reminiscncia nas idias ou noes sobre a criao escritas pela minha mo, arrastada sem eu o saber. Agora, se as noes sobre a criao, escritas pela minha mo, no so reminiscncias, se no foram sugeridas pelo demnio que, segundo o Senhor de Gasparin, inteiramente estranho a esses fenmenos, se no foi a alma de alguma pessoa morta que fez agir a minha mo, visto que o Senhor de Gasparin, como protestante, no cr nas almas do outro mundo nem nas comunicaes dos vivos com os mortos: quem, ento, pde fazer escrever a minha mo, sem que eu o soubesse, coisas to novas para mim?

Rogo, pois, ao Senhor de Gasparin explicar-me esse fenmeno, que parece estar em oposio com a sua teoria sobre os prodgios dos extticos. Quanto ao que a minha mo escreveu, se o Senhor de Gasparin desejar v-lo, poderei corresponder aos seus desejos. Mas, que dir o Senhor de Gasparin, quando, tendo pedido ao Esprito para responder-me por escrito a uma coisa que eu sabia, ele no o pde fazer, ou me respondeu contra as minhas idias e convices? H aqui reminiscncia? Passo agora ao sonambulismo. Falando do sonambulismo, eis o que diz o Senhor de Gasparin no seu Sobrenatural: "A clarividncia dos sonmbulos parece no ter, em geral, seno o carter de um estro. Os seus prodgios so prodgios de reminiscncias ou de percepo das imagens e das idias que esto na inteligncia das pessoas com quem os sonmbulos se pem em relao. Tal me parece ser o segredo do magnetismo animal, bem pouco modificado desde a sua origem." (Tomo II, pg. 311.) Do que nos diz o Senhor de Gasparin, segue-se que, toda a vez que um sonmbulo nos fala, no seu sono, estar vendo a alma de uma pessoa morta, dando os sinais exatos do defunto, no a pessoa morta que ele v, mas sim a sua imagem gravada na sua memria, se conheceu o defunto, ou na do consultante com quem est em relao. De maneira que os sonmbulos, nessas aparies de mortos, no fazem mais que reproduzir fatos de reminiscncias ou de subtrao de imagens e pensamentos de outrem.

Aps o Senhor de Gasparin, cabe-me a vez de falar: Em janeiro de 1848 foi publicada uma obra, intitulada Os arcanos da vida futura revelada. Tendo atrado a minha ateno o seu ttulo, procurei-a e no encontrei nela seno uma narrao de aparies de pessoas mortas, feitas a sonmbulos. Em questo to delicada, julguei necessrio consultar as Escrituras, para ver se as aparies dos mortos a vivos eram admitidas pelos livros sagrados. Abri, pois, a Bblia, e a primeira passagem que se me apresentou foi o cap. XXVII do livro I dos Reis, onde est escrito que Samuel apareceu pitonisa de Endor, e que, por meio dela, falou a Saul; apario essa que no diferia das que o Senhor Cahagnet dava no seu livro Arcanos. Vi depois, no livra II dos Macabeus, o sumo sacerdote Onias e o profeta Jeremias aparecendo a Judas Macabeu. (XI, 8 e 10.) Vejo em S. Mateus, cap. XVII, a apario de Moiss e de Elias a Pedro, Joo e Tiago, no Tabor. Li, enfim, no cap. XXVII (50 e 53) do mesmo S. Mateus, que muitos mortos apareceram quando Jesus expirou. Convencido, pela Bblia, da possibilidade, ou antes, da realidade das aparies dos mortos aos vivos, propus a seguinte questo: "Aquelas aparies que, segundo a Bblia, se efetuaram nos tempos idos, no sero possveis nos tempos presentes?" Para resolver essa questo, ainda quis interrogar a Bblia, e achei o Esprito Santo, no Eclesistico, ensinando: O que foi o que ser e o que tem sido feito o que se far. vista disso, conclu: as aparies dos mortos aos vivos foram reais, segundo a Bblia; e o que se deu em um tempo,

deve-se dar em todo o tempo, segundo a Bblia; logo, nada se ope a que as aparies, que se deram em tempos idos, se repitam hoje, se Deus o permitir. Tratava-se, porm, de saber se as aparies referidas nos Arcanos eram verdadeiras, ou se no passavam de contos ou iluses. A soluo desse problema pertencia-me. Foi para desempenhar-me dessa tarefa que me apresentei ao Autor dos Arcanos, e tive com ele uma discusso muito sria sobre a sua obra, do que resultou a apario do meu irmo Jos, a terceira que figura no 2 volume dos Arcanos. Com efeito, pedi a apario daquele meu finado irmo, e, alguns minutos depois, a lcida Adele me disse estar vendo uma pessoa, que, pelos sinais dados sobre o carter, sobre a molstia e lugar da sua morte, s podia ser aquele meu irmo. Essa apario produziu em mim to profundo abalo, que no pude dormir noite. Eu procurava explicar aquele fenmeno. Depois de muito me fatigar, julguei explicveis tais aparies pelos mesmos meios hoje adotados pelo Senhor de Gasparin. Disse comigo: os sonmbulos vem as imagens das coisas gravadas na memria das pessoas com quem esto em relao. A imagem do meu finado irmo estava gravada na minha memria, e, pois, bastou o Senhor Cahagnet pr-me em relao com a sua vidente, para que esta a visse em mim. Assim pensando, escrevi ao Senhor Cahagnet, dizendolhe que, a respeito da minha conformidade de ontem sobre a realidade da apario do meu irmo, os meus conhecimentos

magnticos me obrigavam hoje a pensar diversamente, e que, portanto, reclamava novas experincias. Tendo o Senhor Cahagnet aquiescido aos meus desejos, obtivemos duas aparies: uma do mesmo meu irmo, e outra de Antoinette Carr, irm da minha criada, aparies que se acham consignadas no 2 volume dos Arcanos. Os sinais que deu a sonmbula das duas pessoas aparecidas no podiam ser mais exatos; mas eu, sempre com a idia de que a sonmbula as tinha visto na minha memria, nada adiantei com essa sesso. Curioso, porm, de saber se outros sonmbulos possuam a mesma faculdade da mdium de Cahagnet, pedi ao Senhor Lecocq, relojoeiro da marinha, residente em Argenteuil, que fizesse algumas experincias com a sua irm, sonmbula muito lcida. O Senhor Lecocq, para satisfazer-me, fez no dia 5 de fevereiro de 1848 a experincia pedida, e obteve cinco aparies, dentre as quais trs pessoas completamente desconhecidas de todos ns, as quais deram os seus nomes. S depois de minuciosas informaes das pessoas que tinham conhecido os trs aparecidos, foi que nos pudemos assegurar da sua identidade, como resulta da carta que o Senhor Lecocq me escreveu, e que eu pus disposio do Senhor Cahagnet, carta essa. que foi publicada no 2 volume dos Arcanos, pgina 244. Em vista desse fato e de outros do mesmo gnero, de que eu tinha conhecimento, a minha opinio, sobre a subtrao das imagens e das idias da memria dos consultantes, comeou a modificar-se.

Entretanto, para convencer-me completamente da realidade das aparies, era preciso que eu mesmo tenha provas minhas. Animado desse desejo, pedi a pessoa do meu conhecimento que me desse o nome de batismo e de famlia de algum morto meu desconhecido, e essa pessoa forneceume o de Jos Moral. A jovem sonmbula de treze anos, de que falei na primeira parte deste opsculo, e que se achava um dia adormecida pela sua me, na minha casa, pedi que fizesse aparecer Jos Moral. Tinha apenas decorrido dois minutos, e eis que a sonmbula acusa a presena de um homem, cujos sinais deu com toda a minuciosidade. No tendo conhecido Jos Moral, e no podendo conseguintemente saber se aqueles sinais eram os seus, limitei-me a tom-los por escrito. Terminada a sesso, fui ter com a pessoa que me tinha dado aquele nome, e, tendo eu lido o que disse a sonmbula sobre a apario, ela exclamou: Senhor, como pudestes fazer uma descrio to exata do Sr. Jos Moral, sem t-lo conhecido nem visto?! Esse fato deu-me a convico de que os sonmbulos, nas suas comunicaes com os mortos, no vem a imagem desses na memria dos consultantes, mas sim os vem como a pitonisa do ndor viu a Samuel. Se o Sr. de Gasparin desejar conhecer a pessoa que me deu o nome de Jos Moral, terei prazer de apresent-la na sua casa. Apreciemos mais outro fato, do gnero precedente, porm ainda mais interessante.

O Sr. de Sarrio, de Alicante, na Espanha, cavalheiro de Malta, deu ao meu irmo Jos, aquele de quem acima falei, 15.000 francos para serem distribudos pelos pobres, soma de que meu irmo passou recibo. Por morte do Sr. de Sarrio, o seu irmo Marqus d'Algolfa, seu herdeiro, achou entre os papis do defunto aquele recibo, e, desejando saber se todo o dinheiro j tinha sido distribudo pelos pobres, dirigiu-se a minha irm, que era a herdeira do meu irmo Jos, j falecido. Minha irm, que no conhecia os negcios do irmo, por no ter vivido com ele, ps disposio do marqus os assentamentos do defunto. Daqueles assentamentos s constava a distribuio da metade da soma, e, vista disso, o marqus reclamou da minha irm a outra metade. A minha irm quase nada tinha herdado, por ter aceitado a herana em benefcio do inventrio, e, no se julgando responsvel por dinheiro que no tinha visto e cujo paradeiro ignorava, recusou satisfazer a exigncia do marqus, donde uma demanda proposta por este. Muito aflita por causa dessa demanda, que, alm de tudo, lhe trazia dispndios impossveis, minha irm escreveu-me de Alicante, referindo-me o ocorrido. Contrariado com isso, dirigi-me mdium de que acima falei e lhe pedi a apario do meu irmo, com quem ela se tinha comunicado muitas vezes, segundo afirmava. Disse-me ele que estava presente; interroguei-o sobre o negcio do dinheiro recebido do Senhor de Sarrio, censurando-o pelo modo por que tinha procedido e pelos incmodos que estava causando nossa irm.

O meu irmo, admirado da minha linguagem, declarou que a ningum ficou devendo e que o dinheiro em questo dera-o ao padre Mrio, antes de morrer, para que o distribusse pelos pobres e que ia fazer vir o padre Mrio para o confirmar. Apenas o meu irmo deixou de falar, disse-me a sonmbula que via um homem junto dela e, pelos sinais, reconheci um monge capuchinho. Esse monge confirmou o que havia dito o meu irmo. Como nunca tinha eu ouvido falar do padre Mrio, por ter eu deixado Alicante h mais de trinta anos, e, portanto, nenhum juzo podendo fazer a seu respeito, limitei-me a pedir-lhe informaes sobre o seu pas e sobre a sua famlia, ao que ele me respondeu que era de S. Vicente do Respeito, a uma lgua de Alicante, etc., etc. A vista dessa revelao, escrevi minha irm, fazendolhe as seguintes perguntas: O nosso irmo Jos foi visitado antes de morrer por um padre chamado Mrio, que tinha uma irm em S. Vicente do Respeito? Sabes se Mrio j morto? Eis a resposta: "Quanto ao padre Mrio, h muitos anos deixou este pas, e no se sabe se est em Frana, ou se na Amrica; ele no visitou o nosso irmo na sua molstia, porque muitos meses antes haviam sado daqui; tinha duas irms, das quais uma estava na Arglia e a outra o acompanhou." As cartas escritas por mim minha irm e as respostas desta, com outros detalhes, foram publicadas no 3 volume dos Arcanos, e os seus originais, ainda em meu poder, esto disposio do Senhor de Gasparin.

Agora, seja-me lcito fazer uma pergunta a esse senhor sobre o ltimo fato. Se a apario do padre Mrio no uma alucinao, mas sim uma realidade provada pelas cartas da minha irm que confirmam a existncia daquele padre; Se no o demnio que, tomando a forma do padre, apareceu sonmbula, visto que o Senhor de Gasparin repele a interveno do demnio nos fenmenos do sonambulismo; Se no foi a alma do padre que apareceu sonmbula, visto que o Sr, de Gasparin no admite a comunicao dos mortos com os vivos; Como explicar-se o fenmeno sonamblico do padre Mrio e concili-lo com o seu sobrenatural em geral? So esses os fatos que tenho por ora a opor ao sobrenatural do Senhor de Gasparin. Com o tempo lhe hei de dizer mais, assim como ao Senhor de Mirville sobre o sonambulismo e sobre as mesas e os mdiuns. Se o Senhor Marqus de Mirville e o Senhor Conde de Gasparin no responderem, ao meu apelo, esse silncio muito comprometer os interesses da verdade, da cincia e da religio. E, pois, para no prejudicar to sagrados interesses que eu espero que esses senhores satisfaam aos meus desejos. Se lhes for mais cmodo responder-me verbalmente, muito me honraria procur-los, para ouvir, com tanta ateno quanto reconhecimento, tudo o que se dignarem dizer-me a respeito dos fatos que tenho aqui exposto. Esses fatos eu os publicarei, se assim o exigirem os interesses da verdade, da cincia e da religio. Abade Almignana.

Nota do Redator da "Revue Spirite" de Paris

Lendo na Revise a primeira parte da brochura do Abade Almignana, o Senhor Van-de-Ryst, diretor do Messager, de Lige, exprimiu-nos a sua imensa satisfao e a dos seus amigos. Ele nos pede que faamos uma brochura popular desse trabalho, e que lhe ajuntemos um artigo que saiu no jornal Le Spiritisme, de fevereiro de 1889, intitulado: Viagem ao pas das recordaes - Enviado pelo Papa, a que completar brilhantemente a brochura. Damos em seguida, e por extenso, o artigo do jornal Le Spiritisme, e os nossos leitores julgaro como Van-de-Ryst, que ele corrobora as experincias do Senhor Almignana, provando, da maneira mais positiva, que desde o princpio do Espiritismo o clero catlico conheceu todo o valor das manifestaes e que s recentemente que procura sufocar a verdade, o grande culpado! Enviado pelo Papa Para encorajar os nossos esforos e julgar por si mesmo da marcha dos nossos trabalhos, Allan Kardec vinha, de tempos em tempos, presidir a uma das nossas sesses. Ele nos esclarecia com os seus conselhos, nesses dias que nos eram de festa, e em que a nossa sala, como por milagre, chegava para toda a multido que tinha a coragem de passar a noite, de p, para ouvir o Mestre.

Uma vez apresentou-nos um visitante, um dos nossos, que era engenheiro. O nosso hspede representava ter 58 anos; parecia um verdadeiro fidalgo. Apressou-se em nos dar o seu carto, no qual lemos Conde de Brunet de Paisay. Entendemos que devamos guardar em silncio o ttulo do nosso visitante, para que os mdiuns no o conhecessem. A sesso seguiu o seu curso natural, obtendo-se comunicaes escritas e passando-se s manifestaes fsicas. Convidamos o Senhor de Brunet a aproximar-se da mesa, e a mesa, sua aproximao, agitou-se nervosamente, inclinando-se imediatamente para ele, que parecia admirado dessa deferncia. - Quem s? perguntou o Senhor de Brunet. - Um amigo. - Dize o teu nome. - D. Pedro de Castillan. - Onde me conheceste? - Em Roma. - Em que ponto? - No Vaticano. A essa resposta inesperada, todos os presentes comearam a rir, acreditando numa mistificao. O conde, porm, no ria: estava plido de emoo e continuou as suas perguntas ao Esprito, que ditou a seguinte frase: "Sede homem de boa-f e, a exemplo dos discpulos de Joo, ide dizer a Roma o que vistes e ouvistes esta noite,

mas, principalmente dizei que soou a hora da renovao moral!" O conde ficou estupefato, e, compreendendo que nos deveria uma leal explicao, confessou-nos que ele era enviado pelo Papa, em misso de estudar os fenmenos espritas, depois do que, retirou-se profundamente comovido. Quando ficamos ss, depois de terem sado os companheiros de trabalho, a minha mulher, levada por um movimento instintivo ou por curiosidade, tomou o carto do enviado do Papa, que estava sobre uma mesa, e - qual no foi o seu espanto, vendo aparecer entre o papel e o verniz do carto, caracteres que diziam, em seguida ao nome do Senhor de Brunet de Paisay - camarista privado de capa e espada de S. S. Pio IX! Esta frase no se podia perceber sem inclinar-se o carto em certo sentido. O que diro a isto os senhores que explicam tudo por sugesto, se nessa poca a sua teoria ainda no era nascida? Que lio para toda a gente! * Ainda h um documento da boa-f de certos membros do clero, a respeito dos fenmenos espritas, obtidos quase na mesma poca. Dessa vez no se mete a bandeira no bolso; apresenta-se sem rebuo o nome dos visitantes: um deles era o padre Marouzeau, autor de uma obra desbragada contra o Espiritismo, na qual os raios da sua eloqncia, de envolta com os do Vaticano, deviam para sempre pulverizar os Espritos, assim como aqueles que ousassem crer na sua existncia.

Vieram tambm: um telogo distinto, o Senhor Marne, diretor das Conferncias de S. Sulpice, o Senhor Delameaux, membro do Instituto, o Senhor Dozon, diretor da Revue d'Outre Tombe, e o Senhor Pierard, relator da Revue Spiritualiste. Discutiu-se largamente, muito largamente, sobre as leis da reencarnao e princpios gerais da Doutrina, sem que se chegasse a um acordo. Propusemos passar demonstrao dos fatos, e veio-nos uma idia feliz, no intuito de convencermos aqueles senhores que negavam o movimento das mesas: foi servirmo-nos de uma enorme escrivaninha de carvalho macio, cheia de objetos, que se achava em um quarto prximo da sala dos nossos trabalhos. Quando os visitantes viram o que amos fazer, no puderam dissimular o riso de mofa que indicava a sua incredulidade preconcebida. Poderiam porventura acreditar que to pesada mesa se prestasse ao fim que tnhamos em vista? S por milagre, disse um deles, e entretanto o milagre se operou. Atendei: o Senhor Pierard fez a evocao com aquele ar magistral que lhe habitual. Colocamos os espectadores, como de costume, nos dois lados da escrivaninha, de p, e tendo apenas as mos ligeiramente postas sobre ela. No fim de alguns minutos, a pesada mesa comeou a mover-se da direita para a esquerda e vice-versa, segundo o desejo de um dos assistentes. Ouvia-se tambm, por instantes, o crepitar de ligeiros golpes dados no interior da pea. Estupefao geral!

Nesse ponto, o mais ungido pela devoo, no podendo negar o movimento do mvel, disse-nos, mudando de ttica: - Conheo o meio de impedir esses movimentos desordenados, pois que eles so produzidos pelo Esprito do mal. - Qual esse meio? perguntamos. - Muito simples: basta colocar sobre a escrivaninha uma imagem de Cristo, para que o diabo se retire imediatamente da presena do Filho de Deus. - Trago sempre uma comigo, disse a Senhora Dozon; quereis tentar a experincia, Senhor Cura? O Senhor Cura, muito triunfante, tomou a pequena cruz de marfim, to a propsito aparecida, e p-la com nfase. talvez com convico, sobre a escrivaninha. - Em nome de Cristo, nosso Senhor e nosso Deus, disse, orando, vade retro, Satans! E ns ouvimos o evocador redobrar de preces e de exorcismos. Pobre cura! Parece-nos ainda estar vendo a sua fisionomia decomposta, diante do fato de se tornarem os movimentos da escrivaninha ainda mais acentuados que antes da sua esconjurao! Ah! Eles protestavam, a seu modo, esses caros Espritos, contra a imputao que lhes fizera o cura! Protestavam com tal energia, que as gavetas, repletas de objetos pesados, saam dos seus lugares e caam com grande rudo no soalho, enquanto a pequena cruz se sustentava no lugar onde tinha sido posta, mantida por uma fora invisvel! Julgais que esses fenmenos os convenceram? Afirmamos que no, porque a guerra da parte do clero continuou com mais violncia.

No o caso de aplicar a esses professores de teologia o preceito do Evangelho, que eles mesmos citam tantas vezes em seus sermes aos profanos? Oculos habent et non vident; Aures habent et non audient.

Testemunho de Alfred Russel Wallace

Membro da Academia Real de Londres. Grande sbio naturalista autor da obra "Miracles and Modern Spiritualism" (publicado no "Clamber's Encyclopedy") Considerando todas as experincias e estudos feitos sobre os fenmenos espritas, por homens de cincia que gozam da mais alta reputao, concluram os espritas que os fatos, em que se baseia a sua crena, so e ficam provados, sem a menor sombra de dvida. Entretanto, muitas pessoas perguntam ainda qual a significao, ou a razo de ser de todos esses fenmenos estranhos. Certamente, nenhuns interesses tm em que os mveis se desloquem, os corpos se elevem no ar, e obtenhamos provas, pelo fogo ou pela escrita, sobre ardsias. A resposta esta: para muitas, esses fenmenos fsicos, ainda que aparentemente insignificantes e triviais, fornecem o meio mais eficaz de atrair e fixar a ateno sobre a experincia daqueles que se ocupam com o ensino da cincia moderna. Desde que eles se certificam da realidade dos fenmenos, que julgavam impossveis, dizem que a h alguma coisa mais que impostura e iluso, e bem depressa acham que

esses fatos no so realmente mais que preliminares para um vasto campo de estudos, novos e conseqentes. Quase todos os que estudam a cincia psquica se tornam espritas. Podemos cont-los por centenas, em todos os pases civilizados; eles continuam os seus exames nesse sentido, porque esto convencidos da realidade dos mais simples fenmenos psquicos, e, aos que pretendem que esses fatos so de ordem pouco elevada e trivial, pode-se responder que homens da mais alta educao, do maior saber, foram atrados por essas humildes qualidades. * Quando, porm, passamos alm desse amontoado de fenmenos e os examinamos com cuidado, a Filosofia e os ensinos que emanam das comunicaes diversas, recebidas por mdiuns influenciados pelos Espritos, assim como dos escritos comuns das pessoas que h j muito tempo aceitavam e assimilavam esses ensinos, entramos em outra fase do estudo, que ningum, a no se achar muito aferrado ao preceito e a um partido fixo, poder considerar como intil e vulgar. O ensino universal da filosofia do Espiritismo moderno que o mundo e o Universo todo no existem seno para o desenvolvimento dos seres espirituais; que a morte uma simples transio da nossa existncia material no primeiro grau da vida dos Espritos; que a nossa felicidade e o grau do nosso intelecto dependero, unicamente, do uso que fizermos das nossas faculdades e das circunstncias deste mundo. Esse ensino nos afirma que a vida presente oferecer mais valor e interesse quando os homens forem educados,

no em uma crena vacilante e cheia de dvidas, mas na convico cientfica e imutvel de que a nossa existncia no realmente mais que uma das quadras da nossa vida espiritual e sem-fim. Esse ensino prova que os pensamentos que emitimos e os atos que praticamos, na Terra, tero certamente um efeito e uma influncia sobre a expresso orgnica da nossa futura personalidade. Um exemplo dos ensinos do espiritualismo moderno se encontra no livro Spirit Teaching's, compilado pelo mdium consciencioso e espiritualista inteligente, Senhor M. A. Oxon (Stainton Moses); diz ele: "Assim como a alma viveu na Terra, assim se acha na vida dos Espritos; conserva os seus gostos, as suas inclinaes, os seus hbitos e as suas antipatias. No est mudada seno no fato acidental de estar libertada do seu corpo mortal. A alma que na Terra teve gostos degradantes e hbitos impuros, no os muda logo; a sua natureza, passando da esfera terrestre vida celeste, no ficar imediatamente purificada, do mesmo modo que a alma elevada que soube amar e praticar as virtudes, trabalhando pelo bem e pelo bom, no poder, do outro lado desta existncia, tornar-se m. O carter da alma o resultado de um desenvolvimento de cada hora, de cada dia da sua existncia. Esse carter final no consiste em qualidades ou defeitos que se possam tomar ou abandonar; s a experincia de cada dia e de cada hora pode desenvolver o carter dessa alma; esse carter faz a prpria essncia da sua natureza, de modo ntimo e indissolvel.

A alma tem hbitos to precisos, que se tornam uma parte essencial da sua individualidade. O Esprito, que respondeu s exigncias de um corpo sensual, torna-se escravo do vcio; tal Esprito no seria feliz em um meio de pureza e de delicadeza; ele fatalmente aspiraria aos seus antigos usos; os hbitos de outrora ficam como qualidade essencial da sua alma. Leis imutveis regem os resultados dos atos. As boas aes produzem o adiantamento progressivo do Esprito; as ms, degradando-o, demoram o seu progresso; a felicidade se encontra no avano gradual do Esprito para a perfeio absoluta. Os Espritas adiantados encontram a sua felicidade na prtica do bem; eles so animados pelo esprito do amor divino. No se comprazem na ociosidade e no cessam, nos seus esforos, de aumentar o seu saber intelectual e moral. As paixes e as necessidades desaparecem com o corpo; o Esprito passa ento a uma vida de pureza, de progresso e de amor, e isso para ele o cu. No conhecemos outro inferno seno aquele que nutrido na alma pelo fogo das paixes e pelas inclinaes viciosas; esse fogo ativado pelas dores do remorso e angstias do mal feito, pelas penas que carregam a conscincia em nome dos malefcios passados. Para sair desse inferno, preciso trilhar novo caminho e cultivar as qualidades que produzem bons frutos pela prtica da justia, do amor e do conhecimento de Deus. Podemos resumir os deveres do homem, considerado como ser espiritual, na simples palavra - progresso, isto , conhecimento de si mesmo e de tudo que tende ao desenvolvimento espiritual do eu consciente.

O dever do homem, considerado como ser intelectual (tendo o raciocnio e o entendimento), se resume na palavra cultura. Essas faculdades cultivadas, no em uma s direo, mas em todas as suas ramificaes, no tm somente um desenvolvimento para as coisas terrestres, mas servem-nos tambm para um progresso maior e sem fim, atravs da eternidade. O dever do homem para consigo mesmo, como Esprito encarnado em um corpo material, procurar obter a pureza; pureza em pensamentos, em palavras e em atos. Nessas trs palavras pois, progresso, cultura e pureza, se resumem os deveres do homem, como ser espiritual, intelectual e corporal." A. Russel Wallace.

Testemunho de Victorien Sardou Membro da Academia Francesa (Publicado no Gaulois de 4 de dezembro de 1888) Meu caro Ram-Bauld: - H 40 anos que observo como curioso os fenmenos que, sob os nomes de magnetismo, sonambulismo, xtase, segunda vista, etc., dava em minha mocidade motivo ao riso dos sbios. Quando eu me arriscava a dar-lhes parte de alguma experincia em que o meu cepticismo cedia evidncia, que exploso de chacota!

Ainda me parece ouvir as risadas de um velho doutor, meu amigo, a quem falei de uma jovem que caa em catalepsia por passes magnticos. Ela ouvia tiros de espingarda, e sentia um ferro em brasa queimar-lhe a nuca. "Qual! me respondia o homem. As mulheres so to enganadoras!.." Ora, todos esses fatos, sistematicamente negados naquele tempo, so hoje aceitos e afirmados pelos mesmos que os qualificavam de feitiaria. No h dia em que algum jovem sbio no me traga novidades que eu j conhecia antes que ele tivesse nascido. S h mudana no nome. No magnetismo, palavra que deve soar mal aos que o ridicularizam: o hipnotismo, a sugesto, designao estas que tm para eles maior fora. Adotando-se os novos termos, d-se a entender que o magnetismo era realmente uma mistificao, que foi esmagada, merecendo a cincia oficial, por essa razo, o nosso reconhecimento. Ela nos livrou de tal peste e, em troca, nos deu uma verdade cientfica: o hipnotismo, que entretanto a mesma coisa. Eu citava, um dia, a um habilssimo cirurgio, o fato, hoje bem conhecido, da insensibilidade produzida em certas pessoas que olham fixamente para um espelho, ou para um corpo brilhante, de modo a provocar o estrabismo, e essa revelao foi recebida com ridculo e zombaria como um espelho mgico. Passaram os anos, e o mesmo cirurgio, vindo almoar comigo, desculpa-se da demora por ter tido necessidade de arrancar um dente a uma jovem muito nervosa e tmida.

"Eu, disse-me ele, tentei sobre ela uma experincia nova e muito curiosa: por meio de um espelho metlico, fi-la dormir to completamente, que pude extrair o dente sem que ela o sentisse." A isso redargi: Perdo; mas foi eu quem primeiro assinalou esse fato, e vs o metestes a ridculo! Desmantelado a princpio, o meu amigo conquistou depressa a calma. " certo, respondeu; mas vs me falastes de um fato de magia, e este de hipnotismo!" A cincia oficial trata as verdades desconhecidas sempre por esse modo: depois de repeli-las com escrnio, se apropria delas, mas tm o cuidado de mudar-lhes os rtulos. Enfim, qualquer que seja o nome que lhes dem, elas tm adquirido o direito de cidade, e, pois que os nossos sbios tm chegado a descobrir, na Salpetrire, o que Paris j teve ocasio de ver no tempo de Lus XV, no cemitrio de SaintMdard, de esperar que se dignaro ocupar-se um dia desse Espiritismo que julgam morto pelos seus desdm, porm que jamais gozou de to boa sade. Para isso no tero mais que lhe mudar o nome, a fim de atriburem a si o mrito de hav-lo descoberto, depois de todo o mundo. Isso no ser to cedo, porque o Espiritismo tem que combater outros inimigos alm daquela m-vontade. Tem ele contra si as experincias de salo, meio detestvel de fazer investigaes, e que s servem para confirmar os cpticos na sua incredulidade, para sugerir engenhosas mistificaes, e para inspirar, aos espirituosos, chistosas tolices.

Tem mais que lutar contra os charlates que fazem Espiritismo a Robert-Houdin, e contra os semi-charlates, que, dotados de faculdades medinicas, no se contentam com elas, e, por vaidade ou por especulao, suprem a insuficincia dos seus meios naturais por meios artificiosos. Tem principalmente que vencer dois grandes obstculos: a indiferena de uma gerao votada aos prazeres e aos interesses materiais, e a fraqueza de carter, cada vez mais acentuada, em um pas onde ningum tem mais a coragem das suas opinies, preocupando-se com as do vizinho, e s permitindo a si prprio adotar uma quando sabe que essa a de todo o mundo. Em qualquer matria: artes, letras, poltica, cincias, etc., o que algum teme mais passar por ingnuo, por crente em qualquer coisa, ou por um entusiasta, to inconsciente, que tudo lhe causa admirao! O homem mais sinceramente tocado por uma bela palavra e por uma bela obra, se vir que um cptico sorri, no vacila em zombar do que ia aplaudir, a fim de dar uma prova de que no menos perspicaz que os outros, e de que muito esclarecido, pois que no qualquer coisa que o satisfaz. Como poderiam homens to adstritos s opinies dos outros, embora convencidos da realidade das manifestaes espritas, pelas mais decisivas provas, ousar confess-lo em pblica, e confess-lo neste sculo sem f, depois de Voltaire, depois de Proudhomme? Como poderiam afrontar a indignao e a terrvel apstrofe que soa aos ouvidos: Ento, senhor! o senhor tambm acredita no sobrenatural? - No. Eu no admito o sobrenatural, logo a resposta

Qualquer fato s se d por efeito de uma lei natural, e portanto natural. Negar a priori, sem exame, sob pretexto de que a lei produtora no existe, porque no conhecida, contestar a realidade do fato, porque ele no entra na ordem dos fatos preestabelecidos e das leis conhecidas, erro de esprito mal equilibrado, que julga conhecer todas as leis da Natureza. O sbio que tiver essa pretenso, no passa de um pobre homem! Onde o espero, no exame srio dos fatos, quando for forado a chegar a. Prometo-lhe ento algumas surpresas. Victorien Sardou.

Infalibilidade do Papa

Discurso pronunciado no clebre Conclio de 1870 pelo Bispo Strossmayer

Venerveis padres e irmos: No sem temor, porm com uma conscincia livre e tranqila, ante Deus que nos julga, tomo a palavra nesta augusta assemblia. Prestei toda a minha ateno aos discursos que se pronunciaram nesta sala, e anseio por um raio de luz que, descendo de cima, ilumine a minha inteligncia e me permita votar os cnones deste Conclio Ecumnico, com perfeito conhecimento de causa.

Compenetrado da minha responsabilidade, pela qual Deus me pedir contas, estudei com a mais escrupulosa ateno os escritos do Antigo e do Novo Testamento, e interroguei esses venerveis monumentos da Verdade: se o pontfice que preside aqui verdadeiramente o sucessor de So Pedro, vigrio do Cristo e infalvel doutor da Igreja. Transportei-me aos tempos em que ainda no existiam o ultramontanismo e o galicanismo, em que a Igreja tinha por doutores: S. Paulo, S. Pedro, S. Tiago e S. Joo, aos quais no se pode negar a autoridade divina, sem pr em dvida o que a santa Bblia nos ensina, santa Bblia que o Conclio de Trento proclamou como a Regra da F e da Moral. Abri essas sagradas pginas e sou obrigado a dizer-vos: nada encontrei que sancione, prxima ou remotamente, a opinio dos ultramontanos! E maior a minha surpresa quando, naqueles tempos apostlicos, nada h que fale de papa para sucessor de S. Pedro e vigrio de Jesus Cristo! Vs, Monsenhor Manning, direis que blasfemo; vs, Monsenhor Pio, direis que estou demente! No, Monsenhores; no blasfemo, nem perdi o juzo! Tendo lido todo o Novo Testamento, declaro, ante Deus e com a mo sobre o crucifixo, que nenhum vestgio encontrei do papado. No me recuseis a vossa ateno, meus venerveis irmos! com os vossos murmrios e interrupes justificais os que dizem, como o padre Jacinto, que este conclio no livre; se assim for, tende em vista que esta augusta assemblia, que prende a ateno de todo o mundo, cair no mais terrvel descrdito. Agradeo a S. Exa, o Monsenhor Dupanloup, o sinal de aprovao que me faz com a cabea; isso me alenta e anima prosseguir.

Lendo, pois, os santos livros, no encontrei neles um s captulo, um s versculo que d a So Pedro a chefia sobre os Apstolos. No s o Cristo nada disse sobre esse ponto, como, ao contrrio, prometeu tronos a todos os Apstolos (Mateus, cap. XIX, v. 28), sem dizer que o de Pedro seria mais elevado que os dos outros! Que diremos do seu silncio? A lgica nos ensina a concluir que o Cristo nunca pensou em elevar Pedro chefia do Colgio Apostlico. Quando Cristo enviou os seus discpulos a conquistar o mundo, a todos - igualmente - deu o poder de ligar e desligar, a todos - igualmente - fez a promessa do EspritoSanto. Dizem as Santas Escrituras que at proibiu a Pedro e a seus colegas de reinarem ou exercerem senhorio (Lucas, XXII, 25 e 26). Se Pedro fosse eleito papa, Jesus no diria isso, porque, segundo a nossa tradio, o papado tem uma espada em cada mo, simbolizando os poderes espiritual e temporal. Ainda mais: se Pedro fosse papa ou chefe dos Apstolos, permitiria que esses seus subordinados o enviassem, com Joo, a Samaria, para anunciar o Evangelho do Filho de Deus? (Atos, cap. VIII, v. 14.) Que direis vs, venerveis irmos, se nos permitssemos, agora mesmo, mandar Sua Santidade Pio IX, que aqui preside, e Sua Eminncia, Monsenhor Plantier, ao Patriarca de Constantinopla, para convenc-lo de que deve acabar com o cisma do Oriente? O smile perfeito, haveis de concordar. Mas temos coisa ainda melhor:

Reuniu-se em Jerusalm um conclio ecumnico para decidir questes que dividiam os fiis. Quem devia convoc-lo? Sem dvida, Pedro, se fosse papa. Quem devia presidir a ele? Por certo, Pedro. Quem devia formular e promulgar os cnones? Ainda Pedro, no verdade? Pois bem: nada disso sucedeu! Pedro assistiu ao conclio com os demais Apstolos, sob a direo de So Tiago! (Atos, cap. XV.) Assim, parece-me que o filho de Jonas no era o primeiro, como sustentais. Encarando agora por outro lado, temos: enquanto ensinamos que a Igreja est edificada sobre Pedro, S. Paulo (cuja autoridade devemos todos acatar) diz-nos que ela est edificada sobre o fundamento da f dos Apstolos e Profetas, sendo Jesus Cristo a principal pedra do ngulo. (Epstola aos Efsios, cap. II, v. 20.) Esse mesmo Paulo, ao enumerar os ofcios da Igreja, menciona apstolos, profetas, evangelistas e pastores; e ser crvel que o grande Apstolo dos gentios se esquecesse do papado, se o papado existisse? Esse olvido me parece to impossvel como o de um historiador deste conclio que no fizesse meno de Sua Santidade Pio IX. (Apartes: Silncio, herege! Silncio!) Calmai-vos, venerveis irmos, porque ainda no conclu. Impedindo-me de prosseguir, provareis ao mundo que sabeis ser injustos, tapando a boca do mais pequeno membro desta assemblia. Continuarei: O Apstolo Paulo no faz meno, em nenhuma das suas Epstolas, s diferentes Igrejas, da primazia de Pedro; se essa existisse e se ele fosse infalvel como quereis, poderia Paulo

deixar de mencion-la, em longa Epstola sobre to importante ponto? Concordai comigo. A Igreja nunca foi mais bela, mais pura e mais santa que naqueles tempos em que no tinha papa. (Apartes: No exato; no exato!) Por que negais, Monsenhor de Laval? Se algum de vs outros, meus venerveis irmos, se atreve a pensar que a Igreja, que hoje tem um papa (que vai ficar infalvel), mais firme na f e mais pura na moralidade que a Igreja Apostlica, diga-o abertamente ante o Universo, visto como este recinto um centro do qual as nossas palavras voam de plo a plo! Calais-vos? Ento continuarei: Tambm nos escritos de S. Paulo, de S. Joo, ou de S. Tiago, no descubro trao algum do poder papal! S. Lucas, o historiador dos trabalhos missionrios dos Apstolos, guarda silncio sobre tal assunto! Isso deve preocupar-vos muito. No me julgueis um cismtico! Entrei pela mesma porta que vs outros; o meu ttulo de bispo deu-me direito a comparecer aqui, e a minha conscincia, inspirada no verdadeiro Cristianismo, me obriga a dizer-vos o que julga ser verdade. Pensei que, se Pedro fosse vigrio de Jesus Cristo, ele no o sabia, pois que nunca procedeu como papa: nem no dia de Pentecostes, quando pregou o seu primeiro sermo, nem no Conclio de Jerusalm, presidido por S. Tiago, nem na Antioquia, e nem nas Epstolas que dirigiu s Igrejas. Ser possvel que ele fosse papa sem o saber? Parece-me escutar de todos os lados: Pois So Pedro no esteve em Roma? No foi crucificado de cabea para baixo?

No existem os lugares onde ensinou e os altares onde disse missa nessa cidade? E eu responderei: S a tradio, venerveis irmos, que nos diz ter S. Pedro estado em Roma; e como a tradio to-somente a tradio da sua estada em Roma, com ela que me provareis o seu episcopado e a sua supremacia? Scalgero, um dos mais eruditos historiadores, no vacila em dizer que o episcopado de S. Pedro e a sua residncia em Roma se devem classificar no nmero das lendas mais ridculas! (Repetidos gritos e apartes: Tapai-lhe a boca, fazei-o descer dessa cadeira!) Meus venerveis irmos, no fao questo de calar-me, como quereis, mas no ser melhor examinar todas as coisas como manda o Apstolo, e crer s no que for bom? Lembrai-vos de que temos um ditador ante o qual todos ns, mesmo Sua Santidade Pio IX, devemos curvar a cabea: Esse ditador, vs bem o sabeis, a Histria! Permiti que repita: Folheando os sagrados escritos no encontrei o mais leve vestgio do papado nos tempos apostlicos! E, percorrendo os anais da Igreja, nos quatro primeiros sculos, o mesmo me sucedeu! Confessar-vos-ei que o que encontrei foi o seguinte: Que o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona, honra e glria do Cristianismo e secretrio no Conclio de Melive, nega a supremacia ao bispo de Roma. Que os bispos da frica, no sexto Conclio de Cartago, sob a presidncia de Aurlio, bispo dessa cidade, admoestavam Celestino, bispo de Roma, por supor-se superior aos demais bispos, enviando-lhes comissionados e introduzindo o orgulho na Igreja.

Que, portanto, o papado no instituio divina. Deveis saber, meus venerveis irmos, que os padres do Conclio de Calcednia colocaram os bispos da antiga e da nova Roma na mesma categoria dos demais bispos. Que aquele sexto Conclio de Cartago proibiu o ttulo de "Prncipe dos Bispos", por no haver soberania entre eles. E que S. Gregrio I escreveu estas palavras, que muito aproveitam tese: - Quando um patriarca se intitula "Bispo Universal", o ttulo de patriarca sofre incontestavelmente descrdito. Quantas desgraas no deveremos esperar, se entre os sacerdotes se suscitarem tais ambies? Esse "bispo" ser o rei dos orgulhosos! - (Pelgio II, Cett. 13.) Com tais autoridades e muitas outras que poderia citarvos, julgo ter provado que os primeiros bispos de Roma no foram reconhecidos como bispos universais ou papas, nos primeiros sculos do Cristianismo. E, para mais reforar os meus argumentos, lembrarei aos meus venerveis irmos que foi Osio, bispo de Crdova, quem presidiu ao primeiro Conclio de Nicia, redigindo os seus cnones; e que foi ainda esse bispo que, presidindo ao Conclio de Sardica, excluiu o enviado de Jlio, bispo de Roma! Mas, da direita me citam estas palavras do Cristo - Tu s Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. Sois, portanto, chamados para este terreno. Julgais, venerveis irmos, que a rocha ou pedra sobre que a Santa Igreja est edificada, Pedro; mas permiti que eu discorde desse vosso modo de pensar.

Diz S. Cirilo, no seu quarto livro sobre a Trindade "A rocha ou pedra de que nos fala Mateus, a f imutvel dos Apstolos." S. Olegrio, bispo de Poitiers, em seu segundo livro sobre a Trindade, repete: Que aquela pedra a rocha da f confessada pela boca de So Pedro. E, no seu sexto livro, mais luz nos fornece, dizendo: sobre esta rocha da confisso da f que a Igreja est edificada. S. Jernimo, no sexto livro sobre S. Mateus, de opinio que Deus fundou a sua Igreja sobre a rocha ou pedra que deu o seu nome a Pedro. Nas mesmas guas navega S. Crisstomo quando, em sua homilia 56 a respeito de Mateus, escreve: - Sobre esta rocha edificarei a minha Igreja: e esta rocha a confisso de Pedro. E eu vos perguntarei, venerveis irmos, qual foi confisso de Pedro? J que no me respondeis, eu vo-la direi: "Tu s o Cristo, o filho de Deus." Ambrsio, o santo Arcebispo de Milo, S. Baslio de Salncia e os padres do Conclio de Calcednia ensinam precisamente a mesma coisa. Entre os doutores da antiguidade crist, Santo Agostinho ocupa um dos primeiros lugares, pela sua sabedoria e pela sua santidade. Escutai como ele se expressa sobre a primeira epstola de S. Joo: Edificarei a minha Igreja sobre esta rocha, significa claramente que sobre a f de Pedro. - No seu tratado 124, sobre o mesmo So Joo, encontrase esta significativa frase: Sobre esta rocha, que acabais de confessar, edificarei a minha Igreja; e a rocha era o prprio Cristo, filho de Deus.

Tanto esse grande e santo bispo no acreditava que a Igreja fosse edificada sobre Pedro, que disse em seu sermo n 13: - Tu s Pedro, e sobre essa rocha ou pedra que me confessaste, que reconheceste, dizendo: Tu s o Cristo, o filho de Deus vivo, edificarei a minha Igreja, sobre mim mesmo; pois sou o filho de Deus vivo. Edificarei sobre mim mesmo, e no sobre ti. Haver coisa mais clara e positiva? Deveis saber que essa compreenso de Santo Agostinho, sobre to importante ponto do Evangelho, era a opinio corrente do mundo cristo naqueles tempos. Estou certo de que no me contestareis. Assim que, resumindo, vos direi: 1 Que Jesus deu aos outros apstolos o mesmo poder que deu a Pedro. 2 Que os apstolos nunca reconheceram em S. Pedro a qualidade de vigrio do Cristo e infalvel doutor da Igreja. 3 Que o mesmo Pedro nunca pensou ser papa, nem fez coisa alguma como papa. 4Que os conclios dos quatro primeiros sculos nunca deram, nem reconheceram o poder e a jurisdio que os bispos de Roma queriam ter. 5 Que os Santos Padres, na famosa passagem - Tu s Pedro, e sobre essa pedra (a confisso de Pedro) edificarei a minha Igreja - nunca entenderam que a Igreja estava edificada sobre Pedro (super petrum), e sim sobre a rocha (super petram), isto : sobre a confisso da f do Apstolo! Concluo, pois, com a Histria, a razo, a lgica, o bom senso e a conscincia do verdadeiro cristo, que Jesus no deu supremacia alguma a Pedro, e que os bispos de Roma s se constituram soberanos da Igreja, confiscando, um por

um, todos os direitos de episcopado! (Vozes de todos os lados: Silncio, insolente, silncio! silncio!) No sou insolente! No, mil vezes no! Contestai a Histria, se ousais faz-lo; mas ficai certos de que no a destruireis! Se avancei alguma inverdade, ensinai-me isso com a Histria, qual vos prometo fazer a mais honrosa apologia. Mas compreendei que eu no disse tudo quanto quero e posso dizer. Ainda que a fogueira me aguardasse l fora, eu no me calaria! Sede pacientes, como manda Jesus. No junteis a clera ao orgulho que vos domina! Disse Monsenhor Dupanloup, nas suas clebres Observaes - sobre este Conclio do Vaticano, e com razo, que, se declaramos infalvel a Pio IX, necessariamente precisamos sustentar que infalveis tambm eram todos os seus antecessores. Porm, venerveis irmos, com a Histria na mo, eu vos provarei que alguns papas faliram. Passo a provar-vos, meus venerveis irmos, com os prprios livros existentes na biblioteca deste Vaticano, como que faliram alguns dos papas que nos tm governado: O papa Marcelino entrou no templo de Vesta e ofereceu incenso deusa do Paganismo. Foi, portanto, idlatra; ou, pior ainda: foi apstata! Librio consentiu na condenao de Atansio; depois, passou para o Arianismo. Honrio aderiu ao Monotesmo. Gregrio I chamava Anticristo ao que se impunha como Bispo Universal; e, entretanto, Bonifcio III conseguiu do parricida imperador Focas obter este ttulo em 607.

Pascoal II e Eugnio III autorizavam os duelos, condenados pelo Cristo; enquanto que Jlio II e Pio IV os proibiram. Adriano II, em 872, declarou vlido o casamento civil; entretanto, Pio VII, em 1823, condenou-o. Xisto V publicou uma edio da Bblia e, com uma bula, recomendou a sua leitura; e aquele Pio VII excomungou a edio. Clemente XIV aboliu a Companhia de Jesus, permitida por Paulo III; e o mesmo Pio VII a restabeleceu. Porm, para que mais provas? Pois o nosso Santo Padre Pio IX no acaba de fazer a mesma coisa quando, na sua bula para os trabalhos deste Conclio, d como revogado tudo quanto se tenha feito em contrrio ao que aqui for determinado, ainda mesmo tratando-se de decises dos seus antecessores? At isso negareis? Nunca eu acabaria, meus venerveis irmos, se me propusesse a apresentar-vos todas as contradies dos papas, em seus ensinamentos. Como ento se poder dar-lhes a infalibilidade? No sabeis que, fazendo infalveis Sua Santidade, que presente se acha e me ouve, tereis que negar a sua falibilidade e a dos seus antecessores? E vos atrevereis a sustentar que o Esprito Santo vos revelou que a infalibilidade dos papas data apenas deste ano de 1870? No vos enganeis a vs mesmos: Se decretais o dogma da infalibilidade papal, vereis os protestantes, nossos rancorosos adversrios, penetrarem por larga brecha com a bravura que lhes d a Histria.

E que tereis vs a opor-lhes? O silncio, se no quiserdes desmoralizar-vos. (Gritos: demais; basta! basta!) No griteis, Monsenhores! Temer a Histria, confessarvos derrotados! Ainda que pudsseis fazer correr toda a gua do Tibre sobre ela, no borrareis nem uma s das suas pginas! Deixai-me falar e serei breve. Verglio comprou o papado de Belisrio, tenente do imperador Justiniano. Por isso, foi condenado no segundo Conclio de Calcednia, que estabeleceu este cnone: - O bispo que se eleve por dinheiro ser degradado. Sem respeito quele cnone, Eugnio III, seis sculos depois, fez o mesmo que Verglio, e foi repreendido por S. Bernardo, que era a estrela brilhante do seu tempo. Deveis conhecer a histria do papa Formoso: Estevo XI fez exumar o seu corpo, com as vestes pontificais; mandou cortar-lhe os dedos e o arrojou ao Tibre. Estevo foi envenenado; e tanto Romano como Joo, seus sucessores, reabilitaram a memria de Formoso. Lede Plotino, lede Barnio, Barnio, o Cardeal! dele que me sirvo. Barnio chega a dizer que as poderosas cortess vendiam, trocavam e at se apoderavam dos bispados; e, horrvel diz-lo, faziam papas aos seus amantes! Genebrado sustenta que, durante 150 anos, os papas, em vez de apstolos, foram apstatas. Deveis saber que o papa Joo XII foi eleito com a idade de dezoito anos to-somente; e que o seu antecessor era filho do Papa Srgio com Marozzia. Que Alexandre VI era, nem me atrevo a dizer o que ele era de Lucrcia; e que Joo XXII negou a imortalidade da alma, sendo deposto pelo Conclio de Constana.

J nem falo dos cismas que tanto tm desonrado a Igreja. Volto, porm, a dizer-vos que, se decretais a infalibilidade do atual bispo de Roma, devereis decretar tambm a de todos os seus antecessores; mas, atrever-vos-eis a tanto? Sereis capazes de igualar a Deus todos os incestuosos, avaros, homicidas e simonacos bispos de Roma? (Gritos: Descei da cadeira, descei j; tapemos a boca desse herege.) No griteis, meus venerveis irmos. Com gritos nunca me convencereis. A Histria protestar eternamente sobre o monstruoso dogma da infalibilidade papal; e, quando mesmo todos vs o aproveis, faltar um voto, e esse voto o meu! Mas, voltemos doutrina dos Apstolos: Fora dela s h erros, trevas e falsas tradies. Tomemos a eles e aos Profetas pelos nossos nicos mestres, sob a chefia de Jesus. Firmes e imveis como a rocha, constantes e incorruptveis nas inspiradas Escrituras, digamos ao mundo Assim como os sbios da Grcia foram vencidos por Paulo, assim a Igreja Romana ser tambm vencida pelo seu 98! Gritos clamorosos: Abaixo o protestante! abaixo o calvinista! abaixo o calvinista! abaixo o traidor da Igreja!) Os vossos gritos, Monsenhores, no me atemorizam, e s vos comprometem. As minhas palavras tm calor, mas a minha cabea est serena. No sou de Lutero, nem de Calvino, nem de Paulo, e sim, e to-somente do Cristo. (Novos gritos: Antema! antema vos lanamos!) Antema! Antema! para os que contrariam a doutrina de Jesus! Ficai certos de que os Apstolos, se aqui comparecessem, vos diriam a mesma coisa que acabo de declarar-vos.

Que lhes direis vs, se eles, que predicaram e confirmaram com o seu sangue, lembrando-vos o que escreveram, vos mostrassem o quanto tendes deturpado o Evangelho do amado Filho de Deus? Acaso lhes direis Preferimos a doutrina dos Loiolas do Divino Mestre? No! mil vezes no! A no ser que tenhais tapado os ouvidos, fechado os olhos e embotado a vossa inteligncia, o que no creio. Oh! se Deus quer castigar-nos, fazendo cair pesadamente a sua mo sobre ns, como fez ao Fara, no precisa permitir que os soldados de Garibaldi nos expulsem daqui; basta deixar que faais de Pio IX um Deus, como j fizestes uma deusa da Virgem Maria! Evitai, sim, evitai, meus venerveis irmos, o terrvel precipcio a cuja borda estais colocados. Salvai a Igreja do naufrgio que a ameaa, e busquemos todos, nas Sagradas Escrituras, a regra da f que devemos crer e professar. Digne-se Deus assistir-me. Tenho concludo! (Todos os padres se levantaram, muitos saram da sala; porm alguns prelados italianos, americanos, alemes, franceses e ingleses rodearam o inspirado orador e, com fraternais apertos de mo, demonstraram concordar com o seu modo de pensar.) Coisa singular: desde a tal infalibilidade dos papas, v-se a Igreja como que atirar-se em um despenhadeiro, de cabea para baixo! Quo inspirado estava esse bispo Strossmayer!

Evaso de Sacerdotes

Sob este ttulo publicou o peridico L'Express, de Bruxelas, a seguinte carta: Depois do Senhor Vtor Charbonel e do abade Bonier, que fundou em Svres uma casa de hospedagem, onde mais de vinte sacerdotes insubmissos acharam refgio, eis que um novo sacerdote, o abade E. Bourdery, cura de Maroles (Frana), deixa por sua vez a Igreja Romana. O tom digno e moderado da sua carta certamente far contraste com as grosseiras e baixas injrias de que esse honrado homem vai ser objeto por parte da imprensa catlica. Julgue-se, pois: "Monsenhor. Uma sincera vocao tinha-me levado para o sacerdcio na religio catlica, que eu acreditava ser a religio do Cristo. Depois de longo e profundo estudo dos dogmas e das instituies da Igreja, fui obrigado a reconhecer que j no era catlico e que no podia permanecer como sacerdote. E para mim um dever de lealdade no conservar por mais tempo a direo da parquia que me confiastes. Deposito hoje em vossas mos a minha demisso. Diante de Deus posso justificar-me de que toda a minha vida sacerdotal foi generosamente consagrada a difundir e a desenvolver nas almas o sentimento cristo. E para continuar a mesma obra, que me separo da vossa igreja catlica, mas no crist. Que o Filho de Deus, que se revelou ao meu corao vido de verdade e de vida, digne-se consolar aqueles que deixo. Mais tarde compreendero a quo graves convices obedeci. Reconhecero, como eu, que o prprio princpio da

organizao catlica mais no do que uma adaptao velada do judasmo e do esprito romano de dominao sobre o princpio cristo da piedade filial e da liberdade dos filhos de Deus, e no me ho de condenar, se eu quis libertar a minha f e afirmar, contra uma igreja cegamente autoritria e opressora, a minha livre conscincia religiosa. Que o Filho de Deus me d consolo a mim mesmo e me ajude. A separao que efetuo traz consigo um rompimento e dolorosos sacrifcios. O dever, porm, do homem, e o futuro de Deus. Pois que hei cumprido leal e simplesmente o meu dever, terei confiana em Deus, senhor do futuro. Rogo-vos, Monsenhor, que vos digneis perdoar-me o pesar que vos causarei, e receber a expresso dos meus mui respeitosos sentimentos. E. Bourdery." Essa carta, diz o referido jornal, foi lida do alto do plpito da igreja de Maroles, e toda a povoao se manifestou resolutamente a favor do seu proco.

FIM

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