Traficantes Do Excêntrico
Traficantes Do Excêntrico
Traficantes Do Excêntrico
EXCNTRICO
os antroplogos no Brasil
dos anos 30 aos anos 60
Mariza Corra
"Perhaps the first thing that strikes the sociologist is that anthropologists are a tribe."
(D. MacRae., 1974)
"Plus gnralement, la photographie peut tre le prtexte une libration de l'imagination, ou le plus
souvent une tentative de compensation pour ceux qui ne peuvent plus vivre que par le souvenir, et la
tentation du bovarysme lorsqu'on ne peut accder au dpaysement en premire personne."
(R. Castel, em Bourdieu, 1965)
Talvez seja uma ironia adequada a esta disciplina que se quer uma cincia do
outro que ela tenha criado, em quase toda parte, tradies antropolgicas nacionais
fundadas por estrangeiros: Franz Boas nos Estados Unidos, Curt Nimuendaju no Brasil,
Bronislaw Malinowski na Inglaterra. Seja como for que estrangeiro definido, de certa
maneira, integrantes dessa tribo, somos todos estrangeiros (o que no o mesmo que
dizer, como Clifford Geertz, que "somos todos nativos"). Cada antroplogo que conta
sua histria pessoal relembra como veio de um outro campo do saber, de uma outra
regio de seu pas, ou de outro, ou como perdeu qualquer outra referncia inicial que
possua. Conta, em suma, como um desenraizado, um ex-cntrico (1). Ironias de uma
tribo que talvez se defina, afinal, por pretender no pertencer a nenhuma outra que no a
antropolgica.
No caso brasileiro, se acrescenta ainda a esta ambigidade, s vezes uma
harmonia, s vezes um descompasso, entre como pensamos' e como nos pensam'. A
trajetria brasileira da disciplina , mais do que costumamos registrar explicitamente,
parte tanto de seu percurso internacional, quanto do imaginrio dos antroplogos em
geral: lembrando de novo o exemplo de Geertz, de Lvi-Strauss que ele est falando
quando escreve "mito brasileiro" ao invs de seu nome (1983, p. 150). E, assim como os
antroplogos inventaram "tradies tribais" para povos entre os quais elas no faziam
sentido (Cf. Ranger, 1984), costumam criar e re-criar as suas prprias: como diz Kuper,
para toda uma gerao, "a Antropologia Social nasceu em 1914 nas Ilhas Trobriand"
(1978, p. 11).
As tradies aqui inventadas, se no o foram apenas por estrangeiros, tiveram
uma forte participao deles nessa inveno: se olharmos atentamente o mapa
etnolgico de Curt Nimuendaju, quase poderemos ver as sombras dos pesquisadores
que as estudaram projetando-se sobre os contornos das comunidades indgenas por eles
estudadas at a dcada de 40, projeo que nos ajudaria mais, entretanto, a entender a
distribuio deles, pesquisadores, num territrio disciplinar comum, do que a de seus
objetos de interesse. Mas isto seria ainda apenas um esboo dos incios de uma
disciplina que se apropria, talvez indevidamente, de uma histria que no exatamente,
ou inteiramente, a sua. Ainda que grosseiro, este esboo ou rascunho indicaria que boa
parte do contedo que se manteve em vigncia no interior do que hoje chamamos de
Antropologia, desde este incio mtico, o fez de certa forma incorporando as
informaes a contidas, como se fosse um precipitado delas. No sem interesse
lembrar que o outro ramo mtico da disciplina, o dos estudos sobre negros, tem como
heri fundador Raimundo Nina Rodrigues: desse cruzamento entre nativos que se
interessavam pelo estudo de estrangeiros (os "colonos negros" como os chamava o
mdico maranhense) e estrangeiros que se interessavam pelos nativos, nasceu a tradio
antropolgica no Brasil. Antes de avaliar a harmonia e o descompasso mencionados, de
analisar o dilogo mantido pelos antroplogos entre si nesses anos todos, convm
entender um pouco melhor como se distribuam no pas os integrantes dessa `tribo'.
Algumas imagens podem ajudar a circunscrever os espaos e os personagens de
uma histria difcil de recuperar no detalhe em todas as regies do pas: diferindo no
singular, os antroplogos se reconheciam no plural em alguns momentos ou certas
situaes que, certamente no por acaso, esto registrados nas (mesmas) fotografias que
vrios deles exibiram no decorrer da pesquisa. Algumas dessas fotos vo ser lembradas
aqui justamente porque expressam bem alguns daqueles momentos na histria da
disciplina, de certa maneira concentrando instantes de uma realidade que s aos poucos
pode ser recuperada por quem no a viveu. Os trs momentos so, eles mesmos,
exemplares: nas dcadas de trinta e quarenta, com a chegada do cinema falado (como
lembra Almir de Castro, 1977), entrou tambm no pas a modernidade da lngua inglesa
belas cartas de amigos de Eduardo Galvo, dos Estados Unidos durante a Segunda
Guerra, sugerem o impacto do modo de vida norte-americano sobre os brasileiros, assim
como o registram os cronistas da poca; na dcada de cinqenta, o esprito de
desenvolvimento vigente no pas se expressou tambm na institucionalizao ds
cincias sociais e, na dcada seguinte, muitas das iniciativas dos anos anteriores
amadureceram, no obstante os obstculos polticos conhecidos.
Roberto Da Matta (1985) chamou a ateno recentemente para uma foto de 1939
num artigo to interessante pelo que diz quanto pelo que deixa de dizer. Nela aparecem,
da esquerda para a direita, Claude Lvi-Strauss, Ruth Landes, Charles Wagley, Helosa
Alberto Torres, Lus Castro Faria, Raimundo Lopes e dison Carneiro (Foto 1). Tirada
no Jardim da Princesa (2), no Museu Nacional, a foto parece emblemtica pela `troca de
guarda' que sinaliza tanto quanto pela posio ocupada pelos retratados, enfatizada por
Matta e levemente alterada em outra (Foto 2).
Lvi-Strauss, e com ele muitos outros integrantes das vrias misses francesas
que para c vieram na poca, estava deixando o Brasil, logo aps uma viagem de
pesquisa que teria importncia marcante no seu trabalho e do qual participaram dois
outros antroplogos, um deles presente na foto (Castro Faria) (3). Ao voltar por escrito,
com o sucesso do estruturalismo na dcada de 60, teria passado por outra influncia
decisiva no seu pensamento, em sua estada nos Estados Unidos durante e logo aps a
Segunda Guerra, influncia que, a partir da, seria notvel tambm no Brasil (4). Os dois
outros estrangeiros fixados pela cmera brasileira, Ruth Landes e Charles Wagley,
vindos de Columbia, aparentemente atendiam a um apelo feito por dona Helosa a Boas
(Wagley, 1977),no sentido de enviar pesquisadores treinados ao pas: no eram os
primeiros antroplogos norte-americanos a chegar e no seriam os ltimos, mas foi
nessa poca que a sua vinda se intensificou.
Helosa, eleita para a primeira diretoria da ABA, como integrante de seu Conselho
Cientfico.
O outro antroplogo carioca reconhecido na poca e autor de um antigo Guia de
Antropologia (1915), Edgard Roquette-Pinto, que fora diretor do Museu Nacional antes
de dona Helosa (de 1926 a 1935), tambm mantinha relaes com os intelectuais
paulistas: Mrio de Andrade recomendava o uso de sua "maquininha" em 1938, para
expedies etnogrficas, e Fernando de Azevedo escreveu um sentida necrolgico, em
que lembrava os passeios de ambos no "pequeno e velho Ford" de Roquette, a procura
de um lugar para o Instituto de Educao (10). Mas, nessa poca, ele estava j
interessado e muito envolvido com o projeto do Instituto nacional de Cinema Educativo
que organizou em 1937 e do qual foi o primeiro diretor.
Fora do eixo central do pas, em regies onde as Faculdades de Filosofia se
instalariam mais tarde, seguindo aqueles modelos, e dependendo da regio, a
concentrao daqueles que seriam depois definidos ou reconhecidos como antroplogos
estava em torno de um museu (caso do Museu Paraense Emilio Goeldi, por exemplo, de
tradio antiga), de um personagem (como Gilberto Freyre, j nessa poca personagem
nacional em Pernambuco), ou de um movimento (o da defesa do folclore, de Cmara
Cascudo, em Natal, ou os Congressos Afro-Brasileiros, no Recife, em 1934, organizado
por Gilberto Freyre, e na Bahia, em 1937, organizado por dison Carneiro). Que essas
instituies, pessoas ou grupos eram os pontos de referncia de uma territrio
antropolgico implicitamente reconhecido so testemunhos os depoimentos daqueles
que vinham de fora dele, como os antroplogos estrangeiros, ou os antroplogos nativos
em sua circulao interna: esses pontos, mencionados por todos, vo assim desenhando
o perfil de um grupo que se reconhecia, ainda que no se definisse explicitamente como
tal, nos anos trinta e quarenta.
Essa explicitao se faria na dcada de cinqenta, com a fundao da Associao
Brasileira de Antropologia, durante a Segunda Reunio Brasileira de Antropologia., em
Salvador, em 1955 (11). Diz a apresentao de seus Anais:
Em dois aspectos diferiu nitidamentea primeira da segunda Reunio. Enquanto
aquela forainiciativa do Museu Nacionale se realizara sob o patrocnio do Ministrio
de Educao e Cultura por intermdio da Reitoria da Universidade do Brasil, a ltima
j foi uma iniciativa dos prprios antropologistas ali reunidos, marcando a tendncia
constituio de um rgo profissional que no se organizou formalmente na ocasio
devido a dificuldade de encontrar uma frmula satisfatria, mas que veio a constituirse na reunio da Bahia. (...)
"Apesar de funcionar, em parte, com o carter de congresso, a Reunio no se perdeu
em formalismos ou convencionalidades que, tantas vezes, afetam as assemblias
cientficas; teve, antes, o cunho de um seminrio, de uma troca informal de
experincias e conhecimentos, de um esforo de colaborao, entre os participantes,
para o progresso dos estudos antropolgicos e para a criao de uma conscincia
profissional entre os antropologistas brasileiros" (Anais, 1957, nfase adicional).
Estavam na reunio "47 antropologistas e estudantes", alguns presentes na foto
de uma das sesses (Foto 3). Na primeira fila, da esquerda para a direita, estavam
Thales de Azevedo, Camilo Cecchi, Froes da Fonseca, Castro Faria e Darcy Ribeiro; na
segunda, Herbert Baldus, Charles Wagley, Carlos Eduardo da Rocha e Consuelo Pond;
na terceira, Harry Hutchinson, Carmelita Junqueira Alves Hutchinson, Josildeth da Silva
Gomes (Consorte) e Egon Schden. Nessa foto meio apagada, o professor Thales de
Azevedo reconheceu ainda Maria Thetis Nunes e Lygia Estevo "de Oliveira (12). O
grupo se ampliara desde 1939, mas s a partir da Terceira Reunio (1958), seus
para Braslia, ficou no Museu Nacional; Darcy Ribeiro deixaria a Diviso de Estudos e
Pesquisas Sociais do Centro, para trabalhar na implantao da Universidade de Braslia,
em 1962.
O impulso dado Antropologia no Rio de Janeiro com os cursos dados por
ambos no Museu do ndio, primeiro, no CBPE depois continuados por Cardoso de
Oliveira no Museu e, por um perodo extremamente curto estimulados por Darcy
Ribeiro em Braslia fez com que repercutissem mais l do que em So Paulo as
influncias das instituies paulistas, j que muitos dos formados sob esta influncia
foram convidados a participar daquelas experincias. Em So Paulo, dada a grande
expanso da Sociologia do que um bom ndice o nmero de teses de mestrado e
doutorado defendidas na dcada de 60 (35, por contraste com as 5 de Antropologia) a
disciplina se desenvolveu, a nvel institucional, mais lentamente. Se observarmos o
elenco da diretoria e do Conselho da ABA hoje, no entanto, veremos que boa parte de
seus integrantes cariocas que passaram pelos cursos promovidos nas dcadas de 50 e 60
ou, mais tarde, pela ps-graduao do Museu Nacional, ou completaram a sua formao
no exterior ou se doutoraram pela USP na dcada de 70. Isto , na dcada de 60, os
profissionais nascidos entre os anos 30 e 40 estavam ento iniciando sua carreira como
estudantes; os docentes e pesquisadores nascidos entre os anos 20 e 30 concluam sua
formao, mais freqentemente no pas do que no exterior (28). Eduardo Galvo (19211976) parece ter sido o nico antroplogo de sua gerao a obter o ttulo de Doutor fora
do pas (em Columbia, em 1952), o que, na gerao de seus alunos, tornou-se mais
comum (29). Wagley em Columbia e MayburyLewis em Harvard estimularam e
apoiaram a ida de estudantes brasileiros para esses centros ? estmulo que se ampliou
para outros centros, fosse pela presena de Wagley, a partir dos anos 70 na Flrida, fosse
pela de seus ex-alunos em outras universidades norte-americanas (30). Com a exceo
de casos isolados, isto se deu, no entanto, com mais freqncia depois que o novo
sistema de ps-graduao se instituiu no pas.
O grande acontecimento da dcada; no mbito do ensino, foi a criao, e quase
imediato desmantelamento, da Universidade de Braslia, o que fez tambm com que
voltassem para, suas instituies de origem vrios docentes e pesquisadores da rea da
Antropologia l reunidos. O resultado do trabalho de representantes de duas geraes
em centros mais antigos, como o Museu Paraense, para onde voltou Galvo ou a
Universidade da Bahia, para onde foi Pedro Agostinho da Silva, ento estudante em
Braslia, ou nas novas faculdades de Filosofia, criadas com o impulso das reformas
educacionais de 1968, ainda est para ser avaliado. Na Associao de Antropologia, da
qual Darcy Ribeiro tinha sido eleito presidente em 1959, o impacto dessas reformas,
aliado ao grande crescimento do nmero de estudantes nas universidades brasileiras no
final da dcada, se far sentir bem mais tarde, a partir da reunio de 1974, quando elas
retomam tambm a periodicidade das reunies das dcadas de 50 e 60. como se
tivesse havido um hiato, nessas reunies, entre a efervescncia poltica de 1963
(Durham; 1963) e a lenta retomada dos trabalhos em 1974: a reunio de 1966,
programada para ocorrer em Braslia, acabou sendo realizada dentro do Simpsio sobre
a Biota Amaznica, organizado pela Associao de Biologia Tropical, em Belm e
contou com a presena de apenas doze scios; em 1971, o professor Egon Schaden fez
um esforo para reunir os antroplogos em So Paulo, por ocasio de outro encontro,
promovido pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP, mas s na reunio seguinte se
fez a eleio de um presidente, no realizada desde 1966, isto , num perodo de oito
anos. Em 1980 a, presidncia seria, pela primeira vez, ocupada por uma mulher e,
tambm pela primeira vez, por uma docente da Universidade de So Paulo Eunice
Durham (31). s a partir da que a presena paulista seria visvel na Associao. Na
1 - Em sua Histria da Teoria Etnolgica, Lowie. lembra a intolerncia de Malinowski para com os
"traficantes do excntrico", o que ele considerava fruto de sua imaginao: comentrio adequado de um
alemo na Amrica do Norte sobre um polons na Inglaterra.
2 - Roberto Cardoso de Oliveira reconheceu o local da foto, explicando que seu nome deriva da histria
de que toda a loua quebrada no Palcio da Quinta da Boa Vista era recolhida e seus cacos serviam para
decorar esse recanto, agora, como na poca da foto, acessvel pela ala da antropologia. Segundo Mtraux
(1978), o escritrio de dona Helosa ficava na capela da Imperatriz. Escrevendo em fevereiro de 1939, ele
descreve suas impresses do Museu e de sua diretora.
3 - O outro era o tambm mdico Jehan Vellard que publicara um livro sobre os Guayaki
(UneCivilisation du Miel). Noseu prefcio a este livro; Paul Rivet conta que Vellard adotara
uma menina ndia, cujos progressos Mtraux registra. Para integrantes de outras misses francesas
(diplomtica, militar) no pas, na poca, ver tambm Maugu (1982).
4 - Um. dos nomes que teve esta influncia, Franz Boas (1858-1942), tinha construdo boa parte da base
institucional sobre a qual se apoiava a antropologia no momento em que Lvi-Strauss esteve naquele pas
e talvez seja tambm indicativo dos laos de relaes entre a nossa e a antropologia em geral que Boas
tenha morrido nos braos de dois etnlogos franceses o prprio Lvi-Strauss e Paul Rivet (Cf. Lesser,
1981) ambos personagens da histria da disciplina no Brasil.
5 - O baiano dison Carneiro sempre negara, contra Arthur Ramos, a existncia de uma escola baiana de
Antropologia, que teria tido Nina Rodrigues como chefe. Este, que passou sua vida profissional na
Bahia, era maranhense. Arthur Ramos, embora tendo nascido em Alagoas, foi sempre considerado baiano
por seus contemporneos (Madureira de Pinho, 1960). Sobre sua inimizade com Ruth Landes, ver
Carneiro (1964). A amizade entre Landes e Carneiro rememorada por ela (1967, 1970). Quanto a
Raimundo Lopes da Cunha, que deixou muitos trabalhos sobre o Maranho, era nascido em Portugal. Na
reedio de seu conhecido Urna Regio Tropical (1916), uma nota parece indicar a influncia de sua
estada no Museu: "Os Canelas, na regio serrana do Mearim, so mais rudes e esquivos, ao mesmo tempo
agressivos e covardes". Nota: "Assim pensvamos em 1916, e pensa ainda muita gente. Mas preciso
renunciar a julgar o ndio segundo os seus inimigos, pelo menos..." (1970, p. 68).
6 - Filha de Alberto Torres, poltico e intelectual importante da Repblica Velha, dona Helosa (18951977), como foi sempre chamada pelos que trabalharam com ela, foi tambm personagem de um
romance, premiado em 1932 e sobre o qual Roberto Cardoso de Oliveira chamou minha ateno: No
Pacoval do Carimb, de Bastos de vila. Ver Castro Faria (1978).
7 - Observe-se, por exemplo, a no transio nos carnets de Mtraux em suas viagens pela Amrica do
Sul, ao passar de um pais para outro (ele em geral entrava e safa do pas via Belm-Paramaribo). Anos
depois, Baldos daria a um jovem candidato a etnlogo o conselho de comear seus estudos sobre os
ndios brasileiros pela fronteira com a Guiana Inglesa, para evitar a burocracia que dona Helosa ajudava
a vencer. (Maybury-Leveis, 1965). Em sua orao de despedida a Mtraux, em 1963, Lvi-Strauss
relembraria seu primeiro encontro, em fevereiro de 1939, em Santos, borrando tambm as fronteiras
nacionais: "... 'um txi nos levou s praias desertas mas que ainda estavam, para ns, habitadas pelas
sombras dos ndios com que viveram Jean de Lry e Hans Staden e dos quais Mtraux foi o inesquecvel
historiador" (Mtraux, 1978, p. 42).
8 - Seria injusto no mencionar Manuel Nunes Pereira (1895-1985) como um dos integrantes da tribo dos
antroplogos nesse perodo, j que suas pesquisas na Amaznia o tornaram justamente conhecido: como
no caso de Curt Nimuendaju, originalmente Curt Unkel, antes de adotar o nome que recebeu em sua longa
permanncia entre os ndios brasileiros, trata-se de free-lancers cujo impulso a disciplina vinha de fora do
sistema acadmico e bem antes de ele se formar. Neste trecho, tento acompanhar alguns dos integrantes
dessa comunidade empenhados na construo institucional, na montagem dos aparelhos de reproduo de
um saber especifico em que, hoje, so formados os antroplogos. O prprio Gilberto Freyre tem uma
passagem rpida por este contexto a nvel nacional, empenhado, ele, na construo de uma instituio
regional
9 - Dina, que foi `Secretrio' do Boletim .publicado pela Sociedade (ver os fac-smiles em Soares, 1983),
tambm registrou em filme a vida cotidiana dos Boro ro. Os . primeiros passos de Lvi-Strauss na anlise
de material indgena podem ser acompanhados nesses poucos nmeros do Boletim. Egon Schaden
discorda de Mario Wagner na lembrana e afirma que o que havia no sto da Escola era um laboratrio
de antropologia social, criado por Claude Lvi-Strauss. Ver Lvi-Strauss, Depoimento.
10 - Mrio de Andrade (22.3.1938), em Duarte (1977) e Fernando de Azevedo (1973). Referindo-se a
ento projetada expedio de Lvi-Strauss pelo Brasil Central, de 1938, diz Mrio: "No estou fazendo
nada, a no ser as caceteaes que tive com essas viagens etnogrficas bestas do Lvi-Strauss e do Oto
Leonardos. (...) J com Lvi-Strauss, agora tarde para voltar atrs. Chega amanh aqui e conversarei
com ele e o atirarei nas costas de voc e do Sergio. Se arranjem que preciso sossego". (Idem, 3.4.1938).
11 - Sobre a ABA ver Cardoso de Oliveira (1986). A comisso organizadora da Primeira Reunio:
Roquette-Pinto, presidente, Castro Faria, secretrio e Helosa A.. Torres, Eduardo Galvo, Darcy Ribeiro,
dison Carneiro, J. Bastos de vila, Maria Julia Pourchet Passos, Manuel Digues Jr., Jos Bonifcio
Rodrigues e L.A.. Costa Pinto. A mesa que presidiu os trabalhos: Herbert Baldus (SP), presidente,
acidentado e substitudo por Thales de Azevedo (BA), Jos Loureiro Fernandes (PR), Manuel Diges Jr.
(RJ) e Ren Ribeiro. Para a composio da diretoria eleita em Salvador e nos encontros subseqentes, ver
o quadro em anexo. Dos 47 registrados na lista dos Anais da Bahia, 31 eram homens e 16 mulheres.
12 - Boa parte dos nomes listados, como acontece em todas as reunies, era de pesquisadores locais,
como Consuelo Pond, Josildeth Gomes, hoje professora em So Paulo, Maria T. Nunes e Lygia E. de
Oliveira, de Pernambuco, filha de Estevo de Oliveira, diretor do Museu Paraense. Carmelita J. Ayres, de
famlia baiana, casara-se com Hutchinson depois da pesquisa que ambos fizeram para o projeto BahiaColumbia e no voltou profisso depois desses anos. A verso final desta pesquisa dever conter uma
informao biogrfica mais detalhada dos personagens aqui mencionados rapidamente.
13 A lei que instituiu nacionalmente a cadeira de Etnografia Brasileira e Lngua Tupi foi sancionada
pelo governo Caf Filho, em 1954, mas em So Paulo esta cadeira j existia desde os anos trinta e seu
primeiro ocupante foi Plnio Ayrosa.
14 - A contribuio dos lingistas e dos arquelogos tem sido feita tambm predominantemente no
terreno dos estudos de grupos indgenas; a dos antroplogos fsicos tambm o foi em boa parte. Sobre os
mdicos antroplogos, ver Azevedo (1979), ele prprio e Ren Ribeiro formados em medicina, mas em
Ribeiro (e.g. 1952) que esta formao mais evidente. Sobre a Antropologia Fsica, ver Castro Faria
(1952, 1963) e M. J. Pourchet, citada por Melatti (1984): ela, J. Bastos de vila, Froes da Fonseca,
Renato Locchi e Jos Loureiro Fernandes, dos citados, eram antroplogos fsicos, os quatro ltimos
formados em medicina.
15 - Um resumo das apresentaes feitas nos dois congressos est na Revista de Antropologia, 2(2), 1954
ela tambm iniciada este . ano por Egon Schaden; ver tambm os Anais do XXXI Congresso
Internacional de Americanistas, Anhembi, SP, 1955 e os Anais do I Congresso Brasileiro de Sociologia,
Grfica Saraiva, SP, 1955.
16 - Sobre a SESP, ver Wagley (1953, 1977b) e Peanha (1976); sobre o Vale do So Francisco, Pierson
(1987). A avaliao dessa participao de rgos pblicos, e agncias internacionais, nas pesquisas de
Antropologia da poca ser feita em conjunto com a anlise dos projetos de longo alcance.
17 - Eram: Marcelo Moretzhon de Andrade, Maria Las Mousinho Guidi, Maria David de Azevedo
(Brando), Carlos Moreira Neto, Dalton Moreira de Araujo, Jorge Guimares de Oliveira, Lygia Estevo
de Oliveira, Maria Helosa Fnelon Costa, Ursula Albersheim, Klaas Woortmann ? hoje antroplogo na
Universidade de Braslia Roberto Las Casas e Olmar Paranhos Montenegro.
18 - Os ttulos foram obtidos por Gilda Rocha de Mello e Souza (doutorado, 1950), Florestan Fernandes
(doutorado, 1951), Fernando Henrique Cardoso (mestrado, 1953), Antonio Candido de Mello e Souza
(doutorado, 1934), Octavio Ianni (mestrado, 1957) e Marialice Foracchi (mestrado, 1959) todos em
Sociologia. Defenderam a livre-docncia Florestar Fernandes (1953) e Egon Schaden (1954), este em
Antropologia.
19 Curt Nimuendaju (1883-1945) deixou um rastro de curiosidade depoi de sua morte ? ver os
comentrios de Nunes Pereira, citados por Mtraux e os dele mesmo (1978) ? e no menos curioso que
tendo tido tanta vinculaes com o Museu Nacional e com o Museu Paraense, seus restos mortais
acabassem no Museu Paulista onde iniciou sua carreira. Ver tambm a polmica entre Darcy Ribeiro e
Roberto Da Matta em 1979 em torno da publicao dos trabalhos de Nimuendaju, entre outras coisas.
Luiz Henrique Passador encontrou notcia de Tekla Hartmann (Revista do Museu Paulista, NS,
vol.XXVIII, 1981/82) sobre o enterro de Nimuendaju em 1981.
20 - Ainda est por ser feita uma iconografia dos locais em que as Cincias Sociais se abrigaram, e a sua
histria: o prdio da rua Maria Antonia abrigou inicialmente o Centro de Pesquisas Educacionais d So
Paulo.
21 - Comparar Fernandes (1974 ) e Ribeiro (1962), por exemplo.
22 - Darcy Ribeiro foi responsvel, por exemplo, pela vinda do Summer Institute of Linguistic ao Brasil,
em 1959, para estimular a pesquisa das lnguas indgenas, assim como ele e Ansio Teixeira propiciaram a
vinda de muitos outros tcnicos norte-americanos ao pas, num contexto de modernizao educacional
que inclua o estmulo s pesquisas em Cincias Sociais e que, lido de outro ngulo depois de 1968,
adquiriu novo significado. Basta lembrar que Charles Wagley integrava a primeira comisso da USAID,
em 1963 (Cunha 1996) que, assim como a presena do Summer, se tornou alvo da crtica das geraes
mais jovens logo depois de 68. Sobre o Summer, ver o nmero 7 (1981) de Religio e Sociedade e, para
uma auto-avaliao de sua atuao no perodo anterior, as cartas de Darcy -Ribeiro a Ansio Teixeira no
CPDOC da Fundao Getlio Vargas do Rio de Janeiro.
23 - Aqui, tentando acompanhar minimamente as trajetrias dos personagens principais dessa histria
nesse perodo, impossvel avaliar tambm a sua produo -intelectual objeto de outro texto.
24 - Um captulo ainda a ser escrito, este, na histria da Antropologia e que bem poderia levar o ttulo de
`Lvi-Strauss et sa femme', que como Maug reiteradamente se referia Dina e Mtraux s outras
esposas do antroplogo. Ver as observaes de K. Dwyer (1979) sobre a diviso de trabalho entre marido
e mulher em vrias pesquisas de campo. D. Pierson (1987) menciona tanto a contribuio de Helen, sua
esposa, como a das esposas dos outros pesquisadores em seus projetos; Charles Wagley registra seu uso
do dirio mantido por Ceclia numa das viagens aos Tapirap (1977) e Da Matta descreve sua mulher
Celeste como "uma pesquisadora notavelmente humana e disposta" (1981). Ver tambm o engraado
pastiche dos inevitveis agradecimentos s esposas nos textos antropolgicos em GERTRUDE, "Postface
a quelques prfaces", Cahiers d'tudes Africaines/65, XVII(1).
25 - Esta tradio tem se mantido razoavelmente constante na histria da disciplina no pas. Ao falar
sobre as "possibilidades de desenvolvimento autnomo do ensino e da pesquisa" em Etnologia no pas,
Florestan Fernandes, escrevendo em 1956, comeava observando: "`A Etnologia se desenvolveu no
Brasil, at o primeiro quartel do presente sculo, principalmente atravs das obras e das realizaes de
investigadores estrangeiros''. (1975:119). Seu artigo , ele mesmo, um bom indicador de que as coisas no
tinham mudado muito na dcada de 50. Alm do fato de que alguns pesquisadores estrangeiros
publicaram aqui e em portugus seus primeiros estudos e de que alguns brasileiros publicaram seus
primeiros em outras lnguas no deixa de ser irnico que o trabalho do alemo Curt Unkel tenha recebido
o apoio do alemo Robert Lowie nos Estados Unidos: sua correspondncia, parte em alemo, parte em
portugus e ingls expressa bem esta ironia. Ver Lowie (1959). Uma listagem muito preliminar dos
estrangeiros presentes no pais, nesses trinta anos, apresentada em anexo; E. Schaden (1980), Thekla
Hartmann (1977) e Damy e Hartmann (1986); acrescentam muitos nomes lista.
26 Em 1965, Maybury-Lewis descrevia Baldus, sem citar seu nome, como "a german professor of great
personal charm who now holds a chair in Brazil". Darcy Ribeiro definia Baldus corno "poeta-cientista,
teutnico, mulherengo, prussiano, romntico e anti-fascista. (em Galeo, 1978)
27 Eduardo Galeo, que tambm trabalhara l, j havia sado no ano anterior, para o Museu Paraense,
junto com outros pesquisadores do CBPE (como Klaas Woortmann, Roberto Las Casas e Carlos Moreira
Neto) ou do Museu do ndio. Com exceo de um breve perodo em que coordenou o Instituto de
Cincias Humanas em Braslia; Galeo passaria no Museu o restante de sua carreira Ele deve ter sido dos
poucos, seno o nico, pesquisador brasileiro na rea das Cincias Sociais a ter a sua atividade
profissional inteiramente financiada, desde ento, pelo CNPq. Sobre os cursos do CBPE e a relao entre
Educao e Cincias Sociais; ver Corra (1986).
28 Para os primeiros, ver as reminiscncias de Da Matta sobre seu tempo como estudante (1981); para
os outros, ver os depoimentos de Cardoso de Oliveira, Florestan Fernandes, Maybury-Lewis.
29 A ABA est realizando um cadastramento de seus scios, o que permitir estabelecer com mais
preciso a origem institucional dos ttulos dos antroplogos brasileiros como um todo.
30 - Talvez seja um exagero a afirmao de Margolis e Carter (1979) de que os ex-alunos de Wagley
dominavam ento o campo de "estudos brasileiros", mas a lista dos que pesquisaram no Brasil e sua
distribuio nas universidades dos Estados Unidos impressionante. Wagley presidiu a American
Ethnological Society no final dos anos 50 e a American Anthropological Association no incio dos 70.
Maybury-Lewis criou e preside desde a dcada de 70 o Cultural Survival, secretariado por Pia, e um
empreendimento internacional de apoio a grupos sociais que tm sua sobrevivncia ameaada no mundo
contemporneo; com sede em Harvard.
31 - At ento, o nico presidente da Associao vindo de So Paulo tinha sido H. Baldos (em 1961) que,
como se sabe, nunca obteve lugar na USP. A reunio de 1980 foi tambm quase uma recriao da ABA:
alteraram-se os estatutos, para permitir eleies diretas e a ampliao dos critrios para associar-se,
incluindo estudantes de ps-graduao, e iniciou-se a criao de suas regionais, atualmente em nmero de
trs. (So Paulo, Braslia e Nordeste).
32 Ver a srie Avaliao. & Perspectivas publicada pelo CNPq desde o incio dos anos 70.
33 - P. Rabinow prope o cosmopolitismo como sada para os impasses da interpretao e da autoridade
dos autores: "Let us define cosmopolitanism as an ethos of macro-interdependencies, with an acute
consciousness (often forced upon people) of the inescapabilities and particularities of places, characters,
historical trajectories, and fates. Although we are all cosmopolitans, Homo sapiens has done rather poorly
in interpreting this condition. We seem to have trouble with the balancing act, preferring to reify local
identities or construct universal ones. We live in-between". (1986, p. 258)
Esse texto parte de um trabalho em andamento sobre a Histria da Antropologia no Brasil
nesse perodo: tentei explicitar os trechos que remetem a outros textos, o que nem sempre consegui.
Agradeo a todos os entrevistados do projeto o generoso emprstimo de fotos e o estmulo constante, aos
pesquisadores da UNICAMP que vm trabalhando comigo desde 1984, equipe do projeto Histria das
Cincias Sociais do IDESP a leitura crtica e o apoio da FAPESP, do CNPq e da FINEP.
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- Correspondncia Donald Pierson, cortesia D. Pierson.
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