Ecoesporte: ensino da navegação com mapa e bússola
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Ecoesporte - José Otavio Franco Dornelles
1. INTRODUÇÃO
1.1. MOTIVAÇÃO PARA O ESTUDO
Nesta parte, apresento os motivos que me levaram a investigar o Ecoesporte, em especial os aspectos relacionados ao ensino desta modalidade esportiva que tanto preso e que ocupa um espaço fundamental na minha lida diária como profissional de Educação Física.
Passei a infância e parte da adolescência em uma propriedade no interior de Itaqui, hoje município de Maçambará, no Estado do Rio Grande do Sul. A casa onde morava ficava num platô envolvido por um banhado que acompanhava um riacho, tendo do outro lado uma floresta ciliar. Naquele local não se avistavam outras residências, não tinha energia elétrica e a escola ficava a 5 km de distância, trajeto que eu fazia todos os dias a cavalo, passando pelo banhado, riacho e floresta. Desta infância em contato com a natureza é que trago os primeiros conceitos para adaptação do indivíduo ao meio ambiente e o conhecimento das espécies vegetais locadas nos mapas didáticos.
Realizei o ensino médio no Colégio Agrícola de Alegrete, tendo topografia como uma das disciplinas, que abordava o estudo de medição de área, nivelamentos de terrenos, construção de barragens, terraços e curva de nível para lavoura. Foram nas aulas teórica e práticas de topografia que aprendi a usar a bússola dos antigos teodolitos, interpretação e construção de curvas de nível e orientação dos polígonos ou plantas desenhadas em escala.
Após concluir o ensino médio, ingressei no Exército Brasileiro. Fiz o curso de formação de sargentos de artilharia, que incluía o estudo da topografia. Na escola militar, realizei os primeiros estudos das cartas militares que nos anos seguintes usei para competições de Orientação.
Em 1983, servi como sargento na 1ª Bateria do 3º Grupo de Artilharia de Campanha Autopropulsado - GACAP. Lá, comecei a praticar a Orientação e ganhei meu primeiro título na modalidade. Em 1984, venci as competições da 6ª Brigada de Infantaria Blindada e da 3ª Divisão de Exército e, após vencer a competição militar da Região Sul, em 1987, tive acesso à equipe do Exército Brasileiro. Em 1988, venci a competição das Forças Armadas do Brasil.
Nesta época, a equipe de Orientação do quartel que eu fazia parte era quase sempre desclassificada nas competições por não possuir quatro atletas que completassem os percursos em menos de 4 horas, em uma equipe de sete competidores. Foi nesta condição que assumi a função de instrutor/treinador da equipe. Inicialmente, passei a montar os percursos e demonstrar como era a minha técnica de competição. Busquei na literatura militar informação sobre instrução de Orientação e não encontrei materiais que atendessem às necessidades. Desta forma, passei a buscar respostas para a seguinte questão: Como elaborar exercícios para o ensino da Orientação?
Naquela época, desempenhava também a função de Sargento de Tiro e, entre outras funções, tinha que montar a instrução preparatória para o tiro. Foi nesta vivência, percebendo que o ambiente de aprendizagem estava organizado de acordo com a metodologia da instrução, é que tive a ideia de montar oficinas para melhorar a habilidade de navegação dos colegas da equipe de Orientação. A partir daquele momento, o problema a ser resolvido passou a ser: O que deveria ensinar nestas oficinas?
Após a realização de percursos de treinamento, percebi que os erros que mais prejudicavam a performance da equipe estavam relacionados às falhas na interpretação do relevo, à perda do controle na distância percorrida e aos erros na direção de navegação. Para os erros de interpretação do relevo, recorri às aulas de topografia do ensino médio e montei uma oficina numa caixa de areia, onde o modelado do terreno era reproduzido e estudado. Para treinar a direção e distância, optei por realizar um percurso, excluindo todos os elementos cartográficos, menos o norte magnético. Os resultados se mostraram satisfatórios. A equipe venceu as competições que disputou, os atletas chegaram à equipe das Forças Armadas do Brasil, conquistaram muitos pódios e disputaram o Campeonato Mundial Militar.
Apesar do sucesso e do legado que esta atividade deixou para a Orientação, hoje, com base nas teorias de aprendizagem e metodologias para o desenvolvimento psicomotor, considero que foi apenas um grande achado fruto da minha intuição, que buscou a solução do problema nas vivências em outras atividades não esportivas. É importante destacar que funcionou bem, mas com aquele grupo que já estava realizando percursos em torno de 10 km. A experiência aponta hoje que, se aplicado a atletas iniciantes, eles não conseguiriam sucesso, por ser um exercício de alto nível na sequência pedagógica para o desenvolvimento da habilidade de navegar com mapa e bússola.
Ainda como resultado das competições e dos treinamentos fui convidado pelo Comando do Exército Brasileiro, em 1990, para cursar Educação Física na Escola de Educação Física do Exército - EsEFEx, no Rio de Janeiro. Ao longo do curso, identifiquei situações que se tornaram problemas de estudo por vários anos. A Orientação não tinha uma metodologia de ensino, conforme as demais modalidades do programa do curso; além disso, era apenas um esporte militar e não existiam competições e nem entidades de prática.
Ao final do curso, inspirado na iniciação esportiva de outras modalidades, iniciei um trabalho para decompor a prática de Orientação e identificar os fundamentos técnicos da modalidade. Iniciei também a organização do estatuto de uma entidade de prática que resultou, em 1991, na constituição do Clube de Orientação de Santa Maria - COSM, cidade do interior no Rio Grande do Sul.
Naquela época, as conversas com atletas da seleção brasileira de voleibol que treinavam na EsEFEx colocaram-me em contato com a iniciação esportiva e os projetos da Confederação Brasileira de Voleibol - CBV nas escolas de ensino fundamental e médio, que possibilitaram a esses atletas chegarem até a seleção brasileira. Foi aí que surgiu a ideia de trabalhar a modalidade de Orientação nas escolas, que até então ocorria somente no meio militar.
No ano seguinte, participei do Campeonato Mundial Militar de Orientação, que se realizou em Boroas, na Suécia, e visitei clubes civis da modalidade para fins de treinamento. A partir destes contatos, voltei mais quatro vezes na Suécia para participar de competições, realizar cursos de capacitação na Federação Internacional de Orientação - IOF, e desenvolver iniciação esportiva e treinamentos nos clubes IKHP Hakarpspojkarna, de Huskvarna, e IFK Goteborg, de Gotemburgo, sendo que para este último confeccionei mapa em 1998. Os exercícios estudados e praticados na Suécia foram cruzados com os fundamentos técnicos e exercícios elaborados no Brasil, e assim teve origem o primeiro plano de iniciação esportiva da Confederação Brasileira de Orientação - CBO, em 1999, e os planos de aula da disciplina de Orientação no curso de graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, em 2001.
No mesmo ano, na qualidade de Presidente da CBO, ao buscar apoio para os projetos de Orientação na escola, junto ao Ministro da Educação, fui orientado a montar um projeto com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,1998) e na Lei de Educação Ambiental (BRASIL, 2018) e oferecê-lo a instituições de educação. A partir deste momento, o projeto pedagógico da Orientação passou a se alinhar por esses documentos.
Em 2015, com base em mais de 20 anos de experiência como atleta, treinador, professor e gestor da Orientação, somada a demanda por uma sequência de aprendizagem para as Práticas Corporais de Aventura, que agora integram a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017), estabeleci as bases do Ecoesporte, nova modalidade esportiva voltada à educação, e que é objeto deste estudo.
1.2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO
Uma das características da Educação Física é a multiplicidade de suas formas de expressão por meio do jogo, da ginástica, das lutas, da dança e dos esportes. Essa riqueza de opções, constantemente ampliada com a inclusão de novas práticas corporais, possibilita a organização de novos esportes com propostas pedagógicas que buscam a melhoria da condição física, psicológica e social em equilíbrio com o ambiente natural.
O Ecoesporte, objeto deste estudo, é um esporte que representa estas práticas corporais que envolvem o convívio do ser humano com a natureza. O praticante desta modalidade é instrumentalizado para navegar de forma independente através do terreno, localizar e identificar as espécies vegetais que fazem parte das metas do percurso, auxiliado somente por mapa e bússola. Este esporte foi bem aceito pelo sistema de educação, gerando uma demanda na formação de professores, mas que por serem tardias no meio acadêmico possuem limitações em termos de literatura para instrumentalizar os professores a planejar e organizar o ensino e a montar e implementar suas aulas no âmbito escolar.
É importante destacar que, recentemente, entrou em vigor a BNCC. Este documento, de caráter normativo, define o conjunto de aprendizagens que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação - PNE (BRASIL, 2014). A BNCC é um documento de referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas pedagógicas das instituições escolares. A BNCC integra a política nacional da Educação Básica e serve para o alinhamento de outras políticas e ações, em âmbito federal, estadual e municipal, referentes à formação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de infraestrutura para a educação.
Na BNCC, a Educação Física é um dos componentes curriculares da área de Linguagens e tem, como uma das suas unidades temáticas, as Práticas Corporais de Aventura, nas vertentes urbana e na natureza, que incluem, entre outras modalidades, a corrida orientada e a corrida de aventura. O Ecoesporte, pelas características acima referidas, enquadra-se nesta unidade temática. Esta pesquisa tem como foco de interesse o ensino desta modalidade esportiva no contexto escolar, embora seus resultados possam servir também para o ensino do Ecoesporte em outros contextos, como: clubes e escolinhas esportivas, projetos sociais de esporte, programas de educação ambiental, entre outros.
1.3. JUSTIFICATIVA
O ensino do Ecoesporte é bastante complexo, uma vez que esta modalidade requer vários conhecimentos, habilidades e atitudes, que se estabelecem em diferentes níveis e que são pré-requisitos uns para os outros. Sendo assim, delimitamos o objeto deste estudo para uma das partes iniciais da aprendizagem deste esporte e que julgamos de fundamental importância para as etapas que se seguem, a saber: a navegação com mapa e bússola (direção e distância) e leitura dos símbolos do mapa.
Para o leitor se situar na problemática do ensino do Ecoesporte é necessário abordar a evolução histórica do esporte de Orientação e de modalidades afins; entender como instituições consagradas tais como as militares trabalharam esta atividade; quebrar paradigmas, mitos e conceitos enraizados na cultura deste esporte; revisar ou criticar a literatura publicada; e apresentar a recente demanda do sistema de educação que, além da organização de uma escola esportiva, requer uma sequência adequada de exercícios.
A primeira condição, em se tratando de esporte, é compreender que a navegação com mapa e bússola (senso de orientação) é uma habilidade complexa cuja maestria é fruto de aprendizagem. Assim como chutar a bola no futebol, cortar no voleibol e lançar o dardo no atletismo, o ser humano não nasce com o senso de orientação, ele o desenvolve.
Os praticantes de Ecoesporte têm demostrado que é possível aprender a navegar com mapa e bússola, e o propósito desta pesquisa é elaborar uma sequência pedagógica que torne mais eficaz a aprendizagem desta habilidade.
A navegação, como atividade, e a necessidade de se orientar acompanham o ser humano ao longo da história. No entanto, como esporte, surgiu nos países nórdicos há mais de cem anos, evoluindo desde os tempos iniciais, em que a cartografia e as bússolas eram rudimentares, até os dias atuais, em que existem bons mapas e bússolas precisas para competição.
Nos países nórdicos, a navegação com mapa e bússola surgiu a partir de líderes escoteiros, formando clubes em aldeias e comunidades do interior onde profissionais das mais diversas áreas usavam os mapas para competirem na natureza. E assim o esporte chegou até os dias de hoje sem passar por estudos mais aprofundados nas instituições de administração do esporte e nas universidades. Por isso, é frágil a literatura existente que, inclui nas propostas de ensino práticas rudimentares de sobrevivência e conceitos de orientação que não são aplicados conforme as regras oficiais das modalidades.
O conteúdo proposto para as primeiras aulas dos esportes de aventura que usam, na sua prática, a navegação com mapa e bússola (GONZÁLEZ et al., 2017) no Programa Segundo Tempo (PST), são exemplos do uso de conceitos verdadeiros, mas não aplicáveis conforme as regras oficiais das modalidades que se pretende ensinar.
Para organizar este trabalho, realizamos uma busca em bases de dados e localizamos publicações, artigos e livros dos clubes de orientação, entidades militares e outros, e ficamos surpresos com a fragilidade do material que é publicado, sem fundamentação e mais inclinado para mito do que para o estudo metódico com base científica. Inclui-se aqui os estudos nacionais e internacionais produzidos quando os mapas e as bússolas de competição não tinham os padrões atualmente usados.
Quando defendemos a organização de uma sequência pedagógica para a navegação com mapa e bússola, não podemos deixar de destacar os tantos casos de pessoas que sem conhecimento e orientação se lançaram a percursos na natureza, se perderam e abandonaram a prática da atividade física na natureza. Seus traumas e consequências nos servem de suporte para defender uma sequência pedagógica para a navegação com mapa e bússola.
Nos últimos quarenta anos, com o objetivo de atender a demanda dos melhores atletas do mundo, as bússolas de competição passaram por sucessivas melhorias e evoluções dos modelos anatômicos, imantação da agulha magnética e do líquido que estabiliza a agulha magnética, deixando a técnica do uso da bússola fragmentada na literatura, devido ao uso de equipamentos diferentes, sendo a navegação com mapa e bússola ensinada conforme experiências particulares. O praticante, em especial o aprendiz, é que perde com isso. A situação torna-se ainda mais preocupante quando lidamos com crianças e jovens no contexto escolar, espaço que pela própria natureza da instituição tem por objetivo central educar.
1.4 OBJETIVOS
1.4.1. OBJETIVO GERAL
• Propor uma sequência de ensino para navegação com mapa e bússola para o Ecoesporte.
1.4.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Descrever as características do Ecoesporte;
• Construir uma sequência de ensino para a navegação com mapa e bússola para o Ecoesporte;
• Aplicar a parte inicial da sequência de ensino para a navegação com mapa e bússola a alunos do ensino fundamental.
1.5. ESTRUTURA DO TRABALHO
Além desta Introdução, onde são apresentadas as motivações do autor para a realização do estudo, bem como a contextualização, a justificativa e os objetivos da pesquisa, o