Poesia 9ano
Poesia 9ano
Poesia 9ano
9. ano
Contedo
Fernando Pessoa ................................................................................................................................................4
O Menino da sua Me ....................................................................................................................................4
[O aldeo] .......................................................................................................................................................5
Se estou s, quero no star, ..........................................................................................................................5
O Mostrengo...................................................................................................................................................6
Mar Portugus ................................................................................................................................................6
Camilo Pessanha .................................................................................................................................................7
Floriram por engano as rosas bravas..............................................................................................................7
Quando voltei encontrei os meus passos.......................................................................................................7
Mrio de S-Carneiro..........................................................................................................................................8
Quasi ...............................................................................................................................................................8
O recreio .........................................................................................................................................................9
Irene Lisboa ..................................................................................................................................................... 10
Escrever ....................................................................................................................................................... 10
Monotonia ................................................................................................................................................... 11
Almada Negreiros ............................................................................................................................................ 12
Lus, o poeta salva a nado o poema ............................................................................................................ 12
Jos Gomes Ferreira ........................................................................................................................................ 13
V ................................................................................................................................................................... 13
XXV............................................................................................................................................................... 13
III .................................................................................................................................................................. 14
XIX ................................................................................................................................................................ 14
Jorge de Sena................................................................................................................................................... 15
Uma pequenina luz ...................................................................................................................................... 15
Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya.................................................................................... 16
Cames dirige-se aos seus contemporneos .............................................................................................. 18
Sophia de Mello Breyner Andresen ................................................................................................................. 19
As pessoas sensveis .................................................................................................................................... 19
Porque ......................................................................................................................................................... 20
Fernando Pessoa
O Menino da sua Me
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
Duas, de lado a lado ,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braos estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os cus perdidos.
To jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho nico, a me lhe dera
Um nome e o mantivera:
O menino da sua me.
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a me. Est inteira
E boa a cigarreira.
Ele que j no serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roar o solo,
A brancura embainhada
De um leno... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
L longe, em casa, h a prece:
Que volte cedo, e bem!
(Malhas que o Imprio tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua me.
In Obra potica
Fernando Pessoa
[O aldeo]
sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E to lento o teu soar,
To como triste da vida,
Que j a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto,
Quando passo, sempre errante,
s para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no cu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
Fernando Pessoa
Mar Portugus
O Mostrengo
In Mensagem
Camilo Pessanha
Floriram por engano as rosas bravas
Mrio de S-Carneiro
Quasi
Mrio de S-Carneiro
O recreio
Na minhAlma h um balouo
Que est sempre a balouar
Balouo beira dum poo,
Bem difcil de montar...
E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar...
Se a corda se parte um dia
(E j vai estando esgarada),
Era uma vez a folia:
Morre a criana afogada...
C por mim no mudo a corda
Seria grande estopada...
Se o indez morre, deix-lo...
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca... Deix-lo
Balouar-se enquanto vive...
Mudar a corda era fcil...
Tal ideia nunca tive...
In Indcios de oiro
Irene Lisboa
Escrever
Se eu pudesse havia de transformar as palavras
em clava.
Havia de escrever rijamente.
Cada palavra seca, irressonante, sem msica.
Como um gesto, uma pancada brusca e sbria.
Para qu todo este artifcio da composio sinttica e mtrica?
Para qu o arredondado lingustico?
Gostava de atirar palavras.
Rpidas, secas e brbaras, pedradas!
Sentidos prprios em tudo.
Amo? Amo ou no amo.
Vejo, admiro, desejo?
Ou sim ou no.
E, como isto, continuando.
E gostava para as infinitamente delicadas coisas
do esprito
Quais, mas quais?
Gostava, em oposio com a braveza do jogo da
pedrada, do tal ataque s coisas certas e negadas
Gostava de escrever com um fio de gua.
Um fio que nada traasse.
Fino e sem cor, medroso.
infinitamente delicadas coisas do esprito!
Amor que se no tem, se julga ter.
Desejo dispersivo.
Vagos sofrimentos.
Ideias sem contorno.
Apreos e gostos fugitivos.
Ai! o fio da gua, o prprio fio da gua sobre
vs passaria, transparentemente?
Ou vos seguiria humilde e tranquilo?
In Um dia e outro dia Outono havias de vir latente, triste
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Irene Lisboa
Monotonia
Comear, recomear, interminamente repetir um
montono romance, o romance da minha vida.
Com palavras iguais, inalterveis, semelhantes, insistir sobre o cansao e a pobreza disto de viver...
Andar como os dementes pelos cantos a repisar
o que j ningum quer ouvir.
Levar o meu desprecioso tempo deriva.
Queixar-me, castigar e lamentar sem qualquer
esperana, por desfastio.
Pr a nu uma misria comum e conhecida, chmente, serenamente, indiferente beleza dos temas
e das concluses.
Monotonamente, monotonamente.
Monotonia. Arte, vida...
No serei ainda eu que te erigirei o merecido
altar.
Que te manejarei hbil e serena.
Monotonia! Gume frio, acerado, tenaz, eloquente.
Sino de poucos tons, impressionante.
Mas se te descobri no te vou renegar.
Tu ensinas-me, tu insinuas-me a arte da verdade,
a pobreza e a constncia.
Monotonia, torna-me desinteressada.
In Um dia e outro dia outono havias de vir latente, triste
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Almada Negreiros
Lus, o poeta salva a nado o poema
Era uma vez
um portugus
de Portugal.
O nome Lus
H de bastar
toda a nao
ouviu falar.
Estala a guerra
E Portugal
chama Lus
para embarcar.
Na guerra andou
a guerrear
e perde um olho
por Portugal.
Livre da morte
ps-se a contar
o que sabia
de Portugal.
Dias e dias
grande pensar
juntou Lus
a recordar.
Ficou um livro
ao terminar
muito importante
para estudar.
Ia num barco
ia no mar
e a tormenta
v destalar.
Mais do que a vida
H de guardar
o barco a pique
Lus a nadar.
Fora da gua
Um brao no ar
na mo o livro
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h de salvar.
Nada que nada
sempre a nadar
livro perdido
no alto mar.
Mar ignorante
que queres roubar?
a minha vida
ou este cantar?
A vida minha
ta posso dar
mas este livro
h de ficar.
Estas palavras
Ho de durar
por minha vida
quero jurar.
Tira-me as foras
podes matar
a minha alma
sabe voar.
Sou portugus
de Portugal
depois de morto
no vou mudar.
Sou portugus
de Portugal
acaba a vida
e sigo igual.
Meu corpo Terra
de Portugal
e morto ilha
no alto mar.
H portugueses
a navegar
por sobre as ondas
me ho de achar.
A vida morta
aqui a boiar
mas no o livro
se h de molhar.
Estas palavras
vo alegrar
a minha gente
de um s pensar.
nossa terra
iro parar
l toda a gente
h de gostar.
S uma coisa
vo olvidar:
o seu autor
aqui a nadar.
fado nosso
nacional
no h portugueses
h Portugal.
Saudades tenho
mil e sem par
saudade vida
sem se lograr.
A minha vida
vai acabar
mas estes versos
ho de gravar.
O livro este
este o cantar
assim se pensa
em Portugal.
Depois de pronto
faltava dar
a minha vida
para o salvar
In Obras Completas
Poesia
XXV
(Na praia. O menino aprende a linguagem
das nuvens.)
Aquela nuvem
parece um cavalo...
Ah! se eu pudesse mont-lo!
Aquela?
Mas j no um cavalo,
uma barca vela.
No faz mal.
Queria embarcar nela.
Aquela?
Mas j no um navio,
uma Torre Amarela
a vogar no frio
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XIX
(De p, humilhado diante do quadro preto.)
Errei as contas no quadro,
preguia de giz negro
e to bom parecer estpido!
Minado pelo sonho
liberdade secreta,
rosto de espelho opaco.
Assim tambm a noite
que eu via atravs das janelas fechadas
sozinho na cama quente de solido.
E tantas, tantas somas de estrelas erradas.
In Poeta militante III
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Jorge de Sena
Uma pequenina luz
Uma pequenina luz bruxuleante
no na distncia brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de ns e a multido em volta
une toute petite lumire
just a little light
una piccola... em todas as lnguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de ns
entre o bafo quente da multido
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a no veem
s a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exata
que bruxuleia firme
que no ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e muda.
Muda como a exatido como a firmeza
como a justia.
Brilhando indefectvel.
Silenciosa no crepita
no consome no custa dinheiro.
No ela que custa dinheiro.
No aquece tambm os que de frio se juntam.
No ilumina tambm os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectvel prxima dourada.
Tudo incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo pensamento realidade sensao saber: brilha.
Tudo treva ou claridade contra a mesma treva:
brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou no:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exatido como a firmeza
como a justia.
Apenas como elas.
Mas brilha.
No na distncia. Aqui
no meio de ns.
Brilha.
In Poesia II
15
Jorge de Sena
Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya
No sei, meus filhos, que mundo ser o vosso.
possvel, porque tudo possvel, que ele seja
aquele que eu desejo para vs. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advm
de nada haver que no seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vs.
E possvel que no seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo possvel,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos parea a liberdade e a justia,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicao honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
no tem conta o nmero dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de nico,
de inslito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente secular justia,
para que os liquidasse com suma piedade e sem efuso de sangue.
Por serem fiis a um deus, a um pensamento,
a uma ptria, uma esperana, ou muito apenas
fome irrespondvel que lhes roa as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados to anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas no restasse memria.
s vezes, por serem de uma raa, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que no tinham cometido ou no tinham conscincia
de haver cometido. Mas tambm aconteceu
e acontece que no foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por nvios caminhos quais se diz que so nvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este herosmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
h mais de um sculo e que por violenta e injusta
16
17
Jorge de Sena
18
In Obra potica
19
Porque
Porque os outros se mascaram mas tu no
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que no tem perdo.
Porque os outros tm medo mas tu no.
20
In Obra potica
In Obra ootica
21
Carlos de Oliveira
22
Herberto Helder
No sei como dizer-te que minha voz te procura
e a ateno comea a florir, quando sucede a noite
esplndida e vasta.
No sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
eu no sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espao
e o corao uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilho de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solido
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
E ento no sei o que dizer
junto taa de pedra do teu to jovem silncio.
Quando as crianas acordam nas luas espantadas
que s vezes se despenham no meio do tempo
no sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a gua sobrenatural, o leve e abstrato
correr do espao
e penso que vou dizer algo cheio de razo,
mas quando a sombra cai da curva sfrega
dos meus lbios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave qualquer
coisa extraordinria.
Porque no sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim o sol, o fruto,
a criana, a gua, o deus, o leite, a me,
o amor,
que te procuram.
In A colher na boca
23
Ruy Belo
Os estivadores
S eles suam mas s eles sabem
o preo de estar vivo sobre a terra
S nessas mos enormes que cabem
as coisas mais reais que a vida encerra
Outros riro e outros sonharo
podem outros roubar-lhes a alegria
mas a um deles que chamo irmo
na vida que em seus gestos principia
Onde outrora houve o deus e houve a ninfa
eles so a moderna divindade
e o que antes era pura linfa
o que sobra agora da cidade
Vede como alheios a tudo o resto
compram com o suor a claridade
e rasgam com a deciso do gesto
o muro oposto pela gravidade
Ode martima que chamo ode
escrita ali sobre a pedra do cais
A natureza certo muito pode
mas um homem de p pode bem mais
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Ruy Belo
E tudo era possvel
Na minha juventude antes de ter sado
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia j o rebentar do mar
das pginas dos livros que j tinha lido
Chegava o ms de maio era tudo florido
o rolo das manhs punha-se a circular
e era s ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido
E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma sada
Quando foi isso? Eu prprio no o sei dizer
S sei que tinha o poder de uma criana
entre as coisas e mim havia vizinhana
e tudo era possvel era s querer
25
Gasto Cruz
Ode soneto coragem
O silncio coragem
no consente
o amor da linguagem
o silncio
um incndio grande e a nossa fala
estremece de palavras abraadas
H um amor do que se diz do fogo
onde sempre se esgota a nossa voz
dizer palavras lutar se a luta
reconhece as palavras que produz
se as acende nas ruas
do sentido que o corao dos homens conseguiu
impor-lhes em silncio incndio grande
a lngua maior incndio os homens
sobre a fala esgotada
coragem
o fogo
maior incndio o amor
sobre
In A doena
26
Gasto Cruz
Tinha deixado a torpe arte dos versos
Tinha deixado a torpe arte dos versos
e de novo procuro esse exerccio
de soluos
Devo agora rever a noite que te oculta
como pude esquecer que de tal modo
teria de exprimir
tudo o que j esquecera e sopra sobre
mim
como numa plancie o crepsculo
Tinha esquecido a arte dos tercetos
e toda a
outra
mas fechaste-te nela e eu descubro
no seu esse veneno esse discurso
Devo pois ver de novo como muda
como os sinais da voz a noite que perdura
tu deitas-te eu ensino minha vida
esse extinto exerccio
In Teoria da Fala
27
Nuno Jdice
Escola
Fragmentos
O que significa o rio,
a pedra, os lbios da terra
que murmuram, de manh,
o acordar da respirao?
1
Aceita o transitrio; nada do que
definitivo, dura, te pode atingir
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Nuno Jdice
O conceito de metfora
com citaes de Cames e Florbela
Transforma-se a imagem no objeto visto:
amada no ramo pousada, ave e memria,
peas espalhadas num lugar sem histria
que o poema arruma sem nada ter previsto.
Deito essa imagem num velho travesseiro,
toco-a com os dedos de um verso antigo
e digo-lhe: Amo-te ainda; vem comigo!,
quando ela me oferece o seu corpo inteiro.
83
Contas
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