O Respeito de Fundos em Arquivo: princpios tericos e problemas prticos (Michel Duchein, 1992)

O respeito dos Fundos tradicionalmente considerado, desde a segunda metade do sc. XIX, como o princpio fundamental do arquivo. pela prtica que o arquivista se distingue nitidamente por um lado do bibliotecrio e do documentalista por outro. Mas como muitos princpios mais fcil enuncilo do que defini-lo e defini-lo do que aplic-lo. Se as suas bases conceituais so relativamente fceis de estabelecer, ele levanta, desde que se procure aprofundar os aspectos tericos e aproveitar as consequncias prticas, inmeras dificuldades sobre as quais geraes de arquivistas se debruam sem que solues ntidas fossem, no entanto, universalmente impostas. Problemas tericos, dificuldades prticas e respostas propostas Entretanto necessrio reconhecer que a definio de Fundos tal como a conhece Natalis de Wally e que consideramos at o presente, deixa subsistir um bom nmero de incertezas e de dificuldades tanto tericas como prticas. Chegou momento de as examinar sem nunca nos aliciar sempre para as suas concluses. 1. Definio de Fundos em relao hierarquia dos organismos produtores A dificuldade de definir o Fundos em relao hierarquia dos organismos produtores de arquivo fez-se praticamente sentir desde a sua origem e fundamental. Exemplo: fcil definir Fundos de arquivo de uma abadia de um hospital de um tribunal o conjunto de documentos cujo acrscimo efetuado no exerccio das suas atividades. No h nenhuma dificuldade de interpretao, porque a abadia, o hospital, o tribunal so organismos bem definidos, possuindo uma personalidade jurdica precisa e estvel.

Mas paralelamente a casos to simples como estes existem inumerveis variedades de casos cuja complexidade funcional e laos de subordinao entre os diversos nveis do organismo dificultam a definio do Fundos. Como: Todo Ministrio, todo grande corpo administrativo ou judicial est dividido em grandes setores de atividades, eles mesmos subdivididos em setores secundrios que tm cada um deles as suas prprias competncias, as quais, correspondem conjuntos de documentos mais ou menos individualizados. Por exemplo, um Ministrio est dividido em direes e as direes em gabinetes. Podemos, neste caso, falar de Fundos de arquivo do Ministrio ou dos Fundos das Direes ou dos Fundos dos gabinetes? As administraes centrais ou federais, na maioria dos pases, possuem rgos locais fora da capital do pas. Devemos considerar que cada um desses rgos locais cria um Fundos de arquivo prprio ou que o Fundos nico para o conjunto de documentos criados por todos os rgos locais de uma mesma administrao? Formam os estabelecimentos ou organismos dependentes de uma administrao superior Fundos prprios ou os seus arquivos fazem parte do Fundos da administrao superior? Por exemplo os arquivos de um instituto de pesquisa dependente de uma universidade so simples partes dos Fundos dessa universidade ou devem ser considerados como distintos? Mesmo para os arquivos privados, problemas da mesma ordem se levantam como no caso de estabelecimentos industriais ou bancrios mltiplos pertencentes a mesma sede. Perante esta dificuldade podemos adotar duas posies intelectuais diferentes que qualificaremos de maximalista e de minimalista. A primeira consiste em definir o Fundos ao mais alto nvel, considerando que a verdadeira unidade de funo situa-se no topo. Admitiremos portanto, neste caso que o conjunto de arquivos provenientes de todos os servios e estabelecimentos dependentes de um mesmo Ministrio formam um nico Fundos. Os antigos pases socialistas da Europa de Leste levam at as ltimas consequncias este conceito unicista dos arquivos, j que admitem que todos os documentos pertencentes ao Estado formam um nico e gigantesco Fundos dos arquivos do Estado. Base de toda a organizao arquivista.

Segunda atitude ao contrrio consiste em reduzir o Fundos ao nvel da menor clula funcional considerando o verdadeiro conjunto orgnico dos arquivos resulta do trabalho desta clula. evidente que este problema tem incidncias prticas muito direta e imediata sobre o trabalho dos arquivistas. Com efeito uma vez admitido o princpio de Fundos quer dizer da manuteno da integridade dos Fundos essencial saber quais so os limites do que preciso manter intacto. necessrio constatar que nenhuma soluo ntida alguma vez foi apresentada para esta questo. Com efeito a rebaixar muito o nvel de competncia funcional qual corresponde o Fundos de arquivos (atitude que temos qualificado de minimalista), corremos o risco de privar a noo de Fundos de todo o seu verdadeiro significado. por isso que propomos para definir o organismo produtor de Fundos de arquivos de reter os seguintes critrios: 1) Para produzir um Fundos de arquivo no sentido que o arquivista d a este termo um organismo que seja pblico ou privado deve possuir um nome e uma existncia jurdica prpria resultante de uma ata, lei, decreto etc. preciso e datado. 2) Deve possuir atribuies precisas e estveis, definidas por um texto tendo valor legal e regulamentar. 3) A sua posio no seio da hierarquia administrativa deve ser definida com preciso pela ata que lhe deu origem em particular a sua subordinao a outro organismo de nvel mais elevado deve ser claramente conhecido. 4) Deve ter chefe responsvel, beneficiando do poder de deciso correspondente ao seu nvel hierrquico, ou seja ele deve tratar dos trabalhos da sua competncia sem t-los que submeter automaticamente por deciso a uma autoridade superior. 5) A sua organizao interna deve, tanto quanto possvel, ser conhecida e fixada num organograma. A aplicao destes 5 princpios origina as seguintes consequncias:

Separa as divises ou seces internas de um organismo

que no respondam s condies requisitadas para produzir um Fundos de arquivo; Todo organismo possuindo uma existncia jurdica e um nvel de competncias prpria produz um Fundos de arquivo, mesmo se est subordinado a outro organismo de nvel mais elevado. Os rgos locais dependentes de um organismo central Por fim parece inevitvel introduzir em Arquivologia um produzem Fundos de arquivos que lhes so prprios; noo nova: aquela de hierarquia de Fundos dos organismos produtores, provocando a subordinao de certos Fundos em relao a outros. 2. As variaes de competncias dos organismos produtores

de arquivo e suas repercusses no plano arquivstico. Intimamente ligados aos precedentes so os problemas que levantam as variaes de competncias dos organismos produtores de arquivos. Eis os principais aspectos: 1) Caso de Supresso de competncias: Todo organismo produtor de arquivos pode, ao longo da sua existncia, ver ser suprimida um das suas atribuies por j no corresponder a uma necessidade. 2) Caso de criao de competncias: Ao inverso, atribuies novas podem ser dadas a um organismo 3) Caso de Transferncia de competncias (misto): Acontece frequentemente que atribuies sejam transferidas de um organismo para outro; tais transferncias equivalem a uma supresso de competncias para um organismo, a uma criao de competncias pelo outro. 4) Caso de competncias temporria: certas atribuies que correspondem a necessidade temporria so por vezes dadas, alm das suas atribuies regulares do organismo.

Estas diversas formas de variaes de competncias que se articulam entre elas com uma multiplicidade de variantes especficas traduzem-se geralmente na organizao dos servios e por toda a espcie de modificaes de estrutura: criao, ou supresso de gabinetes ou de divises, criao de organismos novos vinculados ou subordinados aos organismos existentes, transferncia de gabinetes de um organismo para outro etc. J que Fundos constitudo pelo conjunto de documentos produzidos pelo trabalho de um qualquer organismo, o Fundos de um organismo que sofreu sucessivas adies, supresses e transferncias de competncias possuir documentos refletindo todas estas variaes, dificultando a reconstruo pelos pesquisadores da continuidade administrativa ou at mesmo, pelo seguimento cronolgico e lgico dos trabalhos. A esta dificuldade certos tericos propuseram remediar substituindo a noo de Fundos a de record series. Este record series seria seguimentos de documentos independentes do contexto administrativo, ou seja reagrupamentos de documentos formando um seguimento cronolgico e lgico, qualquer que seja a sua provenincia. Vislumbramos desde logo, neste sistema aparentemente sedutor, o velho sistema de Natalis de Wailly: a classificao por tema. Qualquer que seja a sinceridade e a boa f daqueles que propem um tal violao deliberada ao respeito de Fundos, eles esto errados e no devemos ter indulgncia por um erro to grave. Como o exprimiu vigorosamente Sir Hilary Jenkinson independentemente do que poderamos fazer a mais, no devemos fraccionar a unidade de Fundos. Partilharemos plenamente, neste ponto, a opinio de sir Hilary, que a nica compatvel com o princpio do respeito de Fundos. Do ponto de vista arquivstico, o problema de variaes de competncias provocando variaes no contedo dos Fundos , portanto, um falso problema. Quando qualquer atribuio dos organismos suprimida (sem ser transferida para outro organismos), o acrscimo do Fundos de arquivo desse mesmo organismo encontra-se simplesmente amputado dos documentos correspondentes a essa atribuio, mas a natureza dos Fundos no modificada. Assim como, quando uma competncia nova criada num organismo.

No entanto uma dificuldade bem real existe no caso onde as transferncias de competncias levam a transferncias de papis entre organismos. Em princpio os documentos correspondentes competncia transferida deveriam pertencer, at a data da transferncia, ao Fundos do organismo que exercia a competncia antes da transferncia. Infelizmente raras as coisas serem to claras na prtica, porque para poder exercer a nova competncia que lhe foi confiada, o segundo organismo est quase sempre na obrigao de recolher pelo menos uma parte dos documentos do primeiro organismo respeitantes a competncia transferida. Esses documentos, que logicamente pertencem ao Fundos do primeiro organismo, so portanto, incorporados ao do segundo organismo e com esse Fundos que ulteriormente chegaram ao depsito de arquivos histricos. As solues que propomos para este problema so as seguintes: 1) Regra geral os documentos que foram transferidos de um organismo vivo para outro organismo vivo e ai foram integrados devero ser considerados como pertencentes ao Fundos do organismo que os recolheu. Assim, se uma competncia foi transferida em 1990 de um organismo A para um organismo B e que o recolhe. 2) Quando um organismo vivo v serem transferidas as competncias dum organismo suprimido os documentos do organismo suprimido devem ser transferidos como formando um Fundos distinto. Assim imaginemos que uma competncia era exercida at 1995 por um organismo C e que em 1995 suprimido e a dita competncia transferida para um organismo D, os documentos anteriores a 1995 formam o Fundos do organismo C distinto daquele do organismo D. Em contrapartida os documentos respeitantes competncia transferida fazem parte a partir de 1995 do Fundos D. 3) Todavia, no caso dos documentos do organismo C serem totalmente inextrincavelmente e irremediavelmente misturados com os do organismo D, deveremos, pela fora das coisas renunciar a considerar o Fundos do organismo C como um Fundos distinto. Neste caso assinalaremos no cabeario do instrumento de pesquisa do Fundos do organismo D que o Fundos do organismo C a se encontra includo.

Essas regras aplicam-se de uma maneira geral a todos os casos onde arquivos de organismos suprimidos foram recolhidos por outros arquivos. O Fundos do organismo suprimido deve sempre ser considerado como distinto daquele do organismo que o recolheu exceto se a fuso dos dois Fundos for de tal maneira inextrincvel que a identificao de um em relao ao outro seja impossvel. 3 Que entendemos pelo termo provenincia de um Fundos? O que acabamos de dizer sobre os arquivos de organismos suprimidos unidos ou integrados a outros organismos etc., leva-nos a abordar outro problema ligado ao princpio do respeito dos Fundos: aquele com a noo de provenincia. A maioria das definies do respeito dos Fundos fazem apelo a esta noo ao ponto que a equivalente da expresso respeito respeito dos Fundos nos pases de linguagem germnica, e de outros mais, o princpio de provenincia: o Fundos definido como sendo o conjunto dos arquivos que tem a mesma provenincia mas este termo ambguo desde o momento que tentemos lhe precisar o sentido. Procuraremos exemplos para demonstrar esta ambiguidade. No h nenhuma dificuldade de interpretao quando o Fundos de arquivos produzido por um organismo foi conservado por esse organismo, sem adjuno ou diminuio, at a sua entrega num depsito de arquivos e que essa entrega seja feita diretamente pelo organismo produtor. Ma este simples processo nem sempre realizado. Sabemos que o Fundos de um qualquer organismo poder ter sido transferido por razes de necessidade funcional a um outro organismo e que a ele pode a) ter ficado agrupado continuando a formar um conjunto individualizado; b) ter sido desmembrado, misturado ao arquivo do organismo de reagrupamento. No primeiro caso a identificao do Fundos relativamente fcil; mas no momento de entrega no depsito de arquivo, qual ser a provenincia desse Fundos? Ser o organismo produtor ou o organismo entregador? A primeira resposta parece evidentemente mais lgica ( a frmula indentidad productora do Dr. Aurlio Tanodi) na prtica pode no entanto esbarrar com dificuldade quase que

insuperveis se, em seguimento das vicissitudes histrico-administrativas, organismo produtor em questo mudou de nome de estrutura e de competncia ao longo dos anos. Quanto a outra resposta relacionar a provenincia ao organismo entregador mais simples e levanta menos problemas prticos, mas correu risco de chegar a teorias absurdas na medida em que Fundos de origens muito diversas podem ser entregues por um mesmo organismo, o que sendo aplicado a letra a frmula do princpio de provenincia, pode provocar misturas de Fundos diferentes sob o mesmo pretexto que tendo sido entregues juntos tem a mesma provenincia. Propomos portanto a seguinte soluo, relacionada quelas que propusemos para o problema das variaes de competncias dos organismos produtores de arquivos: Quando um Fundos foi ao longo da sua histria, desmembrado e/ou integrado ao Fundos de um organismo diferente daquele que o produziu, ao ponto de ter perdido a sua identidade e a sua individualidade deve ser considerado como proveniente do organismo que o recolheu e integrou no seu prprio Fundos; neste caso a noo de provenincia est ligada quela de entrega e no a de produo. 4 Fundos abertos e Fundos fechados Quando um organismo suprimido, o Fundos de arquivos criados por este organismo automaticamente encerrado ou fechado. Isto evidente quando se trata de organismos, estabelecimentos, administraes, etc., antigas. Mas as coisas tornam-se menos claras quando se entra no domnio flutuante da administrao moderna, onde muitas vezes difcil dizer exatamente quando um organismo para de existir ou quando simplesmente muda de nome ou de lugar no sistema administrativo. Por outro lado claro que um Fundos s fica completo quando encerrado. em virtude deste fato que os arquivistas italianos negam o nome de arquivos aos documentos das administraes modernas, porque lhe negam o carter de universitas rerum, ou seja, de um conjunto encerrado que ao seu ver - uma caracterstica necessria de todo Fundos de arquivo. Um tal rigor

, no entanto, a meu ver, completamente injustificado, porque todo o documento criado por um organismo e conservado por ele pertence, desde a sua criao ao Fundos de arquivos deste organismo, o que prova desde j que esse Fundos existe mesmo que no esteja completo ou encerrado. por isso que os arquivos franceses, herdeiros lgicos, neste ponto do pensamento de Natalis de Wailly, negam-se a separar, tanto na teoria como na prtica, os arquivos correntes (os records da terminologia americana) dos arquivos histricos (os archives em linguagem americana). Uns e outros pertencem ao mesmo Fundos e no podem consequentemente serem dissociados. a diferena fundamental entre record management americana e o prarquivismo francesa. No entanto de reconhecer que, do ponto de vista prtico, o tratamento arquivista dos Fundos abertos levantam por vezes problemas difceis se queremos preservar indispensavelmente a integridade dos Fundos. Pelo que da definio de Fundos encerrados e abertos no caso onde pode haver dvida sobre a comunicao ou cesso de existncia de um organismo ou seja quando se hesita em decidir de um organismo cessa de existir ou se perpetua sob outro nome -, propomos as seguintes solues: Se h uma evidente e total continuidade de competncia entre o organismo suprimido A e o novo organismo B que lhe sucede, podemos concluir que na realidade s se trata de uma simples troca de nomes e/ou de uma modificao do organismo A e por consequente o Fundos de Arquivo do organismo A no esta encerrado, mas muda simplesmente de nome. Esta deciso de manter um Fundos aberto, ou seja de considerar um Fundos nico os papis de um organismo suprimido e de um organismo novo, s deve ser tida em conta quando nenhuma dvida ou incerteza possvel existe sobre a continuidade dos dois organismos. Desde que haja hesitao sobre a oportunidade de uma tal deciso, a questo deve ser resolvida pela negativa: o Fundos do organismo suprimido deve ser considerado como encerrado e um Fundos novo deve ser aberto pelo organismo criado. Se o organismo suprimido C transfere as suas competncias para um organismo D que existia antes da supresso do organismo C o

Fundos do organismo C encerrado; o Fundos do organismo D d-lhe seguimento mas distingue-se dele. Se, por fim um novo organismo E criado para exercer as Para o caso de Fundos de organismos suprimidos que foram competncias de vrios organismos vale o explicitado acima. integrados e misturados aos Fundos dos organismos que lhes sucederam, relembramos o que acima foi dito a propsito da noo de provenincia dos Fundos. So evidentemente Fundos encerrados, mas na medida em que perderam a sua individualidade por razo da sua integrao a Fundos abertos, j no podem ser tratados do ponto de vista arquivstico, como Fundos autnomos. Em contrapartida devemos relembrar que um Fundos fica aberto at que o organismo que o produz vivo, e que isso pode durar indefinidamente. Portanto, de lhe aplicar um tratamento dinmico, que preserve a noo de unidade do Fundos. 5 O respeito dos Fundos implica o respeito da sua classificao interna de origem? Talvez aqui venhamos a tocar no ponto mais delicado das dificuldades ligadas ao princpio do respeito de Fundos. Este ltimo, relembramos, defina-se ao mais simples como a no separao dos documentos provenientes de um organismo e como no mistura de documentos provenientes de vrios organismos diferentes, mas no diz nada, pelo menos na verso primitiva, da classificao interna dos documentos no Fundos. De fato, a lgica do princpio enunciado por Natalis de Wailly implicava que mais cedo ou mais tarde viramos a respeitar no s a integridade externa do Fundos, mas pelo menos em teoria a integridade interna das suas diferentes partes. Foi o que o arquivista alemo batizou de Strulcturprinzip complemento natural do Provenienzprinzip, e que, enunciado no clebre Manual dos Arquivistas Holandeses de S Muller, J. A Feith, e R Fruin em 1898, tornou-se hoje parte integrante do princpio do respeito dos Fundos.

A Formulao de Muller, Feith e Fruin a seguinte: o sistema de classificao (interna dos Fundos) deve ser fundada sobre o organismo primitivo de Fundos de arquivos, que corresponde nos traos gerais com a organizao da administrao da qual ele provem. E, com esta afirmao correria o risco de ser obviamente julgada exageradamente otimista, os autores holandeses acrescentaram: Convm restabelecer antes de mais e o mais possvel a ordem primitiva; mais tarde ento, poderemos julgar se e at que ponto ser desejvel afastar-nos dessa ordem. Esta ltima frase, que leva o princpio do respeito da estrutura dos Fundos at a reconstituio dessa estrutura quando j no existe, assemelhase um tanto ou quanto s prticas dos arquitetos do tempo de Viollet Due, que elas tambm restabeleciam o mais que possvel o estado primitivo dos monumentos que eram encarregues de restaurar. em realidade com as melhores intenes do mundo, abrir as portas a todos os abusos do arbitrrio. Nem historiador, nem arquelogo, nem arquivista tem que restabelecer o que o tempo destruiu salvo raros casos onde a reconstituio rigorosamente exata e segura so possveis, com provas de apoio. Deveremos, portanto, rejeitar este mtodo de restaurao que constitui uma extenso injustificada do respeito dos Fundos. Mas o valor tanto terico como prtico do princpio do respeito da estrutura dos Fundos (chamamos-lhe, para simplificar, princpio de estrutura) pelo menos subsiste. Concebe-se facilmente que a aplicao desse princpio repleta de dificuldades. Umas decorrem direta ou indiretamente do que vimos mais acima a propsito das variaes de competncias dos organismos produtores de arquivo: a estrutura interna dos Fundos reflete evidentemente essas variaes de competncias. Mas mais dificuldades de que os organismos produtores que nem eles mesmos tm respeito pelo princpio de estrutura quando classificam os seus arquivos correntes. Podemos admitir que geralmente os arquivos das grandes divises internas de um dado organismo ficam mais ou menos individualizados e independentes, nem que seja por razes de comodidade funcional. Mas de toda maneira, no interior de uma mesma diviso, os arquivos correntes so conservados de cem maneiras diferentes segundo os casos, segundo um esquema chamado quadro ou plano de classificao, puramente

organizacional, ou seja moldado sobre a organizao dos gabinetes ou puramente metdico, ou seja por categorias de assunto tratados ou misto, ou seja semi-organizacional, semi-metdico ou at no h nenhum quadro de classificao de arquivos correntes e o organismo conserva os seus papis em desordem, cada empregado ou chefe de gabinete, tendo seu prprio mtodo de arrumao, geralmente incompreensvel para qualquer outra pessoa. Claro , todos esses sistemas podem coexistir ou sucederem-se no interior de um mesmo organismo do qual decorre todas as desordens fceis de imaginar. Acrescentamos por fim, ao sabor das supresses e dos acrscimos de competncias, o acumular de arquivos de diversas provenincias, que tambm eles tm uma classificao mais ou menos efetiva e so, na ocasio da sua transferncia, mais ou menos misturados e integrados aos arquivos do organismo no qual esto a ser integrados assim temos uma ideia sumria das desordens de todas as naturezas que apresentam os Fundos no momento da sua entrega nos depsitos de arquivos chamados a classific-los e a conservlos, desordens que at mesmo o acto de entrega levam frequentemente ao rubro a razo das manipulaes mais ou menos brutais as quais esto submetidos os documentos. Neste sentido o que feito do respeito da estrutura interna dos Fundos? Seramos tentados, perante uma situao to complexa de declara-la inextricvel e de renunciar a fazer do princpio de estrutura uma regra arquivstica ao mesmo ttulo que o princpio de provenincia. Mas estaramos errados agindo assim, porque na realidade estes dois princpios decorrem um do outro da concepo orgnica dos arquivos que , j o vimos, fundamental. Esto ligados um ao outro e no podem ser dissociados. Para determinar as possibilidades de aplicar classificao dos Fundos o princpio do respeito de estrutura interna, deve-se distinguir vrios casos que pretendem solues diferentes. 1) Caso de organismo de estrutura simples: entendemos aqui por de estrutura simples organismos, geralmente de organismo

importncia fraca em relao ao nmero de pessoas que empregam cujo afazeres no so funcionalmente repartidos entre vrias divises ou sesses possuindo cada uma atribuies precisas e estveis. Em tal caso, se o organismo pratica uma classificao qualquer dos seus

arquivos correntes o arquivista deve respeita essa classificao, melhorando-a se assim for necessrio, mas este respeito no constitui nenhuma obrigao, se a classificao praticada pelo organismo muito defeituosa ou incomoda a pesquisa. Com muita razo ainda, se o organismo no pratica uma classificao sistemtica dos seus arquivos correntes, o arquivista poder dar ao Fundos a classificao interna que melhor lhe aprouver julgar, no havendo portanto, nesta ocasio respeito da estrutura dos Fundos. 2) Caso de organismos de estruturas complexas: os organismos que possuem um leque numeroso de empregados e mltiplas atribuies so geralmente, como j vimos, divididos em setores, cujo cada um exerce uma parte definida das atribuies do organismo. evidente que os papis produzidos por essas divises bem como no formando Fundos de arquivos distintos constituem conjuntos orgnicos que o respeito da estrutura manda que fiquem agrupados. H portanto, interesse a tomar essas divises como base de classificao interna do Fundos do organismo, cada uma das divises primrias do Fundos corresponde a uma das divises estruturais do organismo. Infelizmente, essas divises estruturais so raramente estveis, elas modificadas e as suas respectivas atribuies mudam com a frequncia que tende a cresce no mundo moderno. Perante estas dificuldades duas solues so possveis: Se queremos conservar as divises funcionais do organismo como base da classificao de Fundos, temos ento que fatiar o Fundos por ordem cronolgica, ou perodos delimitados pelas mudanas de estrutura dessas divises e classificamos os documentos correspondentes a cada perodo como formando um todo. Esta soluo aceitvel e at recomendvel se as mudanas em questo no so frequentes e se por conseguinte os perodos que delimitam so suficientemente longos como uma estabilidade at grande de atribuies no interior desse perodos. Em contrapartida, se as mudanas da estrutura e de atribuies das divises do organismo so muito frequentes, deve-se

renunciar a tomar essas divises como base de classificao do Fundos e consider-lo desde logo do ponto de vista do tratamento arquivstico, como um Fundos de organismo simples sem diviso interna. Deve-se respeitar a classificao dada aos Fundos pelos organismos que os produziram? Parece tentar para o arquivista conservar tal e qual a classificao dada aos documentos pelo organismo que produziu o Fundos, mas esta tentao esbarra-se com inmeras dificuldades que no devem ser subestimadas. Uma das dificuldades fundamental: a classificao dada aos documentos pelos organismos produtores nunca uma classificao concebida sobre um longo perodo de tempo. A sua utilidade essencialmente funcional, pragmtica e no histrica. Ela raramente corresponde aos mtodos de classificao arquivstica que geralmente se aplica sobre partes cronolgicas bastante longas. Todavia, admitindo que esta dificuldade seja ultrapassada outras dificuldades subsistem. Por um lado a classificao dada por um organismo produtor pode somente incidir sobre certas faces ou setores dos documentos produzidos, por outro lado, essa classificao pode ser efetuada segundo princpios estrangeiros ao mtodo arquivstico e mais prxima da classificao das bibliotecas ou dos centro de documentao, por vezes mesmo contrria ao princpio dos Fundos. Acrescentamos que essas classificaes so aplicadas pelos organismos produtores, com mais ou menos rigor e continuidade e que muito frequentemente a adoo de um sistema novo de classificao por um organismo acarreta o desmembramento da classificao precedente, com efeito, retroativos incidindo por vezes sobre vrios anos. Nestas condies seria ilusrio e perigoso procurar ter sistematicamente a classificao dada pelo organismo produtor como base de classificao arquivstica. Antes de adotar esta soluo, o arquivista deve se assegurar a) que a classificao dada pelo organismo produtor foi efetivamente realizada, perseguida e conservada e no se ficou por uma simples inteno ou veleidade; b) que esta classificao foi perseguida por um perodo de tempo bastante longo; c) que no incompatvel com o princpio do respeito dos

Fundos; d) que ela englobe bem todos os documentos que compem o Fundos ou diviso do Fundos de que diz respeito tratar. Se todas estas condies no so reunidas, estimaremos que devemos renunciar a continuar a classificao dada pelo organismo produtor e proceder como se o Fundos nunca tivesse qualquer classificao antes de chegar as mos do arquivista. Em resumo, a questo do respeito da estrutura interna dos Fundos apela pelas seguintes respostas: 1) Quando um Fundos se compe de divises correspondendo a divises funcionais do organismo produtor, essas divises devem ser tomadas o mais que possvel como base da classificao arquivstica, mas podemos ser obrigados a renunciar a elas se as divises funcionais do organismo produtor muda frequentemente de estrutura e atribuies. 2) Quando um Fundos ou uma diviso do Fundos possui uma classificao dada pelo organismo de entrega, essa classificao pode ser conservada como base de classificao arquivstica na condio de ser estvel, incidindo sobre um perodo bastante longo, compatvel com o princpio do respeito dos Fundos, e corretamente realizada, caso contrrio o arquivista pode inspirar-se dessa classificao para o seu prprio trabalho, mas nunca segui-lo cegamente. 3) Em todo caso, o arquivista pode com legitimidade dar ao Fundos ou a diviso de Fundos, em toda medida do possvel, sobre a estrutura interna do organismo produtor, mas sem ser obrigado a refletir na sua classificao os detalhes e as variaes dessa estrutura. A classificao dos Fundos por partes cronolgicas: por vrias vezes ao longo desse artigo fizemos aluso a classificao dos Fundos por partes cronolgicas ou perodos. Ser um tal mtodo e compatvel com o respeito da unidade interna dos Fundos? Poderamos discuti-lo num plano terico e certo que mais vale evitar tanto quanto possvel essa possibilidade, ou seja quando se trata de um Fundos encerrado proveniente de um organismo cuja estruturas internas e as atribuies sofreram, ao longo da sua histria, mudanas muito profundas. Mas para os Fundos abertos assim como para os Fundos encerrados cuja composio reflete as mudanas de estrutura e atribuies

sofridas pelo organismo produtor, a classificao por partes cronolgicas uma necessidade prtica to evidente que se impe a todos os arquivistas apesar das reticncias dos tericos. Trs regras devem no entanto ser observadas se queremos evitar que esse mtodo d num verdadeiro desmembramento dos Fundos: Por um lado as partes cronolgicas escolhidas como base da classificao devem ser bastante longas para constituir um conjunto de arquivos coerentes; Por outro lado, essas partes devem corresponder a perodos bem definidos na vida do organismo produtor do Fundos; os seus limites no devem portanto ser arbitrariamente escolhidos; Por fim para que o tratamento arquivstico de uma parte cronolgica de um Fundos possa ser empreendido, preciso que todos os documentos correspondendo a essa parte cronolgica sejam reunidos, de maneira que a totalidade dessa parte seja tratada simultaneamente. Uma vez estas 3 condies reunidas podemos proceder ao tratamento de cada parte cronolgica como se se tratasse de um Fundos encerrado. Todavia, dado que s se trata na realidade de um fragmento de Fundos, deve, tanto quanto possvel, tratar cada parte com o mximo de similitudes e paralelismos em relao s partes precedentes, de maneira a facilitar o trabalho de pesquisa ulterior. Vemos, depois do que precede, que o tratamento por partes cronolgicas no de maneira nenhuma contraditrio com o respeito da estrutura interna dos Fundos; esse respeito aplica-se no interior de cada parte cronolgica tanto mais facilmente que as partes foram definidas de maneira a corresponder precisamente s grandes mudanas de estruturas internas e de competncia do organismo produtor. Fazemos questo de insistir aqui sobre o fato de estarmos a falar do tratamento arquivstico das partes cronolgicas. O que implica por conseguinte que este tratamento s empreendido depois de muito tempo de encerrado da parte cronolgica visada para ter a certeza que nenhum documento

correspondente a esta parte tenha ficado no organismo de origem. Em geral podemos admitir que uma parte cronolgica pode receber um tratamento arquivstico quando todos os documentos que a compem atingirem um prazo de livre comunicao ao pblico e que no so susceptveis de receber aditivos nem de fazer objeto de seleo e de eliminao.