Etilogia Da Obesidade

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ARTIGO DE REVISO

ETIOLOGIA DA OBESIDADE Walmir Coutinho

Introduo

A prevalncia da obesidade tem crescido rapidamente e representa um dos principais desafios de sade pblica neste incio de sculo. Suas complicaes incluem o diabetes mellitus tipo 2, a hipercolesterolemia, a hipertenso arterial, doenas cardiovasculares, apnia do sono, problemas psico-sociais, doenas ortopdicas e diversos tipos de cncer. A escalada vertiginosa da obesidade em diferentes populaes, incluindo pases industrializados e economias em transio, levanta a questo de que fatores estariam determinando esta epidemia. Considerando-se que o patrimnio gentico da espcie humana no pode ter sofrido mudanas importantes neste intervalo de poucas dcadas, certamente os fatores ambientais devem explicar esta epidemia. Quando se avalia clinicamente um paciente obeso, entretanto, deve-se considerar que diversos fatores predisponentes genticos podem estar desempenhando um papel expressivo no desequilbrio energtico determinante do excesso de peso. Estima-se que os fatores genticos possam responder por 24% a 40% da varincia no IMC, por determinarem diferenas em fatores como taxa de metabolismo basal, resposta superalimentao e outros.(Bouchard 1994; Price 2002) Acredita-se que as mudanas de comportamento alimentar e os hbitos de vida sedentrios atuando sobre genes de susceptibilidade sejam o determinante principal do crescimento da obesidade no mundo. provvel que a obesidade surja como a resultante de fatores polignicos complexos e um ambiente obesognico. O chamado mapa gnico da obesidade humana (Snyder et al, 2004) est em processo constante de evoluo, medida que se identificam novos genes e regies cromossmicas associados com a obesidade.

Obesidade Monognica

Diversas mutaes monognicas j foram associadas com a obesidade grave e a hiperfagia, com um grande nmero de novas correlaes gentipo-fentipo sendo identificadas a cada ano. Mutaes envolvendo a via de sinalizao da melanocortina j descritas incluem mutaes no gene da leptina (Farooqi et al.1998), do receptor da leptina (Clement et al, 1998), da proopiomelanocortina (POMC) (Krude et al 1998), e do receptor da melanocortina (MC4R). (Yeo et al 1998; Vaisse et al. 1998) Sabe-se atualmente que o adipcito, alm do seu papel no armazenamento de gordura, desempenha um importante papel endcrino, produzindo hormnios que influenciam os centros de regulao de energia no hipotlamo (Yeo et al 2000). A leptina, secretada pelo adipcito, atua a nvel hipotalmico estimulando os nernios produtores de POMC, que por sua vez clivada produzindo o (alfa) hormnio estimulador do melancito, agonista potente do MC4R. Quando o MC4R est ligado ao agonista, as vias neurais anorexignicas so estimuladas, diminuindo o apetite e a ingesta alimentar. J as vias orexignicas sofrem down-regulation pela leptina, que inibe a produo da protena relacionada com o agouti (agouti-related protein), que antagonista do MC4R.

A Leptina e o Receptor de Leptina Os camundongos ob/ob e os db/db tm mutaes nos genes que codificam a leptina e seu recetor, respectivamente (Campfield et al 1995). Estas 2 cepas de camundongo, que exibem fentipos similares, permitiram o estudo inicial do papel fisiolgico da leptina e do seu receptor na regulao do peso corporal (Chu et al 2000). Posteriormente foram identificados pacientes com deficincia parcial ou total de leptina e resistncia leptina causada por defeito no receptor. Estas anormalidades monognicas associam-se com hipogonadismo hipogoinadotrfico (Strobel et al 1998), hiperfagia e obesidade grave de incio na infncia (Montague et al. 1997; Farooqi et al 2001). Nos pacientes com deficincia congnita de leptina, o tratamento com leptina recombinante pode reverter o quadro (Farooqi et al 1999).

POMC e Sinalizao de Melanocortina As mutaes com perda de funo no gene da POMC resultam, tanto em camundongos como em humanos, em um fentipo caracterstico, com hiperfagia, obesidade grave,

deficincia de ACTH com insufucincia adrenal, hipopigmentao cutnea e cabelo avermelhado. (Yaswen et al 1999) As mutaes do receptor MC4 so as causas monognicas mais comuns de obesidade chegando a acometer 6% dos pacientes com obesidade grave e incio na infncia (Farooqi et al 2003; Branson et al. 2003) Em uma srie de 500 individuos estudados por Farooqi e colaboradores (Farooqi et al 2003), 29 tinham mutaes no receptor MC4. Todos os homozigticos para a mutao apresentavam obesidade grave, enquanto entre os heterozigticos a prevalncia foi de 68%. Alm da obesidade de manifestao precoce e hiperfagia, os pacientes com a mutao do receptor MC4 apresentavam tambm aumento da massa magra, da densidade mineral ssea, crescimento acelerado e hiperinsulinemia, sem qualquer evidncia de hipogonadismo. (Farooqi et al 2003)

Sndromes Genticas Associadas com a Obesidade As duas sndromes genticas que tiveram sua associao com a obesidade mais bem caracterizada so resultantes de defeitos de um gene nico a sndrome de Prader-Willi (SPW) e a sndrome de Bardet-Biedl (SBB). Na SPW, a expresso do gene depende do progenitor de origem, ocorrendo na ausncia de uma expresso normal dos genes da regio cromossmica 15q11-q13.(Butler 1990) A SPW caracteriza-se por retardo constitucional, hipogonadismo, disfuno hipotalmica e obesidade grave hiperfgica. A SBB uma doena gentica caracterizada por obesidade, retinopatia pigmentada, polidactilia, retardo mental, hipogonadismo e manifestaes renais.(Green et al 1989) Mutaes em sete diferentes loci j foram identificadas, sendo denominados genes da SBB 1 a 7. (Katsanis et al 2001; Beales et al 2003) A mutao mais comum a do gene SBB1 (Mykytyn 2002), localizado no 11q13.(Leppert et al 1994) A maioria dos casos se apresenta com um padro de herana do tipo autossmico recessivo. Estudando uma srie de 129 pacientes com a SBB e seus familiares, Mykytyn e colaboradores (Mykytyn et al 2003) relataram que na maioria dos casos foram encontradas mutaes de um nico gene, herdadas com padro autossmico recessivo.

Beales e colaboradores (Beales et al 2003) estudaram as caracterstica de transmisso em 259 famlias com SBB, relatando a forma triallica de transmisso como a mais comum, sendo necessrias 3 mutaes em 2 genes para a expresso fenotpica da sndrome.

Obesidade Polignica A influncia gentica mais comumente manifestada para a obesidade a polignica, conferindo a certos indivduos uma susceptibilidade resultante de fatores genticos que podem inter-relacionar-se de forma bastante complexa, o que torna difcil a individualizao destes genes em estudos populacionais. Em modelos animais j foram demonstrados centenas de genes que podem se expressar de forma diferencial em resposta a dietas ricas em gordura (Schadt et al 2003). Inmeros marcadores genticos j foram relacionados com a obesidade e suas conseqncias metablicas (Clement & Ferre 2003), mas as interaes especficas entre gentipo e fentipo nas formas polignicas de obesidade permanecem mal compreendidas. O mapa gnico da obesidade humana continua se desenvolvendo rapidamente a cada ano, medida em que mais genes e regies cromossmicas so relacionadas obesidade humana. Em sua verso mais recente, este mapa gnico relatou mais de 430 genes, marcadores e regies cromossmicas associadas com fentipos de obesidade humana. (Snyder et al 2004). Todos os cromossomos humanos, excesso do Y, j tiveram loci ligados ao fentipo da obesidade.

Fatores Ambientais e Obesidade Quando se busca a explicao para a epidemia global de obesidade, certamente os esforos devem concentrar-se na identificao de fatores ambientais envolvidos. (Gortmaker et al. 1993; Hill & Peters 1998; Epstein et al 2000) Com a tendncia de piora progressiva de todos estes fatores ambientais, o prognstico atualmente mais aceito de agravamento progressivo das altas taxas de prevalncia da obesidade na maioria das populaes do planeta.(Foreyt & Goodrick 1995) O meio ambiente predominante em todos os pases ocidentais ou com hbitos de vida ocidentalizados caracteriza-se por oferta ilimitada de alimentos baratos, palatveis, prticos e de alta concentrao energtica. Alia-se a isso um sedentarismo crescente, com a prtica

de atividades fsicas cada vez mais dificultadas, principalmente nas grandes cidades. (Hill & Peters 1998) Aceita-se atualmente que os genes desempenham um papel permissivo no desenvolvimento da obesidade polignica e que os fatores ambientais interagem para levar obesidade. Como diz George Bray, a gentica carrega a arma e o ambiente aperta o gatilho. Vale lembrar, tambm, que uma variao gentica que predisponha a um fentipo de maior risco pode associar-se a maior probabilidade de complicaes metablicas. A tendncia a depositar gordura na regio abdominal visceral, por exemplo, pode ser geneticamente determinada, conforme demonstrado em estudos com gmeos monozigticos. (Perusse & Bouchard 2000)

Hbitos Alimentares Nas sociedades de hbitos ocidentais, o consumo calrico tem derivado predominantemente de alimentos processados, de alta densidade energtica, com elevados teores de lipdios e carboidratos. Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que nos ltimos 100 anos o consumo de gorduras tenha aumentado em 67% e o de acar em 64%. J o consumo de verduras e legumes diminuiu 26% e o de fibras 18%. Em grande parte este aumento do consumo calrico parece dever-se ao crescimento progressivo das pores de alimentos ao longo das ltimas dcadas. (Young & Nestl 2002)

MUFFIN

BISCOITO DE CHOCOLATE

HAMBURGER

REFRIGERANTE BAGEL BATATA FRITA PIZZA 35 42

CERVEJA 28 93

MASSA

Sedentarismo e Excesso de Peso


103 112 168 190 225 195 195 263 333 480 FDA USDA

sobre as preferncias alimentares das crianas.

Figura 1: Aumento percentual dos tamanhos das pores de alimentos nos EUA. Young & Nestle. Am J Pub Health. 99(2) 246-9, 2002

Uma criana norte-americana, por exemplo, assiste em mdia a 10.000 anncios de

refrigerantes ou balas (Horgen et al 2001). Um estudo de interveno direcionado


0 1,6 3,2 8 4,8 6,4 9,6 11,2 12,8 14,4 16 17,6 19,2 20,8 22,4 24 25,6 27,2 28,8 30,4 32 33,6 35,2 36,8 38,4 40 41,6 43,2 44,8 46,4 48 49,6 51,2 52,8 54,4 56 57,4 59,6 60,2 62,8 64 65,6 67,2 68,8 70,6 72 73,4 75,2 76,8 78,4 80 81,6 83,2 84,8 86,4 88 89,6 91,2 92,8 94,4 96 97,6 99,2 100,4 102,8 104 105,6 107,6 108,2 110,8 112 113,4 115,2 116,8 118,4 120 121,6 123,2 124,8 126,4 128 129,6 131,2 132,8 134,8 136 137,4 139,6 140,2 142,4 144 145,6 147,2 148,8 150,2 152 153,4 155,6 156,8 158,4 160 161,6 163,2 164,8 166,4 168 169,6 171,2 172,8 174,2 176 177,4 179,6 180,4 182,8 184 185,4 187,2 188,8 190,2 192 193,6 195,6 196,8 198,4 200 201,6 203,2 204,8 206,4 208 209,6 211,2 212,8 214,8 216 217,6 219,2 220,4 222,4 224 225,4 227,2 228,8 230,2 232 233,6 235,6 236,8 238,4 240 241,6 243,2 244,8 246,4 248 249,6 251,2 252,8 254,4 256 257,6 259,2 260,6 262,8 264 265,4 267,2 268,8 270,4 272 273,2 275,6 276,8 278,4 280 281,6 283,2 284,8 286,4 288 289,6 291,2 292,8 294,4 296 297,2 299,8 300,4 302,6 304 305,6 307,8 308,4 310,2 312 313,8 315,6 316,2 318,4 320 321,6 323,2 324,8 326,4 328 329,6 331,2 332,8 334,4 336 337,2 339,8 340,4 342,6 344 345,6 347,6 348,2 350,8 352 353,4 355,2 356,8 358,4 360 361,6 363,2 364,8 366,4 368 369,6 371,2 372,8 374,4 376 377,6 379,2 380,8 382,4 384 385,6 387,2 388,8 390,4 392 393,8 395,6 396,2 398,4 400 401,6 403,2 404,8 406,4 408 409,6 411,2 412,8 414,4 416 417,2 419,8 420,4 422,6 424 425,6 427,6 428,8 430,4 432 433,8 435,2 436,2 438,4 440 441,6 443,2 444,8 446,4 448 449,6 451,2 452,8 454,4 456 457,6 459,8 460,4 462,6 464 465,6 467,2 468,8 470,4 472 473,8 475,2 476,2 478,4 480 481,6 483,2 484,8 486,4 488 489,6 491,2 492,8 494,4 496 497,6 499,8 500,4 502,6 504 505,6 507,2 508,8 510,4 512 513,8 515,2 516,2 518,4 520 521,6 523,2 524,8 526,4 528 529,6 531,2 532,8 534,4 536 537,6 539,8 540,4 542,6 544 545,6 547,2 548,4 550,8 552 553,4 555,2 556,2 558,8 560 561,6 563,2 564,8 566,4 568 569,6 571,2 572,8 574,4 576 577,6 579,4 580,6 582,2 584 585,6 587,2 588,8 590,4 592 593,4 595,8 596,2 598,8 600 601,6 603,2 604,8 606,4 608 609,6 611,2 612,8 614,4 616 617,6 619,2 620,8 622,4 624 625,2 627,6 628,8 630,4 632 633,4 635,6 636,2 638,8 640 641,6 643,2 644,8 646,4 648 649,6 651,2 652,8 654,4 656 657,6 659,8 660,4 662,2 664 665,6 667,2 668,2 670,4 672 673,6 675,4 676,8 678,8 680 681,6 683,2 684,8 686,4 688 689,6 691,2 692,8 694,4 696 697,6 699,2 700,8 702,4 704 705,6 707,6 708,2 710,4 712 713,4 715,2 716,8 718,8 720 721,6 723,2 724,8 726,4 728 729,6 731,2 732,8 734,4 736 737,6 739,6 740,4 742,2 744 745,2 747,2 748,8 750,4 752 753,6 755,4 756,8 758,8 760 761,6 763,2 764,8 766,4 768 769,6 771,2 772,8 774,4 776 777,6 779,6 780,8 782,4 784 785,2 787,2 788,2 790,8 792 793,4 795,6 796,8 798,4 800

700

consumo de refrigerantes aumentou em 268% no Rio de Janeiro. (Sichieri et al 2003)

Tambm nos pases em desenvolvimento observa-se uma tendncia deteriorao dos

Apesar de existirem experincias bem sucedidas de intervenes comunitrias visando

hbitos alimentares. Estudando padres de consumo da populao brasileira, Sichieri e

populao adulta demonstrou que a reduo de preos de alimentos saudveis aumentou

alimentos na televiso a cada ano, sendo 90% deles sobre fast food, sucrilhos aucarados,

promover hbitos alimentares mais saudveis, principalmente na infncia (Birch & Fisher

contribuir para a melhora nos padres de consumo alimentar. (Jacobson & Brownell 2000)

que o aumento de impostos sobre os alimentos nocivos para subsidiar os saudveis poderia

colaboradores relataram uma Reduo do consumo de arroz com feijo de 30%, enquanto o

significativamente o consumo destes itens. (French et al 2001) Alguns autores tm sugerido

1998), sua implementao esbarra na forte influncia que a propaganda de alimentos exerce

Assim como a obesidade, a escalada de sedentarismo observada nas ltimas dcadas caracteriza-se tambm como epidemia global. Os nveis de atividade fsica reduziram-se drasticamente nos pases desenvolvidos e esta reduo comea a observar-se, de forma ainda mais intensa, entre as populaes de mais baixa renda, estimando-se que a inatividade fsica de lazer seja 3 vezes mais freqente na populao de baixa renda dos Estados Unidos, quando comparada com a populao de renda mais alta. (Mokdad et al 2000) Com um modelo urbano favorecendo principalmente o trfego de automveis, aliado falta de segurana dos bairros de subrbio, as populaes de mais baixa renda estariam mais vulnerveis ao sedentarismo e obesidade. (Ewing & Cervero 2001) Nos pases em desenvolvimento, verifica-se tambm uma tendncia crescente inatividade fsica, afetando mais gravemente tambm as populaes de renda mais baixa. (Jacoby 2004) (figuras 2 e 3)

100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

Argentina

Peru

Chile

Brasil

19-29 a

30-44 a

45+ a

Figura 2: Taxas de Inatividade fsica em 3 pases latino-americanos, por faixa etria. (Jacoby 2004)

30 25 20 15 10 5 0 Chile baixa renda Peru alta renda 3 13 7 2 17

26,3

Brasil

Figura 3: Atividade fsica recreativa por nvel de renda em mulheres de 3 pases latinoamericanos. (Jacoby 2004)

Diversos tens de conforto parecem tambm contribuir de forma significativa para a diminuio do gasto energtico, como os controles remotos e os telefones celulares, que se tornam cada vez mais presentes no estilo de vida moderno. (King et al 2000) O hbito de ver televiso tambm parece desempenhar um papel importante na etiologia da obesidade. Alguns estudos com crianas relataram uma mdia de 28 horas de televiso por semana, demonstrando uma relao direta com o risco de obesidade. (Gortmaker et al 1996) A Organizao Mundial da Sade j reconheceu neste ambiente obesognico o principal determinante do rpido crescimento da prevalncia de obesidade e oficialmente recomendou que fossem estudadas medidas de mudana ambiental para prevenir o ganho de peso.(Margetts 2004)

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