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Um Motivo para Viver
Um Motivo para Viver
Um Motivo para Viver
E-book678 páginas9 horas

Um Motivo para Viver

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Sobre este e-book

Raquel nasceu em uma fazenda no Rio Grande do Sul. Morava com o pai, a mãe e três irmãos. Na mesma fazenda, mas em outra casa, residia o irmão de seu pai, Ladislau, com a mulher e três filhas. Seu drama começou bem menina, quando sofreu abusos emocionais e assédios de Ladislau, um homem vil, sem escrúpulos, dissimulado, mas, aparentemente, digno e soberano, acima de qualquer suspeita. O tempo passou, até que dolorosa tragédia aconteceu e um grande segredo foi revelado. Tudo isso mudou a vida de Raquel, deixando-a com profundas feridas na alma, só, abandonada e sem esperança. Embora não seja fácil, sempre existe uma nova oportunidade para recomeçar. Apesar de tudo, Raquel consegue emprego em uma companhia aérea e conhece Alexandre, aquele que seria muito mais que um amigo e que irá ajudá-la. No entanto, a vida cobra ajustes de contas e a jovem se vê, outra vez, diante daqueles que tanto a magoaram, precisando trazer à tona verdades, explicações e oferecer perdão.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de set. de 2024
ISBN9786557921005
Um Motivo para Viver

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    Um Motivo para Viver - Eliana Machado Coelho

    Um motivo para viverimagem

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Schellida (Espírito)

    Um motivo para viver / [do espírito] Schellida ;[psicografado por] Eliana Machado Coelho. -- 13. ed.-- Catanduva, SP : Lúmen Editorial, 2024.

    ISBN 978-65-5792-099-2

    e-ISBN 978-65-5792-100-5

    1. Romance espírita I. Coelho, Eliana Machado. II. Título.

    24-211965

    CDD-133.9

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Romance espírita 133.9

    Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415

    Impresso no Brasil – Printed in Brazil

    Um motivo para viver

    Mensagem

    Coragem

    Vamos nos levantar e ter coragem de sorrir, apesar da tristeza...

    Vamos nos levantar e ter coragem de ajudar, apesar de sentirmos alguma dor...

    Vamos nos levantar e ter coragem de dizer um basta para aqueles que nos machucam...

    Vamos nos levantar e ter coragem de seguir rumo a novas e boas conquistas, apesar das dificuldades...

    Vamos nos levantar e ter coragem de agradecer a Deus por tudo o que temos, apesar do que nos falta...

    Vamos nos levantar e orar por aquilo que desejamos, pois Deus recompensa a coragem!

    Vamos nos levantar e ter coragem de agir e buscar um motivo para viver.

    Erick Bernstein

    Psicografia de Eliana Machado Coelho

    Primavera de 2021.

    Obra baseada em caso real.

    Os nomes e lugares foram trocados pela

    autora espiritual para preservar as famílias.

    Sumário

    Capítulo 1 - Dificuldade iminente

    Capítulo 2 - A única ajuda

    Capítulo 3 - Reforçando os laços de amizade

    Capítulo 4 - O passado angustioso

    Capítulo 5 - Acusações indevidas

    Capítulo 6 - Confiando em alguém

    Capítulo 7 - Desorientada e sem rumo

    Capítulo 8 - Confidências necessárias

    Capítulo 9 - Sequelas de um trauma

    Capítulo 10 - Rosana – A nova amiga

    Capítulo 11 - A preocupação dos pais

    Capítulo 12 - As primeiras brigas

    Capítulo 13 - O reconforto em uma prece

    Capítulo 14 - Assumindo os sentimentos.

    Capítulo 15 - Turbulência inesperada

    Capítulo 16 - Compreensão e amor – filho adotivo

    Capítulo 17 - O retorno de Alexandre

    Capítulo 18 - Vida nova

    Capítulo 19 - Três corações entrelaçados

    Capítulo 20 - Desabafo inesperado de Raquel

    Capítulo 21 - Doação de órgãos

    Capítulo 22 - Momentos difíceis

    Obra baseada em caso real

    Capítulo 1

    Dificuldade iminente

    Era início de noite. Após chegar do serviço, como de costume, Raquel preparava o jantar e arrumava algumas coisas em sua simples casa. De repente, ouviu seu nome ser chamado:

    — Ah! É o Marcos! — foi recebê-lo com um belo sorriso.

    Era comum o irmão visitá-la. Mas, naquele dia, percebeu preocupação e tristeza em seu rosto. Sem questionar, serviu-lhe café e acomodou-se em uma cadeira ao seu lado, de modo a tê-lo em frente de si.

    — E lá na empresa, Raquel, como está?

    — Tudo bem. É a rotina de sempre — falou simplesmente.

    — Não posso dizer o mesmo. Nos últimos dias nem estou conseguindo dormir. Estão mandando muita gente embora. Cada dia é um. Estou até tendo pesadelos e... Toda manhã penso que serei o próximo. — Os olhos de Marcos marejaram. — Como se não bastasse, lá em casa está um inferno. — Olhando-a, ligeiramente, tocou em seu braço e, segurando-o, disse: — Desculpe-me, minha irmã... Acho que está cansada de ouvir minhas reclamações sobre a Alice.

    — Você só está desabafando. Eu entendo. Afinal de contas, se não falar comigo, vai conversar com quem? — argumentou a moça, tentando consolá-lo.

    Marcos, por sua vez, largou o braço de Raquel, tornou a pegar a xícara com café e, após ingerir mais um pouco da bebida, continuou exibindo desalento no tom de voz:

    — Meu casamento com Alice foi um erro. Sabe disso. Ela é geniosa, exigente, orgulhosa, vive irritada... É terrível conviver com ela. Só fala gritando, nunca me deixa conversar... Nos últimos tempos, vem se queixando das condições em que vivemos, reclama da falta de dinheiro, falta de luxo, falta de riqueza... Só que também não move uma palha para me ajudar.

    — Mas ela cuida bem da casa e dos meninos. É muito caprichosa, Marcos. Isso não podemos negar — defendeu, para amenizar os sentimentos dele.

    — Caprichosa com a casa sim. Isso sempre foi. Mas, com os meninos, ultimamente, está deixando a desejar. Alice vive brigando com eles, gritando, xingando... Não há coisa pior do que chegarmos à casa da gente e ter uma mulher nervosa, irritada, reclamando de tudo. Estou cheio disso! Só quero ver hoje, quando eu chegar e...

    — E?... — perguntou, diante do silêncio.

    — O nosso aluguel subiu — encarou-a ao contar. — Não teremos como pagar. Não tive aumento de salário e ainda corro o risco de ficar desempregado. Como se não bastasse essa situação difícil e crítica, ainda terei de ficar ouvindo os gritos da minha mulher.

    — O que você vai fazer? — indagou preocupada.

    — Não sei. Há tempos não compramos roupas, não passeamos... Nos últimos meses, comemos mal e agora não tenho como pagar o aluguel.

    — E se mudarem para outra casa menor e em outro bairro? Talvez o aluguel seja mais baixo.

    — Não tenho dinheiro para pagar o depósito do aluguel. Além disso, Alice vai se revoltar ainda mais. — Breve pausa e completou: — Se não fosse por meus filhos...

    A irmã se preocupou. Levantando-se, caminhou vagarosamente pela cozinha, recordando da ajuda que recebeu daquele irmão em período muito crítico de sua vida. Quando todas as portas se fecharam, foi Marcos quem a amparou e cuidou dela, até de sua saúde. Era imensamente grata por tudo o que recebeu. Certamente, faria o possível para ajudá-lo. Porém, aquela situação era difícil demais e ficou pensando o que poderia fazer. Lembrando-se da pequena reserva em dinheiro que tinha em uma conta de poupança, a jovem ofereceu:

    — Marcos, tenho algum dinheiro guardado. Não é muito, mas... Ele é seu! — afirmou convicta e animada, acreditando que seria uma ótima proposta.

    Esperava um semblante mais animado, mas não aconteceu e ele explicou:

    — Já tenho dois meses de aluguel atrasados. Mais um e estou na rua.

    Ficou decepcionada. Não esperava por aquilo. Sem pensar, decidiu ligeira:

    — Mudem-se para minha casa. Pronto! Está resolvido! Você, a Alice e os meninos virão morar aqui. Esta casa não é muito grande, mas podemos nos ajeitar, certo? — Raquel viu-o levantar a cabeça e encará-la. Ainda tristonho, fitou-a longamente sem argumentos. Rapidamente, ela insistiu: — Eis a solução, Marcos! Eu continuo pagando o aluguel daqui e você só me ajuda com a alimentação e as contas de água e luz. Você se estabiliza, guarda algum dinheiro e aguarda a sua situação melhorar.

    — E se eu for demitido?

    — Se isso acontecer, será melhor que estejam morando aqui. Vocês não vão ficar sem ter onde morar e será só o tempo de arrumar outro emprego.

    — Não posso fazer isso, Raquel — afirmou, insatisfeito com a sugestão.

    — Você tem de aceitar!

    — Não quero usar você. Sabe como a Alice é... Isso não vai dar certo.

    — Será por pouco tempo. Tenho certeza de que esses cortes, lá onde trabalha, vão parar e não será demitido. Quando tudo voltar ao normal, vocês arrumam um outro lugar até melhor do que onde moram hoje. — Parada à sua frente, com voz generosa, insistiu: — Por favor, aceite. Deixe-me fazer algo por você. Dê-me essa oportunidade de retribuir o que já fez por mim. Não estarei fazendo isso para pagar, é por amor. Somos um pelo outro, Marcos. Não somos?

    Ele a encarou, reconhecendo que era a única ajuda a seu alcance. Com sorriso forçado no semblante triste, pendeu a cabeça afirmando positivamente, dizendo que aceitaria. Expressando preocupação, Marcos argumentou:

    — Ainda tenho de falar com a minha mulher. — Pensativo, tornou a concluir, quase desalentado: — Não será fácil, minha irmã... Você conhece minha esposa. Só aceito sua oferta por não ter alternativa. Não fico feliz por vê-la se sacrificar, perder sua privacidade, liberdade e ainda tendo de aturar o mau humor de Alice.

    — Não pense assim... Não estou me sacrificando. Sempre serei grata a você por tudo o que tenho hoje. Sempre estarei ao seu lado.

    Grato, com o olhar enternecido, ele se levantou, aproximou-se dela, beijou-lhe a cabeça e agradeceu:

    — Obrigado. Será por pouco tempo. Acredito que é uma fase mesmo.

    — Vai dar tudo certo! Não se preocupe — afirmou a jovem animada, escondendo, com um largo sorriso, a sombra de sua preocupação. Oferecendo novo rumo à conversa, convidou: — Bem... Hoje você fica para jantar comigo, não é?

    — Não... Obrigado — sorriu sem jeito.

    — Só hoje, Marcos!

    — Não, obrigado mesmo. Quero chegar cedo. Tenho de conversar com a Alice e... Creio que a noite será longa.

    Conversaram um pouco mais e o irmão se foi. Logo após, um sentimento indefinido tomou conta de Raquel. Perdeu a vontade de comer, porque a incerteza e insegurança a dominaram. Não saberia dizer se fez a coisa certa. Conviver com Marcos e os sobrinhos seria algo fácil, mas aturar a cunhada não. Alice era pessoa difícil em todos os sentidos.

    Com aperto no peito, rapidamente, tomou banho e se aprontou para dormir sem jantar. Deitada em sua cama, não conseguia adormecer. Tudo aquilo corroía sua alma.

    Será que fiz a coisa certa? — perguntava-se em pensamento. — Não tenho alternativa para ajudá-lo. É meu irmão! — Justificava — O Marcos foi a única pessoa que me socorreu quando mais precisei. Não posso deixá-lo sem apoio em um momento como esse. — Os pensamentos de Raquel eram acelerados. Havia inúmeras dúvidas sobre a decisão tomada. Foi muito impulsiva. — Será difícil conviver com minha cunhada. Mas... pelo Marcos, tenho de suportar. Devo muito a ele! — Após breve pausa, tornava insistente: — Prometo, a mim mesma, tolerar Alice. Não vou dar ouvidos às suas implicâncias. Deixarei que fale e até que brigue sozinha. Será por pouco tempo.

    E assim, Raquel passou a noite tentando se convencer de que a decisão tomada, para ajudar seu irmão, foi a melhor. Dessa forma, não conciliaria o sono até o amanhecer.

    icone

    Enquanto isso, na residência de Marcos, Alice reagia com extrema revolta diante da situação, que já era difícil. Na espiritualidade, a mulher parecia envolta por uma aura de labaredas, uma vez que, levada por irresistível força, não conseguia se conter. Aos gritos, berrava para se expressar:

    — Eu não acredito!!! — protestava com voz estridente, franzindo o semblante e exibindo sua insatisfação. — Morar com sua irmã!!! Você é um incompetente!!! Era só isso o que me faltava! Não posso aceitar uma coisa dessas, Marcos!!! — Caminhava de um lado para o outro da sala, feito um animal enjaulado, como se estivesse alucinada, tamanha era a sua revolta e indignação. O silêncio do marido a incomodava. O homem permanecia cabisbaixo, desalentado e sem argumentos para aquela situação. Isso fazia com que a esposa se sentisse mais forte para reclamar: — O que será que fiz para pagar tanto pecado assim?! Veja só a que ponto chegamos! Não teremos onde morar e precisaremos viver à custa de sua irmã! Já levamos uma vida pobre! Não temos o que vestir! — Breve pausa, diminuindo o volume da voz, desabafou de forma menos estridente: — Às vezes, pergunto se Deus existe mesmo porque não suporto sofrer tanta injustiça! Enquanto muitos por aí se esbaldam no luxo e no prazer, nós aqui... Comemos mal, vestimos roupas velhas e gastas... Não saímos para passear, não viajamos... Vida miserável!

    — É só uma fase, Alice. Isso tudo vai passar. Vai dar tudo certo — tentou dar esperanças.

    Enérgica, sem controle de si, ela reagiu:

    — É só isso o que escuto: que é uma fase! Que tudo vai passar! Na verdade, você nada faz para melhorarmos de vida! Desde quando saímos do Rio Grande do Sul, escuto isso, mas nada, nunca, melhora!

    — O que você quer que eu faça? — indagou em tom submisso.

    — Se vira!!! — respondeu num grito, arremessando para longe de si um objeto de enfeite da casa, que apanhou sobre a mesinha central da sala.

    — Como?!!! — gritou Marcos. — Só se eu assaltar um banco! O que você quer que eu faça? A crise é no país inteiro! O governo não oferece boas condições de vida, os políticos roubam, as escolas não prestam! De você, Alice, só escuto reclamações! Estou desesperado também! Somente a Raquel me escuta sem me criticar, além do mais é a única que está tentando, de alguma forma, me ajudar.

    — Por que você não pede aumento?! Reclama um pouco também, né, caramba!

    — Pro inferno, Alice! Você e suas opiniões malditas! Dois já foram demitidos, só no meu setor, esta semana. Quer que eu seja o próximo?!

    Ela ficou revoltada e murmurou, talvez não quisesse ser ouvida:

    — Não sei como fui me casar com um cara tão cretino como você.

    Mas o marido ouviu com clareza. Furioso, aproximando-se dela, segurou-a com firmeza pelo braço e, sem desviar o olhar, com a voz rouca e trêmula, exigiu:

    — O que foi que você disse? — Sem aguardar que repetisse, com o semblante sisudo, voz encorpada na fala de tom baixo e pausada, prosseguiu: — Se desejava um marido rico, deveria ter visto isso antes! Você não é tão grande coisa assim para ser tão exigente! Além do mais, Alice — destacou, ainda com voz de desdém —, você é uma pessoa improdutiva e incapaz! Aliás, mais incompetente do que eu! Ao menos, eu trabalho. Ganho pouco pelo que faço, mas ganho! Quanto a você!... Vive dependente, à minha custa e reclamando! Se não fosse por esse cretino aqui, morreria de fome, pois nem pra faxineira presta! Ninguém te suportaria!

    A esposa ficou muda. Em seus olhos podia-se ver uma ameaça escondida. Num gesto brusco, puxou o ombro e livrou-se de Marcos que ainda lhe deu um leve empurrão.

    Silêncio.

    Os pensamentos de Alice fervilhavam. Ele não tinha o direito de escarnecê-la daquela forma. Nunca foi tão humilhada nem espezinhada daquela forma. Odiou o marido e desejava se vingar. Marcos pagaria caro pelo que fez e disse. Seus pensamentos tempestuosos agitavam-se imensamente. Com muito rancor, prometia a si mesma que encontraria uma maneira de se vingar de seu esposo. A partir daquele momento, passou a imaginar um modo de revidar.

    Não basta essa vida pobre e miserável... — Alice começou a pensar. — Agora, o desgraçado vai começar a me agredir! Infeliz! Isso é intolerável! Só não te abandono junto com seus filhos, neste exato momento, por não ter para onde ir. Não trabalho... Mas isso vai mudar! Não vou continuar dependente, necessitada e me submetendo a essa vida desgraçada. Que ódio!!! Que ódio!!! — Sua mágoa, sua ira faziam com que desejasse vingança. — Ele não tinha o direito de me dizer tudo aquilo. Não deveria segurar meu braço, apertando como fez. Falou que sou improdutiva, incapaz e incompetente... Disse que, se não fosse por ele, morreria de fome... — Continuamente, a cena do que aconteceu e as palavras do marido se repetiam em suas lembranças. — Marcos vai me pagar por tudo isso. Ele ainda vai me ver, de alguma forma, crescer e me tornar uma mulher de destaque, bem-sucedida, rica... Ah... isso ele vai ver!

    O ocorrido, por si só, criou vibrações, energias muito inferiores para o ambiente doméstico. Agora, os pensamentos corrosivos de Alice alimentavam e fortaleciam aquelas vibrações.

    Pensamentos negativos, imagens mentais de ocorrências trágicas, assuntos amargos da vida alheia, reclamações e desânimo representam a atração e a criação de fluidos inferiores que, consequentemente, acarretam padecimentos enormes em futuro breve, seja quem for o seu criador.

    icone

    Longe dali, José Luiz, outro pai de família, conversava amigavelmente com sua esposa sobre o seu dia.

    — Hoje, tivemos outra reunião. Creio, agora, que tudo ficará mais estável. Os que tiveram de ser demitidos já foram. A partir deste momento, a empresa vai oferecer qualidade profissional, segurança, melhores salários e, principalmente, reconhecimento aos funcionários que continuarão lá.

    — Tomara Deus! Que não dispensem mais ninguém — rogou Ivone, esposa de José Luiz, com sinceridade. — Por experiência própria, sabemos como é difícil a condição de desempregado. Veja meu caso, com curso superior de hotelaria, não arrumo emprego. Fico com pena desse pessoal demitido. Se pudéssemos ajudar...

    — Mas, querida... Sou um simples diretor. Recebo ordens! — ressaltou. — Passei noites em claro quando me pediram para listar os empregados que não preenchiam os requisitos da empresa. Eu nunca havia feito isso. É muita responsabilidade e emocionalmente desgastante também. Você sabe... Orei tanto... Pedi tanto a Deus que me ajudasse e me perdoasse qualquer falha...

    — É, eu sei... Mas você recebeu instrução, lá na empresa, para poder escolher ou indicar qual o funcionário que não preenchia os requisitos, não foi?

    — Ah, sim. Eles nos orientaram para indicar primeiro os que não tinham muita educação, os que eram agressivos com palavras ou atos, os que usavam palavreado inadequado ao ambiente, os que assediavam as colegas de trabalho...

    — Ou os colegas — interrompeu Ivone esboçando sorriso intencional. Depois completou: — Porque, hoje em dia, não são somente os homens que fazem assédios.

    José Luiz sorriu e balançou com a cabeça, concordando ao admitir:

    — É verdade. Tem cada moça que... Nem te conto. Elas falam de modo insinuante, com palavreado chulo, roupas inadequadas... Teve um dia que eu chamei a atenção de uma auxiliar de escritório, lá da contabilidade. Sabe... Falei com jeito, procurei ser educado para ver se ela se tocava...

    — O que ela fez? — Ivone interessou-se.

    — Não foi o que ela fez. Foi pelo que usava, ou melhor, não usava. A moça estava de minissaia, com aquela blusinha meio... Sabe?

    — Sei. Transparente, de alcinhas e aparecendo tudo.

    — É bem isso. E... Falei com ela que, ali, principalmente, por ser perto do setor de peças, onde temos muitos homens, ficaria bem outro tipo de vestimenta para impor mais respeito. Seria melhor para ela mesma.

    — E ela?

    — Ela disse que este é um país livre.

    — E você?

    — Não disse nada. Concordei com ela. Este é um país livre. Comecei a reparar que os rapazes do setor passavam perto de onde ela se sentava e ficavam puxando conversa sem valor, assediando, perdendo tempo... Entende?

    — Ah-rã!...

    — Eu a indiquei na lista dos que deveriam ser demitidos. Não foi por vingança à resposta que me deu, mas por observar que ela, ou melhor, o tipo de roupa que usava, provocava tumulto e era inadequada ao valor moral que a empresa gosta e precisa preservar. — Após pequena pausa, prosseguiu como num desabafo: — O país é livre, mas o espaço limitado à empresa possui regras. Já que este é um país livre, que desfrute dessa liberdade, que julga ter direito, bem longe dali.

    — Você não acha que isso foi por preconceito seu?

    — Não. Foi para que o ambiente de trabalho não ficasse tumultuado, prejudicado. Desrespeito é algo contagiante. Cresce. Por essa razão, muitas empresas demitem e não informam a razão. A pessoa que se esforce pensando para saber o motivo pelo qual foi despedida, estudando os próprios comportamentos. Sabe... Por que somente a empresa precisa atender os desejos de um funcionário? Por que o funcionário não se esforça um pouquinho para entender as necessidades de uma empresa? Quem quer trabalhar e crescer profissionalmente, não pode perder tempo com outros assuntos no serviço. Nenhuma organização quer perder tempo com problemas pequenos. Essa é a regra. Não dá para brigar contra o sistema.

    — Às vezes, a pessoa aprende ou se coloca no devido lugar, só depois de sofrer um pouco. Coitada. De certa forma, você tem razão.

    — Claro que tenho. Quer assediar alguém, que o faça fora da empresa. Quer usar biquíni, vá à praia. Quer usar shorts, decotes, vá ao shopping. Quer ficar com a camisa aberta, que fique longe dali. Quer falar palavrões, fale em casa, na rua, com os amigos nas festas ou em qualquer outro lugar, não na empresa. A empresa tem normas, que não fui eu quem criou e não dá para ser diferente, preciso cumpri-las. Se eu não me encaixar nessas mesmas normas, serei desligado do quadro de funcionários e pronto. Quando nos chamaram para nos instruir a respeito das demissões, deixaram isso bem claro. Cumpri ordens. Com a saída de tantos empregados, principalmente, daqueles que mais rebaixavam os níveis de regras e condutas, a empresa ficará com um ambiente mais saudável. Haverá remanejamento de cargo e grandes oportunidades àqueles que desejam crescer. Vários cursos de atualização serão fornecidos e máquinas novas estão chegando. Tudo está sendo informatizado a partir de agora.

    — Achei um pouco rigoroso demais, talvez, preconceituoso, mas... É tempo de mudanças — disse Ivone.

    — Querida... Não é assim... Rigoroso... Veja bem, existem companhias, empresas, indústrias que os funcionários têm liberdade de serem e usarem o que quiserem. Se isso não prejudica a organização, ótimo! Mas não é o caso de onde trabalho. Existem outras empresas que adotam uniformes para evitarem exposição do corpo. Cada lugar se adapta conforme as necessidades empresariais. Se a pessoa quer usar ou fazer o que gosta e não abre mão disso, procure ter profissão e lugar de acordo com seu estilo. Infelizmente, o mundo está dessa forma. E o problema é que muitas opiniões empresariais são veladas, ocultas, disfarçadas. Ninguém te fala nada sobre seu comportamento incompatível, só demitem e pronto. Empresa não passa a mão na cabeça e diz: olha, meu filho, estamos te mandando embora por falar muito palavrão, por falar errado, por falar demais, por brincar demais, por ser arrogante, por assédio, por suas ideologias... Estamos te demitindo por usar decote, por ficar se insinuando, por trazer seus problemas pessoais para o trabalho, por fazer fofoca... Despedimos quem tem cabelo assim ou assado, quem é gordo ou magro, baixo ou alto... — falou de um jeito diferente, quase irônico. — Não fazem isso não! A vida é difícil. O mundo é cruel. Vivemos e experimentamos o que precisamos e merecemos para a nossa evolução. Uma empresa não muda pelos funcionários, ela só muda pelo dinheiro. E se quiser ter profissão e ganhar bem, lute por isso. Esforce-se para ser melhor. Ajuste-se. Seja apropriado, educado, cortês. Lute para se enquadrar, ao menos, dentro da organização. Ou mude de profissão e faça o que mais te agrada. É possível ser realizado, ganhar bem para suas necessidades, fazendo o que gosta e tendo liberdade de se expressar. Não é fácil, mas é possível. Vejo pessoas produtivas e realizadas, em seus trabalhos, que têm atividades independentes, autônomas... Mas, geralmente, uma empresa respeitável e de renome no mercado exige do funcionário. E eu?... Respeito, pois gosto do meu trabalho e não me vejo mudando de serviço. É o que faço. Cumpro ordem porque quero manter meu emprego. Preciso e gosto do que faço. Mesmo como um simples diretor, procuro agir com o máximo de justiça. Não quero que ajam injustamente comigo e, um dia, se eu tiver de ser demitido, quero ter meus valores reconhecidos. Sempre peço para que Deus me ajude a escolher o melhor a ser feito.

    O diálogo tranquilo do casal foi interrompido pela chegada dos dois filhos que, animados, relatavam as novidades ao mesmo tempo e, pelo visto, todos dormiriam bem tarde porque as histórias pareciam longas.

    icone

    Na manhã seguinte, Raquel estampava a face pálida, resultado de uma noite insone. Acomodada em sua cadeira, frente à mesa de trabalho, olhava para o amontoado de papéis como se não os entendesse.

    — Nossa, Raquel! Que cara! — disse uma colega, admirada. — Parece que passou a noite em claro.

    — Você não está errada, Rita. Realmente não dormi essa noite — afirmou com desânimo.

    — Algum problema?

    — Sim. Até parece que não vivemos sem eles — esboçou leve sorriso.

    — Tome — ofereceu a colega, estendendo algumas pastas. Sem demora, orientou: — O senhor Valmor, para não perder o costume, quer isso pra ontem. Seria bom que você se animasse um pouco e ficasse bem atenta, hein! Essas tabelas não podem ir para as mãos do homem com falhas. Concentre-se nelas. — Sem demora, Rita ainda disse: — Na hora do almoço, eu passo aqui para irmos juntas e assim teremos mais tempo para conversarmos.

    — Acho que não vou almoçar hoje — disse preocupada. — Estou repleta de serviço e ainda tenho estas malditas tabelas.

    — Ah! Vai almoçar sim! Eu passo aqui e...

    — Eu também vou! — interrompeu Alexandre, colega de serviço, que se aproximou e ouviu a última afirmação de Rita. As moças o olharam e, com largo sorriso, ele perguntou: — Posso, não é?

    — O que você pode? — perguntou Raquel com modos simples.

    — Almoçar com vocês, ora!

    — Talvez eu não vá almoçar — Raquel repetiu.

    — Ah! Vai sim! — afirmou Rita convicta. Voltando-se para Alexandre, decidiu: — Combinado! Nós nos encontramos aqui, certo?

    — Certo! — confirmou o rapaz ainda sorrindo ao se retirar.

    Imediatamente, virando-se para a outra, Rita espremeu os olhos e, entoando a voz de um jeito engraçado, reclamou:

    — Ah!... Eu mato você!

    — Por quê?! — estranhou Raquel.

    — Como você pode fazer pouco caso dessa raridade, dizendo: Talvez eu não vá almoçar! — arremedou-a, entoando a voz com modo debochado. — Ficou louca, Raquel?

    — Nossa, Rita! Que horror!

    — Minha filha! Hoje em dia, homem é coisa rara! Ainda mais do tipo solteiro, alto, atlético e, além de tudo, bonito. Ai! Que olhos lindos!... — Rita meneou o corpo fingindo cambalear como se fosse desmaiar.

    — Que exagero, sua doida — sorriu, pendendo com a cabeça negativamente.

    — Exagero nada! Ele é um gato! Você não acha?

    Demorando um pouco para responder, a colega concordou:

    — É... O Alexandre é bonito sim — sorriu com simplicidade.

    — Credo! Que falta de ânimo. Eu, hein! Estou estranhando a sua falta de empolgação.

    Raquel, porém, um pouco mais séria, chamou-a à realidade.

    — Vamos trabalhar ou, na hora do almoço, estarei com todo este serviço ainda.

    Sobressaltando-se, Rita foi para o seu lugar, deixando a amiga trabalhar tranquila.

    Simpático, alegre e cheio de vigor, Alexandre era muito cobiçado pela grande maioria das moças que trabalhavam ali e que, tentando conquistá-lo, só conseguiam animadas conversas e um pouco de coleguismo. Nada mais.

    Ninguém sabia nada sobre sua vida pessoal e nenhuma mulher parecia impressioná-lo, seriamente, ao menos ali no serviço.

    No ambiente de trabalho, apesar de jovial e bonito, jamais se aproveitou de sua aparência para iludir alguém. Talvez fosse isso que deixasse suas colegas mais interessadas e curiosas. O pedido para incluir-se como companhia das moças não foi surpresa. Era hábito seu convidar, cada dia, um colega diferente, sem distinção, para almoçar.

    Bem mais tarde, em companhia de outro colega, ele chegou à seção onde Raquel trabalhava. Aproximando-se, chamou:

    — Vamos? Onde está a Rita?

    — Ainda não chegou. Mas... Olha... Estou tão...

    Antes que ela argumentasse qualquer desculpa, o rapaz alertou:

    — Raquel, presta atenção: você me parece preocupada demais com seu trabalho. Está pálida, com uma carinha de quem está com sono e ainda alheia a tudo o que está fazendo. — Aproximando-se mais, com jeito atencioso, segurou-a pelo braço, tirando-lhe a caneta da mão e girando sua cadeira. Pegando em suas mãos para que se levantasse, prosseguiu: — Vamos almoçar porque, aí sim, estará mais disposta e mais atenta ao que está fazendo...

    Quando Alexandre a segurou pelo ombro, brincando gentilmente como quem a conduzisse, com o semblante sério, a colega se esquivou rapidamente, parecendo não gostar de ser tocada daquela forma. Observando o gesto arredio, um tanto sem jeito, ele recuou erguendo ambas as mãos, mostrando que não a tocaria mais. De imediato, disse:

    — Desculpe-me, eu não...

    — Sou eu quem pede desculpas, eu... — expressou-se também embaraçada, sem saber como justificar o ocorrido.

    Vágner, colega que estava ao lado, achou estranha a atitude da moça, porém somente trocou ligeiro olhar com Alexandre e nada falou.

    A chegada de Rita acabou desfazendo o clima sem graça que, repentinamente, havia se instalado. Ao vê-lo acompanhando Alexandre, a colega indagou:

    — O Vágner vai conosco?

    — Sim. Vou.

    — Então vamos logo! — pediu Alexandre animado.

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    Almoçando em um lugar de pouco luxo, os quatro colegas se acomodaram em uma mesa no canto do restaurante, onde conversavam bem à vontade.

    Rita, muito falante, atraía para si a atenção de todos. Com sua voz bela e agradável, seu riso gostoso de ser ouvido, ela conseguia trazer alegria e animação.

    No entanto, mais recatada, Raquel sorria vez e outra, permanecendo a maior parte do tempo em silêncio. No momento em que ficava séria, uma tristeza indefinida poderia ser notada em seu olhar, mas que, a todo custo, tentava disfarçar. Sem deixar que os demais percebessem, Alexandre a espiava. Muito observador, deixava-se atrair pela quietude, um tanto misteriosa e natural, que a bela Raquel trazia em si.

    Em dado momento, já incomodado com o silêncio da jovem naquela conversa, ele decidiu provocá-la com uma pergunta:

    — E você, Raquel? O que tem para nos contar?

    Imediatamente todos pararam e voltaram a atenção para a moça que, timidamente, pareceu se encolher. Emudecida por alguns instantes, sorriu e, por fim, falou:

    — Bem... — dissimulou sorrindo. — Não tenho nada para contar.

    Alexandre e Vágner fixaram-se em Raquel, observando seu jeito meigo e encabulado. Vágner, mais provocador, insistiu:

    — Parece que sua imaginação criou asas e estava longe daqui, não é Raquel? Não quer nos contar sobre o que pensava?

    Surpresa, sentiu o rosto aquecer. Ficou vermelha. Depois de oferecer belo sorriso, disse:

    — Estou repleta de serviço e... Bem... Era nisso que estava pensando.

    Vágner começou a ser cortês demais, falando sobre a importância de se desligar um pouco dos assuntos preocupantes a fim de, mais descansados, poderem encontrar forças ou soluções para realizá-los melhor. Ele gostaria de aproximar-se mais da moça, chamando sua atenção. Na primeira oportunidade e em poucas palavras, Rita acabou contando o que a amiga lhe confiou, enquanto estavam na toalete, minutos antes.

    — O problema da Raquel é bem outro. O irmão dela está com dificuldades financeiras, por isso, vai morar com ela e levará toda a família. Deixará de viver só! Não é Raquel?

    — Puxa, Rita! Como você é indiscreta! Se eu soubesse que iria espalhar para todo o mundo... — ficou insatisfeita e franziu o semblante.

    Para evitar um clima tenso, Alexandre procurou distrair Raquel, perguntando:

    — Então você mora sozinha, Raquel?

    — Moro — respondeu com simplicidade, muito séria e sem se alongar.

    — Eu também — afirmou ele.

    — Ah! Você mora sozinho, Alexandre? — perguntou Rita, mais uma vez, forçando atenção para si.

    — Como disse, moro sim — respondeu sem pretensões.

    Vágner, exibindo grande interesse, indagou:

    — Sabemos pouco sobre você, Raquel. Apesar de fazer mais de um ano que trabalha conosco, desconhecemos tudo a seu respeito. Conta aí! De onde você é? Onde moram seus pais?

    — Sou do Rio Grande do Sul. Meus pais moram lá — contou em rápidas palavras, pois não gostava de expor sua vida. Estava contrariada.

    — Por que não mora com seus pais, ou então, por que eles não vêm para cá? — tornou Vágner, curioso.

    — Eles moram no campo. Eu e meu irmão não nos adaptamos lá — explicou após profundo suspiro e bem séria, descontente pela insistência do rapaz.

    — Mas... — tentou dizer Vágner, que foi interrompido pelo colega.

    — Gente! Estamos em cima da hora! Vamos? — Alexandre convidou.

    Nesse instante, Rita, mais uma vez, arrumou um assunto para falar e todos voltaram a atenção para sua história.

    Ao retornarem para a empresa, a vida de Raquel foi esquecida. Ainda magoada com a colega, a amiga não dizia nada, enquanto Rita, parecendo não notar, admirava a companhia que tiveram.

    — Ai! Tomara que o Alexandre almoce conosco outras vezes. — Por não haver mais ninguém na toalete, ela rodopiou olhando para o alto exibindo extrema admiração: — Ah... Estou sonhando! Com tantas por aí e o gato mais cobiçado vem nos chamar para almoçar! — Espremendo o olhar, encarando o espelho, Rita suspirou dizendo: — Ainda conquisto esse homem! — Sorriu. E continuou: — Sou bonita, simpática, sei me comportar... O que você acha, Raquel?

    — Tudo é possível — respondeu sem entusiasmo.

    — Você não acha que sou capaz de ganhar o Alexandre?

    — Não sei dizer, Rita. Eu não conheço o cara. Acho que conversei com ele poucas vezes. Não sei dizer se quer ser conquistado. Por outro lado, não duvido dos seus desejos nem da sua capacidade.

    — Não entendi, Raquel. O que você quer dizer?

    — É o seguinte: eu vejo que a maioria das nossas colegas vive dando em cima desse cara. Como já disse, não o conheço. Mas, pelas poucas vezes que conversamos, pareceu que é uma pessoa alegre, descontraída, inteligente, porém muito reservado. É do tipo que não quer ser amarrado, não quer comentar sobre sua vida particular, entende? Apesar de educado e gentil, manterá distância de quem quiser ou tentar invadir sua privacidade.

    — Mas, é impossível um homem desse tipo não querer ficar com ninguém e não ter uma mulher, uma namorada... Tem de haver um modo de chamar a sua atenção. — Refletindo alguns segundos, Rita observou: — Você parece não se atrair por ele, não é, Raquel? Aliás, parece não se atrair por ninguém.

    — É... Talvez eu não tenha encontrado a pessoa certa.

    — Mas você não namora e também nunca nos falou de um antigo namorado, se é que já teve. — Diante do silêncio, Rita insistiu: — Você já teve namorado, não é?

    Nesse momento, Raquel ficou nervosa, enquanto a amiga a fitava com olhos ávidos, aguardando uma resposta. Embaraçada, sentiu um suor gelado umedecer suas mãos. Definitivamente, não gostava de falar sobre sua vida. Encarando a colega e tentando disfarçar seus sentimentos, admitiu:

    — Não. Não tive nenhum namorado porque nunca me atraí por ninguém. — Impondo na voz uma energia quase arrogante, afirmou: — E não tenho intenções de me deixar atrair por homem nenhum. Essa é uma opção a qual tenho direito!

    Admirada e surpresa, a colega não conteve seu interesse e, indiscreta, questionou:

    — Nossa, Raquel! Bonita e simpática como é, pretende ficar sozinha? — Sem esperar por uma resposta, continuou: — Eu sempre te achei muito... muito fechada para com os seus admiradores. Agora, ouvindo de você mesma que não quer nenhum homem em sua vida, fico até... Até... Sei lá. Acho esquisito.

    Em silêncio, a jovem trazia o semblante sisudo. Seu coração estava apertado, triste. Lembrou-se de dores e mágoas do passado. Arrumando rapidamente sua bolsa, avisou:

    — Tenho de ir para a seção, Rita. Você ainda vai ficar aqui?

    — Ainda estou intrigada. Você nunca gostou de ninguém? Jovem e bonita, nunca teve um rapaz na sua vida?

    Totalmente insatisfeita com a pergunta, sentiu o coração ainda mais apertado. Não gostava de passar por aquela inquisição muito inconveniente. Séria, pediu:

    — Por favor... Eu não quero falar sobre isso. Agora vou. Estou atrasada — disse. Virou as costas e saiu.

    Rita ficou com os pensamentos fervilhando, curiosa e contrariada por não ter mais informações sobre a vida da outra. Inconformada, ao chegar próximo à mesa onde Raquel estava, bisbilhoteira e intrometida, curvou-se e perguntou em voz baixa, quase sussurrando:

    — E se alguém gostar de você? E se um rapaz vier falar com você? Como hoje, por exemplo, ficou claro que o Vágner estava interessado e... Sabe, né? E se ele quiser te conhecer melhor?

    — Não sei dizer, Rita! — expressou-se insatisfeita. — Não sei nem se amanhã eu estarei viva. Agora, não quero mais falar sobre isso. Por favor!

    Rita se ergueu parecendo ofendida. Pediu desculpas e saiu. Raquel ficou aborrecida. Magoada por ter de enfrentar aquela situação que, pelos resquícios do passado, era-lhe muito amarga. Seus olhos quase transbordavam as lágrimas quentes e teimosas que se fizeram. Sentiu-se tremer por dentro, mas não podia se manifestar.

    Rita foi para o seu lugar intrigada com o segredo da amiga. Mas isso só durou alguns minutos. Suas ideias se voltaram para os planos de como conquistar Alexandre. Imaginava que não seria fácil. Entretanto, com a ajuda de uma colega, seria favorecida. Por essa razão, não poderia brigar com Raquel.

    Capítulo 2

    A única ajuda

    Alguns dias haviam se passado.

    Alice e o esposo não conseguiam se harmonizar. Irritada com a situação financeira difícil, a mulher exibia insatisfação e longas queixas com modos furiosos no falar e no agir.

    Mais uma vez, o casal iniciava outra discussão.

    — Eu não vou sair daqui e me submeter à humilhação de ir morar na casa de sua irmã! — afirmava ela veemente. — Se Raquel tem tanta boa vontade em ajudar, que se mude para cá e ajude você a pagar o aluguel!

    Andando de um lado para o outro, sentindo a cabeça como a queimar pelo excesso de preocupações e problemas, Marcos ocultava pensamentos tenebrosos.

    Alice não parava de reclamar com um jeito que irritaria a qualquer um. Como em todos os casos semelhantes, em que a pessoa não consegue conter sua ira e contrariedade, brigando e xingando, espíritos infelizes riam e zombavam da esposa irritadiça, influenciando-a a agir cada vez pior.

    Após alguns passos negligentes até próximo a pia da cozinha, desesperado, o marido, ao olhar uma faca, pensou:

    É por isso que muitas tragédias acontecem. Não suporto mais essa mulher. Bem que eu poderia acabar com essa desgraçada agora mesmo e depois dar um jeito na minha vida.

    Nesse momento, outro grupo de espíritos inferiores passaram a estimulá-lo a prosseguir com a ideia, incentivando-o a esfaquear Alice como em uma torcida.

    Quase se apoderando do utensílio que, agora, transformava-se em uma arma, Marcos imaginava-se realizando um homicídio que poria fim a sua raiva, enquanto a esposa continuava com suas reclamações, falando encolerizada e aos gritos, em alguns momentos:

    Alice é o motivo de todo esse inferno que vivo! — Com as mãos trêmulas e geladas, ele apanhou a faca e olhou para a esposa pensando: — Já chega! Vou terminar com isso logo!

    Um tarefeiro espiritual, que desempenhava a função de proteção e amparo aos queridos encarnados, conhecido como espírito protetor, tentava envolver, com amor e bondade, o pobre Marcos que não podia vê-lo, ouvi-lo ou senti-lo.

    Esse espírito fazia tudo para afastar aquela ideia de consequências trágicas. Mas estava difícil. As vibrações tempestuosas de Alice e a irritabilidade do marido impediam qualquer afinidade com sugestões e envolvimento elevados e reflexivos.

    Sentindo a dificuldade de alertar o pupilo, o tarefeiro espiritual lançou vibrações de amor e socorro a um dos filhos do casal que, mais espiritualizado e flexível ao envolvimento, saiu de onde estava e foi até a cozinha. O garoto pareceu não se importar com a discussão. Sem saber muito bem o que queria, Elói abriu a geladeira, encontrou uma maçã, pegou-a e se dirigiu até o pai, pedindo:

    — Empresta a faca.

    Surpreso, ele olhou para o filho e, num gesto automático, entregou-lhe o utensílio. Elói cortou a fruta e ainda ofereceu:

    — Quer? Toma.

    — Não, obrigado — o pai respondeu atordoado.

    A mãe, ainda resmungando, não deu conta do que ocorria. Mas, Marcos, ao encarar o filho, alertou-se para o que ia fazer como se despertasse para a situação. Seria uma loucura. Alice não parava de falar e reclamar de forma irritadiça. O marido, por sua vez, retirou-se sem falar nada.

    Mais tarde, após pensar muito, ele foi até a casa de Raquel e contou o que havia acontecido. Depois, ainda disse:

    — Resumindo... Alice não quer vir morar aqui. E só tenho mais duas semanas para resolver essa situação com o aluguel.

    Os pensamentos de Raquel, ligeiros e preocupados, trabalharam na sombra de suas dúvidas. Deveria deixar aquela casa e ir morar com Marcos, conforme Alice desejava? Suas coisas não caberiam na casa de seu irmão. Teria de se desfazer delas. Se não fosse pela situação difícil e por tudo o que Marcos já havia feito por ela, jamais aceitaria conviver com a cunhada. Conhecia-a muito bem. Raquel temia que seu irmão cometesse alguma loucura contra a vida de sua esposa ou contra a própria vida.

    Disfarçando as preocupações, ela disse:

    — Fique tranquilo, Marcos. Resolveremos assim: eu mudo para sua casa e ajudo vocês a pagarem o aluguel. Está decidido.

    — Não posso concordar com isso. Ninguém suporta Alice. Acabei de contar tudo o que fiz hoje porque entrei em desespero depois de tantas queixas que ouvi. Ela irrita qualquer um! É uma mulher insuportável! Depois disso, você ainda quer ir lá para casa? Só se você estiver louca!

    — Veja... Conheço a Alice, por isso não vou me importar com o que ela faça ou diga. Estarei preparada.

    — Não...

    — Então, quem vai ajudar? — indagou com firmeza, encarando-o sem arrogância. Após alguns segundos, explicou: — Você se indispôs com nossa família por minha causa e hoje não tem notícias de ninguém. Nosso pai está inválido. O coitado nem entende o que está acontecendo. Nossa mãe é... Bem... Nem sei dizer se ela é submissa ou acomodada. O vô, por ser o czar da nossa família, soberano, cruel de extraordinária figura, jamais deixaria nossos irmãos nos ajudar. Como Pedro, o Grande — referiu-se ao czar russo – título usado pelos Monarcas do império russo —, ele seria bem capaz de mandar executar o filho que se opuser às suas ordens. — Breves instantes, apelou com voz mansa, envolvendo-o com sentimentos bondosos e sinceros: — Somos um pelo outro, meu irmão... Eu só tenho você. Vamos morar juntos. Irei para lá e vai dar tudo certo.

    Marcos fitou-a longamente. Estava sem alternativas e sem argumentos, por essa razão teria de concordar.

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    Com o passar dos dias, Raquel mudou-se para a casa de seu irmão. Quando se viu sozinha com ele, ofereceu:

    — Tome — estendendo-lhe um maço de dinheiro.

    — Onde você arrumou isso? — perguntou surpreso.

    Com doce sorriso, que irradiava ternura, ela respondeu:

    — Assaltei um banco! — brincou, rindo de modo gracioso. Notando que os olhos de Marcos sinalizavam espanto, esclareceu: — É brincadeira, seu bobo.

    — Eu sei! Mas... Como conseguiu?

    — Uma parte, juntei em uma poupança no banco e... Bem... o restante consegui com a venda de alguns móveis, televisão, geladeira... As coisas que não caberiam nesta casa.

    — Raquel!... — enfatizou, baixinho.

    — Não diga nada — interrompeu, colocando o dedo indicador nos lábios de Marcos, sinalizando-o para silenciar. Depois completou: — Quero que aceite e pague os aluguéis atrasados. Daqui para frente será vida nova!

    — Não deveria ter feito isso! — exclamou sussurrando.

    — Por que não? Você não vai me deixar usar a sua geladeira? Nem assistir à sua TV? — sorriu.

    Ele se calou angustiado. Algo o incomodava naquela situação. Era muita renúncia por parte de sua irmã. Não gostaria que ela se sacrificasse tanto.

    Com o dinheiro na mão, olhou-a por longo tempo sem dizer nada e estampou um suave sorriso, quase forçado, no rosto pálido.

    Nesse instante, Alice entrou na sala e, com ar de desdém, trazendo na fala uma expressão debochada, observou:

    — Que cena! Hum!... Comovedora.

    Sem dar atenção aos comentários da esposa, o marido mostrou:

    — Temos o dinheiro para pagar o aluguel. A Raquel nos emprestou.

    Alice fechou o sorriso irônico. Não disse uma palavra. Sua face, antes alva, cobria-se agora por um intenso rubor provocado pela ira e pela revolta. Ela possuía um coração orgulhoso, repleto de ódio e impulsos vaidosos que não a deixavam, no mínimo, agradecer a ajuda que recebia.

    A cena foi interrompida pela chegada de Elói, o filho mais novo do casal. Afoito, o menino entrou correndo, contando o ocorrido:

    — Mãe! Mãe! O Nílson está brigando lá na rua aos socos e pontapés!

    Aquela foi a oportunidade de Alice colocar para fora toda a sua contrariedade, raiva e ódio pelo que havia acontecido minutos antes. Sem demora, desabafou com voz estridente e gritos:

    — Quero que se mate!!! — berrou a mulher, estremecida pela ira. — Que morra de uma vez!!! Será um a menos pra me dar trabalho!!!

    Sem dizer nada, o pai saiu junto com Elói para ver o que acontecia.

    Raquel, chocada com a expressão da cunhada, respirou profundamente, alçou a cabeça e saiu logo atrás do irmão. Não ficaria ali com Alice.

    Pouco tempo depois, Marcos retornou segurando o filho Nílson pelo braço e advertindo-o com firmeza:

    — Nada justifica isso! Estou cansado de ver você rolando na rua como um animal!

    — Ele me xingou!... Qual é? Quer que eu seja um covarde?

    — Vê se me respeita, moleque! — gritou o pai furioso.

    Alice, que possuía o dom de interferir, negativamente, opinou:

    — Quer que ele seja igual a você, Marcos? Engraçado, outro dia você disse que ele já ia fazer dezoito anos e que já deveria arrumar um emprego e trabalhar. Agora o chama de moleque!

    De imediato, iniciou-se uma briga entre o casal.

    Nílson, intrometendo-se, foi punido fisicamente pelo pai que o mandou para o quarto. Raquel, em outro cômodo, permanecia aflita e em silêncio, rezando para que tudo se harmonizasse logo.

    Tendo em vista as atitudes dos encarnados, os pensamentos queixosos e críticos, o palavreado carregado de sentimentos inferiores, no plano espiritual daquele lar, espíritos sofredores, de baixo valor moral, achegavam-se compatíveis às vibrações criadas pelos moradores dali.

    Naquele instante, enquanto Marcos e Alice discutiam, cada um possuía verdadeiros aliados espirituais, tal qual um grupo de torcida que vibra a fim de incentivar seu escolhido.

    A falta de respeito mútuo, a ausência de paciência, o excesso de reclamações, a falta de fé em Deus e de prece, deixa qualquer lar à mercê da desarmonia, do desequilíbrio e de irmãos que, na espiritualidade, aproximam-se e se instalam nesses ambientes. São espíritos que, ignorantes e maldosos, passam a influenciar e a envolver por meio de suas vibrações. Muitas vezes, começam a manipular os encarnados às discórdias, aos conflitos, desejando que tragédias sejam concretizadas por eles.

    Como já dissemos, esses espíritos ignorantes e sofredores, comprazem-se com tais acontecimentos danosos e nocivos.

    Porém, eles só podem atuar quando o encarnado se deixa dominar por ideias incorretas, negativas e lamuriosas, expressando também, em atos, tais sentimentos inferiores.

    Naquela noite, Raquel não conseguiu dormir. Rolou de um lado para outro em busca do sono. Em vão.

    Ao levantar pela manhã, tomou somente uma xícara de café e se foi.

    Logo após, Alice decidiu buscar o pão para os filhos fazerem o desjejum e saiu reclamando.

    — Agora vou virar empregada dessa madame aí! Nem se incomodou em ir buscar o pão e só tomou café porque eu levantei cedo e fiz!

    Ao retornar, antes de entrar em sua casa, uma vizinha, a qual Alice confiava-lhe alguns particulares, cumprimentou-a:

    — Bom dia!

    — Oi, Célia.

    — Que cara! Aconteceu alguma coisa?

    Desviando poucos passos de seu portão, parou frente à outra, que queria conversar. Insatisfeita, falou:

    — Só posso estar com essa cara, né?

    — Quem é aquela que vi saindo, agora há pouco, da sua casa? Você recebeu visita logo cedo? — riu.

    — Antes fosse visita. Essa é a minha cunhada, a Raquel. Você não se lembra dela?

    — Hum!... Parece que conheço, mas...

    — Pois é, Célia... Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece. Estamos numa situação tão difícil, menina... Sabe, a

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