Ecomuseu Seixal Carta Patrimonio
Ecomuseu Seixal Carta Patrimonio
Ecomuseu Seixal Carta Patrimonio
Junho 2008
Boletim trimestral do Ecomuseu Municipal do Seixal
ecomuseu
informação
Navegar no estuário do Tejo numa embarcação tradicional
26.ª época de passeios do Ecomuseu Municipal do Seixal - a partir de Abril
ÍNDICE
2 10˙11 15˙16˙17˙18
3˙4 12˙13˙14 19
Programa
de Iniciativas
dE Serviço
Educativo
EDITORIAL
MUSEUS COMO AGENTES DE MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO
A Jornada Internacional de Museus foi criada pelo seus e as respectivas envolventes. Através da sua
ICOM (Conselho Internacional de Museus) em 1977, função social, e mediante resultados cada vez mais
no dia 18 de Maio. Em 2007, mais de 20 000 mu- exigentes, que os museus apresentam, em diversi-
seus participaram, em mais de 70 países, na 30.ª ficados planos técnico-científicos, aproximando-os
Jornada Internacional de Museus. No Seixal, a Câ- indiscutivelmente das comunidades e dos públicos,
mara Municipal do Seixal concretizou a fundação a instituição museal associa-se a todas as dimen-
do primeiro museu local em 1982 e abriu então ao sões do desenvolvimento sustentável – do ambiente
público a sua primeira exposição, no dia 18 de Maio. à cultura, da coesão social à economia.
As comunidades do concelho do Seixal têm desde Os paradigmas essenciais da Declaração de San-
essa data um motivo particular para viver festiva- tiago do Chile (da mesa-redonda sobre o papel dos
mente a Jornada do 18 de Maio. Da comemoração museus na América Latina promovida pela UNES-
de 2008 deverá fazer parte uma reflexão crítica e CO, em Maio de 1972) estão inquestionavelmente
um balanço da experiência do Ecomuseu Municipal mais próximos da nossa realidade museológica:
do Seixal (EMS) e das actuais perspectivas para o um novo conceito de acção do museu, considerado
futuro, como agente de mudança social e de desen- agente de mudança social e de desenvolvimento,
volvimento, para que foi institucionalmente criado, «agente incomparável da educação permanente
há 26 anos. da comunidade», baseado no conceito de museu
Museus como agentes de mudança social e desen- integral, «destinado a proporcionar à comunidade
volvimento é o tema escolhido pelo ICOM para a di- uma visão de conjunto de seu meio material e cul-
namização da Jornada Internacional dos Museus de tural». Mas são temivelmente similares às nossas
2008. Recordamos, transcrevendo-a parcialmente, preocupações actuais alguns considerandos que
a Resolução n.º 6 (intitulada Promover o desenvol- foram expressos sobre um contexto de há quatro
vimento sutentado) da 21.ª Conferência Geral do décadas, em Santiago do Chile, constituindo então
ICOM (Viena, Agosto 2007): um momento de mudança na visão dos museus, a
«O ICOM reconhece que existe um conflito potencial entre, nível internacional.
por um lado, os interesses económicos e políticos e, por Considerava-se «que a humanidade vive actualmente em
outro lado, o desenvolvimento permanente das popula- um período de crise profunda; […] que [fora criado] um de-
ções, das comunidades e das suas culturas, assim como a sequilíbrio entre os países que atingiram um alto nível de
protecção dos recursos naturais. desenvolvimento material e aqueles que permaneceram
6.1. A Assembleia Geral do ICOM lança um apelo a fim à margem desta expansão; […] que [face os problemas
de: apoiar as iniciativas e medidas visando assegurar a colocados pelo progresso das sociedades no mundo con-
autonomia social, financeira e intelectual dos museus no temporâneo] a escolha das melhores soluções a serem
respeito das suas missões; tornar os museus mais atrac- adoptadas, e sua aplicação, […] exigem ampla e conscien-
tivos ao público em geral, transformando-se em lugares te participação e pleno engajamento de todos os sectores
dotados dum papel pedagógico que permitam apreciar, da sociedade.»
experimentar e aprender a partir da cultura e da natureza, Como planificar e continuar uma acção museológi-
tendo em conta a importância da salvaguarda do patrimó- ca participativa e de interacção com as comunida-
nio para as gerações futuras.» des, não apenas centrada na relação dos públicos
Os governos e as sociedades reconhecem actual- com o acervo do Ecomuseu, mas sim perspecti-
mente aos museus um importante papel, tanto pela vando o papel deste como agente de mudança e de
representatividade e diversidade dos seus acervos, desenvolvimento sustentado?
como pela estreita relação entre muitos desses mu- Graça Filipe
2008 ˙
Abr.Mai.Jun n.º 47 ˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙
EXPOSIÇÕES Para mais informações sobre Exposições e Notícias, consulte o site www.cm-seixal.pt/ecomuseu
Embarcações na inauguração da exposição Barcos, memórias do Tejo no Núcleo Naval do EMS, em Arrentela, Abril 2005
Exposição itinerante
MOINHOS DE MARÉ
DO OCIDENTE EUROPEU
1.º Encontro de Embarcações Tradicionais na Baía do Seixal - 2007 © EMS/CDI, António Silva, 2007
Datas e horários: 2, 3, 9, 10, 16, 17, 23, 24 e 30 © EMS/CDI, Sónia Bruno, 2007.
Ateliês Descobertas
matemáticas no bote-de-fragata Visitas temáticas A pé pelo Seixal
Exploração matemática de um barco tradi- Realização de percurso a pé pelo Seixal para
cional do Tejo, no decorrer de um passeio, observação, exploração e interpretação dos
focando aspectos relacionados com a na- testemunhos mais relevantes da história e do
vegação e realizando actividades com base património deste núcleo urbano antigo do Con-
nos motivos decorativos, moitões, cadernais celho.
e outros elementos existentes a bordo. Local: Núcleo Urbano Antigo do Seixal
Local: Bote-de-fragata Baía do Seixal Destinatários: turmas do ensino básico
Destinatários: turmas do ensino básico Data e horário: 2, 3, 9, 10, 16, 17, 23, 24 e 30 de
Datas e horários: 13, 26 e 27 de Maio, das Abril; 7, 8, 14, 15, 21, 28 e 29 de Maio; 4, 5, 11,
10 às 12h; 2, 3, 17, das 14h às 16h e 25 de 12, 18, 19, 25 e 26 de Junho, das 10h às 12h e
Junho, das 10h às 12h das 14.30h às 16.30h
Maio, Seixal)
O Ecomuseu Municipal é uma das instituições parceiras no projecto Conhecer e divulgar o patri-
mónio da nossa região, promovido no âmbito do Fórum Intermuseus do Distrito de Setúbal. Este
projecto tem como principal objectivo dar a conhecer o património cultural da região, através da
realização de um programa de visitas que, em 2008, abarca os concelhos do Barreiro e do Seixal,
com os seguintes percursos e calendário:
Concelho do Barreiro
Os participantes irão visitar a Quimiparque – Museu da Indústria, as reservas museológicas visi-
táveis da Câmara Municipal e o antigo bairro operário da CUF.
Destinatários: público juvenil e adulto
Data e horário: 10 de Maio e 7 de Junho
Concelho do Seixal
Os participantes irão visitar as exposições em exibição no Núcleo da Mundet e no Núcleo Naval
do Ecomuseu Municipal, passear no Tejo a bordo de uma embarcação tradicional à vela, realizar
um pequeno percurso a pé pelo Núcleo Urbano Antigo do Seixal e visitar a Igreja de Nossa Se-
nhora da Consolação, em Arrentela.
Destinatários: público juvenil e adulto
Data e horário: 1 e 15 de Junho
10 ˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙n.º 47˙Abr.Mai.Jun 2008
EM FOCO
Museus de temática marítima
Jornada realizada no Seixal e projectos de cooperação
Por iniciativa do Ecomuseu Municipal do Seixal (EMS), Esta jornada técnica teve como principais objec-
em parceria com o Instituto de Museus e da Conser- tivos:
vação – no âmbito da rede Portuguesa de Museus – e • O conhecimento de programas e projectos
com o Museu de Marinha, realizou-se no passado 28 museológicos sobre temática marítima, na pers-
de Fevereiro (2008), no Seixal, uma Jornada técnica pectiva da activação de trabalho e cooperação
de museus sobre temática marítima. em rede.
As sessões de trabalho tiveram lugar na sede da As- • A troca de experiências que potenciem a par-
sociação Náutica do Seixal. tilha de metodologias e de instrumentos de do-
cumentação e informação, de protecção e de
valorização de património marítimo, material e
Cartaz de divulgação da Jornada de Fevereiro 2008 imaterial.
© EMS/CDI, design gráfico Rita Neves-Oficina de Museus, Lda.
• A abordagem da relação e integração dos
programas e planos de acção dos museus ma-
rítimos em projectos que evidenciem a transver-
salidade entre património natural e património
cultural e que contribuam para a sustentabilida-
de ambiental.
Embarcações no Tejo © Arquivo de Imagem do Museu Na 3.ª sessão de trabalho da Jornada, intitulada
de Marinha.
Linhas de acção em rede, o Director do Museu
Municipal de Portimão, José Gameiro, deu a co-
nhecer alguns aspectos e mais-valias da experi-
ência em curso na Rede de Museus do Algarve,
enquanto rede de museus num âmbito não te-
mático, mas geográfico.
Foi bastante enfatizada por vários participantes a
importância da comunicação entre museus, con-
tribuindo para um melhor conhecimento mútuo,
assim como a necessidade de comunicação entre
museus e entidades com missões convergentes,
nomeadamente no que concerne a projectos de in-
vestigação sobre cultura marítima. Foi salientada
a necessidade de rentabilizar os meios e os canais
de divulgação existentes, devendo-se privilegiar
esta direcção de trabalho e de procura de coope-
ração, antes de se implementarem outros recursos
Na 2.ª sessão de trabalho, intitulada Património e para que possa não haver posteriores condições de
cultura marítima – que interlocutores para os museus sustentabilidade. Por parte do Ecomuseu Munici-
e que comunicação com os públicos?, foram propos- pal do Seixal (EMS), foi assumido o compromisso
tos os seguintes pontos de reflexão e de debate: de continuar a tentar dinamizar a comunicação e
- Parceiros actuais e potenciais com que os mu- formas de articulação ou de projectos em parceria,
seus desenvolvem acções ou podem construir sobre património e cultura marítima, abarcando os
projectos de valorização do património e da cul- museus e entidades que já corresponderam a este
tura marítimos. propósito comum, assim como a outras entidades/
- Por que formas os museus podem integrar ou /organizações que assumam de forma voluntária
promover a cultura marítima? a expectativa e interesse de participação numa
- Que meios e acções de comunicação e de di- estrutura reticular de temática marítima. A partir
vulgação sobre cultura marítima, dirigidos a que de Março, o EMS passará a divulgar com regula-
públicos-alvo? ridade entre as entidades presentes na Jornada
A apresentação do Museu de Vila do Conde – Al- de 28 de Fevereiro uma Informação sobre temática
fândega Régia/Núcleo de Construção Naval, pelo marítima. Se outras entidades desejarem recebê-
seu Director, António Ponte, ilustrou a funda- -la, basta que nos contactem ou a solicitem através
mentação da temática marítima de um museu, de e-mail.
a partir do conhecimento histórico, das carac- Graça Filipe
CONHECER
Trabalhadoras da oficina de Corkskin da Mundet
© EMS/CDI, Armindo Cardoso, 1977.
O papel de cortiça e as suas múltiplas aplicações são uma das facetas, ainda pouco conhecida, da versatilidade dessa
extraordinária matéria-prima que é a cortiça. A Mundet (Seixal), como “universidade da cortiça”, foi o principal, e
durante muitos anos único, centro onde esta especialidade da indústria corticeira floresceu em Portugal. Numa al-
tura em que o Ecomuseu Municipal do Seixal apresenta no seu núcleo da Mundet a exposição temporária Cortiça ao
milímetro, damos a conhecer o corkskin, um dos produtos laboriosa e milimetricamente obtido a partir da aplicação
do papel de cortiça, o qual, durante um período de duas décadas, se impôs no mundo da decoração de interiores, e
que hoje se encontra representado naquela exposição através de um conjunto de objectos do acervo do Ecomuseu
representativo desta aplicação da Mundet.
“O corkskin foi feito com todas as folhas que não mesmos passos que a produção das bobines:
serviam para papel [bobines]. Porque, para além depois da preparação da cortiça, esta era lami-
de fazer-se muita folha, milhares de folhas de nada em finas folhas, até 17 folhas por milíme-
papel, havia muitas que não se aproveitava nada. tro. Era a partir da escolha do papel em função
(…) Mas depois passou a ser aproveitado para co- da qualidade que as diferenças existiam.
lar no corkskin, porque o corkskin quanto mais A cola era aplicada no rolo de papel couché, que
daquelas folhas feias, velhas, podres, mais bo- duas mulheres faziam passar debaixo de um
nito ficava.” conjunto de lâmpadas, de forma a que o efeito
Eduardo Roque (2000) do calor secasse o papel o suficiente para que
ficasse no ponto certo para se proceder à cola-
Mesmo a lã de cortiça podia ser utilizada para o gem do papel de cortiça. Um inventário de 1971
efeito, colada em quantidades generosas sobre refere “1 posto de secagem de folhas com 69
os rolos de papel. lâmpadas”.
“(…) a folha vinha cheia de cola, depois espalha- “(…) a folha passava por baixo dessa ‘estufa’,
va-se aquilo (…) Aquela lã espalhava-se por cima dessas lâmpadas (...) era muita lâmpada, muita
da cola, a não ver cola nenhuma. Depois passa- lâmpada! (…) E depois quando chegávamos ao
va-se por um cilindro a calcar a lã (…)” fim a folha já estava seca. Às vezes a gente até
Eduardo Roque (2001) se queimava.”
Conceição Salvadinho (2007)
Utilizando o mesmo equipamento que produzia
Ilustração de produtos corkskin
o papel de cortiça para as bobines e o vasto co-
©EMS/CDI, Fundo documental Mundet.
nhecimento acumulado por centenas de traba-
lhadores, o corkskin, de novo, apenas exigia os
meios técnicos que permitissem a aplicação da
cola e a sua secagem prévia até atingir o ponto
adequado à colagem das folhas de papel de cor-
tiça sobre os rolos de papel couché.
“A gente trazíamos as folhas com cola e tudo,
como as nossas colegas tinham de dar a cola nas
auréolas, para espalhar aquilo tudo, e nós depois
com o nosso dedo fazíamos assim à folha [dar-
-lhe um toque], a ver se ela já estava enxuta. Se
ela desse um estalinho já estava bom.”
Conceição Salvadinho, trabalhadora nas secções
de escolha do papel e do corkskin (2007)
CONHECER
Corkskin: papel decorativo da Mundet, de ‘esmerada confecção artesanal’
Era natural que, a espaços, se pudesse per- quase 4 milhões de escudos, valor que dupli-
ceber a cor do papel de base. Existia mesmo cou em 1973, ano em que já teriam funcionado
o que se chamava os “abertos”, composição em pleno as duas novas linhas e em que este
geométrica de rectângulos de papel de cortiça produto ultrapassou pela primeira vez o valor
de diferentes dimensões sobre o papel couché, das vendas das bobines para os filtros dos ci-
deixando, propositadamente, os espaços entre garros, continuando o seu caminho ascendente
eles à vista. em 1974: quase 14 milhões e meio de escudos
A variedade de cores de papel, juntamente com de vendas, destinadas, fundamentalmente, ao
as variedades possíveis de cortiça, originavam mercado externo.
diferentes padrões. Os catálogos da Mundet Mas a terceira linha de produção prevista no
apresentam, em média, 24 padrões diferentes, projecto já não chegaria a ser construída e, à
com nomes atractivos, com referência a luga- entrada da década de 1980, já se dava conta
res internacionalmente reconhecíveis e so- de uma grande quebra de vendas. Sujeito aos
cialmente atractivos – Albufeira, Cascais, Se- desígnios da moda e não sendo um produto
simbra, Sintra, Cannes, Portofino, Portorosa, de primeira necessidade, era mais facilmente
Sanremo, etc. Aliás, o corkskin beneficiou de atingido pelo retraimento de consumos que se
um grande cuidado na preparação e lançamen- verificava.
to de catálogos, mostrando a existência de uma “O corkskin ficou a produzir meia dúzia de rolos,
atenção especial em relação aos mercados a mas não era com a intensidade que faziam em
que se destinava. Segundo afirmava Manuel de princípio.”
Oliveira Rebelo, o papel corkskin para a decora- Eduardo Roque, 2000
ção de paredes e embalagens de luxo era muito
procurado pelos mais exigentes decoradores, Ilustração de produtos corkskin
©EMS/CDI, Fundo documental Mundet.
sendo exportado em quantidades apreciáveis
para os diversos mercados, sobretudo Itália.
O Ecomuseu possui no seu acervo um largo
conjunto de amostras comerciais e de catálo-
gos, ilustrativos da qualidade e da variedade de
padrões que esta produção atingiu, depois de
uma primeira fase ainda com características
artesanais. Os requintes da produção chega-
ram a que se procedesse à realização de pintu-
ras sobre o corkskin, com repetição de padrões
e, extraordinariamente, pinturas manuais, que
supomos serem únicas, e que davam outro bri-
lho e requinte aos stand com que a Mundet se
apresentava nas exposições nacionais e inter-
nacionais.
O relativo sucesso desta produção levou a que,
uma década depois da criação da secção, se
pusessem em funcionamento as Novas Linhas
de Corkskin, nome por que ficou conhecido o
projecto de instalação das linhas de colagem
de corkskin em contínuo, no início da década de A mesma base técnica, com o aproveitamento
1970. À época, este produto deixava perspec- dos mesmos equipamentos, foi então tentada
tivar uma maior capacidade de penetração no na aplicação do papel de cortiça sobre supor-
mercado e uma maior rentabilidade, enquanto tes têxteis. E embora por mais do que uma vez
as bobines de papel para os filtros se restrin- se afirmasse o grande interesse em reanimar
giam aos cigarros de luxo. a secção, “pois ocupa muita mão-de-obra (ele-
Aproveitando um imóvel que sofrera um incên- vado valor acrescentado) e é um produto que
dio em 1965, foram construídas de raiz duas prestigia a empresa” [Relatório do Exercício de
linhas paralelas de colagem e acabamento de 1981], considerando-se o corkskin também vo-
corkskin, as quais beneficiavam de um espaço cacionado para outras aplicações, no domínio
bem mais amplo e de equipamentos mais mo- da decoração de interiores, de artigos de secre-
dernos, destacando-se as estufas eléctricas tária, revestimento de mobiliário, embalagens,
verticais, percorridas em contínuo, no seu inte- etc., a sua produção acabaria por acompanhar
rior, pelos rolos de papel. o declínio da Mundet.
Em 1971, o valor das vendas do corkskin foi de Carlos Carrasco
2008 ˙
Abr.Mai.Jun n.º 47 ˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙ 15
A Quinta da Trindade,
Imóvel de Interesse Público, no Seixal
As referências à existência de construções no lo- ga que fixou residência em Portugal, segundo
cal que actualmente corresponde a este imóvel projecto do arquitecto Jules Brunfaut, também
remontam pelo menos a 1468, época em que D. de nacionalidade belga. No edifício, conjuga-
Brites Pereira, viúva de Rui de Melo, Almirante ram-se as construções já existentes, das quais
de Portugal, adquiriu propriedades no Cabo da subsistem cantarias de portas e janelas e uma
Azinheira, entre as quais se incluía um lagar de escadaria monumental, com outros elementos
vinho e casas com uma torre, o que revela tra-
tar-se de uma construção de prestígio. Aquando Vista aérea do conjunto edificado da Quinta da Trindade.
© EMS/CDI, António Silva, 2005.
da sua morte, em 1483, a propriedade é deixada
em testamento a uma instituição monástica da
cidade de Lisboa: o Mosteiro da Ordem da San-
tíssima Trindade, consagrada ao resgate de cati-
vos cristãos capturados por muçulmanos.
Na sequência da extinção das ordens monásti-
cas masculinas, ocorrida em Portugal em 1834,
a Quinta da Trindade foi integrada na Fazenda
Nacional e vendida em hasta pública ao conse-
lheiro Joaquim Inácio de Lima. Desde então, co-
nheceu diversos proprietários, entre os quais se
contam Francisco Azevedo e Sá, presidente da
Câmara Municipal do Seixal em 1881, o Conde de
Farrobo, Jean Henri Burnay, Manuel Francisco
Gomes Júnior e Manuel Martins Gomes Júnior.
A residência da Quinta da Trindade tal como
hoje a conhecemos resulta de uma interven-
ção realizada na última década do século XIX,
promovida por Jean Henri Burnay, médico bel-
16 ˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙n.º 47˙Abr.Mai.Jun 2008
No final da década seguinte, a CAP possuía na (com excepção da fundição que foi desmontada)
Quinta uma fábrica de preparação e transfor- para dar apoio, tanto às instalações industriais
mação de cortiça (rolhas comuns e de cham- e respectiva maquinaria, então arrendadas à
panhe, discos e lã de cortiça) com central eléc- Mundet & C.ª, Lda., como às estruturas agríco-
trica privada e oficinas de apoio – forja manual las daquela Companhia.
e fundição, serralharia e oficina de reparação Os edifícios da Trindade destinaram-se então,
mecânica –, uma corporação particular de sobretudo, a depósito de cortiça e a armazém
bombeiros (1929-1937), uma cooperativa para de produtos acabados da Mundet para embar-
os seus sócios e um posto médico, e propor- que, quer no cais fluvial da Quinta, quer na vi-
cionava instrução escolar aos seus operários zinha estação de caminhos-de-ferro. No início
corticeiros e familiares. da década de 60, uma política empresarial de
No início dos anos 40, assistiu-se ao encerra- contenção de despesas levou a Mundet a pres-
mento da fábrica. Em Julho de 1940, a Direc- cindir do arrendamento do depósito da Trin-
ção-Geral da Indústria, apesar das restrições dade, a que se seguiu a venda das máquinas
impostas à laboração do seu equipamento téc- corticeiras pelos herdeiros de Manuel Martins
nico-industrial corticeiro, autorizou a CAP a re- Gomes Júnior, abandonando-se definitivamen-
abrir a fábrica de cortiça e as oficinas anexas te os interesses ligados a esta indústria na
de serralharia, forja e serração de madeiras Quinta da Trindade.
INVENTÁRIO DE PATRIMÓNIO CULTURAL IMÓVEL 1920 – Construção de uma fábrica de cortiça na Quinta
da Trindade (Companhia de Agricultura de Portugal), en-
REFERÊNCIA DE SÍTIO: CPS 00014 volvendo a adaptação da adega e a construção de novos
edifícios.
DESIGNAÇÃO: Quinta da Trindade 1922 – Construção do bairro operário da Companhia de
Agricultura de Portugal.
Localização administrativa: Seixal 1982 – Escritura de cedência realizada a 17 de Maio de
1982, concedendo à Câmara Municipal do Seixal parte
Localização geográfica: Folha CMP n.º 442 da área da Quinta da Trindade, onde se inclui um edifício
Carta DGSU/CMS n.º 442.2/4.3 apalaçado e outras dependências.
1982 – Alvará de licença de loteamento n.º 3/1982, de 2
Coordenadas: X = -83567; Y = -113233 de Julho.
1988 – Consolidação e protecção dos painéis de azulejo
Categoria de sítio: Arquitectura Civil existentes na propriedade, procedendo-se ao respectivo
levantamento gráfico no âmbito da Acção de Formação
Tipo de sítio: Quinta “Conservação e Restauro de Azulejos”, promovida pelo
Instituto do Emprego e Formação Profissional e pela Câ-
Cronologia: Idade Média, Moderna e Contemporânea. Em- mara Municipal do Seixal.
bora os edifícios sejam seculares, desconhece-se a data 1994 – Levantamento, descrição e inventário dos painéis
exacta da edificação das estruturas existentes. Já exis- de azulejo existentes.
tiam edificações no século XV. 1995 – Intervenção relacionada com os painéis de azulejo,
procedendo-se ao seu registo fotográfico, registo gráfico
Medidas de protecção: do estado de conservação, remoção mecânica de preen-
Imóvel Classificado de Interesse Público (Dec. n.º 516/71 chimentos a cimento, consolidação das áreas fragiliza-
de 22 de Novembro), que abrange apenas a residência. No das, limpeza e desalinização.
jardim, existe um dragoeiro, classificado como de Interes- 1998 – Intervenção da Câmara Municipal do Seixal: levan-
se Público pelo Instituto Florestal por aviso n.º 276/96 de tamento arquitectónico da residência e recuperação de
28 de Novembro. coberturas.
1999 – Recuperação da residência do caseiro e levanta-
Descrição sumária: Habitação burguesa integrada em mento fotográfico do tecto de madeira policromada.
propriedade agrícola abrindo para o Tejo, inicialmente 2000 – Recuperação e estudo do tecto de madeira poli-
com cais de embarque privativo. Marcada por um gosto cromada.
ecléctico presente na integração de cantarias de portas e 2001 – Alvará de licença de loteamento n.º 21/2001, de 6
janelas, da estrutura da escadaria e de lambris de azule- de Dezembro (de alteração ao alvará de licença de lotea-
jos, possivelmente adquiridos na sequência da demolição mento n.º 3/1982, de 2 de Julho).
de edifícios de várias épocas, foi reconstruída no final do
século XIX por iniciativa de Jean Henri Burnay, segundo Tipo de uso: Propriedade municipal, aí se encontrando
projecto do arquitecto belga Jules Brunfaut, integrando instalado um núcleo do Ecomuseu Municipal do Seixal,
edificações anteriores. onde funcionam os Serviços de Arqueologia, de Conser-
O edifício adapta-se ao desnível do terreno, com cober- vação e Inventário.
turas diferenciadas em telhado com beiral; possui várias
chaminés, uma delas de forma cilíndrica revestida de Bibliografia principal:
azulejos. Agricultura e Espaços rurais no concelho do Seixal, Câ-
Foi dotado de uma escada interior, de aparato, com vá- mara Municipal do Seixal / Ecomuseu Municipal, 1992.
rios lances separados por patamares. Nas paredes das ALBERTO, Edite, A Quinta da Trindade. História da Ordem
divisões interiores, incluindo a escadaria, existem lambris da Santíssima Trindade no Seixal, Câmara Municipal do
de azulejos quinhentistas, seiscentistas e setecentistas. Seixal, 1999.
Foram igualmente aplicados azulejos no jardim, no muro, CARDOSO, Pe. Luís, Dicionário Geográfico, tomo I, 1747,
ao lado da antiga casa de fresco, uma construção de plan- pp. 592-597.
ta quadrada e cobertura em telhado de quatro águas, cujo Carta Histórica do Concelho do Seixal, Seixal, Câmara
piso inferior dava acesso a um cais fluvial que servia a Municipal do Seixal, 1985.
quinta. Uma das salas apresenta um tecto de caixotões COSTA, Américo, Diccionario Chorographico de Portugal
octogonais de madeira, com pintura policromada. Continental e Insular, Hidrographico, Orographico, Bio-
Desde pelo menos o século XV são conhecidas referências graphico, Archeologico, Heraldico, Etymologico, vol. XI,
à existência de edificações neste local, as quais terão sido Porto, Tipografia Domingos d’ Oliveira, 1929, pp. 171-173.
posteriormente doadas à Ordem da Santíssima Trindade. DUARTE, Ana Luísa, “As Idades da Vida. Colecção de Azu-
Na sequência do Terramoto de 1755, terão sido realiza- lejaria da Quinta da Trindade” in Ecomuseu Informação,
das obras sobre as quais não dispomos de informação. n.º 29, Outubro-Dezembro de 2003, pp. 7-8.
Existia então uma capela dedicada a Nossa Senhora da DUARTE, Ana Luísa; MANGUCCI, Celso, “Azulejos - quem
Boa Viagem. os cuida?” in Al-Madan, IIª série, n.º1, 1992, pp. 69-73.
Na primeira metade do século XX, supõe-se que Manuel Inventário Geo-Referenciado do Património da Área Me-
Martins Gomes Júnior tenha procedido a obras de adap- tropolitana de Lisboa, Lisboa, Junta Metropolitana de
tação no espaço da propriedade, algumas das quais rela- Lisboa, 2002.
cionadas com a instalação de equipamentos industriais. MANGUCCI, António Celso, Metamorfoses, Ordem, Eru-
De facto, a Companhia de Agricultura de Portugal, funda- dição. A Iconografia das pinturas mitológicas no tecto da
da em 1920, aproveitou para a sua instalação algumas das Quinta da Trindade, Câmara Municipal do Seixal / Ecomu-
construções existentes na propriedade, nomeadamente seu Municipal, 2003.
a adega, construindo igualmente novos edifícios para a NABAIS, António, História do Concelho do Seixal. Crono-
instalação de diversas oficinas e armazéns relacionados logia, 2.ª ed., Seixal, Câmara Municipal do Seixal, 1982.
com a indústria corticeira. Em 1922, foi edificado o bairro Património Arquitectónico e Arqueológico Classificado.
operário da Companhia de Agricultura de Portugal. Inventário, vol. III, Lisboa, IPPAR, 1993, p. 23.
PAULO, Eulália de Medeiros; GUINOTE, Paulo, A Banda
Síntese de intervenções: D’Além do Tejo na História. Roteiro Histórico da Mar-
Após 1755 – Obras realizadas na sequência das destrui- gem Sul do Estuário do Tejo das Origens ao Fim do An-
ções provocadas pelo terramoto. tigo Regime, Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da
Final do século XIX - Obras promovidas pela família Bur- Educação para as Comemorações dos Descobrimentos
nay, segundo projecto do arquitecto belga Jules Brun- Portugueses, 2000.
faut. “O tecto de madeira policromada da Quinta da Trindade”
1913 – Contrato de expropriação amigável entre Manuel in Ecomuseu Informação, n.º 16, Julho-Setembro de 2000,
Martins Gomes Júnior, proprietário da Quinta da Trinda- p. 9.
de, e a Direcção dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste
de uma faixa de terreno pertencente à propriedade, des- Inventariante: Ana Cláudia Silveira
tinada à construção da linha de caminhos-de-ferro entre
o Barreiro e Cacilhas. Data de inventariação: Abril de 2004
1914 – Novo contrato de expropriação entre as mesmas
entidades e pelo mesmo motivo. Data de actualização: Março de 2008
2008 ˙
Abr.Mai.Jun n.º 47 ˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙ 19
(*) Necessária inscrição para participar nestas iniciativas, telefonicamente junto do Serviço
AGENDA
Educativo do Ecomuseu, ou preenchendo e enviando a ficha de inscrição distribuída com este
boletim, ou ainda através de inscrição pela Internet, em www.cm-seixal.pt/ecomuseu.
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Vale de Milhaços, Corroios