Ética Ambiental
Ética Ambiental
Ética Ambiental
RESUMO: O presente artigo tem por escopo abordar a questo da tica Ambiental atravs das
principais perspectivas tericas, a saber, antropocentrismo, ecocentrismo e ecologismo
personalista. Busca descobrir em cada cosmoviso qual o valor atribudo natureza e como o ser
humano se percebe na relao com a natureza. A busca pela fundamentao do valor instrumental
atribudo pelo antropocentrismo natureza e do valor intrnseco atribudo a ela pelo ecocentrismo
tambm alvo da investigao da presente pesquisa, onde se conclui que o antropocentrismo
considera o ser humano como superior aos outros seres porque ele tem capacidade de pensar,
articular smbolos com seus significados e conseqentemente gerar cultura. Da mesma forma,
um objetivo a apreciao das questes que diferenciam antropocentrismo em sentido estrito e
ecologismo personalista (outra espcie de antropocentrismo), onde este enxerga o ser humano
enquanto pessoa e aquele v o homem enquanto indivduo. Os conceitos de pessoa e indivduo
so brevemente confrontados e assim compreende-se que a diferena entre as duas correntes
tericas decorre da constatao de que enquanto para o antropocentrismo o ser humano est
separado da natureza, para o personalismo o ser humano integrante da natureza, tem lugar e
funo prpria dentro dela.
ecocentrismo.
INTRODUO
O ser humano definitivamente o animal que mais transforma o seu ambiente. Esta
capacidade humana de interferir no ambiente, de alter-lo, ns chamamos de antropogenia.3
Artigo extrado do Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito parcial para obteno
do grau de Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade
Catlica do Rio Grande do Sul, aprovado em grau mximo pela banca examinadora composta pelo orientador Prof.
Elton Somensi de Oliveira, Prof. Clarice Beatriz da C. Sohngen, e Prof. Wambert Gomes di Lorenzo, em 02 de julho
de 2010.
2
Acadmico do Curso de Cincias Jurdicas e Sociais da PUCRS. Contato: [email protected]
3
Antropogenia: [...] capacidade humana para alterar ambientes e substncias [...]. WALDMAN, Maurcio. Meio
ambiente & antropologia. So Paulo: Editora Senac So Paulo, 2006, p. 36.
1 ANTROPOCENTRISMO
Penso, logo existo8
WALDMAN, Maurcio. Meio ambiente & antropologia. So Paulo: Editora Senac So Paulo, 2006, p. 37-38.
Ibidem, p. 39.
6
BALANDIER, Georges. Modernidad y poder: el desvio antropolgico. p. 194 apud WALDMAN, Maurcio. Meio
ambiente & antropologia. So Paulo: Editora Senac So Paulo, 2006, p. 40.
7
MILTON, Kay. Ecologias: antropologia, cultura y entorno apud WALDMAN, Maurcio. Meio ambiente &
antropologia. So Paulo: Editora Senac So Paulo, 2006, p. 41.
8
DESCARTES, Ren. Discurso do mtodo. Traduo de: Maria Ermantina Galvo. 2. ed. So Paulo: Martins
Fontes, 1996, p. 38.
5
homem, no sentido de ser humano, homem como espcie. Centrum, centricum, do latim, significa
o centro, o cntrico, o centrado.9
De acordo com esta viso, um bem que no seja vivo, material ou imaterial, assim
como uma vida que no seja humana, poder ser tutelado pelo direito ambiental na medida em
que for relevante para a garantia da sadia qualidade de vida do ser humano, visto ser este o nico
animal racional e por isto, destinatrio das normas jurdicas. Cabe ao homem a preservao das
espcies, incluindo a espcie humana.10
Faz-se importante notar que o ser humano considerado o centro devido sua
capacidade de pensar, capacidade esta que o torna, dentro do panorama antropocntrico, superior
aos outros seres. Nesse sentido Fiorillo assevera: No h, por assim dizer, como no se ver que o
direito ambiental possui uma necessria viso antropocntrica. Necessria pelo motivo de que,
como nico animal racional que , s o homem tem possibilidades de preservar todas as espcies,
incluindo a sua.11
da capacidade de raciocnio que deriva a capacidade humana de refletir, tomar
conscincia e, em razo de seu poder de abstrao, dar significado aos smbolos, reconhecer o
outro (como um fim em si mesmo), criar, aprender e transmitir hbitos, comportamentos e
conhecimentos, reconhecer-se como indivduo, diferenciando-se dos outros seres e de tudo o que
est no seu entorno, inclusive afirmar-se como diferente da natureza, possibilitando o surgimento
da cultura. medida que o ser humano se desenvolve intelectualmente, reconhece-se como
indivduo e integrante da sociedade, atribui assim aos significantes, significado. Neste processo
de individuao, a reflexo faz com que o ser humano d ao significante natureza, significado.
Baseado nesse processo ele formula conceitos de natureza, para que possa elaborar um sistema de
relacionamento entre ambos. A humanidade sempre buscou auxlio no conceito de natureza para
solucionar os problemas humanos e para que esse conceito seja formulado, necessrio que o ser
humano tenha atingido um grau de desenvolvimento intelectual, um grau de reflexo e
especulao intelectual que viabilize a compreenso de que a humanidade participa e compe o
meio natural de maneira diferenciada dos outros seres animados.12
A noo de natureza fundamental para que, mais recentemente (sculo XX), seja
introduzido o conceito de meio ambiente e com ele seus respectivos desdobramentos jurdicos.
Esse conceito de natureza se transforma conforme a cultura. No pensamento helnico, o conceito
filosfico de natureza era adaptado em razo da evoluo das relaes mantidas entre o homem
MILAR, Edis; COIMBRA, Jos de vila Aguiar. Antropocentrismo x ecocentrismo na cincia jurdica. Revista
de direito ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 36, out./dez. 2004, p. 10.
10
FIORILLO, Celso Antnio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 7. ed. rev. atual. e ampl. So Paulo:
Saraiva, 2006, p. 16.
11
FIORILLO, Celso Antnio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha; NERY, Rosa Maria Andrade. Direito
processual ambiental brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p.132-133 apud SILVA, Olmiro Ferreira da. Direito
ambiental e ecologia: aspectos filosficos contemporneos. 1. ed. Barueri: Manole, 2003, p. 27.
12
ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumem Jris,
2002, p. 5.
13
Ibidem, p. 3.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumem Jris,
2002, p. 6 et seq.
15
Ibidem, p. 8.
16
Ibidem, p. 7 et seq.
17
Ibidem, p. 9.
14
quanto humano, de qualquer forma que se manifeste, -o na medida em que o pensamento age
ou agiu.18 [grifo nosso]
O ser humano, criando um conceito de natureza como elemento integrante do mundo
da Cultura, j no mais refm do destino, tranforma o mundo natural conforme suas
necessidades. Atravs da filosofia ele descobre a natureza, reconhece-se como diferente,
reconhece o outro como diferente e descobre a natureza ao pensar a sua sociedade. O conceito de
natureza s possvel quando o ser humano consegue diferenciar-se dela. A Filosofia era ento
baseada na experincia concreta, em fenmenos sensveis e verificveis na realidade.
Com a criao do conceito de natureza, viabilizou-se a construo de modelos sociais
de acordo com a natureza observada. A natureza que fala a filosofia grega no mais um
conjunto de leis, elementos fsico-qumicos, flora e fauna. A natureza era para os gregos a
anlise das leis que universalmente podiam ser extradas da observao do mundo natural e a sua
aplicao ao mundo poltico, plis.19
Essa posio possibilita a construo do conceito de um direito natural, que adquiriu,
anteriormente, significao social e cultural na tragdia Antgona, de Sfocles, onde a introduo
de termos como equilbrio e justo termo do humanidade uma nova dimenso, onde o ser
humano comea a esboar sua posio de senhor do mundo natural. Ele comea a ser o elemento
central. Supera-se as explicaes mticas, buscando, na razo, as origens primeiras das coisas.20
Sfocles mostra a luta de Antgona como uma luta pela liberdade e dignidade do ser
humano, buscando fundamentos na natureza. Na obra citada, o autor expressa essa idia quando o
Coro afirma: De tantas maravilhas, mais maravilhoso de todas o homem.21
Com Plato e Aristteles, o privilegiamento do ser humano e da idia de
superioridade em relao natureza ganha maior consistncia. Os termos como sofista e retrica,
a arte da argumentao to cultivada pelos sofistas, passam a ser termos pejorativos.22 Para
Aristteles (384-322 a.C.), que seria retomado e relido posteriormente por Toms de Aquino
(1225-1274), o homem est no vrtice de uma pirmide natural, em que os minerais (na base)
servem aos vegetais, os vegetais servem aos animais que, por sua vez, e em conjunto com os
demais seres, servem ao homem.23
Posteriormente, a separao entre ser humano e natureza ganhar maior dimenso
com a tradio judaico-crist.24 A assimilao aristotlico-platnica pelo cristianismo cristalizar
18
Ibidem, p. 9.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumem Jris,
2002, p. 26.
20
Ibidem, p. 17 et seq.
21
SFOCLES. Antgona. Traduo de: Donaldo Schler. Porto Alegre: L&PM, 1999, p. 28.
22
GONALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 2. ed. So Paulo: Contexto, 1990, p. 31.
23
MILAR, Edis; COIMBRA, Jos de vila Aguiar. Antropocentrismo x ecocentrismo na cincia jurdica. Revista
de direito ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 36, out./dez. 2004, p. 11.
24
Sobre a influncia da tradio judaico-crist: O versculo 28 do captulo 1 do Livro de Gnesis: Crescei e
multiplicai-vos e enchei a Terra, e subjugai, e dominai (...), sendo interpretado fora do contexto do gnero literrio
em que foi vasada a Bblia, com o passar dos sculos foi-se tornando um axioma do relacionamento HomemNatureza, reforado por uma cosmoviso religiosa ou religioso-poltica. MILAR, Edis; COIMBRA, Jos de vila
19
a separao entre esprito e matria. A perfeio de Deus far oposio ao imperfeito mundo
material. Com o cristianismo, os deuses no habitam este mundo como acontecia na concepo
dos filsofos pr-socrticos. Foi durante a Idade Mdia que se iniciou a dissecao de cadveres,
decorrente da concepo de que aps o falecimento, o corpo pode ser visto como objeto de
estudo, pois aquilo que o anima (do grego nima, alma), j no est mais presente no corpo sem
vida. Aquilo que d vida ao corpo foi para outro lugar (cu, inferno, purgatrio), podendo ento o
corpo virar objeto.25
Os avanos cientficos e tecnolgicos ganham propores at ento inimaginveis,
especialmente a partir da revoluo cientfica (associada aos nomes de Coprnico, Galileu,
Descartes, Bacon e Newton), sculos XVI e XVII. A viso de mundo medieval, aristotlicocrist, sofreu imensa e radical mudana. O universo que at ento era visto como orgnico, vivo e
espiritual, deu lugar a uma viso de um mundo equiparado a uma mquina. Mquina esta, que se
tornaria a metfora da era moderna.26
O elemento primordial da razo renascentista era a glorificao do ser humano e
estando ele no pice da cadeia da vida, deveria dominar o conhecimento sobre a natureza da
forma mais ampla possvel. pelo domnio do conhecimento que ser possvel a preservao do
gnero humano. Era natural para esse pensamento que ele voltasse os frutos do conhecimento
para si mesmo. A cincia comea a se tornar uma nova religio, prometendo um mundo novo a
todos os seres humanos. Visto que os recursos naturais eram entendidos como infinitos, no havia
motivo para uma viso crtica desta atitude.
A oposio homem-natureza, esprito-matria, sujeito-objeto se tornar mais plena
em Descartes e se constituir no centro do pensamento moderno e contemporneo. Atravs do
mtodo cientfico Descartes afirma que seria possvel chegar a conhecimentos muito teis vida.
O objetivo do conhecimento era dominar incondicionalmente a natureza que agora fonte de
recursos para a satisfao humana, um objeto, diante daquele que seria o verdadeiro sujeito, a
alma (mente, pensamento), a res cogitans. Fica evidente a relao de subordinao entre res
cogitans e natureza. O corpo parte da natureza, e dentro deste contexto, o ser humano se
distancia da natureza, percebendo o corpo como res extensa.27 H assim uma caracterstica
dualista.28
O carter pragmtico e antropocntrico que marcar a modernidade ficar manifesto
quando Descartes afirma que
Aguiar. Antropocentrismo x ecocentrismo na cincia jurdica. Revista de direito ambiental, So Paulo: Revista dos
Tribunais, ano 9, n. 36, out./dez. 2004, p. 11.
25
GONALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 2. ed. So Paulo: Contexto, 1990, p. 32.
26
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: Uma nova compreenso cientfica dos sistemas vivos. So Paulo: Cultrix, 1996, p.
34.
27
BALLESTEROS, Jess. Ecologismo Personalista. Madri: Tecno, 1995, p. 14.
28
[...] significa ainda algo mais do que a independncia recproca entre corpo e esprito: significa a separao entre
sujeito e objeto. SILVA, Franklin Leopoldo e. Descartes: A metafsica da modernidade. 2. ed. So Paulo: Moderna,
1993, p. 6. Alm do dualismo, o idealismo e a subjetivismo tambm so caractersticas do pensamento cartesiano.
a partir do sujeito, entendido como pensamento, que Descartes diz que possvel constituir o verdadeiro
conhecimento. Temos primeiramente representaes que posteriormente sero atestadas pela realidade.
Ao invs dessa filosofia especulativa ensinada nas escolas, pode-se encontrar uma
filosofia prtica, mediante a qual, conhecendo a fora e as aes do fogo, da gua, do ar,
dos astros, dos cus e de todos os outros corpos que nos rodeiam, to distintamente
como conhecemos os diversos ofcios de nossos artesos, poderamos empreg-las do
mesmo modo em todos os usos a que so adequadas e assim nos tornarmos como que
senhores e possessores da natureza. Isso de se desejar no somente para a inveno de
uma infinidade de artifcios que nos fariam usufruir, sem trabalho algum, os frutos da
terra e de todas as comodidades que nela se encontram, mas tambm, principalmente,
para a conservao da sade, que , por certo, o bem primordial e o fundamento de todos
os outros bens desta vida.29 [grifo nosso]
29
DESCARTES, Ren. Discurso do mtodo. Traduo de: Maria Ermantina Galvo. 2. ed. So Paulo: Martins
Fontes, 1996, p. 69.
30
GONALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 2. ed., So Paulo: Contexto, 1990, p.
33.
31
Sobre a racionalidade do Ocidente Ao estudarmos qualquer problema da histria universal, o produto da moderna
civilizao europia estar sujeito indagao sobre a que combinaes de circunstancias se pode atribuir o fato de
na civilizao ocidental, e s nela, terem aparecido fenmenos culturais que, como queremos crer, apresentam uma
linha de desenvolvimento de significado e valor universais. Apenas no Ocidente existe uma cincia em um estgio de
desenvolvimento que reconhecemos, hoje, como vlido. [...] verdade que Maquiavel teve predecessores na ndia;
mas todo o pensamento poltico da ndia carecia de um mtodo sistematizado como o de Aristteles e, de fato, de
conceitos racionais. WEBER, Max. A tica protestante e o esprito do capitalismo. So Paulo: Martin Claret, 2003,
p. 23-24.
32
Sobre o mecanicismo: [...] enxergava a natureza como uma inerte mquina ou como um reservatrio de recursos
destinados ao bem-estar do ser humano, defendendo uma atitude instrumentalizadora e utilitarista para lidar com ele
[...]. NETO, Aristides Arthur Soffiati. Ecossistemas aquticos: antropocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo.
Revista de Direito Ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 10, n. 37, jan./mar. 2005, p. 209.
SOFFIATI, Arthur. A natureza no pensamento liberal clssico. Revista de Direito Ambiental, So Paulo: Revista
dos Tribunais, ano 5, n. 20, out./dez. 2000, p. 166-167.
34
PONTING, Clive. Uma histria verde no mundo. Traduo de: Ana Zelma Campos. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 1995, p. 257.
35
[...] desde o incio, os economistas concentraram a maior parte de seus estudos na organizao da produo em
como interagiam os vrios fatores responsveis por ele (terra, trabalho e capital). Ibidem, p. 257.
36
OLIVEIRA, Ana Maria Soarez de. Relao homem/natureza no modo de produo capitalista. Scripta Nova:
revista electrnica de geografa y ciencias sociales. Barcelona, v. 6, n 119 (18), ago. 2002. Disponvel em:
<http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-18.htm>. Acessado em 13 maio. 2010.
37
BALLESTEROS, Jess. Ecologismo Personalista. Madri: Tecno, 1995, p. 18.
38
KSSMAYER, Karin. Apontamentos sobre a tica ambiental como fundamento do direito ambiental. EOS:
Revista jurdica da Faculdade de Direito/Faculdade Dom Bosco, Curitiba, v. 1, n. 4, jul./dez. 2008, p. 142.
Disponvel em <http://www.dombosco.com.br/faculdade/revista_direito/1edicao-2009/eos-4-2009.pdf>. Acesso em:
13 maio 2010.
39
Ibidem, p. 142.
40
ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumem Jris,
2002, p. 132.
41
Ibidem, p. 2.
42
Ibidem, p. 170.
43
Ibidem, p. 121-122.
10
tal maneira que afete o desenvolvimento econmico. O mercado pode se adaptar s novas
necessidades.
1.2.2 Crtica do Antropocentrismo ao Personalismo
Para o pensamento anterior a Descartes, mais precisamente o pensamento aristotlicotomista (influncia determinante do personalismo), o conhecimento segue a trajetria que vai das
coisas para o intelecto. A representao que aspire realidade precisa ser primeiramente uma
representao sensvel. Em Descartes, ao contrrio, parte-se primeiramente da idia onde o
conhecimento deve ser investigado ampla e internamente no que diz respeito mente, para,
posteriormente, sair da representao para as coisas. Como a experincia sensvel questionvel
o corpo no confivel como fonte de percepo da realidade.44
Para o antropocentrismo a liberdade do indivduo, autonomia de vontade do ser
humano que o faz ser verdadeiramente humano, exercer a sua humanidade. A liberdade
individual est acima das relaes sociais que podem simbolizar uma barreira para a vontade do
indivduo. O que fundamenta uma obrigao moral antropocntrica a razo enquanto o que
fundamenta uma obrigao moral para o personalismo a pessoa (eu mesmo e o outro), o que
significa na viso antropocntrica um retrocesso no processo de evoluo da humanidade.
2 ECOCENTRISMO
Ns no estamos no entorno, ns somos o entorno.45
44
SILVA, Franklin Leopoldo e. Descartes: A metafsica da modernidade. 2. ed. So Paulo: Moderna, 1993, p. 10.
MOLINARO, Carlos Alberto. Racionalidade ecolgica e estado socioambiental e democrtico de direito.
Dissertao (Mestrado em direito) Faculdade de Direito, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
Porto Alegre, 2006, p. 52. Disponvel em: <http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=284>. Acesso
em: 22 maio 2010.
46
KSSMAYER, Karin. Apontamentos sobre a tica ambiental como fundamento do direito ambiental. EOS:
Revista jurdica da Faculdade de Direito/Faculdade Dom Bosco, Curitiba, v. 1, n. 4, jul./dez. 2008, p. 136.
Disponvel em <http://www.dombosco.com.br/faculdade/revista_direito/1edicao-2009/eos-4-2009.pdf>. Acesso em:
13 maio 2010.
47
Ibidem, 136.
48
AMARAL, Diogo de Freitas do. Direito ao meio ambiente. Apresentao, Lisboa, Editora INA, 1994 apud
MILAR, Edis; COIMBRA, Jos de vila Aguiar. Antropocentrismo x ecocentrismo na cincia jurdica. Revista de
direito ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 36, out./dez. 2004, p. 20.
45
11
proteo natureza afirmando que dado naturalidade um valor em si, a natureza passvel de
valorao prpria, independente de interesses econmicos, estticos ou cientficos.49
Toda sociedade humana constitui um conjunto de smbolos que do sentido prpria
sociedade. A ordem social da modernidade, emergida na Europa a partir do sculo XVII, tem
como smbolos as diversas racionalidades advindas de um modelo industrial que compe a
sociedade de consumo e de risco. A lgica do progresso, individualismo, a noo antropocntrica
de mundo e a noo instrumental da natureza so elementos do que chamamos de modernidade.
Esse modelo imediatista e tem a racionalidade econmica orientada para a acumulao de
capital.50
O ritmo da sociedade moderna de constantes mudanas. Contemporaneamente a
realidade nos permite avaliar que as interaes do homem moderno com seu meio, munido pelo
manancial da cincia e da tcnica, foram de tal forma incrveis que acabaram gerando um
potencial destrutivo de risco em larga escala em relao ao meio ambiente material.51
A crise da sociedade contempornea52 uma crise de seus magmas de significaes.
O conjunto de smbolos que representam a sociedade contempornea est sendo abalado em seus
fundamentos. A questo ambiental um dos componentes que integram esta crise. As idias de
crescimento econmico, desenvolvimento, cincia, tcnica e dominao da natureza esto
abaladas. A relao sociedade-natureza se insere neste contexto de crise visto que se acreditava
que desenvolvimento acarretava sair da natureza, domin-la.53
A deflagrao da crise ambiental expe a necessidade de uma nova forma de relao
entre o ser humano e natureza, uma nova postura tica diante do meio ambiente.
A considerao do valor intrnseco do mundo do mundo natural e dos excessos do
antropocentrismo fundamental, um pressuposto, para se pensar a tica da Vida que, em
49
KSSMAYER, Karin. Apontamentos sobre a tica ambiental como fundamento do direito ambiental. EOS:
Revista jurdica da Faculdade de Direito/Faculdade Dom Bosco, Curitiba, v. 1, n. 4, jul./dez. 2008, p. 140.
Disponvel em <http://www.dombosco.com.br/faculdade/revista_direito/1edicao-2009/eos-4-2009.pdf>. Acesso em:
13 maio 2010.
50
MARQUES, Anglica Bauer. Estado de direito ambiental: tendncias : aspectos constitucionais e diagnsticos.
org. FERREIRA, Helini Silvini; MORATO, Jos Rubens. A cidadania ambiental e a construo do estado de direito
do meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2004, p 175.
51
Ibidem, p. 175-176-177.
52
A excessiva competio, acelerao dos processos humanos e a desigualdade social so fatores que colaboram
para o surgimento da depresso, sintoma da crise social da sociedade contempornea. Neste sentido: A depresso
tem diversas causas, algumas delas biolgicas, mas parte dessas causas vem de presses ambientais e, obviamente, as
pessoas pobres sofrem mais estresse em seu dia-a-dia do que as pessoas ricas, e no surpreendente que elas tenham
mais depresso." OMS: Depresso ser doena mais comum do mundo em 2030. Estado, So Paulo, 2 set. 2009.
Disponvel em: <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,oms-depressao-sera-doenca-mais-comum-do-mundo-em2030,428526,0.htm>. Acesso em: 14 maio. 2010. No mesmo sentido: A impresso que se tem, desde a revoluo
industrial, que o tempo em sua dimenso cronolgica vem se acelerando de uma forma exasperante. Quanto mais
tentamos aproveitar o tempo, quanto mais dispomos das horas e dos dias segundo a convico de que tempo
dinheiro, mais sofremos do sentimento de desperdiar a vida. ZANIN, Luiz. Depresso e capitalismo: entrevista
com Maria Rita Kehl. Estado, So Paulo, 22 abr. 2009. Disponvel em: <http://blogs.estadao.com.br/luizzanin/depressao-e-capitalismo-entrevista-com-m/>. Acesso em: 14 maio. 2010.
53
MARQUES, Anglica Bauer. Estado de direito ambiental: tendncias : aspectos constitucionais e diagnsticos.
org. FERREIRA, Helini Silvini; MORATO, Jos Rubens. A cidadania ambiental e a construo do estado de direito
do meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2004, p 176-177.
12
MILAR, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prtica, jurisprudncia, glossrio. 2 ed., So Paulo: revista dos
tribunais, 2001, p. 81.
55
Ibidem, p. 81.
56
GONALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 2. ed., So Paulo: Contexto, 1990, p.
29.
57
Ibidem, 29-30.
58
Ibidem, 31.
59
ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumem Jris,
2002, p. 17.
60
GONALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 2. ed., So Paulo: Contexto, 1990, p.
100-102.
13
homem no est mais hierarquicamente acima dos demais seres ou em uma posio apartada
deles. Faz agora parte de uma srie de relaes de interdependncia entre os mais variados tipos
de entes ambientais.61 O ser humano agora participa da teia da vida (web of life).62
Em um contexto de interdisciplinaridade as cincias se influenciam e realizam um
dilogo entre os conhecimentos, superando a anterior forma fragmentada de saberes. neste
sentido que a cincia do Direito tambm sofre influncia de outros campos do conhecimento,
incluindo a ecologia e de seus conceitos correlatos.
Em 1874, ecologia aparece na obra Anthropognie de Haeckel, onde podemos
entender que ela, pelo menos em parte, constitui-se no quadro cientfico e ideolgico da
economia da natureza, dos equilbrios naturais e da adaptao dos seres vivos s suas condies
de existncia.63
O conjunto de grupos de indivduos de qualquer tipo de organismo que ocupam a
mesma rea denominado pela ecologia como comunidade. A comunidade e o ambiente novivo se articulam, funcionam juntos como um sistema ecolgico ou ecossistema.64 O conceito de
ecossistema privilegia o todo colaborando assim para a superao da concepo atomsticoindividualista. O ecossistema65 constitudo pelo bitopo, que o meio geofsico, e pela
biocenose,66 que so as interaes entre todos os seres vivos que ocupam o espao chamado
bitopo. Constituem assim uma unidade complexa com carter organizador, ou simplesmente,
um sistema.67
Os ecossistemas so sistemas abertos, sempre havendo entrada e sada de energia.
So espaos de qualquer dimenso onde se processam as interaes entre os seres vivos e os
outros componentes do meio, mediante transporte e troca de matria, energia e informao, tudo
isto submetido a um processo de auto-regulao de modo a garantir a estabilidade ou equilbrio
daquele sistema.68 Nessas interaes que se verifica a cadeia trfica, seqncia concatenada
61
SILVA, Olmiro Ferreira da. Direito ambiental e ecologia: aspectos filosficos contemporneos. 1. ed. Barueri:
Manole, 2003, p. 75-76.
62
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: Uma nova compreenso cientfica dos sistemas vivos. So Paulo: Cultrix, 1996.
63
ACOT, Pascal. Histria da Ecologia. Traduo de: Carlota Gomes. Rio de Janeiro: Campus, 1990, p. 28.
64
ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumem Jris,
2002, p. 149
65
Toda e qualquer unidade que englobe todos os organismos que funcionem em conjunto em uma determinada rea
geogrfica, em interao com o meio fsico, de maneira que um fluxo de energia seja capaz de gerar estruturas
biticas definidas e ciclagem de materiais, entre as partes vivas e as no-vivas, um ecossistema. ODUM, Eugene
P. Fundamentos de Ecologia. Traduo de: Antnio Manuel de Azevedo Gomes. 4. ed. Lisboa: Fundao Calouste
Gulbenkian, 1988, p. 2 apud ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. 1. ed. Rio de
Janeiro: Lumem Jris, 2002, p. 151.
66
[...] um grupamento de seres vivos que correspondem, por sua composio, quantidade de espcies e de
indivduos, a determinadas condies mdias encontradas no meio, grupamento de seres ligados em funo de
dependncia recproca e que se mantm, reproduzindo-se em certo lugar, permanentemente. ANTUNES, Paulo de
Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumem Jris, 2002, p. 151.
67
GONALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 2. ed., So Paulo: Contexto, 1990, p.
63.
68
MILAR, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prtica, jurisprudncia, glossrio. 2 ed., So Paulo: revista dos
tribunais, 2001, p. 81.
14
de seres que alimentam uns aos outros ou so por eles nutridos.69 Referente s interaes
ecossistmicas relevante explicitar que cada ecossistema um todo que se organiza a partir das
interaes dos seres que o constituem. Assim, o todo, o ecossistema, s existe pelas interaes
entre as partes e so essas complexas interaes que o constituem.70
Em meio a todas essas trocas e interaes em busca de equilbrio e estabilidade h
ainda a interferncia humana. Alm dos fatores abiticos (ar, gua, minerais e energia) e biticos
(plantas, vegetais em geral, os animais e os microorganismos) que compem um ecossistema71
natural, pode ainda haver o fator cultural, ou seja, o sistema ambiental pode sofrer a influncia da
ao humana. Assim, no ecossistema cultural as alteraes ocorrem pela combinao da ao da
natureza com a interveno humana, seja ela consciente ou inconsciente.72
O ser humano integrante das ntimas relaes que existem em todo o mundo natural.
A ecologia despertou nele a compreenso na qual o homem apenas mais um ente entre tantos
outros, ele mais um elo do repertrio ecolgico. H uma inter-relao de mtua dependncia
entre os entes da natureza.73
A cadeia trfica, bem como a mtua dependncia dos entes ambientais, apontam para
as inter-relaes na forma de interdependncia ou interconvivialidade, assim entende-se que h
paridade entre os entes do repertrio ambiental que caso seja desconsiderada causar prejuzo ao
inter-relacional ambiental.74 Em suma, interconvivialidade um inter-relacional que sofreu
interferncia humana organizada na busca da sobrevivncia possvel e ideal.75
Nesse contexto notamos que o direito vai ao encontro de outras cincias para auxiliar
e ser auxiliado no intuito de superar conceitos que no colaboram para a soluo de questes
atuais. imperioso constatar nesse sentido o quo amplo e complexo o conceito de meio
ambiente76. Envolve todos os tipos de relaes estabelecidas entre os homens individualmente
considerados e, na relao entre os mesmos e o espao onde vivem.77 um todo que engloba
69
Ibidem, p. 82.
GONALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 2. ed., So Paulo: Contexto, 1990, p.
64.
71
H um conceito normativo de ecossistema: Ecossistemas significa um complexo dinmico de comunidades
vegetais, animais e de microorganismos e o seu meio inorgnico que interagem como uma unidade funcional.
BRASIL, Decreto Legislativo n 2, de 03 de fevereiro de 1994, artigo 2. Disponvel em:
<http://www.anbio.org.br/legis/decretoleg2.htm>. Acesso em: 17 maio. 2010.
72
ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumem Jris,
2002, p. 152.
73
SILVA, Olmiro Ferreira da. Direito ambiental e ecologia: aspectos filosficos contemporneos. 1. ed. Barueri:
Manole, 2003, p. 78.
74
Ibidem, p. 80.
75
Ibidem, p. 81.
76
O conceito de meio ambiente h de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza original e artificial, bem
como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a gua, o ar, a flora, as belezas naturais, o
patrimnio histrico, artstico, turstico, paisagstico e arqueolgico. SILVA, Jos Afonso da. Direito ambiental
constitucional. So Paulo: Malheiros, 1997, p. 20.
77
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004, p. 27.
70
15
elementos naturais, artificiais, culturais e do trabalho.78 Pode-se dizer que existem vrios meio
ambientes que interagem, so interdependentes.
na dimenso da transdisciplinaridade e interdisciplinaridade que o direito se socorre
de outras reas do conhecimento para compreender o que meio ambiente, de que forma ele
funciona e como o ser humano deve relacionar-se com seus elementos constituintes.79 Tendo
instrumentos conceituais que permitam reorganizar os conhecimentos podemos compor um
quadro com os diversos saberes das mais diversas cincias, percorrendo permanentemente um
trajeto que vai das partes ao todo e do todo s partes a fim de descobrir um conhecimento
global.80 O direito se insere nessa dinmica uma vez que se o direito se nutre de outros saberes e
precisa interagir com outras cincias, deve forosamente metabolizar conquistas e aceitar as
transformaes que se impem na cadeia de evoluo do mundo. [...] No pode avanar
tortuosamente.81
Inseridos nesse dilogo entre conhecimentos a ciso do pensamento que interroga
deve ser refutada. A ciso implica dualismo, fracionando o objeto a ser apreendido pelo sujeito
que na verdade comporta o dualismo. O dualismo est na verdade na ciso interior do sujeito. As
divises entre mente e corpo, sujeito e objeto, natureza e cultura, j no fazem sentido quando na
realidade estes se relacionam, so interdependentes. 82
Entende-se que pelo ponto de vista do sujeito, objeto quem emite a informao. O
sujeito aquele que recebe as informaes sendo ento sujeito do conhecimento. Inconcebvel
torna-se a idia de puro sujeito visto que se este apenas recebesse informaes no teria nem a si
mesmo como objeto de seu conhecimento. Admitindo-se como sujeito cognoscente afirmaria que
apenas receberia informaes, nunca emitiria, no seria objeto. To inconcebvel quanto o puro
sujeito a idia de puro objeto, que seria um eterno irradiador de informaes e nunca receptor
delas.83 Na realidade sujeito e objeto se exigem complementar e reciprocamente, emitem e
recebem informao, se unem e essa unificao deve ser buscada na constituio de cada um
deles (nas suas relaes interiores), vale dizer, nas constituies recprocas dos entes que so,
cada um, por si mesmos, inseparavelmente sujeitos e objetos.84
78
DEEBEIS, Toufic Daher. Elementos de direito ambiental econmico. So Paulo: Max Liminad, 1997, p. 20 apud
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004, p. 27.
79
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004, p. 18-19.
80
MORIN, Edgar (org.). A religao dos saberes: o desafio do sculo XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p.
491.
81
MILAR, Edis; COIMBRA, Jos de vila Aguiar. Antropocentrismo x ecocentrismo na cincia jurdica. Revista
de direito ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 36, out./dez. 2004. p. 31-32.
82
MOLINARO, Carlos Alberto. Racionalidade ecolgica e estado socioambiental e democrtico de direito.
Dissertao (Mestrado em direito) Faculdade de Direito, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
Porto Alegre, 2006, p. 33-34. Disponvel em: <http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=284>.
Acesso em: 22 maio 2010.
83
Ibidem, p 57.
84
Ibidem, p 58.
16
Ibidem, p 55.
MICHAELIS. Moderno dicionrio da lngua portuguesa. Verso digital, So Paulo: Editora Melhoramentos.
Disponvel
em:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=encontrar>. Acessado em: 23 maio 2010.
87
MOLINARO, Carlos Alberto. Racionalidade ecolgica e estado socioambiental e democrtico de direito.
Dissertao (Mestrado em direito) Faculdade de Direito, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
Porto Alegre, 2006, p. 55. Disponvel em: <http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=284>. Acesso
em: 22 maio 2010.
88
BOFF, Leonardo. Ecologia, mundializao espiritualidade: a emergncia de um novo paradigma. 3. ed., So Paulo,
Editora tica,1999 apud DURN, Jos Duran y. Comisso Nacional dos Diconos. Alteridade na sociedade
contempornea
desde
o
ponto
de
vista
teolgico.
Disponvel
em:
<
http://www.cnd.org.br/art/duran/alteridade.asp#nota2 >. Acesso em: 22 maio 2010.
89
Ibidem, p. 64-65.
90
Ibidem, p. 65.
91
KSSMAYER, Karin. Apontamentos sobre a tica ambiental como fundamento do direito ambiental. EOS:
Revista jurdica da Faculdade de Direito/Faculdade Dom Bosco, Curitiba, v. 1, n. 4, jul./dez. 2008, p. 140.
86
17
18
respeito vida em toda a sua manifestao [bitica-abitica], e tambm, [...] a vida da natureza
em si.99
2.2 CRTICAS DO ECOCENTRISMO
2.2.1 Crtica do Ecocentrismo ao Antropocentrismo
O ecocentrismo responsabiliza a viso antropocntrica por dar ao homem o papel de
dominador da natureza que dela pode usufruir sem limites uma vez que ele foi colocado em um
pedestal e [...] nenhuma cultura colocou o ser humano em pedestal to elevado quanto a
ocidental.100 Enquanto o humanismo supervalorizou a posio do homem no universo, o
mecanicismo coisificou e instrumentalizou a natureza no-humana.101
Vivemos uma crise de paradigma. na ausncia de limites que o indivduo se
hipertrofia e consequentemente a crise ambiental se alicera. J no conseguimos discernir o que
nos distingue do animal, do que tem vida, da natureza. Tambm no conseguimos discernir o que
nos une a eles, vivendo tambm uma crise de vnculo.102
O modelo mecanicista nos impe uma viso fragmentada da realidade, do
conhecimento, seja do conhecimento dos outros ou de ns mesmos. A crise da civilizao
tambm uma crise existencial, do indivduo. A viso instrumentalizadora da natureza condiciona
o comportamento humano de tal forma que relao ser humano/ser humano conferida a
mesma dinmica que dada relao ser humano/natureza, ou seja, a relao ser humano/ser
humano tornar-se uma relao sujeito/objeto. O ser humano passa a ser coisa, reificado. O
homem no reconhece o outro e no se reconhece no outro. um indivduo em busca de coisas
que lhe proporcionam satisfao. 103
Da derivam tambm as formas de dominao exercidas por uma cultura sobre a
outra, sobretudo da civilizao ocidental antropocntrica, como o domnio do europeu branco
sobre os outros povos, o domnio do homem sobre as mulheres, preponderncia das classes mais
abastadas sobre as menos favorecidas, entre outros exemplos.
Exposta dessa forma a crise ambiental supera a questo da crise ecolgica, uma
crise de valores, uma crise de uma sociedade e sua cosmoviso. A questo ambiental tambm
engloba preocupaes sociais visto que bilhes de pessoas da comunidade global tm
necessidade de desenvolvimento socioeconmico para ter acesso ao ambiente sadio que viabilize
o desenvolvimento humano e uma vida digna. Como ilusrio pensar que toda a humanidade
poder viver conforme os padres do primeiro mundo, a humanidade, levada pelo
99
Ibidem, p. 101.
NETO, Aristides Arthur Soffiati. Ecossistemas aquticos: antropocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo.
Revista de Direito Ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 10, n. 37, jan./mar. 2005, p. 204.
101
Ibidem, p 205.
102
OST, Franois. A natureza margem da lei: a ecologia prova do direito. Lisboa : Instituto Piaget, 1995, p. 9.
103
MILAR, Edis; COIMBRA, Jos de vila Aguiar. Antropocentrismo x ecocentrismo na cincia jurdica. Revista
de direito ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 36, out./dez. 2004. p. 35-36.
100
19
104
MILAR, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prtica, jurisprudncia, glossrio. 2. ed. So Paulo: revista dos
tribunais, 2001, p. 85.
105
Nancy Mangabeira Unger, O Encatamento do Humano: Ecologia e Espiritualidade. So Paulo: Loyola, 1991, p.
71. apud MILAR, Edis; COIMBRA, Jos de vila Aguiar. Antropocentrismo x ecocentrismo na cincia jurdica.
Revista de direito ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 36, out./dez. 2004. p. 36.
106
NETO, Aristides Arthur Soffiati. Ecossistemas aquticos: antropocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo.
Revista de Direito Ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 10, n. 37, jan./mar. 2005, p. 205.
107
MILAR, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prtica, jurisprudncia, glossrio. 2. ed. So Paulo: revista dos
tribunais, 2001, p. 85.
108
HOBBES, Thomas. Leviat ou matria, forma e poder de um Estado eclesistico e civil. So Paulo: Abril
Cultural, 1974; SERRES, Michel. O contrato natural. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1991 apud NETO, Aristides
Arthur Soffiati. Ecossistemas aquticos: antropocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo. Revista de Direito
Ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 10, n. 37, jan./mar. 2005, p. 205.
20
acima dos outros seres. O que importa, acima de tudo, o relacionamento com Deus e no com
o mundo natural.109
Aquilo que tido como sagrado tem mais probabilidade de ser tratado com respeito
110
e cuidado e negando essa caracterstica natureza ela est aberta explorao. Deus est
acima e separado do mundo e ao homem foi conferido o direito de usar a natureza conforme seus
interesses.111
Com a irrupo do monotesmo hebraico e seu desdobramento no cristianismo e no
islamismo, foi dado o passo inicial para a dessacralizao da natureza na acepo atual.
[...] tudo se passou como se a divindade incriada e criadora absorvesse a sacralidade do
mundo e a concentrasse na sua pessoa absoluta, onipotente, onipresente e onisciente.112
Da em diante, Deus e Natureza tornam-se realidades distintas e separadas, ocupando o
homem posio intermediria entre ambas. Lanam-se, assim, as razes do
teocentrismo-antropocentrismo e da histria.113
3 ECOLOGISMO PERSONALISTA
[...] el hombre es un don que ama.[...]
El hombre es imago Dei en cuanto ama.114
PONTING, Clive. Uma histria verde no mundo. Traduo de: Ana Zelma Campos. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 1995, p. 241.
110
MILAR, Edis; COIMBRA, Jos de vila Aguiar. Antropocentrismo x ecocentrismo na cincia jurdica. Revista
de direito ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 36, out./dez. 2004. p. 37.
111
PONTING, Clive. Uma histria verde no mundo. Traduo de: Ana Zelma Campos. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 1995, p. 241.
112
PAPAIOANNOU, Kostas. La consecration de lhistoire. Paris: Champ Libre, 1983; ELIADE, Mircea. O sagrado
e o profano. Lisboa: Livros do Brasil, s/d; e Aspecto do mito. Lisboa: Edies 70, s/d apud SOFFIATI, Arthur. A
natureza no pensamento liberal clssico. Revista de Direito Ambiental, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 5, n.
20, out./dez. 2000, p. 161.
113
SOFFIATI, Arthur. A natureza no pensamento liberal clssico. Revista de Direito Ambiental, So Paulo: Revista
dos Tribunais, ano 5, n. 20, out./dez. 2000, p. 161.
114
BALLESTEROS, Jess. Ecologismo Personalista. Madri: Tecno, 1995, p. 98.
115
Ibidem, p. 35-36.
21
A mais conhecida definio de pessoa nos dada por Severino Bocio onde diz que
persona est rationalis naturae individua subtantia (a pessoa uma substncia individual de
natureza racional).119 Para So Toms a pessoa significa o que de mais nobre h no universo,
isto , o subsistente de uma natureza racional.120 Substncia aquilo que em si e no em outra
coisa. essencialmente independente; para subsistir no depende de estar em outro sujeito. A
referida independncia chamamos de subsistncia. Subsistncia, ento, a aptido para ser sem
dependncia.121
O ser humano que um composto psicossomtico, corpo e psique (ou alma), dispe
da prpria natureza para livremente realizar-se. A pessoa, ser em si, alm de corpo e alma tem
uma personalidade, que prpria de cada ser humano. Pessoa ser humano em relao, precisa
do outro para perceber-se como pessoa. A pessoa um fim em si mesmo e reconhecendo a si
mesmo e ao outro como pessoa, reconhece que o outro um fim em si mesmo. Ento o outro, que
pessoa, no pode ser coisa. A relao entre pessoa com os outros tem essencialmente o carter
de dilogo. Na relao pessoa e coisa imperam a posse, a utilizao, fatalidade, arbtrio. Quando
estas caractersticas se fazem presente na relao entre pessoas, na relao eu-tu, a pessoa j no
mais pessoa. O outro passa a ser uma coisa. Interrompe-se a possibilidade de dilogo, de
descoberta do outro e conseqentemente do ser humano enquanto pessoa.122
116
Ibidem, p. 13.
MONDIN, Battista. O homem: quem ele?: elementos de antropologia filosfica. Traduo de: R. Leal Ferreira e
M. A. S. Ferrari, reviso de: Danilo Moraes. So Paulo: Edies Paulinas, 1980, p. 285.
118
MORAES, Walter. Concepo Tomista de Pessoa. Um contributo para a teoria do direito da personalidade.
Revista de Direito Privado, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 1, n. 2, abr./jun. 2000, p. 191.
119
BOCIO, Contra Eutichen et Nestorium apud MONDIN, Battista. O homem: quem ele?: elementos de
antropologia filosfica. Traduo de: R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari, reviso de: Danilo Moraes. So Paulo:
Edies Paulinas, 1980, p. 286.
120
AQUINO, So Toms. Summa Theologiae. I, 29, 3 apud MONDIN, Battista. O homem: quem ele?: elementos
de antropologia filosfica. Traduo de: R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari, reviso de: Danilo Moraes. So Paulo:
Edies Paulinas, 1980, p. 286.
121
MORAES, Walter. Concepo Tomista de Pessoa. Um contributo para a teoria do direito da personalidade.
Revista de Direito Privado, So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 1, n. 2, abr./jun. 2000, p. 191-192.
122
MONDIN, Battista. O homem: quem ele?: elementos de antropologia filosfica. Traduo de: R. Leal Ferreira e
M. A. S. Ferrari, reviso de: Danilo Moraes. So Paulo: Edies Paulinas, 1980, p. 288-294.
117
22
Resta saber qual caracterstica define o homem como pessoa e os animais no. Qual
o algo mais que o diferencia? O que possibilita o homem fazer tantas transformaes e
compreenses? O que distingue as pessoas das coisas, no nvel fenomelgico, mais
profundamente a capacidade de comunicao.125
O homem pessoa porque dotado de um modo de ser que supera nitidamente o modo
de ser das plantas e dos animais [...]. Ora, o que absolutamente peculiar ao seu ser com
relao ao das outras coisas deste mundo que, no obstante a sua autonomia no ser, no
obstante a sua clausura ontolgica, no obstante a sua fora individual, ele conserva uma
extrema abertura intencional (tanto no conhecer quanto no querer), pela qual capaz de
toda sorte de comunicao com as coisas, com os outros, com Deus. Observamos,
tambm, que graas a tal abertura fundamental o homem se autotranscende
sistematicamente em todas as direes.126
123
MONDIN, Battista. Definio Filosfica da Pessoa Humana. Traduo de: Ir. Jacinta Turolo Garcia. Bauru:
EDUSC, 1998, p. 14-17.
124
PALMA, Anu do Canto. O direito de acesso e exerccio de cargos pblicos pelos adventistas do stimo dia:
privilgio ou justia. Monografia (Graduao em Cincias Jurdicas e Sociais) Faculdade de Cincias Jurdicas e
Sociais, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007, p. 15. Disponvel em:
<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2007_1/anue_canto.pdf>. Acesso em:
1 jun. 2010.
125
MONDIN, Battista. O homem: quem ele?: elementos de antropologia filosfica. Traduo de: R. Leal Ferreira e
M. A. S. Ferrari, reviso de: Danilo Moraes. So Paulo: Edies Paulinas, 1980, p. 296.
126
Ibidem, p. 296-297.
23
primeira Pessoa criadora, que o criou como imago Dei. Deus dotou o homem de um pensamento
que o torna capaz administrar a realidade para o bem do homem e da natureza.127
Antes de proteger os direitos dos animais, o mais razoavl seria criar condies de
vida que colaborem para a realizao das pessoas. Lo esencial no es la defensa de los derechos
de los seres no humanos frente a los humanos, sino la garanta de condiciones de vida dignas para
todos los seres humanos.128
Quatro elementos principais constituem a pessoa, a saber, autonomia quanto ao ser,
autoconscincia, comunicao e autotranscendncia. Para Mondin o elemento que melhor ilustra
a grandeza da pessoa humana a autotranscendncia. Esta sinal de espiritualidade e
espiritualidade pertence somente ao homem. Esta seria, portanto, a razo profunda pela qual o
homem pessoa e as coisas no o so: o homem dotado de esprito, enquanto as coisas dele so
carentes.129 Outra propriedade da autotranscendncia a dinamicidade. Ela nos mostra que o ser
humano no algo que nasce pronto e acabado e sim, uma imensa gama de possibilidades, a
pessoa em grande medida uma conquista. [...] justamente a autotrancendncia que leva o
homem continuamente para alm do que j e possui, propondo-lhe sempre novos objetivos e
novas conquistas.130
O ser humano livre para cuidar dos outros seres e ao mesmo tempo dependente
dos outros seres. Somente o homem tem deveres e obrigaes devido a sua dupla condio de ser
livre e dependente.131 A principal funo da tica ambiental para o ecocentrismo reside na
conscincia do ser humano em saber que proteger a natureza proteger a si mesmo. Para que o
homem seja superior ao resto da criao necessrio que ele preserve, cuide, administre o
ambiente sabendo que ao cuidar do entorno est cuidando de si mesmo.132
O ser humano tem o direito de transformar as coisas, todavia no tem o direito de
destru-las. Ao destru-las no projeta o resultado de sua ao ao futuro. Esquece que ao agir de
maneira que degrada o ambiente compromete a relao com os outros e renuncia aquilo que o
torna superior ao outros animais. Age sem conhecer, ou ignora o que conhece, inviabilizando
comunicaes inclusive futuramente. Eventualmente pode tambm usar a razo para alcanar
satisfaes efmeras que da mesma forma comprometem o futuro e a harmonia da relao com os
outros. Essa situao se encontra nas relaes de consumo que no poucas vezes atendem apenas
a caprichos, manifestando uma crescente tendncia consumista. A proteo dos indivduos em
situao de vulnerabilidade econmica um compromisso do ecologismo personalista. Neste
entendimento se afirma a responsabilidade dos pases do Norte, mais desenvolvidos, e que
127
24
Ibidem, p. 42.
Ibidem, p. 42.
135
Ibidem, p. 98.
136
PALMA, Anu do Canto. O direito de acesso e exerccio de cargos pblicos pelos adventistas do stimo dia:
privilgio ou justia. Monografia (Graduao em Cincias Jurdicas e Sociais) Faculdade de Cincias Jurdicas e
Sociais, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007, p. 15. Disponvel em:
<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2007_1/anue_canto.pdf>. Acesso em:
1 jun. 2010.
137
BALLESTEROS, Jess. Ecologismo Personalista. Madri: Tecno, 1995, p. 37.
134
25
138
139
26
Ibidem, p. 15.
MONDIN, Battista. O homem: quem ele?: elementos de antropologia filosfica. Traduo de: R. Leal Ferreira e
M. A. S. Ferrari, reviso de: Danilo Moraes. So Paulo: Edies Paulinas, 1980, p. 297.
145
Ibidem, p. 295.
146
MONDIN, Battista. Definio Filosfica da Pessoa Humana. Traduo de: Ir. Jacinta Turolo Garcia. Bauru:
EDUSC, 1998, p. 26.
147
Ibidem, p. 26.
148
AQUINO, Toms apud BALLESTEROS, Jess. Ecologismo Personalista. Madri: Tecno, 1995, p. 36.
149
MONDIN, Battista. O homem: quem ele?: elementos de antropologia filosfica. Traduo de: R. Leal Ferreira e
M. A. S. Ferrari, reviso de: Danilo Moraes. So Paulo: Edies Paulinas, 1980, p. 295.
150
MARITAIN, Jacques. Revue Thomiste, p. 248 apud MEINVIELLE, Julio. Critica de la Concepcion de Maritain
Sobre La Persona Humana. Buenos Aires: Nuestro Tiempo, 1948, p. 26.
144
27
CONCLUSO
Primeiramente nota-se que a diviso utilizada nos captulos, a saber,
antropocentrismo, ecocentrismo e personalismo, no esgota possveis variaes terminolgicas
que podem ocorrer no esforo de classificar as referidas teorias. Foram adotadas as denominaes
mais recorrentes nos textos e artigos pesquisados.
No que tange as diferenas, podemos dividir as teorias em dois grandes grupos:
antropocentrismo e ecocentrismo. Enquanto no antropocentrismo, em regra geral, o homem
descreve o mundo baseado em seus interesses e d natureza valor instrumental, o ecocentrismo
busca uma nova tica, uma tica da natureza, onde tentando superar o paradigma antropocntrico
atribui natureza um valor prprio. No ecocentrismo a natureza um fim em si mesma.
O avano tecnolgico e cientfico serve como base teoria antropocntrica para que
os problemas ambientais sejam superados, entre eles, a finitude dos recursos naturais. O
desenvolvimento industrial e econmico trata de atender a demanda das necessidades humanas. A
crena nas potencialidades humanas to intensa que por meio de novas descobertas pretende-se
reduzir os prejuzos j causados ao meio ambiente, prevenir futuros prejuzos e manter a
produo industrial de forma que atenda aos anseios dos indivduos sem comprometer o acesso a
um ambiente saudvel para as geraes futuras. Recentemente a criao de clulas artificiais em
laboratrio renovou a esperana da sociedade em restabelecer um ambiente saudvel e
equilibrado, sobretudo em acidentes com derramamento de leo ao mar.151 Ocorre que mesmo
que se concretize a esperana em relao a novos meios de recuperao de ambientes degradados
a natureza continua tendo um carter instrumental para o antropocentrismo. Assim na viso
antropocntrica o conceito de natureza tem uma tendncia de no abarcar o ser humano, so
151
28
coisas distintas onde a relao resulta de uma harmonia construda por um altrusmo do ser
humano.
Ao ecocentrismo, na busca de um ambiente equilibrado, cabe a tarefa de
conscientizar a sociedade sobre o valor intrnseco da natureza que deve ser tratada ento como
um fim em si mesma e no instrumentalmente, como um meio. Mesmo com a descoberta de
novos instrumentos para a recuperao e proteo do ambiente, devido ao valor atribudo
natureza, o uso dos bens ambientais no pode ser centrado apenas nos desejos humanos e sim na
interpretao da importncia dos entes em relao que compem o ambiente.
Aps esses dois grandes grupos (antropocentrismo e ecocentrismo), foi analisado o
personalismo ecologista. O personalismo ecologista, a princpio, se assemelha ao que chamamos
de antropocentrismo, visto que tambm considera que a natureza tem um valor instrumental,
colocando o homem acima dos outros seres que no possuem a mesma capacidade de abstrao e
por conseqncia, no possuem a mesma capacidade de produzir cultura e de exercer liberdade,
se afastando dos instintos. Desta forma no estaria equivocado concluir que o personalismo pode
ser classificado como uma espcie do gnero antropocntrico.
Ocorre que mesmo sendo o personalismo ecologista uma tendncia considerada
antropocntrica, h nele elementos que o diferenciam do antropocentrismo em sentido estrito e
outros elementos que o aproximam do ecocentrismo, sem que ele deixe de integrar o grande
grupo do antropocentrismo.
A diferena entre o ecologismo personalista e o antropocentrismo que o
personalismo v o ser humano como guardio da natureza. Mesmo que o homem seja diferente
dela por estar em uma situao de oposio irredutvel em relao a tudo aquilo que no
pessoa, ele parte da natureza. O ser humano transcende ao mundo das coisas, todavia reconhece
a sua dependncia da natureza. A livre razo confere ao homem a capacidade de reconhecer-se
como diferente da natureza e ao mesmo tempo dependente e responsvel por ela. Os recursos
naturais devem ser utilizados de tal forma que colabore para o bem comum; devem ser utilizados
de tal maneira que auxiliem os grupos e seus respectivos membros a atingirem uma situao de
realizao, sempre considerando que a pessoa humana necessita da sociedade para realizar-se.
Da decorre a necessidade da pessoa humana reconhecer que tem um dbito com a sociedade,
devedora das condies que tornam possvel a existncia humana, inclusive das condies
ambientais. Esse compromisso da pessoa humana com a sociedade e conseqentemente com o
meio ambiente um ponto onde o personalismo ecologista aproxima-se da teoria ecocntrica.
O personalismo acredita que cada pessoa tem um lugar a ocupar e uma funo para
cumprir dentro do kosmos, sempre no intuito de promover a harmonia. Na verdade isso no
vale somente para as pessoas, vale para tudo o que existe. Onde se conclui que tudo o que existe
tem um lugar e uma funo a cumprir dentro do kosmos e todos os componentes desse
kosmos exercem alguma funo para a promoo da harmonia. Quando o personalismo
considera que todos os elementos que compem o kosmos tm alguma funo ele est
conferindo natureza um valor, uma importncia, e assim, aproxima-se do ecocentrismo sem
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deixar de diferenciar-se deste quando admite que o ser humano tem um carter sagrado que o
torna um ser especial.
Por fim, para responder a pergunta como devo agir diante da natureza necessrio
saber alm de o que natureza, quem o agente. Mais que isso, preciso saber o que ele . A
relao entre homem e natureza receber diferentes exigncias ticas conforme a resposta que
damos pergunta: quem o homem? Posteriormente podemos questionar: o que natureza (para
o homem)? E como o homem deve agir em relao natureza? Conforme as respostas podemos
enquadrar a ao devida como antropocntrica ou ecocntrica.
Conclui-se que a tutela do meio ambiente se dar em razo do valor instrumental da
natureza ou do valor em si conferido natureza, o que no impede que posteriormente outras
especificidades sejam constatadas e criem outras subdivises dentro dos grupos maiores de
pesquisa.
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