Integração e Interdisciplinaridade

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integrao e

interdisciplinaridade
no ensino brasileiro
Efetividade ou ideologia

Ivani Catarina Arantes Fazenda

integrao e
interdisciplinaridade
no ensino brasileiro
Efetividade ou ideologia

Capa: Viviane Bueno Jeronimo


Diagramao: So Wai Tam
Reviso: Renato Rocha

Edies Loyola Jesutas


Rua 1822, 341 Ipiranga
04216-000 So Paulo, SP
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escrita da Editora.

ISBN 978-85-15-00506-2
6 edio: ________________________ de 2011
EDIES LOYOLA, So Paulo, Brasil, 1979

Sumrio

Nota introdutria.................................................................................................................................................

Apresentao...............................................................................................................................................................

13

Prefcio nova edio......................................................................................................................................

17

Prefcio da primeira edio.......................................................................................................................

31

Introduo. ....................................................................................................................................................................

43

CAPTULO I
Gnese e formao do conceito de interdisciplinaridade....................................

51

. ........................................................
interdisciplinarid
52
Concepes
atuais de
56
1.1.1. A anlise emprica de Heinz Heckhausen...............................................
60
1.1.2. A anlise formal de Boisot.........................................................................................
65
1.1.3. A anlise socioantropolgica de Jantsch.................................................
......................................................................................................................................................

69
1.2. Concluses.
Concluses

1.1. Concepes atuais de interdisciplinaridade.

CAPTULO II
Utilidade, valor e aplicabilidade da interdisciplinaridade..................................
2.1. Como meio de conseguir uma melhor formao geral.
2.2. Como meio de atingir uma formao profissional.
2.3. Como incentivo formao de pesquisadores .
2.4..
2.5. Como superao da dicotomia ensino-pesquisa.
2.6. Como forma de compreender e modificar o mundo.
2.7. Integrao como necessidade e interdisciplinaridade.
2.8. Concluses.

...........................

Como meio

73

74conseguir um
de
76
atingir
uma form
Como incentivo formao de pesq
77
e de pesquisas...............................................................................................................................................
89
Como condio para uma educao permanente..........................................
.............................................
da80
Como
superao
dicotomia ens
.Como
................................
de81
forma
compreender e
.............................. como
82 necessidade
Integrao
......................................................................................................................................................

84
Concluses
......................................
Como meio de

CAPTULO III

A efetivao da interdisciplinaridade: obstculos e possibilidades.......


87
........................................................

88 e instrucion
3.1. Obstculos epistemolgicos e instrucionais.
Obstculos epistemolgicos
3.2. Obstculos psicossociolgicos e culturais.
Obstculos psicossociolgicos
..............................................................

91 e culturais
3.3. Obstculos metodolgicos.
Obstculos metodolgicos
.........................................................................................................

92
3.4. Obstculos quanto formao.
Obstculos quanto formao
.............................................................................................
93
3.5. Obstculos materiais.
Obstculos materiais
. ........................................................................................................................

94
3.6. Concluses.
Concluses
......................................................................................................................................................
95

CAPTULO IV

Sistematizao das determinaes legais referentes


ao ensino brasileiro quanto aos aspectos: integrao
97
e interdisciplinaridade. ...................................................................................................................................
4.1. Objetivos e contedo do ensino de 1 e 2 graus: .
Objetivos e contedo do ensino de
98
legislao federal......................................................................................................................................
4.2. Currculo e matrias do ensino de 1 e 2 graus: .
Currculo e matrias do ensino de 1
legislao federal...................................................................................................................................... 100
4.3.. Integrao das matrias do ensino de 1 e 2 graus:
legislao federal...................................................................................................................................... 104
.................. de
107
4.4. Ensino de 1 e 2 graus: legislao estadual de So Paulo.
Ensino
1 e 2 graus: legi
..................................
grau:
110 legislao esta
4.5. Ensino de 2 grau: legislao estadual de So Paulo.
Ensino de 2
111municipal
4.6. Ensino de 1 grau: legislao municipal .
Ensino
de
So Paulo
de 1............................
grau: legislao
4.7. Formao de professores para o ensino de 1 grau: .
Formao de professores para o e
legislao federal...................................................................................................................................... 114
.Ensino
..................................................................................
117
4.8. Ensino superior: legislao federal.
superior: legislao federal
. .......................................................................
118 federal
4.9. Curso de pedagogia: legislao federal.
Curso de pedagogia: legislao
.............................
123 de 1 grau do
4.10. Guias curriculares de 1 grau do estado de So Paulo.
Guias
curriculares
4.11.. Concluses...................................................................................................................................................... 126

CAPTULO V

Relacionamento crtico dos aspectos tericos


com as diretrizes legais.................................................................................................................................... 131
5.1. Quanto conceituao.
Quanto conceituao
....................................................................................................................
131
5.1.1. A ausncia de um consenso conceitual...................................................... 132
5.1.2. A utilizao indevida de termos. ........................................................................ 134
............
135
5.2. Quanto ao valor e aplicabilidade da interdisciplinaridade.
Quanto
ao valor e aplicab
5.3.. Quanto s possibilidades de efetivao da interdisciplinaridade........ 139
5.3.1. Estrutura curricular fechada................................................................................... 139
5.3.2. Idealizaes utpicas........................................................................................................ 142
............
142
5.3.2.1. Utpicas quanto s expectativas curriculares.
Utpicas
quanto s expect
5.3.2.2. Utpicas quanto s expectativas de trabalho .
Utpicas quanto s expec
dos professores................................................................................................. 143

5.3.2.3. Utpicas quanto proposta de integrao .

Utpicas quanto propo


para a interdisciplinaridade. ............................................................ 145
5.3.2.4. Utpicas quanto proposta de .
Utpicas quanto proposta de
interdisciplinaridade nas Universidades.......................... 146
5.4. A omisso dos Guias Curriculares de 1 grau quanto aos .
A omisso dos Guias Cur
aspectos integrao e interdisciplinaridade.......................................................... 146

CAPTULO VI

Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade
na formao de professores....................................................................................................................... 149
6.1. Interdisciplinaridade na formao de professores.
Interdisciplinaridade
........................................
149 na formao
.....................................
157 na forma
6.2. Transdisciplinaridade na formao de professores.
Transdisciplinaridade
..................................................................................
160
6.3. Reflexes finais a serem discutidas.
Reflexes
finais a serem discutidas
Concluso. ......................................................................................................................................................................

161

Bibliografia....................................................................................................................................................................

165

Nota introdutria

ealizar um trabalho sobre interdisciplinaridade no ensino


tornou-se particularmente necessrio, na medida em que
um tema bastante atual e controvertido na Europa e Estados
Unidos enquanto no Brasil admitido como possibilidade
para uma sistematizao da educao. Tal situao suscita a
necessidade de uma investigao mais acurada e de uma anlise mais atenta do significado dessa interdisciplinaridade.
A busca de uma bibliografia especializada no assunto, revelou a ausncia de textos nacionais ou estrangeiros nas principais bibliotecas e livrarias de So Paulo e Rio de Janeiro. To
somente, a partir do lanamento de Interdisciplinaridade e pato
logia do saber, por H. Japiass, pdese conhecer a bibliografia
estrangeira existente, cuja pronta obteno s foi possvel graas gentileza desse autor em precisar as fontes e ceder alguns
textos mais raros para xerox.
Com reflexes a respeito da terminologia, motivaes e
possibilidades da interdisciplinaridade iniciouse um dilogo,
que permaneceu durante todo o desenrolar do trabalho, com
Georges Gusdorf, cuja vida profissional tem sido exemplo de

uma luta contnua em favor de uma interdisciplinaridade no


ensino.
As questes metodolgicas e os prrequisitos tericos
indispensveis para a elaborao desta investigao foram discutidos com Geraldo Tonaco e Lady Lina Traldi.
Quanto parte de Legislao, ela s se tornou realizvel graas ao apoio recebido do Centro de Documentao da
Faculdade de Educao da USP, ao permitir a investigao em
seus arquivos e fichrios.
No trabalho de reviso, pdese contar com o incentivo e
colaborao de Katia Issa Drgg.
Nelly Menndez de Monn, com sua luta em Buenos Aires
para instaurao de uma interdisciplinaridade no ensino superior, foi um apoio amigo e constante.
Cabe aqui um agradecimento especial a Antnio Joaquim
Severino, por sua orientao, estmulo, amizade e dedicao
constantes, seja na discusso dos problemas tratados ou na indicao de novos caminhos.
Com o objetivo de iniciar o leitor mais prontamente na
linha de raciocnio aqui desenvolvida, optouse por uma apresentao prvia do significado dos principais termos ento utilizados: interdisciplinaridade, integrao e interao.

Interdisciplinaridade: uma questo de atitude


A interdisciplinaridade vem sendo utilizada como panaceia para os males da dissociao do saber, a fim de preservar
a integridade do pensamento e o restabelecimento de uma ordem perdida.
Antes que um slogan, uma relao de reciprocidade,
de mutualidade, que pressupe uma atitude diferente a ser
assumida diante do problema do conhecimento, ou seja, a

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Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

substituio de uma concepo fragmentria para unitria do


ser humano.
uma atitude de abertura, no preconceituosa, em que
todo o conhecimento igualmente importante. Pressupe o
anonimato, pois o conhecimento pessoal anula-se diante do
saber universal.
uma atitude coerente, que supe uma postura nica
diante dos fatos, na opinio crtica do outro que se fundamenta a opinio particular. Somente na intersubjetividade,
num regime de copropriedade, de interao, possvel o dilogo, nica condio de possibilidade da interdisciplinaridade.
Assim sendo, pressupe uma atitude engajada, um comprometimento pessoal.
A primeira condio de efetivao da interdisciplinaridade o desenvolvimento da sensibilidade, neste sentido tornandose particularmente necessria uma formao adequada que
pressuponha um treino na arte de entender e esperar, um desenvolvimento no sentido da criao e da imaginao.
A importncia metodolgica indiscutvel, porm necessrio no fazer dela um fim, pois interdisciplinaridade no
se ensina nem se aprende, apenas vivese, exerce-se e, por isso,
exige uma nova pedagogia, a da comunicao.

Integrao: um momento na interdisciplinaridade


A integrao referese a um aspecto formal da interdisciplinaridade, ou seja, questo de organizao das disciplinas
num programa de estudos.
Admitindose que interdisciplinaridade seja produto e
origem, isto , que para efetivamente ocorrer seja necessrio
essencialmente existir, ou melhor, que a atitude interdisciplinar seja uma decorrncia natural da prpria origem do ato de
Nota introdutria

11

conhecer, necessria se faz num plano mais concreto sua formalizao, e, assim sendo, podese dizer que necessita da integrao das disciplinas para sua efetivao.
Entretanto, essa integrao no pode ser pensada apenas
no nvel de integrao de contedos ou mtodos, mas basicamente no nvel de integrao de conhecimentos parciais, especficos, tendo em vista um conhecer global.
Pensar a integrao como a fuso de contedos ou mtodos, muitas vezes significa deturpar a ideia primeira de
interdisciplinaridade.
Interao: condio de efetivao da interdisciplinaridade. Pressupe uma integrao de conhecimentos visando novos questionamentos, novas buscas, enfim, a transformao
da prpria realidade.

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Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Apresentao

vani Catarina Arantes Fazenda um dos nomes mais respeitados no campo da Educao deste pas, sem perder de vista
a cientificidade, o dilogo presente em seus estudos, a leveza
na explanao de suas ideias. As palavras colocadas em suas
obras so um convite aos educadores para inovar suas teorias
e aes pedaggicas no cotidiano escolar. Graas a sua extensa produo na rea de pesquisa educacional, com nfase em
ensino-aprendizagem, seus interlocutores nacionais e internacionais reconhecem-na como representante brasileira da
Interdisciplinaridade (Casa em Revista, 2010, p. 4).
com serenidade, amizade, humildade que escrevo para
uma amiga, a que me ensinou a ser uma educadora melhor,
mais comprometida, mais serena e mais humilde.
Desde o primeiro momento em que fui abraada por ela,
pude perceber a importncia do afeto, do compartilhar. Ivani
pura emoo e toca a todos com simplicidade e acolhimento.
Abre espao a todos com quem est. , sem dvida, a
pessoa mais generosa que conheo porque no tem medo de
inovar, de aceitar nem de viver. Incentiva parcerias, encontros,

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construes, desenvolvimento. Aciona metforas e, em seus livros, permite a participao de pesquisadores que tm neles a
voz manifestada.
Neste momento, juntamente com todos os pesquisadores
do Gepi e seus orientandos, manifesto nosso carinho, agradecimento e reconhecimento.
Atrevo-me a escrever, na abertura deste livro, a representao
do que ela significa para todos ns, seus amigos e pesquisadores.
Para ela o valor da palavra a grande marca da poca, perceber sua articulao, cuidado no dizer e a necessidade de ouvir, seu sentido pronunciado como forma de metamorfose, de
regenerao. Ousarei deixar para ela o sentido da metfora do
amor, energia mxima do desenvolvimento do ser.
Querida amiga Ivani
Como difcil revelar nossas descobertas! Como bom
poder agradecer quelas pessoas que esto em nosso caminho nos ajudando a crescer e reconhecer seu valor. Assim so
nossas emoes, elas nos acompanham para que nossa vida se
ilumine. E eu s posso agradecer por tudo o que os encontros
me proporcionam. Voc afirma que as pessoas so ricas em histrias, mas a maioria tem dificuldade em cont-las. Quando
isso acontece porque do o melhor de si. Essas palavras confirmam as angstias vividas por aqueles que no conseguiram mostrar-se verdadeiramente durante o processo da vida.
Quando as pedras so bem lapidadas, tratadas com carinho o
resultado surge, o brilho vem, os diamantes despontam para
brilhar. No posso ter medo de ser comum, sou assim, revelome, sou um ser em construo. Conhecer, reconhecer, refletir,
assim acontece com tudo aquilo que recebo de informaes.
Hoje, no h sentido no buscar sem lgica, quero apreender
tudo, dentro do meu tempo. O mesmo carinho e amor presentes em voc, pessoalmente ou em seus escritos, demonstro

14

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

neste momento. Sinto-me muito vontade de dizer-lhe isso.


Fui abraada por voc, que sabiamente permitiu que eu me
destitusse de meus ranos agonizantes e crescesse. Voc respeitou meus sentimentos, o meu tempo exato da descoberta.
Voc ajudou em minha construo, deu-me a oportunidade
de me revelar. Quero ensinar, aprender a ouvir e viver... O viver
que me aguarda, cheio de incertezas. A voc meu carinho, meu
reconhecimento e minha admirao, porque a cada dia posso
aprender mais para me transformar.
Ana Maria Ramos Sanchez Varella

Apresentao

15

Prefcio nova edio


Ivani Catarina Arantes Fazenda1

trinta anos, quando iniciei meus estudos sobre Inter


disciplinaridade na formao de educadores, falar desse
assunto era um sacrilgio. Infelizmente, por desconhecimento de alguns, essa prtica, embora fecunda, ainda vista como
difcil.
Certamente nesses dois atributos fecunda e difcil
existe um paradoxo. Tentarei neste ensaio esclarec-lo.
Para compreender o sentido de fecundidade, haveria a necessidade de reportarmo-nos aos seus primrdios.
Recentemente, em um dilogo promovido pelo Grupo
de Estudos e Pesquisa em Interdisciplinaridade (Gepi) da
PUC-SP, com Hilton Japiass, o precursor dos estudos sobre

1. Professora titular de Ps-graduao em Educao Currculo PUC-SP,


onde coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Interdisciplinaridade
(Gepi), credenciado no CNPQ e na Unesco. mestre em Filosofia da
Educao pela PUC-SP, doutora em Antropologia pela USP, livre docente em Didtica pela Unesp e membro da Academia Paulista de Educao
cadeira 37. Demais publicaes da autora encontram-se no site http//:
www.pucsp.br/gepi

17

Interdisciplinaridade no Brasil, pude compreender melhor os


alicerces iniciais de seus estudos, e, pretendo sumariar certos
aspectos apenas para resolver parte do paradoxo: fecundidade.
Quando Hilton Japiass decidiu investigar a Interdiscipli
naridade, ele frequentou durante dois anos o espao onde a
Teoria da Interdisciplinaridade estava sendo gestada, o laboratrio de Jean Piaget. Nessa convivncia, a difcil arte de compreender a discusso que pairava entre os acadmicos que estudavam com Piaget, no final da dcada de 1960, sobre o valor
do conhecimento especfico das cincias e a possibilidade de
extrapolar os limites destas. Aps longa investigao sobre a
complexidade dos limites das cincias, numa atitude de liberao das amarras que impediam o afrouxamento das fronteiras,
Piaget cria o conceito de transdisciplinaridade, imaginando
com ele, a possibilidade de transgresso dos principais paradigmas fechados das cincias convencionais da poca. No
cabe aqui a retrospectiva desse debate, aprofundado em textos
anteriores.
A cincia convencional que vinha sendo colocada em
questo passa a ser questionada na Escola, nas disciplinas que
ento se organizavam, e com elas o currculo.
Toda pesquisa fronteiria passa a fazer sentido e a ortodoxia cientificista passa a ser secundarizada em nome de uma
pesquisa interdisciplinar, na qual o espao entre as disciplinas
conquistado, numa expresso de Gusdorf em carta pessoal
forando o espao para colocar sua cadeira em prol de uma
existncia mais humana.
Depois desse encontro com Japiass, investigando aspectos que para mim ainda eram nebulosos, ativo minha memria
ao inicio da dcada de 1970, verificando situaes de poca, nas
quais os adeptos de uma abertura de fronteiras pagaram com a
vida acadmica, mais ou menos como Scrates, que preferiu
tomar cicuta a sucumbir ao direito de um pensamento livre.

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Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Certos acadmicos foram colocados margem da Academia,


entre eles Georges Gusdorf que, como Piaget, foi precursor nos
estudos da Interdisciplinaridade.
Entretanto, os escritos de poca permaneceram extremamente fecundos, e essa fecundidade propicia-nos hoje, no ainda sem dificuldades, exercer a Interdisciplinaridade.
Gusdorf foi, entre todos os mencionados, o meu mestre e
o de Japiass. Seu legado uma coleo de mais de trinta livros
(todos com mais de mil pginas) sobre a histria das Cincias
e os embates vividos na superao de suas fronteiras. Suas ltimas obras so expresses autnticas de que o Romantismo foi
o movimento mais vibrante na recuperao da essencialidade
do Homem fundamento de toda e qualquer Cincia.
Compreender a essencialidade do ser em sua magnificente subjetividade foi at uma dcada atrs visto por, felizmente,
um nmero reduzido de educadores como coisa menor acredito hoje que esse descaso ou preconceito deveu-se mais ao desconhecimento da profundidade do conhecimento armazenado pelos tericos fundantes da Interdisciplinaridade. No caso
de Gusdorf, por exemplo, penso que, no fosse pelas Edies
Payot, hoje no poderamos acessar seu legado.
Marginalizado na Academia, execrado por muitos, Gusdorf
manteve-se no anonimato, escrevendo, dialogando com autores que, como ele, tambm tiveram suas cabeas a prmio ao
longo da Histria; dialogando solitariamente, evidenciando em
cada pargrafo de sua obra as possibilidades de transformao
de uma noiesis em uma poiesis, parodiando Aristteles.
Gusdorf acreditava que, assim como Japiass no prefcio
da primeira edio deste livro (1979): mais vale uma cabea
bem formada, do que uma cabea deformada pelo indevido
acmulo de saber intil. Acreditava tambm que o mais importante a coerncia entre palavras e fatos. De nada vale um
Prefcio nova edio

19

educador que prega, mas no procede de acordo com seu discurso. Dizia mais, que, apesar de toda crise que vivenciamos
moral, social, pessoal , existem sempre ilhas de Paz onde o
homem pode refugiar-se nos momentos de maior desesperana, e a virtude da fora que supera estar no encontro dessas
ilhas de Paz, construdas no interior de cada ser, de cada cultura, de cada sociedade.
Nessas ilhas repousam os talentos adormecidos, so mirades de calmaria que nos revelam o mais pleno sentido do
existir; so ilhas de possibilidade, onde as rupturas so sempre
bem-vindas, porque possveis construtoras de um mundo melhor, mais justo, mais equilibrado.
Hoje, 2011, trinta anos so passados e a Teoria da Interdis
ciplinaridade invade a Academia. Centros de Referncia como
o Centro de Interveno Educativa (Crie), no Canad, presi
dido por Ives Lenoir; o Centro Universitrio de pesquisas In
terdisciplinares em Didtica (Cirid), na Frana, presidido por
M. Sachot; as investigaes nos Estados Unidos, tuteladas
por Julie Klein, na Blgica, por Gerard Fourez e, no Brasil, o
Grupo de Estudos e Pesquisa em Interdisciplinaridade (Gepi
da PUC-SP) armazenam uma produo de quase cinco mil pesquisas. Fecunda produo terica, porm difcil de ser implementada; porque infelizmente o rito das cabeas deformadas
pelo acmulo de contedos ainda impera.
No Canad e nos Estados Unidos, essas pesquisas tm
sido fundamento das Reformas Educacionais e os efeitos j se
fazem sentir no acompanhamento de seus resultados e nas formas diferenciadas de interveno.
No Brasil, infelizmente, elas ainda no so muito conhecidas, o que reduz o produto a algumas experincias esparsas em
alguns sistemas pblicos municipais e certas instituies particulares que somente agora atentam para seu valor. Embora,
as polticas pblicas, em suas diretrizes continuem apontando

20

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

para a problemtica da Interdisciplinaridade, elas ignoram


toda a produo na rea (c pesquisas concludas) que coloca
o Brasil como Centro de Referncia Mundial nas questes da
Interdisciplinaridade; reconhecido pela Unesco.
O que queremos dizer com isso que, para viver a Interdis
ciplinaridade necessrio, antes de mais nada, conhec-la, em
seguida pesquis-la, posteriormente, definir o que por ela se
pretende, respeitando as diferenas entre uma formao pela
ou para a Interdisciplinaridade.
Outra questo que se faz necessrio compreender
a do que estamos tratando: de uma Interdisciplinaridade
Profissional, Cientfica ou Escolar? Existem variaes j pesquisadas para cada um desses aspectos. H cuidados que devemos ter ao trabalhar em cada dimenso. Trata-se de um conceito extremamente polissmico e, portanto, possvel causador
de equvocos em sua compreenso e consequente aplicao.
No Brasil, conceituamos Interdisciplinaridade por uma
nova atitude diante da questo do conhecimento, da abertura
compreenso de aspectos ocultos do ato de aprender e dos
aparentemente expressos, colocando-os em questo.
Exige, portanto, profunda imerso no trabalho cotidiano,
na prtica.
A metfora que a subsidia, determina e auxilia na sua efetivao a do olhar; metfora essa que se alimenta de natureza
mtica diversa.
Cinco princpios subsidiam uma prtica docente interdisciplinar: humildade, coerncia, espera, respeito e desapego.
Alguns atributos so prprios, determinam ou identificam esses princpios. So eles a afetividade e a ousadia que impelem s trocas intersubjetivas, parcerias.
A Interdisciplinaridade pauta-se em uma ao em movimento. Esse movimento pode ser percebido em sua natureza
ambgua. tendo a metamorfose a incerteza como pressuposto.
Prefcio nova edio

21

Todo projeto interdisciplinar competente nasce de um


locus bem delimitado, portanto, fundamental contextualizarse para poder conhecer. A contextualizao exige uma recuperao da memria em suas diferentes potencialidades, portanto, do tempo e do espao no qual se aprende.
A anlise conceitual facilita a compreenso de elementos
interpretativos do cotidiano. Para tanto, necessrio compreender a linguagem em suas diferentes modalidades de expresso e comunicao; uma linguagem reflexiva, mas sobretudo corporal.
Alguns dos principais eventos em educao no Brasil e em
Portugal, no final da dcada de 1990 e nesta dcada, vm contando com a participao de professores e alunos desse grupo
brasileiro em seus simpsios, mesas redondas, painis, conferncias, bem como em sua organizao, ou seja, sempre que a
Interdisciplinaridade na educao requerida.
Apesar de as publicaes sobre reformas curriculares no Brasil apresentarem forte tendncia em privilegiar a
Interdisciplinaridade, buscando caracterizar os enfoques que
visam a reorganizao de modelos conceituais e operacionais
associados a concepes ligadas ao sistema convencional das
disciplinas cientficas, existem outros modelos organizacionais
que partem de princpios diversos procurando romper com essas concepes, idealizando outros modelos organizacionais.
Existe grande confuso em torno de qual seria a melhor dessas hipteses. Sintonizamo-nos com a proposta do Colquio
de Sherbrooke em vrios de seus aspectos, que aqui tomamos
como nossos .
No limiar do sculo XXI e no contexto da internacio
nalizao caracterizada por intensa troca entre os homens, a
Interdisciplinaridade assume papel de grande importncia. Alm
do desenvolvimento de novos saberes, a Interdisciplinaridade
na educao favorece novas formas de aproximao da realidade

22

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

social e novas leituras das dimenses socioculturais das comunidades humanas.


A formao na educao pela e para a Interdisciplinaridade
se impe e precisa ser concebida sob bases especficas, apoiadas
por trabalhos desenvolvidos na rea, referendados em diferentes cincias que pretendem contribuir desde as finalidades particulares da formao profissional at a atuao do professor.
A formao Interdisciplinaridade (enquanto enunciadora de
princpios) pela Interdisciplinaridade (enquanto indicadora de
estratgias e procedimentos) e para a Interdisciplinaridade (enquanto indicadora de prticas na interveno educativa) precisa ser realizada de forma concomitante e complementar. Exige
um processo de clarificao conceitual que requer alto grau de
amadurecimento intelectual e prtico, uma aquisio no processo reflexivo que vai alm do simples nvel de abstrao, mas
requer a devida utilizao de metforas e sensibilizaes.
Os fundamentos conceituais advindos dessa capacidade
adquirida influiro na maneira de orientar tanto a pesquisa
quanto a interveno do professor-pesquisador que recorrer
Interdisciplinaridade.
Muito mais que acreditar que se aprende a Interdiscipli
naridade praticando-a ou vivendo-a, estudos mostram que
uma slida formao Interdisciplinaridade encontra-se extremamente acoplada s dimenses advindas de sua prtica
em situao real e contextualizada.
Conhecer o lugar de onde se fala condio fundamental
para quem necessita investigar como proceder ou como desenvolver uma atitude interdisciplinar na prtica cotidiana.
Entraves de natureza poltica, sociocultural, material e
pessoal podem ser mais bem enfrentados quando se adquire
uma viso da poltica educacional em seu desenvolvimento
histrico-crtico. Para tanto, a pesquisa interdisciplinar pretende investigar no apenas os problemas ideolgicos a ela
Prefcio nova edio

23

subjacentes, mas tambm o perfil disciplinar que a poltica e a


lei imprimem em todas suas as nuanas. A partir de uma leitura disciplinar cuidadosa da situao vigente, possvel antever
a possibilidade de mltiplas outras leituras. O que queremos
dizer que a Interdisciplinaridade permite-nos olhar o que no
se mostra e intuir o que ainda no se consegue, mas esse olhar
exige uma disciplina prpria, capaz de ler nas entrelinhas.
Outro aspecto a ser salientado a necessidade de privilegiar o encontro com o novo, com o inusitado em sua revisita
ao velho. O recurso memria em toda a sua polissemia algo
difcil de ser realizado, requer estratgias prprias, a criao de
novas metodologias, a metamorfose de metodologias j consagradas como, por exemplo, as histrias de vida ou outras pouco exploradas como a investigao hermenutica.
Para isso, faz-se necessrio um cuidado epistemolgico,
metodolgico, na utilizao de metforas e nas intervenes.
A troca com outros saberes e a sada do anonimato, caractersticas dessa forma especial de postura terica, tm de ser
cautelosas, exigem pacincia e espera, pois esta se traveste da
sabedoria, na limitao e na provisoriedade da especializao
adquirida.
A trilha interdisciplinar caminha do ator ao autor de uma
histria vivida, de uma ao conscientemente exercida a uma
elaborao terica arduamente construda. To importante
quanto o produto de uma ao exercida o processo, e mais
que o processo, necessrio pesquisar o movimento desenhado pela ao exercida somente ao pesquisar os movimentos
das aes exercidas, ser possvel delinear seus contornos e seus
perfis. Explicitar o movimento das aes educacionalmente
exercidas , sobretudo, intuir-lhes o sentido da vida que as contempla, o smbolo que as nutre e conduz para tanto, torna-se
indispensvel cuidar dos registros das aes a ser pesquisadas
sobre esse tema muito j tenho redigido e discutido.

24

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

O movimento ambguo de uma Pesquisa ou de uma


Didtica interdisciplinar sugere a emergncia e a confluncia
de outros movimentos, porm, imperioso que o movimento
inicial se explicite, se mostre adequadamente. O que queremos
dizer o seguinte: Novos movimentos, nascidos de aes e prticas bem-sucedidas, so gerados em movimentos anteriores.
S possvel analis-los e conhec-los quando investigamos
seus elementos de origem. Negar o velho, substituindo-o pelo
novo um princpio oposto a uma atitude interdisciplinar na
Didtica e na Pesquisa em Educao. A pesquisa interdisciplinar parte do velho, analisando-o em todas as suas potencialidades. Negar o velho uma atitude autoritria que impossibilita
a execuo da Didtica e da Pesquisa Interdisciplinar. Podemos
encontrar exemplos dessa forma especial de pesquisar nos trabalhos de doutoramento orientados por ns.
Essa recorrncia ao velho travestido do novo decorre do
recurso e do exerccio da memria dupla forma de memria a memria-registro, escrita, impressa e ordenada em livros, artigos, comunicados, anotaes de aulas, dirios de classe, resumos de cursos e palestras, fotos e imagens e a memria
explicitada, falada, socializada, enfim, comunicada . Essa forma especial de recurso memria tem sido exercida nas mais
de noventa pesquisas que coordenamos, referentes a todos os
graus e reas do ensino.
Ambas as formas ou recursos da memria permitiro a
ampliao do sentido maior do homem-comunicao. Esta,
quando trabalhada, permitir uma releitura crtica e multipers
pectival dos fatos ocorridos nas prticas docentes, que podero ajudar a compor histrias de vida de professores, as quais
cuidadosamente analisadas, podero contribuir para a reviso
conceitual e terica da Didtica e da Educao.
To importante quanto o exerccio da memria o exerccio da dvida. Se nossa inteno revelar e explicitar o homo
Prefcio nova edio

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loquens aquele que comunica , temos de ativar o mecanismo mais anterior e antropolgico que o constitui o do homo
quaerens do homem enquanto ser que pergunta e da situao
especfica de seu ato de perguntar. O homo quaerens constituise em uma das ltimas especificidades do ser racional homem,
pois quanto mais evolumos na investigao do homem como
ser reflexivo, mais nos aproximamos de nossos antepassados e
de suas primeiras perguntas. Tanto a pergunta mais imediata,
suscitada no por que?, quanto em sua sequencialidade: mas
por que?, aspiram a uma compreenso ltima ou total, interdisciplinar do conhecimento .
Uma educao ou uma didtica interdisciplinar fundadas na pesquisa compreendem que o importante no a forma imediata ou remota de conduzir o processo de inquirio,
mas a verificao do sentido que a pergunta contempla. necessrio aprendermos nesse processo interdisciplinar a separar
as perguntas intelectuais das existenciais. As primeiras conduzem o homem a respostas previsveis, disciplinares, as segundas transcendem o homem e seus limites conceituais, exigem
respostas interdisciplinares. O saber perguntar, prprio de
uma atitude interdisciplinar, envolve uma arte cuja qualidade
extrapola o nvel racional do conhecimento. Em nossas pesquisas tratamos de investigar a forma como se pergunta e se questiona em sala de aula, e a concluso mais genrica e peculiar
revela-nos a importncia do ato e da forma como a dvida se
instaura ela ser a determinante do ritmo e do contorno que
a ao didtica contempla. Em uma das pesquisas que orientamos, detivemo-nos em descrever o movimento que a dvida
percorre durante uma aula de 50 minutos, analisando em que
medida o conhecimento avana ou retrocede, movido pelo tipo
de questionamento que o alimenta.
A pesquisa e a didtica interdisciplinar tratam do movimento (do dinmico), porm, aprendem a reconhecer o

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Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

modelo (o esttico). Tratam do imprevisvel (dinmico), entretanto, no possvel (esttico), tratam do caos (dinmico), mas
respeitam a ordem (esttico).
O objetivo da construo de uma didtica e de uma pesquisa interdisciplinares a explicitao do contorno ambguo
dos movimentos e das aes pedaggicas apenas o exerccio
da ambiguidade poder sugerir a multiface do movimento e,
por conseguinte, do fenmeno pesquisado.
A ocorrncia de um trabalho de natureza interdisciplinar
nas pesquisas sobre sala de aula anuncia-nos possibilidades
que antes no eram oferecidas. Quando isso acontece, surge a
chance de revitalizao das instituies e das pessoas que nelas trabalham. O processo interdisciplinar desempenha papel
decisivo para dar corpo ao sonho o de fundar uma obra de
educao luz da sabedoria, da coragem e da humildade.
Nas questes da Interdisciplinaridade, to necessrio e
possvel planejar-se quanto imaginar-se, isso impede que possamos prever o que ser produzido, em que quantidade ou
com que intensidade. O processo de interao permite a gerao de entidades novas e mais fortes, poderes novos, energias
diferentes. Caminharemos nele na ambiguidade, entre a fora
avassaladora das transformaes e os momentos de profundo
recolhimento e espera.
O cuidado primeiro que se deve ter o de encontrar-se o
ponto timo de equilbrio no movimento engendrado por essa
ambiguidade: da imobilidade ao caos. As fontes novas de saber
vivenciadas no conhecimento interdisciplinar permitem-nos
facilmente reconhecer que a estrutura na qual vivemos reflexo de outras pocas, gestadas no passado. Sentimo-nos tolhidos, nesse processo, ao exercer o imperativo de ordens que no
nos pertencem, a valores que no desejamos e nosso primeiro
impulso romper com ela. No entanto, o processo de metamorfose pelo qual passamos e que fatalmente nos conduzir
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a um saber mais livre, mais nosso, mais prprio e mais feliz


um processo lento, exige uma atitude de espera. No se trata,
porm, de uma espera passiva, mas sim vigiada. Alterar violentamente o curso dos fatos no prprio de uma educao
que abraa a Interdisciplinaridade. Esta exige que se prove aos
poucos o gosto que tem a paixo por formar at nos embebedarmos dela. Entretanto, o sentido que um trabalho interdisciplinar desperta e para o qual no estamos preparados o da
sabedoria de aprender a intervir sem destruir o construdo.
Decorrente desse cuidado, outro se faz necessrio na elaborao de princpios mais coerentes com essa atitude, o qual
descreveremos a seguir. Em um processo interdisciplinar,
preciso olhar o fenmeno sob mltiplos enfoques. Isso vai alterar a maneira como habitualmente conceituamos. No estamos habituados a questionar ou investigar conceitos. Temos
como correntes em nosso discurso os conceitos de: formao,
disciplina, competncia, ensino, aprendizagem, didtica, prtica, como conceitos dados.
Em uma dimenso interdisciplinar, um conceito novo ou
velho que aparece adquire apenas o encantamento do novo ou
a obsolescncia do velho. Para que ele ganhe significado e fora, precisa ser estudado no exerccio de suas possibilidades. A
imagem que me vem cabea a dos mil esboos realizados
por Picasso ao compor a Guernica a totalidade conceitual
dessa obra foi gestada na virtude da fora guerreira, no desejo
transcendente de expressar liberdade. A magnificente fora que
dela emana, o impacto que sentimos quando dela nos aproximamos encontra-se na harmonia de cada detalhe, na beleza da
vida e na crueza da morte, assim como na crueza da vida e na
beleza da morte.
Razo e emoo compem a dana de luz e sombra da liberdade conquistada. Cada um de ns ao contempl-la chora e
ri a partir dos sonhos enunciados, das intuies subliminares,

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Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

no jogo explcito das contradies, da histria configurada.


Picasso cuidou interdisciplinarmente de cada aspecto de sua
liberdade pessoal, exercitou-a ao compor um conceito universal de liberdade. Ns, educadores, ainda estamos por viver esse
exerccio. Geralmente cuidamos da forma, sem cuidar da funo, da esttica, da tica, do sagrado que colore o cotidiano de
nossas proposies educativas ou de nossas pesquisas
Os cuidados anteriormente enunciados, quando analisados em sua potencializao, certamente alteraro o conceito
macro de ser professor. Gradativamente, precisamos nos habituar ao exerccio da ambiguidade, no sentido de que esse procedimento rejeita a mediocridade das ideias, estimula a vitalidade espiritual, radicalmente contrrio ao hbito instaurado
da subservincia, pois reconhece que este massacra as mentes
e as vidas. A lgica que a Interdisciplinaridade imprime a da
inveno, da descoberta, da pesquisa, da produo cientfica,
porm, gestada em um ato de vontade, em um desejo planejado e construdo em liberdade.

Prefcio nova edio

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Prefcio da primeira edio

ste livro de IVANI CATARINA ARANTES FAZENDA tem


por tema um dos aspectos mais nevrlgicos do drama por
que passa, atualmente, a pedagogia das disciplinas cientficas
em nosso sistema de ensino. Sabemos que nosso sistema de
ensino encontrase solenemente instalado numa pedagogia
da certeza. E uma das grandes vantagens de uma metodologia calcada nas abordagens interdisciplinares das disciplinas
cientficas consiste, precisamente, em postular a instaurao,
em nosso sistema de ensino, de uma pedagogia da incerteza, na
qual educadores e educandos no acreditariam mais em certas
verdades cientficas como se elas fossem um porto seguro, em
torno das quais girariam parasitariamente a fim de se impossibilitarem de assumir o medo e o desamparo.
Ora, sabemos que nosso conhecimento nasce da dvida e
se alimenta da incerteza. Precisamos aprender a viver no repouso do movimento e na segurana da incerteza. Se nos abrigarmos cega e acriticamente sob o manto protetor do chamado
conhecimento objetivo, do conhecimento verdadeiro, do conhecimento cientfico, como se fossem a expresso de uma

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verdade acabada e absoluta, cairamos facilmente na tentao


de viver uma vida intelectual parasitria. Consequentemente,
estaramos nos impedindo de colher os melhores frutos da relatividade da vida. sabido como o parasita busca na sociedade
apenas a proteo contra sua angstia bsica. Frequentemente
v nos outros seus inimigos ou adversrios. Na maioria das vezes, v neles matronas protetoras impedindoo de assumir
a vida real e criativa. Esta, no tenhamos iluses, exige o confronto dirio com a crtica e com a autocrtica. Ademais, exige
que faamos permanentemente um confronto entre o factual e
o possvel. Por isso, na vida intelectual, indispensvel que faamos compromissos com nossa ignorncia, com nossos limites de conhecimento e com os quadros mesquinhos e estreitos
de nossa especializao.
A atitude interdisciplinar nos ajuda a viver o drama da incerteza e da insegurana. Possibilitanos dar um passo no processo de libertao do mito do porto seguro. Sabemos quanto
doloroso descobrirmos os limites de nosso pensamento. Mas
preciso que o faamos. Do contrrio, cultivaramos em ns
a paranoia. E nosso sistema de ensino pode cultivar esse tipo
de paranoia. Sobretudo, na medida em que tenta incutir nos
alunos a expectativa louca de poder fornecerlhes um templo
sagrado do saber, os meios ou instrumentos de superao dos
erros e de conquista da chave da histria.
Ora, a cincia que se ensina e que se faz um produto social como outro qualquer. Sua organizao e seus membros se
submetem aos mesmos parmetros sociais. H nela dominao, explorao, prostituio, neuroses, estratificaes, mentiras, dios etc. Os cientistas tambm formam um grupo de interesses. A neurose comea quando apresentam aos outros, na
ao pedaggica, a imagem falsa de segurana, de detentores
exclusivos de um saber racional e objetivo, de arautos da verdade. Ou ento quando se apresentam aos alunos como portos

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Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

seguros numa fatia do saber de que se julgam os proprietrios epistemolgicos. Esta uma iluso ttrica, pois constitui
uma neurose geomtrica. Em vez de proporem aos alunos (ou
vtimas) apenas instrumentos possveis e discutveis de aproximao da verdade, passam a proporlhes a verdade, seja ela
a sua, o que raro, seja a dos outros, o que muito mais frequente. Porque possvel que os educadores, no se sentindo
seguros em suas prprias posies, apelem para autores mais
ou menos clebres que lhes servem de verdadeiras matronas
cientficas. Neste nvel, os alunos passam por um real processo
de deformao: comeam a viver da iluso do porto seguro, da
falcia das evidncias, da quimera das teorias certas. E a pedagogia no forma pesquisadores da verdade, mas seus proprietrios. Numa palavra, no forma, mas conforma.
Uma coisa nos parece certa: nenhuma opo crtica pode
nascer nos alunos quando os professores lhes ministram ou
inculcam um conhecimento que seria a expresso da verdade
objetiva. Essa catequese intelectual insuportvel. O mximo
que pode produzir so diplomados em primeira comunho
cientfica. Ora, uma opo crtica s pode surgir da incerteza
das teorias estudadas. Se estas fossem certas e objetivas, retirariam dos alunos qualquer possibilidade de fazerem uma
opo. Portanto, creio que constitui um atentado contra o
processo de maturao cientfica e intelectual dos educandos
toda pedagogia que tenta incutirlhes a iluso da verdade. Ao
contrrio, a pedagogia da incerteza tenta relativizar a produo cientfica e a do ensino das cincias. Tenta desdogmatizar
o ensino. Porque esta uma das condies para que os alunos
desenvolvam sua capacidade crtica, assumamse como personalidades individualizadas e criativas, capazes de no viver
apenas sombra dos professores, dos autores clebres que lhes
serviriam de muletas, ou de uma escola de pensamento que os
enquadraria em esquemas mentais rgidos e dogmticos.
Prefcio da primeira edio

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O gosto amargo da incerteza e a dor ntima do desamparo diante de uma aprendizagem relativizante, incapaz de parmetros absolutos, so fatores da sade intelectual que no
podem ser desprezados pela pedagogia cientfica. Porque ser
na angstia da incerteza das teorias estudadas, no fato de se
sentirem perdidos em seu processo de crescimento intelectual
e na descoberta por vezes decepcionante de que no existe porto seguro no domnio do conhecimento, que os alunos tero
condies de deixarse possuir pela vida, se que pretendem
possu-la. A pedagogia da certeza, ao contrrio, fundase no
mito do saber objetivo que, por sua vez, acredita que o cientista
quem melhor encarna os valores das formas modernas da
ideologia dominante: a especializao e a competncia. Portador
de uma verdade objetiva, demonstrada rigorosamente, politicamente neutra, o cientista ou o expert caucionam as tentativas da classe dominante para mascarar a opresso e a explorao por detrs das pretensas necessidades tcnicas e racionais.
Assim, ocultamse facilmente os mecanismos de opresso dos
homens pelos homens, por detrs da aparncia de uma opresso pelas coisas. A esse respeito, j nos alertava Bertolt Brecht:
Quanto mais extramos coisas da natureza, graas organizao do trabalho, s descobertas e s invenes, mais camos na
insegurana da existncia. No somos ns quem dominamos
as coisas. So elas que nos dominam. E isto ocorre porque certos homens, atravs das coisas, dominam outros homens ()
Se quisermos aproveitar, enquanto homens, de nosso conhecimento da natureza, precisaremos acrescentar a nosso conhecimento da natureza o conhecimento da sociedade humana
(Lachat du cuivre, 1970, p. 53).
Para sairmos desse impasse, duas perspectivas epistemolgicas atuais se revelam bastante promissoras, sobretudo porque reintroduzem, na considerao das prticas cientficas e de
sua pedagogia no sistema de ensino, a indispensvel dimenso

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Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

crtica. A primeira a da chamada cincia crtica, que, fundamentalmente, consiste em ressituar as prticas cientficas em
seu real contexto sociopoltico e cultural. A segunda, a nica
que vai nos interessar aqui, a da interdisciplinaridade, que,
essencialmente, consiste num trabalho em comum tendo em
vista a interao das disciplinas cientficas, de seus conceitos
diretrizes, de sua metodologia, de seus procedimentos, de seus
dados e da organizao de seu ensino.
Esta segunda perspectiva ainda se encontra relegada ao
ostracismo em nosso sistema de ensino. Isto se deve aos arraigados preconceitos positivistas e cientificistas que ainda cultivam, sobretudo em nossas universidades, todo tipo de epistemologia da dissociao e do esfacelamento do saber. Tambm
sob esse aspecto, a cincia ensinada em nossas universidades
bastante alienada. Ensina-se um saber em processo de cancerizao galopante. Porque seus horizontes epistemolgicos so
cada vez mais reduzidos. Ademais, ensina-se uma especializao que constitui um fator de cegueira intelectual, que instaura a morte da vida ou revela uma razo irracional. A ponto de
os especialistas conseguirem este feito extraordinrio de no
mais saberem aquilo que acham que sabem. Ora, o esmigalhamento do conhecimento revela uma inteligncia esfacelada. As
ilhas epistemolgicas, dogmtica e acriticamente ensinadas,
sem portas nem janelas, so verdadeiras prises, mantidas pelas instituies ainda s voltas com o problema da distribuio
de suas fatias de saber, pequenas raes retiradas de um estoque cuidadosa e ciumentamente armazenado nessas penitencirias centrais da cultura que so as universidades, onde ainda
prevalece o esprito de concorrncia e de propriedade epistemolgica, preparando extralcidos regionais, porm cegos
ao sentido da totalidade humana.
por isso que o interdisciplinar provoca atitudes de
medo e de recusa. Afinal, dizem seus detratores, seria algo
Prefcio da primeira edio

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srio? Pode-se conhecer tudo? No levaria a um novo tipo de


enciclopedismo? No conduziria a conhecimentos no somente superficiais, mas desprovidos dos critrios de racionalidade
e de objetividade? O que se encontra em jogo, no fundo, certa concepo do saber, de sua repartio epistemolgica e de
seu ensino. Porque o interdisciplinar, desde o incio, se apresenta como um princpio novo de reorganizao epistemolgica das disciplinas cientficas. Ademais, apresenta-se como um
princpio de reformulao total das estruturas pedaggicas
do ensino das cincias. Poderamos dizer que ele corresponde
a uma nova etapa do desenvolvimento do conhecimento cientfico e de sua repartio epistemolgica. Ademais, exige que
as disciplinas, em seu processo constante e desejvel de interpenetrao, fecundem-se cada vez mais reciprocamente. Para
tanto, imprescindvel a complementariedade dos mtodos,
dos conceitos, das estruturas e dos axiomas sobre os quais se
fundam as diversas prticas pedaggicas das disciplinas cientficas. Diramos que o objetivo utpico do interdisciplinar a
unidade do saber. Unidade problemtica, sem dvida. Mas que
parece constituir a meta ideal de todo saber que pretenda corresponder s exigncias fundamentais do progresso humano.
Em nossas universidades, praticamente inexistente a
prtica interdisciplinar, tanto no campo do ensino quanto no
da pesquisa. O que existe, e assim mesmo numa escala bastante reduzida e frequentemente de modo inteiramente escamotado, so certos encontros pluridisciplinares. E estes so muito
mais frutos de uma imaginao criadora e combinatria sabendo manejar conceitos e mtodos diversos, colocandoos em
presena uns dos outros e dando origem a combinaes imprevistas, do que algo institudo e institucionalizado. Mesmo
assim, tais encontros se realizam apenas como prticas indivi
duais. Neste nvel, o interdisciplinar no algo que se ensine
ou que se aprenda. Como bem mostra Ivani, algo que se vive.

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Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

fundamentalmente uma atitude de esprito. Atitude feita de


curiosidade, de abertura, de sentido da aventura, de intuio
das relaes existentes entre as coisas e que escapam observao comum.
Por outro lado, no posso deixar de ver no dogmatismo
de um saber definitivo, acobertado pala etiqueta objetivo ou
pelo rtulo verdadeiro, um dos sintomas mais evidentes de
uma cincia em estado de agonia. A pretensa maturidade intelectual, fundada no domnio de um saber objetivo, orgulho
de tantos sistemas de ensino, constitui apenas um obstculo
entre outros. A famosa cabea benfeita, bem arrumada, bem
estruturada e objetivada, de que nos fala com tanta insistncia e sabedoria Bachelard, no passa de uma cabea malfeita,
fechada, produto de escola e de modelagem. Por isso, tratase
de uma cabea que precisa ser refeita. E o interdisciplinar, ao
lado da postura crtica ou de questionamento constante do
saber, ajuda a refazer as cabeas bemfaltas. Pois cultiva o
desejo de enriquecimento por enfoques novos, o gosto pela
combinao das perspectivas, e alimenta o gosto pela ultrapassagem dos caminhos j batidos e dos saberes j adquiridos,
institudos e institucionalizados. Mais do que nunca, precisamos estar conscientes de que no nascemos com crebros desocupados, porm inacabados. A sociedade e a escola querem
ocupar os crebros dos alunos pela linguagem, pela instruo,
numa palavra, pelo ensino. Como se o processo de educao
pudesse ser reduzido ao ensino do j sabido, transmisso do
j conhecido, conformao com o j adquirido. Donde a necessidade urgente, me parece, de psicanalisar os educadores
(ou disciplinadores), de instalar uma psicologia da despsicologizao, a fim de que eles passem a ser agentes que despertem,
que provoquem, que levem a descobrir e a criar (ou recriar), e
no se limitem a desempenhar esse odioso papel de disciplinadores intelectuais, de capatazes da inteligncia ou de meros
Prefcio da primeira edio

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revendedores de um sabermercadoria, empacotado ou enlatado para fins ditos pedaggicos.


Enquanto prtica coletiva, creio ser totalmente inexistente o emprego de uma metodologia interdisciplinar em nossas
universidades. O que uma pena, pois, entre outras vantagens,
ela viria revelar a indissociabilidade do ensino e da pesquisa.
Viria ainda mostrar a fraqueza da ainda to corrente distino entre cincia pura e cincia aplicada (seria impura,
suja?) mantida pelas instituies sociais da cincia. Ademais,
ao questionar os conhecimentos adquiridos (tidos por objetivos e verdadeiros) e os mtodos aplicados, viria transformar as universidades: de um lugar de transmisso ou de reproduo de um saber prfabricado, num lugar onde se deveria
produzir coletiva e criticamente um saber novo (inovao).
Contrariamente ao sistema clssico de ensino, que se instala
num esplndido isolamento e institui um saber pasteurizado, saber que decreta a morte da vida, sem charme, com um
sistema puramente hierrquico e um cursus honorum esclerosante, o novo sistema apresentaria a vantagem de superar o
corte universidade/sociedade, saber/realidade, ultrapassando
o isolamento e a concorrncia e instaurando uma nova reestruturao do ensino das disciplinas cientficas. Alm disso,
viria instaurar uma nova relao entre educadores e educandos. Todavia, os educadores podem modificar suas atitudes e
seus mtodos de ensino, sem, no entanto, praticarem o interdisciplinar. claro que uma profunda alterao dos hbitos
pedaggicos constitui algo de fundamental e desejvel. Como
imprescindvel que os saberes no constituam meros aglomerados justapostos, condensados em mais ou menos obsoletos
receiturios de culinria cientfica. preciso que se descubra,
tanto no nvel da pesquisa quanto no do ensino, novas estruturas mentais, novos contedos e uma nova metodologia. Numa
palavra, como postula o trabalho da professora Ivani, tornase

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Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

necessrio repensar a pedagogia das disciplinas cientificas, se


que os educadores pretendem superar o monlogo fastidioso
de seu ensino e instaurar uma prtica dialgica em que o meti
de ensinar se converta na arte de fazer descobrir, de fazer
compreender, de possibilitar a inveno. Porque o mestre que
no consegue ser aluno deve ser aposentado. Seu papel o de
despertar, provocar, questionar e questionarse, vivenciar as dificuldades dos educandos que pretendem esclarecer ou libertar
atravs do estudo de uma cincia em mutao, e no do ensino
de uma doutrina dogmtica.
ilusrio pensar que uma lei ou um conjunto de medidas
administrativas possam colocar um paradeiro a hbitos to arraigados, a rotinas e estruturas mentais to solidamente estabelecidas. Mas imprescindvel que os educadores trabalhem
no sentido de dotar as instituies de ensino de estruturas cada
vez mais flexveis, capazes de absorver novos contedos e de se
integrarem em funo dos verdadeiros problemas. E uma das
vantagens do trabalho interdisciplinar consiste precisamente
em postular a adoo de mtodos pedaggicos fundados muito menos na distribuio dos conhecimentos estocados do que
no exerccio constante de certas aptides intelectuais e no desenvolvimento de faculdades psicolgicas distintas da memria e do simples raciocnio discursivo. E nada ser feito de durvel, neste setor, se no estiver informado por uma inteligncia
lcida e crtica, se no estiver fundado na adeso profunda de
alguns e numa srie de experincias concretas desempenhando
o papel de catalisadores e de ncleo de inovao nas instituies de ensino.
A este respeito, o interdisciplinar pode e deve realmente
constituir um motor de transformao pedaggica, talvez o
nico capaz de restituir vida a essa instituio praticamente
esclerosada, que a universidade. Para tanto, mil obstculos
precisam ser superados. Por exemplo: a situao adquirida dos
Prefcio da primeira edio

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mandarinatos nas pesquisas, no ensino e na administrao;


o peso da rotina; a rigidez das estruturas mentais; a inevitvel
inveja dos conformismos e conservadorismos em relao s
ideias novas e s inovaes que seduzem e que logo passam a
ser tachadas, pelos medocres, de demaggicas ou, mesmo, de
subversivas; o positivismo anacrnico que, preso a um ensino dogmtico de um saber pretensa e arrogantemente objetivo, encontrase inteiramente mngua de fundamentos tericos, escondendo com a parafernlia das tcnicas de observao
e de medida no s o vazio do pensamento, mas a insignificncia dos conhecimentos produzidos. Todavia, o interdisciplinar
deve responder a certas exigncias, entre as quais destacase a
criao de uma nova inteligncia, capaz de formar uma nova
espcie de cientistas e de educadores cientficos, que utilizem
uma nova pedagogia suscetvel de reformular as instituies
de ensino. Esses meios constituem, como mostra o livro de
Ivani, um remdio para a perverso da cultura e da inteligncia atuais, para a decadncia e alienao dos cientistas, para a
esclerose das instituies de ensino e para a pedagogia do esfacelamento do saber.
Talvez haja quem, ao ler o livro de Ivani, a considere utpica ou excessivamente otimista. Mas eu diria: continue otimista, Ivani, no deixe desvanecer sua utopia pedaggica. Porque
o verdadeiro realismo est do lado dos que alimentam um otimismo trgico ou dramtico, dos que vivem uma utopia que
engaja e compromete. Seus alunos lhe perdoaro facilmente o
fato de por vezes ser demasiado utpica. O que no lhe perdoaro a contradio entre o pensamento, as palavras e os atos.
Por isso, repito aqui o que j falei em outro contexto: Se quisermos exercer alguma influncia no rumo empreendido pela
cincia contempornea, preciso que tomemos conscincia
da necessidade de uma dupla ao: uma ao direta, tentando
dominar os conhecimentos cientficos e detectar suas iluses;

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Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

uma ao indireta, convertendonos em pedagogos capazes


de formar aqueles que mudaro o mundo. Para tanto, temos
que nos transformar por dentro e, ao mesmo tempo, criar as
condies exteriores, tornando possvel uma transformao do
mundo do saber. Esse tipo de atividade constitui uma ruptura
no encadeamento do determinismo histrico cego e merece a
seguinte denominao: fazer a histria.
Hilton Japiass

Prefcio da primeira edio

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Introduo

preocupao com a questo da interdisciplinaridade no ensino surgiu do exerccio da vida profissional,


ao ministrar aulas de Histria Geral e do Brasil no 1 Grau
(19631965).
Posteriormente, essa preocupao aumentou ao passar a
trabalhar como professora e coordenadora de Cursos de Aper
feioamento de pessoal tcnico para as Secretarias de Educao
dos diferentes Estados em Superviso, Currculos e Programas
e Administrao Escolar, no j extinto CRPE de So Paulo
(Centro Regional de Pesquisas Educacionais) (19661970).
Entretanto, atingiu maiores propores ao ministrar as
aulas de Currculos e Programas no Curso de Especializao
em Educao para a Amrica Latina, subvencionado pela OEA
em convnio com a USP (1970-1973), no qual os alunos possuam o mais diversificado tipo de formao possvel, tendo
que posteriormente desempenhar as funes de Supervisor
ou Administrador Escolar em ambientes bastante diversificados, dadas as condies peculiares da Educao no pas que
representavam.

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Os problemas eram basicamente os mesmos, de integrao em suas mltiplas facetas: entre os professores das equipes, entre os contedos e metodologia das disciplinas adotadas, entre a programao dos cursos e a expectativa dos educandos, entre a formao recebida e a execuo das funes,
posteriormente assumidas.
A inexistncia de uma formao especfica por parte dos
professores no que se refere s atitudes a serem tomadas na realizao de um trabalho integrado acarretavam constantemente manifestaes de desagrado diante das modificaes propostas pelo grupo, quando estas contrariavam suas intenes
iniciais. No percebiam na maior parte das vezes as vantagens
de reformular em funo de um objetivo mais geral. Quase
sempre cada disciplina procurava encerrarse em si mesma,
negandose a colocar em questo a validade na apresentao
de determinados contedos diante das exigncias da realidade
e clientela que se procurava formar.
Ao lado dessas barreiras, observavase tambm de certo
modo uma defasagem entre a forma pela qual eram apresentados os contedos e a expectativa dos educandos, que na maior
parte das vezes no compreendiam a necessidade de uma abordagem mais terica em detrimento de uma colocao mais
prtica ou viceversa. No existia portanto uma efetiva participao dos alunos no planejamento das atividades, e, nos casos
em que esta era prevista, podiase observar a falta de formao
adequada em participar de um trabalho integrado.
A repetio de contedos ou a ausncia de prrequisitos
bsicos para o desenvolvimento de determinada unidade de
estudos podiase constatar em vrios momentos. Com exceo feita aos cursos de especializao mantidos pela OEA em
Superviso e Administrao Escolar (19701973), no havia
uma previso oramentria para o trabalho de planejamento
e avaliao das atividades dos cursos nem condies materiais

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Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

para que esta ocorresse. Os professores em geral eram remunerados por hora/aula, e o trabalho de planejamento e avaliao
ficava restrito sua boa vontade ou grau de motivao.
A possvel resposta a essas questes foi anunciada por
Angel Diego Marquez (ento, perito em Educao da Unesco)
numa palestra proferida na Faculdade de Educao da USP em
1970, em que sintetizou as principais preocupaes e estudos
que vinham acontecendo na Europa com relao a um aspecto
questionvel da educao: interdisciplinaridade, sem que entretanto houvessem ainda sido publicados.
A necessidade de responder a essas preocupaes conduziu inicialmente elucidao da questo epistemolgica: interdisciplinaridade como exigncia do conhecimento, e, consequentemente, um estudo de sua gnese e significado.
Considerando interdisciplinaridade como atitude a ser
assumida no sentido de alterar os hbitos j estabelecidos
na compreenso do conhecimento, passouse a um questionamento pedaggico, ou seja, passou-se a avaliar a mudana
que a interdisciplinaridade implica no que se refere aos aspectos pedaggicos.
Neste sentido, os seguintes aspectos foram abordados:
utilidade, valor, aplicabilidade, obstculos e possibilidades da
interdisciplinaridade no ensino.
Levantados os aspectos tericos necessrios efetivao
de um trabalho interdisciplinar, pensou-se inicialmente em desenvolver uma pesquisa emprica para verificar em que medida
se processa o trabalho pedaggico atualmente. Esta foi iniciada, mas logo interrompida por considerar-se fundamental
uma prvia investigao sobre a Legislao do Ensino com a finalidade de conhecer a forma pela qual se expressa a Educao
em termos de lei, quais diretrizes imprime s questes referentes interdisciplinaridade.
Introduo

45

Optou-se por um estudo da Legislao nos trs nveis: 1,


2 graus e superior, nos mbitos federal, estadual (So Paulo)
e municipal (So Paulo), partindo-se do pressuposto de que
a interdisciplinaridade constitui-se em resposta a uma preocupao geral de sistematizar a educao.
Considerando-se integrao como um momento de organizao e estudo dos contedos das disciplinas, como uma
etapa para a interao que s pode ocorrer num regime de coparticipao, reciprocidade, mutualidade (condies essenciais
para a efetivao de um trabalho interdisciplinar), considerando-se ento integrao como etapa necessria para a interdisciplinaridade, passou-se a pesquisar os aspectos referentes a ela
em toda a legislao selecionada.
Inicialmente, pensando-se em investigar a gnese e o significado da interdisciplinaridade, elaborou-se um brevssimo
retrospecto histrico, no qual se procurou situar a questo interdisciplinaridade como preocupao constante desde os primrdios da Histria do Pensamento.
Em seguida, passou-se descrio de algumas das concepes de interdisciplinaridade mais em uso na atualidade,
segundo a opinio de vrios peritos. Com a descrio destas concepes, passou-se a uma reflexo crtica em torno do
enunciado com o objetivo de ir elaborando um referencial terico prprio, que atinge sua generalidade na concluso. A incluso desses aspectos faz-se necessria, na medida em que so
inmeras as controvrsias em torno do significado do termo
interdisciplinaridade e, como consequncia, podem dar margem a interpretaes equvocas e alienadas.
Utilidade, valor e aplicabilidade da interdisciplinaridade foram colocados pelo fato de a interdisciplinaridade ser
um termo da moda, a maior parte das vezes utilizado sem que
se tenha uma ideia precisa e clara de sua real importncia e

46

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

vantagens de aplicabilidade. Como panaceia aos males provocados pela dissociao do saber, muitas vezes utilizado para
justificar falsas ideologias. Procurou-se aqui levantar algumas
das principais motivaes para o exerccio de um trabalho interdisciplinar, com a finalidade de alertar para as pseudoutilizaes. Partiu-se ento de algumas colocaes propostas por
peritos no assunto, e uma posterior reflexo, conduzindo a um
posicionamento pessoal.
A efetivao da interdisciplinaridade com seus obstculos
e possibilidades faz-se necessria na medida em que uma reflexo terica em torno da interdisciplinaridade no poderia
deixar de abordar os aspectos relativos a empecilhos e possibilidades de sua efetivao.
Se a pretenso fosse construir as bases para uma Teoria
do Interdisciplinar, este tpico certamente poderia ser mais
aprofundado, envolvendo problemas de acirrado questionamento, como por exemplo: as relaes entre as cincias, o papel da filosofia, a concepo de cultura, o papel do homem na
sociedade contempornea e muitos outros mais de igual ou
maior importncia.
Entretanto, o que se pretendeu aqui foi apenas o levantamento de alguns dos principais obstculos que impedem a
efetivao de um trabalho interdisciplinar e de possibilidades
em super-los.
Os obstculos foram sendo identificados em funo de
uma ideia primeira: da interdisciplinaridade como atitude.
Tambm foi aventada a possibilidade de efetivao desta mudana de atitude, atravs da uma nova metodologia e
linguagem, enfim de uma nova Pedagogia, a da Comunicao,
sem que se entrasse no detalhamento destes itens, j que a
preocupao inicial de toda esta proposio terica foi permanecer num mbito geral.
Introduo

47

Chegando-se a um consenso sobre o significado, necessidade e possibilidades da interdisciplinaridade no ensino, surgiu a exigncia de conhecer at que ponto esta constituiu motivo de preocupao numa poltica educacional brasileira atual.
Para isto, pensou-se em estudar a Legislao do Ensino,
desde a Lei 4024 de dezembro de 1961 at agora.
A seleo dos documentos mais significativos resultou de
uma busca cuidadosa nos arquivos do Setor de Documentao
da Faculdade de Educao da USP, onde foram inicialmente
examinados todos os Pareceres, Leis, Resolues ou Portarias
publicados at essa data.
Em seguida, foram escolhidos os documentos que apresentavam de uma forma mais explcita as diretrizes gerais para
o ensino de 1 e 2 graus ou superior, nos trs mbitos, com
especial referncia aos Cursos de Formao de Professores para
o 1 grau e Curso de Pedagogia, por serem estes dedicados
formao de educadores.
Numa tentativa de organizar os dados para uma pos
terior reflexo, a concluso apresenta sinteticamente os
aportes legais com respeito aos aspectos tericos tratados:
conceituao, necessidades, obstculos e possibilidades da in
terdisciplinaridade.
Como elemento de ligao entre as diretrizes legais e o trabalho do professor, encontram-se os Guias Curriculares. Desde
que se constituem no instrumento utilizado por todo o professorado de 1 grau, decidiu-se conhec-lo melhor para verificar
se as indicaes nele contidas revelam a existncia ou no de
uma orientao para a integrao e/ou interdisciplinaridade.
Os aspectos legais compilados foram retomados luz
dos aspectos tericos levantados. Procurou-se ento estabelecer um paralelo entre ambos para concluir basicamente se a
proposta legal poderia situar-se no nvel da integrao ou da

48

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

interdisciplinaridade, se existe uma conscincia clara sobre o


valor, utilidade e possibilidades da interdisciplinaridade, ou
seja, se a proposio legal uma proposio efetiva ou uma
proposio meramente ideolgica.

Introduo

49

CAPTULO I

Gnese e formao do conceito


de interdisciplinaridade

termo interdisciplinaridade no possui ainda um sentido nico e estvel. Trata-se de um neologismo cuja significao nem sempre a mesma e cujo papel nem sempre
compreendido da mesma forma.
Embora as distines terminolgicas sejam inmeras, o
princpio delas sempre o mesmo:
A interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integrao real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa1.
A inteno que se teve, ao tentar elucidar seu significado,
no foi questionar certos posicionamentos ou procurar criar
um significado particular, mas, obtendo uma viso geral de
algumas anlises conceituais, chegar a um posicionamento
pessoal.
Embora a palavra interdisciplinaridade seja um neologismo, no se trata de um campo recente de indagaes.
1. H. Japiass, Interdisciplinaridade e patologia do saber, p. 74.

51

Georges Gusdorf, desenvolvendo uma filosofia da Hist


ria, apresenta uma evoluo das preocupaes interdisciplinares desde os sofistas e romanos at a atualidade, detendo-se
particularmente nos momentos em que essas preocupaes
foram mais evidentes, como no caso do sculo XVIII, em que a
passagem do Mltiplo ao Uno foi uma das maiores preocupaes dos enciclopedistas franceses. O projeto enciclopdico
visa reunir e condensar a imensa massa de saber disponvel,
num espao de mais a mais restrito.2
Retomado atravs da Histria, tanto em Bacon, Leibniz
como em Commenius, sofre o impacto do sculo XIX, onde a
Histria do Saber marcada pela expanso do trabalho cientfico; onde o prodigioso enriquecimento das variadas tecnologias de pesquisa tm por contrapartida a multiplicao das
tarefas e o advento da especializao. Pela acumulao quantitativa das informaes, o preo que se paga o desmembramento da inteligncia.3
A crise que atravessa a civilizao contempornea, buscando uma volta ao saber unificado denota a existncia de uma
Patologia do Saber4, efeito e causa da dissociao da existncia humana no mundo em que vivemos. Isto nada mais
do que a tentativa de preservar em toda parte a integridade do
pensamento para o restabelecimento de uma ordem perdida.
1.1. CONCEPES ATUAIS DE INTERDISCIPLINARIDADE

A unificao do conhecimento e suas numerosas implicaes sobre o ensino e a pesquisa tm sido constantemente
um problema internacional. Uma das formas de constatar
2. Cf. G. Gusdorf, Pass, present, avenir de Ia recherche interdisciplinaire. Rev. Int. Sc. Soc., vol. XXIX, n. 4.
3. Cf. G. Gusdorf, op. cit., p. 632.
4. H. Japiass, Interdisciplinaridade e patologia do saber.

52

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

essa realidade o exame de alguns documentos do CERI5, bem


como, por exemplo, um relatrio de MOUTON-UNESCO6
sobre as tendncias principais da pesquisa nas cincias do homem que pretende indicar em que consistem os domnios privilegiados de cada cincia e seus mtodos especficos, com o
objetivo de permitir que conhecendo as estruturas sociais possa-se conhecer as vias pelas quais podero imiscuir-se as cincias de amanh.
O relatrio CERI/HE/CP/69.01, organizado em dezem
bro de 1969, congregando peritos provenientes de trs pases: Alemanha, Frana e Gr-Bretanha, cuja finalidade foi
distinguir as estruturas institucionais das universidades e
seus programas de estudos, denotou basicamente a falta
de uma preciso terminolgica pelo preconceito no trato de
questes referentes integrao e pelo desconhecimento
mesmo da necessidade de certos pressupostos bsicos para a
interdisciplinaridade.
Com a finalidade de esclarecer esses problemas de terminologia e abrir caminho a uma reflexo epistemolgica, Guy
Michaud7 prope uma distino terminolgica em quatro nveis: multi, pluri, inter e transdisciplinar.
Em seguida, em fevereiro de 1970, um grupo de especialistas de alto nvel, entre eles C. C. Abt, dos Estados Unidos,
e E. Jantsch (perito da OCDE ustria), procurou aprofundar as concluses do encontro de dezembro de 1969, tendo
como ponto de partida a discusso do documento de Guy
5. Centre pour la Recherche et lInnovation dans lEnseignement.
Tem por finalidade, entre outras, encorajar e desenvolver a cooperao
entre os pases-membros da OCDE (Organization de Cooperation et de
Dveloppement Economique) no campo da pesquisa e da inovao no
ensino.
6. Cf. The Social Sciences MOUTON-UNESCO.
7. Cf. CERI/HE/CP/69.04.
Gnese e formao do conceito de interdisciplinaridade

53

Michaud; tentando estabelecer o papel da interdisciplinaridade e suas vinculaes com a Universidade. Assim sendo, estabelecem como ponto de partida a elucidao dos seguintes
significados:
Disciplina Conjunto especfico de conhecimentos
com suas prprias caractersticas sobre o plano do
ensino, da formao dos mecanismos, dos mtodos,
das matrias.
Multidisciplina Justaposio de disciplinas diversas,
desprovidas de relao aparente entre elas. Ex.: msica + matemtica + histria.
Pluridisciplina Justaposio de disciplinas mais ou
menos vizinhas nos domnios do conhecimento. Ex.:
domnio cientfico: matemtica + fsica.
Interdisciplina Interao existente entre duas ou
mais disciplinas. Essa interao pode ir da simples
comunicao de ideias integrao mtua dos conceitos diretores da epistemologia, da terminologia,
da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da
organizao referentes ao ensino e pesquisa. Um
grupo interdisciplinar compe-se de pessoas que receberam sua formao em diferentes domnios do
conhecimento (disciplinas) com seus mtodos, conceitos, dados e termos prprios.
Transdisciplina Resultado de uma axiomtica comum a um conjunto de disciplinas (ex. Antropologia,
considerada a cincia do homem e de suas obras,
segundo a definio de Linton)8.
Em continuao a esses estudos, e tomando como ponto
de partida essas diferenciaes terminolgicas, no perodo de
8. Cf. LInterdisciplinarit, p. 23.

54

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

7 a 12 de setembro de 1970, em Nice, realizou-se um seminrio


com 21 representantes de pases-membros da OCDE, intitulado Seminaire sur la Pluridisciplinarit et lInterdisciplinarit
dans les Universits. Uma das partes desse seminrio era tornar claro os conceitos de pluri, inter e transdisciplinaridade
luz de uma reflexo epistemolgica. Entre os especialistas presentes, encontravam-se H. Heckhausen, J. Piaget, E. Jantsch, M.
Boisot e A. Lichnerowicz.
A partir da relao descrita por Hilton Japiass9 foi organizado o quadro abaixo, com a correspondncia terminolgica empregada por quatro desses participantes: Guy Michaud
(Frana), H. Heckhausen (Alemanha), M. Boisot (Frana) e
E. Jantsch (ustria), dados esses extrados da publicao da
OCDE: LInterdisciplinarit: problmes denseignement et de recher
che dans les Universits.
G. MICHAUD
p. 292 ss.

H. HECKAUSEN
p. 83 ss.

M. BOISOT
p. 90 ss.

E. JANTSCH
p. 98 ss.

Disciplinaridade

Disciplinaridade

Multidisciplinaridade

Multidisciplinaridade

Interd. Heterognea
Pseudointerdisciplinaridade

Int.: Restritiva

Pluridisciplinaridade

Interdisciplinaridade
Interdisciplinaridade Lienar;
Cruzada, Aux.
Estrutural

Int. Auxiliar
Int. Complementar
Int. Unificadora

Interdisciplinaridade Linear
Int. Estrutural

Disciplinaridade
Cruzada
Interd.

Transdisciplinaridade

Transdisciplinaridade

Da observao desse quadro conclui-se que existem diferentes nomenclaturas para o mesmo atributo.

9. H. Japiass, op. cit., p. 78.


Gnese e formao do conceito de interdisciplinaridade

55

Apesar disto, o que se constata que cada um deles preo


cupou-se em analisar e esclarecer os conceitos empregados.
Neste sentido, resolveu-se apresentar aqui, de uma forma sinttica, as anlises por eles desenvolvidas, com um posterior comentrio que vai delineando uma postura pessoal.
1.1.1. A ANLISE EMPRICA DE HEINZ HECKHAUSEN10

Heinz Heckhausen, baseando-se no exerccio efetivo das


diferentes disciplinas empricas, isto , daquelas que se apoiam
sobre a observao (e no sobre a deduo pura, como as matemticas), estabelece as diferenciaes terminolgicas ora
referidas.
Partindo do conceito de Disciplina como Cincia, chega
ao de Disciplinaridade: Explorao cientfica especializada de
um domnio determinado e homogneo de estudos, explorao que consiste em fazer surgir novos conhecimentos que se
substituem a outros mais antigos11.
Para ele, o exerccio de uma disciplina resulta na reformulao contnua dos conhecimentos adquiridos em determinado domnio.
Enuncia sete critrios para caracterizar a natureza de uma
dada disciplina e distingui-la das demais:
a) Domnio Material Compreenderia a srie de objetos
de que se ocupa uma disciplina. Exemplo: Zoologia
ocupa-se dos animais.
b) Domnio de Estudos Exemplo: comportamento
constitui o domnio de estudos da Psicologia.

10. Cf. Heinz Heckhausen, Discipline et Interdisciplinarit, LInter


disciplinarit, p. 83.
11. Cf. ibid., p. 83.

56

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

c) Nvel de Integrao Terico Exemplo: em Psicologia


seria o Comportamento do Organismo intacto (ou
Personalidade) enquanto sistema.
d) Mtodos Toda disciplina possui seus arranjos metodolgicos prprios.
e) Instrumentos de Anlise Exemplo: estatstica e
modelos.
f) Aplicaes Prticas Exemplo: medicina e suas mltiplas derivaes.
g) Contingncias Histricas Existem obstculos e contingncias histricas que aceleram ou retardam o desenvolvimento das disciplinas.
Alguns desses critrios, segundo Heckhausen, como por
exemplo o Nvel de Integrao Terico da Disciplina, permitiro um estudo mais preciso sobre as possibilidades de realizao de um trabalho interdisciplinar, ao passo que outros, como
por exemplo Domnio Material ou Instrumentos de Anlise,
daro poucos elementos para se chegar a tal definio.
Esses critrios possibilitariam o estudo e conhecimento
das disciplinas e constituir-se-iam numa etapa anterior interdisciplinaridade, que para Heckhausen seria a Cincia das
Cincias12.
Partindo desta colocao inicial, prope cinco tipos de relaes interdisciplinares, em ordem ascendente de maturidade,
que resumidamente seriam:
a) Interdisciplinaridade Heterognea Este tipo dedicado
combinao de programas diferentemente dosados,
sendo necessrio adquirir uma viso geral no aprofundada, mas superficial (poderia dizer-se de carter
12. Cf. H. Heckheusen, op. cit., p. 87.
Gnese e formao do conceito de interdisciplinaridade

57

enciclopdico), dedicado a pessoas que iro tomar


decises bastante heterogneas e precisaro de muito
bom-senso. Ex.: professores primrios ou assistentes
sociais.
b) Pseudointerdisciplinaridade Para realizar a interdisciplinaridade, partem do princpio de que uma interdisciplinaridade intrnseca poderia estabelecer-se entre as
disciplinas que recorrem aos mesmos instrumentos de
anlise. Ex.: uso comum da matemtica.
c) Interdisciplinaridade Auxiliar Utilizao de mtodos
de outras disciplinas. Admite um nvel de integrao
ao menos terico. Ex.: Pedagogia ao recorrer aos testes
psicolgicos, no somente para fundar suas decises
em matria de ensino como tambm para colocar
prova as teorias de Educao, ou avaliar o interesse de
um programa de estudos.
d) Interdisciplinaridade Complementar Certas disciplinas aparecem sob os mesmos domnios materiais,
juntam-se parcialmente, criando assim relaes complementares entre seus domnios de estudo. Exemplo:
Psicobiologia, Psicofisiologia.
e) Interdisciplinaridade Unificadora Esse tipo de interdisciplinaridade advm de uma coerncia muito estreita
dos domnios de estudo de duas disciplinas. Resulta
na integrao tanto terica quanto metodolgica. Ex.:
biologia + fsica = biofsica.
Definir interdisciplinaridade como Cincia das Cincias,
como faz Heckhausen, admitir uma instncia cientfica capaz
de impor sua autoridade s disciplinas particulares. Enunciaria
talvez a ideia de uma transcendncia de uma transdisciplinaridade, de uma dimenso superior que impusesse ordem ao
saber.

58

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

A direo do processo interdisciplinar no pode estar a


cargo de nenhuma cincia em particular. Converter a interdisciplinaridade numa Cincia das Cincias seria transform-la
numa nova cincia, com as ambies e preconceitos de cincia
soberana; seria convert-la numa transdisciplinaridade.
A real interdisciplinaridade antes uma questo de atitude; supe uma postura nica diante dos fatos a serem analisados, mas no significa que pretenda impor-se, desprezando
suas particularidades. A necessidade de existir uma direo
principal no processo interdisciplinar no significa que alguma cincia envolvida no processo esteja habilitada para isso.13
Caracterizando-se interdisciplinaridade como transdisciplinaridade haveria o perigo de transform-la num dos principais jogos de vaidade intelectual do momento, numa poltrona viva, em que cada um ambiciona sentar-se14.
Heckhausen em sua anlise emprica, ao apresentar os
diferentes tipos de interdisciplinaridade, apresenta, como o
menos maduro: Interdisciplinaridade Heterognea. Isto bastante significativo, pois um ensino montado aos moldes de
uma Interdisciplinaridade Heterognea anula o mrito das
cincias com seus importantes aportes e metodologias, em favor de um bom-senso generalizado; que torna o ensino bitolado e
inconsistente.
O que se pretende na interdisciplinaridade no anular
a contribuio de cada cincia em particular, mas apenas uma
atitude que venha a impedir que se estabelea a supremacia de
determinada cincia, em detrimento de outros aportes igualmente importantes.
O segundo tipo proposto por ele, Pseudointerdisciplina
ridade, como o prprio nome revela, trata-se de uma iluso, ou,
13. Cf. John F. Embree, Manuales Tcnicos II, p. 11.
14. Cf. G. Gusdorf, op. cit., p. 636.
Gnese e formao do conceito de interdisciplinaridade

59

de uma pretenso dos filsofos da anlise em considerar neutros os modelos matemticos, tornando-os centro da associao de disciplinas. Essa pretenso bastante ingnua e irreal
por no perceberem a distncia entre os contedos tericos de
disciplinas distantes, como por exemplo economia e geografia.
Os modelos matemticos, assim como outros instrumentos de anlise, a estatstica por exemplo, so apenas recursos
de que se utilizam as cincias, no podendo, por isso, constituir em meios de interao das disciplinas, em vetores da interdisciplinaridade. Essa atitude dos filsofos da anlise em pretender que os modelos matemticos determinem a associao
constitui-se numa forma de restrio da inteligibilidade.
O conhecimento interdisciplinar, ao contrrio, deve ser
uma lgica da descoberta, uma abertura recproca, uma comunicao entre os domnios do saber, uma fecundao mtua e
no um formalismo que neutraliza todas as significaes, fechando todas as possibilidades.
No tipo que Heckhausen denomina Interdisciplinaridade
Auxiliar, o que se contesta no o fato de que uma disciplina
utiliza-se do mtodo de outra, como o caso da Pedagogia, que
faz uso constante dos mtodos da Psicologia e da Sociologia,
mas uma atitude de paternalismo que, por exemplo, assumem
essas duas cincias, no sentido de se considerarem como a soluo de todos os problemas educacionais.
Luiz Pereira15 assume essa postura ao criticar o estilo de
pensamento pedaggico dos brasileiros taxando-o de insuficiente e inadequado, da mesma forma que salienta a importncia do estilo de pensamento dos cientistas sociais. Para ele,
alis, a melhor forma de abordagem dos problemas educacionais a das cincias sociais.
15. L. Pereira, Nota crtica sobre o pensamento pedaggico brasileiro,
in Estudos sobre o Brasil Contemporneo.

60

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Reivindicar para qualquer cincia a primazia no trato


dos problemas educacionais uma atitude bastante ingnua
e pr-crtica, visto que a realidade educacional extremamente
complexa, no comportando, portanto, abordagens isoladas.
Uma atitude interdisciplinar levaria todo perito a reconhecer
os limites de seu saber para acolher contribuies das outras
disciplinas toda cincia seria complemento de uma outra, e
a dissociao ou separao entre as cincias seria substituda
por uma convergncia para objetivos mtuos.
A principal caracterstica do tipo que Heckhausen denomina Interdisciplinaridade Complementar seria, em ltima anlise,
uma pluridisciplinaridade, caracterizar-se-ia pela conjugao
das disciplinas por justaposio de contedos de disciplinas
heterogneas, ou, na integrao de contedos em uma mesma
disciplina, por acumulao. Cada disciplina d sua contribuio, mas preserva a integridade de seus mtodos, conceitos
chaves e epistemologia.16
Esta tentativa de restabelecer a unidade do saber por
acumulao relembraria o modelo de um monte de pedras17,
em que no existe uma real interao em nvel material, nem
no domnio de estudos dessas disciplinas. As denominadas
Universidades Pluridisciplinares, que resultariam, por exemplo, de uma Faculdade de Odontologia + Instituto de Lngua
Chinesa + Escola de Engenharia, poderiam ilustrar este tipo de
interdisciplinaridade.
No tipo Interdisciplinaridade Unificadora, que seria o de
maior maturidade, segundo Heckhausen, o fato de haver certa
interao em nvel terico e metodolgico, como no caso da
Psicolingustica, da Biofsica ou da Bioqumica, possibilita o
surgimento de novos e importantes aportes.
16. H. Japiass, op. cit., p. 80.
17. Cf. G. Gusdorf, op. cit., p. 636.
Gnese e formao do conceito de interdisciplinaridade

61

Estas cincias e outras mais, constitudas a partir da eliminao de barreiras originalmente existentes entre campos
estanques do saber, possibilitam uma abertura a novas dimenses do conhecimento humano.
1.1.2. A ANLISE FORMAL DE BOISOT

Boisot pretende elaborar uma definio operatria, ou


seja, no descritiva do que poderia ser uma disciplina cientfica.
Assim, Disciplina considerada Estrutura, aquilo que designa
um sistema no qual se reconhece uma organizao e no qual a
soma de suas partes no coincide com sua totalidade18.
Nesse sentido, uma disciplina define-se a partir de critrios prprios e uma subdisciplina j em si uma disciplina,
assim como um subconjunto um conjunto19.
A partir dessa colocao, Boisot distingue trs tipos de
interdisciplinaridade:
a) Interdisciplinaridade Linear em que um conjunto de
leis de uma disciplina pode ser aplicada com sucesso a
outras (corresponderia Interdisciplinaridade Auxiliar
em Heckhausen). Segundo Boisot, a denotao linear
advm da possibilidade de um modelo ser comum a
duas ou mais disciplinas, ou seja, quando h a possibilidade de um conjunto de leis da determinada disciplina adaptar-se outra. Como exemplo disto, tem-se
a equao de propagao de DAlembert aplicada
acstica, eletromagnetismo e mecnica ondulatria.
18. Cf. M. Boisot, Discipline et Interdisciplinarit, Linterdisciplinarit,
p.90.
Os elementos desse conjunto, dotado de relaes internas e/ou externas, se manifestam pelos fenmenos que confirmam ou refutam a
posteriori os axiomas e as leis, p. 91.
19. Cf. J. Piaget, Para onde vai a Educao, p. 24.

62

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

b) Interdisciplinaridade Estrutural a interao de duas ou


mais disciplinas resulta na criao de um campo de
leis novas, compondo a ossatura de uma nova disciplina (corresponderia Interdisciplinaridade Unificadora em Heckhausen). Como exemplo disto, tem-se o
eletromagnetismo, que hoje compreende no s a eletrosttica e o magnetismo, como tambm as equaes
de Maxwell (que se constituem num prolongamento
da relatividade einsteniana), originando uma disciplina totalmente nova e diversa das disciplinas que lhe
deram origem.
c) Interdisciplinaridade Restritiva em dado projeto, cada
disciplina delimita seu raio de ao, impondo certas restries ou barreiras interao com as demais
(corresponderia Pseudointerdisciplinaridade em
Heckhausen).
A expresso restritiva refere-se ao fato de no existirem interaes entre as disciplinas, em que cada disciplina delimita
ou restringe seu prprio campo de aplicaes. Exemplo: num
projeto sobre urbanismo, o psiclogo, o socilogo, o especialista em transportes, o arquiteto, assim como o economista
iro emitir um certo nmero de restries, cujo conjunto ir
delimitar a zona do possvel no interior do qual ocorrer o projeto de pesquisa.
A noo de Estrutura tal como a prope Boisot, correlata noo de sistema ou de funo, parece querer fornecer a
soluo para todas as dificuldades de interao. Nesse sentido
ele pode ser comparado a Piaget por exemplo, para quem os
problemas interdisciplinares reduzem-se comparao de diferentes tipos de estruturas, ou, simplesmente, comparao
de sistemas de regras. a realidade fundamental no mais
o fenmeno, ou o observvel, e sim a estrutura subjacente,
Gnese e formao do conceito de interdisciplinaridade

63

reconstituda por deduo e que fornece uma explicao para


os dados observados.20
O especialista procurar a linguagem mais objetiva possvel, no dizer de Piaget, para descrever as estruturas, segundo
melhor lhe convier. Cita como exemplo Lvi-Strauss, que se
utiliza dos sistemas algbricos para descrever as estruturas de
parentesco. Que cada um generalize as estruturas que emprega e redistribua-as nos sistemas de conjunto que englobam as
outras disciplinas.21
Boisot, ao referir-se linguagem, diz da existncia de uma
justaposio lingustica no tocante interdisciplinaridade linear, ao passo que ao atingir-se uma etapa, em seu dizer, mais
elaborada, como a da interdisciplinaridade estrutural, nasce naturalmente a exigncia de uma linguagem especfica, ou melhor,
formal, prpria para exprimir as leis que regem os fenmenos.
Na medida em que a realidade passa a ser a estrutura, e
no o prprio fenmeno, e que a linguagem converte-se numa
metalinguagem (com uso e fim em si mesma), pode-se afirmar,
como faz Gusdorf, que a cincia do homem passa a existir sem
o homem. A obra de Piaget seria, para ele, um exemplo patente desta colocao. Para certos tericos particularmente, em
termos de cincias do homem, bem claro que o homem um
empecilho cincia.22
Entretanto, continua Gusdorf, existem certos acontecimentos imprevisveis, peculiares ao homem, que fazem fracassar
essas tentativas de substituio do homem por autmatos lgico-matemticos, simuladores da atividade intelectual. O prprio
Piaget, diz Gusdorf, acaba por reconhecer essa impossibilidade,
ao admitir que ainda no possvel chegar ao conhecimento das
20. J. Piaget, op. cit., p. 24.
21. Ibid., p. 25.
22. G. Gusdorf, op. cit., p. 641.

64

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

relaes entre os sistemas e subsistemas das cincias do homem,


por no haver ainda se definido a questo da hierarquia entre
as cincias do homem. Assim sendo, esse sonho, que para Piaget
poder ser resolvido num prximo futuro, anula a possibilidade
de efetivao da interdisciplinaridade a partir do conhecimento
e da interao entre as estruturas das cincias.
Indo mais alm, contrariando essa colocao que por si
s j prova sua impossibilidade, conclui-se, como Gusdorf, ser
a interdisciplinaridade o instrumento epistemolgico capaz
de alargar os limites da formalizao lgico-matemtica23. E
na mudana de atitude dos formalistas lgicos, em aceitar os
limites de sua linguagem, haveria a possibilidade de efetivao
da real interdisciplinaridade.
Alm de Piaget e Boisot, encontram-se como adeptos desse posicionamento Andr Lichnerowicz24, que estabelece relaes entre o modelo matemtico e a transdisciplinaridade, e
Leo Apostel, que procura construir uma interdisciplinaridade
baseando-se na comparao de alguns modelos utilizados pelas diferentes cincias25.
1.1.3. A ANLISE SoCIOANTROPOLGICA DE JANTSCH26

Jantsch considera a interdisciplinaridade do ponto de vista dos valores da sociedade global, levando em conta o triplo
papel da Universidade: ensino, pesquisa e servio.
23. Cf. G. Gusdorf, op. cit., p. 642.
24. Cf. A Lichnerowicz, Mathematique et Transdisciplinarit,
LInterdisciplinarit, p. 125.
25. Cf. Leo Apostei, Study on the main trends of Research in the
Social and Human Sciences, Interdisciplinary Relations among the Sciences
of Man, Unesco.
26. Cf. E. Jantsch, Da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade
no ensino, LInterdisciplinarit, p. 98 ss.
Gnese e formao do conceito de interdisciplinaridade

65

Fazendo uma anlise das colocaes estruturais anteriormente discutidas, Jantsch questiona a possibilidade de existirem relaes estruturais independentes de uma finalidade humana e social. Toda sua anlise realiza-se sob uma perspectiva
de sistema, no qual o modelo a ao humana.
Nesse sentido, a interdisciplinaridade para ele supe a organizao da cincia, segundo uma finalidade (contrria colocao anterior que pressupe uma estrutura desumanizada da
realidade), em que as interaes dinmicas tm por fim exercer
uma influncia determinante sobre o desenvolvimento da sociedade e suas circunstncias. Nesse sentido, o saber aparece
como uma maneira de fazer ou gerar tarefas, ou seja, o ensino
constitui-se num meio de autorrenovao27.
Admitindo-se, diz ele, que o ensino tem por objeto dar
sociedade a capacidade de autorrenovao, pode-se concluir
ser ele o mais importante agente de renovao. Para que isto
ocorra, faz-se necessrio que as disciplinas escolares estejam
organizadas de um modo particular que dependa de uma
orientao normativa do ensino e da inovao.
As relaes entre as disciplinas e suas correlaes ou relaes mtuas no correspondem mais a um sistema cientfico
pressuposto, mas a um modelo da ao humana.
Conceber a organizao da cincia segundo uma finalidade consiste em saber a qual fim corresponde a interdisciplinaridade. As disciplinas cientficas so ento coordenadas por uma
axiomtica comum um ponto de vista ou objetivo comum.
Exemplo: se o que se pretende submeter o sistema a uma noo de progresso (inerente ao pensamento cristo), ter-se- um
sistema de ensino e inovao inteiramente diferente de algum
outro que resulte de uma noo de equilbrio ecolgico ou de
desenvolvimento cclico (inerente ao indusmo e ao budismo).
27. Cf. E. Jantsch, op. cit., p. 101.

66

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Entretanto, existe um princpio de organizao, de cooperao e coordenao que estabelece as correlaes necessrias
nesse sistema interdisciplinar. Nesse sentido, pode-se concluir
que Jantsch pressupe a necessidade de uma atitude de coordenao e cooperao entre as disciplinas para efetivao da
interdisciplinaridade.
Jantsch introduz tambm uma etapa intermediria para
a consecuo da interdisciplinaridade, que ele denomina disciplinaridade cruzada implica a reinterpretao dos conceitos e objetivos das disciplinas luz do objetivo especfico da
disciplina em questo.
Interdisciplinaridade ento para Jantsch:
axiomtica comum a um grupo de disciplinas conexas, definida ao nvel ou subnvel hierrquico imediatamente superior, o que introduz uma noo de
finalidade; a interdisciplinaridade teleolgica coloca-se entre o nvel emprico e o nvel pragmtico, a
interdisciplinaridade normativa coloca-se entre o nvel pragmtico e o normativo, a interdisciplinaridade
objetivada coloca-se entre o nvel normativo e o dos
objetivos28.
Disciplinaridade cruzada: a axiomtica de uma s
disciplina, imposta a outras disciplinas do mesmo nvel hie
rrquico.29
Jantsch tenta com essa descrio estabelecer uma diferenciao terminolgica baseando-se nos graus de cooperao e
de coordenao nos sistemas de ensino; ou seja, pretende elucidar os termos na medida em que estes se configuram numa
prxis educacional. Assim sendo, os nveis a que ele se refere
seriam as esferas de ao educacional propriamente ditas.
28. Cf. LInterdisciplinarit, p. 108-109.
29. Cf. Ibid., p. 108.
Gnese e formao do conceito de interdisciplinaridade

67

A diferenciao entre pluri, multi, inter e transdisciplinaridade proposta por Jantsch corrobora e completa a de Guy
Michaud, anteriormente citada.
Multidisciplinaridade gama de disciplinas que se propem simultaneamente, mas sem fazer aparecer as relaes que possam existir entre elas; destina-se a um
sistema de um s nvel e de objetivos mltiplos, mas
sem nenhuma cooperao.
Pluridisciplinaridade justaposio de diversas disciplinas, situadas geralmente no mesmo nvel hierrquico e agrupadas de modo que faam aparecer as
relaes existentes entre elas; destina-se a um tipo de
sistema de um s nvel e de objetivos mltiplos, onde
existe cooperao, mas no coordenao.
Interdisciplinaridade destina-se a um sistema de dois
nveis e de objetivos mltiplos onde h coordenao
procedendo do nvel superior.
Transdisciplinaridade coordenao de todas as disciplinas e interdisciplinas do sistema de ensino inovado, sobre a base de uma axiomtica geral destina-se a
um sistema de nvel e objetivos mltiplos h coordenao com vistas a uma finalidade comum dos
sistemas30.
A inteno ao colocar resumidamente esta posio de
Jantsch apresentar mais uma entre as vrias perspectivas que
envolvem a problemtica interdisciplinar. No caber aqui
uma definio mais detalhada do que ele prope em termos de
sistema, ou mesmo detalhar a importncia ou relevncia dos
chamados nveis do sistema de ensino.
Entretanto, cumpre salientar a importncia desta colocao, preocupada como est em supor a organizao das
30. Ibid., p. 108.

68

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

cincias segundo uma finalidade, e em explicar a dinmica


interdisciplinar em seu efetivo funcionamento. A concepo
que ele tem do ensino a de um meio de autorrenovao, de
engajamento na problemtica poltico-social, nesse sentido
tornando-se agente e paciente das transformaes cientficas
e sociais. Numa palavra, ao imprimir uma finalidade cincia,
procura eliminar as barreiras existentes entre a teoria e a prtica, entre o homem intelectualizado e o mundo; de um ensino
alienado, passa a conceber uma educao engajada.
Essa anlise feita por Jantsch pressupe uma modificao
na atitude epistemolgica de compreenso do conhecimento,
ao salientar a necessidade de uma finalidade na organizao
das cincias. Com isso inicia a proposio de um novo discurso pedaggico, o que pode ser constatado na forma como
proposta a questo da interdisciplinaridade: como meio de
autorrenovao e como forma de cooperao e coordenao
crescente entre as disciplinas.
1.2. CONCLUSES

Esta breve apresentao de alguns dos principais pressupostos a respeito do conceito de interdisciplinaridade leva
concluso de que existe uma variao no nome, no contedo,
na forma de atuao.
Conclui-se, igualmente, que existe uma preocupao em
definir a terminologia adotada, embora essa definio baseiese em diferentes pressupostos.
Abstraindo toda a terminologia correlata apresentada, e
permanecendo apenas em torno dos conceitos de pluri, multi,
inter e transdisciplinaridade, por serem esses os termos mais
utilizados na bibliografia especializada, poder-se-ia dizer,
como salienta Japiass em Interdisciplinaridade e patologia do sa
ber, que existe uma gradao entre esses conceitos, gradao
Gnese e formao do conceito de interdisciplinaridade

69

essa que se estabelece ao nvel de coordenao e cooperao entre as disciplinas31.


Em nvel de multi e de pluridisciplinaridade, ter-se-ia uma
atitude de justaposio de contedos de disciplinas heterogneas ou a integrao de contedos numa mesma disciplina,
atingindo-se quando muito o nvel de integrao de mtodos,
teorias ou conhecimentos.
Em nvel de interdisciplinaridade, ter-se-ia uma relao de
reciprocidade, de mutualidade, ou melhor dizendo, um regime
de copropriedade que iria possibilitar o dilogo entre os interessados. Neste sentido, pode dizer-se que a interdisciplinaridade depende basicamente de uma atitude32. Nela a colaborao
entre as diversas disciplinas conduz a uma interao, a uma
intersubjetividade como nica possibilidade de efetivao de um
trabalho interdisciplinar.
O nvel da transdisciplinaridade, como evoca a prpria
nomenclatura, seria o nvel mais alto das relaes iniciadas nos
nveis multi, pluri e inter. Trata-se de um sonho, no dizer de
Piaget, mais que de uma realidade.
Gusdorf critica sobremaneira esta postura, pois, ao enunciar-se a ideia de uma transcendncia, pressupe-se a de uma
instncia cientfica capaz de impor sua autoridade s demais
disciplinas. Este carter impositivo da transdisciplinaridade
negaria a possibilidade do dilogo, condio sine qua non para
exerccio efetivo da interdisciplinaridade.
A interdisciplinaridade pressupe basicamente uma intersubjetividade, no pretende a construo de uma supercincia,
31. Entenda-se por disciplina: diferentes domnios do conhecimento, na medida em que so sistematizados de acordo com determinados
critrios.
32. Este posicionamento pessoal: interdisciplinaridade como ati
tude, por ser o aspecto mais crtico desta investigao, ser retomado
seguidamente.

70

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

mas uma mudana de atitude diante do problema do conhecimento, uma substituio da concepo fragmentria para a
unitria do ser humano.
J que a multi ou a pluridisciplinaridade implicam, quan
do muito, o aspecto de integrao de conhecimentos, poderse-ia dizer que a integrao ou a pluri ou a multidisciplinaridade
seria uma etapa para a interao para a interdisciplinaridade, e
esta, por conseguinte, uma etapa para a transdisciplinaridade
(que, entretanto, no passa de uma idealizao utpica).
Conceituados os termos, e tendo-se como aceita a interdisciplinaridade como questo de atitude, surge a preocupao
em verificar sua utilidade, valor e aplicabilidade, com a finalidade de estabelecer uma articulao entre o universo epistemolgico e o universo pedaggico da interdisciplinaridade.

Gnese e formao do conceito de interdisciplinaridade

71

CAPTULO II

Utilidade, valor e aplicabilidade


da interdisciplinaridade

nterdisciplinaridade um termo utilizado para caracterizar a colaborao existente entre disciplinas diversas ou entre setores heterogneos de uma mesma cincia
(exemplo: Psicologia e seus diferentes setores: Personalidade,
Desenvolvimento Social etc.). Caracteriza-se por uma intensa
reciprocidade nas trocas, visando a um enriquecimento mtuo.
No cincia, nem cincia das cincias, mas o ponto de
encontro entre o movimento de renovao da atitude diante
dos problemas de ensino e pesquisa e da acelerao do conhecimento cientfico.

Surge como crtica a uma educao por migalhas1, co


mo meio de romper o encasulamento da Universidade e incorpor-la vida, uma vez que a torna inovadora ao invs de mantenedora de tradies.
Interdisciplinaridade no uma panaceia que garantir
um ensino adequado, ou um saber unificado, mas um ponto
1. Definio usada pelo Dr. Angel Diego Marquez, em conferncia
proferida em nov./73 USP Faculdade de Educao.

73

de vista que permite uma reflexo aprofundada, crtica e salutar sobre o funcionamento do mesmo. proposta de apoio
aos movimentos da cincia e da pesquisa. possibilidade de
eliminao do hiato existente entre a atividade profissional
e a formao escolar. condio de volta ao mundo vivido e
recuperao da unidade pessoal, pois o grande desafio no
a reorganizao metdica dos estudos e das pesquisas, mas
a tomada de conscincia sobre o sentido da presena do homem no mundo2. A partir destas consideraes de ordem
epistemolgica, pretende-se passar a um questionamento pedaggico, ou seja, definir a utilidade, valor e aplicabilidade da
interdisciplinaridade.
Em 1970, um grupo de peritos de diferentes Universida
des, representantes dos Estados Unidos, Frana, Reino Unido,
Turquia, Alemanha e ustria, reuniu-se sob os auspcios da
OCDE para tentar estabelecer o papel da interdisciplinaridade
em diferentes domnios e, consequentemente, demonstrar sua
utilidade e aplicabilidade. Com base em algumas de suas principais concluses, sero considerados o valor e a aplicabilidade
da interdisciplinaridade.
2.1. COMO MEIO DE CONSEGUIR
UMA MELHOR FORMAO GERAL

a) inicialmente, o objetivo permitir aos estudantes melhor desenvolver suas atividades, melhor assegurar sua
orientao, a fim de definir o papel que devero desempenhar na sociedade.
b) tambm necessrio que aprendam a aprender.

2. H. Japiass, Interdisciplinaridade e patologia do saber, p. 31.

74

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

c) importante que se situem no mundo de hoje, criticando e compreendendo as inumerveis informaes


que os agridem cotidianamente3.
Torna-se fundamental um enfoque interdisciplinar pelas razes acima enumeradas, pois somente ele ir possibilitar uma certa identificao entre o vivido e o estudado, desde
que o vivido resulte da interrelao de mltiplas e variadas
experincias.
A possibilidade de situar-se no mundo de hoje, de compreender e criticar as inumerveis informaes que nos agridem cotidianamente, s pode acontecer na superao das
barreiras existentes entre as disciplinas. A preocupao com
a verdade de cada disciplina seria substituda pela verdade do
homem enquanto ser no mundo.
Por no serem fixas as relaes homem-mundo, por esta
dinmica exigir uma reflexo verdadeiramente crtica que possibilite a compreenso em termos dialticos das diferentes formas pelas quais o homem conhece; por ser a verdadeira compreenso, produto imediato de uma real conscientizao4, ou
melhor, de uma interconscientizao, cuja condio de possibilidade o dilogo; por ser condio sine qua non para efetivao do dilogo, para que haja encontro, revelao de sentido,
mutualidade5, para que educador e educando sejam participantes de uma mesma situao, pode-se concluir ser a interdisciplinaridade o momento que melhor propicia o acontecer dessa situao dialgica. Nela no se admite que o conhecimento
se restrinja a campos delimitados de especializao, pois na
3. Cf. C. C. Abt, Jantsch etc., LInterdisciplinarit, p. 12.
4. Conscientizao aqui entendida no sentido dado por P. Freire
em Insero crtica da pessoa, numa realidade desmitificada, Accion
Cultural para la Libertad, p. 89.
5. Mutualidade entendida no sentido de Buber da aceitao do outro, da confiana recproca La vie en Dialogue, p. 241.
Utilidade, valor e aplicabilidade da interdisciplinaridade

75

opinio crtica do outro que uma opinio formada, onde a


linguagem no de um mas de vrios.
A abertura provocada por esse dilogo entre as disciplinas s poderia ocorrer sob uma atitude interdisciplinar. A soma
de opinies isoladas, ou a justaposio que a multidisciplinaridade acarreta, levaria ao encasulamento e manuteno do
status quo.
2.2. COMO MEIO DE ATINGIR UMA FORMAO
PROFISSIONAL

a) Na maior parte dos casos, a atividade profissional exige atualmente o aporte de muitas disciplinas
fundamentais.
b) Reconhece-se que no futuro todo indivduo ter oportunidade de mudar muitas vezes de profisso durante sua vida; pelo fato dessa mobilidade de emprego,
h necessidade de uma plurivalncia na formao
profissional6.
O aporte de mltiplas e variadas disciplinas faz-se necessrio, sobretudo por possibilitar adaptaes a uma inevitvel
mobilidade de emprego, criando at a possibilidade da carreiras em novos domnios.
Alm disso, permite a abertura a campos novos do conhecimento e novas descobertas, pois somente na demonstrao
da unidade dos fenmenos ser possvel manifestar-se sua variedade. Permitir tambm a realizao de objetivos comuns, a
partir de pontos de vista diferentes.
Pela proximidade dos problemas tratados com as experincias cotidianas, possvel, tambm, atravs de uma atitude
6. Cf. C. C. Abt, Jantsch etc., op. cit., p. 12.

76

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

interdisciplinar a manuteno de um interesse e curiosidade


constantes, j que mais motivador tratar de problemas que se
estejam vivenciando.
Alm da interdisciplinaridade permitir a especializao,
busca encontrar uma soluo humana ao problema da crescente especializao que conduz o saber a um nvel cada vez
mais superficial, desde que considera relevante os aportes de
toda e qualquer cincia, sem restringir-se a uma em particular.
Entretanto, resta questionar se a interdisciplinaridade viria realmente atender aos anseios do homem e projet-lo numa
dimenso mais crtica e realista, ou se a pretensa integrao
de disciplinas no seria apenas um meio de reunir alguns mtodos e conceitos que somente levaria o indivduo consecuo de uma proposta ideolgica7.
2.3. COMO INCENTIVO FORMAO DE PESQUISADORES
E DE PESQUISAS

a) o objetivo preparar os estudantes pesquisa (pela


pesquisa), quer dizer, saber analisar as situaes, saber
colocar os problemas de uma forma geral e conhecer
os limites de seu prprio sistema conceitual. A formao de pesquisadores deve ser no sentido de preparlos para que possam dialogar de maneira frutuosa com
os pesquisadores de outras disciplinas.
b) assim, no somente a confrontao de mtodos, mas a
interao de disciplinas parece ser condio primordial do progresso da pesquisa; essa interao tem
7. Cf. L. Althusser, Filosofia e filosofia espontnea dos cientistas, p. 23:
Proposio ideolgica uma proposio que, sendo o sintoma de uma
realidade diferente da que visa, uma proposio falsa, na medida em
que tem por objeto a prpria realidade que visa.
Utilidade, valor e aplicabilidade da interdisciplinaridade

77

seus mtodos prprios; ela prpria implica a elaborao prvia de um modelo das cincias, fazendo aparecer suas inter-relaes8.
A pesquisa interdisciplinar tem como principal mrito a
superao do dualismo: pesquisa terica versus pesquisa prtica, em favor de um tipo que Japiass intitula orientada9.
A pretenso no entrar na anlise desse tipo de pesquisa,
mas salientar que nos empreendimentos interdisciplinares no
mais possvel separar o conhecimento da prtica. H uma interdependncia profunda entre ambos, uma reciprocidade, ou
mesmo uma relao dialtica de autoimplicao.
O importante na pesquisa interdisciplinar no somente
permanecer no nvel de confrontao de mtodos10.
O sentido das investigaes interdisciplinares o de reconstituir a unidade do objeto, que a fragmentao dos mtodos separou. Entretanto, essa unidade no dada a priori. No
suficiente justapor os dados parciais fornecidos pela experincia comum para recuperar a unidade primeira. Essa unidade
conquistada pela prxis, atravs de uma reflexo crtica sobre a
experincia inicial, uma retomada em termos de sntese.
A interdisciplinaridade princpio de unificao, e no
unidade acabada. Permanecer no confronto de mtodos, teorias ou modelos11 permanecer no nvel multidisciplinar
8. Cf. LInterdisciplinarit, p. 12.
9. H. Japiass, op. cit., p. 87.
10. Cf. J. Ladrire, Recherche Interdisciplinaire et Thologie, p. 54. Existe
uma diversificao de mtodos nas cincias, mas isto s se concebe em
nvel pr-cientfico. Em nvel cientfico existe um projeto de compreenso que visa unidade do saber.
11. O Prof. Leon Apostel, em Interdisciplinary Relations Among The
Sciences of Man, Unesco, salienta que a interdisciplinaridade pode surgir como relao entre combinaes de teorias bsicas das cincias.
Enunciando uma srie de teorias, consideradas por ele como bsicas,

78

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

(anteriormente definido). A real interdisciplinaridade no


prescindiria necessariamente dessa etapa, mas essa integrao poderia ser um momento que antecederia transformao,
a criao propriamente dita. A pretensa busca de um modelo
das cincias do homem, que necessariamente implicaria a anlise e confronto das estruturas das cincias e a busca de uma
estrutura que antecedesse s prprias cincias, , na opinio do
prprio Piaget, um sonho ainda irrealizvel, visto no existir
ainda nas cincias do homem uma hierarquia; como existe, por
exemplo, nas cincias naturais12.
2.4. COMO CONDIO PARA UMA EDUCAO PERMANENTE

necessrio formar os estudantes de tal modo que,


uma vez adultos, sejam capazes de continuar sua
educao aps sair da escola.
Esse prolongamento da formao geral e profissional
ao longo da vida torna-se necessrio a partir da considerao de trs aspectos essenciais:
a) Reciclagem no domnio da atividade profissional.
b) Engajamento13 na vida social e poltica da cidade.
retoma-as em seus enfoques particulares nas diferentes cincias humanas. Ao lado deste confronto, procura verificar em que medida os objetos
das cincias apresentam-se na mente dos cientistas.
12. Segundo Japiass, op. cit., p. 84, nas cincias naturais podemos
descobrir um tronco comum, de tal forma que temos condies de passar da matemtica mecnica, depois fsica e qumica, biologia e
psicologia fisiolgica, segundo uma srie de generalidades crescentes e
complexidades crescentes (esquema comtiano) que ainda no existe nas
Cincias Humanas.
13. O engajamento uma filosofia que caminha com a realidade,
que tem uma ideologia, que assume posio fundamentada, que realiza a prxis (). A ao engajada posicionada, correspondente realidade, transformadora. Katia I. Drgg, O Ensino Municipal de So Paulo:
Utilidade, valor e aplicabilidade da interdisciplinaridade

79

c) Aperfeioamento da Personalidade, numa civilizao de lazeres.14


Para facilitar essa tarefa diuturna de aprimoramento
pessoal e possibilitar um verdadeiro engajamento na vida
social e poltica da cidade, necessrio o exerccio de uma
Educao Permanente15 que tenha se iniciado numa prtica
interdisciplinar.
Isto porque parte-se do princpio que o papel da educao na formao cultural do homem o de dar-lhe as possibilidades e os instrumentos que lhe permitam ser culto, caso seja
essa sua opo. Nesse sentido, o papel do educador ser o de
acompanhar o aluno, de maneira que ambos vivam a comunicao educacional como uma intersubjetividade, atitude esta
que ir possibilitando a troca contnua de experincias.
2.5. COMO SUPERAO DA DICOTOMIA ENSINO-PESQUISA

O que se pretende ao propor a interdisciplinaridade como atitude capaz de revolucionar os hbitos j estabelecidos,
como forma de passar de um saber setorizado a um conhecimento integrado, e uma intersubjetividade, sobretudo frisar
que a partir desse novo enfoque pedaggico, j no mais possvel admitir-se a dicotomia ensino-pesquisa, visto que nela, a
pesquisa constitui a nica forma possvel de aprendizagem.
Entretanto, a superao desta dicotomia se admitir na medida em que houver condies do ensino preparar suficientemente para uma pesquisa interdisciplinar, atravs de metodologia
uma anlise crtica do planejamento curricular. So Paulo, Loyola,
1979.
14. Cf. LInterdisciplinarit, p. 12.
15. A questo Educao Permanente foi assunto central do Relatrio
Faure, apontada como soluo para a crise da Educao no 3 mundo
calcada em modelos, dicotmica e alienada.

80

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

adequada, e na medida em que a pesquisa fornecer ao ensino os


instrumentos e conceitos de uma metodologia interdisciplinar16.
Para que isto ocorra, faz-se necessrio um treinamento adequado dos professores no efetivo exerccio de uma prtica interdisciplinar, pois somente a partir de um treino na arte de compreender e fazer-se entender, na reciprocidade, coparticipao e
respeito pela opinio alheia, aliados a uma busca e luta para objetivos comuns, haver condies de eliminao dessa dicotomia.
2.6. COMO FORMA DE COMPREENDER E
MODIFICAR O MUNDO

O homem est no mundo, e pelo prprio fato de estar no


mundo, ser agente e sujeito do prprio mundo, e deste mundo ser Mltiplo e no Uno, torna-se necessrio que o homem o
conhea em suas mltiplas e variadas formas, para que possa
compreend-lo e modific-lo.
Nesse sentido, o homem que se deixa encerrar numa
nica abordagem do conhecimento vai adquirindo uma viso
deturpada da realidade. Ao viver, encontra uma realidade multifacetada, produto desse mundo, e evidentemente mais oportunidades ter em modific-la na medida em que a conhecer
como um todo, em seus inmeros aspectos.
Para que isto ocorra, necessrio, sobretudo, que haja
uma preparao. Essa preparao, que inicialmente tomou
o nome de Paideia (formao do homem total), passou a ser
uma formao dividida, produto da Ocidentalizao com seu
consequente aumento do saber e a necessidade de criar-se um
sistema de Educao (Famlia, Igreja, Escola etc.), dando a cada
um seu papel.
16. H. Japiass, em Interdisciplinaridade e patologia do saber, ensaia as
bases para essa metodologia.
Utilidade, valor e aplicabilidade da interdisciplinaridade

81

Escola, foi designado o papel de Transmissora de


Cultura, pelo motivo de ser a detectora de uma educao
sistematizada.
De uma ideia deturpada de cultura como Transmisso
de Conhecimentos, o valor do indivduo passou a ser medido
pelo maior nmero de conhecimentos que ele pudesse adquirir. Isto fez com que o homem deixasse de ser o sujeito-efetivo,
o agente de transformaes, para constituir-se no homem-objeto, o receptor das transformaes17.
A interdisciplinaridade visa recuperao da unidade humana18 atravs da passagem de uma subjetividade para uma
intersubjetividade19 e, assim sendo, recupera a ideia primeira
de Cultura (formao do homem total), o papel da escola (formao do homem inserido em sua realidade) e o papel do homem (agente das mudanas no mundo).
2.7. INTEGRAO COMO NECESSIDADE e
INTERDISCIPLINARIDADE

Foi salientada no captulo 1, p. 53, a necessidade da integrao, como um momento anterior interdisciplinaridade.
necessrio que se reafirme esse aspecto funcional da integrao; como etapa e no como um produto acabado da
interdisciplinaridade.
17. A ideia de sujeito (pr-sujeito e sujeito efetivo) encontra-se bem
desenvolvida em A. De Waelhens, Facticidade e transcendncia, p. 79.
18. O senso da unidade humana encontra-se deturpado por culpa
do separatismo metafsico, da traduo quase unnime, que ope a irredutibilidade do esprito irredutibilidade da vida humana Georges
Gusdorf, Tratado de Metafsica, p. 210.
19. Por intersubjetividade compreende-se o ultrapassar de um estgio
subjetivo, em que as limitaes so camufladas, a um estgio compreensivo, em que se passa a aceitar e incorporar as experincias dos outros, a
ver na experincia do outro a complementao da sua prpria.

82

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

O fato de haver integrao pode ocasionar muitas vezes uma canalizao de esforos para sua manuteno ao
passo que esta deve ser uma decorrncia natural no processo
interdisciplinar.
A partir dela, as preocupaes iro crescendo e desenvolvendo-se no sentido de questionar a prpria realidade e suas
perspectivas de transformao, ou seja, a integrao seria uma
etapa anterior interdisciplinaridade, em que se iniciaria um
relacionamento, um estudo, uma exegese dos conhecimentos e
fatos a serem posteriormente interados.
A interdisciplinaridade fator de transformao, de mudana social, enquanto a integrao como fim em si mesma
fator de estagnao, de manuteno do status quo. Na integrao a preocupao seria ainda com o conhecer e relacionar
contedos, mtodos, teorias ou outros aspectos do conhecimento. Neste sentido que permanecer apenas nela seria manter as coisas como elas se apresentam, embora de uma forma
mais organizada.
Um caso mais srio ainda quando a integrao est a servio de objetivos escamoteados, como pode acontecer quando
as preocupaes passam a ser nica e exclusivamente com as
formas de integrar. Permanecer neste nvel no abre oportunidade de questionamento da prpria realidade.
Muitas vezes, servem-se da integrao para entreter
as pessoas num jogo de reunir, quando integrar passa a ser a
meta final e as reflexes ou crticas a uma estrutura maior, ou
prpria sociedade manipuladora, so ento emudecidas. Em
nome muitas vezes de uma integrao para o desenvolvimento, perde-se a oportunidade de integrar-se para a mudana.
Um problema educacional tal como a integrao de programas de estudos, por exemplo, exige um questionamento
de problemas referentes clientela, comunidade, recursos
Utilidade, valor e aplicabilidade da interdisciplinaridade

83

humanos e materiais. Permanecer apenas na integrao de


contedos, em vez de caminhar para uma mudana ou transformao da prpria realidade, pode resultar somente num
novo jogo de palavras, numa nova rotulao para velhos problemas, enquanto as causas reais permanecem sem soluo, ou
mesmo sem questionamento.
A respeito, portanto, da integrao em relao interdisciplinaridade, conclui-se em favor da necessidade da integrao
como momento, como possibilidade de atingir uma interao, uma interdisciplinaridade com vistas a novos questionamentos, novas buscas, enfim, para uma mudana na atitude de
compreender e entender.

2.8. CONCLUSES

A necessidade da interdisciplinaridade impe-se no s


como forma de compreender e modificar o mundo, como tambm por uma exigncia interna das cincias, que buscam o restabelecimento da unidade perdida do Saber.
O valor e a aplicabilidade da interdisciplinaridade, portanto,
podem-se verificar tanto na formao geral, profissional, de pesquisadores, quanto como meio de superar a dicotomia ensinopesquisa e como forma de permitir uma educao permanente.
Todavia, essa necessidade muitas vezes camuflada por
certas realidades distorcidas. O verdadeiro esprito interdisciplinar nem sempre bem compreendido. H o perigo de que as
prticas interdisciplinares se tornem ou prticas vazias, produtos de um modismo em que, por no se ter nada que discutir,
discute-se em mesas-redondas, como salienta Althusser, em
Filosofia e filosofia espontnea dos cientistas, ou constituem-se
em meras proposies ideolgicas, impedindo o questionamento de problemas reais.

84

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Neste sentido, a interdisciplinaridade agiria como um


embotador de criatividade. Girando em torno apenas de seu
mtodo, entreteria seus participantes num jogo de integrao,
desviando, assim, seu tempo e sua ateno para questionamentos mais reais, sobretudo em criticar a prpria realidade
circundante e reconhecer seu papel dentro dela.

Utilidade, valor e aplicabilidade da interdisciplinaridade

85

CAPTULO III

A efetivao da interdisciplinaridade:
obstculos e possibilidades

stabelecidas as principais diferenas terminolgicas entre


inter, multi, pluri e transdisciplinaridade, bem como algumas conotaes do termo disciplina, tem-se por aceite que
existe uma profunda diferena entre integrao e interdisciplinaridade, ou seja, a integrao poderia acontecer em aspectos parciais, como: confronto de mtodos, teorias-modelo ou
conceitos-chave das diferentes disciplinas, ao passo que, delimitando mais rigorosamente o conceito de interdisciplinaridade, conclui-se que esta seria um passo alm dessa integrao,
ou seja, para que haja interdisciplinaridade deve haver uma
sintonia e uma adeso recproca, uma mudana de atitude
diante de um fato a ser conhecido; enfim, o nvel interdisciplinar exigiria uma transformao, ao passo que o nvel de integrar exigiria apenas uma acomodao.
O aspecto integrao poderia ser identificado, dentro da
terminologia que vem sendo usada, como multi ou pluridisciplinar, onde no existe uma preocupao com a interao,
mas apenas com a justaposio de contedos de disciplinas
heterogneas, ou com a integrao de contedos numa mesma

87

disciplina, ao passo que a interao seria condio necessria


para a interdisciplinaridade.
Apontadas as principais finalidades e aplicabilidade da
interdisciplinaridade: como necessria formao geral, profissional, formao de pesquisadores, como condio de uma
educao permanente, como superao da dicotomia ensinopesquisa e como forma de compreender e modificar o mundo,
bem como as pretenses pseudointerdisciplinares, resta salientar quais seriam seus obstculos e possibilidades de efetivao.
J que a interdisciplinaridade uma forma de compreender e modificar o mundo, pelo fato de a realidade do mundo ser
mltipla e no una, a possibilidade mais imediata que nos afigura para sua efetivao no ensino seria a eliminao das barreiras entre as disciplinas. Anterior a esta necessidade bsica, bvia a necessidade da eliminao das barreiras entre as pessoas.
O ensino interdisciplinar nasce da proposio de novos
objetivos, novos mtodos, enfim de uma nova Pedagogia,
cuja tnica primeira seria a supresso do monlogo e a instaurao de uma prtica dialgica.
3.1. OBSTCULOS EPISTEMOLGICOS E INSTRUCIONAIS

No ensino, os conhecimentos so organizados em funo


das disciplinas.
Disciplinas so no s um meio cmodo de dividir os
conhecimentos em partes; elas tambm constituem
a base sobre a qual so organizadas experincias de
ensino e pesquisa1. Constituem a espinha dorsal do
sistema escolar. Qualquer mudana hierrquica ou
qualitativa das disciplinas implica a mudana das diretrizes centrais do sistema.
1. Cf. LInterdisciplinarit, p. 7.

88

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

A classificao dos conhecimentos segundo uma hierarquia de disciplinas o reflexo dos valores sociais vigentes, portanto segue uma ordem de conhecimentos preestabelecida2,
ordem essa determinada pelo tempo e espao em que se situa
o fenmeno, estabelecida com a finalidade de facilitar a compreenso dos fatos.
A passagem do conhecimento ao, por sua prpria
complexidade, envolve uma srie de fenmenos sociais e naturais que exigiro uma interdependncia de disciplina, assim
como o surgimento de novas disciplinas. Nesse sentido, pelo
prprio fato de a realidade apresentar mltiplas e variadas
facetas, no mais possvel analis-la sob um nico ngulo,
atravs de uma s disciplina. Torna-se necessria uma abordagem interdisciplinar que leve em conta o mtodo aplicado,
o fenmeno estudado e o quadro referencial de todas as disciplinas participantes, assim como uma relao direta com a
realidade.
O que se pretende, portanto, no propor a superao de
um ensino organizado por disciplinas, mas a criao de condies de ensinar em funo das relaes dinmicas entre as
diferentes disciplinas, aliando-se aos problemas da sociedade.
A interdisciplinaridade torna-se possvel, ento, na medida
em que se respeite a verdade e a relatividade de cada disciplina,
tendo-se em vista um conhecer melhor.
No se trata de negar certas recorrncias nas disciplinas cientficas, mas de mostrar que no mais
possvel conceber a cincia como um monumento
que se construiria estgio por estgio, cumulativa e
continuamente, sobre fundamentos definitivamente
slidos e garantidos3.
2. Cf. Ibid., p. 7.
3. H. Japiass, Interdisciplinaridade e patologia do saber, p. 63.
A efetivao da interdisciplinaridade: obstculos e possibilidades

89

O que se pretende mostrar que, ao lado da necessidade


dos aportes cientficos, faz-se indispensvel uma anlise das
convergncias, da coparticipao interdisciplinar4. Neste
sentido que se pode afirmar a possibilidade da interdisciplinaridade, na medida em que se eliminarem as barreiras entre
as disciplinas.
Para Gusdorf 5, o que impede a eliminao das barreiras
entre as disciplinas basicamente o comodismo, pois mais
fcil trabalhar sob a forma parcelada do que discutir as ideias
alheias ou colocar em discusso as prprias ideias.
Esses hbitos adquiridos acarretam a rigidez das estruturas institucionais.
Cada disciplina nova se coloca numa atitude de consagrar-se diante das demais para assegurar seu lugar,
cortando a comunicao com todo o restante do espao mental. Essa atitude quase sempre reforada
pela instituio, que incita teorizao e manuteno de um capitalismo epistemolgico6.
A manuteno de seu poder diante das outras disciplinas
exige a criao de uma linguagem prpria, que garanta a cada
cincia a possibilidade de encerrar seu conhecimento em um
domnio cada vez mais restrito, com a finalidade de garantir
sua supremacia. A ela so admitidos apenas seus iniciados, especialistas em decifrar seu difcil palavreado. Na inteno de
preservar seu status, cortam a comunicao com tudo o mais, e
nesse isolamento vo se consumindo.
A possibilidade da eliminao das barreiras existentes entre as disciplinas resultar de uma motivao adequada que
4. Japiass, op. cit., p. 63.
5. Cf. G. Gusdorf, Interdisciplinaire (connaissance), verbete da
Enciclopaedia Universalies, p. 1086 a 1090.
6. Cf. Ibid.

90

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

liberte as instituies da inrcia em que jazem e na destruio


do mito da supremacia das cincias.
3.2. OBSTCULOS PSICOSSOCIOLGICOS E CULTURAIS

Mais difcil que transformar as estruturas institucionais


transformar as estruturas mentais, e, obviamente, esta transformao seria condio necessria para a transformao das
primeiras.
Em geral, existe um preconceito em aderir interdisciplinaridade7. Ela quase sempre tida como uma aventura, ou um
diletantismo, e aderir a ela parece ser rejeitar a especializao.
Esse preconceito persiste ante a perspectiva de instaurar-se uma
metodologia de trabalho interdisciplinar, com o medo de que
em nome do restabelecimento de uma unidade global perca-se
a unidade particular.
Vrias so as causas que podem provocar essa atitude: um
desconhecimento do real significado do projeto interdisciplinar, que muitas vezes tomado estritamente em seu aspecto
metodolgico; a falta de formao especfica para esse tipo de
trabalho, constituindo-se este no principal obstculo eliminao das barreiras entre as pessoas; a acomodao pessoal e
coletiva, pois toda mudana requer uma nova sobrecarga de
trabalho, um certo medo em perder prestgio pessoal, pois
o esprito interdisciplinar chega at ao anonimato. O trabalho
de um (embora talvez at mais valorizado do que num sistema
tradicional) anula-se em favor de um objetivo maior.
Um projeto interdisciplinar que se caracterize por uma
profunda converso da inteligncia diante do problema do
7. Verificar a sntese das respostas ao questionrio realizado pela
OCDE, anteriormente citado, a respeito dos significados e vantagens da
interdisciplinaridade em LInterdisciplinarit, cap. I.
A efetivao da interdisciplinaridade: obstculos e possibilidades

91

conhecimento8, tanto individual quanto coletiva, que pressuponha certa humildade, abertura e curiosidade9 como caracterstica indispensveis, requer uma equipe especializada que
parta em busca de uma linguagem comum.
Como condio de realizao desses quesitos bsicos,
H.Japiass prope uma Metodologia do Interdisciplinar10, cujo enfoque central seria o da comunicao: reflexo + ao conjugada.

3.3. OBSTCULOS METODOLGICOS

Entre todos os obstculos citados, parece ser este o de


maior importncia, j que a elaborao e adoo de uma metodologia de trabalho interdisciplinar implica a prvia superao
dos obstculos institucionais, epistemolgicos, psicossociolgicos, culturais, de formao de pessoal capacitado e tambm
a superao dos obstculos materiais.
Essa metodologia postularia, portanto, uma reformulao generalizada da estrutura da ensino das diferentes disciplinas num questionamento sobre a validade ou no das referidas disciplinas em funo do tipo de indivduo que se pretende
formar.
Partindo da colocao inicial deste trabalho, da interdisciplinaridade como atitude, torna-se necessrio que ao elaborar
essa metodologia cada um esteja impregnado de um esprito
epistemolgico suficientemente amplo, para que possa observar as relaes de sua disciplina com as demais, sem negligenciar o terreno de sua especialidade11. Alm disso, considera-se
tambm indispensvel o estabelecimento da problemtica da
8. Cf. G. Gusdorf, Carta pessoal, 10 outubro de 1977.
9. Cf. LInterdisciplinarit, p. 203.
10. Em Interdisciplinaridade e patologia do saber, 2 parte.
11. Ibid., p. 35.

92

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

pesquisa de um modo bastante claro, numa linguagem que todos compreendam, para que cada um saiba exatamente qual
seu grau de participao. Isto no significa que se deva estabelecer uma hierarquia rgida, mas, que todos os dados coletados meream a mesma importncia, e que seja adotada uma
postura uniforme quando da anlise e reflexo de todos os
elementos indicados. A escolha das etapas dessa metodologia
e das condies de trabalho da equipe, ou o estabelecimento de
regras mnimas a todos os componentes, demandaria todo um
trabalho de anlise e pesquisa, significando motivo para uma
nova dissertao.
3.4. OBSTCULOS QUANTO FORMAO

A introduo da interdisciplinaridade implica, simultaneamente, uma transformao profunda da Pedagogia e um


novo tipo de formao de professores, caracterizando-se esta
por uma mudana na atitude e na relao entre quem ensina
e quem aprende12.
Passa-se de uma relao pedaggica baseada na transmisso do saber de uma disciplina ou matria que se estabelece
segundo um modelo hierrquico linear a uma relao pedaggica dialgica em que a posio de um a posio de todos.
Nesses termos, o professor passa a ser o atuante, o crtico, o
animador por excelncia. Sua formao substancialmente modifica-se: ao lado de um saber especializado (nesse sentido concorreriam todas as disciplinas que pudessem dot-lo de uma
formao geral bastante sedimentada), a partir portanto de
uma iniciao comum, mltiplas opes podero ser-lhe oferecidas em funo da atividade que ir posteriormente desenvolver. Cada uma dessas opes poder compor-se de um grupo
12. Cf. LInterdisciplinarit, p. 239.
A efetivao da interdisciplinaridade: obstculos e possibilidades

93

de disciplinas homogneas quanto a seu mtodo e objeto, por


exemplo.
Precisa receber tambm uma educao para a sensibilidade, um treino na arte de entender e esperar e um desenvolvimento no sentido da criao e imaginao. A interdisciplinaridade ser possvel pela participao progressiva num trabalho
de equipe que vivencie esses atributos e v consolidando essa
atitude.
necessrio, portanto, alm de uma interao entre teoria e prtica, que se estabelea um treino constante no trabalho
interdisciplinar, pois interdisciplinaridade no se ensina, nem
se aprende, apenas vive-se, exerce-se. Interdisciplinaridade exige
um engajamento pessoal de cada um. Todo indivduo engajado nesse processo ser no o aprendiz, mas, na medida em que
familiarizar-se com as tcnicas e quesitos bsicos, o criador de
novas estruturas, novos contedos, novos mtodos; ser motor de transformao, ou o iniciador de uma feliz liberao13.

3.5. OBSTCULOS MATERIAIS

Ao lado dos obstculos que poderiam denominar-se psicossociolgicos e culturais14, encontram-se alguns obstculos
de ordem material que impossibilitam a eliminao das barreiras entre as pessoas.
O questionrio realizado pela OCDE15, anteriormente citado, revelou que em geral as tentativas de realizao de um
trabalho interdisciplinar resultam na ausncia de um planeja
mento adequado, principalmente no que se refere s questes
13. Cf. G. Berger, LInterdisciplinarit, p. 299.
14. Cf. terminologia usada por G. Gusdorf no verbete sobre Co
nhecimento Interdisciplinar, na Enc. Univ.
15. Cf. LInterdisciplinarit, cap. 1.

94

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

espao e tempo. Quase sempre so produtos da improvisao,


do acaso, das circunstncias e de contratos externos.
A concluso a que chegaram a esse respeito a de que: a
prtica da interdisciplinaridade exige uma nova articulao de
espao e tempo que favorea os encontros e trabalhos em pequenos grupos, assim como os contatos individuais entre professores e estudantes16.
O aspecto econmico-financeiro muito importante,
mas quase sempre esquecido. A motivao para o trabalho
sem remunerao adequada , em geral, muito pouco duradoura. A interdisciplinaridade s se efetuar quando a instituio conscientizar-se de seu valor real.

3.6. CONCLUSES

Da diferenciao entre os termos integrao e interdisciplinar, surge a noo de interao, como requisito fundamental para o trabalho interdisciplinar.
Interdisciplinaridade, necessidade bsica para conhecer e
modificar o mundo possvel de concretizar-se no ensino atravs da eliminao das barreiras entre as disciplinas e entre as
pessoas.
A superao das barreiras entre as disciplinas consegue-se
no momento em que instituies abandonem seus hbitos cristalizados e partam em busca de novos objetivos e no momento
em que as cincias compreendam a limitao de seus aportes.
Mais difcil que esta a eliminao das barreiras entre as
pessoas, produto de preconceitos, falta de formao adequada e comodismo. Essa tarefa demandar a superao de obstculos psicossociolgicos, culturais e materiais.
16. Cf. LInterdisciplinarit, p. 204.
A efetivao da interdisciplinaridade: obstculos e possibilidades

95

Ser exequvel na medida em que se instaurar uma Nova


Pedagogia, a da comunicao. Consequentemente, uma formao pedaggica adequada ao lado de uma metodologia que
leve em conta seus pressupostos.

96

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

CAPTULO IV

Sistematizao das determinaes


legais referentes ao ensino brasileiro
quanto aos aspectos: integrao e
interdisciplinaridade

rocurou-se at aqui relatar numa viso conjunta os aspectos tericos mais controvertidos que envolvem a questo
interdisciplinar: significado, valor, aplicabilidade, obstculos e
possibilidades.
Com a finalidade de verificar de que forma essa questo
tratada na legislao do ensino brasileiro, foram pesquisados
os documentos considerados mais significativos, ou seja, os
que apresentam informaes mais detalhadas a respeito das
questes integrao e interdisciplinaridade.
Partindo do princpio que a integrao de conhecimentos
uma preocupao constante em todo o processo educacional, procurou-se investigar como ela ocorre nos trs nveis de
ensino, em mbito federal, estadual e municipal.

97

4.1. OBJETIVOS E CONTEDO DO ENSINO DE 1 E 2 GRAUS:


LEGISLAO FEDERAL

Os primeiros documentos analisados, Lei 4.024, de 20 de


dezembro de 19611, que fixa as Diretrizes e Bases da Educao
Nacional, e Lei 5.692, de 11 de agosto de 19712, que fixa as
Diretrizes e Bases para o ensino de 1 e 2 graus, estabelecem
os objetivos3 gerais do ensino de 1 e 2 graus e definem os
contedos curriculares4 nos seguintes termos:
O ensino de 1 e 2 graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formao necessria ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de autorrealizao, qualificao para o trabalho e

1. Diretrizes e Bases da Educao Nacional Coletnea do CEE.


2. Ibid.
3. Objetivos: fins visados para o ensino (Parecer 853/71-CFE). So
o ponto de convergncia de todo o processo educativo (Indicao 1/72CFE). Primeiro passo no planejamento do currculo, tm a funo de
orientar todo o processo educacional, ao determinar o perfil do homem.
Guia para o planejamento das sequncias de aprendizagem (Parecer
4833/75-CFE).
4. Contedo: Os contedos so os componentes curriculares obrigatrios (Resoluo 8/71-CFE).
Os contedos so determinados em camadas que sucessivamente
se acrescentam: ncleo comum, outras matrias obrigatrias (exemplo:
Educao Fsica), parte diversificada, parte diversificada profissionalizante (Parecer 853/71-CFE). A escolha dos contedos que iro compor
o currculo dever ser feita, segundo a sistemtica da lei, por aproximaes sucessivas e em escala decrescente, numa intencional busca de autenticidade aos vrios nveis de influncia que se projetam no ensino
(Indicao n. 1/72-CEE). O contedo de acordo com o Parecer 853/71CFE deve ser encarado como o conjunto de diferentes operaes que levam aquisio do conhecimento e formao de hbitos, atitudes e habilidades (Parecer 4833/75-CFE). Os contedos devero ser escalonados
ao longo do curso de modo a se preservar a unidade local, facilitando
a adaptao do aluno transferido e outros procedimentos do processo
educativo (Parecer 4833/75-CFE).

98

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

preparo para o exerccio consciente da cidadania (Art.


1, cap. I, Lei 5.692/71-CFE).
Com respeito prescrio na definio dos contedos curriculares, salienta que:
I O Conselho Federal de Educao fixar para cada
grau as matrias relativas ao ncleo comum, definindo-lhes os objetivos e a amplitude.
II Os conselhos de Educao relacionaro, para os
respectivos sistemas de ensino, as matrias dentre as
quais poder cada estabelecimento escolher as que
devam constituir a parte diversificada.
III Com aprovao do competente Conselho de
Educao, o estabelecimento poder incluir estudos no decorrentes de matrias relacionadas, de
acordo com o inciso anterior (Cap. I, art. 4, 1, Lei
5.692/71-CFE).
Os currculos do ensino de 1 e 2 graus tero um
ncleo comum5, obrigatrio em mbito nacional, e
uma parte diversificada6 para atender, conforme s
5. Ncleo Comum: entende-se por Ncleo Comum o conjunto de matrias obrigatrias em mbito nacional, fixadas pelo CFE em termos de
objetivos e amplitude, voltadas para o aspecto de formao geral.
um ncleo comum de matrias, abaixo do qual se tenha por Incom
pleta a educao bsica de qualquer cidado (Parecer n. 853/71-CFE).
busca dar a indispensvel unidade cultural dentro da diversidade de
situaes apresentadas pelo pas (Parecer n. 332/72-CFE).
primeira fonte de contedos que dever integrar o Currculo Pleno
do estabelecimento (Indicao n. 1/72-CEE).
6. Parte Diversificada: conjunto de matrias escolhidas pelo estabelecimento, dentre uma lista fixada pelos Conselhos Estaduais de Educao,
tendo mbito regional, voltadas para o aspecto de Formao Especial.
Deve atender s necessidades e possibilidades concretas, s peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos e s diferenas individuais
dos alunos (Lei 5.692/71-CFE artigo 4).
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

99

necessidades e possibilidades concretas, s peculiaridades locais, os planos dos estabelecimentos e s diferenas individuais dos alunos (Art. 4, Cap. I Lei
5.692/71-CFE).
Assim sendo, conclui-se que o objetivo geral do ensino de
1 e 2 graus o desenvolvimento das potencialidades do educando, autorrealizao, qualificao para o trabalho, exerccio
de cidadania e que o contedo desse ensino encontra-se estruturado por matrias, sendo que as Matrias do Ncleo Comum
so fixadas pelo CFE e as Matrias da Parte Diversificada constituem-se numa lista geral apresentada pelo CEE cuja escolha
caber ao estabelecimento de ensino.
4.2. CURRCULO E MATRIAS DO ENSINO DE 1 E 2 GRAUS:
LEGISLAO FEDERAL

No que se refere a esses aspectos, os mais significativos


documentos analisados no mbito federal foram o Parecer
853/71, que fixa o ncleo comum para os currculos do ensino
de 1 e 2 graus, e a Doutrina do Currculo na Lei 5.692-CFE7,
a Resoluo 8/71-CFE8, que fixa o ncleo comum para os currculos do ensino de 1 e 2 graus, definindo-lhes os objetivos
e a amplitude; o Parecer 339/72-CFE9, que se refere significao da parte de formao especial do currculo do ensino do 1
grau10 e o Parecer 4.833/75-CFE, que determina o ncleo comum e a organizao curricular a nvel de 1 grau11.

7. Publicao da Secretaria da Educao de S.P. Coordenadoria do


Ensino Bsico e Normal DAP.
8. Ibid.
9. Ibid.
10. Ibid.
11. Documenta n. 181 dezembro 1975.

100

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Quanto designao de Currculo, a Legislao assim


determina:
O currculo que o professor estabelece o somatrio de responsabilidades das diversas esferas de atuao, mas integradas em essncia (Parecer 4.833/75CFE)12.
So matrias13 do ncleo comum e seus contedos especficos:
a) Comunicao e Expresso (Lngua Portuguesa)
b) Estudos Sociais (Geografia, Histria, Organizao
Social e Poltica do Brasil)
c) Cincias (Matemtica, Cincias Fsicas e Biolgicas)
(Art. 1, 1 Resoluo 8/71-CFE).

Exigem-se tambm: Educao Moral e Cvica, Educa


o Fsica, Educao Artstica, Programas de Sade e
Ensino Religioso, este obrigatrio para os estabelecimentos oficiais e facultativo para os alunos (Art. 1,
2, Resoluo 8/71-CFE).

12. Currculo: a palavra currculo tem, alm desta, as seguintes conotaes: Sequncia de experincias atravs das quais a escola tenta estimular o desenvolvimento do aluno (Indicao n. 1/72-CEE).
Currculo o instrumento de ao das escolas (Indicao 1/72-CEE).
Currculo o que transpe as paredes da prpria escola, chega ao lar e
comunidade e implica a noo de que variar de aluno para aluno, segundo as diferenas e a ambincia de cada um (Parecer 4.833/75-CFE).
13. Matria: todo o campo de conhecimentos fixado ou relacionado
pelos Conselhos de Educao, e em alguns casos acrescentado pela escola, antes de sua representao nos Currculos Plenos, sob a forma didaticamente assimilvel de atividades, reas de estudo ou disciplinas.
(Parecer 853/71-CFE).
Tem o significado de potencialidade, daquilo que pode adquirir formas diversas (Parecer 4.833/75-CFE).
Matria matria-prima a ser trabalhada pelos institutos em seus
Planos Curriculares (Parecer 252/69-CFE).
Constitui-se basicamente na parte terica (Indicao 68/75-CFE).
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

101

As matrias fixadas nesta Resoluo sero escalonadas


nos currculos plenos14 do ensino de 1 e 2 graus, da
maior para a menor amplitude15 do campo abrangi-

14. Currculo Pleno constitudo pelas disciplinas, reas de estudo


e atividades que resultem das matrias fixadas, com as disposies necessrias ao seu relacionamento, ordenao e sequncia (Lei 5.692/71CFE).
o currculo j elaborado (Parecer 853/71 C.F.E.).
O Currculo Pleno dever ser entendido como algo a ser planejado
pelas equipes de cada escola, em funo de seus alunos, da comunidade em que se insere, de seus recursos humanos e materiais (Parecer
4.833/75 CFE).
uma categoria de nossa legislao de ensino, dentro do processo
de planejamento. produto da ao conjugada dos rgos normativos,
em mbito federal, estadual, municipal, da escola e dos professores
(Parecer 4.833/75-CFE).
O Currculo Pleno currculo em toda sua dinmica e evidencia-se
no Plano de Estudos do estabelecimento (Parecer 4.833/75-CFE).
O Currculo Pleno trabalho dos professores. Implica o modo
pelo qual a escola organiza os contedos do Ncleo Comum e da Parte
Diversificada de educao geral e formao especial e o tratamento dinmico desses contedos, sob formas flexveis de atividades, reas de
estudo ou disciplinas, conforme as caractersticas da clientela a que se
destine (Parecer 4.833/75-CFE).
O regimento interno dever expressar a composio do Currculo
Pleno, determinando as matrias e seus contedos especficos (Indicao
511/72-CEE).
15. Amplitude: refere-se s matrias, caracterizando-se sua definio
como o estabelecimento da posio relativa do ncleo no conjunto do
currculo (Parecer 853/71-CFE).
a) Refere-se ao relacionamento das matrias com:
seus contedos especficos
outras matrias
totalidade do currculo
b) Refere-se ao enfoque das matrias:
formao geral
educao especial
c) Refere-se forma de atuao em atividades, reas de estudo, disciplinas (Parecer 4.833/75-CFE).

102

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

do, constituindo-se em atividades16, reas de estudo17 e


disciplinas18 (Art. 4 Resoluo 8/71-CFE).
Conclui-se ento que currculo, apesar de ser o instrumento de ao das escolas, implica toda uma Poltica Educacional,
j que o somatrio das diversas esferas de atuao, e que o
Currculo Pleno o currculo j elaborado, ou seja, ocorre na
escola como resultado do trabalho dos professores.
Igualmente conclui-se que as matrias so fixadas pelos
Conselhos de Educao, sendo que a forma pela qual elas sero
trabalhadas competir aos estabelecimentos de ensino, e que
elas sero escalonadas em atividades, reas de estudo e disciplinas, dependendo do grau de complexidade ou amplitude que
atingirem.

16. Atividades: Nas atividades, a aprendizagem far-se- principalmente


mediante experincias vividas pelo prprio educando, no sentido de que
atinja gradativamente a sistematizao de conhecimentos (Resoluo
8/71-CFE).
Experincias colhidas em situaes concretas (Parecer 853/71 CFE).
Categoria curricular, forma de organizao que utiliza as necessidades, os problemas e os interesses dos alunos (Parecer 853/71-CFE).
17. reas de Estudo: Formadas pela integrao de contedos afins
consoante um entendimento que j tradicional as situaes de experincia tendero a equilibrar-se com os conhecimentos sistemticos
(Parecer 853/71-CFE).
Como forma de organizao curricular, integra contedos afins
em vastas reas, mostrando o conhecimento como unidade, se bem
que caracterizada pela pluralidade, os diferentes contedos no so a
estranhos entre si, constituindo antes partes do todo em que se integram e seus limites so, por vezes, indefinidos e diludos (Parecer
4.833/75-CFE).
18. Disciplina: Outra forma didtica particular que a matria pode
adquirir; pressupe menor abrangncia porque mais especfica, e maior
profundidade porque mais especializada, mais singular (Parecer
4.833/75-CFE).
Nelas, as aprendizagens se faro predominantemente sobre conhecimentos sistemticos (Parecer 853/71-CFE).
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

103

4.3. INTEGRAO DAS MATRIAS DO ENSINO DE 1 E 2


GRAUS: LEGISLAO FEDERAL

As matrias fixadas, diretamente, e por seus contedos obrigatrios, devero conjugar-se entre si e com
outras que se lhes apresentem, para assegurar a unidade do currculo, em todas as fases de seus desenvolvimento (Art. 2 Resoluo 8/71-CFE).
Assim sendo, embora exista inicialmente uma compartimentao do currculo em matrias, nota-se a
preocupao com a integrao19 entre os contedos,
conhecimentos, experincias e habilidades das matrias fixadas, sistematizadas pelo aluno, sob a orientao do professor (Parecer 4.833/75-CFE).
Alm desta integrao em nvel cognitivo, visa-se integrao do aluno com seus semelhantes (Resoluo 8/71-CFE
artigo 3-a), consigo prprio, com seu meio: famlia, comunidade, pas e mundo (artigo 3-b) e com as mudanas que a
tecnologia impe (artigo 3-c).
Essa integrao de matrias, mais bem especificada no
Parecer 853/71-CFE, apoia-se nos conceitos de continuidade e
terminalidade, que se constituem na filosofia da nova lei.

19. Integrao cabe situar todo um trabalho de integrao, que assegure a sua concomitncia no mais alto grau suscetvel de ser alcanado
(Indicao 68/75-CFE).
Qualquer que seja o adiantamento atingido ao longo da escolarizao, a integrao dos estudos representa, sobretudo, uma questo de
mtodo a traduzir-se em programas que se entrosem no seu contedo e
no seu desenvolvimento. Em ltima anlise, ser um problema de professores (Parecer 853/71-CFE).
O princpio da integrao, uma das caractersticas principais da Lei
n. 5.692/71, tem, na ordenao do contedo a sequncia e o relacionamento dos contedos , o seu elemento-chave (Parecer 4.833/75-CFE).

104

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

O atributo da continuidade20 estabelecido pela presena


de uma parte geral, que conteria uma base comum de conhecimentos humanos bsicos.
O atributo da terminalidade, proveniente da parte especial, visaria sondagem de aptides e iniciao ao trabalho no
1 grau e habilitao profissional no 2 grau.
Esta parte de educao geral, bem como a de educao
especial, deveriam distribuir-se segundo uma ordenao horizontal21 atravs do relacionamento entre as diferentes matrias
e uma ordenao vertical22 (buscando o estabelecimento de
uma sequncia lgica na apresentao dos contedos). Esta
ordenao caberia Escola, em funo do grau de crescimento
de seus alunos (Parecer 853/71-CFE).
20. Continuidade: Primeiro atributo da nova escolarizao. Objeto da
parte de educao geral do ncleo comum. Base comum de conhecimentos indispensveis a todos, na medida em que espelhe o Humanismo nos
dias atuais (Parecer 853/71-CFE).
Este atributo tem por vocao a generalidade que d ao educando o
acervo comum de ideias fundamentais, que por sua vez tendem a mais
estudos (Parecer 339/72-CFE).
21. Ordenao horizontal: praticamente impossvel de realiz-la apenas no nvel de currculo entendido strictu sensu () nas sries iniciais do
1 grau flui naturalmente da organizao baseada em atividades, o que
certo, mas tal ocorrer se essas atividades se articularem to intimamente que no cheguem as crianas a perceberem as fronteiras porventura
existentes entre elas (Parecer 853/71-CFE).
A integrao horizontal tem o objetivo de articular os diversos ramos
do conhecimento. O elemento curricular que contribui para esse objetivo o relacionamento, ou seja, a ordenao transversal dos contedos
(Parecer 4.833/75-CFE).
22. Ordenao vertical: A integrao vertical visa articulao de graus,
normalidade da escala de escolarizao. A sequncia, ou seja, a ordenao longitudinal dos contedos o elemento curricular atravs do qual
essa integrao se realizar (Parecer 4.833/75-CFE).
fica evidenciada a importncia da elaborao sequencial dos contedos, de modo a evitar lacunas, saltos ou empecilhos ao fluxo livre do
processo educativo (Parecer 4.833/75-CFE).
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

105

O Parecer 853/71-CFE salienta principalmente, a necessidade do entrosamento, da complementaridade, nos anos


iniciais, quando o contedo indevidamente se compartimenta
em disciplinas autnomas. Recomenda a prtica de aprendizagens concomitantes, em vez de contedos particulares, que
constituem fins em si mesmos, e, no meios para chegar-se
realizao dos objetivos propostos.
A integrao de matrias, segundo este Parecer, deve estabelecer-se linearmente23 do 1 grau ps-graduao, tendo em
vista o conhecimento humano como um todo.
Conclui-se ento que as disposies legais quanto integrao de matrias indicam que esta deve ser realizada pelo
aluno, sob a orientao do professor.
Apoiando-se nos conceitos de continuidade e terminalidade, deve ser buscada numa ordenao horizontal e numa ordenao vertical. tarefa da escola, realizada atravs de aprendizagens concomitantes em vez de contedos particulares.
Deve estabelecer-se linearmente, tendo em vista o conhecimento humano como um todo.
A integrao no se faz, entretanto, sem que haja um
ajustamento do indivduo ao seu meio social. Assim
que temos de considerar no processo educativo, associada funo integradora, a funo ajustadora ou
adaptativa (Parecer 4.833/75-CFE).
A funo ajustadora inclui em seu processo o estabelecimento de certos hbitos, padres e ideias estveis,
ao lado do desenvolvimento da capacidade de reajustarse adequadamente, e em grau possvel s solicitaes da vida em mudana (Parecer 4.833/75-CFE).
23. Linearidade: camadas que sucessivamente se acrescentam (Parecer
853/71-CFE). Sucessividade, continuidade (Parecer 4.833175-CFE).

106

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Como aspecto particular da funo ajustadora, aparece a funo propedutica, isto , a funo de preparar a continuao da educao formal (Parecer
4.833/75-CFE).
atravs da educao geral que se estabelece na lei
pretende-se a linha de continuidade no processo educacional brasileiro (Parecer 4.833/75-CFE).
a funo diferenciadora da educao, surgindo da
necessidade de se tirar proveito das diferenas individuais visando eficcia social, vai complementar a
funo integradora (Parecer 4.833/75-CFE).
Educao geral o acervo comum de ideias fundamentais que integram o estudante na sua prpria sociedade
e na cultura de seu tempo (Parecer 4.833/75-CFE).
Sintetizando, as funes da educao so: integradora e
estabilizadora, propedutica e diferenciadora.
4.4. ENSINO DE 1 E 2 GRAUS: LEGISLAO ESTADUAL
DE SO PAULO

O Conselho Estadual de Educao de So Paulo pronunciou-se a respeito de normas para a elaborao do Currculo
Pleno de escolas de 1 grau, atravs da Indicao 1/7224.
Nessa indicao, encontra-se a afirmao da diretriz estatal diante da Lei Federal e a assertiva de que o resultado de um
planejamento curricular no pode ser creditado simplesmente
a frmulas, conceitos e metodologias que se tenham oferecido
para embasar sua elaborao, mas, sobretudo, devido a fatores
como: capacitao de pessoal, recursos institucionais e materiais, cooperao de outras instituies que no a escola.
24. Diretrizes e Bases da E. Nacional Coletnea CEE.
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

107

Pela primeira vez encontra-se na Legislao do Ensino de


1 e 2 graus o termo interdisciplinar25:
Currculo a sequncia de experincias atravs das
quais a escola tenta estimular o desenvolvimento do
aluno. A verificao do conceito leva a concluir que
os problemas afetos ao currculo so os mesmos
que compem o quadro das cincias pedaggicas.
Da sua construo requerer um embasamento terico interdisciplinar e envolver a totalidade dos mltiplos setores componentes das instituies escolares
(Ind. 1/72-CFE).
A fim de conferir ao currculo organicidade, logicidade e coerncia, impe-se a necessidade de um enfoque global, interdisciplinar, que leve em conta as
dimenses filosficas, antropolgicas e psicolgicas
(Ind. 1/72-CFE).
Resumidamente, essa Indicao coloca a proposio de
Bloom quanto aos problemas do desenvolvimento do currculo:
a) Que fins ou objetivos deveria a escola ou curso procurar atingir?
b) Que experincias de aprendizagem devem ser promo
vidas para o alcance desses fins e como podem ser efetivamente organizadas para prover a aprendizagem
em continuidade e sequncia e para auxiliar o aluno a
integrar o que de outra maneira apareceria como experincia isolada de aprendizagem?
c) Como avaliar a efetividade dessas experincias de
aprendizagem? (Indicao 1/72-CEE).
25. O significado de Interdisciplinaridade tambm pode ser encontrado na Indicao 67175-CFE e no Parecer 3.484-CFE: Recurso para,
tanto quanto possvel, restabelecer a perdida unidade do saber.

108

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Para o tratamento dessas questes, requer-se o concurso das dimenses filosfica, sociolgica e psicolgica. Nessa
Indicao detalham-se as atribuies que seriam pertinentes a
elas, para o alcance de uma viso global, interdisciplinar do desenvolvimento do currculo, que sinteticamente seriam:
Na dimenso filosfica, inserem-se os problemas relativos
aos fins ou objetivos da educao, das relaes do homem com a
sociedade e com a cultura, dos objetivos da Poltica Educacional.
A dimenso socioantropolgica procuraria resolver em que
extenso condies socioeconmicas e culturais implicam a construo dos currculos e o levantamento de dados a fim de que se
equacionem os problemas e possibilidades socioeconmicas.
A dimenso psicolgica visaria distino de objetivos
possveis dos improvveis de serem atingidos, alm de sua operacionalizao26. Estabeleceria ainda as experincias de aprendizagem mais significativas para o educando, luz do conhecimento que dele se obtenha, bem como a organizao efetiva
dessas experincias. Estariam a ela afeitas inclusive as orientaes vocacional e profissional.
Conclui-se, portanto, que a Indicao 1/72-CEE indica que o
planejamento curricular produto da capacitao de pessoal, recursos institucionais, materiais e cooperao de outras instituies
26. Operacionalizar: Os objetivos so mltiplos e tm uma funo
to complexa que se faz necessrio traduzilos em termos de resultados e
classific-los de modo a permitir a sua definio clara e precisa (Parecer
4.833/75-CFE).
A mera classificao no supe uma ordenao, nem considera as
relaes entre os objetivos. Para o planejamento das sequncias de ensino, o que o professor precisa de uma classificao hierarquizada, uma
taxionomia (Parecer 4.833/75-CFE).
So os professores que vo levar o processo de operacionalizao dos
objetivos educacionais, iniciado a nvel de sistema, ao ponto mais operacional, tornando-os realidade, ao traduzi-los em termos de comportamentos que o aluno deve demonstrar (Parecer 4.833/75-CFE).
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

109

e, nesse sentido, faz-se necessrio um enfoque interdisciplinar, entendido como uma construo que envolve a totalidade dos mltiplos setores componentes das instituies escolares.
Indica-se tambm a importncia das atribuies dos aportes das dimenses filosfica, socioantropolgica e psicolgica
para um enfoque educacional global, interdisciplinar.
4.5. ENSINO DE 2 GRAU: LEGISLAO ESTADUAL
DE SO PAULO

Mais especificamente com referncia ao 2 grau, encontrase a Indicao 304/72-CEE27, que se refere ao relacionamento
das matrias integrantes da parte diversificada28, dentre as quais
a escola escolher aquelas que integraro o Currculo Pleno.
O ensino de 2 grau (Indicado na Lei 5.692/71-CEE, arts.
4 e 7) constitui-se efetivamente dos ncleos comuns, completados pelas matrias obrigatrias, mnimo profissionalizante29 por habilitao30 e parte diversificada, sendo que a ltima de competncia estatal.
A escola procurar se adequar ao meio, atendendo s exigncias de sua realidade, levando em conta os diferentes nveis
culturais e as diferenas de desenvolvimento socioeconmico.
27. Diretrizes e Bases E. Nacional Coletnea do CEE.
28. Parte diversificada tem aqui o sentido de sondagem de aptides e
iniciao para o trabalho (Lei 5.692/71, artigo 5).
A parte diversificada garante e possibilita o atendimento dos nveis
regional e local e dos interesses do prprio aluno no que diz respeito a
sua individualidade (Parecer 339/72-CFE).
A parte de formao especial vincula-se funo diferenciadora da
educao (Parecer 4.833/75-CFE).
29. Mnimo profissionalizante: componente da parte especial do
Currculo Pleno (Indicao 304/72-CEE).
30. Habilitao: a lei se refere habilitao no sentido de habilitao
profissional. Conjunto de matrias que habilitam o indivduo para o
trabalho (Indicao 304/72-CEE).

110

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Em relao s diferenas individuais dos alunos, recomenda-se s escolas que, dentro de suas possibilidades concretas, oferea mltiplas opes.
Cada forma de educao deveria dar ao aluno uma
tcnica, uma cincia e um sortimento de ideias gerais
e apreciao esttica. Cada uma dessas facetas de seu
treinamento deveria ser iluminada pelas demais, tentando uma superao das oposies entre a cultura
cientfica e a humanstica ou literria, em busca de
um currculo integrado (Indicao 304/72-CEE).
Segundo essa Indicao:
A escola de 2 grau, com a parte de formao especial
predominante sobre a de educao geral, uma tentativa de superao da dualidade educacional acima
citada. Passa-se da dualidade equivalncia, e desta
integrao dos cursos (Indicao 304/72-CEE).
Em relao ao ensino de 2 grau conclui-se, portanto, que
seu objetivo fornecer tcnica mais cincia mais ideias gerais
mais apreciao esttica e que seu currculo estruturado por
matrias, compondo-se de ncleo comum mnimo profissionalizante e parte diversificada, cabendo escola a adequao
dos contedos s exigncias da realidade, bem como a busca
de um currculo integrado que supere as oposies entre a
cultura cientfica e a humanstica, realizando-se atravs de
uma atitude de valorizao uniforme de todas as matrias, em
que nenhuma ter destaque especial. Todas sero igualmente
importantes.
4.6. ENSINO DE 1 GRAU: LEGISLAO MUNICIPAL
DE SO PAULO

O Ensino Municipal de So Paulo segue as diretrizes


gerais federais e estaduais no que se refere ao Ensino de 1
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

111

grau31. Seu documento mais representativo o Regimento


Comum das Escolas Municipais de 1 grau de So Paulo32, estabelecido a partir da Lei Municipal 7.693/72 e legislao posterior, que determina entre outras coisas a finalidade da Escola
Municipal de 1 grau: Desenvolver atividades pedaggicas
integradas, contnuas e progressivas que possam atender s caractersticas biopsicossociais da criana na faixa etria de 7 a
14 anos (art. 3 Regimento Comum das EMPMSP).
O referido regimento indica as atribuies de todos os integrantes da Escola.
Como exemplo podem-se citar algumas das atribuies
do diretor da escola:
Coordenar e integrar a equipe tcnico-administrativa e docente da escola para a elaborao do plano
escolar.
Promover a integrao de todos os elementos correspondentes das equipes tcnico-administrativa e docente que trabalham na escola.
Promover condies para a integrao escola-comunidade (art. 1 Regimento Comum das EMPMSP).
Com relao aos Assistentes Pedaggicos, salienta que existe
um A.P. para cada Escola e que so suas atribuies, entre outras:
Coordenar a elaborao do planejamento didtico pedaggico da Escola, de modo a garantir a sua unidade e a participao do corpo docente e do Orientador
Educacional.
Assegurar a eficincia da ao definida no planejamento didtico-pedaggico, dando conhecimento
31. Katia I. Drgg, O Ensino Municipal de SP: anlise do planejamento
curricular. So Paulo, Loyola, 1979.
32. Dirio Oficial, 30/12/1975.

112

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

aos professores das normas de trabalho e do calendrio das atividades estabelecidas.


Promover, sem prejuzo para as atividades docentes,
reunies peridicas com professores, para avaliao
do trabalho didtico e levantamento de situaes
que reclamem mudana de mtodos e processos,
bem como sesses de estudo para aprimoramento
das funes docentes.
Colaborar no processo de identificao das caractersticas bsicas da comunidade e clientela escolar.
Colaborar no processo de integrao escola-famlia-comunidade (art. 23 Regimento Comum das
EMPMSP).
Encontram-se tambm indicadas as atribuies do professor de rea:
O Professor Coordenador de rea ser um professor
de uma das disciplinas das reas de Comunicao
e Expresso, Estudos Sociais, Cincias e da Parte
Diversificada do Currculo, e coordenar as atividades docentes de cada uma das referidas reas.
Haver um professor Coordenador de rea para
cada rea do Ncleo Comum e um para a Parte
Diversificada do Currculo (art. 26) Regimento
Comum das EMPMSP).
So atribuies do professor coordenador da rea, entre
outras:
Coordenar as atividades de elaborao do Plano
Escolar no que se refere rea curricular.
Promover a articulao com outras reas, sob a orientao do Assistente Pedaggico (art. 27 Regimento
Comum das EMPMSP).
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

113

Quanto competncia dos docentes, o regimento indica


que Compete ao corpo docente participar cooperativamente
do planejamento, execuo e avaliao do processo ensinoaprendizagem na Escola e atividades extraclasse (Regimento
Comum das EMPMSP).
Por outro lado, o regimento tambm indica os direitos
dos educadores:
Contar com um sistema permanente de orientao
e assistncia tcnica que estimule e contribua para o
melhor desempenho de suas atribuies (Regimento
Comum das EMPMSP).
Quanto o processo de assistncia pedaggica:
A assistncia pedaggica na Escola ser uma ao contnua e integrada de 1 a 8 srie, incluindo o assessoramento do planejamento global, a organizao, a
coordenao, controle e avaliao da ao didtica de
modo a garantir unidade de atuao e participao
efetiva do corpo docente e dos demais membros da
Escola no processo educativo (Regimento Comum
das EMPMSP).
Conclui-se, portanto, que o objetivo da Escola Municipal
de 1 grau em So Paulo desenvolver atividades pedaggicas
integradas, contnuas e progressivas, realizadas com o auxlio
de todos os integrantes da escola, desde que exista um sistema
permanente de orientao e assistncia tcnica que auxilie e estimule o trabalho dos educadores.
4.7. FORMAO DE PROFESSORES PARA O ENSINO
DE 1 GRAU: LEGISLAO FEDERAL

Todas as determinaes legais, tanto no mbito federal quanto no estadual, at aqui examinadas revelaram que o professor o

114

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

principal responsvel pela integrao de contedos e adequao


desses contedos realidade a que a clientela se referir. Nesse sentido, faz-se necessrio um exame das determinaes legais referentes formao de professores para o ensino de 1 grau.
O Parecer 4.833/75-CFE salienta, sobretudo, que cabe
ao Conselho Federal de Educao apresentar subsdios que
possam orientar o trabalho dos sistemas e tambm dos professores. Assim sendo, tem-se o Parecer 349172-CFE33, relativo
ao exerccio de magistrio em 1 grau e habilitao especfica
de 2 grau, que define a poltica de formao de professores
e especialistas que procura atender problemtica atual da
Educao Brasileira nos seguintes termos:
Dada a importncia do professor no processo educativo, indispensvel que o curso d ao futuro professor oportunidade de realizar seu desenvolvimento
intelectual em termos de cultura geral e profissional
(Parecer 349/72-CFE).
No ncleo comum, o professorando, no estudo de
cada disciplina, dever ser levado descoberta de seus
princpios e fundamentos bsicos ao inter-relacionamento disciplinar, para se capacitar a desenvolver
um currculo por meio de atividades globalizantes
no ensino de 1 grau. Perceber assim, que de pouco ou nada valer ter conhecimentos estanques dos
assuntos, sem consider-los em conjunto, em suas
influncias recprocas e em sua aplicao prtica na
ao educativa (Parecer 349/72-CFE).
Tal globalizao dever se adaptar ao educando.
Nesse sentido, a aprendizagem dever ser desenvolvida de tal modo que o aluno se torne capaz de resolver
problemas mais e mais complexos e seja receptivo s
33. Diretrizes e Bases da Educao Nacional Coletnea do CEE.
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

115

mudanas, pois ele vive num mundo em acelerada e


imprevisvel evoluo (Parecer 349/72-CFE).
Todo o processo de interao, por meio do qual a criana
se educa e aprende, um processo que se realiza na criana.
ela quem aprende e se educa, guiada e auxiliada pelo professor
(Parecer 349/72-CFE).
O currculo aprovado pelo Parecer 45/72-CFE34 apresenta um ncleo comum, obrigatrio em mbito nacional, e uma
parte de formao especial, que representa o mnimo necessrio habilitao profissional do professor para as seis primeiras sries do ensino de 1 grau.
A Educao Geral estar representada no currculo
pelas matrias que integram o ncleo comum, acrescidas dos contedos do artigo 7 da Lei: Educao
Moral e Cvica, Educao Fsica, Educao Artstica
e Programas de Sade. () ter como objetivo bsico a formao integral do futuro professor, dever a
partir do 2 ano oferecer os contedos dos quais ele
se utilizar diretamente na sua tarefa de educador
(Parecer 349/72-CFE).
A formao especial constar de:
a) Fundamentos da Educao
b) Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1 grau
c) Didtica, incluindo Prtica de Ensino.
Encontram-se nesse Parecer 349/72-CFE indicaes
quanto amplitude das disciplinas integrantes do currculo,
bem como indicaes quanto a seu contedo.
Refere-se ainda a um carter de flexibilidade desta estrutura curricular: possibilita aos Conselhos de Educao e aos
34. In Parecer 349/72 Diretrizes e Bases da Educao Nacional
Coletnea do CEE.

116

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

estabelecimentos de ensino a reorganizao de seus prprios


currculos, acrescentando novos estudos, ou remanejando os
j previstos. Isto porque os que esto aqui relacionados podero ser tratados como disciplinas (com durao anual ou semestral) integradas atravs de projetos, ou ainda como partes
de uma disciplina.
Conclui-se ento que o objetivo da formao dos professores do 1 grau o desenvolvimento intelectual + cultura
geral + profissional, e que o currculo estruturado por matrias. Quanto integrao de contedos, indica-se que deva ser
buscada num inter-relacionamento disciplinar pelo aluno no
estudo de cada disciplina. A forma de atingir essa integrao
a realizao de atividades globalizantes e resoluo de problemas, visando tornar o aluno receptivo s mudanas.
4.8. ENSINO SUPERIOR: LEGISLAO FEDERAL

Atravs da anlise de alguns dos principais documentos


referentes s diretrizes legais do Ensino Superior, tendo em
vista conhecer em que medida tratam da integrao ou da interdisciplinaridade, chegou-se s seguintes constataes:
A Lei 4.024/61 do CFE35, que fixa as diretrizes e bases da
Educao Nacional, salienta em seu artigo 71 que o programa
de cada disciplina, sob forma de Plano de Ensino, ser organizado pelo respectivo professor e aprovado pela Congregao
do estabelecimento.
As Universidades gozaro de autonomia didtica, administrativa, financeira e disciplinar, que ser exercida na forma
de seus estatutos (art. 80 Lei 4.024/61-CFE).
A autonomia didtica consiste na faculdade de:
a) criar e organizar cursos, fixando os respectivos currculos
35. Diretrizes e Bases da Educao Nacional Coletnea do CEE.
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

117

b) estabelecer o regimento didtico e escolar dos diferentes cursos, sem outras limitaes, a no ser as constantes na presente Lei (art. 80, 1 Lei 4.024/61-CFE).
A Lei 5.540/68 do CFE36, que fixa normas de organizao
e funcionamento do Ensino Superior e sua articulao com
a Escola Mdia, no chega a referir-se diretamente questo
interdisciplinar, salvo neste trecho: nos rgos de Superviso
do Ensino e da Pesquisa da Administrao Superior da Uni
versidade, devero participar docentes de vrios setores bsicos
e de formao profissional. Alm disto, a Universidade poder
tambm criar rgos setoriais, destinados a coordenar unidades afins para integrao da suas atividades (art. 13, 1
Lei 5.540/68-CFE).
Conclui-se portanto, quanto ao ensino superior, que
o programa de cada disciplina ser organizado pelo professor e aprovado pela Congregao do estabelecimento, que as
Universidades gozam de autonomia didtica, administrativa,
financeira e disciplinar, que as Universidades podero criar rgos setoriais, destinados a coordenar unidades afins para integrao de suas atividades.
4.9. CURSO DE PEDAGOGIA: LEGISLAO FEDERAL

Desde que o curso de Pedagogia o curso que tem por


finalidade a formao de educadores em nvel superior, faz-se
necessrio um estudo de sua legislao mais significativa, no
que se refere aos aspectos integrao e interdisciplinaridade.
Entre os documentos analisados, encontra-se o Parecer
252/69-CFE37, relativo aos estudos pedaggicos superiores, aos
mnimos de currculos e durao para o curso de graduao
36. Lex Coletnea de Legislao, p. 1433-1440.
37. Publicao do MEC CFE.

118

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

em Pedagogia. Este Parecer refere-se a ele como um curso disciplinar, unificado pelo que h de comum ao saber pedaggico
e diversificado em grau crescente pelas habilitaes especficas
em que o curso se desdobra.
Embora cada matria ou atividade receba tratamento
mais ou menos diferente quanto ao sentido, intensidade ou extenso, segundo o contedo em que figure (dada a especificidade no apenas de contedo
e durao, mas, de objetivos e nveis), procura-se uma
estrutura curricular orgnica, que no seja hermtica ou compacta. Da uma abertura vertical, que segue da habilitao mais modesta mais ambiciosa,
e uma abertura horizontal, que poder trazer para a
Educao o influxo enriquecedor de outros campos
do conhecimento (Parecer 252/69-CFE).
Tendo em vista uma flexibilidade maior, e melhor
acomodao s situaes particulares, os contedos
no tm carter de disciplinas, e sim de matrias (no
sentido de matria-prima) a serem trabalhadas com
maior ou menor propriedade nos vrios currculos
plenos (Parecer 252/69-CFE).
Para a parte comum, indicam-se as seguintes matrias:
1. Sociologia Geral
2. Sociologia da Educao
3. Psicologia da Educao
4. Histria da Educao
5. Filosofia da Educao
6. Didtica
A parte diversificada compreende, basicamente, as reas
mencionadas no art. 30 da Lei 5.540/68: magistrio do ensino normal e atividades de planejamento, administrao,
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

119

superviso e inspeo. Para elas previam-se seis habilitaes,


que se desdobram em nove, com a apresentao das trs ltimas, tambm em curta durao, visando escola de 1 grau.
Para as nove habilitaes estabelecidas, previram-se doze
matrias, que se desdobram em dezenove, para ensejar as combinaes necessrias em cada caso:
1.1 Estrutura e Funcionamento do Ensino
1.2 Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1 grau
1.3 Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2 grau
1.4 Estrutura e Funcionamento do Ensino Superior
2.0 Princpios e Mtodos de Planejamento Educacional
3.0 Princpios e Mtodos de Orientao Educacional
4.1 Princpios e Mtodos de Administrao Escolar
4.2 Administrao da Escola de 1 grau
5.1 Princpios e Mtodos de Superviso Escolar
5.2 Superviso da Escola de 1 grau
6.1 Princpios e Mtodos de Inspeo Escolar
6.2 Inspeo da Escola de 1 grau
7.0 Economia da Educao
8.0 Estatstica Aplicada Educao
9.0 Legislao do Ensino
10.0 Testes e Medidas
11.0 Currculos e Programas
12.1 Metodologia do Ensino de 1 grau
12.2 Prtica de Ensino da Escola de 1 grau (Estgio).
A distribuio dessas matrias pelas vrias habilitaes,
alm da parte comum anteriormente referida, ser a seguinte:
a) Planejamento Educacional as dos nmeros 1.1, 2.0,
7.0 e 8.0, podendo a de nmero 1.1 ser substituda pelas dos nmeros 1.2, 1.3 e 1.4.
b) Orientao Escolar as dos nmeros 1.2, 1.3, 3.0 e
10.0, alm de experincia de magistrio.

120

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

c) Administrao Escolar, para exerccio nas escolas de


1 e 2 graus as dos nmeros 1.2, 1.3 e 4.1.
d) Superviso Escolar para exerccio nas escolas de 1 e
2 graus as dos nmeros 1.2, 1.3, 5.1 e 11.0.
e) Inspeo Escolar, para exerccio nas escolas de 1 e 2
graus as dos nmeros 1.2, 1.3, 6.1 e 9.0.
f) Ensino de Disciplinas e Atividades Prticas dos cursos
normais as dos nmeros 1.2, 12.1 e 12.2.
g) Administrao Escolar para exerccio na escola de 1
grau as dos nmeros 1.2, 5.2 e 11.0.
h) Superviso Escolar, para exerccio na escola de 1 grau
as dos nmeros 1.2, 5.2 e 11.0.
i) Inspeo Escolar, para exerccio na escola de 1 grau
as dos nmeros 1.2, 6.2 e 9.0.
Estes representam os mnimos a serem atingidos em cada
habilitao.
A Indicao n. 67/75, do CFE38, referente aos Estudos
Superiores de Educao, Habilitao e Cursos de Graduao,
salienta a imperiosa necessidade de buscar a interdisciplinaridade no referente Educao, nos seguintes termos:
Na base de tudo encontra-se a mesma viso exclusivista da Educao e dos outros campos utilizados em seu
estudo, como se individualizar o fenmeno educativo
importasse em caracteriz-lo como um mundo autnomo fechado aos demais. Poucos setores, ou talvez
nenhum, podem hoje ser assim considerados; o que
explica uma crescente busca de interdisciplinaridade
como recurso para, tanto quanto possvel, restabelecer
a perdida unidade do saber (Indicao 65/75-CFE).
38. Ibid.
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

121

Sistematizar, enriquecer, comunicar e recriar constantemente a Educao Brasileira representa a principal tarefa cometida aos rgos voltados Educao
cita Dec.lei 252/67 (Indicao 65/75-CFE).
Para exerc-la, tero essas unidades que organizar-se
como centros de ensino e pesquisa onde verdadeiramente se faa a integrao de todos os estudos capazes de convergir para a explicao e prtica do ato
educativo. Esse carter integrado dos estudos pedaggicos leva a que, nas universidades e em todas as
solues combinadas, o respectivo departamento, faculdade, instituto ou centro se articule intimamente
com as demais unidades (Indicao 65/75-CFE).
Para tanto, valer-se da intercomplementaridade, inclusive com outros pases, procurando utilizar-se de
seus avanos para o enriquecimento de nossos prprios projetos (Indicao 65/75-CFE).
Procurar tambm transformar os especialistas de outras
reas do conhecimento em educadores, na medida em que tm
um saber e experincia a transmitir (Indicao 66/75-CFE).
A Indicao 68/75 do CFE39, ao tratar da Formao Pedag
gica das Licenciaturas, volta a tratar do problema da interdisciplinaridade, sob a denominao de concomitncia dos contedos.
Neste sentido, a necessidade da integrao para assegurar a concomitncia no grau mais elevado que
possa ser alcanado; a necessidade de que o trabalho
do professor se integre com os demais e a necessidade de uma coordenao mais direta, a cargo de um
ou mais professores de cada licenciatura (Indicao
68/75-CFE).
39. Ibid.

122

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Conclui-se portanto, quanto ao curso de Pedagogia, que


ele um curso disciplinar, em que cada matria recebe tratamento Individual.
Quanto integrao, deve ocorrer no sentido de buscarse uma estrutura orgnica, no hermtica. O currculo estruturado por matrias, compondo-se de uma parte comum e de
uma parte diversificada (habilitaes).
Quanto interdisciplinaridade, faz-se necessria no sentido de superar a viso exclusivista da educao, considerando-a
um mundo aberto aos demais, em que suas possibilidades de
efetivao advm da organizao de centros de ensino e pesquisa que levem a uma integrao do ato educativo. Alm disso, podem valer-se da intercomplementaridade, para o avano
de novos projetos, ou mesmo para transformar especialistas de
outras reas em educadores.
A interdisciplinaridade pode efetivar-se a partir da organizao de contedos concomitantes (reunir professores,
sob a coordenao de um ou mais deles, com a finalidade de
integrar contedos).
4.10. GUIAS CURRICULARES DE 1 GRAU DO ESTADO
DE SO PAULO

Como primeira tentativa de estudar a viabilidade da execuo prtica das diretrizes legais at ento levantadas, surgiu
a necessidade de saber o que so, quais seus objetivos, como
encaram a questo de integrao e ou interdisciplinaridade os
Guias Curriculares de 1 grau, desde que constituem-se estes
em pontos de referncia para o planejamento das atividades a
serem elaboradas pelo professor40.

40. Guias Curriculares, p. 5.


Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

123

Esses Guias, elaborados em 1975 pelo Estado, vm sendo


utilizados tanto pelas escolas estaduais quanto pelas municipais (desde 1977) com o objetivo de manter um ensino homogneo e possibilitar as transferncias de uma escola para outra.
Segundo o item introdutrio, participaram da elaborao
dos guias, professores dos trs nveis, com o intuito de garantir-se uma viso global de Educao e preservar a estrutura bsica da matria.
Pretende-se que sejam Guias da Escola de 1Grau. Seus
objetivos podero ser acusados de pretensiosos, mas, na verdade, buscaram contemplar tudo o que se almeja para uma escola de 1grau que cumpre o seu destino.41
Tm como propsito garantir a continuidade do processo
ao longo das oito sries. Estruturados base do currculo centralizado na matria, so sete os Guias propostos como modelos de referncia, abrangendo o Ncleo Comum: trs para
Comunicao e Expresso (Lngua Ptria, Educao Artstica
e Educao Fsica), trs para Cincias (Matemtica, Cincias e
Programas de Sade) e um para Estudos Sociais.
Procuram traduzir uma Educao Humanstica crist,
entendida como integrao do homem nas condies de suas
circunstncias, e orientada no sentido de possibilitar-lhe atingir a plena realizao de sua humanidade42.
Fundamentam-se na Legislao analisada, onde o atributo fundamental do currculo a unidade. Para estabelec-la
o recurso comprometer os diversos contedos das matrias
num mesmo propsito, o da ao total da Educao.43
Pretendem que a escolha da sequncia de experincias
seja capaz de estimular a aprendizagem, sendo este o problema
41. Ibid., p. 6.
42. Ibid., p. 7.
43. Ibid., p. 7.

124

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

central da elaborao do Currculo44. Os Guias, ainda que no


formalizem a integrao das matrias, dizem possibilit-la,
sugeri-la amplamente45.
Salientam que so produtos da pesquisa a respeito dos
processos de aprendizagem das crianas e pr-adolescentes46.
Dizem-se acessveis interpretao e aplicao por parte dos professores, embora, em alguns casos, dependentes de
Cursos de Atualizao.
Introduo, Objetivos, Contedos Programticos e Suges
tes das Atividades so os elementos que compem os Guias.
Os objetivos gerais explicitam os comportamentos
terminais que espera-se o aluno tenha adquirido ao
final das oito sries, em relao matria. Os especficos referem-se aos nveis e sries.47
A extenso dos contedos condiciona-se a: durao do
perodo letivo, carga horria destinada matria, adoo de
tcnicas e procedimentos que melhor possam conduzir aos objetivos propostos. Se o programa no puder ser integralmente
abordado, recomenda-se que no se decida sobre a supresso
de algumas unidades propostas, e sim pelo menor aprofundamento no tratamento.48
Atividades nos Guias so sugestes. Visam esclarecer
o que se pretende com os contedos e como os objetivos so
alcanados.
Em alguns Guias, atividades so sugeridas com a finalidade de integrar matrias, como por exemplo: Educao Artstica
e Educao Fsica.
44. Ibid., p. 8.
45. Ibid., p. 8.
46. No apresentam dados da pesquisa realizada.
47. Ibid., p. 8.
48. Ibid., p. 9.
Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

125

Conclui-se, portanto, que os Guias so pontos de referncia para o planejamento do professor, cujos objetivos so:
garantir uma viso global da Educao e preservar a estrutura bsica da matria, organizados por matrias, segundo seus
contedos especficos (matrias do Ncleo Comum).
Quanto integrao, constitui-se numa integrao de
contedos, esperada, dentro de cada matria, a fim de que se
atinjam os objetivos propostos pela matria ao final das oito
sries. A integrao entre as matrias poder eventualmente
ser feita pelo professor no nvel de atividades.
Interdisciplinaridade, apesar de haver sido sugerida na
Legislao, no proposta em nenhum momento.
4.11. CONCLUSES

Analisando-se o material compilado nos mbitos federal,


estadual e municipal, observou-se o seguinte:
a) Todo o ensino segue uma nica diretriz: currculo estruturado por matrias, sendo que estas subdividemse em ncleo comum e parte diversificada.

A lista de matrias do Ncleo Comum fixada pelo


Conselho Federal de Educao.

A lista de matrias da Parte Diversificada apresentada pelos Conselhos Estaduais de Educao, e a opo
feita pelos estabelecimentos de ensino.

b) Percebe-se uma ntida preocupao com a integrao das matrias, e as recomendaes legais para que
esta ocorra aparecem insistentemente em todos os documentos analisados.
c) Quanto ao termo interdisciplinar, nota-se que comea a ser introduzido em alguns documentos (Indicao
67/75-CFE e Indicao 1/72-CFE).

126

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

d) Os termos interdisciplinaridade e integrao so


basicamente introduzidos para designar o estabelecimento de uma hierarquia dos contedos das matrias,
na busca de uma ordenao horizontal ou vertical.
e) Quanto ao valor ou aplicabilidade da integrao ou
da interdisciplinaridade, seriam resumidamente as
seguintes:

Possibilidade de relacionamento do aluno consigo prprio, com seu meio: famlia, comunidade, pas, mundo e com as mudanas sociais e culturais (Resoluo
8/71-CFE).

O inter-relacionamento disciplinar levar os professorandos a desenvolver um currculo por meio de atividades globalizantes no ensino de 1 grau, atravs de
uma aprendizagem que torne o aluno capaz de resolver problemas complexos e ser receptivo s mudanas
(Parecer 349/72-CFE).

Faz-se necessria tambm para a construo de um currculo orgnico, lgico e coerente (Indicao 1/72-CFE).

Como meio de eliminar as barreiras existentes entre a cultura cientfica e a humanstica ou literria.
(Indicao 304/72-CEE). forma de superar a viso
exclusivista da educao, considerando-a um mundo
aberto aos demais. recurso para, tanto quanto possvel, restabelecer a perdida unidade do saber (Indicao
65/75-CFE).

f) Em termos de possibilidades de desenvolver-se um ensino integrado ou interdisciplinar, o que a legislao


ora analisada revela o seguinte:

A integrao entre os contedos, conhecimentos, experincias e habilidades das matrias fixadas ser

Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

127

realizada pelo aluno, sob a orientao do professor


(Parecer 4.833/75-CFE).

O trabalho dos Sistemas e dos Professores ser subsidia


do pelos Conselhos de Educao (Parecer 4.833/75CFE).

O professor, principal responsvel pela integrao, dever fazer com que a globalizao de conhecimentos,
adapte-se ao aluno (Parecer 349/72-CFE).

A integrao ou a interdisciplinaridade possibilita a


entrosagem dos mltiplos setores das instituies escolares, e o concurso de diferentes dimenses: filosficas, socioantropolgicas e psicolgicas, cada uma com
seu aporte particular (Indicao 1/72-CEE).

O ensino integrado possibilita a escolha do aluno em


mltipla direes, que a escola pode oferecer, segundo
suas possibilidades concretas. O aluno neste caso receber uma formao cientfica, tcnica e humanstica
(Indicao 304/72-CEE).

Todos os integrantes da equipe escolar realizaro num


trabalho conjunto a integrao (Regimento Comum
das Escolas Municipais de 1 grau PMSP).

As Universidades podero organizar centros de ensino


e pesquisa que levem integrao (Indicao 65/75CFE).

As Universidades podero utilizar-se da intercomplementaridade com outras instituies para atingir a integrao (Parecer 65/75-CFE).

g) A anlise dos guias curriculares de 1 grau revelou a


ausncia de indicadores significativos para a efetivao da integrao entre as disciplinas, visto que a ela
apenas esperada dentro de cada matria ao final

128

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

das oito sries, podendo ocorrer ocasionalmente quan


do existirem atividades afins entre as disciplinas.
Assim sendo, no existe tambm uma proposio para
a interdisciplinaridade.
Neste sentido, o que se questiona o seguinte:
Em termos legais, o conceito de interdisciplinaridade corresponderia a que nvel conceitual anteriormente colocado?
Multi, pluri, inter ou transdisciplinar? Existe uma conscincia
clara e precisa da terminologia adotada?
Constitui-se a interdisciplinaridade, tal como descrita,
numa proposio efetiva ou numa mera proposio ideolgica?
O valor e a aplicabilidade da interdisciplinaridade aqui levantados seriam ou no relevantes?

Sistematizao das determinaes legais referentes ao ensino brasileiro

129

CAPTULO V

Relacionamento crtico dos aspectos


tericos com as diretrizes legais

partir da sistematizao dos dados referentes Legislao


do Ensino, e tendo-se presente os requisitos tericos levantados nos trs captulos iniciais desta monografia, cumpre
relacionar criticamente os aspectos tericos com as diretrizes
legais ento sistematizadas.
Tomaram-se como base apenas os documentos compilados que ento pareceram bsicos. Isto no significa que no
possam existir outras indicaes mais imediatas e atuais que
invalidem as posies adotadas.

5.1. QUANTO CONCEITUAO

O fato de o termo integrao ser basicamente introduzido para designar o estabelecimento de uma hierarquia dos
contedos das matrias, seja na busca de uma ordenao horizontal ou vertical, poderia levar a uma caracterizao de multi
ou pluridisciplinaridade, em que a preocupao primeira seria
a justaposio de contedos de disciplinas heterogneas, ou a
integrao de contedos de uma mesma disciplina. O termo

131

interdisciplinaridade tomado apenas como meio para atingir essa integrao. A integrao seria ento efetivamente o
produto final e no etapa para a interdisciplinaridade, cuja tnica principal seria a interao e cujo objetivo final seria o
estabelecimento de uma atitude dialgica tendo-se em vista a
compreenso e a modificao da prpria realidade.
Alm disto, ao analisar-se mais detidamente as colocaes
do ltimo captulo, e com especial ateno ao significado dos
principais conceitos, verifica-se que, ao lado destas, outras dificuldades aparecem:
5.1.1. A AUSNCIA DE UM CONSENSO CONCEITUAL

As ideias apresentam-se dspares e incoerentes no que se


refere a vrios termos, como se pode ento verificar:
A palavra integrao aparece como sinnimo de concomitncia, como ordenao e como articulao (nota n.
19, cap. 4).
Tendo em vista o presente, procurou-se explicitar o significado de cada um desses termos. Assim sendo, constatouse que concomitncia significa ocorrer ou acontecer ao mesmo tempo, simultaneidade1, enquanto integrao quer dizer
totalizao, complementao2. Por ordenao, entende-se
arranjo3, no querendo significar especificamente que deva
ser um arranjo visando complementao ou totalizao,
mas uma ordenao que envolve sequncia e relacionamento
(nota n. 19, cap. 4), do que se conclui pela inexistncia de similaridade entre esses termos e pela utilizao indevida de seu
significado prprio.
1. Dicionrio da Lngua Portuguesa MEC.
2. Ibid.
3. Ibid.

132

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Com relao ao termo sequncia ocorre o mesmo,


pois seguimento, continuao e srie4, que so seus significados, no condizem com totalizao ou complementao,
que seriam prprios a uma integrao. Alm disso, cumpre
salientar que, de acordo com as teorias de currculo, podese ter um currculo organizado em termos sequenciais, com
contedos que se escalonem mas no necessariamente se integrem5. Assim sendo, sequncia no significa estritamente
integrao.
Ainda com respeito ao termo sequncia, elemento-chave da integrao proposto na Legislao do Ensino, verificase que pode advir de uma ordenao longitudinal ou vertical
(nota n. 22, cap. 4).
Ordenao longitudinal significa arranjo relativo maior
dimenso, ou, colocado ao comprido6 e por integrao vertical,
entende-se perpendicular ao plano horizontal, que segue a direo do fio de prumo7, no havendo, portanto, uma relao
especfica com a integrao.
Relacionamento, outro elemento-chave da integrao,
aparece tambm como ordenao transversal, ou como integrao horizontal. Por ordenao transversal entende-se
arranjo oblquo, ou que est de travs8, e por integrao horizontal, paralelo ao horizonte9. Neste caso especfico, as dvidas quanto ao sentido do arranjo ainda dificultariam mais a
compreenso dos termos utilizados.
A respeito, portanto, do conceito de integrao, concluise que existem na Legislao do Ensino Brasileiro diferentes
4. Ibid.
5. L. L. Traldi, Currculo, conceituaes e implicaes.
6. Dicionrio da Lngua Portuguesa MEC.
7. Ibid.
8. Ibid.
9. Ibid.
Relacionamento crtico dos aspectos tericos com as diretrizes legais

133

conotaes para o mesmo atributo, o que dificulta a compreenso do que e do como efetivamente integrar.
Com relao s proposies tericas a respeito da integrao de contedos afins como etapa para a efetivao da interdisciplinaridade no ensino, em nenhum momento isso foi salientado; muito pelo contrrio. A impresso que se tem a de
que integrar contedos seria efetivamente a real finalidade.
5.1.2. A UTILIZAO INDEVIDA DE TERMOS

No caso, a conotao interdisciplinar: envolver a multiplicidade de setores das instituies educativas Indicao
1/72-CEE10 aparece em substituio antiga expresso trabalho por equipes, ao passo que o que se pretende designar
sob a denominao de interdisciplinaridade algo muito mais
complexo, como uma atitude epistemolgica que altera os hbitos intelectuais estabelecidos, assim como os programas de
ensino, implicando uma verdadeira converso da inteligncia.
Esse rotular com palavras novas, velhos termos, alm de
poder deturpar seu significado prprio, pode conduzir a uma
falsa interpretao de suas necessidades e possibilidades de
efetivao.
Em relao ainda a este aspecto, cumpre salientar outras
impropriedades: a Indicao 1/72-CEE11, anteriormente citada,
tenta de certa forma explicitar o concurso das dimenses filosfica, psicolgica e socioantropolgica na consecuo do trabalho de equipes, dito interdisciplinar (p. 67 e 68, cap. 4).
Essa tentativa de delimitar as estruturas e a funo das
cincias do homem como forma de realizar a interdisciplinaridade, sugerida por Piaget e intentada por alguns peritos,
10. Diretrizes e Bases da Educao Nacional, p. 104.
11. Ibid., p. 104.

134

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

como por exemplo Leon Apostei, mesmo quando empreendida segundo critrios metodolgicos acuradssimos, resulta
em srias distores. No basta determinar o papel de cada
dimenso do conhecimento, sem que se estabelea sua hierarquia e sua estrutura interacional. Menos utpica seria uma
abordagem interdisciplinar em termos de atitude dos que a
efetivariam.
Os dados legais analisados, ao lado de demonstrarem a
ausncia de uma ideia clara e precisa das implicaes de um
trabalho interdisciplinar, indicam precariamente quais seriam as contribuies de algumas das principais cincias do
homem.
5.2. QUANTO AO VALOR E APLICABILIDADE
DA INTERDISCIPLINARIDADE

A legislao ora analisada revelou a presena de alguns aspectos considerados ento relevantes e que poderiam de certa
forma justificar a necessidade de um trabalho interdisciplinar,
caso se constitussem em proposies realmente efetivas.
No caso, examine-se a proposio do Parecer 349/72-CFE,
relativo formao de professores para o ensino de 1 grau:
() desta forma, no ncleo comum, o professorando, no estudo de cada disciplina, dever ser levado descoberta de seus
princpios e fundamentos bsicos, ao inter-relacionamento
disciplinar, para se capacitar a desenvolver um currculo por
meio de atividades globalizantes no ensino de 1 grau12.
Esta realmente seria uma proposio efetiva, se ao lado da
formao terico-prtica estivesse prevista uma educao para
a sensibilidade, um treino constante ou um efetivo exerccio da
criao e imaginao; enfim, se estivesse prevista uma vivncia
12. Ibid., p. 166.
Relacionamento crtico dos aspectos tericos com as diretrizes legais

135

interdisciplinar. Esperar que ela ocorra sem que haja uma inteno declarada para isto extremamente utpico; transforma o que se pretende numa proposio ideolgica.
Examinando mais atentamente esta proposio, verificase a orientao de um trabalho interdisciplinar para o desenvolvimento de um currculo por meio de atividades globalizantes.
A interpretao desta proposio pode eventualmente ocasionar srias distores, j que no se encontra perfeitamente especificado o que vem a ser atividades globalizantes. Podem ser
tomadas, por exemplo, como exerccios especficos de determinada unidade e assim restringir todo o processo de integrao
a esse aspecto, como no caso dos Guias Curriculares.
Outro exemplo da falta de cuidado ao enunciar uma proposio encontra-se na Resoluo n. 8/71-CFE13, ao tratar do
currculo que o professor ir desenvolver no 1 grau no que
se refere s matrias dos currculos plenos e seu escalonamento em atividades, reas de estudo e disciplinas. dito ali
que, embora haja a diviso do Currculo em matrias, existe
uma preocupao com a integrao entre os contedos, conhecimentos, experincias e habilidades das matrias fixadas,
e estas sero sistematizadas pelo aluno, sob a orientao do
professor.
Verifique-se ento o que diz a Legislao a respeito de cada
um desses aspectos: a respeito, por exemplo, de atividades, verifica-se que so indicadas para a faixa etria de 7 a 11 anos no
perodo da 1 4 srie (subperodo das operaes concretas)14.
Refletindo em torno desta proposio, evoca-se Dewey, que
caracteriza atividade como algo distinto de passividade, ocorrendo sempre e no somente nessa fase de desenvolvimen-

13. Publicao da Secretaria da Educao DAP, p. 1 a 3.


14. J. Piaget, Problemas de Psicologia Gentica, p. 57.

136

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

to15. Portanto, integrar por meio de atividades deveria ser uma


pretenso constante do currculo em todas as suas etapas e
no apenas nesta especificamente. Por outro lado, atividades
representam um aspecto restrito do currculo, e permanecer
nele apenas seria limitar-se; melhor dizendo, vivenciar a experincia imediata uma necessidade primordial e incontestvel,
mas permanecer nela seria impedir a possibilidade de transferncia bem como o desenvolvimento de outras dimenses do
conhecer. Segundo a Legislao, atividades seriam uma forma
de organizao que utilizaria as necessidades, os problemas e
os interesses dos alunos (nota n. 16, cap. 4). Entretanto, no
fica bem esclarecido a quem caberia um levantamento dessas
necessidades, problemas e interesses, quem orientaria o professor na escolha das experincias mais significativas, e se sua formao permitiria atingir a realizao desse objetivo.
Continuando a anlise da proposio inicial e refletindo
sobre a questo reas de estudo, verifica-se que a legislao prev seu aparecimento a partir da 5 8 srie, formadas pela
integrao de contedos afins, consoante um entendimento
que j tradicional, onde as situaes de experincia tendero
a equilibrar-se com os conhecimentos sistemticos (nota n.
17, cap. 4). Acontece que esse o momento de maior ciso no
desenvolvimento curricular, pois o contedo que j vinha subdividido em matrias passa a ser distribudo para diferentes
professores. A pretendida integrao proposta pela legislao
s ocorreria se houvesse condies de criar-se uma atitude interdisciplinar. Esperar que elas tendam a equilibrar-se constitui-se numa atitude ingnua ou pretensiosa, assim como pressupor que haja um entendimento tradicional.
O ltimo grau de escalonamento de matrias previsto
na Legislao denomina-se Disciplinas (nota n. 18, cap. 4).
15. Dewey, Experincia e Educao.
Relacionamento crtico dos aspectos tericos com as diretrizes legais

137

Visando um mais alto grau de sistematizao, ocorrero no


2 grau. A proposta de sistematizao esperada dentro da
cada disciplina, o que inclusive ir dificultar ainda mais a pretenso inicial de integrao, como se pode observar neste trecho: () pressupem menor abrangncia, porque mais especficas (nota n. 18, cap. 4). A prpria lei confunde neste sentido
especificidade com setorizao, ciso, separao, negando a
possibilidade de integrao. Um dos pressupostos para a realizao da interdisciplinaridade no a negao da especificidade, mas o reconhecimento de que o especfico demanda a busca de sua complementao. Neste sentido, Japiass expe seu
ponto de vista, dizendo que a exigncia interdisciplinar impe
a cada especialidade a tomada de conscincia de seus prprios
limites para acolher as contribuies das outras disciplinas.
Uma epistemologia da complementaridade, ou melhor, da
convergncia, deve, pois, substituir a da dissociao16.
Conclui-se ento que, apesar de haver uma inteno subjacente, no est ainda bem explicitado qual seria o valor e a
aplicabilidade da interdisciplinaridade, assim como o que se
entende por ela.
Outro momento em que isto pode ser constatado na
Indicao 65/75-CFE: Interdisciplinaridade forma de superar a viso exclusivista da educao, considerando-a um mundo aberto aos demais. recurso para tanto quanto possvel
restabelecer a perdida unidade do saber. Analisando-se esta colocao, sentiu-se a necessidade de reportar-se Legislao, a
fim de verificar quais so as funes da Educao.
Segundo o Parecer 4.833/75-CFE, a Educao teria como
funes as seguintes: integradora, estabilizadora, ajustadora,
propedutica e diferenciadora. No est prevista a Educao
como transformadora. A prpria caracterstica ajustadora
16. H. Japiass, Interdisciplinaridade e patologia do saber.

138

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

(estabelecimento de certos hbitos, padres e ideias estveis)


(p. 60, cap. 4) nega a funo transformadora, ou melhor, restringe-a capacidade de reagir adequadamente e em grau possvel s solicitaes da vida em mudana.
Considera-se a Educao como transformadora, na medida em que se considera a Educao como a formao do homem total, como a formao do homem no s como produto
do mundo. Negar Educao sua caracterstica mais essencial,
a de ser transformadora, j negar a prpria possibilidade da
interdisciplinaridade, j que seu objetivo bsico a passagem
de um saber setorizado a um conhecimento total, visando
formao do homem completo.
No suficiente que se importe um conceito da moda,
como no caso da interdisciplinaridade, como se fosse uma
palavra mgica que solucionasse os problemas de integrao.
Seria necessrio apreender a essncia desse conceito e analislo segundo suas implicaes e necessidades.
Interdisciplinaridade implicaria uma mudana de atitude
diante do problema do conhecimento e, consequentemente,
uma mudana de atitude diante da Educao, alterando a prpria estrutura curricular existente.
5.3. QUANTO S POSSIBILIDADES DE EFETIVAO
DA INTERDISCIPLINARIDADE

A sistematizao realizada permitiu chegar s seguintes


constataes:
5.3.1. ESTRUTURA CURRICULAR FECHADA

A prpria estrutura linear, de um currculo estruturado por matrias, mesmo que estas subdividam-se em ncleo comum e parte diversificada, o principal empecilho
Relacionamento crtico dos aspectos tericos com as diretrizes legais

139

consecuo de um trabalho interdisciplinar, pois a estrutura


linear em si j uma forma de provocar a compartimentizao do saber em contedos estanques.
A modificao na estrutura curricular seria ento, ao lado
de outras, uma das providncias a serem tomadas para atingir
o objetivo proposto. Entretanto, pelo que foi analisado teoricamente, a simples mudana formal da estrutura curricular linear
para um outro tipo de estrutura, tipo core17 por exemplo, ou
espiralada18 simplesmente, no levaria interdisciplinaridade.
Para tanto seria necessrio sobretudo que se eliminassem as barreiras entre as disciplinas, a fim de facilitar o interrelacionamento disciplinar e impedir que alguma cincia procurasse impor sua soberania diante das demais. A eliminao
das barreiras no poderia ser uma mera formalizao; para que
realmente se efetivasse, necessrio seria que se eliminassem as
barreiras entre as pessoas.
Num sistema de ensino como o brasileiro, em que as matrias so fixadas pelos Conselhos de Educao, em que no
17. Entende-se por estrutura curricular tipo core, core curriculum
ou currculo de ncleo bsico a organizao curricular que pretende, a
um s tempo, desenvolver a integrao de conhecimentos, atender s necessidades dos alunos e promover uma aprendizagem ativa. Pretende,
portanto, estabelecer um significativo relacionamento entre a vida e a
aprendizagem escolar. O core, ou seja, o centro de convergncia, ser
em alguns casos algumas matrias ou campos especficos de conhecimento, em outros, reas-problema, pesquisadas a partir das necessidades psicossociais dos educandos, ou em torno de algumas necessidades
que o grupo tenha, na forma de unidades de trabalho (cf. N. L. Bossing,
Principios de la educacln secundaria).
18. Estrutura curricular espiralada busca a integrao processual do
homem ao mundo, dando aos educandos condies de desenvolverem
atividades que os encaminhem ao ncleo essencial da vivncia e compreenso humanas. Neste sentido, caberia desenvolver a capacidade de
perceber, comunicar, amar, tomar decises, conhecer, estruturar, criar e
avaliar (Louise Berman, Novas Prioridades para o currculo, p. 14, 15 e 16).

140

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

existe uma ideia clara e precisa de como deve se realizar a integrao, a pretenso legal de que se eliminem as barreiras entre
as matrias passa a ser uma utopia.
Outro obstculo eliminao dessas barreiras o programa das disciplinas, elaborado pelo professor e aprovado pelo
estabelecimento.
Ao organizar seu programa, o professor passa a ter uma
atitude s vezes de defesa do que elaborou, impedindo em
alguns momentos que mudanas se operem; num regime interdisciplinar, inicialmente seriam consideradas as necessidades do aluno e a elaborao do programa da disciplina seria
um passo posterior; nesse sentido, a programao no ficaria
entregue a um determinado professor, mas a todos os que estivessem inseridos no processo educativo, inclusive o prprio
aluno.
O Parecer 853/71-CFE19, em seu tpico As matrias e sua
integrao, atenta para a inovao da diviso do currculo
em grandes linhas, como: Comunicao e Expresso, Estudos
Sociais e Cincias, em vez de uma diviso estrita por matrias, como: Matemtica, Histria, Geografia, Cincias Fsicas,
Cincias Biolgicas, justificando essa aglutinao como forma de buscar um saber unificado, numa atitude, portanto,
de tentar diminuir a compartimentizao de disciplinas
autnomas.
Essa inteno vlida na medida em que no se restrinja
a integrao a um aspecto puramente formal. Mais importante que a modificao na estrutura curricular, faz-se necessria
uma modificao nas pessoas, ou seja, uma abertura na forma
de conceber a Educao e compreender a cultura.

19. Publicaes da Secretaria da Educao DAP, p. 10-12.


Relacionamento crtico dos aspectos tericos com as diretrizes legais

141

5.3.2. IDEALIZAES UTPICAS

Ao lado de uma estrutura curricular fechada, outros empecilhos de ordem material, psicocultural, social, metodolgica e de formao deficitria do magistrio impediriam a efetivao de um trabalho interdisciplinar; entretanto, a Legislao
do Ensino revela em vrios momentos a presena de idealizaes utpicas.
5.3.2.1. Utpicas quanto s expectativas curriculares

A exemplo disto tem-se a Indicao 304/72-CEE, que trata


do relacionamento das matrias integrantes da parte diversificada do ensino de 1 e 2 graus, onde se expressa a inteno de
() uma escola em que o currculo, compondo e harmonizando as matrias tcnicas com as literrias e cientficas, possa dar
ao aluno uma tcnica, uma cincia e um sortimento de ideias
gerais e apreciao esttica, em funo de um treinamento no
qual cada uma dessas facetas, eventualmente predominante,
possa ser iluminada pelas demais20.
Considera-se utpica essa pretenso no sentido em que
no discute a possibilidade de as escolas brasileiras de 1 e 2
graus se encontrarem suficientemente aparelhadas, tcnica e
materialmente, para atender s exigncias ento colocadas.
No que se refere ainda citao que vem sendo examinada,
encontra-se, ao lado desta idealizao utpica, uma colocao
deturpada da ideia de interdisciplinaridade, j que prev a soberania de determinada cincia iluminada pelas demais. Poderia
talvez aqui pensar-se numa proposta transdisciplinar, mas a forma da proposio to precria que nada permite concluir.
A mesma Indicao 304/72-CFE, ao referir-se s diferenas individuais dos educandos, diz o seguinte: de se
20. Diretrizes e Bases da Ed. Nacional, p. 122.

142

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

recomendar s Escolas que, dentro de suas possibilidades concretas, seja elaborado o currculo, no que concerne parte diversificada, com alternativas de opo, de modo a adequar o
curso s referidas diferenas individuais21.
Esta colocao torna-se utpica ao se considerar que a
Legislao do Ensino no chega nem a especificar a forma pela
qual o currculo se adaptaria s exigncias da comunidade,
quanto menos dos educandos.
5.3.2.2. Utpicas quanto s expectativas de trabalho
dos professores

Segundo a Legislao, caberia ao professor a tarefa de integrao, mas o como e as condies em que isto se efetivaria
no so nem nomeados, quanto menos discutidos. A exemplo
disto, tem-se a seguinte proposio: () o professor o responsvel direto pela integrao, desenvolvendo um currculo
por meio de atividades globalizantes no ensino de 1 grau,
atravs de uma aprendizagem que torne o aluno capaz de resolver problemas complexos e ser receptivo s mudanas
(Parecer 349/72-CFE)22
Segundo o que foi visto legalmente a respeito de formao de professores para o 1 grau e formao de pedagogos,
concluiu-se ser uma formao fragmentada, produto de um
currculo linear pr-fixado, em que no se coloca a possibilidade de estudar uma adequao realidade, a no ser em algumas matrias especficas.
Apesar de pretender-se que haja um inter-relacionamento
disciplinar no que se refere formao tanto de professores
quanto de pedagogos, no se observa uma orientao para a
21. Ibid., p. 123.
22. Ibid., p. 166.
Relacionamento crtico dos aspectos tericos com as diretrizes legais

143

efetivao dessa formao. Desde que no existe uma orientao efetiva para a interdisciplinaridade no que se refere aos
cursos de formao de professores, a questo que surge a seguinte: Onde obter o professor a ajuda necessria para a consecuo desse objetivo?
Reportando-se Legislao, verifica-se, por exemplo, nas
Escolas Municipais, a indicao de tarefas aos Administradores,
Assistentes Pedaggicos e demais membros da Escola, no sentido de orientar o trabalho do professor. Resta saber em que
medida isto realmente verdadeiro. Alm disso, o regulamento, ao estabelecer as funes de cada um, no prev a dinmica
interdisciplinar em que estas se efetivariam.
Ao delegar ao professor a responsabilidade de adaptar
os conhecimentos aos alunos, a Legislao prev um professor
com preparo, tempo e condies materiais disponveis para
empreender essa tarefa.
Neste caso, convm lembrar que esta se constituiria numa
atribuio pertinente a socilogos e pesquisadores treinados
em anlise de comunidade, bem como a psiclogos sociais;
portanto, inadequado e utpico releg-la ao professor.
A integrao dos conhecimentos, experincias e habilidades caber portanto ao aluno, sob a orientao nica e exclusiva do professor, que por sua vez no possui uma formao
condizente para tal.
Examinando os Guias Curriculares, que seriam os pontos
de referncia do trabalho do professor (cujos comentrios viro posteriormente), conclui-se pela falta de orientao nesses
Guias quanto ao aspecto integrao.
Assim sendo, qual a possibilidade que existe em responsabilizar o professor pela integrao de conhecimentos?

144

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

5.3.2.3. Utpicas quanto proposta de integrao para a


interdisciplinaridade

Em todos os documentos analisados notou-se a preocupao com a integrao.


Utopicamente idealizou-se uma integrao ou uma interdisciplinaridade baseando-se nas potencialidades do professorado.
As indicaes quanto a sua formao revelam que a integrao deve ser feita pelo aluno no estudo de cada disciplina.
Em nenhum momento existe uma referncia quanto
formao do professor-aluno, para um trabalho interdisciplinar, mesmo sendo esta uma das pretenses do ensino de
1 e 2 graus, j que no existe qualquer aluso a uma educao para a sensibilidade, a um treino na arte de entender e
esperar ou ao desenvolvimento das faculdades criadoras ou
imaginativas que se desenvolveriam no exerccio efetivo da
interdisciplinaridade.
O Parecer 349/72-CFE, referente formao de professores, alm de ser omisso nesse aspecto, apresenta a seguinte
ambiguidade ao lado de uma orientao para a interdisciplinaridade: o aluno dever ser levado descoberta dos princpios
e fundamentos bsicos ao inter-relacionamento disciplinar;
nega atravs do tipo de formao que pretende que se d ao
educando que o aluno seja receptivo s mudanas, pois vive
num mundo em acelerada e imprevisvel evoluo23.
Essa ambiguidade observa-se no momento em que se
considera como uma das principais caractersticas do trabalho
interdisciplinar a formao do indivduo ativo, agente e no
paciente das mudanas tecnolgicas cientficas e sociais.

23. Ibid., p. 164.


Relacionamento crtico dos aspectos tericos com as diretrizes legais

145

5.3.2.4. Utpicas quanto proposta de interdisciplinaridade


nas Universidades

Podem considerar-se utpicas as proposies referentes


interdisciplinaridade nas Universidades, como a do Parecer
65/75-CFE: () estas podero utilizar-se da intercomplementaridade com outras instituies para atingir a integrao. Isto
denota claramente que no existe nenhuma previso para o
exerccio da interdisciplinaridade. Esta poder ocorrer, ou no,
dependendo s vezes da boa vontade de outras instituies,
ou da disposio de alguns setores da Universidade, enquanto
que a interdisciplinaridade s poder ocorrer quando houver
um planejamento especfico com previses de tempo, espao e
remuneraes adequadas.
5.4. A oMISSO DOS GUIAS CURRICULARES DE
1 GRAU QUANTO AOS ASPECTOS INTEGRAO
E INTERDISCIPLINARIDADE

Os Guias Curriculares, considerados pontos de referncia para o planejamento das atividades a serem elaboradas pelo
professor, esto escritos numa linguagem excessivamente tcnica, em que as nuanas na diferenciao dos termos so muito
pequenas, impedindo assim a compreenso imediata por parte
do professor que no seja especialista no assunto.
Esta linguagem fechada constitui-se no primeiro obstculo consecuo de um trabalho integrado ou interdisciplinar. Precisaria ser decodificada por uma equipe tcnica suficientemente treinada que pudesse discutir e avaliar o nvel de
compreenso terminolgico dos professores e a capacidade
dos mesmos em executar o proposto24.
24. Exemplo: Exerccio sinttico-semntico de transformao de
oraes Associao de palavras cognatas etc.

146

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Alm disso, encontram-se neles indicaes bastante superficiais a respeito de vrios tpicos, como, por exemplo, no
tocante avaliao: O mnimo indicado dever ser exigido
e avaliado. () a intensidade depender do nvel que os alunos apresentarem e do bom-senso do professor ao dosar o
contedo25. Assim sendo, volta-se a responsabilizar o professor
pela dosagem do contedo em funo do nvel a que os alunos
pertencerem; sem que se deem a esse professor os requisitos
necessrios.
Tem-se, ento, um programa com itens estabelecidos, embora se desconhea a utilidade desses para os alunos. O critrio
para a dosagem desses contedos o bom-senso do professor,
que dever funcionar mesmo sem nenhum diagnstico prvio.
Os objetivos so elaborados em funo de um contedo a
cumprir, baseado em pressupostos tericos a respeito das necessidades dos alunos26.
Os contedos so selecionados a partir de seu valor instrumental, ou seja, em que forma constituem-se fatores para
o desenvolvimento. Em nenhum momento pergunta-se se isto
seria til ou motivador ao aluno; em que medida seria elemento de aceitao ou de transformao de sua condio primeira.
Caber ao professor adequ-lo s exigncias sociais, entretanto pergunta-se: Para tanto no seria necessrio um estudo
diagnstico da realidade, ao qual concorreriam especialistas
de vrios campos do saber?
Os objetivos propostos relacionam-se sempre ao contedo proposto, nunca ao aluno. Este foi esquecido. Fala-se
em aprendizagem sem considerar-se quem aprende.

25. Guias Curriculares, p. 7.


26. Baseiam-se, principalmente, nos nveis de desenvolvimento da
criana, propostos por Piaget.
Relacionamento crtico dos aspectos tericos com as diretrizes legais

147

A integrao sugerida uma integrao de contedos de


uma mesma matria que visa, basicamente, aquisio desses
contedos ao final do curso.
Isto, conclusivamente, impede que se estabelea a pretendida integrao entre as matrias nomeadas na Legislao, o
que talvez pudesse constituir-se num primeiro passo para o
trabalho interdisciplinar. Integrao de matrias um aspecto
praticamente esquecido nos Guias Curriculares, timidamente
lembrado vez ou outra como sugestes de atividades afins.
Esta primeira tentativa de verificar a interpretao legal
diante da questo integrao interdisciplinaridade possibilitou chegar s concluses acima. Restaria verificar, num outro
momento, o trabalho dos professores em seu dia a dia a fim de
aquilatar o grau de dificuldades encontradas no manuseio dos
referidos Guias.

148

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Captulo VI

Interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade
na formao de professores

presente artigo objetiva discutir scio-historicamente os


termos inter e transdisciplinaridade, partindo da polissemia que os envolve, buscando em alguns de seus pesquisadores aspectos contidos na diversidade cultural que abrangem
definies mltiplas, conceitos variados e resultados aferidos a
partir das configuraes assumidas quando tratamos da questo formao de professores seja na Didtica seja na Prtica de
Ensino.
6.1. Interdisciplinaridade na formao
de professores

Se definirmos interdisciplinaridade como juno de disciplinas, caber pensar currculo apenas na formatao de sua grade. Contudo, se definirmos interdisciplinaridade como atitude
de ousadia e busca diante do conhecimento, caber pensar aspectos que envolvem a cultura do lugar onde se formam professores.
Assim, medida que ampliamos a anlise do campo
conceitual da interdisciplinaridade, surge a possibilidade de

149

explicitao de seu espectro epistemolgico e praxiolgico.


Somente ento possvel falar sobre o professor e sua formao, e dessa forma no que se refere a disciplinas e currculos.
Reportamo-nos questo: como a interdisciplinaridade definida quando a inteno formar professores?
Servindo-nos por exemplo de uma definio clssica produzida em 1970 pelo CERI Centro para Pesquisa e Inovao
do Ensino rgo da OCDE (Documento CERI/HE/SP/7009),
em que interdisciplinaridade definida como interao existente entre duas ou mais disciplinas, verificamos que tal definio pode nos encaminhar da simples comunicao das ideias
at a integrao mtua dos conceitos-chave da epistemologia,
da terminologia, do procedimento, dos dados e da organizao da pesquisa e do ensino, relacionando-os. Essa definio,
como se pode constatar, muito ampla, portanto no suficiente nem para fundamentar prticas interdisciplinares nem
para pensar-se uma formao interdisciplinar de professores.
Podemos, nesse caso, proceder a uma decodificao na forma de conceber a interdisciplinaridade. Fourez (2001) fala-nos
de duas ordens distintas, porm complementares, de compreender uma formao interdisciplinar de professores: uma
ordenao cientfica e uma ordenao social.
A ordenao cientfica nos conduziria construo do
que denominaramos saberes interdisciplinares. A organizao desses saberes teria como alicerce o cerne do conhecimento cientfico do ato de formar professores, como a estruturao hierrquica das disciplinas, sua organizao e dinmica, a
interao dos artefatos que as compem, sua mobilidade conceitual, a comunicao dos saberes nas sequncias a serem organizadas. Essa proposio conduziria busca da cientificidade disciplinar e, com ela, ao surgimento de novas motivaes
epistemolgicas, de novas fronteiras existenciais. Por isso, entendemos que cada disciplina precisa ser analisada no apenas

150

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

no lugar que ocupa ou ocuparia na grade, mas nos saberes que


contemplam, nos conceitos enunciados e no movimento
que esses saberes engendram, prprios de seu lcus de cientificidade. Essa cientificidade, ento originada das disciplinas,
ganha status de interdisciplina no momento em que obriga o
professor a rever suas prticas e a redescobrir seus talentos, no
momento em que ao movimento da disciplina seu prprio
movimento incorporado.
A segunda, ento denominada ordenao social, busca
o desdobramento dos saberes cientficos interdisciplinares s
exigncias sociais, polticas e econmicas. Tal concepo coloca em questo toda a separao entre a construo das cincias
e a solicitao das sociedades. No limite, diramos que essa ordenao tenta captar toda a complexidade que constitui o real
e a necessidade de levar em conta as interaes que dele so
constitutivas. Estuda mtodos de anlise do mundo, em funo das finalidades sociais, enfatiza os impasses vividos pelas
disciplinas cientficas em suas impossibilidades de sozinhas
enfrentarem problemticas complexas.
No que se refere primeira ordenao, cientfica, diramos com Lenoir (2001) o seguinte: a cientificidade aqui revelada estaria em conformidade com o modo de pensar de uma
cultura eminentemente francfona, na qual o saber se legitima
pela beleza da capacidade de abstrao um saber/saber.
Ainda apropriando-nos dos escritos de Lenoir (2001), diramos que a segunda classe de ordenao, social, se aproximaria mais de uma cultura de lngua inglesa, na qual o sentido da
prtica, do para que serve, impe-se como forma de insero
cultural essencial e bsica saber fazer.
Duas culturas diferentes, duas formas diferenciadas de
conceber conhecimento e organizar seus currculos de formao de professores.
Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na formao de professores

151

Entretanto, Lenoir aponta para o surgimento de uma terceira cultura legitimada como a do saber ser. Refere-se a uma
forma brasileira de formar professores. Sua concluso fundamenta-se na anlise de estudos e pesquisas sobre interdisciplinaridade na formao de professores produzidos no Brasil.
Sem abdicar das duas anteriores, um denominador comum: a
busca de um saber ser interdisciplinar. Essa busca explicita-se
na incluso da experincia docente em seu sentido, intencionalidade e funcionalidade, diferenciando o contexto cientifico
do profissional e do prtico (Lenoir, Fazenda, 2001).
Abarcar a questo da experincia docente nessa trplice dimenso: do sentido, da intencionalidade e da funcionalidade,
requer cuidados de diferentes ordens (Fazenda, 2002), cuidados nas pressuposies tericas que investigam os saberes que
referenciaram a formao de determinado professor, cuidados
ao relacionar esses saberes ao espao e ao tempo vivido pelo
professor, cuidados ao investigar os conceitos por ele apreendidos que direcionaram suas aes e, finalmente, cuidados em
verificar se existe uma coerncia entre o que diz e o que faz.
Para melhor compreendermos o significado dessa ordenao brasileira que poderamos denominar interacional, precisaramos adentrar em aspectos terico-prticos apenas emergentes nas pesquisas sobre interdisciplinaridade e em outros
aspectos um pouco mais aprofundados na produo brasileira. Estamos nos referindo a questes como: esttica do ato de
apreender, espao do apreender, intuio no ato de apreender,
design do projetar, tempo de apreender, importncia simblica
do apreender.
Abstraindo implicaes de natureza mtica do conceito de interdisciplinaridade ou de outra perspectiva qualquer
que apenas a fixe s questes relativas unidade do saber
(Fazenda, 2003, Lenoir, 1995), enfatizamos a posio de Morin
(1990) ao vincular o uso da palavra interdisciplinaridade

152

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

expanso da pesquisa cientfica (Fazenda, 2003), o que a institucionaliza no sculo XX, porm forjada no sculo XVII,
quando a cincia adquire progressivamente formas diversas
de interpretao da natureza em suas relaes socioculturais,
portanto adquirindo vises e esquemas de interpretao do
mundo que se diferenciam se levamos em conta a histria da
humanidade (Fazenda, 2003).
Assim, reafirmando o que dissemos em estudos anteriores (Fazenda, 1979-), o debate inicia-se na Universidade com
a necessidade de incluso inexorvel do ser humano na organizao dos estudos, porm gradativamente amplia-se a um
segundo patamar de preocupaes: o das diferentes esferas da
sociedade necessitadas de rever as exigncias dos diferentes tipos de sociedades capitalistas em que o cotidiano das atividades profissionais desloca-se para situaes complexas para as
quais as disciplinas convencionais no se encontram adequadamente preparadas.
Navegar entre dois polos: da pesquisa de snteses conceituais dinmicas e audazes construo de formas de interveno diferenciadas, algo frequente h quase vinte anos entre
muitos pesquisadores da rea: Klein (1985), Lynton (1985),
Fazenda (1990).
A inquietao dos pesquisadores que se dedicam interdisciplinaridade converge desde o incio da dcada de 1960 e
amplia-se cada vez mais na compreenso dos paradoxos advindos da necessidade da busca de sentidos existenciais e/ou
intelectuais (Pineau, 2007). Essa busca de sentido exige respeito a critrios de funcionalidade necessrios, sem que com eles
quebremos os princpios bsicos de humanidade no seu mais
amplo significado.
O conceito de interdisciplinaridade, como ensaiamos em
todos os nossos escritos desde 1979 e agora aprofundamos,
encontra-se diretamente ligado ao conceito de disciplina, em
Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na formao de professores

153

que a interpenetrao ocorre sem a destruio bsica s cincias conferidos. No se pode de maneira nenhuma negar a evoluo do conhecimento ignorando sua histria.
Assim, se tratamos de interdisciplinaridade na Educao,
no podemos permanecer apenas na prtica emprica; imperioso proceder a uma anlise detalhada dos porqus dessa prtica histrica e culturalmente contextualizados.
Caminhando nesse raciocnio, falar de interdisciplinaridade escolar, curricular, pedaggica ou didtica requer uma
profunda imerso nos conceitos de escola, currculo ou didtica. A historicidade desses conceitos, entretanto, requer igualmente uma profunda pesquisa nas potencialidades e nos talentos dos saberes requeridos ou a requerer de quem os estiver
praticando ou pesquisando (Fazenda, 2003).
Interdisciplinaridade escolar no pode confundir-se com
interdisciplinaridade cientfica (Lenoir, Sauv, 1998; Fazenda,
1992).
Na interdisciplinaridade escolar a perspectiva educativa;
assim, os saberes escolares procedem de uma estruturao diferente dos pertencentes aos saberes constitutivos das cincias
(Chervel, 1988; Sachot, 2001).
Na interdisciplinaridade escolar as noes, finalidades
habilidades e tcnicas visam favorecer sobretudo o processo de aprendizagem, respeitando os saberes dos alunos e sua
integrao.
Cabe-nos tambm mais uma vez reafirmar a diferena
existente entre integrao e interdisciplinaridade (Fazenda,
1979). Apesar de os conceitos serem indissociveis, so distintos: uma integrao requer atributos de ordem externa, melhor
dizendo, da ordem das condies existentes e possveis, diferindo de uma integrao interna ou interao, da ordem das finalidades e sobretudo entre as pessoas. Com isso, retomamos

154

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

novamente a necessidade de condies humanas diferenciadas


no processo de interao que faa que saberes de professores
em uma harmonia desejada integrem-se aos saberes dos alunos. Isso requer outro tipo de profissional com novas caractersticas ainda sendo pesquisadas. Assim como o conceito de
integrao o primeiro por ns pesquisado , muitos outros
ensaiamos pesquisar no nosso grupo de pesquisas.
Em todos esses quase trinta anos dedicados ao estudo e
pesquisa sobre interdisciplinaridade, o que mais nos conforta
perceber que, ao orientarmos nossas pesquisas para a gnese
das definies mais comuns utilizadas na Educao, necessariamente verificamos uma gradativa mudana na compreenso dos pesquisadores os quais iniciamos. Essa compreenso,
que acreditamos nascer do cuidado na potencialidade do estudo de conceitos, tem conduzido nossos pesquisadores aquisio de um olhar divergente e paradoxalmente convergente
histria do conceito e sua representao sociocultural, aliando-se sobretudo s diferentes perspectivas de produo.
Estamos constatando em nossas pesquisas brasileiras
como o estudo de definies preliminares pode aos poucos
adquirir uma tridimensionalidade ou a potncia de conduzir
o pesquisador a enxergar alm dessas definies e dos conceitos atravs delas produzidos, como dissemos em textos anteriores admirao das possveis entrelinhas e das infinitas
possibilidades latentes e ainda no ensaiadas (Fazenda, 1992
a 2007).
A pesquisa interdisciplinar somente torna-se possvel onde
vrias disciplinas se renem a partir de um mesmo objeto; porm, necessrio criar uma situao-problema no sentido de
Freire 1974, em que a ideia de projeto nasa da conscincia comum, da f dos investigadores no reconhecimento da complexidade deste e na disponibilidade destes em redefinir o projeto a
cada dvida ou resposta encontrada.
Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na formao de professores

155

Nesse caso, deve-se convergir no ao sentido de uma resposta final, mas pesquisa do sentido da pergunta inicialmente enunciada.
A interdisciplinaridade na formao profissional requer
competncias relativas s formas de interveno solicitadas e
s condies que concorrerem ao seu melhor exerccio. Nesse
caso, o desenvolvimento das competncias necessrias requer a
conjugao de diferentes saberes disciplinares. Entenda-se por
saberes disciplinares: saberes da experincia, saberes tcnicos e
saberes tericos que interagem dinamicamente sem nenhuma
linearidade ou hierarquizao que subjugue os profissionais
participantes (Barbier, 1996; Tardiff, 1990; Gauthier, 1996).
A formao interdisciplinar de professores, na realidade,
deveria ser considerada de um ponto de vista circundisciplinar
(Lenoir, Sauve, 1998), em que a cincia da educao fundamentada em um conjunto de princpios, de conceitos, de mtodos
e de fins converge para um plano metacientfico. Tratamos,
nesse caso, do que poderamos chamar de interao envolvente
sintetizante e dinmica, reafirmando a necessidade de uma estrutura dialtica, no linear e no hierarquizada, em que o ato
profissional de diferentes saberes construdos pelos professores no se reduz apenas a saberes disciplinares. Comeamos
aqui a tratar de um assunto novo, recentemente pesquisado,
denominado interveno educativa, em que mais importante
que o produto seja o processo.
Assim, consideraramos etapas ou fases que no dizer desses autores denominam-se como pr-ativa, interativa e psativa (Coutourier, 2004; Maubant, 2007). No meu caso em
particular, amplio essa designao, denominando-as por metforas congruentes com o tema que estiver sendo pesquisado
(Fazenda, 2007).
A circundisciplinaridade no exclui a necessidade de uma
formao disciplinar, indispensvel no processo de teorizao

156

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

das prticas, mas, como denomina Freitag, 1995, o desenvolvimento de um corpo sinttico de conhecimentos debruandose sobre um sistema terico, visando a uma sntese explicativa,
preditiva e compreensiva. Trata-se assim o ato educativo escolar em uma dimenso complexa e interligada de diferentes
componentes e de diferentes regulamentaes. Sua transmisso apenas parte de um contedo disciplinar predeterminado, porm amplia-se em uma dimenso planetria de mundo
em que os estudos encontram-se sempre na dimenso de esboos inacabados de um design de projeto que se altera em seu
desenvolvimento.
Todos os aspectos aqui considerados so objeto de estudos e pesquisas dos principais centros de referncia de questes inter e transdisciplinares.
6.2. Transdisciplinaridade na formao
de Professores

Como estudiosa das questes da interdisciplinaridade,


no poderia neste momento deixar de pontuar avanos especficos, aqui ainda tratados de maneira genrica, de questes
afeitas transdisciplinaridade, os quais pretendo historiar demoradamente em outro contexto.
Os estudos e as pesquisas sobre transdisciplinaridade, como
nomeiam alguns de seus pesquisadores, antecedem os da interdisciplinaridade. Japiass (2007), em seu mais recente livro, no
qual trabalha a noo de Sonhos Transdisciplinares publicado pela Imago , destaca como o termo foi gestado por Piaget,
relembrando os anos que frequentou seu laboratrio.
Relembrando Joel Martins, com quem dividi parte desses
sonhos, poderia tambm ensaiar dizer que os termos da forma como aqui so tratados no se diferenciam, mas se autoincluem e complementam-se.
Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na formao de professores

157

Basarab Nicolescu, desde 1995, debrua-se muito seriamente na construo de uma fundamentao epistemolgica
tendo como finalidade argumentar em favor da unidade do
conhecimento por ele denominado transdisciplinar. Cria o
CIRET, onde o dilogo entre pesquisadores seniores ininterruptamente ocorre seja distncia seja presencialmente.
A necessidade do dilogo, a adoo de um olhar transdisciplinar, questes relativas complexidade, autoformao,
ecoformao e heteroformao ganham destaque cada vez
maior entre os estudiosos da transdisciplinaridade.
Questes ambguas como cura (Patrick Paul, 2007), amor
(Ren Barbier, 2007) espiritualidade, negociao, reconhecimento, gratido (Paul Ricoeur, 2006), respeito, desapego e humildade (Maturana, 1997, Ricoeur 2006) fazem parte de um
novo pensar sobre a Didtica e a Prtica de Ensino.
Em vrias de minhas obras recorro a princpios que sintetizo em palavras como: Espera, Coerncia, Humildade,
Respeito e Desapego, sob a estreita vigilncia de um Olhar
multifacetado e atento, sntese essa que tomo como necessria ao pensar inter ou transdisciplinaridade nas pesquisas que
oriento e realizo.
Alguns organismos mundiais, tal como o CIRET Centre
International de Recherche et Etudes Transdisciplinaires
(http//nicol.club.fr/ciret/), do qual fao parte, em dezembro
de 2007 realizou um simpsio do qual participaram vrios dos
autores aqui citados. A discusso magnificamente colocada
ento por Ubiratan DAmbrsio (2003) poderia de certa maneira representar do que l trataremos:
POR QUE ESTOU AQUI? Essa pergunta difcil!
Gostaria que nos dedicssemos mais questo do por
qu?, do que a questo como ? , mexer com ela e, a partir
dela, talvez, achar um novo comportamento que nos permitisse

158

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

abrir as portas das Gaiolas Epistemolgicas nas quais h tanto


tempo nos encerramos!
Outros organismos nacionais, como o CETRANS-USP
(Centro de Estudos Transdisciplinares), que no ano de 2007
completou dez anos de estudos e pesquisas, apontam para dimenses novas no processo de uma inter ou transdisciplinaridade na educao e outras reas do conhecimento.
Em Barcelona, em um congresso ocorrido em maro de
2007, contribuies como as de Edgar Morin, Raul Motta,
Gaston Pineau, Emilio Ciurana, Joan Mallart e outros, entre
os quais me incluo, construram um esboo de Declogo sobre
transdisciplinaridade e ecoformao. Esse esboo nos remete
necessidade de pesquisa em dez campos principais de projeo
transdisciplinar e ecoformadora:
1 Pressupostos ontolgicos, epistemolgicos e metodolgicos de olhares transdisciplinares.
2 Projees tecnocientficas no campo da religao de
saberes.
3 Projeo ecossistmica na relao ecologicamente
sustentvel.
4 Projeo social, como consequncia de uma cidadania planetria.
5 Convivncia e desenvolvimento humano sustentvel:
viso axiolgica e de valores humanos.
6 Projeo nas polticas de trabalho e sociais, tendo em
vista a satisfao das necessidades humanas.
7 Projeo no mbito da sade e da qualidade de vida
em busca da felicidade.
8 Projeo nas reformas educativas em que se busca
formar cidados na sociedade do conhecimento.
9 Projeo na educao, dar respostas a uma formao
integradora, sustentvel e feliz.
Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na formao de professores

159

10 Projeo nas organizaes e no estado de bem-estar,


em que a auto-organizao e a dimenso tico-social
sejam atendidas.
A partir desse evento nasceu uma rede de interligao de
saberes que envolvem at o momento mais de 15 universidades, ainda em construo.
6.3. Reflexes finais a serem discutidas

Quem habita o territrio da interdisciplinaridade no


pode prescindir dos estudos transdisciplinares. O cuidado
construdo arduamente nos dois territrios precisa ser devidamente respeitado em suas limitaes, mas principalmente nas
inmeras possibilidades que se abrem para uma educao diferenciada, em que o carter humano se evidencia.
Um grande nmero de publicaes em vrias lnguas,
muitas das quais em portugus, encontram-se disponveis no
site do CIRET, do CRIE-Universidade de Sherbrooke- Canad
ou mesmo do GEPI-PUCSP: www.pucsp.br/gepi. A Bibliografia
aqui apresentada ainda diminuta diante das inmeras alternativas de atualizao na rea.
Todas as 102 pesquisas produzidas pelo GEPI-PUCSP
encontram-se disponibilizadas em nosso ambiente virtual e
distncia, para debate. Em todas elas promove-se um efetivo
encontro com a Didtica e a Prtica de Ensino.

160

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Concluso

onviver durante vrios anos com os problemas advindos


de uma insatisfao com a escola, ou seja, com o que ela
ensina, com o que dela se espera, com os indivduos que forma e os que deveria formar diante das exigncias sociais e culturais, os objetivos que no conseguem ser atingidos, ou at
mesmo formulados, a precariedade dos recursos humanos e
materiais, enfim, a conscincia da distncia existente entre o
homem que a escola forma e o homem como ser do mundo,
conduziu a uma reflexo em torno de novos objetivos, novos
mtodos, enfim, de uma nova Pedagogia, cuja tnica primeira
a supresso do monlogo e a instaurao de uma prtica dialgica: de uma interdisciplinaridade no ensino.
Para tanto, tornou-se necessrio o levantamento de alguns pressupostos epistemolgicos e pedaggicos para a efetivao da interdisciplinaridade no ensino.
A elucidao da questo epistemolgica interdisciplina
ridade como exigncia do conhecimento conduziu a um estudo
de sua gnese, significado e algumas das colocaes mais recentes em torno de seu conceito, concluindo-se que, em nvel de

161

Interdisciplinaridade, ter-se-ia uma relao de reciprocidade, de


mutualidade ou, melhor dizendo, um regime de copropriedade,
de Interao que ir possibilitar o dilogo entre os interessados,
dependendo basicamente de uma atitude, cuja tnica primeira
ser o estabelecimento de uma intersubjetividade. A interdiscipli
naridade, ento, depende de uma mudana de atitude diante do
problema do conhecimento, da substituio de uma concepo
fragmentria pela concepo unitria do ser humano.
Com a finalidade de estabelecer uma articulao entre o
universo epistemolgico e o universo pedaggico, procurouse verificar qual seria o valor, a utilidade, a aplicabilidade da
interdisciplinaridade no ensino, bem como seus obstculos e
possibilidades de efetivao; concluindo-se que para tanto fazse necessria a eliminao das barreiras entre as disciplinas e
entre as pessoas que pretendem desenvolv-la.
A anlise dos documentos legais diante do referencial terico levantado revelou basicamente a alienao existente nas
colocaes referentes integrao e interdisciplinaridade no
ensino brasileiro.
A alienao primeira refere-se ao desconhecimento do
significado e objetivos da integrao e da interdisciplinaridade. Consequentemente, um descaso das impossibilidades estruturais, materiais e humanas. Basicamente construiu-se uma
ideologia da integrao, pressupondo-se professores e alunos
como super-homens, capazes de assumir sozinhos toda a problemtica educacional.
A tentativa de buscar um novo discurso sobre o homem
totalmente vlida, desde que a conscincia pedaggica esteja
suficientemente esclarecida sobre as implicaes que essa mudana envolve.
No basta importar um conceito da moda e introduzi-lo
como soluo aos problemas presentes. necessrio question-

162

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

lo quanto ao seu significado e verificar quais so os benefcios


que dele se poderiam obter, diante das possibilidades de seu
emprego, tendo-se em vista a formao do homem-pessoa.
necessrio pensar a educao em termos de processo de
formao total desse homem, mas sempre a partir de um referencial seguro nas tentativas de renovao; caso contrrio, o
conceito pode esvaziar-se em seu significado, como demonstrou a anlise da Legislao aqui realizada, ou essa inovao
poderia talvez constituir-se em srio perigo, pois seria passvel de ser utilizada como forma de manipulao do homem
para a consecuo de objetivos escamoteados sob o rtulo da
interdisciplinaridade.
Neste sentido, pode-se dizer que a interdisciplinaridade,
quando bem compreendida, poderia ser, entre outras, condio
de efetivao de uma educao permanente, pois no estariam
os pressupostos da interdisciplinaridade em perfeito acordo
com os princpios e fundamentos da educao permanente?
No visariam ambas integrao das instituies pedaggicas com a comunidade, formando um todo numa sociedade
que aprende, mostrando o homem como um processo contnuo de fazer-se sem limite de tempo, lugar ou circunstncia?
No implicariam ambas uma reformulao do papel da
educao, na formao cultural do homem, ou seja, o de darlhe as possibilidades e os instrumentos que lhe permitiriam ser
culto, caso fosse essa sua opo? Nesse sentido, o papel do educador no seria o de acompanhar o aluno, de modo que ambos
vivessem a comunicao educacional como uma intersubjetividade, atitude esta que iria possibilitando a troca contnua de
experincias?
Se a insatisfao com a educao ministrada nas escolas um fato, como vrias pesquisas a respeito de evaso e reprovao, bem como movimentos estudantis contestadores
Concluso

163

tm demonstrado, a soluo no estaria na recuperao da


ideia primeira de cultura (formao do homem total), no papel da escola (formao do homem inserido em sua realidade)
e no papel do homem (agente das mudanas no mundo)?
Consequentemente, no seria necessria uma reformulao da
educao em termos de modificao na atitude do conhecer,
que pressuporia uma formao pedaggica adequada baseada
na dialogicidade e cujo princpio fosse o engajamento?
Do que foi analisado, teoricamente, conclui-se com a necessidade de explorar com mais cuidado a questo da metodologia do trabalho interdisciplinar, bem como a maneira mais
adequada de proceder formao do pessoal que efetivaria a
interdisciplinaridade.
Desde que imprescindvel um estudo das possibilidades
de efetivao da interdisciplinaridade, abre-se nesse sentido
uma gama de possibilidades de novas pesquisas.
Admiti-la como possvel admitir a exigncia de reformulao da educao e, consequentemente, da estrutura ou do
sistema educacional, restando analisar os impasses ento da
advindos.
Menos drstico que uma modificao radical, talvez fosse um replanejamento curricular em funo das necessidades
e expectativas dos educandos e da sociedade, buscando-se uma
superao da dicotomia existente. Ao lado desta, a tentativa
de superao gradativa dos principais obstculos efetivao
do trabalho interdisciplinar, em que o mais importante seria
o estabelecimento de uma conscincia crtica sobre o valor e
significado desse trabalho, bem como uma orientao segura
de como inici-lo.

164

Integrao e interdisciplinaridade no ensino brasileiro

Bibliografia

1. DOCUMENTOS LEGAIS
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Estadual
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a expedio de normas para a elaborao do currculo pleno da
escola do 1grau.
DELIBERAO 2/72-CEE aprovada em 3/1/72. Baixa normas
para a elaborao do currculo pleno nos estabelecimentos do
ensino de 1grau. In Diretrizes e bases da Educao Nacional
coletnea elaborada pela Coord. Ensino Tcnico CEE.
DELIBERAO 10/72-CEE aprovada em 28/2/72. Relaciona
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Parecer 3.484/75. Estudos superiores de Educao. Habilitaes
e Cursos de Graduao. In Publicao MEC-CFE Comisso
Especial de Currculos.
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Bibliografia

173

Este livro foi composto nas famlias tipogrficas


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e impresso em papel Offset 75g/m2

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