Marilyn Manson - Autobiografia III
Marilyn Manson - Autobiografia III
Marilyn Manson - Autobiografia III
“Enquanto eu caminho pela vastidão do mudo, eu iluminei um certo lugar, onde havia um covil; e
eu me deitei nesse lugar para dormir: e enquanto eu dormia, eu sonhei um sonho. Eu sonhei, e eu
vi um homem usando trapos, em um certo lugar, e com a cara dentro de sua própria casa, um livro
em sua mão, e um grande fardo em suas costas. Eu olhei, e o vi abrir o livro e lê-lo; e enquanto ele
lia, ele chorou e tremeu: e não sendo mais capaz de se conter, ele desenfreou um choro
lamentável; dizendo, ‘o que eu devo fazer?’”. – John Binyan, O Progresso do Peregrino
“Esse não sou eu! Sou outra pessoa! Esse não sou eu!”. – Marilyn Manson para o seu guarda-costas, Aaron
Dilks, durante um blecaute alcoólico na viagem de Leipzig para Berlin
HÁ algo que eu nunca contei para ninguém. Eu nem lembrava disso até recentemente, quando
eu fui ao quiroprático e ele estalou meu pescoço, me fazendo desmaiar por menos de um
segundo. Nesse tempo, eu retornei em minha mente para um bairro e havia centenas de
cadáveres apodrecendo na pista tentando me parar. A pele deles era amarela, e o vento estava
balançando os dentes deles frouxos e nacarinos para trás e para frente em suas bocas. Eu
continuei abrindo caminho por eles, e na hora que o carro parou e os atingiu, eles se
desintegraram em poeira. Missi estava no carro, e eu estava tentando salvá-la porque os
cadáveres estavam tentando tirar ela de mim. Eu parei o carro e sai para tentar ajudar ela, mas
havia cachorros enormes, pintados e vigorosos por todo o lugar, pulando em mim em câmera-lenta
com caninos à mostra. No final da rua, eu vi uma galera vindo para cima de mim, como uma tribo.
A líder dela era Traci Lords. A pele dela estava mais amarela ainda que a daqueles cadáveres e ela
estava com uma cruz pintada de rosa-brilhante na cara dela. Seus movimentos pareciam com os
de animatronics. Seus olhos estavam se movendo mecanicamente de um lado para o outro em
suas órbitas e sua boca abria e fechava instantaneamente como se ela fosse uma imitação de um
ventriloquista.
Em meus sonhos, eu sempre volta à Canton, Ohio. Geralmente eu estou em meu quarto
no porão, que, como o porão de meu avô, me aterrorizava. Exceto que o terror não estava em algo
palpável, mas em minha cabeça. Quando criança, eu costumava ficar assustado lá embaixo por
uma razão não-específica e corria para cima, não só à noite mas também no meio do dia. Eu
nunca me sentia confortável sozinho em meu quarto e sempre dormia com a televisão ligada para
encobrir os sons que eu imaginava ouvir. Se há um fantasma no meu passado, um esqueleto ainda
dentro de um armário que eu nunca fui capaz de destrancar, isso envolvia aquele velho porão. À
noite minha mente lutava desesperadamente para me levar até lá, para me fazer sentir como se eu
nunca deixei aquele lugar, como se minha vida toda fosse desdobrada naquele porão. Ela situa
pessoa que eu conheci desde então e conheceria no futuro naquele quarto, e uma vez lá, elas se
distorciam e contorciam, se tornando monstruosas e malevolentes. Ai minha cabeça bloqueava a
saída, fazendo a escada torta de madeira ficar intransitável. Eu tento subir as escadas mas nunca
chegou no topo porque mãos ficam agarrando minhas pernas pelas ripas entre os degraus.
Em outro sonho repetitivo, eu não consigo sair do porão porque algum tipo de força ou
pessoa invisível fica me empurrando contra a parede e tentando me prender lá. Ou porque meu
gato, O.J., um gato listrado laranja que eu encontrei nos degraus da escola cristã, me ataca
sempre que eu faço um movimento para escapar. Existe outro sonho que eu tenho com freqüência
no qual a lâmpada do porão queima e eu tento trocar ela o mais rápido possível porque estou com
medo de ficar lá sozinho no escuro. Mas cada lâmpada nova que eu enrosco queima, e fico
perpetuamente correndo para trocar ela para evitar que o quarto fique escuro para sempre.
Há explicações psicológicas simples para esses sonhos, mas nenhuma delas me satisfaz.
Em apenas um sonho eu consigo me lembrar de conseguir chegar ao topo das escadas. Dessa
vez o chão do porão não está atapetado, como habitualmente era, com os restos de verdes que
meu pai trouxe para casa do trabalho. É cola, e eu chego ao lado que sempre tinha medo quando
era um garoto, onde a máquina de lavar e a centrífuga ficam na escuridão do teto baixo. Estou
mexendo nas caixas mofadas cobertas de teias que contêm meus velhos pertences, e estou com
medo de que algum tipo de bicho – uma aranha, rato, cobra, ou até mesmo um leão, porque
parecia que tudo podia acontecer – vai me morder. Numa pequena caixa, eu encontro um boneco
Curious George. Mas enquanto eu tento pegá-lo, algo se move no quarto – um peso caloroso que
sinto ser branco por alguma razão. Ele me encurrala contra a parede enquanto o boneco Curious
George toma vida e começa a andar, derrubando as coisas das prateleiras e botando fogo em uma
das caixas. Eu tento pará-lo e, quando eu não consigo, eu corro. Eu tento escapar pelas escadas,
mas o peso está me segurando. Eu tento mais e mais, e finalmente chego ao topo. Eu abro a
porta, e há uma mulher lá. Ela parece metade minha mãe e metade com uma garota que me
passou chatos no colegial. Ela tem coisas escritas por todos os seus braços de batom ou pintados
ou de marcador de texto, e eu tento ler mas não consigo.
Em outro sonho, estou no porão com minha mãe e nós achamos uma caixa e abrimos a
tampa. Dentro tem dúzias de tipos diferentes de insetos, mas eu não consigo entender que tipo a
maioria deles são. Nós tiramos a tampa completamente e um louva-deus pula, voando pela minha
cabeça. Nós olhamos dentro da caixa de novo e vemos uma aranha feita de cristal e seus órgãos
estão todos visíveis. Eu peço para minha mãe pegar um inseticida para matá-la antes que ela pule
e me ataque. Mas enquanto eu borrifava nela, ela vira uma mulher. Ela está usando tudo preto, e
ela me persegue do porão até uma praia cheia de pedras. Dentro de cada pedra há uma aranha
diferente tentando escapar.
Na mesma noite – eu freqüentemente tenho vários pesadelos enfileirados, que eu temo
tanto quanto os espero – eu encontrei minha avó, por parte de mãe, em meu quarto. Ela está
deitada numa cama de hospital coberta de tubos que saem de quase todas as partes de seu corpo,
que está entupido de arames seguros no lugar por fita isolante. Uma caixa de metal arredondada
flexível do lado da cama está bombeando ar para ela e o equipamento que a mantém viva está
fazendo barulhos zumbidos e pulsos eletrônicos. Eu ouço um barulho no armário, e a porta se abre
para revelar meu pai deitado numa cama. Ele está com trinta anos apenas, seu cabelo está
bagunçado, e ele parece ter enlouquecido. Eu falo com minha avó, e ele fica me assegurando de
que tudo está bem, que eu tive uma vida bondosa, e que ela não está zangada comigo. Ela está
com uma atadura enorme em seu olho, e ela cai. Dentro tem pus amarelo, que se espalha pelo seu
rosto e encharca o travesseiro, o manchando de amarelo. Eu me curvo sobre ela e descubro que
ela não tem o olho.
Eu acredito em sonhos. Eu acredito que toda noite no planeta tudo que é, foi e será pode
ser sonhado. Eu acredito que o que acontece nos sonhos não é diferente e nem menos importante
do que acontece no mundo real. Eu acredito que os sonhos são o equivalente mais próximo dos
dias atuais que a humanidade tem para viajar no tempo. Eu acredito que você pode visitar seu
passado, presente e futuro nos sonhos. Eu acredito que já sonhei metade de minha vida que não
aconteceu ainda.
Eu não acredito em sorte, acidentes ou coincidências. Eu acredito no eu ilusório, que quer
dizer que eu acredito que as coisas que eu falo e penso mudam o mundo à minha volta e resulta
em eventos que parecem serem coincidentes. Eu acredito que minha vida é tão importante que ela
afeta a vida de todo mundo. Eu acredito que eu sou Deus. Eu acredito que todos são seus próprios
Deuses. Eu sonhei que eu era o Anticristo, e eu acredito nisso.
Ciclo nove – Traição – Traidores da Pátria
Eu pensava sobre ser o Anticristo desde que a palavra foi primeiramente ensinada à mim
na escola cristã. Na bíblia, a palavra anticristo é apenas usada como uma descrição de pessoas
que não acreditam nos ensinamentos de Jesus de Nazaré. Ele não é descrito como uma entidade
satânica – como a besta da Revelação que muitas pessoas acreditam – mas como uma pessoa,
qualquer uma, que se desvia do cristianismo ortodoxo. Mas pelos anos de criações de mitos e
oscilações de medo, o cristianismo transformou anticristos em um só Anticristo, um vilão
apocalíptico e um fantasma cristão usado para assustar as pessoas assim como o Papai Noel é
usado para regular o comportamento das crianças. Depois de anos estudando o assunto, eu
comecei a perceber que o Anticristo é uma personagem – uma metáfora – que existe em quase
todas as religiões sob nomes diferentes, e talvez haja alguma verdade nisso, uma necessidade de
toda pessoa: mas de outra perspectiva, essa pessoa poderia ser vista não como um vilão mas
como um herói final para salvar as pessoas de sua própria ignorância. O apocalipse não tem que
ser fogo e tempestades. Ele poderia acontecer num nível pessoal. Se você acredita que você é o
centro de seu próprio universo e que você quer ver o universo destruído, só precisa de uma bala.
Quando meus sonhos sobre o Anticristo começaram a ocorrer mais freqüentemente mais
tarde na vida, eu sabia que eu era aquela figura. Quando eu sonhava quando criança que eu
estava fazendo um show em frente à milhares de pessoas, parecia um tanto improvável na época.
Agora eu não duvido de mais nada. Afinal, as bestas e dragões do apocalipse todos nasceram num
sonho, um sonho de João, o Apóstolo, agora conhecido como A Revelação e ensinado como um
fato. Numa de minhas próprias revelações – nós todos temos elas – era o último dia do mundo, o
Juízo Final, e havia um desfile gigantesco com tiras de papel voando em Nova Iorque. Exceto que
ao invés de papel, as pessoas estavam jogando vegetais e carne podre. Eu estava num imenso
crucifixo fixo à um furgão enorme feito de pele de humanos e animais. Nós estávamos nos
aproximando do Times Square, o céu estava com um preto profundo riscado por listras repicadas
de laranja, amarelo, vermelho e lilás, e todo mundo estava festejando. Eles estavam felizes porque
iriam finalmente morrer.
O outro foi no futuro na Flórida. A maioria da raça humana virou zumbis para o
entretenimento de uma pequena elite. Havia um clube de strippers onde eles reanimavam
cadáveres de mulheres e as faziam dançar em jaulas feitas de barras metálicas grossas. A carne
delas estava coberta de furúnculos e veias retorcidas, e os seus cabelos estavam caindo ao
montes. As mandíbulas delas foram fechadas para que elas não mordessem os paus dos caras em
volta delas se masturbando. O mundo foi degenerado nos estados de pecado Sodoma e Gomorra
que pareciam claros que a aparição do Anticristo e a Segunda Vinda eram iminentes.
Eu sonhei com garotinhas dançando fazendo strip-tease enquanto garotinhos (ou gêmeos)
batiam nelas com coisas de borracha, caminhões de brinquedo e pirulitos ao invés de jogarem
dinheiro. E eu sonhei que peguei meu próprio cabelo e dentes, guardados desde que eu era uma
criancinha, e bem ritualisticamente criei um amigo de mim. E todas essas coisas se tornaram o
álbum Antichrist Superstar. Agora eu não consigo dizer o que é mais real: meus sonhos ou minha
música.
Eu vou deixar vocês com mais um sonho, da noite passada. Foi com as slashers, os fãs
que cortam o nome da banda em seus tórax. Era meu pesadelo, estou na cama com Jeanette, a
que parece um querubim. Ela tem um corte Marilyn nela, e cada letra está jorrando algo como uma
tinta sobre seus seios, melando seu top branco. Estou fodendo ela e nós dois estamos rindo
porque isso tudo parecia algo que nós não deveríamos estar fazendo. A amiga dela, Alison, está
sentada do lado dela, com a palavra Manson sangrando em seus seios. Uma de suas
sobrancelhas está desbotada, seus piercings nos lábios estão se batendo uns nos outros, e ela
está usando um vestido preto, meias-calça, e botas até os joelhos. Ela parece estar com raiva de
mim porque eu não devia estar fazendo isso com a amiga dela e ela está furiosa com a amiga dela
porque ela está rindo disso.
Quando eu acabei, elas querem me levar para comer. Nós vamos à um lugar úmido,
cavernoso e com paredes feitas de pedra, como um calabouço. Ele poderia ser o velho porão de
meus pais, mas ele é também um restaurante. Água estava caindo do teto embora haja um buraco
em nossas cabeças com luz irradiando. O garçom é um cara gay alto, magrelo parecendo um
ariano. Ele nos trouxe grandes tigelas pretas de metal e cada uma tem um pássaro vivo dentro.
Eles parecem corvos, mas não são. Eles eram apenas pássaros pretos cobertos com uma película
brilhante de gordura. Outro cara loiro vem à mesa e pega um par de tesouras gigantes, como
aquelas usadas para cortar cadeados de bicicletas, e corta a cabeça deles e tira a pele, assim tudo
que ficou foi a carne sobre os esqueletos. Os pássaros, contudo, estão todos vivos. O cara pega
uma das cabeças dos pássaros e bebe o sangue, ai ele me diz para dar uma mordida na pele. Eu
não quero beber o sangue, aí ele me diz para dar uma mordida na carne. Eu não quero porque
estou com medo de pegar algum tipo de doença esquisita, mas eu faço isso assim mesmo. Eu
bebo todo o sangue do pássaro. Quando termino, eu sinto uma dor em minha nuca. Eu viro, e o
garçom está tentando usar a tesoura em mim para uma mesa de clientes em cadeiras altas encima
de mim. Exceto que elas não parecem mais tesouras. Elas são como um cruzamento entre um bico
de passarinho e uma mandíbula de crocodilo. Eu tento protestar, e aí eu percebo que é inútil,
porque eu estou assistindo tudo de cima enquanto um deles coloca meu pescoço aberto em sua
boca e bebe meu sangue.
Eu já vi minha própria morte em sonhos como esse e eles me ajudam a apreciar mais a
vida. Eu também já vi minha própria vida nos sonhos e eles me ajudam a apreciar mais a morte.
“Em minha opinião o apocalipse... deve ser principalmente um evento interno e espiritual, é só de
uma forma secundária uma catástrofe externa. Os portões das torres vigias... são construções
mentais. Quando eles são abertos, eles vão admitir [Satã] não no mundo material mas em nossas
mentes subconscientes... O apocalipse é uma transformação mental que vai ocorrer, ou está
ocorrendo atualmente, dentro da inconsciência coletiva da raça humana”.
– Donald Tyson, O Apocalipse Enochian
Eu escrevi aquelas palavras no dia que eu cheguei em Nova Orleans, há quatro meses
atrás. Eu me lembrei disso como se fosse hoje, porque todo dia desde então tem ficado
regularmente pior, e até mesmo, devastado por drogas, esgotamento, paranóia e depressão, meu
corpo finalmente desistiu de mim, me deixou aqui nesse fétido hospital de paredes brancas. Eu
estava otimista depois de realizar minha obrigação de promover o Smells Like Children. Eu achei
que tinha mudado minha pele da auto-incerteza, eu a vi descascando polegada por polegada no
decurso dos dois anos fazendo turnê. O que parecia estar emergindo desse casulo era forte e
desalmado, sereno e aterrorizante, ferido e entorpecido, um gárgula maléfico prestes a abrir suas
ásperas asas. Meu plano então era compor um álbum sobre a transformação que eu agüentei
durante meus vinte e sete anos, mas eu não fazia idéia de que eu estava prestes a ser submetido
ao meu mais doloroso álbum enquanto eu estava sentado escrevendo em meu diário no carro de
Missi na hora em que ela fazia a curva na Decatur Street numa úmida tarde de fevereiro.
No banco de trás estava nosso “filho” único, uma dálmata híbrida preto e branca chamada
Lydia. Ela latiu com emoção ou medo quando eu saí do carro e dei um beijo de adeus em Missi.
“Não me espere”, eu a assegurei. “Esse vai ser um longo dia”.
Eu abri o portão de ferro forjado, toquei a campainha e esperei pelo diretor do estúdio me
deixar entrar. A primeira coisa que me saudou – que saudou todo mundo que foi no estúdio – foi
uma matilha de cães ferozes, que pertenciam ao dono do estúdio, Trent Reznor. Eles latiam,
pulavam e lutavam uns com os outros, e então se decidiam no que rasgar ou onde cagar.
“Todo mundo parece ter um cachorro nesse verão”, eu pensei. “Talvez porque eles saibam
dos nossos maiores segredos e, apesar disso, não nos julgam”.
Eu sentei num sofá de couro preto no saguão. Uma grande tela de televisão preenchia o
local com luz e barulho do jogo da trilogia Alien que Dave Ogilvie, o engenheiro contratado para co-
produzir o álbum com Trent Reznor, estava ajoelhado defronte, como se estivesse rezando para a
tela. Ele era um canadense baixinho com óculos, o tipo de cara que parece que tomou muita
porrada na escola, não diferentemente de Corey Hair no filme Lucas, mas ele era também infantil
de um jeito que eu gostava. Enquanto nós matávamos o tempo esperando por Trent – ele sempre
chegava tarde – eu me piquei dos xenomórficos e dos cães latindo, e pensei sobre o porquê de eu
estar aqui e no que eu estava prestes a embarcar. Meus pesadelos ainda não foram embora. De
fato, a mudança para Nova Orleans só aumentou sua intensidade, uma reação da obscuridade, a
história secreta que se contorcia na barriga da cidade como uma tênia. A vida estava sendo sugada
e decomposta. Nada parecia crescer lá.
Eu vim a aceitar o fato de que a aquisição de muito conhecimento me levou ao uso de
drogas, mas foi através desse mesmo uso de drogas que eu adquiri meu conhecimento. Como um
grupo, nós concordamos que o bacanal acabou. Não haveria mais perseguições à drogas,
mulheres, e aventuras. Nós estávamos em Nova Orleans para trabalhar. Eu queria concentrar meu
ódio e afiar meu desprezo, mesmo se eu nutrir ambos esses sentimentos contra mim a maior parte
do tempo.
Uma BMW preta derrapou dentro da garagem e uma porta bateu, anunciando a chegada
de Trent, que entrou na sala, acenando com a cabeça para mim e Dave como homens fazem nos
shoppings ou em auto-estradas enquanto eles entram na cozinha. O resto da banda logo chegou
no estúdio e começou a ajustar seus equipamentos: Twiggy Ramirez, uma criança incansável e
travessa no corpo de um psicopata silencioso; Daisy Berkowitz, uma criança fornecedora de restos
de comida, equipamentos e garotas; Ginger Fish, o mais quieto e perigoso de todos nós, uma
bomba-relógio cautelosamente esperando uma explosão cataclísmica; e Pogo, um gênio muito
louco para usar sue inteligência de algum meio construtivo. Ele sempre me lembrou o Professor da
Gilligan’s Island: ele era esperto o bastante para construir uma televisão com cocos, mas ele nunca
poderia consertar o barco para levar todos para casa. Se ousasse, Pogo faria com prazer qualquer
coisa, até beber seu próprio mijo, contudo, ele cairia mortalmente doente se alguém fizesse algo
tão insignificante como colocar maionese em sua comida.
Enquanto Trent e Dave jogavam videogame, nós sentamos e ficamos olhando uns aos
outros. Nós tínhamos tantas idéias, e tantas coisas em jogo, que nós não sabíamos por onde
começar. Só Daisy falava. Ele estava excitado e agitado porque ele achou que finalmente entendeu
o álbum, o que ele explicou foi um musical sobre Jesus Cristo numa turnê de rock. Ele até trouxe
uma fita demo com seis músicas que ele gravou, mas seu conceito não poderia ter sido mais que a
detestável verdade. Ouvindo ela só nos deixou em depressão mais ainda.
Eu saí do lugar e subi uma grande escadaria – espaçosa o bastante para caber os caixões
que uma vez estavam nesse antigo mortuário – até o escritório e peguei o telefone. EU sabia o
número de Casey de cor eu o disquei como na última vez que estivemos em Nova Orleans. Antes
de eu ter tempo para enrolar uma nota de vinte dólares, Casey chegou, uma sanguessuga de
superstars que vendia drogas não para lucrar mas porque ele queria estar perto de músicos e
escoteiros para realizar esse mesmo objetivo: Casey se tornou simplesmente um traficante. As
paredes do apartamento de Casey eram forradas de discos de ouro e platina, cada um era um
testamento do vício e desespero de um diferente rockstar que trocou seu troféu por narcóticos.
Casey cortou uma longa linha serpenteando a mesa de madeira falsa do escritório e me
convidou para me servir. Eu chamei Twiggy para me acompanhar. Eu não fiz aquilo sozinho, e eu
achei que talvez nós devêssemos celebrar nossa reunião em Nova Orleans. Inalar aquilo também
parecia uma forma de contrariar a insegurança e intimidação de elaborar um grande projeto, uma
carreirinha lá seria usada para racionalizar o uso de drogas nos meses seguintes tão
rotineiramente quanto a desculpa de uma reunião.
Nós voltamos para a sala de estar do estúdio e nos preparamos para gravar a música
tema. Dave, contudo, voltou para o Playstation, entretido na trilogia Alien. Por respeito, já que ele
era praticamente um membro do Skinny Puppy, uma banda muito mais velha que a nossa, nós
esperamos ele morrer. Na hora em que ele se uniu à nós, Twiggy desapareceu lá por cima para
tragar outra linha. Ai Pogo teve que sair para tomar um ar, tendo se desviado da cocaína para seu
próprio suprimento particular de maconha exótica, que ele fumou com uma lata de Coca-Cola
amassada com buracos dos lados. Daí Daisy sumiu até o saguão para tocar guitarra para suas
quatro faixas. Quando nós estávamos finalmente todos juntos de novo, Dave nos abandonou para
assistir o jogo de hóquei de Toronto Mapleleafs que ele estava esperando ansiosamente. Nós
tínhamos acabado pela noite.
Dias se passaram, semanas se passaram, e o entusiasmo enfraqueceu-se até ficar irritante
enquanto nós começamos a perceber que nosso primeiro dia no estúdio não foi uma tarefa de
aquecimento mas um modelo de inatividade. Toda vez que uma inspiração batia, ninguém estava
por perto ou tinha muitas drogas por perto, e como uma faísca sem oxigênio, nossa inspiração se
dissipava toda hora.
Poderia ter sido em qualquer noite nos meses que se seguiram quando eu me deitei na
cama olhando para os altos tetos, bem acordado por causa de toda a cocaína que ainda estava
excursionando minha profanada corrente sanguínea. Missi estava ao meu lado, profundamente
adormecida, desconhecida da razão pela qual nós não fizemos sexo nessas poucas semanas
seguintes não foi porque eu estava muito ocupado pensando no trabalho mas porque eu estava
usando drogas. Assim como todo mundo da banda, eu estive passando mais tempo viajando e
falando sobre fazer música do que realmente fazendo música.
Eu saí da cama o mais quieto que eu pude e saí descalço rangendo o poeirento chão de
madeira da sala de estar, cuidadoso para não tropeçar nos baldes de tinta vermelha e preta. Eu
estava morando numa grande casa tradicional de Nova Orleans no distrito de Garden alugada pela
corretora de imóveis verdadeira do Trent, uma mulher severa e desmazelada. Eu recentemente
consegui a permissão dela para repintar a insípida sala de estar. Mas desde então que eu comecei
a trabalhar nisso, o telefone foi bloqueado – com executivos da gravadora, empresários, corretores
de imóveis e escreventes que eu nem conhecia me dizendo que eu não podia alterar a casa. Só no
outro dia, eu recebi uma ligação do Dave, um carpinteiro de palcos imbecil e vadio que conseguiu
se manter na folha de pagamento do Nine Inch Nails mesmo que a turnê deles tivesse acabado há
um ano. Embora o novo trabalho de Dave era solicitar de companhias coisas grátis para a banda –
camisas, sapatos, bebida, videogames – suas tarefas naquele dia viria a incluir a honra de me
telefonar e me informar que eu tinha que pagar aos donos da casa cinco mil dólares para trazer as
cores originais da sala.
Toda vez que eu via as paredes vermelhas inacabadas e as bordas pretas brilhantes,
minha cabeça nublava-se de ódio por todos que mentiram intencionalmente sabendo que eles
seriam descobertos mais tarde, todos que tentaram subir na vida ilesos enquanto deixavam um
rastro de duplicidade e traição coagulando por trás deles. Nova Orleans era uma cidade populada
por pessoas duas-caras que eram todos sorrisos em sua presença mas facas e punhais por trás de
você. A maioria dos problemas do mundo poderiam ser evitados se as pessoas apenas dissessem
o que elas acham.
Eu sentei no assento bem vermelho de couro de uma cadeira de barbeiro metálica na sala
que servia como um útero, uma proteção de um estúdio que se tornou um castigo merecido e de
uma cidade que se virou contra mim. Eu geralmente imaginava se ela era uma cadeira de piloto
tirada de um helicóptero, como aquela na qual meu pai voou no Vietnã. Eu fechei meus olhos e me
concentrei em meu coração, batendo três vezes contra meu peito. Deixei meu pulso, o ritmo, o
calor se espalhar por mim, daí me concentrei em erguer a envolvente essência quente do contêiner
de abuso ferido de meu corpo, enquanto eu lia sobre isso em tantos livros de proteção astral. Eu
me deixei ser erguido, mais alto e mais alto na noite até eu estar imerso num radiante branco
consumidor. Eu me senti crescendo, um corpo agasalhando-se agora, asas se erguem de minhas
costas, as costelas salientavam-se através de minha pele como facas serrilhadas, meu rosto se
deformou no monstro que eu sabia que tinha me tornado. Eu me ouvi gargalhar feio e com forte
ressonância, minha boca alargou-se num escárnio malevolente grande o bastante para tragar a
bola espinhenta da Terra logo abaixo, um mundo de vidas insignificantes com problemas
insignificantes e até alegria mais insignificante ainda. Eu poderia engolir elas se eu quisesse,
dispor delas de uma vez por todas. Isso é pelo que elas oram. Isso é pelo que eu estive pecando.
“Rezem agora, filhos da puta”, eu me ouvi de lá de baixo, o som chacoalhou o firmamento. “Rezar
pelas suas vidas é só um sonho”. E a Terra respondeu com um alto grito estardalhaço que
ressonou tão altamente em minha cabeça que eu tive que apertar minhas mãos contra minhas
têmporas para manter a sanidade, ou a insanidade.
Era o telefone tocando. Eu atendi logo tontamente.
“Ei, e aí?” uma voz veio que eu não reconhecia.
“Quem é?”.
“Sou eu, Chad”. Ele parecia insultado por eu não ter o reconhecido – afinal, nós éramos
primos e também melhores amigos – mas muito tinha acontecido desde então. “Você recebeu meu
convite?”.
“Que convite, seu frutinha?”.
“Para o meu casamento. Eu vou me casar em setembro agora, e significaria muito mesmo
para mim se você viesse”.
“Estou no meio do trabalho em meu álbum agora, mas talvez eu possa ir. Vou tentar, ok?”.
“Sim, significaria muito para mim”.
Eu me senti insincero ao telefone, como todos os cuzões duas-caras e sorridentes que eu
odiava quando criança, mas eu não sabia o que dizer. Eu não queria voltar para Canton, Ohio, e
ver a normal vida de casado idiota que eu poderia estar tendo agora. Eu poderia estar tentando –
porque a vida em Nova Orleans fedia.
Quando Missi acordou, nós fomos para o estúdio. Trabalhar lá começou a me deixar
escapar de um tapa chinês: quanto mais nós tentávamos, mais serrada ficava a resistência. Assim
que eu entrei no saguão, Twiggy, que estava se tornando mais um boneco de Casey à cada dia,
veio correndo da sala dos fundos com uma foto com moldura da madeira em suas mãos, gritando,
“Capitão Larry Paul está pronto para decolar!”. Capitão Larry Paul era o apelido que o Twiggy deu
para a foto de um desenho de um fã do Trent. Twiggy achou que parecia um empresário tonto com
quem ele trabalhou numa loja de discos da Flórida onde, como eu, ele costumava roubar CDs. A
figura se tornou uma superfície portátil para moldar e tragar drogas, ritualisticamente tiradas de seu
lugar escondido num velho armário cheio de dutos de ar-condicionado, aquecedores de água, e um
bolorento cheiro miasmático recordativo do porão de meu avô.
Um encontro com o Capitão Larry Paul se tornou uma típica iniciação para um dia sem
trabalho no estúdio. Nunca numa vida de uso prodigioso de drogas eu enchi minhas narinas com
tanto pó branco. Todo dia, nós ficávamos tão presos à isso que nós não éramos capazes de nos
concentrar nas gravações de nada, uma situação que nos antagonizaria tão grandiosamente que
nós ficaríamos ainda mais paranóicos e inúteis.
Por agora, todo mundo no estúdio parecia ter desistido do álbum. Trent estava começando
a ficar ressentido porque ele precisava estar compondo e gravando um seguimento do The
Downward Spiral, e Dave nunca parecia estar por perto quando havia trabalho que precisava ser
feito. Ginger era dificilmente parte da banda, porque ele estava muito ocupado tentando divertir um
bordel nojento todo de strippers que ele arranjou perto do estúdio. E Daisy raramente estava na
sala de controle. Ao invés disso, ele passava a maior parte de seu tempo no saguão do estúdio
com seus fones de ouvido, tocando guitarra de hard-core banal em seu gravador de quatro faixas.
Ele nunca ouviu heavy-metal quando era adolescente, por isso ele constantemente confundia seus
clichês de originalidade. Ele usava uma velha guitarra Jaguar – como uma que Kurt Cobain usou –
não porque ela soava bem mas porque ele deu um novo acabamento para ela. A guitarra devia ter
sido destruída durante as filmagens de “Sweet Dreams”, mas Daisy a salvou orgulhosamente de
uma pilha de sucata. “Então o que aconteceria se ela continuasse a ser consertada”, ele explicava.
“Eu passei tanto tempo tocando ela que ela ficaria desgastada para se usar”.
Daisy estava tão agitado com o progresso que ele estava fazendo com seu gravador que
ele queria na verdade terminar e gravar alguns trechos para o álbum, talvez em “Wormboy”, a
música que mais incorporava suas idéias musicais. Ele entrou na sala de estar, excitado por
encontrar com Trent sentado lá. O resto de nós foi para o gabinete de controle, monitorando a sala
de estar pelo circuito interno de câmeras. Na tela, nós podíamos ver Daisy emocionadamente
exibindo sua guitarra polida para Trent, que na verdade parecia interessado. Nós vimos quando
Trent pegou a guitarra, a dobrou embaixo de seu braço, “arranhou” as cordas algumas vezes e daí
impiedosamente a estraçalhou no amplificador, entregando ela ao destino que foi traçado à ela há
um ano e meio atrás. Trent casualmente saiu da sala, e Daisy ficou lá horrorizado por vários
segundos antes de sair indignado do estúdio, dando a si mesmo o resto do dia de folga para tentar
e compreender o que acabou de acontecer.
Nós tínhamos dado mais uns passos em nosso trabalho no Antichrist Superstar. Agora, nós
não só não estávamos produtivos, mas estávamos destrutivos. Nos dias seguintes, a primeira
bateria eletrônica da banda seria jogada fora por uma janela do segundo andar, as paredes de
Trent seriam brocadas, o equipamento de Twiggy seria destruído e o gravador de Daisy seria
colocado num microondas para assar, fritando seus circuitos muito além de reparos.
Em 4 de julho, o dia no estúdio consistia em todo mundo ficar bêbado enquanto Trent e eu
acendíamos fogos de artifício, os jogando dentro do microondas, e chacoalhar toda a bagunça
irradiada na rua. Isso foi seguido pela destruição de minha coleção de bonecos do Spawn com um
boneco do Venom, um vilão das revistas em quadrinhos do Homem-Aranha comprado num
mercado porque ele falava, “eu quero comer seu cérebro”, assim como as drogas estavam fazendo
conosco. A única fila comum apoiada à noite toda foi a constante barragem de garrafas jogadas em
Ginger – nada além de diversão serelepe, mas de ressentimento porque ele conseguiu encontrar
algo semelhante à alegria em suas strippers superficiais. A única companhia que o resto de nós
poderia achar era miséria. Ao amanhecer, Twiggy procurava marshmallows para assar no
processador que Trent estava planejando tacar fogo. Não era apenas destruição: era uma forma
muito violenta de adiamento.
O estado de nossos equipamentos estava muito parecido com o estado da banda:
demolido. Dentro de semanas, Daisy deixou o grupo. O maricas tomou sua primeira atitude de
homem na sua vida e pediu uma reunião e saiu. A reunião foi surpreendentemente bem. De
algumas formas, eu na verdade o respeitava por ser realista no que ele queria fazer em vez de
ficar conosco. Na época, eu tratei isso como uma piada, dizendo para todo mundo que a única
coisa que eu perdia era ver Daisy, o Zelador Sexual, pegando camisinhas usadas enquanto ele
ficava humilhantemente por trás da banda e da equipe, comprando chocolate e flores numa
tentativa de seduzir todas as garotas com quem nós já fodemos. Mas a verdade era que eu me
sentia pior do que nunca. Todas as pessoas solteiras com quem eu formei a banda se foram, e
todo mundo que sai estava começando a se virar contra mim. Eu era o único com uma namorada
em Nova Orleans e o único que parecia querer trabalhar. Até Twiggy estava se tornando um
estranho, controlado em parte pelas drogas de Casey e parte por Trent, com quem ele estava
ficando tão amigo que parecia que ele estava mais interessado em ser um membro do Nine Inch
Nails que do Marilyn Manson. Ele começou a me chamar de Arch Deluxe, depois dos
hambúrgueres vendidos para adultos no McDonald’s, e todo mundo logo aderiu. Eu
constantemente me sentia como uma figura paterna, odiado por tentar fazer todo mundo fazer seus
deveres de casa.
Toda vez que eu queria falar sobre os livros que eu estava lendo sobre o apocalipse,
numerologia, o Anticristo, e o Kabbalah, ninguém se importava. Quando eu acabava de gravar
alguma coisa, todos invariavelmente odiavam e queriam deixá-la mais barulhento ou perversa – ou
até usar uma bateria eletrônica em vez de um baterista de verdade. Isso era produção ou
sabotagem? Eu não sabia o que pensar de todos. A única vez que alguém concordou comigo foi
quando eu sugeri ligarmos para Casey.
Do lado de fora do estúdio, Nova Orleans era um aterro sanitário. Todos os lugares aonde
íamos no verão antes no verão antes que ficassem cheios de turistas góticos estavam assim
agora. A cidade mudou de um lugar onde ninguém nos conhecia para um onde nós éramos clichês
ambulantes, paródias de nós mesmos. Toda noite, Missi e eu acabávamos num bar chamado
Hideout, que, no ano anterior, foi um lugar freqüentado por motoqueiros com três ou quatro clientes
e uma vitrola automática que tocava Whitesnake e Styx. Nós gostávamos de beber lá porque lá era
vazio, era uma piada e os banheiros tinham portas que trancavam.
Quando Missi e eu voltamos ao Hideout, o lugar tinha se tornado um clube noturno. Todo
mundo lá era frio e indiferente, como se eles estivessem frios para se recordarem de nós, embora
a única razão para eles estarem lá era porque eles sabiam que nós iríamos lá. No meio de roupas
pretas, rímel e tinta de cabelo, eu vi um farol de prata – uma discoteca humana – uma garota de
cabelos castanhos coberta de glitter com uma sombra metálica e batom. Ela ficou no meio do lugar
jogando um verde enorme, prestando depoimento à minha fidelidade – ela chupou meu pau no
verão passado. Seja lá qual for o radar especial que as garotas têm, o de Missi estava ligadão
naquela noite, e instantaneamente ela captou a freqüência entre eu e a discoteca ambulante.
Quanto mais bêbados ficávamos, mais volátil a situação ficava. Missi ficava me perguntando quem
era ela e se eu tinha dormido com ela, e eu ficava negando isso. Entretanto, a garota estava dando
em cima de mim como se Missi fosse um fantasma, que de algumas formas ela tinha se tornado.
Quando eu fui ao banheiro, a garota se meteu lá quando eu estava me aproximando da
porta. Eu estava bêbado e tonto, e enfiado com essa garota suja nesse lugar imundo, nesse chão
branco azulejado melado com pêlos pubianos endurecidos e urina incrustada. A primeira coisa que
a garota suja fez foi sentar na privada e mijar. Eu tentei não olhar ou dar importância, mas ela me
chamou. “Olhe para isso”, ela disse, apontando para um piercing enfiado no capuz de seu clitóris e
outro na rachadura onde as coxas se encontram na virilha. “Eu fiz eles quando eu tinha quinze
anos”.
“Que ótimo”, eu disse, enojado pela pele avermelhada e infectada em volta dos dois
piercings assim como a carne irritada em volta de toda a sua área genital, que recentemente foi
raspada. Eu não sabia se eu devia lamber ela, enfiar o dedo ou foder ela, por isso eu apenas fiquei
lá em silencio, dizendo para ela que eu ia ser pego. Em vez de sair, ela levantou suas calças e
colocou suas mãos no bolso, retirando uma pequena vasilha Ziploc. Eu sempre imaginei quem
fazia essas vasilhas minúsculas. Que sanduíches vão caber numa delas?
“Todos os meus namorados ou estão mortos ou presos?”, ela me informou enquanto ela
fez uma linha de coca na tampa da descarga atrás da privada. Assim que eu traguei aquilo, meu
nariz começou a arder, seguido dos meus olhos, que se encheram de lágrimas. As drogas dela
estavam definitivamente com anfetamina, vidro ou algo assim. Quando eu sentei lá cambaleando
por causa do álcool e drogas ruins, ela agarrou minha cara e começou a me beijar, me cobrindo de
brilho incriminador. Minhas calças estavam meio descidas e ela puxou meu pau flácido. Eu não
pensava mais em ser pego: tudo em que eu conseguia pensar era no mijo. Eu parecia ter inalado
um pouco, porque era tudo o que eu conseguia cheirar, e eu ainda tive que mijar. O fedor encheu
minha cabeça e penetrou em meu corpo. Eu me senti como se eu fosse vomitar. Eu enfiei minha
mão nas calças dela e violentamente puxei o piercing do capuz do seu clitóris, a fazendo gritar de
dor, surpresa ou prazer. Ai eu enfiei meu polegar dentro dela, passando meu dedo-do-meio em
volta dela e enterrando ele no cu dela. “Por que estou fazendo isso?”, eu pensei comigo mesmo.
Eu estava tentando ser sujo. A situação parecia pedir isso. Eu poderia ter apenas metido facilmente
minha mão numa lata de lixo e executado a mesma coisa.
Eu puxei meus dedos para fora o mais rápido que quando os inseri, mijei e sai do banheiro
para encontrar Missi. Mas ela tinha ido embora, sem dúvida, me deixando enfiado lá com a rainha
da discoteca e tão raivoso com ela que eu estava determinado a mergulhar mais afundo no poço
sórdido que eu comecei a cavar para mim. Enquanto eu estava perguntando se alguém sabia para
onde Missi tinha ido, uma garota baixinha e gorda com uma sacola de carne pendurada na barriga
pelos jeans muito apertados e um top branco umedecido de suor, revelando seios caídos sem
sutiãs, veio diretamente a mim, botou sua cara à polegadas da minha e ficou só me olhando.
“O que é?” eu perguntei, perturbado e desconfortável.
Ela respondeu jogando a sua bebida em minha cara – não apenas o liquido, mas o copo
também. Eu rumei minha garrafa de cerveja nela, e logo eu estava coberto de mãos tentando me
impedir e me tirar do bar. Ela me seguiu e começou a gritar alguma coisa incompreensível, algo
como uma referência de mim, ou vendendo, ou chupando ou sendo muito legal para ela. Ela
parecia estar sofrendo de alguma desilusão de que existência dela era muito importante para eu
fingir não saber disso.
Com a discoteca ainda rolando atrás dela, eu corri tontamente até um beco perto ao lado
de uma grande igreja hispânica branca e me escondi no canto. Uma casa de veneração era
provavelmente o último lugar em que os tiras procurariam por mim. Eu enfiei a vasilha em meu
bolso, por isso eu a peguei e nós fungamos um pouco com a chave de casa. Eu não sei porque eu
usei mais daquela coca da garota além do fato de que isso estava lá. Mas logo que traguei, eu
lamentei isso. Meu coração começou a ficar como se fosse explodir. Eu fugi, deixando a garota
para trás assim como a década a qual ela parecia pertencer, e chamei um táxi. O motorista, um boi
branco com uma camisa social e um grande bigode castanho e cabelo seboso, instantaneamente
puxou conversa.
“Você já viu Planeta dos Macacos?” ele perguntou. “Aqui não é como o Planeta dos
Macacos? Todos esses malditos negros por todos os lados”.
“Do que é que você está falando?”.
“Ora, olhe a sua volta”.
“O Sul pode ser bem convidativo”, eu disse com um ar de nojo, claramente visível para ele.
“Você é viado ou algo assim?” ele contra-atacou maliciosamente.
Eu não me lembro exatamente o que eu disse depois, mas sem duvida conteve um dos
seguintes – “vá se foder”, “cuzão” ou “chupe meu pau” – porque deu um grito para eu sair fora do
nada assim, esmagou seus punhos cabeludos de macaco em mim pelo divisor e me disse para eu
me picar do táxi.
Enquanto eu andava os quatrocentos e poucos metros que restavam para minha casa com
um nariz sangrando e com a cabeça e coração latejando, uma combinação de drogas ruins e um
bom soco, tudo em que eu conseguia pensar era em Charlton Heston dizendo, “tire suas patas
sujas de cima de mim, seu macaco imundo”. Quando eu abri a porta da frente, foi um inferno. Meus
CDs estavam todos espalhados pelo apartamento e os encartes deles estavam rasgados, cortesia
de Polly, a gata branca de Missi, que parecia exatamente familiar àquele que pertenceu ao irmão
de John Crowell, exceto que um de seus olhos era azul e o outro era verde. Eu coloquei as chaves
na mesa, e Polly deu o bote em minha mão, rasgando a carne sobre meu tendão. Eu a agarrei
violentamente pelo pescoço, Missi estava no telefone falando com uma amiga e me ignorando,
mas quando ela me viu indo jogar o gato dela na parede, ela bateu com força o telefone e começou
a gritar comigo. Isso só ficou pior quando ela viu o glitter, agora misturado com o sangue, em
minha cara.
Todos na casa estavam contra mim. Até o cachorro, que como de costume, conseguia
achar o livro exato que eu estava lendo (Tetragrammaton) e rasgá-lo aos pedaços. Meu coração
continuava acelerando e se dilatando contra meu peito, e eu corri para o banheiro e tranquei a
porta. De fora, Missi podia me ouvir vomitando todo atrapalhado na privada, e o seu ataque se
amaciou e se transformou na simpatia que eu definitivamente não merecia. Acessos de pânico
sobre penico estavam me atacando porque quanto mais você fica preocupado por estar viajando,
pior fica sua situação porque o estresse só faz seu coração bater mais rápido. Para deixar as
preocupações ainda mais medonhas, tudo em que eu conseguia pensar era sobre o fato de que,
como meu pai, eu tinha síndrome de Wolff Parkinson White – uma batida cardíaca irregular e
rápida – e provavelmente não passaria a noite sem a ajuda de um médico.
Eu tentei relaxar e deitar no chão e tomar água, mas meu coração estava atritado demais
para me deixar acalmar. Eu poderia literalmente vê-lo pulsando contra meu peito lacerado. Eu não
estava preocupado em morrer. Minha preocupação opressiva era meu medo costumeiro de ser
preso e ter que falar com tiras. Enquanto Missi tentava fazer um tipo de consulta para me levar ao
hospital sem um incidente com a imprensa ou com a polícia, eu despejei tudo da vasilha na privada
e limpei meus cartões de crédito. Ai eu me limpei na privada, escarrando e cuspindo, antes de
destrancar a porta. Eu fui até meu armário e coloquei roupas limpas e respeitáveis e pedi para
Missi me levar ao hospital. Eu estava desligado de mim enquanto eu fazia isso, como se eu
estivesse assistindo alguém fazer essas preparações. Com esse ponto de vantagem, eu estava
impressionado de como eu racionalmente estava agindo pela cabeça de uma outra pessoa, que
estava cambaleando por causa de álcool e cujo coração estava martelando tão rápido e pesado
que uma parada cardíaca era iminente. Meu braço esquerdo estava formigando, e eu fiz um
retrospecto até anos atrás quando alguém me contou que isso era um sinal de advertência de um
ataque cardíaco.
Eu acordei naquela cama de hospital perto de um homem morto, confuso. Eu me lembrei
da noite anterior como se ela fosse uma série de fotografias. De primeira eu podia ver apenas
alguns instantâneos, mas lentamente eles começaram a se multiplicar até formarem um filme
completo. A única gorda faltando estava chegando no hospital. Eu me lembrei de uma mulher
gorda preta que me atendeu, eu me lembrei de um tubo de metal drenando meu sangue para
analise química, e eu lembrei de estar pensando, “agora eu sei como Brad Steward se sentia”.
Enquanto eu reganhava consciência na cama do hospital naquela noite, eu tentei imaginar
o que isso significava. Brad Steward – não a pessoa, mas o viciado – desprezível para mim, uma
criatura tão oposta do que eu queria ser. Ele era alguém que deixou algo mais controlar sua vida.
Eu achei que eu era diferente, porque eu poderia parar. Mas por que eu não parava? Por que eu
precisava de drogas para funcionar, cantar, ir dormir, para fazer alguma coisa? Eu sempre me
disse que usar uma droga é legal, mas precisar de uma droga não é.
Enquanto eu estava deitado na cama, contudo, eu tentei convencer eu mesmo de que eu
não era Brad Steward, que eu estava ainda controlado: essa overdose não seria uma epifania ou
um telefonema para acordar e se endireitar. Era simplesmente um erro. Havia muito dando errado
em minha vida para eu apenas culpar as drogas por tudo. Seria muito fácil. As drogas não eram a
raiz do problema, eram um sintoma. Antichrist Superstar se tornou uma ficção da nossa
imaginação, um conto de fadas que não tinha outra função além de nos assustar, como um
fantasma ou o Corey Feldman. Não só nada estava sendo feito, mas todo mundo estava me
dizendo que ele era fraco, pobremente executado e simplesmente uma repetição do que Trent já
tinha feito com o The Downward Spiral. E talvez eles estivessem certos. Talvez eu tenha colocado
muitas confidências no conceito do Antichrist Superstar. Talvez todo mundo estivesse tentando me
salvar de mim mesmo.
Mas talvez eles nunca realmente pegaram um tempo para ouvirem e entenderem a idéia.
Talvez o álbum que eles tinham em mente para o Marilyn Manson não era aquele que eu tinha em
mente. Parecia que Trent e eu queríamos fazer álbuns diferentes. Eu via Antichrist Superstar
essencialmente como um álbum pop – embora fosse inteligente, complexo e obscuro. Eu queria
fazer algo tão clássico quanto os álbuns que eu cresci ouvindo. Trent parecia ter seu coração
programado para desbravar novas terras freqüentemente ia de encontro à harmonia, coerência e
âmbito em que eu insistia. Eu sempre confiei na opinião de Trent no estúdio, mas o que eu devia
fazer agora que nossas opiniões se diferenciavam? Não importa o que ninguém dissesse, eu sabia
que Antichrist Superstar não era o mesmo que The Downward Spiral, que era sobre a descida de
Trent num mundo interno e solipsista de tormento próprio e infelicidade. Antichrist Superstar era
sobre usar seu poder, não sua miséria, e ver esse poder destruir você e a todos a sua volta. O que
estava acontecendo comigo agora parecia ser algum tipo de combinação perversa de ambos tipos
de autodestruição. Já eram quase quatro meses agora – quatro meses – e tudo que nós tínhamos
para mostrar a nós mesmos eram cinco músicas e meia, narinas feridas e uma conta de hospital.
Ninguém parecia perceber que a banda estava desmoronando.
Na mesma época, Trent parecia estar ficando mais distante como um amigo e produtor a
cada dia, talvez porque nós estávamos tomando muito do seu tempo num projeto que ele estava
rapidamente perdendo a fé. Ele disse sem cerimônias numa conversa quando nós começamos
primeiramente a gravar que era impossível fazer um grande álbum sem perder algum amigo, e eu
não pensei muito sobre isso na época. Agora isso era tudo em que eu conseguia pensar, porque eu
estava perdendo as três pessoas que mais me importavam: Missi, Trent e Twiggy. Tudo o que eu
tinha era a minha família.
*boceta*boceta*
Depois de receber alta no hospital, eu marquei um vôo para Canton, Ohio, para assistir ao
casamento de Chad. Eu sempre me senti responsável por Chad, como se eu devesse de alguma
forma desviar seu rumo para se tornar um ator ou comediante. Não havia razão especifica do
porquê que eu achava isso, exceto talvez por culpa de ter escapado de Canton enquanto sua vida
estagnava-se lá. Ele se pregou num caixão patriota: ele foi para a faculdade, engravidou sua
namorada, e agora ele ia se casar com ela e ser infeliz ou, pior ainda, contente.
Conversando com Chad, cujo rosto com os dentes para fora e sardento não tinha mudado
exceto por um cavanhaque, eu não pude narrar nada para ele. Como ele poderia entender estar
num palco em frente a milhares de pessoas gritando seu nome? Ficar acordado por três noites
usando drogas e vendo pessoas mijando, cagando, sendo chicoteadas e fodendo com a mão
alguém para criar diversão? Tentando ir dormir à noite com um peito ainda sangrando por causa de
um vidro quebrado e uma cabeça partida por um suporte de microfone? Nós poderíamos conversar
num nível superficial, discutindo a estranheza de seu noivado, o vestido de noiva de sua namorada
e o conceito colossal de na verdade ter um filho.
O casamento foi a primeira vez que eu estive numa igreja desde que eu era criança, e eu
me senti desconfortável durante todo o procedimento. Eu usava meu terno preto com uma camisa
vermelha, uma gravata preta e óculos escuros. Todo mundo parecia estar olhando para mim com
desaprovação. Não foi apenas o padre me dando olhares tortos, mas o resto de minha família.
Enquanto eles todos devotamente recitavam suas orações e cantavam hino após hino, eu
estudava cada um e todos eles friamente. Eu imaginei-me andando na nave da igreja no lugar do
Chad, mas me casando com uma mulher preta ou um gay e vendo a confusão e cólera que
resultaria. Eu imaginei-me respondendo as perguntas do padre, “você aceita essa mulher como
sua legitima esposa, até que a morte vos separe?” me ensopando de gasolina e botando fogo em
mim mesmo. Eu não conseguia perceber porque eu fiquei diferente de todo mundo. Eu tive a
mesma educação, as mesmas vantagens, as mesmas desvantagens. Foi aí que eu vim com a letra
que terminaria o álbum, “o garoto que você amou é o homem que você teme”.
Depois, eu fui até o irmão de Chad, que explicaram que eles estavam furiosos por eu ter
mencionado meu avô na imprensa. “Por que você sente a necessidade de contar os segredos de
sua família?”, sua mãe me repreendeu.
“Ninguém acredita no que eu digo mesmo”, eu respondi brevemente. Meu avô morreu no
dia de Ação de Graças passado, e o fato de eu ter decidido não ir ao funeral parecia ter resultado
num pacto implicitamente combinado entre meus parentes de me excomungar.
Todo mundo com quem eu conversava era para perguntar se eu era gay ou viciado ou
adorador do Diabo. Ninguém tinha nada legal a dizer, e ninguém entendia nada sobre mim. Eu não
era Brian Warner mais, eu era algum tipo de visgo inexplicável e repulsivo que escorria aos poucos
de um esgoto e sujou a vida aurífera deles. Chad parecia muito jovem e muito inteligente para cair
nessa armadilha, e tudo em que eu conseguia pensar era que eu não queria amadurecer e ter que
tolerar essa vida que todo mundo acha que deve ter. Por outro lado, minha vida não estava melhor
que a deles. Lá tinha que haver algo mais.
Depois da recepção, nós fomos para a casa de minha avó; enquanto todo mundo estava
na sala de estar bebendo vinho, comendo biscoitos e lutando para dizer alguma coisa interessante;
eu saí às escondidas e fui lá embaixo no porão de meu avô. Parecia quase exatamente o mesmo,
mas os trens e a sacola de lavagem anal sumiram e alguém esvaziou o cabinete branco de
médico. Eu fui até atrás do espelho do teto, e a pornografia foi removida. Eu abri um das latas de
tinta, e os filmes de 6mm ainda estavam realmente lá. Eu peguei de cima e o segurei contra o feixe
empoeirado de luz amarela vindo da janela, revelando um homem negro fazendo amor com uma
mulher gorda branca. Eu tirei outra bobina do filme, e enfiei as duas no cós de minhas calças.
Eu não me sentia mais pequeno e assustado no porão. De fato, eu me sentia em casa pela
primeira vez desde que eu voltei para Canton. Eu tinha muito mais em comum com meu avô agora
que com a criança inocente que costumava explorar seu porão, que era uma realização inquietante
em ataque do fato de que há momentos atrás eu estava na igreja prometendo para mim mesmo
que eu nunca amadureceria. Eu até usei lingerie de mulher, como meu avô, e me envolvi em atos
sexuais muito mais perversos que aqueles nas revistas Watersports e Anal Only. Meu avô foi a
figura mais feia, obscura, idiota e depravada de minha infância, mais uma besta que um humano, e
eu cresci para ser ele, trancado no porão com meus segredos enquanto o resto da família festejava
no trivial e ordinário andar acima de mim. Lá embaixo, eu vi meu núcleo preto, antigo e inelutável
exposto, como um caranguejo forçado para fora de sua casca – sujo, vulnerável, e obsceno. Pela
primeira vez em minha vida, eu estava verdadeiramente sozinho.
*boceta*boceta*
As primeiras semanas em Nova Orleans provam que a situação estava pior do que eu imaginava.
Tirar esse dia para descansar foi o único e último suporte que eu ainda achava ter, e voltando para
me encontrar no exato estúdio sem sentido e autodestrutivo que eu larguei apenas se juntou a isso
tudo. Eu fiz bacanais de drogas que duravam dias, resultando em blecautes, lutas, e a destruição
da maior parte do que eu ganhei e amei. Minha vida estava desmoronando, minha banda estava
desmoronando e o álbum estava desmoronando. Eu era um clichê do rock ‘n’ roll, e eu nem tinha
me tornado um ainda.
Sentado na sala com Twiggy preparando-se para gravar “The Minute Of Decay”, eu sentia
o peso da futilidade desse projeto se bater em mim. Eu de alguma forma pensei que em minha
ausência, tudo se resolver. Mas o fato era que nós falávamos conosco sobre um grande álbum,
mas gravamos um podre. Eu estava me preparando para cantar num amplificador de guitarra, usei
uma bateria eletrônica enganchada numa caixa de suporte para microfone, e deixei Twiggy tocar
baixo num pequeno amplificador barato. A coisa mais cara no lugar era uma pilha meio dizimada
de cocaína na nossa frente. Como uma mosca numa vara de pesca, não importava quanto mais eu
batesse minhas asas, me contorcesse, ou lutasse, não havia jeito de escapar. Eu estava fazendo o
corte de uma linha que eu ia moldar. Eu trabalhei tão duro nesses últimos anos só para ficar
empilhado aqui, duvidando do meu próprio trabalho artístico e de minha própria existência. Pelo
menos eu sabia – eu sempre soube – que havia uma saída. Mas eu não queria pensar sobre isso.
A verdade é que eu era muito egoísta para me matar ou deixar eles – não só todos no estúdio, mas
minha família, meus professores, meus inimigos, o mundo – saberem que eles ganharam.
Eu comecei a cantar. “Não há mais nada para amar”. Eu de forma reflexiva traguei a
cocaína em minha frente. “Estou muito cansado para odiar hoje”. A droga nem me afetava mais.
“Eu sinto o vazio”. Algo molhado salpicou no meio do monte de pó branco. “Eu sinto o momento de
decadência”. Era uma lágrima. “Estou em meu caminho para baixo”. Eu estava chorando. “Eu
queria te levar comigo”. Eu não podia nem me lembrar da última vez que chorei – e nem sentir isso
– assim. “Estou em meu caminho para baixo”. Eu me descontrolei completamente.
“Você poderia subir aqui na sala de controle?” crepitou uma voz sobre o sistema de áudio.
“Tudo bem”, disse Trent quando eu cheguei, “nós achamos que você está exagerando”.
“Eu acho que você está colocando emoção um pouco demais lá”, Dave adicionou. “Nós
vamos deixar você fazer mais uma vez, mas desarme o teatrinho. Isso não é Shakespeare”.
“Eu não quero que você realmente...”, eu comecei e parei. Eu não acho que adiantaria
nada em dizer para eles que se eles eram meus amigos, como eu tinha uma vez achado, eles
entenderiam que minha desolação era real.
Eu devia ter ido direto para casa depois disso – eu me disse isso umas mil vezes depois –
mas não fui. Em vez disso, eu me puni com licor, pílulas e drogas enquanto eu os tinha com
crescente freqüência e quantidade desde que voltei de Canton. Mas essa noite era diferente.
Alguma semelhança com a humanidade me tomou no estúdio, e isso me assustou. Era fora do
comum e eu queria me esquivar disso. Perto do crepúsculo, Trent me levou em casa e eu entrei,
com medo de acordar Missi. Mas a luz do quarto estava ligada, e Missi estava deitada na cama,
sem roupa. Ela estava tremendo, mas sua pele estava pontilhada de suor, que estava absorvido na
colcha de cama à sua volta. Ela nem tomou conhecimento de minha presença: os olhos dela
estavam rolando para trás de sua cabeça.
Eu a sacudi e falei com ela, colocando a mão sobre sua testa fervente. Mas ela não
mostrava nenhum sinal de consciência. Eu me culpei por não ter chegado em casa mais cedo, por
não ter pagado uma consulta quando Missi disse mais cedo nesse dia que ela achava que estava
pegando uma gripe, por nem mesmo trazer para casa o remédio que ela queria, por todas as vezes
que eu briguei com ela e desgracei sua existência nos passados seis meses. E então eu imaginei
se minha própria indulgência centralizada em mim mesmo a matou.
Ela era a única pessoa que restou a qual eu era capaz de sentir algum amor, e a perder
destruiria minha única chance de voltar ao mundo humano normal dos sentimentos, sentimentos e
paixão – destruir, em essência, eu.
Eu entrei em pânico. Não só eu estava fodido para dirigir mas até se eu quisesse, eu não
conseguia porque o carro de Missi era difícil de se mudar a marcha. Apesar de nossas recentes
diferenças, Trent ainda era a única pessoa com quem eu podia contar no hospital, o mesmo que
ele fez quando me levou quando eu estava em overdose. As enfermeiras a levaram à sala de
emergência e injetaram nela adrenalina para a manter viva. A temperatura estava quase 41°, alto o
bastante para fritar o cérebro de muitas pessoas. Muitas horas depois, enquanto o sol levantava o
sinal da transição de outro dia daqueles, dois médicos trouxeram Missi para a sala de espera, onde
eu estava com Trent ainda ao meu lado. Trent não precisava estar lá: não era responsabilidade
dele. Mas lá estava ele. Talvez eu estava errado sobre a amizade do Trent mais tarde. Afinal, de
muitas formas, nos passados três anos Trent se tornou o irmão que eu nunca tive.
Os médicos explicaram que Missi estava grávida de três meses e, se ela decidisse fazer
um aborto, ela teria que esperar até sua gripe passar. Eu sabia que durante o decurso de nosso
longo relacionamento eu deformei sua personalidade para alojar a minha. Agora eu percebi que eu
deformei o corpo dela também.
Na noite seguinte, quando eu estava só na sala de controle do estúdio, eu toquei
novamente os mixes inacabados que nós gravamos de “Tourniquet”, uma música inspirada por um
de meus muitos pesadelos apocalípticos. Eu achei que eu estava ouvindo ele para avaliar e
determinar se ele devia ser refeito, mas na realidade eu estava tentando me achar na música, para
ver se eu poderia descobrir alguma pista, alguma resposta, alguma solução, alguma maneira de
acabar com a bagunça que minha vida e carreira se tornaram. Eu a ouvi de novo e de novo até
nem mais prestar atenção, não mais capaz de dizer se a música era boa ou ruim, ou até se ela era
minha ou de outra pessoa. Num pasmo, eu atendi ao telefone plugado ao computador, começando
a sentir um dos blecautes que eu experimentei mais freqüentemente iminentes. Bem lentamente e
firmemente eu batucava minha mão esquerda na mesa como se estivesse fazendo um SOS num
telegrafo e sussurrando no microfone: “esse... é... o... meu... momento... mais... vulnerável...”. Eu
mudei a oscilação do som, para ele ficar como pano de fundo, e adicionei isso no começo da
música, uma chamada aflita ouvida por ninguém além de mim.
Eu desmaiei na cadeira giratória. E tentei esvaziar minha cabeça. As palavras vinham em
um lugar dentro de mim tão rosa e sensível quanto a cabeça de um bebê recém-nascido. Eu
imaginei se a monstruosidade depravada, desmoralizada e degradada em que eu me tornei estava
morrendo (ou sendo assassinada), abrindo caminho, como Anton LaVey predisse há um ano atrás,
por algo novo, por algo confiante, por Antichrist Superstar – um mundo redentor em que ninguém
pode nascer. O que eu e nem ninguém mais a minha volta percebia era que a mesma corrosão que
esfolou minha humanidade também era responsável por tentar matar Antichrist Superstar no útero:
traição. Era uma palavra que chocalhava pela minha mente como uma lâmina enferrujada de latão
toda vez que algo dava errado. De meus avós até Chad, de meus professores na escola cristã até
minhas primeiras namoradas, ninguém dramatizou os papéis que atuaram em público. Eles
passaram seus anos tentando viver as mentiras que eles criaram para si mesmos. Só em
privacidade que eles realmente poderiam ser os demônios, hipócritas e pecadores que realmente
eram, e o infortúnio ocorria a qualquer um que os pegasse com seus jogos, porque a única coisa
pior que uma mentira é uma mentira exposta. Eu achava que eu aprendi a me proteger da traição
sem confiar ou botar fé em ninguém. Mas nas semanas seguintes, eu estava para experimentar
mais uma traição e em muito menos tempo do que eu já achei possível. Cada um era como um
martelo afundando uma estaca mais e mais fundo em meu peito.
Isso começou com minha decisão em fazer algo sobre a situação desagradável em que
estávamos. Eu fiz uma reunião com a banda, Trent e John Malm, e nós discursamos sobre o que
poderia ser feito para salvar o álbum e nós mesmos. No fim, foi concordado que nós precisaríamos
de outro alguém fora Dave para ajudar a produzir o álbum, algo que Trent esteve tentando nos
dizer a um mês. Nós precisávamos de alguém que nos ajudasse a trabalhar, e Dave parecia ter
caído sobre a nossa autodestruição letárgica. Como todo mundo, ele apenas queria fazer o álbum;
mas ele não queria ter que parar de jogar videogames e ver hóquei no gelo para realizar seu
objetivo. No final das contas, nós concordamos que nós todos nos reuniríamos com Dave na tarde
seguinte e o deixaríamos ir.
Mas no dia seguinte quando eu cheguei no estúdio para a reunião, eu fiquei sozinho com
Dave. Ninguém mais chegou. Eu estava acostumado a parecer um vilão para pais e cristãos, mas
não para músicos que eu costumava respeitar, especialmente quando esse músico nem estava
tecnicamente trabalhando para mim. A reunião, que foi no escritório, foi tão mau quanto o esperado
e acabou com Dave se picando, suas últimas palavras, “isso não me surpreende – é assim que
todos os caras de negócios agem”, ecoando pelas paredes. Eu fiquei com uma cara de taxo, e eu
estava mesmo.
Eu não voltei ao estúdio por dias depois daquilo, tolerando numa bebedeira indiferente que
fez tudo que eu fiz em Nova Orleans parecesse um teatrinho. Eu experimentei diferentes
prescrições de drogas – sulfato de morfina, Percocets, Lorcets – e enfiei agulhas de costura por
baixo das unhas dos dedos para testar meu limite de dor porque a minha dor emocional já foi
excedida. Na época em que Twiggy e eu estávamos tão próximos que nós nem tínhamos que falar
para compor – juntos – a melhor música que fizemos agora parecia algo muito distante e
inalcançável. Eu tentei me lembrar de como aquela música soava e o que estava acontecendo.
Num raro momento de sobriedade, que deve ter sido na janela entre os primeiros cinco
minutos que eu acordei, eu telefonei para Twiggy e perguntei para ele sobre essas questões, e nós
prometemos voltar ao estúdio e fazer mais trabalho. Quando eu cheguei lá na manhã seguinte, eu
encontrei Twiggy do lado de fora revoltado.
“O que foi, cara?”, eu comecei.
“Se lembra de como David Lynch queria que a gente colaborasse com ele na trilha-sonora
do filme dele?” ele começou.
“De Lost Highway? Sim“.
“Pois é, agora ele está no estúdio com Trent, que está fazendo a porra da trilha-sonora”.
“Eu vou matar alguém”, eu soltei fumaça pelos ouvidos.
“Eu já teria se pudesse”, Twiggy falou cuspindo, “mas nós não podemos entrar no estúdio”.
“A gente não devia estar terminando nosso álbum?!”.
“Só está ficando pior. Dave Ogilvie está lá naquela porra, trabalhando com Trent”.
Nossa relação com Lynch começou dois anos mais cedo por causa de uma garota que nós
conhecemos chamada Jennifer, que afirmava ser a assistente de Lynch. Na época, todo mundo a
repudiava como uma groupie daquelas que diz que conhece, mas não conhece porra nenhuma.
Mas quando tudo isso se justificou, a afirmação dela não era apenas verdade, isso resultou numa
oferta para colaborarmos com ele na trilha-sonora para seu novo filme, Lost Highway, assim como
aparecer no filme. Agora, não só nós fomos abafados de nossa relação com Lynch, mas o seu
filme estava nos deixando afastados de nosso álbum. Quando eu chamei o resto da banda, eu
descobri que até Pogo me traiu, sem intenção, e estava trabalhando em contrabaixos de gaita fole
para a trilha-sonora enquanto nós estávamos temporariamente barrados no estúdio.
Eu decidi voltar mais tarde naquela tarde e ver se eu conseguiria falar com Lynch sobre
tudo isso. Assim que eu empurrei as portas de ferro, eu quase me bati nele.
“Como você está?” eu perguntei tão casualmente quanto pude, tentando esconder minha
fúria. “É bom te ver novamente”.
“E aí? Quando você vai vir trabalhar?” Lynch perguntou. Ele claramente não fazia idéia de
que nos disseram para não entrar no estúdio.
“Não vou poder, já que estou acabando nosso álbum”, eu menti, mordendo minha língua.
Trent estava ali perto.
Eu saí do estúdio me sentindo esquisito, como um namorado que fica encima de sua
namorada enquanto ela estava traindo ele. Eu imaginava se eu fui um tolo, tomando conselhos dos
outros enquanto não havia ninguém nesse mundo em quem acreditar além de nós mesmos. Não
que isso tivesse me levado para o caminho errado antes. Eu estive tentando fixar o que eu achava
que estava errado em Antichrist Superstar: Dave Ogilvie, Twiggy, Trent. Mas eu considerei que o
maior obstáculo impedindo ele era eu mesmo. Talvez era hora de largar as drogas e começar a
trabalhar em mim.
*boceta*boceta*
Eu sentei na sala de espera da clinica feminina, imaginando o que estava acontecendo apenas a
três salas dali enquanto os médicos colocavam um bastão do tamanho de um palito de fósforo,
com dois minúsculos fios parecendo linha de costura salientados no topo, no colo do útero de
Missi, fazendo ele dilatar antes de puxar a cabeça de nosso filho com um par de êmbolos.
“Café?” perguntou uma enfermeira grisalha enquanto ela cruzava a sala até um balcão
branco. Eu olhei e notei que a marca do café que ela estava me oferecendo era do Folger. Eu
estremeci, e abaixei minha cabeça de novo, sem responder. Eu não bebia café. “Meu Eu
Desilusório”, eu pensei, e minha mente viajou até Canton, Ohio, para uma época quando eu
costumava construir prédios com blocos na grama do outro lado da rua de minha casa, criando
novas casas como uma maneira de escapar da minha. Numa tarde eu achei uma lata de café da
Folger com uma substância podre, deteriorada, vermelha e marrom dentro. Eu mostrei aquilo para
minha mãe, que repudiou à isso dizendo que era carne podre. Só recentemente que ela confessou
que aquilo era na verdade os restos de um feto abortado. De repente eu percebi porque eu não
bebia café.
Missi estava com medo de seu aborto – ela estava bem em seu segundo trimestre – e eu
estava com medo também. Não só pela sua segurança mas pela minha também. Eu pensei sobre
o fato de que não havia ninguém no mundo que me entendesse e me aceitasse tão
incondicionalmente quanto ela, a mais nenhuma outra garota eu me sentiria tão ligado, ninguém
mais com quem eu pudesse compartilhar minha música e minha vida quando eu voltava para casa
do estúdio. Mas por que eu estava pensando no passado? Eu estava progredindo além dela? Eu
me importava com ela e sabia que eu seria destruído se algo de mal acontecesse, mas ao mesmo
tempo eu não podia manter um pensamento pervertido e degenerado fora de minha cabeça. Eu
imaginei se ela pudesse falar com o doutor sobre ficar com o feto abortado.
Naquela noite, eu fiquei em casa com Missi enquanto ela se recuperava. Eu fiz muito disso
depois: ficar em casa. Eu larguei o vício frio das drogas, algo que eu sabia que podia. Eu percebi
que era mais engraçado procurar por drogas e me lembrar do que eu fiz enquanto estava sob
efeito delas do que as usar na verdade. Eu não devo sempre ter exercitado o controle pessoal em
minha vida, mas, quando precisei, eu tive a força de vontade e capacidade necessárias para
abster-se elas, facilidades ao menos tão fortes quanto às de qualquer um que eu já conheci. Eu
também tinha ambição, uma tremenda ambição, e as drogas estavam agora ficando no caminho
dessa ambição. Uma delas tinha que acabar.
Quando Missi adormeceu, eu me esgueirei da cama e subi na cadeira de barbeiro do
banheiro, vendo as sombras dos pingos de chuva se roçando numa cabeça de carneiro branca
repousada no topo de um esqueleto humano de sete pés, uma relíquia da Igreja da Procissão
original da Inglaterra. Atrás de mim estava dois crânios escurecidos e manchados de gorila,
olhando para mim através de órbitas vazias parecendo zangados ou impacientes. Eu tinha muito
no que pensar. Quando eu primeiramente idealizei o Antichrist Superstar, eu o projetei para criar
um apocalipse. Mas eu não percebia que ele seria uma pessoa. Quando criança, eu fui um fraco,
um verme, um Maria-vai-com-as-outras, uma pequena sombra tentando achar um lugar no infinito
mundo da luz. No fim, para achar um lugar, eu tive que sacrificar minha humanidade – se você
chama isso de uma insegura existência de humanidade perseguida pela culpa. Eu mudei de pele,
purifiquei minhas emoções e experimentei todos os extremos: eu tive que continuar me jogando
sobre as espadas até eu não conseguir mais sentir nada.
Mas em tentar tudo, tudo que eu descobrir foi que eu não precisava de nada disso. Desse
ponto, não havia lugar nenhum para ir além a cova – ou se tornar mais humano. Depois de sete
meses estressantes de trabalho (ou de não-trabalho) no álbum e revezando com Missi, eu comecei
a emergir daquele casulo desalmado dos não-sentimentos. Enquanto as drogas se esvaziavam de
meu sistema, a humanidade – lágrimas, amor, ódio, auto-respeito, culpa – estava voltando para
mim, mas não da mesma forma que eu lembrava. Minhas fraquezas se tornaram minhas forças,
minha feiúra se tornou minha beleza, minha apatia para com o mundo se tornou um desejo de
salvá-lo. Eu me tornei um paradoxo. Agora, mais do que em qualquer outra época de minha vida,
eu comecei a acreditar em mim. Eu preguei isso o tempo todo em minha música, mas eu pratiquei
isso desde que cheguei em Nova Orleans? Eu já pratiquei isso? Eu já fui realmente capaz disso
antes?
No dia seguinte, encontrei Sean Beavan, o engenheiro de som que nós empregamos para
co-produzir o álbum no lugar do Dave Ogilvie. Nós trabalhamos juntos no Portrait Of An American
Family, e apesar da sua queda por goles de capuccino e laminadores, nós tínhamos muito em
comum quando aparecia a música e o travestismo. Embora nós tivéssemos que trabalhar num
estúdio auxiliar enquanto o Nine Inch Nails mixava o “The Perfect Drug” para a trilha-sonora do
David Lynch, nós não ligávamos. Nós estávamos trabalhando, e não apenas no que eu achava que
era nossa melhor música, mas na primeira que eu gravei desde que larguei a cocaína e álcool.
Havia músicas no álbum que se situaram no passado e no futuro, mas essa era um das únicas
situadas no presente. “Você corta todos os seus dedos/Os troca por notas de dólar/Se mele em
mais maquiagem para cobrir todos esses pés-de-galinha/Acorde e pare de tremer/Porque você só
está perdendo tempo”. Fui o mais auto-recriminador que pude, e não era apenas por mim. Eu fui
parte de um uso de drogas epidêmico, auto-abuso e insinceridade que pareciam estar devastando
todo mundo que eu conhecia em Nova Orleans. Seus motes: “eu serei seu amor, eu serei eterno,
eu serei o amanhã, eu sou qualquer coisa quando estou viajando”.
Quando nós tocamos a música para a gravadora, eles a odiaram. Eles não só queriam
usar os mixes crus em vez desses, como queriam despedir Sean. “Olhe”, me disseram. “Por que
nós não achamos mais alguém para mixar o álbum, atrasar o lançamento, e lançá-lo em janeiro em
vez de outubro?”.
“Nada a ver”, eu insisti, orgulhoso de repreender severamente a lei, minha lei. “Essa é a
hora de lançá-lo, e vocês sabem disso”.
Aquela seria a última vez que eu busquei a opinião de alguém em meu trabalho de novo.
Ciclo Nove – Traição – Traidores de Bem-Feitores
Cada vez que eu ia para o estúdio nas semanas que se seguiram, eu me sentia
progressivamente mais alegre – eu estava fazendo esse álbum por mim mesmo, sem mentores,
empresários e puxa-sacos. Quanto mais perto nós ficávamos de completar o álbum, mas ele nos
atraía como um imã, puxando a banda para o estúdio e unindo-a novamente. Nós achamos um
substituto para Daisy, um ilusoriamente vegetariano gentil de Chicago com um gosto horrível por
mulheres que agora se identifica pelo nome de Zim Zum, depois de peneirar incontáveis vídeos de
guitarristas de metal já sem fama chutando veados mortos, comendo fezes humanas, e se vestindo
com roupas ridículas achando que nós íamos gostar daquilo. Eu até encontrei um jeito de me
restabelecer pagando os cinco mil dólares que estava devendo por repintar minha sala de estar:
cobrando da Interscope Records cinco mil dólares por uma foto falsa.
Eu não senti falta das drogas, e eu nem me importei com as traições que continuaram indo
e vindo quando eu mostrei o álbum completo para a Interscope Records. Eu fui pego acostumado
com o abandono, deslealdade e fingimento, e eu viria a entender que eu era maior que tudo isso. E
não que era eu era frio e sem sentimentos. Eu finalmente soube que seria pior se eu me
importasse.
Era porque eu comecei a ver o mundo com novos olhos, e entendi que o mundo era maior
que um estúdio em Nova Orleans, como era Antichrist Superstar. Tudo e todos que tentaram
derrubar o álbum só o deixaram mais forte, mais poderoso e mais efetivo. O álbum entrou nas
paradas de sucesso pop no número três, e agora eu era maior que os clubes, cocaína e o bem-
estar; maior que a apunhalada nas costas, a merda de vaca e as pessoas felizes e/ou lustrosas;
maior que as cuecas de borracha, Willy Wonka, a carne, a revista Night Terrors, a boceta de Tina
Potts e a Primeira Igreja Batista de Jacksonville; maior que qualquer um com quem já trabalhei e
maior que a maioria dos músicos que eu costumava idolatrar. Para algumas pessoas, eu até
estava maior que o Satã.
Estado de Oklahoma
Condado de Oklahoma
NÃO-DATADO
As pessoas não mantêm diários para elas mesmos. Elas os mantêm para outras pessoas,
como um segredo que elas não querem dizer mas querem que todo mundo saiba. O único lugar
seguro para seus pensamentos é sua memória, que as pessoas não podem tomar ou ler quando
você não está vendo – pelo menos até hoje. Estou começando a achar que se a internet é a rádio
pública dos anos 90, então o computador é o estacionamento de trailers da alma, uma ferramenta
perigosa nas mãos de idiotas. Eventualmente o fascismo auto-imposto vai destruir o homem como
ele convence a si mesmo de que não tem que pensar mais.
NÃO-DATADO
Por um momento hoje à noite eu me senti como Cristo. Estava nevando sobre mim, e eu
pude estar em qualquer lugar – Wichita, Berlin, Golgotha. Havia um espelho atrás do público na
parede, e eu me vi como uma pintura, congelada. O corte no lado do meu peito sangrou e sangrou.
Foi tão bonito que eu chorei logo ali em frente a cinco mil pessoas. Eu estava deixando sair o
garoto que morreu na sua cruz de plástico no primário. Ele saiu pelos buracos de minhas costelas.
NÃO-DATADO
Estou me tornando o que eu costumava ter medo. Quando o mundo todo quer te destruir,
todo dia é seu último dia e toda performance é a sua última. O Anticristo não sou apenas eu, ou
apenas uma pessoa. São todos nós, um estado coletivo de espírito que a América precisa acordar
em si. Eu quero acordar isso neles. Essa é a proposta dessa turnê, talvez até de minha vida, fazer
os americanos perceberem que eles não têm que acreditar em alguma coisa só porque disseram
isso para eles por todas as suas vidas. Você não pode ter alguém que nunca fez sexo ou usou
drogas te dizendo que isso é errado. Só passando pela experiência é que você pode determinar
sua própria moralidade. A humanidade não é algo como a constantemente busca pelo perdão para
os seres humanos; a humanidade está conduzindo uma existência inocente como um indivíduo.
Isso é o armagedom, porque, para o cristianismo, se você renuncia a idéia de Deus e acredita em
si, o mundo acaba.
Fato: como credores em Cristo, nós sempre tivemos e continuaremos tendo autoridade
sobre demônios e maus espíritos.
Fato: o grupo de “rock” Marilyn Manson consiste em demônios e maus espíritos que
aderem a crenças hereges, afirmam ser Anticristos e satanistas, e tentam atrair crianças para fora
do cristianismo com pecados.
Parte da autoridade que Cristo nos deu sobre os demônios é o poder de, através da
oração, frear, conter e inibir as ações de meus espíritos.
O comando de inibição foi emitido por um apelo de estudantes dos vários colégios cristãos
na Flórida. Ele não é planejado para causar danos de forma alguma às pessoas no Marilyn
Manson. É um ataque exclusivamente ao show e é pretenso para banir esses demônios da
comunidade de Orlando apenas.
Com esse comando abaixo, nós agora freamos os demônios e maus espíritos que rondam
a performance do Marilyn Manson no décimo quinto dia do décimo primeiro mês do ano de 1996.
* * *
Nossa autoridade bíblica para esta ação está à seguir:
São Marcos 16:15 – 18 (KJV)
15. E ele disse para eles, ides vós por todo o mundo, e pregai o evangelho à toda criatura.
16. Aquele que crer e é batizado será salvo; mas aquele que não crer será julgado.
17. E aqueles sinais devem seguir aqueles que crêem; em meu nome eles deverão
expulsar os demônios; eles deverão falar com novas línguas;
18. Eles devem pegar serpentes; e se eles beberem alguma coisa fatal, ela não irá os
machucar; eles deverão se adoentar, e deverão se recuperar.
Prezados comissários:
Sinceramente,
(assinatura)
Ken Combs – Prefeito
KC/j
5 DE JANEIRO DE 1997
Hoje à noite foi meu aniversário. Estou muito cansado para entrar e detalhes, mas você
pode ter certeza de que desde que a Rolling Stone saiu hoje (ironicamente), e nós tragamos linhas
na minha cara na capa como o Dr. Hook fez com uma capacidade incrédula. Eu te disse.
NÃO-DATADO
Eu tentei telefonar para Trent novamente hoje. Eles nos deram uma desculpa esfarrapada,
daquele mesmo tipo de desculpa que ele nos daria quando ele não quer atender telefonemas de
pessoas que ele odiava.
“Cada época tem que ter no mínimo um bravo indivíduo que tenta trazer um fim para o
cristianismo. Ninguém conseguiu ter sucesso ainda, mas talvez pela música nós possamos fazer”.
“Eu sou o Anticristo patriota”.
Exposição indecente NO PALCO, obscenidades impossíveis de descrever, cubos “Matem Deus”.
Letras e idéias muito fortes até para a MTV editar como... “totalmente ofensivo” (descritas pelo seu
próprio compositor e cantor).
Essas são citações, atitudes e merchandise do Marilyn Manson e seu grupo de rock metal de
mesmo nome, fazendo um show no Centro Cívico de Fitchburg em 21 de fevereiro!!!!!!!!
14 DE FEVEREIRO DE 1997
Eu perdi minha última conexão com meu passado hoje, Missi. O fato de que eu não estava
com ela hoje deve ter simbolizado minhas prioridades para com ela, e ela não quer falar comigo.
Nós sempre fomos próximos, porque ela tinha parte de mim dentro dela. Mas é uma pare minha
que eu não mais tenho – e foi a parte mais obscura de mim, também. Eu espero que isso não a
mutile pelo resto de sua vida.
NÃO-DATADO
A parte irônica de toda esse ultraje cristão é que em certos níveis essa turnê perde a
importância comparada à algumas coisas que nós fizemos no passado. Os cristãos estão
queixando-se sobre o modo que eu os comparo aos nazistas. Eles não estão se queixando de eu
rasgar a bíblia; eles não estão se queixando de eu limpar meu cu com a bandeira americana. Eu
não sei o que é mais ridículo: as histórias que eles criaram ou o fato de as pessoas acreditarem
neles. Se eu não cometi esses atos, então de onde eles vieram? De nenhum outro lugar além da
imaginação de meus acusadores. Por isso quem está pecando agora?
Estado de Oklahoma
Condado de Oklahoma
Atestado [CONTINUADO]
7. Eu testemunhei Manson mostrando suas partes do corpo íntimas e brincando com elas
abertamente em frente ao público. É com seu pênis que ele brinca, nada artificial. Eu o
testemunhei dando encima de sua guitarrista, que geralmente está totalmente nua, e
brinca com as partes íntimas dela na frente da platéia. Manson sempre se expõe em cada
show e a mulher está sempre nua em todos os shows.
8. Eu testemunhei os membros da banda do Manson fazendo sexo anal uns com os outros
no palco na frente da platéia.
9. Eu testemunhei vários membros da banda indo até Manson e fazendo sexo oral em
Manson durante o decurso do show.
10. Eu testemunhei Manson puxando pessoas da platéia até o palco ou seus seguranças
trazendo uma pessoa da platéia até o palco e tirando todas as suas roupas. Manson daí
brinca com elas de uma forma sexual. Então elas são geralmente levadas para o
backstage dentro do qual Manson vai arrecadar o máximo de mulheres da platéia para que
ele possa durante o show. Eu testemunhei algumas mulheres que estavam brigando para
impedir que os seguranças as levassem para o palco. Mas a maioria das mulheres estava
receosa de que Manson tivesse as pego para fazer sexo.
11. Eu testemunhei Manson trazendo uma garotinha no palco que estava festejando seu
aniversário de dez anos. Manson cantou parabéns para ela e então a colocava no palco
enquanto Manson fazia atos sexuais, incluindo sexo oral, enquanto perguntava à garotinha
se ela gostaria que ele fizesse isso e aquilo.
12. Eu testemunhei os seguranças jogando dúzias de camisinhas na platéia enquanto Manson
mandava o público fazer sexo com alguém. Eu testemunhei pessoas do público fazendo
sexo e fazendo outros atos sexuais em todo show que eu estive com Manson. Eu acredito
que 30% do público do show de Manson participa em aberto, publicamente atividade
sexual numa média de shows do Manson. Eu testemunhei estupros em muitos shows. O
público entra num frenesi e mulheres são forçadas contra suas vontades e estupradas
várias vezes enquanto Manson os estimula.
13. Eu testemunhei os seguranças de Manson dando êxtase líquido para crianças e enquanto
essas crianças de nove, dez, onze anos são afetadas pela droga da “poção do amor”, elas
ficam com vontade de fazer sexo. Eu testemunhei crianças fazendo sexo na platéia em
shows do Marilyn Manson.
14. Eu testemunhei Manson se masturbando no palco em frente à platéia em shows dele.
15. Eu testemunhei Manson fazendo um discurso de uma igreja satânica perto do fim do show
no qual ele prega de uma bíblia satânica, e livros chamados, “Magia Laranja”, “Magia
Verde” e “Magia Negra”. A duração que ele fica pregando depende do quão viajado ele
estiver no momento. Manson dá um convite para receberem o Satã em suas vidas e uma
voz hipnótica vez de um som dizendo que você deve ir ao altar. Essa área toda é onde o
show de rock fica. Ele abre a frente toda. Esse convite é especialmente potente porque
nesse momento 100% do público está viajando. [CONTINUA]
Atestado [CONTINUADO]
16. Eu testemunhei Manson fazendo o sacrifício de uma virgem no qual todas as crianças na
arena do show são empurradas para frente pelo público para serem dedicadas ao Satã.
17. Eu testemunhei Manson compartilhando trechos da bíblia satânica, pronunciando algumas
palavras para aqueles que vieram ou foram empurrados e então Manson despeja sangue
De porco sobre todos os que estavam nesse grupo. Daí Manson chama seus “padres” para
ministrarem as pessoas e pegarem os nomes, endereços e telefones para um contato
contínuo. Manson expõe bíblias satânicas e os endereços de igrejas satânicas nas quais
eles devem ir.
18. Durante o show eu testemunhei Manson trazendo adolescentes de quatorze, quinze,
dezesseis e dezessete anos para o palco e os coloca numa jaula. A jaula é então erguida
até a platéia. Essas crianças são parte da turnê do Marilyn Manson.
19. Eu estive no ônibus especial de Manson seis vezes e testemunhei garotas menores de
idade e alguns garotos tirando suas roupas e sendo algemados nos assentos do ônibus.
Toda vez em que eu estive no ônibus, os rostos foram diferentes. Eu vi esses rostos na
televisão como crianças desaparecidas ou fugitivas.
20. Eu testemunhei um vídeo que Manson gravou para mim em novembro de 1996. Ele o
chamava de “Banho de Sangue”. O vídeo mostrava Manson tocando guitarra. A sua volta
havia pessoas brincando de um jogo vampiro no qual elas começam a morder os pescoços
das outras. Ai um homem vem do grupo e esfaqueia uma mulher várias vezes. Ai umas dez
outras pessoas sobem na mulher ensangüentada e literalmente tiram o sangue do corpo
dela e tomam banho com o sangue. Eles cobriram seus corpos de sangue. Isso foi
oferecido como um sacrifício ao Satã. Eles todos pareciam drogados e a mulher vitimada
que foi morta parecia querer morrer.
21. Essa experiência com o “Banho de Sangue” me fez temer por minha própria segurança e
eu fiquei bem assustado. Eu decidi que eu devia me afastar dessas pessoas. Elas me
mandaram seis ingressos e passes para o backstage do show de Oklahoma no dia cinco
de fevereiro de 1997. Elas não sabem que eu converti minha vida ao Senhor Jesus Cristo.
22. Eu testemunhei Marilyn Manson trazendo uma ovelha para o palco e do meu campo de
visão para o palco, eu vi Manson fazendo sexo com a ovelha.
23. Mais que isso, sua testemunha não pode falar.
NÃO-DATADO
Estou tão virado na porra com as pessoas que dizem que nós temos camisas que dizem,
“matem seus pais e matem um cachorro”. O que a camisa na verdade diz é, “perigo: a música do
Marilyn Manson pode conter mensagens que vai MATAR DEUS em sua mente impressionável de
adolescente. Como resultado, você poderia ser convencido a MATAR SUA MÃE E SEU PAI e
eventualmente numa atitude desesperada de comportamento suicida de rock ‘n’ roll, você vai SE
MATAR...”. [CONTINUA]
NÃO-DATADO [CONTINUADO]
“... Por isso, favor queimar seus álbuns enquanto ainda há esperanças”. Será que eles não
conseguem ver que estou tentando ajudá-los. Eu já disse um milhão de vezes que quanto mais
pessoas estúpidas matarem-se por causa de músicas idiotas, haveria menos pessoas estúpidas no
mundo. Eu nem vendo aquela camisa há quatro anos. Além disso, camisas e pessoas do meio
musical não matam pessoas. Uma formação social pobre sim. Se alguém quer culpar a arte, por
que ensinam às crianças a lerem Romeu e Julieta na escola? Aqui está uma história sobre crianças
matando uma a outra por uma razão muito importante: seus pais não as entendiam.
NÃO-DATADO
Se eu realmente tivesse removido minhas costelas, eu estaria muito mais ocupado
chupando meu próprio pau em Anos Incríveis do que perseguindo Winnie Cooper. Além do mais,
eu não teria chupado o pau de pessoas no palco, também. Eu estaria chupando o meu. E mais,
quem tem na verdade tempo para ficar matando animais quando você pode estar chupando seu
próprio pau? Eu acho que vou ligar para um cirurgião pela manhã.
NÃO-DATADO
Ontem à noite, ou mais apropriadamente essa manhã, uma prostituta malucona lá com
seus quarenta anos que foi convencida de que estava em sua adolescência e afirmava ser a prima
de Anthony Kiedis ou a irmã de Billy Corgan ou a mãe de Saquille O’Neal veio em nosso ônibus.
Ela estava com uma garota tolinha morena com aparelho que parecia que poderia ser sua filha.
Nenhuma delas pareciam boas mas elas estavam divertindo porque elas eram muito cegas para
suas qualidades de pobretonas brancas. Daí nós deixamos elas ficarem e conseguimos convencer
elas a tragarem um pacote de pó de macaco do mar. Estranho o bastante, era branco e veio com
uma colherinha não diferentemente de cocaína. Eu nem tive que usar falsos pretextos para
persuadir elas a fazerem aquilo. Eu na verdade li o manual de instruções para elas, explicando que
essas pequenas criaturas eram na verdade camarões marinhos e que eles iriam crescer dentro dos
seus corpos dentro de um ano. Eu contei para elas que nada poderia ser tão excitante quanto ter
essas criaturinhas fluindo pelas nossas correntes sanguíneas – sem mencionar a viajada
desconhecida que poderia estar esperando por elas. Surpreendentemente, elas fizeram aquilo
ansiosamente. E eu vergonhosamente passei a noite conversando com a malucona, que tentou me
masturbar enquanto um vídeo do Doom Generation estava passando. Eu desejei por um momento
que a garota no filme, Rose McGowan, estivesse aqui, e talvez eu deixaria ela me masturbar. Eu
me lembro de ler uma entrevista de Rose sobre sua infância fodida e seu pai, que era líder de
algum culto religioso. Por alguma razão, eu acho que ela seria capaz de relatar o que estou
passando – não no momento mas em geral. Para a surpresa de todos, Twiggy acabou fodendo a
sorriso metálico em seu beliche. Estou tão envergonhado de ser parte dessa banda.
“Essa talvez seja a banda mais doentia já promovida por uma gravadora do mainstream”.
– Senador Joseph Lieberman de Connecticut
“Pelo que eu aprendi do conteúdo de suas letras e mensagens, assim como na sua conduta no
palco, [Marilyn Manson] é claramente determinado a degradar mulheres, religião e decência,
enquanto promove adoração satânica, abuso infantil e uso de drogas. Essas pessoas são lixo sem
valor. É mais que provado que os valores morais da sociedade continuam desintegrando-se”.
– Governador Frank Keating de Oklahoma no show no estado de Fairgrounds.
“Eu acho que é hora de as pessoas protestarem contra [Marilyn Manson] por toda a nação, essa
coisa é a mais degradante de todas, ela estimula as pessoas a assassinarem, a estuprarem.
Dizendo que os estupros não são grande coisa numa era onde nós estamos mais preocupados
com o assédio sexual... É inacreditável! E ainda por cima isso vai para o topo das paradas e a
Rolling Stone diz quanta criatividade eles têm. Que tipo de criatividade é essa?”.
– Pat Robertson, The 700 Club.
“São muitas as pessoas que sabem da libertinagem que o Marilyn Manson representa: sodomia,
sadomasoquismo, pornografia infantil, satanismo e as preferências. É claramente perturbador,
ameaçador e repugnante para muitos de Minnesota. Nós merecemos o melhor como uma
comunidade. Esperamos que você adote alguns padrões mais racionais para os eventos culturais
de seu patrocinador no futuro. Além do mais, nós acreditamos numa apologia pública para
submeter as Twin Cities ao Marilyn Manson por estarem aqui”.
– Carta do Conselho Familiar de Minnesota à Corporação Best Buy.
“Eu normalmente não interfiro no estilo de iniciativa privada, mas nesse caso eu não posso sondar
ninguém por pedir para pagar por ingressos para ver essa sujeira”.
– Alderman Ray Clark de Calgary no show no Centro Max Bell.
“Eu nem estava alerta para um grupo chamado Marilyn Manson até umas duas ou três semanas
quando de repente nosso escritório e minha casa foram inundadas de telefonemas com
preocupações sobre esse show que será feito essas noites no Wings Stadium no Kalamazoo... Sua
mensagem é matar Deus, matar seus pais e então cometer suicídio. Eu distribuir para todos os
meus colegas um artigo em que o Mr. Manson confessa que pratica, assim como no palco, tipos de
atos sexuais e até um número de tipos de coisas vulgares que promovem a violência em nossa
sociedade, e estou muito preocupado com isso. Por isso, nós juntos elaboramos uma resolução...
que todos os menores de dezoito anos serão acompanhados por seus pais... Nós recebemos umas
dez mil assinaturas apenas da área do Kalamazoo que são contra esse show”.
– Senador Dale Shugars do Michigan.
NÃO-DATADO
Acabei de receber uma ligação do meu pai. Ele estava assistindo Histórias Reais da
Patrulha Rodoviária e disse que no show que eles pegaram o cara eles foram perseguindo por
Ohio ele. Quando eles o encostaram ao meio-fio, eles acharam um caminhão cheio de armas. Ele
era um fanático cristão de vinte e cinco anos banguela, e ele disse que estava indo para a Flórida
matar o Anticristo. O episódio foi gravado na mesma semana que nós tínhamos tocado na Flórida.
ABRIL DE 1997
Eu estou fechando o guardanapo no qual eu esbocei um discurso que fiz na MTV sobre
nosso show sendo cancelado contra a nossa vontade na Carolina do Sul.
“Mais uma vez os assim chamados empregados de Deus provaram o meu objetivo para
com os seus comportamentos hipócritas e hostis. E mais uma vez eles ilustraram sua falta de
separação entre a igreja e o estado e suas similaridades nojentas ao nazismo alemão. Infelizmente
todos sofreram. Nós sofremos, nossos fãs sofreram, a constituição dos Estados Unidos sofreu, e
os políticos devotos da direita da Carolina do Sul sofreram porque todos agora os vêem como os
fascistas idiotas que eles são. O que nós esperamos de um estado em que ainda hasteia a
bandeira da Confederação? Você quer uma revolução? Eu vou te dar uma!”.
10 DE MAIO DE 1997
Acabei de saber que um de meus colegas, Sean McGann. Morreu na noite passada. Ele
esteve bebendo e foi tentar escalar a passarela. Mas ele se esqueceu de amarrar as cordas. Eu sei
que não foi culpa minha, mas eu não consigo me ajudar sentindo-me assim, porque se não fosse
por mim ele ainda estaria aqui.
Talvez eu vivi uma vida protegida, porque fora minha cadela Aleusha essa é realmente a
primeira pessoa próxima que morreu. Faz-me imaginar no que eu estava pensando anos atrás
quando eu tentei matar Nancy e nosso velho baixista, Brad. Tentar os matar teria sido insensato. A
natureza segue o seu curso. É o darwinismo social. As pessoas recebem o que elas merecem. Mas
Sean realmente mereceu aquilo?
DIA DAS MÃES, BACK LOUNGE, 6:00 AM
Eu liguei para minha mãe hoje, e percebi que realmente pela primeira vez o quão idiota eu
sou agindo como uma criança e o quanto de abuso eu dei para ela. Se não fosse pela sua
tolerância e amor incondicional e apoio, eu não chegaria tão longe. Eu disse para ela que eu a
amava, e ela disse que já sabia disso. Se ela não soubesse, seu orgulho teria convencido ela disso
mesmo assim. Eu vi muito meu pai depois, também. Ele vem muito aos shows. Ele parece gostar
da atenção mais que eu. Ele sai dizendo às pessoas que é o pai do Deus da Foda. Eu acho agora
que nós entendemos um ao outro, nossa relação se tornou muito melhor que quando eu era
criança. Eu acho que quando as pessoas começam a aceitar o que eu faço, meus pais começam a
aceitar isso também.
Presentemente diante da Corte está uma petição para entrar no New Jersey Sports
Exhibition Authority (“NJSEA”) para apresentar show do “OzzFest ‘97”, que inclui o músico Marilyn
Manson, de ser permanecido no Giant Stadium em 15 de junho de 1997. marilyn Manson é uma
banda de heavy-metal que o NJSEA julgou censurável. O direito de passagem do Marilyn Manson
pelo show no Giants Stadium está agora impedida pelos obstáculos criados pela colisão entre os
princípios constitucionais e contratuais bem-estabelecidos.
O NJSEA indicou que isso exclui o Marilyn manson do show por causa das “palhaçadas”
da banda. De acordo com o NJSEA, essas “palhaçadas” antecipadas podem [criar] riscos para a
segurança e pode [embaçar] a reputação do NJSEA e a habilidade de apoiar um fórum lucrativo
para show de eventos.
A cláusula na qual o NJSEA conta com sua autoridade de excluir o contrato proposto pelo
NJSEA, pode-se excluir um músico por: “área de caráter ofensivo para as morais públicas, falha
em sustentar as reivindicação da propaganda do evento ou violação das restrições de conteúdo
concordado por ambos grupos na hora da conclusão desse acordo”. A única performance que é
antecipadamente “ofensiva às morais públicas”. Isso parece ser a essência fundamental do
conteúdo baseado na regulamentação.
O NJSEA também argumenta que a inclusão do Marilyn Manson embaçaria a reputação do
NJSEA e a habilidade deste de ganhar renda. Mas, o NJSEA concedeu em argumento oral que a
decisão de excluir o Marilyn Manson não foi baseada na lucratividade do show em questão; o show
ganhou antecipadamente lucro substancial. Preferivelmente, o NJSEA argumenta que a inclusão
do Marilyn Manson de alguma forma afetaria a habilidade futura do NJSEA de usar o estádio. O
argumento do NJSEA é insuficientemente concreto para ser persuasivo e não há diretrizes escritas
definindo o que pode pôr em perigo a reputação do NJSEA. Conseqüentemente, a Corte não é
persuadida.
Parece evidentemente irracional que o Giants Stadium permita o show completo de bandas
de heavy-metal, enquanto exclui apenas uma – Marilyn Manson – que não demonstra tendência
para as atividades ilegais no palco. Assim, o NJSEA não sofrerá nenhuma injúria irreparável por
permitir o Marilyn Manson fazer o show no Giants Stadium...
É nesse dia 7 de maio ordenado que, durante uma audição numa petição por uma injunção
permanente, o NJSEA é preliminarmente encarregado e reprimido de proibir demandantes de
apresentar um show do “Marilyn Manson” no Giants Stadium em 15 de junho de 1997.
Eu me sinto parte Elvis Presley, parte Jack Warner e uma parte o Reverendo Ernest
Angley, e isso me perverte. Fazendo dos meus erros todo o meu sucesso, eu me tornei o que uma
vez eu tinha medo.
Agradecimentos
Obrigado à Aleusha, Alyssa, Andrew e Suzie, Reverendo Ernest Angley, Fiona Apple, Tom Arnold,
Daniel Ash, Asia, Big Darla, Blanche Barton, Sean Beavan, Sra. Burdick, Billy Corgan, Keith Cost,
John Crowell e seu irmão, Dave, Freddy DeMann, Aaron Dilks, Dimebag Darrell, Eden, Corey
Feldman, Robin Fynck, Flavor Flav, Frankie, Sapo, Michelle Gill, John Glazer, Sherman Helmsley,
Jimmy Iovine, Jay e Tim, John Jacobas, Jenna Jameson, Jebediah, Jennifer, Jessicka, Jonathan,
Jack Kearnie, O Cu da Kelly, Bill Kennedy, Richard Kent, Mary Beth Kroger, Xerxes Satan LaVey,
Lenny, Sr. Lifto, Lisa, Traci Lords, Louise, Courtney Love, David Lynch, Lynn, John A. Malm Jr.,
Maria, Mark, Rose McGowan, Missi, Dona Barbara, Nancy, Paul e Richard, Saucy Peterson, Robert
Pierce, Tina Potts, Sra. Price, Rachelle, Trent Reznor, Joan Rivers, Jim Rose, a barba de Rick
Rubin, Neil Ruble, Shana, Sioux Z., Bob Slade, os Slashers, Snoop Doggy Dogg, Howard Stern,
Teresa, Terri, DJ Tim, John Tover, Jill Tucker, Julia Valet, Barb e Hugh Warner, Beatrice e Jack
Warner, Brian Warner, Tony Wiggins, a família Wyer, e Zepp.
Obrigados especiais à Daisy Berkowitz, Ginger Fish, Madonna Wayne Gacy, Gidget Gein, Sara
Lee Lucas, Olivia Newton-Bundy, Twiggy Ramirez, Zsa Zsa Speck e Zim Zum.
Obrigados adicionais à Nova Bonzek, Jennie Boddy, Jason Brody, Tony Ciulla, Kelly Coleman,
Nina Crowley e a Aliança da Música Industrial de Massachusetts, Todd Darrow, Sam Frank, Silvia
Garcia, Sarah Lazin, Paula O’Keefe, Rahav e Kimberly, Patty Romanosky, e Catherine Tyc pela
revisão de provas, por transcrever, pesquisar e/ou coligar o Iron Maiden. E todo mundo da
ReganBooks, particularmente meus editores, Jeremie Ruby-Strauss e sua “namorada”.
MARILYN MANSON tem mais de quatrocentas e cinqüenta cicatrizes, sem contar com as
emocionais. Neil Strauss escreve para a Rolling Stone e o The New York Times. Ele tem uma
cicatriz, e foi Manson que a deu para ele.