Resumo - Reinventando A Cultura - Muniz Sodré
Resumo - Reinventando A Cultura - Muniz Sodré
Resumo - Reinventando A Cultura - Muniz Sodré
FORTALEZA CE 2012
Resenha do livro apresentada para obteno de nota final na disciplina de Estudos Culturais, pela ps graduao em Teorias da Comunicao e da Imagem pela Universidade Federal do Cear, ministrada pelo professor Alexandre Barbalho
FORTALEZA CE 2012
SODR, Muniz. Reinventando a cultura, a comunicao e seus produtos. 5. Ed. Editora Vozes. 1996. Petrpolis, RJ. 180 p.
Este trabalho de Muniz Sodr est primoroso. Com o livro ele expe extensivamente os conceitos que trabalha no Programa de Ps-graduao em Comunicao e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, trazendo mente do leitor as formas e produtos da tecnocultura to presente nos tempos atuais desta chamada modernidade tardia que vivemos, onde cultura aqui, pode ser entendida como produto mercadolgico e sua proliferao segue as vias mercadolgicas que visam o aumento do lucro e seus adjacentes como a permanncia no poder e controle. Dividida em oito captulos, o autor traz luz a origem dos principais conceitos para entendermos comunicao, cultura e suas ramificaes, porm Sodr coloca em confronto esses conceitos com os conceitos atuais que a lgica de mercado vem ressignificando. Atravs dos captulos - a ideia, o sujeito, o poder, cultura democrtica, da obra ao produto, a forma da notcia, um romance familiar e mutao identitria o autor argumenta objetivamente como se percebido subjetivamente a concepo de tecnocultura. Abaixo sero analisados criticamente os principais pontos da obra, buscando trazer a despeito do resumo, da condensao uma unidade vital argumentativa para a compreenso do livro, mas principalmente, para a compreenso dos conceitos. Esta compreenso servir de base para a formao de um pensamento crtico de quem est lendo esta resenha no que diz respeito cultura nos tempos modernos, suas mutaes conceituais, prticas, objetivas e subjetivas, alm de seu papel dentro de uma sociedade tecnolgica e imagtica.
A IDEIA
Para falar de comunicao devemos elucidar o termo para uma melhor compreenso: comunicao a ao de pr em comum tudo aquilo que no deve permanecer isolado; faz isso atravs de recursos simblicos de atrao, mediao ou vinculao. A mediao se d atravs da linguagem, e sua manifestao social implicam sempre discurso como fundamento ontolgicoexistencial. Comunicar , conforme Ccero, sinnimo de participao social. Outro conceito importante a diferena entre retrica e dialtica. A primeira diz respeito arte de argumentar com eloqncia no espao pblico com o objetivo de persuadir os cidados; a segunda trata no s da tcnica retrica de convencimento de crenas mas de impor clareza das idias, reflexo e definio precisa dos conceitos. A atrao social reconhecvel por um vocabulrio objetivo torna-se o objeto de disputa entre a retrica (campo dos sofistas) e dialtica (campo dos filsofos). Eles disputam o domnio do logos, essa imagem do mundo que se
impe como instrumento de apreenso do real. O que preocupa Plato o perigo da falsidade inerente ao ilusionismo do discurso (apate) ensejado pela retrica, esta, portanto, apresentada como um conhecimento adulatrio, vazio e eticamente intil. Estabelece-se na discusso a diferena entre retrica e dialtica, crena e saber. O debate importante pois coloca em jogo no o poder puro e simples, mas a perfeio de um projeto educativo. A questo do poder junto posio filosfica legitimado pela episteme (o saber, a cincia). Portanto saber poder, conhecimento garantia desse poder. Revendo esses conceitos acima pode-se perceber que essa discusso entre retrica e dialtica se estende at o pensamento contemporneo, onde nos questionamos (ou somos influenciados) sobre o que comunicao verdadeira e o que comunicao enganosa. O ocidente incorporou a argumentao platnica de que a cultura o meio de se fornecer vida social os objetos retos, justos e belos. Aos sofistas reserva-se o mundo das crenas apaixonadas e das aparncias, como a esfera do no-srio, do jogo. Na modernidade, as descries fenomenolgicas da comunicao apreendem a comunicao como relao recproca entre conscincias comprometidas numa situao presente. A complexidade desses pensamentos no sugere resumos fceis, mas elucidar situaes concretas vividas de comunicao ou seus obstculos. Seguindo essa linha, Scheler aplica realidade dos valores a fenomenologia de Husserl e conclui que acima da conscincia individual vige a fora de uma comunidade espiritual como fundamento de qualquer ato reflexivo ou comunicativo. Ele funda uma tica que tem como objetivo descrever, por meio de tipos idias, os valores que possibilitam a comunicao. Jaspers acentua que hoje se impe uma exigncia de comunicao verdadeira num mundo em que os homens cada vez mais numerosos, e sem a garantia dos valores comunitrios, deixam de se compreender, imergindo na indiferena. As trocas constantes da vida cotidiana, no autorizam falar em comunicao verdadeira, pois esta exige acesso do sujeito conscincia em si. Heidegger diz que comunicao nunca a transposio de vivncias, opinies e desejos, do interior de um sujeito para o interior de outro sujeito, mas sim a partilha, no discurso, da disposio e da compreenso enquanto modalidades temporais da existncia que constituem a abertura do ser no mundo, abertura oposta ao fechamento do sujeito moderno sobre si mesmo. Habermas, mais recentemente, e ainda seguindo essa evoluo conceitual da compreenso da comunicao enquanto fenmeno, associa a comunicao tica, buscando por meio do agir comunicativo, critrios de funcionalidade social. Ele se preocupa com a transformao das formas tradicionais de sociabilidade por dispositivos modernizantes orientados
exclusivamente por valores instrumentais (controle e lucro) substituindo a tica pelo direito na regulao das aes sociais. O homem disposto comunicao no dono por inteiro do que diz como sustenta Lacan porque no domina sua casualidade interna, nem pode responder o tempo todo pela continuidade de seu discurso concreto. A proposta da prtica psicanaltica a reconduo do indivduo comunicao consigo mesmo. Partindo desse aparato conceitual, para se entender os processos culturais hoje, preciso compreender o fenmeno comunicativo e discursivo engendrado pelas tecnologias avanadas da informao. A cultura hoje passa a servir de forma cada vez mais direta reproduo ampliada das relaes capitalistas. da que surge o termo indstria cultural: a transio da cultura burguesa elitista para uma cultura burguesa de massa, se desenvolvendo com uma natureza mercantil, voltadas s relaes de produo econmica. Com a tecnologia abolem-se as distancias de tempo e espao, onde esta cultura passa a ser representada por efeitos de instantaneidade, globalidade e simultaneidade. Essa caracterstica atual muito se assemelha velha arte retrica dos sofistas com a magia das palavras, o fascnio mgico das imagens e demagogia semelhantes velha adulao da sofstica. Nos tempos atuais o modelo mecanicista (o emissor que envia uma mensagem a um receptor) colocado em oposio por Tericos que admitem o processo comunicacional como interpenetrao do sujeito com o meio-ambiente tcnico e natural, assim a realidade passa a fazer parte do sujeito e vice-versa. A comunicao deixa de separar o sujeito da realidade j que um interfere no outro. Jean Baudrillard, por exemplo, diz que no pensamento ps-moderno a comunicao um sistema transcultural ou um lugar interativo de estruturas diversas. Para ele a realidade destituda de qualquer objetividade que no sejam simulacros ou signos reversveis, assim, por exemplo, a Disneylndia simulacro de uma America imaginria, e essa mesma Amrica simulacro da Disneylndia. Comunicao se torna, portanto, sintoma terico da crise onde a massa sem atributo, sem predicado, sem qualidade, sem referncia, sendo o buraco negro onde se abisma o social. Os meios de comunicao de massa com todos os seus aparatos de tecnologia da informao constituem a face mais visvel desse capitalismo transnacional que redimensiona formas de comportamento e percepo. Cultura a pragmaticamente ligada ao mercado. A realidade virtual, compreendida como um real ancorado no plano da pura representao, altera a nossa percepo e faz evanescer-se a realidade tradicional. As telas constituem o espao em que imagens e dgitos criam uma nova sintaxe no mundo. Nas indstrias culturais j clssicas, a matria prima feita de entretenimento e opinio, ou seja, representaes sem exigncia de verdade,
mas necessrias vinculao ou coeso social. Implicam uma ordem tecnocultural, desvinculada do impulso clssico de produo de verdade, que traduz o rompimento com as opinies e os saberes j institudos em busca de um real, ou como Baudrillard cita: Nem informao, nem comunicao, mas referendo, teste perptuo, resposta circular, verificao do cdigo. Essas criticas todas industria cultural e tecnocultura implica, nos dias de hoje, novos paradigmas, no sentido que Thomas Khun elucida: conjunto de crenas comuns, partilhadas por pesquisadores ou cientistas a respeito de um determinado fenmeno. bastante vivel a hiptese que hoje se opere uma lgica de cultura mais sofstica do que platnica, ou seja, uma lgica que assume abertamente a iluso como via para a experincia do real em oposio seriedade da razo institucionalizada. A tecnocultura aprofunda tecnologicamente a crise. Dentro dela no h mais paradigmas estveis, a no ser o mercado como modelo de estruturao das formas de elaborao da realidade e a comunicao como pura velocidade de passagem de informao sem referencias fixas e nem horizonte conhecido.
O SUJEITO
A partir de Kant sabemos que o conceito de homem , antes de tudo, uma subjetividade capaz de atribuir sentido ao mundo, transformando os dados de uma realidade sensvel em objeto de conhecimento, atravs dos recursos da racionalidade. O homem racional possui a si prprio, sendo por isso independente, autnomo, um fim em si mesmo. Isso lhe garantiria valor absoluto como sujeito de uma conscincia moral. Superando o ponto de vista kantiano da conscincia e vontade individual, Hegel tematiza a sociabilidade ao conceber a humanizao como luta pela conquista da subjetividade. Tornar-se plenamente humano implica o reconhecimento dos indivduos como seres livres, iguais, no interior de uma sociedade. Portanto na cultura ocidental, em sua modernidade, apia-se numa metafsica que separa radicalmente sujeito e objeto, fazendo da subjetividade a fonte original de doao de sentido ao mundo. Hegel quem descreve a passagem de um plo a outro da dualidade, mostrando que pelo trabalho o indivduo constri o mundo a partir de si, podendo nele reencontrar-se, uma vez que o trabalho a sua objetivao. O primado do indivduo como ser moral e autnomo assinalado pela declarao dos Direitos do Homem e do Cidado (pela assemblia constituinte francesa) onde assinala que a liberdade um pressuposto da igualdade, pois preciso que os indivduos tenham autonomia para poderem trocar em condio de igualdade.
Nesse ambiente de troca social e autonomia dos indivduos o prestgio crescente da imprensa se deu por garantir livre manifestao da subjetividade civil, diferente da democracia grega que entendia liberdade como poltica, ou seja, participao do indivduo na polis. A democracia moderna, portanto, volta-se para a liberdade civil onde se sustenta a proteo do cidado contra o poder da polis ou estado. Com isso o horizonte ideolgico da imprensa sempre foi a elevao cultural e moral das massas; o homem moderno ento capaz de integrar-se numa ordem social voltada para a circulao de informao geridas por mquinas de comunicar. Weiner sugere que homem e mquina tm o mesmo estatuto ontolgico, pois ambos definem-se, em ltima anlise, como aparelhos que tomam decises com base em decises feitas no passado. Para a questo da subjetividade o seu maior interesse est implcito o conceito que: se tudo mecnico na comunicao, no haveria mais sujeitos comunicantes, e sim comunicao em estado puro. Isto geraria, portanto, outras concepes ticas baseadas numa metafsica da comunicao (tudo comunica, tudo comunicao). Na socializao por redes, o sujeito obrigado a ligar-se interativamente a circuitos comunicacionais. O corpo do indivduo enreda-se na trama tecnolgica, onde a interface o motor de contato entre indivduos. Orientam-se por a hipteses como a de Jean Baudrillard de que a informao devora a comunicao e o social, sem produzir verdadeiramente sentido. Por trs de uma encenao exarcebada da comunicao, os meios de comunicao de massa poderiam estar liquidando a velha lgica social e fazendo aparecer uma nova (ainda sem tica prpria), a da vinculao comutativa ou interativa entre sujeitos. Trazendo para a atualidade, o conceito de massa, depois das reflexes acima, designa um algoritmo de um fluxo de informao que organiza a modernidade do capitalismo, desde as instancias de produo at as do consumo. Estamos longe do humanismo setecentista e oitocentista que justificam com liberdade o empenho de desenvolvimento racionalista do princpio da subjetividade. A histrica realizao social do homem pela atividade poltica trocada pela liberao adulatria e auto-ertica dos desejos. Sendo assim, hoje, a prtica tecnocultural das redes de comunicao de massa capaz de legitimar novos modelos de controle social por dramatizar o cotidiano e a Histria, instrumentalizando a narrativa, para sugerir valores ticos consensuais. De fato o aumento quantitativo da informao no diminui o analfabetismo absoluto ou funcional. Igualmente o incremento da tecnologia na vida cotidiana no promove a melhoria das condies gerais e concorre cada vez mais para o desemprego em massa. No se trata mais de lutar pela modernizao ou pelos direitos civis em face do Estado; a questo dos meios de comunicao de massa assegurar a lgica de controle social sob as
O PODER
Para Bruce Sterling, especialista em redes cibernticas internacionais, seria um equvoco afirmar que informao poder. O poder reside na ateno que se consiga obter do pblico. A ordem social no se pauta pelo imprevisvel ou pelo incontrolvel, mas por condies capazes de ensejar o controle razovel das aes e de assegurar hegemonia coletiva. Poder o nome que se d capacidade de administrar esse controle. A palavra poder inscreve-se em Razes histricas os sentidos de querer e fazer. Na medida em que o indivduo conquista meios para afirmar a sua autonomia diante das determinaes grupais, ou para aumentar a sua capacidade de ao, o sujeito desenvolve o seu poder, ou seja, intrinsecamente sua vontade. No mbito mais amplo o poder no se define pela capacidade de realizar ou fazer, para pela fora extrnseca de mandar fazer. Nesse nvel, poderoso aquele que detm as aparncias do controle da relao entre o determinado e o indeterminado. Assim alm do sentido de fazer a palavra poder inscreve tambm o de magia. Todo poder de fato mgico, no sentido de que se empenha em convencer os sujeitos de sua absoluta realidade, distinta do imprevisvel ou do vazio que tenta administrar. Na Poltica, de Aristteles, distinguem-se trs tipos de poder: o poder do pai sobre o filho, do senhor sobre os escravos, do governo sobre os governados. Quando se fala modernamente de poder, a referencias visam os aparatos do Estado, o ordenamento jurdico e as construes ideolgicas. Michel Foucault sugere poder como formas de dominao. Existe a uma lgica sutil nas diferentes distribuies do poder. O poder no aparece como um foco centralizador de decises, mas primeiro como uma microfsica de tticas criadas a partir de situaes particulares e depois consolidadas em articulaes mais extensas e coerentes por estratgias de controle social. Isso implica que o poder no explica todo o funcionamento social; h outras formas de assimetrias entre os sujeitos que no so propriamente abordadas em termos de subordinao e dominao, embora possam ser includas na esfera do poder de influncia social. Maquiavel sugere poder como capacidade de engano, pois o governante no deve arriscar-se a respeitar as regras de jogo que ele institui. Essa argumentao implica a independncia do juzo poltico diante do juzo moral. Para controlar o poder no deve deixar-se controlar, tem que ser incontrolvel e imprevisvel, donde o segredo das decises, s ele, dever decidir nas excees. Ao mesmo tempo em que simula sua grandeza, o governante dissimula a origem de suas decises.
Nessa luta entre segredo e poder, a imprensa foi assumindo progressivamente posies de poder semelhantes, de certo modo, a dispositivos de Estado. Seu prestgio se deve tanto s posies em favor das liberdades civis quanto ao direito democrtico de restringir, pela visibilizao dos processos, as tticas de encobrimento ou dissimulao dos governos. Porm, certo dizer que a imprensa jamais constituiu causas exclusivamente pblicas. As linhas editoriais variam de acordo com os interesses dos grupos econmicos ou polticos que as apiam, defendendo interesses outros. Conforme Herbert Schiller isso se deve ao enorme crescimento do capitalismo nos Estados Unidos e a penetrao dos valores empresariais na poltica, nas leis e na cultura, e essa influncia tem alcance global pois so afetados pelas prticas e fluxos de capitais na nova ordem econmica mundial. O fluxo de informao interessante para os negcios pois promove expanso dos mercados com a possibilidade de oferta de novos produtos e servios. Nesse quadro geral, altera-se a relao dos meios de comunicao com o Estado e a Sociedade. A imprensa d lugar a outros imperativos de poder atravs da livre circulao de idias e opinies. Os consumidores (sujeitos), nesse contexto, so colocados numa posio passiva, no pela ausncia de atividade mecnica, mas por serem impossibilitados de fazer discriminaes, julgamentos de princpios, ou de tomar decises essenciais. iluso supor que o poder dessa abancada esfera tecnolgica esteja acima das diferenas reais de classe ou de apropriao de renda nacional. Num pais de capitalismo perifrico, a mdia e as indstrias culturais podem eventualmente estimular o consumo de massa, fazendo crer a todos que este o caminho para uma verdadeira democracia social. Essas tecnocracias mass-mediticas, perpetuam-se a excluso dos desfavorecidos pela renda nacional e os privilgios de uma minoria tradicional controladora do sistema jurdico-poltico e, agora, do sistema comunicacional. Mac Comb e Shaw dizem que o poder meditico consiste numa agenda setting, ou seja, em nos dizer no o que pensar, mas como pensar. O poder gerencial da mdia eletrnica exerce-se precisamente nessa capacidade de expor ou iluminar com fora a realidade cotidiana, potencializando certos aspectos e assim modificando a ontologia tradicional dos fatores sociais.
CULTURA DEMOCRTICA
Que importncia tem os equipamentos simblicos de modernizao e seus produtos, a exemplo do sistema televisivo, para a democracia e cultura brasileira?
Para comear, Norberto Bobbio diz que democracia no algo apenas poltico, mas principalmente social, sendo portanto tcnica universalista de governo, prtica de construo e reelaborao do sujeito social em sua cotidianidade. A democracia atual estende-se organicamente a todas as esferas da existncia cotidiana, tendendo-se a converter-se em fenmeno de senso comum. Cultura aqui o conjunto dos instrumentos de que dispe a mediao simblica (lngua, leis, artes, cincias, mitos) para permitir ao indivduo ou ao grupo a abordagem do real. No Brasil tem permanecido intacta a organizao social da cultura oriunda do sistema discriminatrio da sociedade escravagista do passado. De um lado, as elites scio-econmicas com seu cabedal de saber eurocntrico (cincias e letras) e de transmisso assegurada por uma educao escolar empenhada na distino social; de outro, a reduzida fora de trabalho, reproduzidas por pequenas instituies de ensino profissional; perto desta, a larga frao analfabeta da populao. A realidade existencial da maioria a da falta de mnimas condies materiais de vida. O suposto desejo orgnico-social da vida democrtica contido pelo bloqueio das possibilidades desejantes da maioria populacional afetada pela marginalidade em face da cidadania. Essa minoria deseja, antes de tudo, condies bsicas como moradia e alimentao. O euroculturalismo e sua educao escolar voltam as costas para tal realidade, no por falta de tematizao do problema, mas pelas prprias concepes que lhes servem de fundamento e pelos lugares discriminatrios que ocupam no modo de organizao social. A violncia parece acentuar-se nas regies em que h apenas mass-media, enquanto desagregam-se os recursos para educao, sade e alimentao. No que diz respeito mdia, fica evidente que a socializao poltica e ideolgica operada pela televiso no produz, de fato, o desenvolvimento de uma educao substitutiva da escola, assim como a unificao do espao econmico pela estetizao eletrnica no implica uma real socializao e insero cultural efetiva no espao urbano. Na ao simuladora da teletecnologia, eles tem pretendido fazer crer, muito pelo contrario, que o mundo continua tal e qual, com suas estruturas familiares, polticas e jurdicas naturalizadas, a fim de legitimar o novo poder econmico-gerencial e ocultar que a servio desta ordem vive hoje a classe poltica. Ou como diz Lvi-Strauss: a funo primria da comunicao escrita facilitar a escravido. No se est afirmando com isso que o entretenimento culturalista, ou que o espetculo em todas as suas formas sejam destitudos de importncia social. O que realmente est se afirmando que nada disse tem a ver com cultura e democracia, porque estes dois implicam gozo, ou possibilidade de gozo, da mediao simblica em toda sua amplitude. A experincia da relao simblica doada confrao, droga, tanto mais quanto se dissocia violentamente das possibilidades de acesso s condies materiais mnimas de vida. A cultura como refgio implica refugo de existncia no memria, mas amnsia coletiva.
Pensando em termos de educao para insero das classes sociais mais prejudicadas economicamente podemos dizer que a soluo estaria em um programa educativo que rompa com o modelo histrico que carregamos, o modelo de endocolonizao. Educao no implicaria apenas informao, mas formao. Todo processo educativo real tem duas faces: informativa e formativa. Informativo , neste caso, a transmisso da multiplicidade dos dados sobre o mundo. A formativa voltada para a produo de significaes fundamentais do ponto de vista da totalidade humana. Da dimenso cultural provm a dinmica e os contedos formativos, para devida transmisso educacional. Limitar todo esse processo aos aspecto informativo, seria como adornar um cadver. O que acontece quando as informaes so abundantes e o saber mvel e veloz como efeito da informao acelerada pelos meios de comunicao de massa? Necessita-se uma mudana na forma essencial de poder na relao professor / aluno. No espao pblico, a forma de transmisso de contedos culturais no disciplinar, mas sedutora ou persuasiva. No entanto no se pode descartar inteiramente as hipteses no sentido de que os meios de comunicao cumprem funes de escola paralela, na medida em que exercem impacto ideolgico sobre as conscincias. Embora os contedos no sejam estritamente educativos nem produzam conhecimento sistemtico, geram efeitos de socializao capazes de competir com a hegemonia funcional da instituio escolar. Em outras palavras a criatividade cultural mais ampla que a institucionalizao tecnoculturalista dos meios de comunicao de massa.
DA OBRA AO PRODUTO
Nos dias atuais, com a sociedade de mercado atravessando a publicidade, os produtos ou bens materiais e simblicos definem-se basicamente por desejo. Esse desejo, tomando como base as teorias contemporneas da subjetividade refere-se ao movimento inconsciente do psiquismo para um objeto no-real, mas imaginrio ou simblico. As estratgias publicitrias, portanto, empenham-se em produzir a necessidade de consumo, revestindo da suposta irrealidade do desejo e atribuindo-lhe um preo. As coisas no eram assim antigamente. A produo (poiesis) e consumo correspondiam a necessidades tidas como naturais, neste sistema no operava a fora do desejo mas a necessidade. Nas artes, a complexidade da produo reencontra-se o movimento de diferenciao presente em toda identidade capaz de fazer aparecer na essncia a origem e o destino das coisas. que a atividade artstica e potica em sua raiz, rege-se pela fora do smbolo. Atravs de
representaes estticas a arte cria os bens simblicos ou culturais, ou seja, aqueles que no se determinam pela eficcia funcional, por estarem comprometidos com a revelao sgnica da dinmica diferencial entre natureza e cultura. No entanto, obra cultural definia-se basicamente por um valor de uso articulado com as significaes simblicas comunitariamente atribudas aos produtos. Vale ressaltar que esse valor de uso dado como natural , na verdade, uma relao humana, resultante de uma racionalizao poltico-ritualstica que naturaliza a necessidade. Aps a Revoluo Burguesa, de 1789 a produo cultural gera uma cultura burguesa cuja forma produtiva ainda pr-capitalista. A elite burguesa a principal consumidora dos bens culturais, assim como eventual investidora em atividades que requeiram um pequeno capital comercial. Olhando para a classe trabalhadora esses objetos e bens ditos culturais so ignorados, uma vez que suas foras se voltam em favor das lutas por melhores condies materiais de vida. O consumo cultural ento um ato sunturio a que se permite o burgus, tranqilo quanto sua posio econmica e empenhado em perfazer o seu poder social pelo domnio dos signos. Assim o modo de produo no se orienta no sentido da acumulao econmica, mas do controle de mecanismos de significao. Ao lado da cincia, a poesia (arte) perscruta sua maneira a complexidade do real, concretizando de certo modo o pensamento de que o artista e cientista eram a mesma coisa. O efeito de conhecimento artstico consiste em figurar a paisagem contraditria e complexa do real, de modo a suscitar questes a partir da prpria trama da obra, com poderes muitas vezes antecipatrios. Na modernidade entretanto, em contraste com a antiguidade clssica, a obra precisa ser esteticamente reconhecida como de arte para consagrar-se. Esse conhecimento artstico, ou como Walter Benjamin chama de aura que se cria em torno de um produto artstico, embora potencialmente consumido e produzido pelas classes subalternas, sempre foi apangio dos estratos dominantes da sociedade, isso porque a rede de sentidos gerados por um produto cultural s pode aceder aqueles que detm, por escolarizao ou por excepcionalidade individual, o cdigo receptivo da cultura burguesa. Hoje a democratizao do consumo cultural entendida como a extenso dos produtos da cultura burguesa ao conjunto da vida social. Por outro lado existem indstrias que vivem do empenho de fazer as massas participarem do patrimnio simblico acumulado pelas elites histricas do ocidente. O produto simblico dito de massa resulta da passagem da obra elitista mercadoria cultural, plenamente afim ao sistema do valor de troca. O fim da aura equivale integrao capitalista dos bens culturais processo que altera as condies de produo, consumo das obras e seus contedos. Neste sentido, a tecnologia amplia o alcance dos mass-media e com a publicidade, ditada para a lgica de mercado, os apetites pblicos so
criados e atendidos pelo complexo industrial gerando desejo de consumo. Assim a publicidade no se limita a discorrer sobre a utilidade ou a funcionalidade de um determinado produto; ela tem de afetar a conscincia do cliente virtual com a ideia de que h no produto algo alem de seu mero valor de uso, algo imaginrio, mas complementar, da ordem da realizao do desejo. Desejo ento entendido como uma espcie de fora produtiva, realimentada em nveis conscientes e subconscientes pelo grupo social afinado com a sociedade de mercado e a mercadoria cultural. Quando a cincia torna-se propriamente agente econmico que o conhecimento (informao) j se transformou em fator direto de acumulao capitalista. A arte no acompanha este processo, a no ser em alguns de seus aspectos, como o espetculo e a difuso de conhecimentos. Mas a j se trata de uma outra coisa, sem o vigor simblico do passado clssico. Como ento falar de obra de arte num mundo marcado pela interatividade homem/mquina, em que o indivduo parceiro e no mais um mero observador externo mquina? Num produto governado pela realizao do valor de troca, o material anula-se simbolicamente, perde a possibilidade de expresso de suas tenses, diante das exigncias da finalidade interna da ordem produtiva. A lngua servir como puro instrumento de comunicao, sem as ambivalncias da linguagem. A estesia torna-se fim em si mesma, acenando com significaes de prazer ou desprazer, em vez da tenso tica do saber sobre a verdade e o erro. O desafio da produo simblica, na verdade o desejo humano de sensibilidade profunda em face do real, hoje levar a obra a gerar suas demandas fora da sistematizao requerida pela realizao do valor do capital no interior de um espao social midiatizado, em que a tecnologia j parece capaz de produzir o seu prprio discurso sobre o mundo. E em que a estetizao generalizada da vida social tende a uma apologia paralisante do que existe e se pe a servio exclusivo do mercado.
A FORMA DA NOTCIA
A notcia constitui o ponto central, a tnica da informao jornalstica. A informao pblica hoje profundamente marcada pela ordem de valor de troca. Mas no foi sempre assim. Inicialmente a notcia possua caractersticas romanescas, porm essa caracterstica narrativa com suas nuances poticas vai se perdendo. A notcia propriamente uma forma narrativa, ou seja, um modo especfico de se contar uma histria; porm vale ressaltar que acontecimento (ou fato) e notcia no so a mesma coisa. O acontecimento a matria-prima para o produto notcia que, por sua vez, pode constituir-se em acontecimento para o
pblico. A notcia converte-se assim, numa tecnologia, no simplesmente cognitiva, mas produtora de real histria que cria histria sugerindo a identificao absoluta entre ver e crer. Na rotineira notcia de um atropelamento, historiam-se os detalhes do acidente e se exercita um controle discursivo da reao social. A notcia, enquanto narrativa e produto mais tpico do jornalismo, implica uma conexo de fatos e, portanto, um certo tipo de organizao racional da realidade. Ela no a inteira realidade fenomnica de um fato, e sim atende retrica organizadora da singularidade factual do cotidiano, consagrada pela lgica comercial das empresas jornalsticas. Ao selecionar um fato como noticivel (automaticamente excluindo outros como no-noticivel) o jornal obtm a adeso de um certo nmero de leitores, que vai constituir seu pblico leitor. A imprensa implica, desta forma, uma estrutura discursiva capaz de produzir um tipo determinado de pblicoleitor. Para Alain Badiou, a noo de acontecimento, filosoficamente, diferente da que conhecemos hoje, imbuda de agendamento e regras mercadolgicas de produo. Ele sugere que acontecimento aquilo que obriga a uma nova maneira de ser. Badiou est falando de acontecimento em termos da verdade tradicional. Para esta o acontecimento sempre algo fora da situao estabelecida, portanto um novo enquanto ruptura. O que a interessa ao filsofo so processos de verdade entendidos como processos de heterogeneizao em face de conhecimentos estabelecidos. No acontecimento noticioso, a radicalidade dessa ruptura no existe, uma vez que este no est comprometido com qualquer inveno de um novo modo de ser ou de agir. No nenhuma causa filosfica ou poltica da verdade que impulsiona a notcia, mas a acomodao da opinio pblica a uma certa ordem de verdades, j estabelecidas, em funo de um princpio social de conservao. A noo de interesse pblico crucial para o produtor da notcia. O centramento do texto noticioso est em torno da velha frmula retrica para a reconstituio de um fato, em detrimento do comentrio, das impresses pessoais ou do literalismo. A realidade que a sobredeterminao de um produto cultural como a notcia, tem mesmo a ver com a lgica do mercado e com a tecnologia intelectual implicada no jornalismo. A quantidade e a variedade dos dados obtidos graas s transformaes das tcnicas, levou o cdigo jornalstico a racionalizar a forma de apresentao do texto noticioso, com o objetivo de transmitir o mximo de informao com um mnimo de custo produtivo e de esforo de consumo por parte do leitor. Economiza-se, assim, principalmente tempo de produo e consumo. A notcia impe-se como um simulacro de experincia do acontecimento descontnuo que, conforme Waldo Frank, feito para agradar ao pblico,
para satisfazer a sua necessidade de brincar de senhor, de conhecer-te a ti mesmo e dar expresso a emoes que, de outro modo, ficariam inertes. A diminuio do esforo do produtor tem sido notvel nas ltimas dcadas, em decorrncia da evoluo tecnolgica, que promove forte integrao entre jornalismo e telecomunicaes. Tambm hoje percebe-se as presses do mercado consumidor que incitam o jornalismo a fazer leve e agradvel o texto, compatibilizando-o com a atmosfera sedutora do consumo. Pode-se especular no sentido de que o pblico leitor contemporneo, habituado simplicidade (e tambm pobreza) vocabular caracterstica dos meios de comunicao eletrnicos, tende a fugir de ricos textos argumentativos, ingressando na chamada linha soft do entretenimento. Criase, deste modo, uma diviso de classes culturais no que diz respeito ao consumo da informao.
UM ROMANCE FAMILIAR
A telenovela brasileira dispe de fortes elementos para que a identifiquemos como romance familiar coletivo. Romance familiar tem aqui a mesma acepo que lhe d Freud ao referir-se s fantasias criadas pelo indivduo no quadro do complexo edipiano, para modificar imaginariamente os laos com os pais, aspectos das relaes familiares, ou mesmo para criar uma famlia imaginria. Do ponto de vista da forma discursiva, a telenovela brasileira tem tendncia redundncia sintagmtica ou reiterao das imagens, que compele interao da instancia produtiva com o real-histrico. Alem disso a cotidianidade televisiva sempre pontuada pelo discurso publicitrio, que implica mecanismos semiticos de inculcao do ethos do consumo moderno. A paisagem real brasileira compe os seguintes tipos de casa. Nas camadas populares ela mais objeto de devaneio (a aspirao moradia prpria) ou de sonho noturno, mas sempre caucionada pela ideia de um espao seguro, estvel. Para os abastados, ela pode ser abrigo muito confortvel, universo contra a rua e, principalmente, espao de distino social. Essa fantasia se adentra nas relaes scio jurdicas pois, nessa atmosfera afetiva, a famlia aparece como formao grupal que domina a vida comunitria dos indivduos, impondo-se como uma espcie de totalidade, acima da sociedade civil e Estado. Atravs do azeite familiar, a narrativa da telenovela exerce efeitos poderosos junto s massas, porque possibilita a injeo dramtica de sentido. Ampliada pela retrica literria j conhecida, ela capaz de tranqilizar o grande pblico quanto aos rumos da dinmica de transformao social, assim, os roteiros incorporam temas como liberdade sexual, descasamento, juvenilizao dos velhos e outros.
A televiso atinge, portanto, algumas zonas do censurvel, mas sempre com um discurso parcializante, pela metade. um discurso que funciona, geralmente, no modo da neurose escondendo algo, mas deixando ver, ao olhar atento, que esconde. Quanto questo individual e social, Lacan j assegurava que no existe mais diferena entre a televiso e o pblico depois de algum tempo. Trazendo luz conceitos semiticos, mesmo um contedo novo retrabalhado por mecanismos de familiarizao que os recolocam em quadros referenciais j conhecidos. Assim, o cotidiano no um mundo privado, mas comum a todos e com pontos de semelhana, aos quais cada indivduo se vincula por numerosas conexes sociais. A televiso hibridiza os recursos de outros meios, como literatura e cinema, alem de interagir fortemente com o real-histrico, a exemplo do jornalismo contemporneo.
MUTAO IDENTITRIA
As prticas tecnoculturais da sociedade contempornea suscitam uma espcie de filosofia prtica da pessoa, onde o conceito de sujeito e objeto necessita de uma elucidao. Sujeito a categoria moderna para designar aquilo que se mantm idntico a si mesmo em situaes diversas de discurso ou de comunicao; e um suporte (lgico) permanente para as propriedades acidentais de tudo que existe. Objeto, no interior dessa dicotomia a simples presena de uma coisa no mundo, qual o sujeito vem atribuir significado e funo. Porm Lacan diz que o eu um fenmeno no sujeito, no sendo o prprio sujeito. Essa questo hoje trazida baila, tanto no mbito da reflexo sociolgica sobre a complexidade da pessoa (sujeito) como no das mutaes culturais da identidade pessoal. Nos tempos modernos, onde a tecnocultura tem gerado novos significados para conceitos tradicionais, h uma mudana significativa da sociedade, implicando tambm em mutaes nas pessoas. Pessoa o prprio ser humano enquanto inveno da cultura. Assim como a televiso simula a realidade factual, a biologia gentica e as diversas tecnologias cosmticas do margem a uma livre combinatria da identidade pessoal, incluindo a desde a mudana de sexo, at a montagem de personalidades combinveis ao ritmo da moda ou do gosto pessoal. A identidade viabiliza-se como um jogo de signos realizados por imagens que circulam aceleradamente, de forma contagiante, maneira de um processo viral; as identidades pessoais hoje tem se tornado comutveis por combinaes sgnicas.
Nas peas publicitrias, ou nas estetizaes mdicas, o corpo celebrado no o receptculo inflvel de foras, ao que o antigo grego chamava de soma, e sim um signo que faz esvanecer-se a realidade somtica. A imagem, o imaginrio delirante investe com tal profundidade ao ser orgnico das instituies ticas, que a conscincia do sujeito, assim como as relaes intersubjetivas, no podem deixar de ser afetadas. Mudar, transformar a identidade, so os termos de uma nova equao pessoal, em que a palavra identificao, por sugerir processo de alterao, provavelmente mais forte que identidade, com seus traos de estabilidade e unidade; os corpos tornam-se vulnerveis irradiao viral dos signos, e as identidades podem ser produzidas como um bem de mercado.