Direito Das Obrigações I - Menezes Cordeiro
Direito Das Obrigações I - Menezes Cordeiro
Direito Das Obrigações I - Menezes Cordeiro
2014/2015
YAY! Talvez sem saber como, possivelmente tambm no xito e compromisso da ambio, o
segundo ano c est!
Desejando boa sorte, cabe-me alertar para o facto de a sebenta ter, certamente, pequenas
imprecises que, por lapso e sem inteno, nela perpassaram. Leiam criticamente, como tudo
em cincia! E no dispensem a consulta dos manuais (s por si excelentes, na brilhante
academicidade e cientificidade do autor, excecionais!).
Colocao do problema: a oponibilidade forte tem a ver com a exigncia, erga omnes ou inter
partes, do bem devido, enquanto a oponibilidade mdia se reporta a deveres especficos que,
no se confundindo com o cumprimento, visem tutelar a posio do credor. A oponibilidade
fraca joga como dever geral de respeito: existe sempre ou apenas opera perante os direitos
absolutos. partida, dir-se-ia que apenas o devedor responsvel pelo incumprimento de uma
obrigao (798.). E essa afirmao tanto mais impressiva quanto certo que, de tal
incumprimento, nasce um tipo de responsabilidade especfico (a responsabilidade obrigacional),
marcada, entre outros aspetos, por uma presuno de culpa (e de ilicitude, artigo 799., n.1)
que faz, dela, um instituto muito enrgico. J no tocante a outros direitos, designadamente aos
absolutos: qualquer terceiro que, com dolo ou negligncia, ilicitamente os violasse, cairia e
responsabilidade (483, n.1). Uma responsabilidade mais lassa, uma vez que no assenta em
qualquer presuno (487., n.1): a responsabilidade aquiliana, operacional erga omnes. A
relatividade na responsabilidade poder-se-ia ficar por aqui: os crditos so relativos porque
apenas eles, quando violados, do azo responsabilidade obrigacional. Mas vai, na doutrina
comum, mais longe: no s apenas os crditos do azo responsabilidade obrigacional (inter
partes) como tambm esses mesmos crditos no poderiam dar lugar responsabilidade
aquiliana. Paralelamente, os direitos absolutos, designadamente os reais, s obteriam a tutela
adveniente da violao do dever geral de respeito (erga omnes) e no uma tutela mais
especializada, que se traduziria na inobservncia de deveres especficos. Em sntese: teramos,
para os crditos, uma responsabilidade mais forte e eficaz, mas apenas inter partes ou relativa;
para os direitos absolutos, especialmente o reais, quedaria uma responsabilidade mais solta,
mas erga omnes. Mas o Direito Civil no (apenas) lgica, enquanto a riqueza da vida e a
diferenciao das situaes que, nela, vo surgindo, tambm se no compadecem com
esquemas rgidos.
Tutela relativa dos direitos absolutos: a uma primeira leitura, a proteo geral dos direitos
absolutos funcionaria perante atuaes ilcitas de terceiros. O dever genrico de respeito,
radicado no artigo 483., n.1, exigiria, simplesmente, abstenes. O artigo 486. poderia
mesmo depor nesse sentido. Um pouco de reflexo logo mostra que no assim. A pessoa que,
vendo uma criana a afogar-se numa piscina, podendo retir-la sem problemas, o no faa,
pratica um homicdio doloso direto. Temos de inferir que a responsabilidade aquiliana no se
limita a exigir abstenes: ela segrega deveres de atuao positivos, que devem ser respeitados.
Trata-se da doutrina dos deveres de trfego. Os deveres de trfego so, hoje, derivados do artigo
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Tutela absoluta dos direitos relativos: coloquemos agora a questo em termos materiais: os
direitos de crdito podem ser atingidos por terceiros e, sendo-o, contemporizar o Direito
moderno com tal eventualidade? Enquanto vnculo abstrato, a obrigao no pode ser atingida
por terceiros: uma pura criao do espirito. Apenas o devedor poder, aquando do
cumprimento, no o levar a cabo. S que a obrigao no ou pode no ser apenas uma
criao do esprito. Por vezes, ela exigir suportes materiais, condies ambientais e agentes
humanos. Quem atingir esses elementos circundantes estar, automaticamente, a impedir o
credor de alcanar as vantagens que a Ordem Jurdica lhe destinou. Poder-se-ia contrapor que,
em todas essas eventualidades, o crdito no diretamente atingido. Caberia ao devedor
lesado ressarcir-se e, depois, ressarcir o seu credor. Em todos os casos e sobretudo, quando
se mostre que o agente pretendeu, com as manobras circundantes, atingir a obrigao,
prejudicando o credor, no h como evitar responsabiliz-lo. justo e adequado e, sobretudo:
reclamado por uma Cincia do Direito que tenha minimamente em conta o seu papel de, com
adequao e previsibilidade, resolver os problemas que se lhe deparem. Poderamos admitir
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Soluo proposta: o Direito civil portugus dispe das duas vias historicamente elaboradas
para o desenvolvimento harmonioso e adequado do sistema:
- da clusula geral da boa f (artigos 227., n.1, 239., 334., 437., n.1 e 762., n.2),
que permite segregar deveres de conduta, sempre que a harmonia do ordenamento o exija (via
alem);
- da clusula geral da responsabilidade civil (483., n.1), que faculta uma lata cobertura
aquiliana, como modo de prosseguir os valores bsicos do sistema (via napolenica).
Seria totalmente inexplicvel que esta preferncia levasse a um bloqueio: a boa f no
funciona porque h responsabilidade e esta no opera para abrir as portas boa f. Teremos,
pois, de estar atentos. Na gria nacional, a eficcia externa traduz tudo aquilo que, nas
obrigaes, transcenda o crculo estreito entre credor e devedor, ou seja: tudo o que questione
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Figuras hbridas: direitos pessoais de gozo, nus reais e relaes jurdicas reais: a
distino entre obrigao e reais levanta especiais dificuldades, perante figuras hbridas e,
designadamente:
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Afinidades e interligaes: entre obrigaes e reais, para alm das diferenas que temos
vindo a acentuar e a precisar h, ainda, afinidades. Desde logo, ambas as disciplinas so ius
romanum atual. Podemos, a propsito da generalidade dos seus institutos, apontar origens e
designaes romanas, reforadas atravs das sucessivas recees. De seguida, ambas integram
o sistema do Direito patrimonial privado, genericamente protegido atravs da propriedade
privada (62. CRP). Por fim: obrigaes e reais do azo Cincia do Direito civil, operando como
Direito comum por excelncia. No plano das fontes, verifica-se que algumas so comuns: o
contrato e os negcios unilaterais. No fundo, isso deve-se colonizao de direitos reais pelas
obrigaes: no Direito Romano, o dominium adquiria-se pelo usus e pelo decurso do tempo.
Quanto a sanes: quer obrigaes quer reais do azo responsabilidade civil, ainda que
diferenciada. Funcionalmente: h direitos reais ao servio de obrigaes e obrigaes ao servio
de direitos reais. medida que as sociedades se tornam mais complexas, a diferenciao de
funes e de papeis faz o seu caminho. Hoje, particularmente no tocante propriedade sobre
imveis, o aproveitamento do beneficirio passa por uma teia de obrigaes. Digamos que, sem
as obrigaes, os direitos reais no teriam contedo til. Mais longe ainda: na atual vida
econmica, qualquer tipo de propriedade tem, antes de mais, o papel de garantir crditos: basta
pensar na locao financeira ou na reserva de propriedade. Temos, aqui, uma
obrigacionalizao dos reais. Mas tambm ocorre o inverso. As obrigaes so, em si, vnculos
abstratos, enquanto a sobrevivncia e o desenvolvimento das pessoas postulam o
aproveitamento de coisas corpreas. Reais d, s obrigaes, uma substncia natural e, logo,
humana. No plano prtico: raro que surjam questes obrigacionais e reais puras. Pelo
contrrio, elas interligam-se, havendo que lidar com normas oriundas dos dois quadrantes.
Obrigaes e reais interpenetram-se, de tal modo que, apenas por abstrao, podemos, muitas
vezes, discernir as situaes subjacentes. No fundo, ambas essas disciplinas traduzem um plano
comum da sociabilidade humana.
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As obrigaes de famlia: o Direito da Famlia lida com uma teia complexa de deveres: entre
os cnjuges; entre os pais e filhos; e entre parentes. Esses deveres podem ter contedo pessoal
ou patrimonial: mas so reconhecidos pelo Direito, em qualquer dos casos. De um modo geral,
o Direito da famlia lida com relaes obrigacionais, no sendo hoje correto falar-se, nesse
domnio, em direitos pessoa ou sobre a pessoa. A matria tende, contudo, a ser
apresentada em torno de institutos ou de estados: casamento, parentesco, filiao, etc. No
tocante aos cnjuges, o artigo 1672. refere recprocos deveres de respeito, fidelidade,
coabitao, cooperao e assistncia. Quanto ao respeito, fidelidade e coabitao, a lei no
explicita: apenas alude obrigao de, salvo motivos ponderosos, ambos os cnjuges
adotarem a residncia da famlia (1673, n.2). Todavia, ser possvel ir mais longe, apontando
diversos deveres pessoais, em que o Direito no interfere, de modo direto. O dever de
cooperao (1674.): () importa para os cnjuges a obrigao de socorro e auxlio mtuos e a
assumirem as responsabilidades inerentes vida da famlia que fundaram. Por seu turno, o
dever de assistncia (1675., n.1) compreende a obrigao de prestar alimentos e a de
contribuir para os encargos da vida familiar (1676., n.1). Tudo isto se efetiva atravs de
obrigaes, submetidas ao regime geral. Mas apresenta diversas especificidades que, de resto,
resultam logo das normas exemplificadamente apontadas. A responsabilidade pelas dvidas da
famlia tem regras especficas, dependentes do regime de bens (1717. e seguintes). A filiao
, tambm, uma fonte de obrigaes recprocas. Na base segundo o artigo 1878., n.1, compete
aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurana e sade deles, prover ao seu sustento,
dirigir a sua educao, represent-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens. Por seu
turno (1878., n.2), os filhos devem obedincia aos pais. De novo temos obrigaes, sujeitas ao
regime geral, mas com especificidades, designadamente:
- quanto determinao do seu contedo, que segue as linha axiolgicas da famlia;
- quanto s sanes, especialmente adequadas aos bens a tutelar.
A integrao de certas relaes obrigacionais no Direito da famlia d uma especial
colorao s posies subjetivas das pessoas envolvidas. Assim, os direitos tm, em regra, o
alcance de poderes-deveres: devem ser exercidos dentro de uma certa finalidade, de modo a
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Aspetos gerais: o Direito de autor ou, mais latamente, o Direito sobre os bens intelectuais,
uma disciplina civil, hoje reconhecida como autnoma A doutrina sublinha que a sua
especificidade resulta, muito vincadamente, da ndole do seu objeto Numa primeira abordagem,
ele tem uma feio dupla, traduzida em dois distintos direitos:
- o direito patrimonial de autor: assegura que o aproveitamento econmico da obra
feito em favor do autor, pelo menos em parte;
- o direito moral de autor: permite ao criador da obra reivindicar a paternidade,
defender a integridade da obra e defend-la, contra quaisquer eventualidades que a atinjam.
O direito (subjetivo) de autor pode ser constitudo em termos dualistas (tendo em conta
os dois direitos referidos) ou em moldes monistas, com o primado de um ou de outro dos dois
aspetos considerados. De acordo com a boa metodologia jurdica, qualquer opo deve assentar
na prvia determinao do regime aplicvel. Sucede, todavia, que o Cdigo do Direito de Autor
(CDA) no vem dar corpo a nenhuma construo coerente. Ele foi fruto das circunstncias tendo
evoludo ao sabor de instrumentos internacionais dspares e de diversas contingncias ligadas a
problemas concretos que, bem ou mal, se pretenderam solucionar. Cabe chamar a ateno para
a existncia de valoraes unitrias no Direito de autor. Muitas vezes os monismos, os
dualismos e os pluralismos advm de se lidar com noes no-compreensivas de direitos
subjetivos e de no se atinar na origem do problema. O direito de autor arrancou da aplicao
da ideia de propriedade s realidades imateriais. Essa conceo est, de certo modo, ainda
subjacente ao artigo 1303. do Cdigo Civil. Foi a pandectstica alem que, ao reservar a
propriedade para as coisas corpreas, obrogou a repensar o tema dos direitos de personalidades,
inicialmente negados por Savigny. Na fase final do pandectismo, os direitos de personalidade
foram potenciados e enriquecidos pelo tratamento dogmtico alcanado pelos direitos obre
bens imateriais, recm-conquistados para a Cincia do Direito. Trata-se de um aspeto que deve
ser enfatizado: os direitos de personalidade desenvolveram-se apoiados na prtica e nas
necessidades de dar corpo aos vetores humanistas que, perante novas realidades animaram o
Direito Civil. No tocante s manifestaes parcelares que, na periferia, animaram os direitos
de personalidade temos, em primeiro lugar, o tema das patentes. Visando explicar a tutela a
dispensada aos seus titulares, Carl Gareis introduz a ideia do direito individual. Haveria, depois,
um direito individual geral. : () a ordem jurdica reconhece a cada pessoa o direito de se
realizar como indivduo, de viver e de desenvolver as suas foras. Neste direito individual geral
tem-se visto o direito geral de personalidade depois referido por alguns pandectistas.
Paralelamente, Josef Kohler batia-se pelos direitos dos bens imateriais. Eles no dariam lugar a
uma propriedade espiritual e no se limitariam a possibilitar uma determinada defesa: pela
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O direito de autor e os direitos conexos: a evoluo acima apontada til para melhor
surpreender a natureza do direito de autor. As consideraes obtidas so aplicveis aos direitos
conexos. O direito subjetivo uma posio vantajosa marcada pela liberdade. O beneficirio
dispe de uma permisso normativa de aproveitamento de um bem. Mas por razes histricoculturais que se projetam nas normas de hoje, essa permisso conferida em termos
compreensivos. Tomando o exemplo universal do direito de propriedade: ele implica a
concesso de um conjunto infindo de possibilidades, totalmente varivel consoante o objeto em
jogo e as circunstncias de cada caso. A esta luz, compreende-se que a doutrina mais
aprofundada defenda um monismo do direito de autor, sem preocupaes de saber se se trata
de monismo pessoal ou de monismo patrimonial. O direito de autor confere, ao titular, uma
tutela conjunta dos deus interesses espirituais e materiais. De resto, se bem pensarmos, ambos
os aspetos esto interligados:
- o desrespeito pelo direito moral do autor atinge a sua capacidade de gerar riqueza;
- o postergar do direito patrimonial fere a dignidade da obra e do seu criados.
A doutrina mais recente complementa a conceo unitria assim exposta justamente
com o reconhecimento dos direitos de personalidade patrimoniais. Poder-se-ia contrapor que
os regimes aplicveis ao direito moral so diferentes dos do direito patrimonial. Mas
tambm isso sucede com o direito de propriedade: o denominado uso e fruio podem ser
concedidos a outras pessoas, em termos variveis sem que, por isso, se introduzam elementos
de dualidade no direito real mximo. O monismo tem, de resto, vindo a ser reconhecido como
a melhor via tcnica de explicar os esquemas vigentes. A interligao entre os aspetos morais e
patrimoniais dos direitos de autor, numa sntese de princpio, aplicvel, com as necessrias
adaptaes, aos direitos conexos. Os direitos conexos designam as posies dos outros
intervenientes necessrios para o aproveitamento da obra: executantes, artistas, produtores,
tradutores, difusores e editores, como exemplo. Rejeitando a ancestral e (nociva) tendncia
para desconsiderar a comerciabilidade: o reconhecimento dessa sntese no nenhuma
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A evoluo do Direito de autor: a ideia de que o autor tem um direito sobre o produto da
sua criao exige um esforo elevado de abstrao. Por isso, ela relativamente recente. O
problema de um direito imaterial a uma obra do esprito ps-se, inicialmente, a propsito de
obras literrias, aps a inveno da imprensa. Criou-se um esquema de privilgios: o soberano
atribua a determinado livreiro o privilgio de, em exclusivo, editar certa obra. A posio do
autor no era reconhecida. Ainda antes da Revoluo Francesa, o Conselho de Estado ps termo
a privilgios perptuos, reconhecendo o direito do autor obra criada. Na Revoluo Francesa,
admitiu-se o princpio de que, ao autor, cabia a propriedade da sua obra, mantendo-se, nos seus
herdeiros, por um perodo que veio a ser alargado por leis sucessivas. Em Portugal, o tema do
Direito de autor foi espoletado pela Constituio de 1838. A matria teve, depois, acolhimento
no Cdigo Civil de Seabra, de 1867, em captulo intitulado Do trabalho litterario e artstico.
Apesar de pouco desenvolvido, o Cdigo de Seabra marcou uma nova fase no Direito de Autor.
Seguiu-se o Decreto n.13:725, 3 de junho de 1927, que veio aprovar o regime da Propriedade
literria, scientifica e artstica. Este Decreto prestou bons servios ao Direito de autor portugus
e aos criadores em geral. Todavia, cedo foi ultrapassado pela evoluo dos meios de reproduo
e de comunicao das obras e pelas revises da Conveno de Berna. Assim, uma Portaria de 6
de junho de 1946 designou uma comisso encarregada de elaborar um anteprojeto onde se
fizesse uma harmonizao do Direito interno comos textos internacionais e com as novas
realidades. A Cmara Corporativa ocupou-se, depois, da matria, vindo a aprovar um novo texto,
em 24 de maro de 1953. Entretanto, foi concluda em Roma, a 26 de outubro de 1961, uma
Conveno sobre direitos vizinhos do direito de autor. Tudo isto conduziu, finalmente,
aprovao do Cdigo de Direito de Autor, de 1966. Trata-se j de um verdadeiro Cdigo que
colocou a matria num patamar mais elevado. Infelizmente, no houve uma correspondncia
doutrinria que acompanhasse o progresso legislativo. O Decreto-lei n.63/85, 14 de maro,
veio aprovar um novo Cdigo. Trata-se de Direito vigente, ainda que muito alterado. Iremos
tomar nota das modificaes surgidas, procurando ordenar a matria em funo das
necessidades do estudo subsequente. O Cdigo do Direito de Autor de 1985, muito generoso,
no acautelava os direitos dos autores e de outros intervenientes, do ponto de vista destes.
Desencadeou-se uma forte reao, que levou aprovao da Lei n.45/85, 17 de setembro, que
alterou fortemente diversos aspetos iniciais, republicando o Cdigo em anexo. Oliveira Ascenso,
que teve um papel importante na verso inicial, reagiu fortemente, passando, na sua obra, a
criticar a lei e a defender perspetivas redutoras, nas diversas matria. O CDA foi
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O Direito de autor e as obrigaes: o Direito de autor constitui, hoje, uma reforada rea de
especializao, dentro do Direito Civil. A sua ligao com o Direito das obrigaes tem, todavia,
um papel de primeiro plano, que no tem sido evidentemente sublinhado. Tradicionalmente, o
Direito de autor era aproximado de Direitos Reais: o artigo 1303. do Cdigo Civil pressupe-no
e manda mesmo aplicar, ao Direito de autor e propriedade industrial, as disposies deste
Cdigo, o que tem sido entendido como disposies deste Livro(Direito das Coisas). Todavia,
o Direito das obrigaes, de resto igualmente abrangido pela remisso do referido artigo 1303.,
parece mais apropriado: em prejuzo por importantes aportaes de Direitos Reais, como a
reivindicao. O Direito de autor reporta-se a bens intelectuais. O aproveitamento que estes
proporcionam aos autores, no plano material, s se obtm atravs de uma teia de obrigaes.
E no plano moral: estamos no domnio dos direitos de personalidade, com os inerentes deveres
de justas (aes e omisses). Sem a tcnica do Direito das obrigaes, o Direito de autor paralisa.
De seguida, cumpre recordar a rea de responsabilidade civil. A tutela aquiliana deve ser
complementada atravs das mltiplas normas de proteo e dos deveres do trfego. A
dogmtica autoralista teria tudo a ganhar com o estudo das obrigaes. Finalmente, cumpre
sublinhar que o Direito de autor como, em geral, os demais relativos a bens intelectuais tem,
hoje, um funcionamento essencialmente contratualizado. O aproveitamento feito atravs de
cadeias de entidades especializadas, com as quais h que acertar contratos e autorizaes.
Relaes de trabalho: o prprio Cdigo Civil define, no seu artigo 1152., o contrato de
trabalho. O contrato de trabalho , depois, remetido para legislao especial (1153.): hoje o
Cdigo do Trabalho. As relaes de trabalho so, em sentido estrito, todas aquelas que se
estabeleam entre o trabalhador e o empregador e, designadamente, as que decorram do
contrato de trabalho. Em sentido amplo, elas abrangem as relaes coletivas de trabalho, as
relaes das condies de trabalho e diversas situaes de ordem geral. Temos todo um
universo complexo e diferenciado, com uma cultura prpria, com tcnicas especficas e com
exigncias crescentes de especializao. O Direito do Trabalho , de modo predominante,
considerado uma especializao do Direito das Obrigaes. certo que, historicamente, o
Direito do Trabalho deve a sua ocorrncia necessidade humana, social e poltica de defender
trabalhadores, particularmente vulnerveis na sequncia da revoluo industrial. E nesse
sentido, foi operando uma srie de instrumentos que transcendem o tradicional Direito das
condies de trabalho e Direito coletivo de trabalho. Cumprida a sua misso histrica, o Direito
do Trabalho funciona, hoje, como um Direito de pessoas, sensvel proteo destas,
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Noo e aspetos evolutivos: na vida social e econmica, somos confrontados com coisas
individualizadas por caractersticas prprias, que as distinguem de todas as demais, enquanto
so idnticas a quantas pertencerem ao mesmo gnero. Estas ltimas devem ser determinadas,
dentro do seu gnero, por fatores que traduzam uma quantidade. So coisas fungveis (207.),
a no confundir com prestaes fungveis: as que podem ser efetuadas pelo devedor ou por
terceiros. O objeto de uma obrigao pode reportar-se, dentro do universo das prestaes de
entrega:
- a uma coisa no-fungvel individualizada ab initio;
- a uma coisa fungvel que, todavia, j tenha sido delimitada previamente, de tal modo
que se saiba, de antemo, qual ela;
- a uma coisa fungvel, determinada apenas pelo gnero.
A obrigao cujo objeto seja determinado pelo gnero diz-me genrica (539.). As
obrigaes genricas no colocam um mero problema de objeto da sua prestao. H que saber
como se faz o cumprimento. Est em causa todo um regime, o qual permite autonomizar o tipo
obrigao genrica. A simplicidade desta matria engana: ela implica um desenvolvimento
teortico de milnios. No Direito Romano, perante stipulationes que conduzissem a obrigaes
de gnero, quando nada estivesse determinado, podia o devedor escolher os objetos da pior
qualidade. Na hiptese de emprstimo, deveriam ser devolvidas coisas de qualidade idntica
das recebidas. Os imperadores Caracala e Severo, seguindo GAIO, determinaram que no
deviam ser prestadas nem as piores, nem as melhores. Finalmente: Justiniano fixou a regra da
prestao de coisas de utilidade mdia. Temos, pois, uma evoluo lenta, em direo ao que
hoje parecer bvio. No Direito Romano, o devedor de dbito de gnero mantinha-se obrigado
at que cumprisse ou at que o gnero tivesse (todo) vindo a perecer. Uma regra que iremos
encontrar, nos nossos dias.
Problemtica atual: a primeira constatao tem a ver com o mbito das obrigaes genricas.
No est em causa um simples problema de compra e venda ou de determinao da prestao:
antes se joga um modelo de enquadramento das diversas obrigaes que, por repousarem,
linguisticamente, em gneros, exigem uma determinao. Essa ideia de tipo ou de modelo
ideal veio a ser acolhida pela doutrina oitocentista, passando, da, aos cdigos de segunda
gerao. Toda a obrigao afetada: desde a conduta das partes, atravs dos deveres acessrios,
at atuao do devedor, aos seus empenho e diligncia, transferncia do risco e ao
cumprimento. As especialidades da resultantes so inmeras: totais. De seguida, importante
frisar o relevo prtico das obrigaes genricas. Todo o comrcio por grosso segue, em regra,
essa via, qual se abriga mesmo o comrcio a retalho. Finalmente, o tema das obrigaes
genricas ocorre, fundamentalmente, no domnio do Direito da perturbao das prestaes. A
individualizao do objeto torna-se importante ara efeitos de cumprimento imperfeito. Ora uma
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- ou com a mora do credor, isto , a recusa injustificada, por parte deste, em receber a
coisa.
Quanto soluo correta: os Direitos positivos tero uma palavra a dizer. De todo o
modo, quanto a Thl, sempre se impor uma observao: desde o momento em que, de uma
forma ou de outra, as partes se ponham de acordo quanto ao preciso objeto do cumprimento,
desinserindo-o do gnero pelo qual foi designado inicialmente, a obrigao deixar de ser
genrica. Ficaremos perante uma comum obrigao especfica, que seguir o seu regime normal.
O regime; a escolha: o Cdigo Vaz Serra ocupa-se das obrigaes genricas nos seus artigos
539. a 542., matria em causa, um tratamento mais amplo e cuidado do que o da
generalidade dos outros cdigos. As precises decisivas advieram de Manuel de Andrade: o risco
corre pelo devedor, a quem compete, em nome de um favor debitoris disseminado pelo sistema,
a escolha; esta dever operar segundo critrios mdios, sendo comunicada ao credor: um
negcio unilateral recipiendo, a uma indagao extensa de Direito comparado que lhe permitiu
apresentar uma proposta alargada, depois ligeiramente simplificada. Perante uma obrigao
genrica, a escolha compete ao devedor (539.). Pode haver estipulao em contrrio, altura
em que a escolha passar para o credor, para terceiro ou para credor e devedor, por acordo. Em
qualquer dos casos e no sendo o gnero perfeitamente homogneo, a escolha dever obedecer
a juzos de equidade, se outros critrios no tiverem sido estipulados (400., n.1). Como
interpretar a remisso para juzos de equidade? Antunes Varela vem dizer que, praticamente
isso significa que nem o devedor pode prestar coisas de pior qualidade, nem o credor exigir as
melhores. Mas tal no corresponde a qualquer noo de equidade conhecida, sendo de
presumir que o legislador escolheu bem as palavras vertidas na lei (9., n.3). Uma remisso
para a equidade pode ter um de dois sentidos:
- a equidade forte: implica uma deciso tomada de acordo com elementos do caso
concreto;
- a equidade fraca: a deciso baseia-se em critrios jurdico-positivos, expurgados de
exigncias puramente formais.
No faz sentido admitir que o artigo 400., n.1, no corao do Direito das Obrigaes,
remeta para uma equidade forte, que redundaria em critrios extrajurdicos de deciso. Ficanos, pois, a segunda hiptese. Que critrios jurdicos no-formais podero ser atendidos, para
determinar uma prestao segundo juzos de equidade? A determinao do sentido de uma
prestao matria negocial. Cabe s partes faz-lo. Quando escolham um gnero homogneo,
est feito. Quando esse no seja o caso: deviam-no ter feito. H uma lacuna negocial. O apelo
equidade, neste ponto, ser entendido como uma remisso para critrios substanciais: os do
artigo 239.. E assim, partindo sempre da interpretao do contrato, haver que atender:
- vontade hipottica, quando comporte elementos teis;
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A concentrao: A escolha, seja realizada pelo devedor (soluo supletiva), pelo credor ou por
terceiro, no interfere, em si, com o risco. Segundo o artigo 340., enquanto a prestao for
possvel em coisas do gnero estipulado, no fica o devedor exonerado pelo facto de perecerem
aquelas com que ele se dispunha a cumprir. Trata-se da consagrao da velha mxima genus
non perit ou munquam perti. S com o cumprimento, lgica e praticamente subsequente
escolha, cessa o risco do devedor. Nesse momento opera, por excelncia, a concentrao:
apenas abrange a efetiva prestao efetuada. Trata-se da consagrao, entre ns, da tese de
Jhering. Antes do cumprimento, a obrigao pode, de todo o modo, concentrar-se por alguma
das seguintes cinco razes (541.):
- por acordo das partes: nessa altura, a obrigao deixar de ser genrica, passando ipso
facto a especfica; depois disso, se a coisa perecer, por causa no imputvel ao devedor, o risco
do credor (796., n.1);
- quando o gnero se extingue, ao ponto de restar apenas uma das coisas nele
compreendidas; o devedor ter de cumprir com o remanescente; caso, depois, tambm este
perea, sem imputao ao devedor, opera o 796., n.1: o risco do credor;
- por mora do credor: sem motivo justificado, ele no aceita a prestao ou no pratica
os atos necessrios ao cumprimento (813.); a concentrao funciona, em tal eventualidade, em
torno das precisas coisas que o devedor tenha oferecido em cumprimento, num afloramento da
teoria da separao; o credor passa a suportar o risco normal derivado da concentrao e,
ainda, o risco agravado do 815., n.1, o qual inclui a impossibilidade superveniente derivada de
negligncia do prprio devedor;
- por entrega, pelo devedor, ao transportador ou expedidor da coisa ou pessoa
indicada para a execuo do envio, quando se trate de coisa que, por conveno, o devedor
deva enviar para local diferente do do cumprimento (797., ex vi 541.);
- pela escolha feita pelo credor ou por terceiro, depois de comunicada ao devedor ou a
ambas as partes (542., n.1).
Quanto a escolha caiba ao devedor e este a faa: ele pode voltar atrs e fazer opo
diversa e isso at ao cumprimento ou at que opere outra qualquer causa de concentrao. O
risco dele. Competindo a escolha ao credor ou a terceiro: ela s eficaz depois de comunicada
ao devedor ou a ambas as partes, altura em que se torna irrevogvel (542., n.1). Assim que
produza efeitos, tal escolha faz correr o risco pelo devedor, no podendo mais ser tocada sem
o consentimento deste. A escolha integra, aqui, o contedo de um encargo, a exercer uma nica
vez. Pode, ainda, suceder que a escolha caiba ao credor. Nessa eventualidade (542., n.2):
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Aspetos prticos: no tocante ao gnero, ele h-de estar suficientemente fixado, sob pena de
indeterminabilidade. De seguida, importante verificar se le homogneo. Sendo-o, a escolha
surge relativamente inqua; na hiptese inversa, ela representa uma importante prerrogativa
do devedor, fazendo especial sentido recorrer aos critrios (juzos de equidade) acima
referidos. O gnero pode ser mais ou menos extenso, assim se delimitando a atuao do
devedor. Quando, todavia, este deva prestar o gnero todo, a obrigao j ser especfica. A
escolha, nas obrigaes genricas, deve ser tomada em sentido amplo. Pode envolver uma
seleo simples (electio), operaes de medidas diversas (mensura) ou uma designao
(demonstratio). Nos termos gerais, a escolha pode ser comunicada expressa ou tacitamente.
Quando, como de regra, compita ao devedor, ela decorre, muitas vezes, do prprio ato do
cumprimento. De todo o modo, pode considerar-se um negcio unilateral preparatrio do
cumprimento: negcio por envolver liberdade de celebrao e liberdade de estipulao, uma
vez que o devedor pode escolher ou no, dentro de certas margens e, fazendo-o, ainda que
dentro dos limites do artigo 400., n.1, pode decidir o contedo da escolha. O devedor que se
recuse a escolher quando essa operao lhe caiba vai, antes de mais, omitir o cumprimento. A
falta de escolha dilui-se, nesse nvel. Caso seja possvel a execuo especfica, caber ao prprio
tribunal proceder ou manda proceder escolha que o devedor inadimpliu (827.). Para esse
efeito, dispe o artigo 930., do Cdigo do Processo Civil. A execuo , de facto, individual ou
especfica. Pergunta-se se as obrigaes genricas podem respeitar a imveis. Aparentemente,
o regime histrico dos artigos 539. a 542. foi desenhado para mveis. Todavia, nada impede
a sua aplicao a imveis, sendo at bastante frequente. A obrigao genrica, havendo que
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A escolha: a escolha, como foi dito, cabe, supletivamente, ao devedor. possvel s partes,
determinar que compita ao credor ou a terceiro. Qual o critrio? A escolha livre. Ao contrrio
do que sucede com o as obrigaes genricas, pode o devedor (a quem caiba a escolha) optar
pela pior prestao. Cabendo ao credor, este escolher a melhor e assim por diante.
Quando deve ser feita? O devedor ter de escolher at ao cumprimento, sob pena de,
retardando este, entrar em mora. Se o devedor no o fizer e se seguir uma exceo, manda o
artigo 548. que o credor possa exigir do devedor que ele escolha:
- no prazo estipulado;
- no prazo fixado na lei do processo.
No o fazendo, a escolha devolvida ao credor. Aplica-se o artigo 803. do Cdigo de
Processo Civil. Quanto escolha a realizar pelo credor ou por terceiro, remete o artigo 549.
para o 542., relativo s obrigaes genricas. A se dispe sobre a eficcia da escolha e sobre
as consequncias de, cabendo a escolha ao credor, este no a efetivar. Assim:
- quanto ineficcia: a escolha que caiba ao credor ou a terceiro s eficaz quando
declarada, respetivamente, ao devedor ou a ambas as partes, sendo (depois disso), irrevogvel
(542., n.1);
- quanto forma: no ter de ser feita por escrito, em virtude do princpio da liberdade
da forma;
- cabendo ao credor e no o fazendo ele no prazo estabelecido ou no que
(razoavelmente) o devedor lhe fixe, passa a escolha para este (542, n.2);
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Nota evolutiva: as regras bsicas relativas ao dinheiro eram conhecidas no Direito romano. A
evoluo da troca para a compra, atravs da introduo da moeda, ocorre em Paulo. Surgiu a
moeda: no incio, ela no era contada mas, antes, pesada, de modo a determinar o seu valor
intrnseco. Depois, o Estado romano passou a, nela, apor a sua marca, de modo a atestar o valor.
O princpio do valor nominal fez a sua apario: o dinheiro a usar nos pagamentos opera de
acordo com a valia facial aposta nas moedas utilizadas. O pagamento com moeda falsa no
liberava o devedor: este era, todavia, obrigado a restituir as espcies falsificadas. Nas obrigaes
pecunirias, tornou-se de estilo a clusula probe dari ou probos reddere: a pagar em boa moeda.
No sculo IV, foi determinado o curso forado do solidus: uma moeda de ouro criada por
Constantino e que operou, depois, durante sculos. Na Idade Mdia, a falta de um poder central
eficaz e a multiplicao das cunhagens levou ao desaparecimento do nominalismo. A moeda
passou a valer pelo seu teor metlico. Na Idade Mdia, coube ao humanista Carolus Mlinaeus
(Charles Dumoulin) formalizar a atual essncia do dinheiro. Este no vale pelo seu valor
intrnseco (bonitas intrinseca) mas, sim, pelo valor extrnseco (bonitas extrinseca) ou valor
impositus, isto : o valor legal que a moeda tenha, ao tempo da constituio da obrigao. Isto
significa que se, depois da constituio da dvida, o dinheiro de valorizou, h vantagens para o
credor; se se desvalorizar, a vantagem para o devedor. Esta doutrina foi adotada oficialmente
por diversos Estados europeus, a partir do sculo VXI. As codificaes no foram, no incio,
unanimes. O Cdigo Napoleo manteve a tradio nominalista. O ALR prussiano (1794) e o AGBG
austraco (1811) conservaram o princpio do valor do metal. Todavia, a pandetstica foi mais
flexvel. Deve ter-se presente eu, antes da unificao alem circulavam diversas espcies,
incluindo notas de banco de vrios emitentes. Assim, veio a admitir-se a seguinte contraposio:
- obrigaes pecunirias puras: as partes podiam acordar no pagamento de certa
quantia em dinheiro, traduzida em determinada quantidade de moeda explicitada: seria uma
dvida pecuniria autntica, uma vez que o pagamento deveria ser feito na espcie acordada,
sob pena de ora do credor;
- obrigaes pecunirias impuras: as partes fixaram uma cifra que, todavia, poderia ser
realizada sob qualquer outra espcie: caberia ao devedor escolher.
Imps-se, apesar de tudo, o princpio do valor do curso, especialmente propugnado por
Savigny, com trs escopos:
- o dinheiro deve ser avaliado de acordo com o valor facial, seja qual for a forma
(metlica ou em papel) por que se exprima;
- o dinheiro deve operar como meio de pagamento abstrato de todas as realidades
patrimoniais: compreende, em si, um poder patrimonial;
- esse valor no lhe avm do Estado mas da crena geral de que ele comporta esse
valor.
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54. - Os Juros
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A mo-comum: uma variante marcada da pluralidade obrigacional seria dada pela ideia de
titularidade em mo-comum. A mo-comum fica muito prxima da personalidade coletiva; no
se deixa, porm, caracterizar perante o Direito vigente, a no ser aproveitando figuras
dogmticas autnomas, como a comunho conjugal, a comunidade de herdeiros ou a prpria
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O Cdigo Vaz Serra: o Cdigo Vaz Serra reparte o tema das obrigaes por duas seces,
dentro do captulo dedicado s modalidades das obrigaes. As obrigaes solidrias arrumamse, por seu turno, em trs subseces:
- seco II Obrigaes solidrias (512. a 533.);
- seco III Obrigaes divisveis e indivisveis (534. a 538.).
Devemos ter presente que, solidariedade, se contrape a parciariedade. Todavia, o
Cdigo vem tratar as obrigaes parcirias a propsito das divisveis. Ao longo do Cdigo surgem,
ainda, outros preceitos que referem a pluralidade das obrigaes ou que, para ela, remetem:
especialmente quanto solidariedade.
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Prestaes indivisveis: o Cdigo Civil comporta vrias regras relativas s obrigaes parcirias
com prestaes indivisveis: quatro os cinco artigos dedicados parciariedade (535. a 538.).
Bem se compreende: trata-se de rea que, pela natureza das coisas, pode proporcionar mais
dvidas. A norma bsica consta do artigo 535., n.1: havendo pluralidade de devedores e uma
prestao indivisvel, esta s pode ser exigida de todos, salvo se houver solidariedade: ex
contratu ou ex lege. A mesma regra aplica-se quando a pluralidade resulte de sucesso
hereditria (535., n.2). Pode a obrigao indivisvel e parciria extinguir-se apenas em relao
a alguns ou algum dos devedores: designadamente por remisso ou por confuso, hipteses em
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Noo: h solidariedade passiva ou obrigao in solidum quando, numa obrigao plural (512.,
n.1, 1. parte):
- cada um dos devedores responda pela prestao integral;
- e esta, sendo efetivada, a todos libere.
Os dois requisitos tm o seu papel: pode algum convencionar, com dois deveres e em
separado, a mesma prestao; no h solidariedade pois, embora possa exigir, a qualquer deles,
a prestao integral, o cumprimento, por um deles, no libera o outro. A solidariedade passiva
pode reportar-se a qualquer tipo de obrigao: de facere ou de dare. A hiptese natural a de
se tratar de prestaes pecunirias. Pode ainda suceder, sem prejuzo para a solidariedade, que
os devedores:
- estejam obrigados em termos diversos;
- apresentem distintas garantias.
Em tal eventualidade, a repartio inigualitria far-se- por via do regresso, enquanto
distintas garantias manifestar-se-o quando acionadas. De todo o modo, o artigo 516. fixa uma
presuno de igualdade, quanto posio dos devedores. A solidariedade passiva s existe
quando resulte da lei ou da vontade das partes (513.).
Quanto lei, temos:
- o artigo 100. do Cdigo Comercial, que leva a uma regra supletiva de solidariedade,
no tocante s obrigaes comerciais, a qual tem aplicao no campo cambirio;
- o artigo 467., quanto pluralidade de gestores;
- os artigos 497., n.1 e 507., n.1 e n.2, quanto obrigao de indemnizar; aqui
prevalece um juzo de favor em prol do lesado, que justifica a solidariedade;
- o artigo 649., n.1, quanto pluralidade de fiadores;
- o artigo 997., quanto aos scios em sociedades civis puras;
- os artigos 1135., 1139. e 1169., quanto aos comodatrios e aos mandantes com
interesse comum;
- o artigo 1695., quanto aos cnjuges, por dvidas comuns.
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Relaes internas: este termo traduz o relacionamento entre os codevedores. Como ponto de
partida, cumpre assinalar que, na solidariedade perfeita ou autntica, todos os codevedores so
iguais, perante o credor. E isso sem prejuzo de ser diferente o contedo das prestaes de cada
um deles, de estarem obrigados em termos diversos ou com distintas garantias (512., n.2, 1
parte). A diversidade porventura existente vir depois luz, nas relaes entre os devedores.
Nas relaes entre si, presume-se uma situao de igualdade na participao na dvida: isso
sempre que outra coisa no resulte da relao jurdica entre eles existente, isto , da prpria
obrigao plural complexa (516.). O devedor que satisfizer o crdito para alm do que lhe
competir tem o direito de regresso contra cada um dos codevedores, na parte que a estes
compita (524.). O direito de regresso um direito novo, autnomo, que deriva de um facto
complexo: a prpria fonte de obrigao solidria e o facto de o devedor em causa ter procedido
ao seu cumprimento, nos precisos termos em que o haja feito. Tem um regime adequado,
caractersticas suas e vida prpria. No se deve confundir o direito de regresso dos devedores
solidrios que cumpram para alm da sua quota com a sub-rogao a favor do fiador que cumpra,
nos direitos do credor (644.). A sub-rogao um meio de transmisso de obrigaes que opera
a favor do terceiro que satisfaa uma prestao (589. a 594.). Ora o devedor solidrio no
realiza uma prestao de terceiro, nem visa adquirir seja o que for. E assim, o direito de regresso
no traz consigo as garantias da obrigao principal: nem as suas fraquezas. Pelo Direito vigente
trata-se, simplesmente, de uma obrigao legal, assente na preocupao de prevenir o
enriquecimento dos devedores que no tenham sido chamados a cumprir at ao limite das
respetivas quotas. O direito de regresso pode ser detido, relativamente a cada codevedor que,
dele, seja titular (525., n.1):
- pela falta do decurso do prazo que lhe tenha sido concedido para o cumprimento;
- por qualquer outro meio de defesa, comum ou pessoal do visado.
Essa possibilidade opera ainda que o codevedor tenha deixado, sem culpa sua, de opor
o meio comum de defesa; no assim se a falta de oposio for imputvel ao devedor que
pretenda fazer valer o mesmo meio (525., n.2): haveria, ai, um tu quoque contrrio boa f.
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Noo e regras gerais: na solidariedade ativa temos uma obrigao com vrios credores e um
devedor, na qual (512., n.1, 2. parte):
- cada um dos credores tem a faculdade de exigir, s por si, a totalidade da prestao;
- a prestao integral, feita a esse credor, libera o devedor perante os demais.
Tal solidariedade s existe quando prevista na lei ou em contrato (513.). Presumem-se
iguais as partes que os credores tenham na obrigao (516.).
Relaes externas: cabe ao devedor, escolher o credor solidrio a quem satisfaa a prestao
(528., n.1, 1. parte): escolher, naturalmente, o que mais lhe convier, numa manifestao de
favor debitoris. Depois de citado judicialmente por um credor cujo crdito se ache vencido, deve
cumprir perante este (528., n.1, 2. parte). O dever de cumprir em face do credor que tenha
exigido judicialmente a prestao no cessa pelo facto de o devedor cumprir perante um credor
diferente (528., n.2, 1. parte): bem se compreende, pois isso poderia esvaziar o contedo de
direitos de crdito de titulares no convenientes. Pode, todavia, a solidariedade ativa ter sido
estabelecida em favor do devedor. Nessa altura, pode ele renunciar total ou parcialmente ao
benefcio e prestar, a cada um dos outros a prestao, com deduo da parte do demandante
(528., n.2, 2. parte). Caber ento, ao devedor provar que a solidariedade foi estabelecida no
seu interesse e que a repartio de valores possvel, sem prejudicar os credores ou algum deles.
Ao credor solidrio podem ser opostos os meios de defesa comuns a todos os credores, como a
prescrio da obrigao ou os que pessoalmente respeitem ao credor considerando, como a
incapacidade (514., n.2). Quanto prescrio (530., n.1): se o direito de um dos credores,
por via da suspenso ou da interrupo da prescrio ou outra causa, se mantiver, enquanto
hajam prescrito os direitos dos restantes, pode o devedor opor quele credor a prescrio do
crdito na parte relativa a estes ltimos. Naturalmente: isso pressupe que a prestao seja
divisvel: no o sendo, ter de se proceder ao encontro dos valores. A renncia prescrio,
feita pelo devedor em benefcio de um dos credores, no aproveita aos demais (530., n.2).
Caso julgado: o formado entre um dos credores e o devedor no oponvel aos outros credores,
porm, ser oposto por estes ao devedor, mas sem prejuzo das excees pessoais que o devedor
possa invocar em relao a cada um deles (531.). Prevalece, aqui, uma lgica semelhantes
dos limites do caso julgado, quanto solidariedade passiva. Quanto impossibilidade
superveniente da obrigao (529.):
- quando ela ocorra por facto imputvel ao devedor, a solidariedade mantm-se
relativamente ao crdito de indemnizao (n.1);
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Relaes internas: o credor cujo direito tenha sido satisfeito para alm da parte que lhe
competia deve satisfazer aos outros a parte que eles tinham na prestao comum (533.).
Quando a prestao no seja divisvel, haver um encontro de valores. Nos termos gerais, o
credor satisfeito deve ser interpelado pelos restantes, para entrar em mora. S ento dele
dever juros.
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A experincia portuguesa: no Direito das Ordenaes a compra e venda tinha mera eficcia
obrigacional: o contrato ficava concludo logo que houvesse acordo quanto coisa e quanto ao
preo, mas o domnio apenas se transferia com a tradio ou entrega da coisa. Num quadro
destes, menos espao ficaria para uma promessa de venda. De resto, as Ordenaes admitiam
que, celebrada a compra e venda e havendo sinal passado, qualquer das partes se pudesse
arrepender: o comprador, perdendo o sinal e o devedor, restituindo-o em dobro. A funo de
arrependimento podia, deste modo, ser assumida pela prpria compra e venda. O Cdigo
Comercial de Ferreira Borges (1833) dispunha:
A promessa de vender tem fora de venda, logo que h consentimento reciproco
dambas as partes sobre a cousa e o preo, e no pde resilir-se do contracto a titulo dhaver
dado signal, porque em commercio sempre este se entende em principio de paga, salvo
conveno expressa em contrario.
O Cdigo de Seabra tomou uma posio oposta, posio essa que constitui o ponto de
partida para a grande elaborao do contrato-promessa que, posteriormente, teria lugar. Donde
nos vem semelhante preceito, que estabelece uma sada diametralmente inversa do Cdigo
de Napoleo? De acordo com o Projeto inicial de Visconde de Seabra, seriam apenas, mera
conveco de prestao de facto, a promessa de venda sem determinao de preo ou
especificao de coisa: uma sada que fazia sentido. No Cdigo finalmente aprovado, adotou-se
a posio oposto, sem que se conheam as razes. Podemos, todavia, constru-las: o Cdigo de
Seabra abandonou o sistema anterior da compra e venda meramente obrigacional, a favor do
consensualismo na produo dos efeitos reais. Com isso, abriu um vazio, pelo qual penetrou o
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A preparao do Cdigo Civil de 1986: o passo seguinte coube a Vaz Serra, no seu estudo
preparatrio do atual Cdigo Civil, sobre o contrato-promessa. No seu estilo habitual, Vaz Serra
fez um apanhado da doutrina e das leis do seu tempo sobre o contrato-promessa, escolhendo
as solues que teve por adequadas, e concluindo com um articulado. Na base do a apontado
desenvolvimento, Vaz Serra fez propostas ambiciosas, para o ento futuro Cdigo Civil. As
opes decisivas que, depois, passariam ao Cdigo Civil foram obra de Antunes Varela, na
primeira reviso ministerial. Assim:
- fixou-se a regra da simplificao da forma, no tocante ao contrato-promessa e perante
o exigido para o contrato definitivo;
- consignou-se a promessa unilateral (monovinculante), com a fixao judicial de prazo,
se necessrio;
- admitiu-se a transmisso mortis causa, alis proposta por Vaz Serra;
- firmou-se a possibilidade de uma eficcia perante terceiros; na segunda reviso
ministerial, adotou-se a locuo eficcia real da promessa e retirou-se a possibilidade de ela
poder operar perante coisas no registveis;
- consagrou-se a possibilidade de execuo especfica da promessa com redaes que
foram oscilando at ao projeto final.
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As figuras afins: o contrato-promessa no se confunde com as diversas figuras que lhe esto
prximas. Desde logo, cabe despistar outros contratos ou atos preparatrios. Assim:
- a proposta de contrato: embora firme e completa, ela no d azo a um contrato,
enquanto no ocorrer a aceitao;
- a minuta ou punctao: trata-se do texto sobre o qual as partes construram o acordo,
mas antes da formalizao deste; em princpio, a minuta no vinculativa para as partes;
- pactos preparatrios materiais ou instrumentais: no processo conducente formao
de um contrato, podem as partes acordar sobre como podem celebrar pactos relativos forma,
ao valor do silncio, durao das propostas que venham a ser feitas ou sua revogao:
embora destinados a facilitar o contrato definitivo, estes pactos no contm, em si, os
elementos necessrios para retratar tal contrato, no envolvendo, para as partes, o dever de o
concluir;
- pacto de preferncia: uma das partes obriga-se, perante a outra a, querendo celebrar
determinado contrato com terceiros, o fazer, nesses precisos termos, com o beneficirio (o
preferente), nas mesmas condies apresentadas pelo terceiro em causa (tanto por tanto); no
pacto de preferncia, as partes no se obrigam a contratar: apenas uma delas se adstringe a dar
preferncia; alm disso, no h nenhum contrato prefixado a cuja celebrao possam, sequer,
ficar vinculados;
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Importncia: o contrato-promessa, pela largueza das suas funes e pelas facilidades formais
que a lei lhe confere, tem, entre ns, uma importncia muito mais vincada do que nos pases
juridicamente prximos. No campo imobilirio, poucas eram as transaes que no fossem
precedidas pelas correspondentes promessas. E nos restantes contratos: proliferam as figuras
mistas, com apelo s promessas, bem como a sua utilizao no plano organizatrio. A reforma
precipitada de 1980 e a recusa (evitvel) de, em 1986, restituir, ao contrato-promessa, a sua
configurao inicial, introduziram, numa rea que deveria ser dominada pela segurana e pela
previsibilidade, uma incerteza que multiplicou os litgios e as intervenes doutrinrias. A par
do arrendamento e da preferncia, podemos considerar que o contrato-promessa das reas
mais guarnecidas de decises judiciais e de comentrios, no campo contratual. Com tais latas
funes, o contrato-promessa assume um papel importante na ordenao dos bens e na
circulao da riqueza: superior, no Pas, ao da generalidade dos demais espaos europeus. As
incertezas introduzidas pela aventura de 1980 e pelos cuidados de 1986 agravaram a
litigiosidade do instituto, com larga representao jurisprudencial. A aparente acessibilidade do
tema, apenas assente na doutrina nacional, levou multiplicao de intervenes doutrinrias
e de obter dicta: nem sempre com o desejvel nvel. Devemos ainda prevenir para desmandos
de linguagem inabituais, no corao do Direito Civil, e que o tema do contrato-promessa
suscitou em vrios autores. Volvido um tero do sculo, afigura-se possvel a reconstruo
jurdico-cientfica serena de toda esta matria.
22. - A prometibilidade
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Seco II O regime
23. - A forma
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Aspetos gerais; o principio da equiparao: segundo o artigo 410., n.1, ao contratopromessa so aplicveis:
- as disposies legais relativas ao contrato prometido;
- excetuadas as relativas forma;
- e as que, por sua razo de ser, no se devem considerar extensivas ao contratopromessa.
A aplicao, como regra, ao contrato-promessa, do regime do contrato prometido, d
azo ao princpio da equiparao. De facto, tal princpio impe-se, por via de valoraes
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Regras no extensivas por sua razo de ser: por sua razo de ser, no se aplicam ao contratpromessa todas as regras que visem a consubstanciao das prestaes prprias do contrato
definitivo e, a fortiori, o seu regime. Tambm a temtica da perturbao das prestaes, tpica
de cada uma das figuras contratuais, no tem lugar na correspondente promessa. Ainda na parte
geral das obrigaes, encontramos diversas regras que, por sua razo de ser, s podem visar
contratos definitivos. De um modo geral, aplicam-se, ao contrato-promessa, as regras relativas:
- cesso da posio contratual (424. a 427.); veja-se, nesse sentido, o artigo 412.,
n.2;
- exceo de no-cumprimento do contrato (428. a 431.): nenhuma das partes pode
ser compelida a cumprir a promessa, outorgando no definitivo, se a outa parte no fizer outro
tanto;
- resoluo do contrato, baseada na lei ou na prpria promessa (432. a 436.); a
resoluo pode sobrevir, designadamente, por impossibilidade superveniente (795., n.1) ou
por impossibilidade imputvel equiparada ao incumprimento (801., n.2);
- resoluo ou modificao do contrato por alterao das circunstncias (437. a 439.);
o artigo 830., n.2 prev diretamente essa eventualidade;
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O modus de contrahendo: na construo do regime do contrato-promessa de cada contratopromessa a afigura-se fundamental ter presente que, para alm do princpio da equiparao,
ele se coloca numa dimenso especial a que poderemos chamar o modus de contrahendo o
modo de promessa. O contrato-promessa visa efetivamente, a celebrao do definitivo. Todos
os deveres que ele postula colocam-se ao servio desse objetivo comum das partes. Da uma
srie de especificidades:
- prestaes principais que se analisam na emisso das declaraes de vontade que iro
integrar o definitivo;
- prestaes secundrias instrumentais, destinadas a permitir a vlida concluso do
contrato final; particularmente em causa esto todas as tarefas de redocumentao, para tanto
necessrias;
- prestaes secundrias materiais, requeridas pelo aprontamento da coisa objeto do
cntrato definitivo ou pela sua manuteno;
- prestaes secundrias de tipo jurdico, como sejam a obteno do consentimento do
outro cnjuge ou a aquisio da coisa pelo promitente-alienante.
Alm disso e como temos enfatizado, esto em jogo mltiplos deveres acessrios,
assentes na boa f e que visam, em modus de contrahendo, acautelar os interesses das partes.
Recordarmos os deveres de segurana, de lealdade e de informao. Na mesma linha, considera
que a parte que tenha dado incio execuo da promessa, criando na outra parte a confiana
legtima de que iria prosseguir, no pode invocar na falta, assim como no o pode fazer quem,
por trs vezes, reforce o sinal passado. O contrato-promessa no , no seu regime substantivo,
uma projeo simplificada do definitivo. Ele tem vida prpria, regras especficas e funes
distintas. A fixao do regime da promessa sempre uma atividade criativa, guiada pela Cincia
do Direito e na qual o contrato definitivo visado pelas partes um elemento, entre outros, a ter
em conta.
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Outras formas de extino: o contrato-promessa pode ainda cessar por diversas outras
formas. Assim, de acordo com o esquema geral que rege as relaes complexas, temos:
- a revogao: declarao unilateral, discricionria e s vivel quando prevista no prprio
contrato, por uma das partes e outra, de cessao do contrato;
- a resoluo: declarao unilateral, vinculada e vivel quando prevista no contrato ou
na lei, pior uma das partes outra, de cessao do contrato; a resoluo pode ocorrer, em
princpio, perante o incumprimento de uma das partes;
- a revogao por comum acordo ou distrate: sempre possvel, desde que ambas as
partes deem o seu assentimento.
A resoluo aparece associada ao incumprimento definitivo, em termos que tm
levantado dvidas a propsito do funcionamento do sinal e a que teremos a oportunidade de
regressar. O contrato-promessa pode ainda cessar por impossibilidade superveniente, no
imputvel a nenhuma das partes (790., n.1). Tal suceder quando desaparea, por causa
fortuita, o objeto do contrato definitivo ou quando, por alterao legislativa, a celebrao do
mesmo contrato se torne juridicamente invivel. Outras hipteses de extino das obrigaes,
para alm do cumprimento, so aqui configurveis. A saber:
- a compensao, quando se verifiquem dois contratos-promessa de sinal contrrio e
concorram os demais requisitos (847.);
- a novao, sempre que exista acordo, dos promitentes, nesse sentido (857.);
- a confuso, quando ambas as posies de promitente se renam na mesma esfera
jurdica (868.).
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Aspetos gerais e remisso: o sinal uma clusula tpica, prpria dos contratos onerosos. No
que agora releva, podemos sintetiza-lo: aquando da celebrao de um contrato ou,
posteriormente mas antes do cumprimento, uma das partes entrega, outra, uma coisa ou uma
quantia; se o contrato for cumprido, a coisa ou a quantia entregue imputada no cumprimento
ou, no sendo a imputao possvel, restituda; se houver incumprimento, cabe distinguir:
sendo o incumprimento provocado por quem recebe o sinal, deve este restitu-lo em dobro;
sendo, pelo contrrio, causado por quem d o sinal, fica este perdido. Trata-se de uma figura
conhecida pelos usos, com tradies entre ns. O sinal vem previsto nos artigo 440. a 442., do
Cdigo Civil. Tem um papel de relevo no domnio do contrato-promessa. Surge, ainda, como
uma clusula frequente: em torno dele h vasta jurisprudncia. O sinal no tem uma natureza
unitria. Tal com ele nos surge, trata-se, na verdade, de um produto de uma rica evoluo
histrica. Em termos muito sumrios:
- o Direito grego antigo, onde o instituto nasceu, o prvio pagamento do sinal assegurava
o negcio, dando-lhe consistncia e permitindo o ressarcimento dos danos, no caso de violao;
- no Direito romano, o sinal assumiu uma funo confirmatria: provava a existncia do
contrato e o termo das negociaes; alm disso, facultava o ressarcimento dos danos;
- no Direito justinianeu, adquiriu um papel penitencial: permitia ao interessado libertarse do contrato, pagando o valor resultante do sinal.
O atual Direito alemo distingue ainda o sinal confirmatrio do sinal penitencial: o
primeiro no impede as partes de optar pelo regime geral da indemnizao, no caso de
inadimplemento; o segundo permite a qualquer das partes libertar-se do contrato, mediante o
pagamento do valor do sinal ou a sua restituio em dobro. Mas o Direito portugus, segundo
parece por falta de aprofundamento doutrinrio, operou a juno das diversas figuras. Assim:
- o sinal tem uma dimenso confirmatrio-penal, na medida em que d consistncia ao
contrato e funciona como indemnizao;
- o sinal tem uma dimenso penitencial quando opere como preo do arrependimento,
permitindo ao interessado resolver o contrato, mediante o pagamento do que resulte o prprio
sinal.
Antecipando, podemos adiantar que, no mbito do contrato-promessa, quando as
partes afastem a execuo especfica, o sinal penitencial; na hiptese inversa, ele
confirmatrio-penal, uma vez que no h direito ao arrependimento. O sinal confirmatriopenal tornou-se regra no mbito da reforma de 1980. De todo o modo e em geral, depender
da interpretao da vontade das partes o saber se um concreto sinal estipulado tem
predominncia confirmatrio-penal ou predominncia penitencial. No primeiro caso, as partes
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Sinal e promessa; redao de 1966: a lgica inicial do Cdigo Vaz Serra passava por um
tratamento conjunto da antecipao do cumprimento e do sinal. Assim:
- no artigo 440., com um alcance verdadeiramente genrico, explicita que, se ao
celebrar-se o contrato ou em momento posterior, uma das partes entregar outra, uma coisa
que coincida, no todo ou em parte, com a prestao a que fica adstrito, a entrega havida como
antecipao total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes lhe quiserem atribuir a natureza
de sinal;
- no artigo 441., consignava-se uma norma especial para o contrato-promessa de
compra e venda: a, toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitentevendedor, presume-se sinal; o sinal afastava, em princpio, a execuo especfica da promessa,
nos termos do artigo 830., n.2, verso original;
- no artigo 442., fixava-se o funcionamento comum do sinal.
O sistema era simples e coerente. Assim, na generalidade dos contratos, o sinal tinha o
sentido confirmatrio, sendo imputado no pagamento sempre que possvel. Pelo contrrio, no
contrato-promessa e na linha da tradio anterior, tinha um alcance penitencial: permitia que
as parte meditassem at ao momento do cumprimento e, a, optassem ou pela execuo do
combinado, ou pelo pagamento resultante do regime do sinal. Naturalmente: todas estas regras
eram supletivas. De todo o modo, ficou clara a mensagem legislativa de, contrariando a soluo
tradicional das Ordenaes, dar um suplemento de vitalidade aos contratos e sua execuo.
Nas ordenaes, como referido, a compra e venda era puramente obrigacional: no transferia
o domnio, o qual s transitava, para o comprador, pela entrega. Uma vez celebrada, era
vinculativa, no permitindo o arrependimento: exceto se houvesse sinal, altura em que, o
arrependimento era possvel. Em compensao, se em vez de sinal ocorresse uma entrega em
dinheiro em parte de paga, ou em sinal e parte de paga, j no havia lugar a arrependimento
ficando os contratos de compra e venda mais perfeitos. O sistema era harmnico e flexvel.
Com as codificaes, particularmente com o Cdigo Vaz Serra, a compra e venda passa a real
quoad effectum, assumindo a promessa de compra e venda o papel de verdadeira compra
obrigacional. O sinal/arrependimento transfere-se, pois, para ela. Tratava-se, de resto, de um
regime justo e bem adaptado s realidades sociais.
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O sinal comum, a resoluo e a mora: o grande problema em aberto cifra-se em saber se,
para o funcionamento do sinal, se exige a resoluo do contrato e se esta, por seu turno, requer
o incumprimento definitivo ou se basta a simples mora. Essa mesma questo pode ser
recolocada a propsito de cada uma das quatro sadas atuais para o sinal; a perda/restituio
dobrada; a indemnizao pelo valor da coisa; a execuo especfica direta; a exceo do
cumprimento. Vamos ver. Quanto ao funcionamente comum ou clssico do sinal, que envolvia
a sua perda ou a sua restituio em dobro, a doutrina divide-se: querem uns que ele implique o
incumprimento definitivo e a resoluo do contrato, enquanto outros se contenham com a
simples mora. H que distinguir entre o regime e a qualificao. O sinal visa simplificar o
funcionamento do contrato. Marca-se uma data e passa-se sinal. Se na data aprazada no
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A tradio da coisa: o regime do sinal infletido, de acordo com a atual redao do artigo
442., n.2, 2. parte, quando haja tradio da coisa a que se refere o contrato prometido.
Trata-se de uma inovao ento interpretvel como aplicando-se, apenas, aos contratospromessa do artigo 410., n.3, mas a que hoje no pode deixar de ser conferido um alcance
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Aspetos gerais: diz-se execuo especfica a realizao, pelo tribunal, da prestao que
incumbia ao devedor inadimplente. Os casos paradigmticos resultam dos artigos 827. a 829.
do Cdigo Civil:
- na prestao de dare, a entrega feita pelo tribunal ou por ordem deste: manu militari
(27.);
- na prestao de facere, sendo o facto fungvel, o mesmo prestado por terceiro,
custa do devedor (828.);
- na prestao de non facere, havendo obra, a mesma demolida a expensas de quem
se obrigou a no a fazer (829.).
Em toos estes casos, a execuo especfica possvel quando o devedor possa ser
substitudo na sua realizao. Assim, no cabe tal instituto perante prestaes de facto no
fungveis (828. a contrario) e nas prestaes de non facere, quando no seja possvel fazer
reverter o sucedido (829., n.1, a contrario: no haja obra). Nessa eventualidade, quedam duas
solues:
- ou se desiste da realizao da prestao devida, passando-se a uma fase puramente
indemnizatria (798.);
- ou se pressiona a vontade do devedor remisso, atravs de sanes pecunirias
compulsrias (829.-A, n.1).
Existe ainda uma categoria de dever, que se presta a uma substituio, por parte do
tribunal: a da realizao de um facto jurdico. Tradicionalmente, entendia-se que a prtica de tal
facto, designadamente a concluso de um contrato, era de efetivao insubstituvel. Mais
modernamente, as dificuldades dogmticas na execuo do contrato-promessa tm sido
situadas no dispositivo constitucional que garante a liberdade de disposio: ora a execuo
especfica constituiria uma exceo severa a esse princpio. Perante isso, ao no-cumprimento
de um contrato-promessa apenas se poderia reagir atravs de pedidos de indemnizao. Ora
esta soluo triplamente inconveniente:
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A preparao do Cdigo Vaz Serra: a possibilidade de execuo especfica de contratospromessa foi fazendo o seu caminho, no mbito da preparao do Cdigo de 1966. Como
antecedente, tnhamos a clusula compromissria, tomada como um contrato-promessa de
cedlebrao de um compromisso arbitral. O artigo 1565., do Cdigo de Processo Civil de 1939.
Representava um especial avano em relao ao anterior Cdigo de Processo Civil, de 1876. A,
a clusula compromissria era o produto de uma simples prestao de facto, dando azo a perdas
e danos, quando no cumprida. Mas um avano tmido: ainda se previa que o devedor
inadimplente fosse chamado ao juiz para, a, ser coagido a celebrar o compromisso; no o
fazendo, o prprio tribunal executava o contrato definitivo que nem chegava a ser celebrado,
mas que se pressupunha. No mbito os trabalhos preparatrios, Vaz Serra ponderou
cuidadosamente o tema. Podemos considerar que, embora a execuo especfica fosse
novidade entre ns, o tipo de receo que a traria para o nosso ordenamento acolheu as j
longas experincias alem e italiana. No houve um salto no desconhecido. Na sequncia de
todas estas ponderaes, Vaz Serra apresentou, na verso sinttica, um texto complexo. Havia
uma certa restrio formal. A execuo especfica requeria que o contrato-promessa satisfizesse
s formalidades exigidas para o contrato-prometido, ainda que com uma abertura: a de estarem
asseguradas as finalidades de forma prescritas para o definitivo. Tambm havia uma
interessante soluo para os contratos reais quoad constitutionem: o prprio tribunal faria a
competente entrega. Logo na primeira reviso ministerial, Antunes Varela alterou, na forma e
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A expurgao das hipotecas: quem adquira bens hipotecados, registe o ttulo de aquisio e
no seja pessoalmente responsvel pelo cumprimento das obrigaes garantidas, pode
expurgar a hipoteca: ou pagando integralmente aos credores hipotecrios as dvidas garantidas
ou, sendo a aquisio gratuita ou sem fixao de preo, declarando estar pronto a entregar aos
credores, para pagamento dos seus crditos, at quantia pela qual obteve os bens ou aquela
em que os estima (721.). Verificados os requisitos e mantendo-se a hipoteca depois da
execuo especfica, pudesse o exequente (830., n.2, 2. parte, verso de 1980).
() para o efeito de expurgar a hipoteca, rquerer que a sentena a que se refere o
nmero anterior condene tambm o promitente-vendedor a entrgar-lhe o montante desse
dbito, ou o valor nele correspondente frao objeto do contrato, e dos respetivos juros
vencidos e vincendos at integral pagamento.
Envolvia que, a propsito de uma execuo especfica que no estava inicialmente
prevista, o promitente-alienante visse, sem contrapartida, vencer de imediato os seus dbitos
para com a banca, que poderiam ter todo um calendrio de pagamentos. Uma conscincia
constitucional mais acurada teria invalidade semelhante norma, quando aplicada a contratos
anteriores. A reforma de 1986 conservou esse preceito, agora no artigo 830., n.4, mas
limitando-o expressamente aos contratos urbanos, previstos no artigo 410., n.3. Como limite
interpretativo adequado: esse preceito s se aplica quando o promitente-alienante se tenha
obrigado a vender livre de nus ou de encargos.
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Alargamento a outros deveres de contratar: o artigo 830., pela sua epgrafe e pela previso
do seu nmero 1, reporta-se execuo especfica de contratos-promessa. Quid Iuris?
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O funcionamento da eficcia real: celebrada uma promessa real, qual o seu funcionamento?
Na base temos, ainda, um contrato-promessa: nas relaes entre as partes aplicar-se-, pois, o
regime correspondente. Inter partes, haver lugar execuo especfica, nos termos gerais. E
se, violando a promessa, o promitente alienante vender a coisa a terceiro ou a onerar por
qualquer forma? A lei no disps sobre a forma de agir. Apenas permite entender, pelo uso da
expresso eficcia real e pela sujeio a registo, que o promitente adquirente poder agir
diretamente contra o terceiro em causa. No Direito portugus, a transmisso (ou onerao,
salvo na hipoteca) opera imediatamente por fora do contrato (408., n.1). Como agir? Na
doutrina, tm sido defendidas praticamente todas as posies imaginveis. Assim, perante uma
alienao faltosa a um terceiro:
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A autonomia dogmtica e significativo-ideolgica do definitivo: a primazia do contratopromessa no deve, no entanto, levar ao apagamento do definitivo. Ele tem um papel prprio,
permitindo, por essa via, conferir promessa o seu papel autnomo. O contrato definitivo
sentido como um contrato a se. Nesse sentido joga todo o peso scio-cultural do contrato, a
partir do sculo XVII. Desde logo as partes optam, muitas vezes, por conservar intacta a sua
liberdade de contratar, mesmo no plano do definitivo. Da a presena do sinal, clusulas penais
ou do simples afastamento da execuo especfica. A imposio deste dispositivo, em 1980 e
1986, s se compreende por manifesta necessidade social: deveria ter terminado assim que
cessaram as razes que lhe deram azo. De seguida, o contrato definitivo sempre criativo. Por
vezes, o tribunal tem de intervir, para precisar aspetos deixados em branco no contratopromessa. Outras vezes, as partes o faro, numa nova negociao que no chega aos tribunais,
mas que no despicienda. ainda importante sublinhar o papel da prtica contratual na
interpretao dos contratos em jogo. Quer isso dizer que apenas aps a concluso e a aplicao
do definitivo ser, por vezes, possvel, proceder interpretao cabal da prpria promessa. A
autonomia do definitivo ainda posta em relevo, apontando as funes prprias do contratopromessa. Este, como foi referido, implica uma dimenso sua, a que chamamos o modo de
contrahendo, com prestaes secundrias e deveres acessrios prprios, distintos dos que
surgem com o definitivo. Este no se confunde, pois, com o primeiro. O contrato-promessa
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Direito romano:
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Defeso he per direito ao foreiro, que tras alguma herdade, casa ou vinha, etc. aforada pera sempre,
ou certas pessoas, que nom posssa vender, nem escaimbar, doar, nem enalhear a cousa aforada sem
outorgamento do Senhorio, porque o Senhorio deve sempre pera ello seer requerido, se a quer tanto
por tanto; e querendo-a elle, nom a poder aver outrem; e nom a querendo, entom a poder outrem
aver: assim estava inserida nas Ordenaes Afonsinas
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A preparao do Cdigo Civil de 1966: na preparao do Cdigo Civil de 1966, Vaz Serra
teve em especial conta o modelo alemo. Era, de facto, o mais desenvolvido e o mais equilibrado.
Vaz Serra assinalou a multiplicao dos direitos legais de preferncia, mas concentrou o seu
estuo na preferncia convencional. Ponderando as vrias hipteses, apresentou um articulado
extenso. A, optou pelo tratamento em conjunto da preferncia obrigacional e da preferncia
real. Como especial novidade e baseando-se nas particularidades do BGB, Vaz Serra distinguia,
entre os direitos convencionais de preferncia, trs hipteses:
- a preferncia obrigacional;
- a preferncia obrigacional com eficcia real;
- a preferncia real.
A preferncia produziria, nos termos gerais, efeitos entre as partes. Quanto s duas restantes:
a preferncia com eficcia real seria uma comum preferncia obrigacional que, tendo sido
objeto de registo prvio (Vormerkung), adquiriria eficcia perante terceiros. O direito real de
preferncia atinge diretamente a coisa, distinguindo-se do direito pessoal preventivamente
anotado. Esta contraposio interessante: suscita uma srie de problemas que tero de se
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Figuras afins: na distino do pacto de preferncia das denominadas figuras afins, til a
remisso para a delimitao do contrato-promessa. Torna-se fcil, em geral, fazer a transposio
do competente quadro, para a preferncia. No obstante cabe sublinhar algumas
particularidades. O pacto de preferncia tem uma estrutura tpica no-sinalagmtica. Tal como
a lei o desenha, temos uma parte o preferente que recebe uma vantagem aprecivel,
enquanto a outra nada obtm, estruturalmente, em troca. Pelo contrrio: fica obrigada
comunicao para efeitos de preferncia, perdendo, ainda, a plena disposio do seu bem.
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A forma: o artigo 415. manda aplicar, ao pacto de preferncia, o artigo 410., n.2. Como est
epigrafado forma, a doutrina interpreta esse preceito como mandando aplicar, quanto fora,
o regime da promessa. E isso redundaria no seguinte:
- o pacto de preferncia beneficiaria, de acordo com as regras gerais (219.), de
liberdade de forma;
- porm, quando o contrato prefervel exija documento quer autntico quer particular,
a respetiva preferncia teria de ser feita por escrito;
- tal escrito dever ser assinado pela parte que se vincula ou por ambas, se o pacto for
bivinculante.
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() deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade,
salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo
A fortiori, pode suceder que se tenha pactuado um prazo mais longo, altura em que este ser o
observvel. Como se v, o legislador pretende que a pendncia aqui em jogo, pela instabilidade
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Venda da coisa conjuntamente com outras: o artigo 417., n.1 prev a hiptese de venda
da coisa juntamente com outras. Trata-se de um preceito dirigido compra e venda e retirado
do BGB. S que, no BGB, toda esta matria surge no captulo da compra e venda, enquanto no
Cdigo Vaz Serra, ela deveria ter um alcance geral. Comecemos pelo regime legal. Segundo o
artigo 417., n.1:
Se o obrigado quiser vender a coisa juntamente com outra ou outras, por um preo global, pode
o direito ser exercido em relao quela pelo preo que proporcionalmente lhe for atribudo, sendo lcito,
porm, ao obrigado exigir que a preferncia abranja todas as restantes, se estas no forem separveis
sem prejuzo aprecivel.
O n.2 tem uma preciso muito importante: a regra aplica-se mesmo quando o direito do
preferente considerado tenha eficcia real. A sequncia ser a seguinte:
- o obrigado preferncia faz a comunicao da venda da coisa conjuntamente com
outras;
- recebida a comunicao, o preferente pode exercer o seu direito em relao coisaobjeto, pelo preo que proporcionalmente lhe caiba;
- caso entenda que a separao lhe traz um prejuzo considervel, o que ter de provar,
pode o obrigado preferncia exigir que a preferncia abranja todo o conjunto: a discordncia
do preferente envolve oposio ao projeto e renncia preferncia.
Como se v, apesar de todo o esforo doutrinrio e jurisprudencial dos ltimos quarenta anos,
no possvel dar respostas inteiramente precisas s diversas questes prticas que se levantam.
Designadamente, indicao de prazos para as comunicaes e respostas. Propomos a aplicao
do prazo de oito dias, fixado no artigo 416., n.2, para a efetivao das diversas comunicaes
e respostas: o nico disponvel e parece razovel. Uma sada poder residir na adoo do
esquema de notificao judicial. Aplica-se, ento, o artigo 1454. CPC. No campo processual e
quanto a prazos, aplica-se a regra geral do artigo 153. CPC: dez dias. Questo complexa ser a
generalizao do artigo 417.. Ns prprios admitimos que esse preceito e o artigo 418.
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Pluralidade de preferentes: o artigo 419. soluciona, luz dos princpios gerais, as hipteses
de pluralidade de titulares do direito de preferncia. Temos trs possibilidades bsicas, que
abrem sempre na indivisibilidade dos direitos ou cada um exerceria a sua parte:
- preferncias conjuntas: s podem ser exercidas por todos os preferentes, em bloco e
o obrigado s perante todos eles se exonera (419., n.1, 1. parte); mas se o direito se extinguir
em relao a algum deles ou ele no o quiser exercer, acresce aos restantes (419., n.1, 2.
parte);
- preferncias disjuntas: s um deles pode exercer o direito, afastando, com isso, os
restantes: no havendo processo de escolha, abre-se licitao, revertendo o excesso para o
obrigado (419., n.2);
- preferncias sucessivas: existe uma ordem de prevalncia entre os diversos
preferentes, designadamente nas preferncias legais: o direito submetido ao primeiro,
passado ao segundo se ele no quiser exerc-lo e assim sucessivamente.
Em termos de comunicao: ela deve ser feita, sempre, a todos os preferentes, s depois se
abrindo o processo de escolha entre eles. E na mesma linha: no pode um preferente exercer
validamente o seu direito se no mostrar que todos os outros foram avisados e que no
quiseram ou no puderam preferir. Quando muito, entender-se- que, nas preferncias
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Aspetos gerais: o artigo 421., n.1 permite os pactos de preferncia com eficcia real. Na
verso original, isso dependia:
- de conveno das partes nesse sentido;
- de respeitar a imveis ou a mveis sujeitos a registo;
- de constar de escritura pblica;
- de estar registado, nos termos da competente legislao.
O Decreto-Lei n. 379/86, 11 novembro, substitui a exigncia de escritura pblica e de registo
nos termos da competente legislao por serem:
() observados os requisitos de forma e de publicidade exigidos no artigo 413.
Damos por reproduzidas as consideraes ento feitas, incluindo a de, por esta via, se ter
conferido eficcia constitutiva ao registo em jogo. Havendo eficcia real, a preferncia produz
efeitos perante os terceiros adquirentes da coisa em jogo, atravs de uma ao a tanto
destinada: a ao de preferncia. esse o sentido da remisso para o artigo 1410., feita no
artigo 421., n.2. A preferncia com eficcia real ou preferncia real resultou da juno,
operada nas revises ministeriais do anteprojeto de Cdigo Civil, das propostas de Vaz Serra que
previam, de acordo com o esquema alemo, um direito real de preferncia, ancorado no Livro
sobre o Direito das coisas e um direito (obrigacional) com eficcia real, recebida atravs de uma
prenotao no registo e que caberia ao Livro das obrigaes. E como o legislador nacional
mandou, em ambos os casos, aplicar o regime do artigo 1410., prprio dos direitos reais,
podemos adiantar que a juno se fez na figura da preferncia real: ainda que denominada com
eficcia real. Pergunta-se se, pactuada uma preferncia com eficcia real, esta opera na
primeira alienao da coisa ou se, pelo contrrio e tal como sucede com as preferncias reais,
ela se mantm indefinidamente, gravando a coisa at que venha a ser exercida, como nas
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Noo Bsica, origem e desenvolvimento: o pacto de opo um contrato pelo qual uma
das partes (o beneficirio, o titular ou o optante) recebe o direito de, mediante uma simples
declarao de vontade dirigida outra parte (o vinculado ou o adstrito opo), fazer um
contrato entre ambas combinados: o contrato definitivo. Assim, a opo no se confundo:
- com o contrato-promessa: este exige, no cumprimento, declaraes de ambas as
partes, tendentes conformao do contrato definitivo; na opo, basta a declarao do
beneficirio;
- com o contrato-promessa monovinculante (unilateral): temos, aqui, um verdadeiro
contrato-promessa, que exigir, na execuo, a celebrao, por ambas as partes, do definitivo,
o qual, todavia, s dever ter lugar se uma das partes quiser; ora na opo, embora uma das
partes tenha o poder unilateral de fazer surgir o definitivo, este no depende da interveno da
parte vinculada;
- com o pacto de preferncia: de facto, o preferente tem o direito potestativo de
contratar com o obrigado ou, na preferncia real, de fazer seu negcio prefervel, em caso de
violao; simplesmente, no se sabe ab initio qual ser o contrato definitivo, o qual depende de
o obrigado preferncia querer contratar e de o preferente querer preferir; na opo, o
contrato definitivo est prefixado e a concretizao deste depende da vontade nica do optante.
- com a condio suspensiva: a opo equivale a um contrato sujeito condio
suspensiva si volet, por parte do beneficirio; teramos um negcio sujeito a uma condio
potestativa; sucede, todavia, que a opo tem um papel prprio e uma existncia a se, enquanto
a condio se dilui no contrato que a comporte, colocando-o em modo condicional; a
proximidade das figuras permite aproveitar regras aplicveis condio, como veremos;
- com a venda a retro: apresentada, pelo Cdigo Vaz Serra, omo uma modalidade de
compra e venda, ela permite, ao vendedor, resolver o contrato (927.); trata-se de uma figura
que deixa, nas mos deste, o direito potestativo de (re)aver a propriedade; a opo, todavia,
encaixa numa prvia compra e venda e assume prazos longos (929.) bem como um regime
pesado (930.), que no se coaduna com as exigncias do moderno pacto de opo.
Um pouco mais delicada a distino entre o pacto de opo e a proposta contratual irrevogvel,
pelo menos, no prazo em que o seja. Com efeito, a proposta d azo ao contrato (definitivo) pela
mera aceitao. A proposta, em princpio, tem uma margem temporal de irrevogabilidade, que
mais a aproxima da opo. Uma anlise anteciapada dos regimes mostra as diferenas de fundo:
- a proposta de formulao unilateral, enquanto a opo um contrato, derivado, nos
termos gerais, das competentes proposta e aceitao;
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A potabilidade e o preo da opo: perante a figura da opo, pe-se desde logo o tema de
saber se ela pode reportar-se a quaisquer definitivos. Assim, podemos introduzir o conceito de
optabilidade, isto : a suscetibilidade que os contratos tenham de poder ser objeto de pactos
de opo. No domnio do Direito das Obrigaes vigora a autonomia privada. A liberdade
contratual (405.) permite s partes, em regra, introduzir em opo a concluso de quaisquer
contratos. De resto: a opo , apesar de tudo, um minus em relao ao contrato definitivo. Se
as partes podem concluir certos contratos, podero, relativamente a eles, fechar opes. Temos
de entender que contratos como o de doao ou o de casamento, por fora dos regimes
respetivos e dos inerentes valores subjacentes, no comportam opes. Aplicam-se, aqui,
diretamente ou por analogia, as regras sobre a prometibilidade em sentido forte: o que no
prometvel no , a fortiori, opcionvel. Podemos ir mais longe: no possvel a opo
relativamente aos contratos que excluam a execuo especfica ou que exijam, na concluso,
operaes que transcendam a mera declarao unilateral do optante. Quanto a opes relativas
a contratos reais quod constitutionem: podemos admiti-las se, previamente, o optante (ou
algum por ele) j tiver detido o controlo material da coisa. A hiptese de uma opo que,
uma vez exercida, obrigaria o adtrito a entregar a coisa para, assim, se completar o definitivo
lcita e eficaz mas no uma opo. A opo representa, para o seu beneficirio, uma
vantagem evidente. Particularmente nas reas sensveis do mercado, onde ela se torna mais
interessante, a opo permite, a uma pessoa, adquirir, por sua exclusiva vontade, uma
determinada posio jurdica. Em compensao, ela traduz, para o adstrito, uma desvantagem
de contedo inverso. Nessas condies, compreende-se que, aquando da concesso de uma
opo, haja uma contrapartida monetria: um preo. O optante paga, ao adstrito, pela
constituio da opo. A clusula de pagamento tem natureza acessria, pelo que pode escapar
forma imposta opo (221.).
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Noo; Direito romano e padectstica: o artigo 443. do Cdigo de Vaz Serra abre uma
subseco dedicada ao contrato a favor de terceiro. E f-lo com uma noo que, de facto,
adianta j parte da regulamentao aplicvel a essa figura. Sintetizando, diremos que pelo
contrato a favor de terceiro, uma das partes (o promitente) assume, perante a outra
(promissrio), uma obrigao de prestar a uma pessoa estranha ao negcio (o terceiro), a qual
adquire um direito prestao. A figura do contrato a favor de terceiro entra em conflito com o
princpio da relatividade das obrigaes. Transposto para os contratos: manda a lgica
geomtrica que eles apenas produzam efeitos entre as prprias partes. Um envolvimento de
terceiros, mesmo quando destinado a benefici-los, no seria compaginvel. Todavia,
valoraes especficas podem levar a sadas diversas. No foi fcil o caminho que,
modernamente, levou a considerar a figura do contrato a favor de terceiro. No Direito Romano
clssico, o contrato a favor de terceiro no era admissvel, Segundo Gaio: () per extraneam
personam nobis adquiri non posse., ou seja, nada pode ser adquirido pra ns atravs de uma
pessoa estranha. A ideia retomada por Ulpiano e pelas Institutiones de Justiniano, atravs da
clebre mxima: alteri stipulari()nemo potest, ou seja, nada pode ser estipulado, a favor de
ningum (sugerimos algum para que se no entre na dupla negativa), por outrem. Trata-se de um princpio
cuja aplicao possvel seguir em numerosas fontes clssicas. Pois bem: ele vinha pr em causa
no s a representao como os subsequentes contratos a favor de terceiro. No perodo ps
clssico, surgiram desvios regra alteri stipulari. Com Justiniano, admite-se a doao com
clusula de prestar a terceiros, a administrao contratada pela qual o administrador se obriga
a fornecer uma coisa a terceiro e outros. O Direito comum manteve a conceo de base restritiva.
As excees foram, todavia, sendo alargadas. O naturalismo fez regredir a mxima alteri stipulari
non potest: de facto, se fundamento do vinculo reside na vontade e na razo, porque no admitir
a vinculao de algum, que o queira, perante um terceiro? Esta doutrina fez carreira no espao
jurdico da lngua alem. As primeiras codificaes foram restritivas, admitindo figura, apenas,
quando o terceiro, aderindo ao contrato, desse o seu assentimento. No perodo pandectstico,
o tema suscitou grande ateno e obteve muitas reflexes. Windscheid, que teria um peso
decisivo no ento futuro BGB, distingue duas questes, a propsito da admissibilidade do
contrato a favor de terceiro:
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Direito Ingls e Direito Europeu: a matria presta-se a reflexes no Direito comparado, sendo
interessante relevar a recente experincia britnica. Ficou celebre a afirmao do Visconde
Haldane, em deciso da Cmara dos Lordes de 26 de abril de 1915:
My Lords, in the Law of England certain principles are fundamental. One is that only a
person who is party to a contract can sue on it. Our Law knows nothing of a ius quaesitum tertio
by way of property, as, for example, under a trust, but it cannot be conferred on a stranger to a
content a right to enforce the contract in personam.
Na base da recusa est a doctrine of privity of contract: os direitos e deveres entre as partes
surgem, por contrato e este no produz efeitos para alm delas. A estreiteza daqui decorrente
foi sendo contornada com recurso a vrios expedientes:
. o trust: o interessado, constituindo-o e investindo-o nos necessrios poderes, poderia
conseguir o benefcio para o terceiro; todavia, este esquema pressupe grandes valores, pois
implica despesas;
- a representao: o interessado poderia, atravs dela, ser associado ao contrato;
- contratos laterais: por seu intermdio, o terceiro adquiriria o benefcio pretendido;
- leis especiais que o permitiriam, designadamente nos seguros.
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Figuras afins: a dogmtica do contrato a favor de terceiro fica mais clara com a sua
contraposio s figuras afins:
- da representao: embora, nesta, tambm haja trs intervenientes, verifica-se que o
representante, agindo em nome e por conta do representado e com poderes para o ato, age de
tal modo que os efeitos do negcio se repercutem imediata e automaticamente na esfera do
representado; h, pois, duas partes, embora uma delas seja representada; o negcio no produz
efeitos perante terceiros;
- do mandato sem representao ou representao indireta: a, o contrato celebrado
entre uma parte e o mandatrio, que tambm parte; este dever, depois e atravs de um
segundo contrato, transmitir os direitos que haja adquirido, para o mandante (1181.); temos
dois contratos e no um nico; alm disso, no existe uma vontade comum de produzir efeitos
perante terceiros;
- da representao sem poderes: algum conclui um negcio em nome e por conta de
outra pessoa, mas sem ter os poderes de representao necessrios (268., n.1); exige-se
ratificao, para que os efeitos previstos se produzam; tais efeitos operam inter partes e no a
favor de terceiros;
- do contrato para pessoa a nomear: temos duas partes, reservando-se uma delas (ou,
at, as duas) a faculdade de indicar um terceiro que adquira os direitos ou assuma as obrigaes
provenientes desse contrato(452., n.1); no h, aqui, propriamente, um terceiro, dado que
este, uma vez designado, passa a parte;
- do contrato a trs: todos intervm, no negcio, estipulando-se prestaes e obrigaes
que a todos vinculem; o contrato ser comum, entre partes, surgindo vivel ao abrigo da
autonomia privada (405.);
- da cesso da posio contratual: uma das partes, com o acordo da outra, transmite,
por negcio, a sua posio a um terceiro (424.): tudo se explica em termos puramentes
contratuais;
- da gesto de negcios: uma pessoa (o gestor) desenvolve um atuao em nome e por
conta de outra (o dono), sem ter autorizao bastante (464.); podem ser praticados atos que,
todavia, s sero imputados ao dono se houver ratificao ou, quando o negcio seja praticado
em nome prprio, se se seguir o regime do mandato sem representao (471.).
J mais prximas do ncleo verdadeiro dos contratos a favor de terceiros, encontramos as
seguintes figuras que, com ele, no se confundem:
- o contrato comum com prestao feita a terceiro (770.): a, seja por combinao
prvia, seja por autorizao do credor, seja por outra das razes legalmente apontadas, o
devedor presta perante um terceiro: no porque o contrato a tanto se destinasse, mas por via
do fator legitimamente surgido; poder, porventura, haver aqui um contrato a favor de terceiro
no autentico;
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Modalidades: o contrato a favor de terceiros uma figura de ordem geral. Ele apenas traduz
um modo no qual se podem encontrar os mais diversos contratos. Todas as classificaes e todas
as tipologias deste lhe so, pois, aplicveis, ainda que com adaptaes. No que toca a
modalidades que, expressamente, tenham sido reconhecidas na lei, podemos apontar contratos
a favor de terceiros (443., n.2):
- remissivos de dvidas;
- transmisso de crditos;
- constitutivos, modifictivos, transmissivos ou extintivos de direitos reais.
A promessa de liberao de dvida envolve uma vantagem para o promissrio, sendo o
pagamento ao terceiro meramente instrumental em relao ao escopo ltimo deste contrato:
ser um falso contrato a favor de terceiro, segundo Menezes Leito. Todos esses efeitos
secundrios resultaro da prestao a efetuar, pelo promitente ao terceiro. O artigo 451.
permite, ainda, isolar a figura da promessa por morte: o contrato celebrado entre o
promissrio e o promitente, a favor de um terceiro, com a especial caracterstica de a promessa
dever ser efetuada aps a morte do promissrio. O n.2 versa a hiptese de o terceiro morrer
antes do prprio promissrio, altura em que os herdeiros deste so chamados titularidade da
promessa.
Relaes bsica e de atribuio; a prometibilidade a terceiro: celebrando um contrato a favor
de terceiros, surgem duas relaes jurdicas:
- uma relao bsica ou de cobertura; entre o promitente e o promissrio, partes no
contrato;
- uma relao de atribuio ou de valuta: entre o promitente e o terceiro.
A relao bsica estabelece:
- as posies relativas do promitente e do promissrio: pode haver uma relao onerosa,
uma relao sinalagmtica ou uma situao diversa;
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46. - O Regime
O ltimo ponde, que corresponde linha de interpretao preconizada para o artigo 392., n.2,
permite excluir, deste domnio, as situaes de pura obsequiosidade. Fora disso, quando
exeram a autonomia privada, os contratos a favor de terceiros so possveis e vlidos mesmo
quando o promissrioprossiga interesses estticos, inconfessveis(desde que no haja
ilegalidade ou atentado aos bons costumes) ou, at, ignotos para o prprio (desde que no haja
erro). A exigncia de interesse digno de proteo legal visa, apenas, chamar a ateno para a
necessidade de um efetivo exerccio das prerrogativas jurgenas. O promissrio tem as
pretenses seguintes:
- a de exigir, em geral, do promitente, a efetivao da promessa ao terceiro, excepto de
outra tiver sido a vontade dos contraentes (444., n.2);
- a de exigir, especificamente, do promitente, a exonerao do promissrio de uma
dvida perante terceiro, quando esse seja o contedo da promessa; nessa altura, apenas o
promissrio pode exigir o cumprimento da promessa.
Alm disso, cumpre ainda reconhecer, ao promissrio, outras pretenses:
- a de exigir, ao promitente, as prestaes ou outras vantagens que, porventura, lhe
possam advir da relao bsica (045.);
- a de dispor do direito prestao ao terceiro ou de autorizar a sua modificao (446.,
n.1 a contrario e 448., n.1, 1. parte);
As aludidas pretenses do promissrio conservam-se ainda quando a prestao agendada com
o promitente seja a favor de um conjunto indeterminado de pessoas ou no interesse pblico
(445.). O exerccio, pelo promissrio, da pretenso de exigir a prestao ao terceiro tem uma
estrutura fiduciria. Embora, como abaixo ser referido, ele exera um direito prprio, deve
faz-lo no interesse do terceiro beneficirio: de outro modo, o direito deste no teria significado,
podendo ser inutilizado, na prtica. Caber ao promissrio, no mbito dos deveres acessrios
que tudo isto origina, orientar devidamente a sua atuao.
A posio do terceiro: o terceiro adquire, pelo contrato a seu favor, imediatamente, o direito
prestao: independentemente da aceitao. Na hiptese de lhe dever ser feita uma prestao,
mas sem que o inerente direito lhe tenha sido atribudo: teremos um contrato a favor de terceiro
no autntico. A precisa determinao do direito de terceiro, com a concluso de saber se se
trata de um efetivo contrato a favor de terceiro, depende do que tenha sido estipulado e da
interpretao do contrato. Alguma doutrina salienta a necessidade de se apurar a inteno de
atribuir o direito ao terceiro. No h, todavia, nenhuma inteno diferente da que preside a
qualquer negcio jurdico. O sentido a favor de terceiro resultar das regras comuns da
interpretao, tal como emergem do artigo 236., n.1. No entanto, h que ter presente a regra
do artigo 237.: tendo a (eventual) prestao a terceiro elementos de gratuitidade, prevalecer,
na dvida, a interpretao mais favorvel ao disponente. Pode, da, retirar-se que o fator
direito do terceiro, que no retribui, deve ser claramente expresso, no negcio de base.
Perante um contrato a favor de terceiro, o beneficirio pode rejeitar ou aderir promessa (447.,
n.1) ou, ainda, nada fazer. A lei dispe o seguinte:
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Noo e origem: contrato para pessoa a nomear aquele cujos termos permitem que uma das
partes tenha o direito de designar um terceiro que encabece os direitos e as obrigaes deles
derivados. Num primeiro tempo, o contrato concludo entre duas partes: uma delas pode,
porm, indicar um terceiro que ir ocupar o seu lugar. Na linguagem deste subsetor, usa-se a
seguinte terminologia:
- promitens: a parte firme (o promitentes);
- stipulans: a parte que pode nomear um terceiro, para ocupar o seu lugar (o estipulante);
- amicus: o terceiro;
- eligendus: o amicus, antes de ter ocorrido a sua nomeao;
- electio ou electio amici: a escolha ou a escolha do amigo ou terceiro, para ocupar o
lugar definitivo no contrato;
- electus ou amicus electus: o terceiro nomeado, que passa a parte definitiva, no
contrato;
- facultas amicum eligendi: a faculade de designar o terceiro ou o amicus, para integrar
o contrato.
A figura do contrato para pessoa a nomear era desconhecida no Direito Romano. Dada a
natureza especfica das obrigaes e o envolvimento pessoal das partes, repugnava ao esprito
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Funes e figuras afins: contrato para pessoa a nomear servir, naturalmente, as funes que
as pessoas, nele partes, hajam por convenientes. Estamos no campo do Direito privado. Todavia,
para efeitos de interpretao, podemos apontar-lhe algumas funes tpicas:
- discrio: certas figuras pblicas no podem surgir em pblico sem serem incomodadas;
a presena de procuradores, atuando em seu nome, nem sempre resolve o problema;
- vantagem negocial: o resguardo de conhecidos comerciantes ou intermedirios pode
evitar perturbaes no mercado;
- negociao em dois tempos: um adquirente pode reservar-se a faculdade de manter o
bem para si ou de o passar a outrem;
- rapidez: pretendendo concluir um negcio por conta de outrem e no tendo podere
de representao, o agente pode recorrer ao contrato para pessoa a nomear como modo
expedito de, mais tarde, se redocumentar;
- benefcio fiscal: a alternativa para uma contratao por conta de outrem, sem
representao, o mandato; este obriga a uma dupla transmisso, com duplicao fiscal; este
aspeto, conquanto que tradicional, tem vindo a perder o peso merc do cerco fiscal s diversas
facilidades.
O contrato para pessoa a nomear ocupa, em sobreposio, funes que podem ser asseguradas
por outros institutos. Todavia, no e confunde com eles. distinto:
- da representao: nesta, os efeitos produzem-se imediata e automaticamente na
esfera do representado e no, num primeiro momento, na do representante requerendo uma
atuao especfica para passar do representado;
- da representao sem poderes: o representante atua em nome e por conta do
representado, embora lhe faltem os poderes; no contrato para pessoa a nomear, o stipulans
age em nome prprio;
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Regime e efeitos: a clusula a pessoa a nomear consta, em princpio, do prprio contrato que
a contenha. Nada obsta a que se insira num texto parte ou, at, subsequente: revestir, todavia,
a forma exigida para o contrato em si: procedem as mesmas razes justificativas, nos termos do
artigo 221., n.2 e isso alm da regra incontornvel do 262., n.2, quanto forma da
procurao. Nem todos os contratos comportam semelhante clusula: o artigo 452., n.2 exclui:
- os casos em que no admitida a representao;
- aqueles em que a determinao dos contraentes indispensvel.
A representao , hoje, universalmente admitida; mesmo no casamento (1600.), desde que
se indique, na procurao, o outro nubente e a modalidade do casamento. J a determinao
dos contratantes obedece a critrios vrios. Podemos apontar:
- negcios intuitu personae em que as qualidades pessoas da contraparte sejam
essenciais;
- negcios de tipo no-patrimonial;
- negcios em que os valores subjacentes impliquem a imediata indicao do
contratante em jogo.
Caso a caso haver que ponderar os aspetos envolvidos. Concludo o contrato para pessoa a
nomear, inicia-se um procedimento que poder culminar na colocao do amicus na posio do
stipulans. Temos a sequncia seguinte:
- concluso do contrato;
- concordncia do amicus;
- electio.
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Natureza: resta-nos fixar a natureza jurdica do contrato para pessoa a nomear: uma
oportunidade para precisar alguns dos aspetos dogmticos em presena. Trata-se de um tema
particularmente discutido em Itlia, tendo sido apresentadas as teorias seguintes:
- teoria da condio: presente no nosso Guilherme Moreira e dominante na doutrina
portuguesa, o contrato para pessoa a nomear seria o contrato definitivo sujeito a uma dupla
condio: resolutiva quando aquisio pelo estipulante e suspensiva quanto aquisio pelo
amicus. Todavia, ela no d corpo s valoraes em jogo. O contrato no concludo tendo em
vista algo de incerto quanto sua verificao: ele antes visa, funcionalmente, a electio e a
colocao, por essa via, de um contratante final no negcio. Alm disso, ele escapa ao
automatismo prprio da condio. O regime desta, quando apropriado, pode, todavia, ser
invocado e qui, aplicado, em certos pontos, por analogia;
- teoria do duplo contrato: muito conhecida pela sua defesa por Enrieti, descobre no
contrato para pessoa a nomear, dois contatos:
- um contrato entre o promitens e o stiuplans;
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Eficcia jurdica; situao e modelo de deciso: h eficcia jurdica quando algo ocorra no
mundo do Direito, isto , sempre que se verifiquem determinadas consequncias nas quais,
atravs de critrios reconhecidos, ainda que discutveis, seja possvel apontar as caractersticas
da juridicidade. As consequncias juridicamente relevantes so sempre respeitantes a pessoas:
sem Humanidades, no h cultura, no h Cincia e logo Direito. Assim sendo, a eficcia jurdica
reporta-se, de modo necessrio, a situaes jurdicas. A situao jurdica, por seu turno, resulta
de uma deciso jurdica, ou seja, assume-se como o ato e o efeito de realizar o Direito,
solucionando um caso concreto. A deciso jurdica uma deciso humana, em sentido cognitivovolitivo: implica Cincia ou seja arbitrria e implica opo ou surgiria automtica. A opo,
ainda que pressupondo sempre uma margem maior ou menor de manobra, baseia-se em fatores
colhidos nas fontes e que, por se mostrarem aptos a infletir a vontade humana, se apresentam
como argumentos em sentido prprio. Os argumentos relevantes perante cada caso concreto
concatenam-se, com as suas conexes, os seus valores e o seu peso relativo, em modelos de
deciso, isto , em complexos articulados que habilitem o intrprete-aplicador a decidir com
legitimidade. A eficcia jurdica resulta, assim, afinal, de modelos de deciso, emergindo estes
de argumentos, o que dizer, dos fatores que componham um regime jurdico-positivo aplicvel.
Estudar a eficcia jurdica implica o levantamento, a anlise e a explicao dos regimes que a
ditem e a justifiquem. Numa linguagem tradicional - e prevenindo, pelas explicaes acima
alinhadas, o perigo de retrocessos conceptuais ou subsuntivo poder-se-ia dizer eu a eficcia
jurdica o produto da aplicao de regras jurdicas (normas e ou princpios). O ponto de partida
para o estudo dogmtico do Direito civil h-de, em quaisquer circunstancias ser constitudo pela
eficcia jurdica e no por normas ou fontes. Convm, efetivamente, ter presente que todo o
esforo desenvolvido pela Cincia Jurdica, a partir dos finais do sculo XX, para superar o
irrealismo metodolgico, assenta na natureza constitutiva dessa mesma Cincia e no facto, hoje
j no discutvel, de apenas no caso concreto decidido aparecer o verdadeiro Direito.
Transmisso e sucesso: ainda que discutvel, pode-se operar uma distino entre
transmisso e sucesso, integrando ento esta apenas um conceito amplo de transmisso. Na
transmisso, verifica-se a passagem de uma situao jurdica da esfera de uma pessoa, para a
de outra: na sucesso, ocorre a substituio de uma pessoa por outra, mantendo-se esttica
uma situao jurdica a qual, por isso, estando inicialmente na esfera de uma pessoa, surge,
depois da troca, na de outra. Aparentemente idnticas, nos seus resultados, transmisso e
sucesso acabariam, no entanto, por implicar eficcias diferentes, donde o seu particular
interesse: na transmisso, a situao transferida poderia sofrer certas alteraes de elementos
circundantes, enquanto na sucesso, ela manter-se-ia totalmente idntica. A base legal de
distino reside, sobretudo, na contraposio dos regimes da sucesso na posse e da acesso
da posse, consagrados nos artigos 1255. e 1256. do Cdigo Civil. Havendo sucesso a posse,
segundo o artigo 1255., esta continua nos sucessores, independentemente da apreenso
material da coisa: ela mantm todas as suas caractersticas e dispensa qualquer manifestao
de vontade ou atuao similar especfica. Pelo contrrio, na transmisso referida no artigo
1256., a posse pode mudar de caractersticas pode ter natureza diferente e depende, na
sua continuidade, de uma manifestao de vontade do transmissrio.
Eficcia pessoal, obrigacional e real; outros tipos: a eficcia pode ainda classificar-se
consoante a natureza das situaes jurdicas a que se reporte. Assim, h eficcia pessoal quando
a situao jurdica que se constitua, transmita, modifique ou extinga no tenha natureza
patrimonial. A eficcia revela-se obrigacional sempre que tenha dessas quatro vicissitudes se
reporte a situaes obrigacionais e real quando tal ocorra perante situaes prprias de coisas
corpreas. Nalguns casos, a lei refere expressamente a eficcia real por exemplo, o artigo 413.
- ou obrigacional artigo 1306., in fine (natureza obrigacional); noutros apenas uma
ponderada considerao de cada caso poder elucidar a natureza da situao. Ainda de acordo
com a natureza das situaes em jogo, outros tipos de eficcia podem ser isolados.
O papel dos factos jurdicos: a deciso constitutiva do Direito, que solucione o caso concreto,
opera uma sntese entre os elementos normativos que compem o modelo de deciso e os
factos subjacentes nele envolvidos. Embora a fonte da produo de efeitos portanto, de
eficcia s possa residir na vontade do intrprete-aplicador, no restam dvidas de que esta
acompanha certos factos, mais precisamente os factos que o Direito considere relevantes e aos
quais, por isso, entenda associar determinados efeitos. So os factos jurdicos, classicamente
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Negcios inter vivos e mortis causa: numa primeira abordagem, os negcios inter vivos
destinam-se a produzir efeitos em vida dos seus celebrantes. Os negcios mortis causa, pelo
contrrio, manifestar-se-iam apenas depois da morte do seu autor. Esta simplicidade no
satisfaz. As partes, ao abrigo da sua autonomia privada, podem estipular que os seus negcios
produzam efeitos com a morte de algumas delas. No obstante, o negcio inter vivos por
assentar num tipo de regulao primacialmente destinado a reger relaes inter vivos. O
verdadeiro negcio mortis causa intrinsecamente concebido pelo Direito para reger situaes
jurdicas desencadeadas com a morte de uma pessoa. Em termos prticos, ele regulado pelo
Direito das sucesses. De novo h, pois, que partir dos efeitos, para explicar esta contraposio.
A distino tem um particular relevo, no tocante aos regimes aplicveis. O negcio mortis causa
no tem preocupaes de equilbrio, uma vez que surge como liberalidade, e assenta no valor
fundamental da vontade do falecido o de cuis. Na mesma linha, ele no envolve, de modo
geral, um problema de confiana dos destinatrios que, por isso, caream de proteo. Implica,
assim, regras prprias de interpretao e de aplicao, estranhas generalidade dos negcios.
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Outras modalidades: o Direito vigente e a autonomia das partes promovem ainda numerosas
outras modalidades de negcios jurdicos. Nuns casos, elas podero apresentar um relativo grau
de generalidade, surgindo em vrias disciplinas jurdicas; noutros surgiro particularmente
acantonadas em determinadas reas normativas. Essas modalidades iro surgir medida que se
desenrole a matria. No entanto e pela sua relevncia faz-se, de seguida, breve meno a
duas delas: negcios parcirios e negcios aleatrios. Um negcio diz-se parcirio quando
implique a participao dos celebrantes em determinados resultados. Um negcio aleatrio
quando, no momento da sua celebrao, sejam desconhecidas as vantagens patrimoniais que
dele derivem para as partes. Repare-se contudo que esse desconhecimento, que d a margem
de lea, deve ser da prpria natureza do contrato, em moldes tais que ele no faa sentido de
outra forma. A preciso necessria porque qualquer negcio implica sempre flutuao ou
riscos, em funo das margens de lea que no se podem nunca evitar. Tais negcios so
celebrados, dentro dum esquema de normalidade social, no entanto, no pela lea que possam
implicar, mas antes pela predeterminao das vantagens que impliquem.
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Negcios inter vivos e mortis causa: numa primeira abordagem, os negcios inter vivos
destinam-se a produzir efeitos em vida dos seus celebrantes. Os negcios mortis causa, pelo
contrrio, manifestar-se-iam apenas depois da morte do seu autor. Esta simplicidade no
satisfaz. As partes, ao abrigo da sua autonomia privada, podem estipular que os seus negcios
produzam efeitos com a morte de algumas delas. No obstante, o negcio inter vivos por
assentar num tipo de regulao primacialmente destinado a reger relaes inter vivos. O
verdadeiro negcio mortis causa intrinsecamente concebido pelo Direito para reger situaes
jurdicas desencadeadas com a morte de uma pessoa. Em termos prticos, ele regulado pelo
Direito das sucesses. De novo h, pois, que partir dos efeitos, para explicar esta contraposio.
A distino tem um particular relevo, no tocante aos regimes aplicveis. O negcio mortis causa
no tem preocupaes de equilbrio, uma vez que surge como liberalidade, e assenta no valor
fundamental da vontade do falecido o de cuis. Na mesma linha, ele no envolve, de modo
geral, um problema de confiana dos destinatrios que, por isso, caream de proteo. Implica,
assim, regras prprias de interpretao e de aplicao, estranhas generalidade dos negcios.
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Outras modalidades: o Direito vigente e a autonomia das partes promovem ainda numerosas
outras modalidades de negcios jurdicos. Nuns casos, elas podero apresentar um relativo grau
de generalidade, surgindo em vrias disciplinas jurdicas; noutros surgiro particularmente
acantonadas em determinadas reas normativas. Essas modalidades iro surgir medida que se
desenrole a matria. No entanto e pela sua relevncia faz-se, de seguida, breve meno a
duas delas: negcios parcirios e negcios aleatrios. Um negcio diz-se parcirio quando
implique a participao dos celebrantes em determinados resultados. Um negcio aleatrio
quando, no momento da sua celebrao, sejam desconhecidas as vantagens patrimoniais que
dele derivem para as partes. Repare-se contudo que esse desconhecimento, que d a margem
de lea, deve ser da prpria natureza do contrato, em moldes tais que ele no faa sentido de
outra forma. A preciso necessria porque qualquer negcio implica sempre flutuao ou
riscos, em funo das margens de lea que no se podem nunca evitar. Tais negcios so
celebrados, dentro dum esquema de normalidade social, no entanto, no pela lea que possam
implicar, mas antes pela predeterminao das vantagens que impliquem.
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Invalidades e Ineficcia
A ineficcia e a sua evoluo: a ineficcia dos negcios jurdicos traduz, em termo gerais a
situao na qual eles se encontram quando no produzam todos os efeitos que dado o seu teor,
se destinariam a desencadear Trata-se da ineficcia em sentido prprio ou amplo, a qual
abrange a desencadear. Trata-se da ineficcia em sentido prprio ou amplo, a qual abrange as
diversas invalidades. A definio apresentada muito genrica: ela no deixar de agrupar uma
multiplicidade de situaes diversificadas. Agrava-se, neste domnio, a tendncia sempre
presente para, da parte geral do Direito Civil, fazer algo de atemporal; apenas nas ltimas
dcadas tm sido feitos esforos para situar historicamente a problemtica da ineficcia. Como
ponto de partida, pode assentar-se no seguinte: os negcios jurdicos no produzem, sempre,
os efeitos que se destinem a produzir porque a autonomia privada duplamente limitada. Em
termos extrnsecos, ela cede perante a lei, que apenas a reconhece dentro de determinadas
fronteiras; em moldes intrnsecos, ela pode ser deficientemente exercida pelas partes que,
sendo falveis, vo, por vezes, falhar na tentativa de configurar situaes jurdicas. Assim sendo,
torna-se natural que o tema da ineficcia acompanhe sempre o da prpria negociabilidade
privada. No Direito Romano, apareceria j a referncia a nullum para designar, em certos casos,
a no produo de efeitos negociais; no houve, contudo, qualquer generalizao da figura.
Alm disso, a nulidade era sumariamente aproximada duma ideia de inexistncia de tipo fsico;
apenas uma longa evoluo permitiria o acesso a um plano puramente jurdico. No perodo
medieval tambm no se deixa localizar uma doutrina, nesse domnio; os prprios humanistas,
dotados j de instrumentalizao sistemtica, no lograram ir mais longe. A escola do Direito
natural, designadamente graas sua vertente central dedutivstica e generalizadora, foi
acumulando o material que permitiria transcender esse estado de coisas. A Savigny o mrito de
ter apresentado e divulgado um quadro geral de ineficcias, quadro esse que condicionaria toda
a evoluo posterior da matria, at s codificaes tardias, atravs da pandectstica e, em
especial, de Windscheid. Apenas luz do Direito romano atual - e, portanto, das fontes
romanas tratadas pelos quadros da terceira sistemtica foi possvel aprofundar ideias como a
da invalidade dos negcios. O tema da ineficcia ou da impugnabilidade dos negcios
apresentou, no princpio do sculo XIX, uma grande capacidade de absoro. Ele abrangia, deste
modo, situaes que se reportavam:
- ilicitude dos atos;
- a vcios genticos dos negcios;
- a ocorrncias posteriores que ditassem a cessao de certos efeitos;
- incompletude dos processos de produo negocial;
- a esquemas processuais destinados a deter o andamento das aes.
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Esclarecemos que, pela nossa parte, no reconhecemos a figura da inexistncia como vcio
autnomo. A incluso da invalidade numa ineficcia em sentido amplo corresponde tradio
de Windscheid e parece, em si, bastante clara: assenta na ideia global da no-produo de
efeitos. A reduo dos casos de ineficcia invalidade e ineficcia estrita e, designadamente,
a excluso da inexistncia j suscitam, no entanto, algumas dvidas, a que ser feita, depois,
referncia explcita. Outros quadros so possveis, tendo sido apresentados, entre ns2, como
no estrangeiro. Em ltima instncia, apenas a capacidade para transmitir um determinado
regime jurdico-positivo poder servir de bitola para ajuizar as vantagens ou desvantagens de
cada um deles. Atualmente perfila-se uma certa tendncia para abdicar de cuidados quadros
gerais introdutivos, a favor da explanao das diversas figuras em jogo. Pode, de facto, admitirse que, geradas embora num ambiente jusracionalistico central, as diversas formas de ineficcia
e tenham constitudo como tipos dotados de relativa autonomia, desenvolvidos na periferia e,
nessa medida, insuscetveis de suportar classificaes geomtricas. Nessa linha, ser mais
oportuno falar em tipologia de ineficcia do que na sua classificao. Outras distines por vezes
frequentes, distinguem-se as ineficcias totais das parciais, consoante o negcio jurdico fosse
atingido no seu todo ou apenas nalguma ou nalgumas das suas clusulas e as iniciais das
supervenientes, conforme atinjam o negcio nascena, ou derivem de posteriores alteraes
legislativas. Trata-se, no entanto, de aspetos que melhor ficam ponderados atravs dos diversos
tipos de ineficcia.
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O Regime
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Evoluo geral e sentido atual: A boa f surge referida no Cdigo Civil portugus vigente em
setenta artigos, dispersos pelos seus cinco livros. Institutos parcelares, de ndole muito variada,
tm-na em conta e fazem dela o seu cerne. As razes desse emprego multifacetado e o seu
sentido atual s so compreensveis perante a evoluo geral do instituto ao longo da Histria.
Das questes em causa pode, to s, dar-se aqui um breve apanhado. No incio encontra-se a
fides romana, do perodo arcaico. Em termos semnticos, ela tinha, ento vrias acees: sacras,
expressas no culto da Deusa Fides e patentes em sanes de tipo religioso contra quem
defraudasse certas relaes de lealdade; fticas, presentes em garantias de tipo pessoal,
prestadas pelos protetores aos protegidos; ticas, expressas nas qualidades morais
correspondentes a essas mesmas garantias. As dvidas levantadas por estas proposies
levaram os especialistas a uma reconstruo histrica do tema a partir de aplicaes concretas.
Verificou-se, assim:
- uma fides-poder, prpria das relaes entre o patronus e o cliens, que evoluiu para a
virtude do mais forte;
- uma fides-promessa, caracterstica de quem assumisse determinada adstrio que,
centrada primeiro num ritual exterior, progride depois para a ideia de respeito pela palavra dada;
- uma fides-externa, que sujeitava os povos vencidos ao poder de Roma.
Esta evoluo da fides antiga permite documentar trs pontos: ela perde fora significativa,
como a prova a sua presena em situaes diversas e, at, contraditrias; ela conheceu uma
utilizao pragmtica, sem preocupaes teorticas; ela traduz um divrcio entre a linguagem
comum e a linguagem jurdica. No limite a fides aparece sem um sentido til preciso,
transmitindo uma vaga ideia apreciativa. Estava, assim, disponvel para dar cobertura a
inovaes jurdicas. O Direito romano assentava em aes. Nele, o prottipo da situao jurdica
ativa era protagonizado no por um direito subjetivo, mas por uma actio: a pessoa que
pretendesse uma tutela jurdica dirigia-se ao pretor e solicitava uma ao; este quando
entendesse o pedido juridicamente justificado, concedia a actio, expressa numa frmula,
dirigida ao juiz, segundo a qual, se se provassem determinados factos alegados pelo autor
interessado, o ru deveria ser condenado; no caso negativo, seguir-se-ia a absolvio. As
actiones dadas pelo pretor, mesmo quando de origem consuetudinria, baseavam-se em leis
expressas. Chegou-se, assim, a um esquema formal, bastante rgido, incapaz de se adaptar e de
enquadrar situaes econmico-sociais inteiramente novas. O bloqueio tornou-se claro quando
as conquistas romanas atravs do Mediterrneo vieram colocar o Direito perante tarefas
inteiramente novas, designadamente nas reas das trocas comerciais. O pretor interveio: em
casos particulares, ele veio conceder aes sem base legal expressa, assentes, simplesmente, na
fides, precedida do adjetivo bona fides ou boa f. A inovao deve-se, provavelmente, ao prprio
Quintus Mucius Scaevola apontado como o primeiro cientista do Direito, no sculo I a.C. e
permitiu criar, enquanto bonae fidei iudicia, figuras como a tutela, a sociedade, a fidcia, o
mandato, a compra e venda e a locao. Nos sculo subsequentes, a lista foi aumentando. As
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Concretizaes da boa f objetiva; os princpios mediantes: a boa f objetiva concretizase, essencialmente, em cinco institutos, todos de filiao germnica:
- a culpa in contrahendo artigo 227., n.1;
- a integrao dos negcios artigo 239.;
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