As revoltas modernistas
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As revoltas modernistas - Otto Maria Carpeaux
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Diretor editorial
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Coordenação editorial
carla sacrato
Preparação
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Revisão
thaís entriel e luciane h. gomide
Capa e diagramação
osmane garcia filho
Ilustração de capa
plasteed | shutterstock
Imagens internas
plasteed, cassette bleue | shutterstock e domínio público
Produção digital
celeste matos | saavedra edições
Logotipo da Editoraimagem
Capa
Otto Maria Carpeaux
Nota Prévia
As Revoltas Modernistas
A Boêmia de Munique
Wedekind e a Revolta Sexual
Os Pré-Expressionistas
Hermann Hesse
Gide
A Boêmia do Montmartre
Bergson e os Católicos
Negros, Cubistas e o Père Ubu
O Futurismo Italiano
Stravinsky e o Bailado Russo
Apollinaire
Jacob, Reverdy, Cendrars
A Poesia Nova em Florença
Orfeu em Portugal: Sá-Carneiro e Fernando Pessoa
Os Imaginistas; Pound
O Middle West
e Chicago
Expressionismo na Alemanha
Os Judeus de Praga
Kafka
Realismo Mágico dos Italianos
Péguy
Trakl
A Primeira Guerra Mundial
Revolução na Rússia
O Teatro dos Pacifistas
Poesia Expressionista
Dada
O Ultraísmo
O Modernismo Brasileiro
Revolta na América
Revolta na Inglaterra: D.H. Lawrence
A Psicanálise
Joyce
Pirandello
O Espírito de Bloomsbury
Scott Fitzgerald e O’Neill
Contra os Babbitts
Hemingway
T.S. Eliot e o Waste Land
Na Rússia Soviética
A França entre as Guerras
O Surrealismo
Nova Poesia Espanhola
Lorca e Alberti
Notas
Índice Onomástico
imagemJosé Almeida Júnior
Vida e obra
Filho de pai judeu e mãe católica, Otto Karpfen nasceu em 9 de março de 1900 na cidade de Viena. Ingressou na faculdade de direito, por influência do pai, mas abandou o curso. Acabou se formando em física. Em 1925, concluiu o curso de filosofia e letras. Em seguida, tornou-se doutor em matemática, física e química pela Universidade de Viena. Com uma formação eclética, começou a trabalhar como jornalista.
Otto era um crítico do nazismo nos jornais em que trabalhava. Depois da anexação da Áustria pela Alemanha, em 1938, exilou-se em Antuérpia, onde passou a trabalhar nos principais jornais da Bélgica. Com receio da invasão nazista, refugiou-se no Brasil em 1939 com a sua esposa Helena.
No Brasil, passou a usar o nome Otto Maria Carpeaux. Com a ajuda do crítico literário Álvaro Lins, começou a escrever no Correio da Manhã. Os primeiros textos foram escritos em francês e posteriormente traduzidos. Logo se familiarizou com a língua portuguesa e entrou no círculo intelectual do Rio de Janeiro.
A convite de San Tiago Dantas, em 1942, foi nomeado diretor da biblioteca da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. No mesmo ano, publicou o seu primeiro livro de ensaios em língua portuguesa: A cinza do purgatório. Em 1944, conseguiu se naturalizar brasileiro e assumiu a direção da biblioteca da Fundação Getúlio Vargas.
Depois de escrever um texto crítico a respeito da obra de Romain Rolland, Prêmio Nobel de Literatura de 1915, passou a sofrer ataques de intelectuais como Jorge Amado, Dalcídio Jurandir e Carlos Lacerda. Georges Bernanos chegou a levantar a hipótese de que Carpeaux teria mantido relações com o fascismo. A essa acusação, o crítico austríaco respondeu em texto publicado em O Jornal:
Quanto à firmeza da minha oposição ao fascismo austríaco, como a qualquer outro fascismo, passei por todas as provas, na Áustria, na Bélgica, no próprio Brasil. Afinal, não me mudei para cá como fazendeiro improvisado; cheguei, perseguido e exilado.
Carpeaux, em troca de carta com Carlos Drummond de Andrade, queixou-se da campanha difamatória que ameaçava a sua existência literária. O crítico se sentia ofendido e humilhado. Também agradeceu o apoio do escritor mineiro: Foram as primeiras e únicas palavras de amizade que recebi.
As rusgas de Carpeaux com Jorge Amado se estenderam até os anos 1950. Como noticiou o jornal O Globo de 10 de outubro de 1959, os dois chegaram às vias de fato, após o autor de Gabriela cumprimentar todos os presentes em um almoço e ignorar Carpeaux:
Pugilato no reencontro entre Jorge Amado e Otto Maria Carpeaux
Os escritores Jorge Amado e Otto Maria Carpeaux, inimigos de 15 anos, foram às vias de fato, ontem, após acalorada discussão, à saída
do Correio da Manhã, onde haviam participado de um almoço em homenagem ao escritor luso Ferreira de Castro.
Como redator do Correio da Manhã, Carpeaux foi um dos responsáveis pelo editorial Basta!, de 31 de março de 1964, às vésperas do Golpe Militar. O editorial teve relevante impacto na destituição do presidente João Goulart:
Basta!
Até que ponto, o Presidente da República abusará da paciência da Nação? Até que ponto pretende tomar para si, por meio de decretos, leis, a função do poder legislativo? (...)
O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual, agora basta!
No dia 1o de abril de 1964, com os tanques das Forças Armadas ocupando as ruas do Rio de Janeiro, o Correio da Manhã publicou mais um duro editorial exigindo a deposição de João Goulart:
Fora!
A Nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do governo. Chegou ao limite final a capacidade de tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart que não a de entregar o governo ao seu legítimo sucessor. Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: Saia!
Assim como Carlos Heitor Cony, que escrevia para o mesmo jornal, Carpeaux se tornou um crítico da Ditadura Militar logo após o Golpe. Em texto publicado no dia 18 de setembro de 1964 no Correio da Manhã, Carpeaux fez um paralelo da situação dos estudantes do Brasil do período e os da Alemanha nazista:
Quer-se impedir que os estudantes hoje e os intelectuais amanhã assumam o seu papel natural de líderes do povo. O golpe golpeou o povo inteiro. E em seguida foi golpeado e arruinado o próprio País; e os próprios golpistas serão os primeiros a sentir o destino amargo que prepararam.
Os textos de Carpeaux publicados no Correio da Manhã entre abril e outubro de 1964 foram inseridos no livro O Brasil no espelho do mundo. A leitura dos artigos permite conhecer a reação imediata do crítico ao regime recém-instalado. De outubro de 1964 a junho de 1965, Carpeaux publicou uma série de artigos sobre a América Latina, que seriam reunidos no livro A batalha da América Latina.
Em razão das suas posições políticas, Otto Maria Carpeaux respondeu a inquérito policial militar e teve que se afastar do Correio da Manhã. Em 1967, foi acusado de violação à Lei de Segurança Nacional por ter chamado o FMI de FMI: fome e miséria internacionais
.
Depois que deixou o jornal, começou a trabalhar com Antônio Houaiss nas enciclopédias Delta Larousse e Mirador. Também se tornou colaborador da Civilização Brasileira e se aproximou de intelectuais que se opunham aos militares, como Florestan Fernandes e Leandro Konder.
Em 1968, Carpeaux publicou pela editora Civilização Brasileira uma antologia de ensaios chamada Vinte e cinco anos de literatura. Dedicou o livro a Carlos Heitor Cony, Antônio Houaiss, Ênio Silveira e Mário da Silva Brito. A nota de abertura dos ensaios demonstra o pessimismo de Carpeaux com o momento político por que o Brasil passava:
Fiz uma seleção rigorosa: só escolhi trabalhos que, por este ou aquele motivo, ainda hoje possam inspirar interesse ao círculo de amigos da literatura.
Mas já não me incluo nesse círculo. Considero encerrado o ciclo. Minha cabeça e meu coração estão em outra parte. O que me resta, de capacidade de trabalho, pertence ao Brasil e à luta pela libertação do povo brasileiro.
Ainda que acometido pelo pessimismo, o crítico publicou em 1971 o livro Hemingway: tempo, vida e obra. Otto Maria Carpeaux morreu de infarto em 3 de fevereiro de 1978 na cidade do Rio de Janeiro.
As revoltas modernistas
Entre janeiro de 1942 e novembro de 1945, Otto Maria Carpeaux escreveu o seu trabalho mais ambicioso: História da literatura ocidental. As mais de quatro mil páginas foram datilografadas por sua esposa Helena. Inicialmente a coleção seria publicada pela Casa do Estudante do Brasil, órgão integrante da estrutura administrativa do Ministério da Educação, mas, por falta de verba, o projeto não foi adiante.
O livrou começou a ser publicado pelas Edições O Cruzeiro em 1959. A coleção foi publicada em sete volumes até o ano de 1966. História da literatura ocidental se inicia com a literatura grega e romana, passa pela ascensão do cristianismo, Idade Média, Renascença, Barroco, Romantismo, Realismo, Naturalismo, Simbolismo, Modernismo e tendências contemporâneas.
Para entender a Semana de Arte Moderna de 1922, que aconteceu em São Paulo, é necessário conhecer os movimentos modernistas que eclodiram no início do século XX na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina. Por isso, a Faro Editorial publica em volume separado As revoltas modernistas, de Otto Maria Carpeaux. O texto está inserido no penúltimo capítulo de História da literatura ocidental.
Carpeaux reúne no livro um conhecimento enciclopédico a respeito das escolas de vanguarda. Diversos autores citados pelo crítico austríaco são pouco conhecidos no Brasil, alguns sequer tem tradução para o português. Porém, Carpeaux contextualiza historicamente vida e obra dos escritores e os insere nos movimentos modernistas no respectivo país de origem.
A nova literatura, também chamada de modernismo, começa a surgir antes da Primeira Guerra Mundial, entre 1905 e 1910, no círculo da boemia de cidades como Paris, Berlim, Florença e Nova York. Segundo Carpeaux, trata-se de uma literatura relativamente autônoma, pois era independente da realidade social. A própria função do modernismo na história literária consistiria no seu afastamento da realidade.
O texto não se restringe à análise do campo da literatura, abordando as outras artes e como elas se refletem na literatura. Carpeaux estuda os trabalhos de pintores como Pablo Picasso, Munch e Van Gogh. O teatro de vanguarda também está presente na obra.
Carpeaux foi um dos primeiros críticos em língua portuguesa a escrever sobre Franz Kafka. O texto Franz Kafka e o mundo invisível
foi publicado em 1942 no livro A cinza do purgatório. Em As revoltas modernistas, o crítico identifica na obra kafkiana elementos do chamado realismo mágico, como resultado da decomposição do realismo-naturalismo por motivos alheios, provenientes do simbolismo ou do próprio modernismo.
Além de Kafka, Carpeaux aborda autores como Hermann Hesse, André Gide, Virginia Woolf, James Joyce, Marinetti e Fernando Pessoa. O leitor terá acesso a um panorama sobre a vida e a obra de escritores que marcaram os movimentos modernistas.
A respeito do modernismo no Brasil, Carpeaux defende que o movimento surgiu em circunstâncias mais desfavoráveis do que em outros países, pois não lhe precedeu nenhum movimento pré-simbolista ou simbolista, mas apenas um parnasianismo acadêmico sem raízes na cultura brasileira. Os modernistas no Brasil estavam diante de duas tarefas diferentes: criar uma poesia e uma arte genuinamente nacionais, e empregar, para tanto, os recursos das vanguardas europeias. Para Carpeaux, o modernismo brasileiro deparou com o problema da língua. A imigração e a colonização exigiam uma nova língua nacional.
As revoltas modernistas fornece uma visão geral do que foram os movimentos artísticos e vanguarda do início século XX, oportunizando ao leitor conhecer os autores e as suas obras. O texto também possibilita a compreensão da Semana de Arte Moderna de 1922 e a contextualização com as escolas de arte moderna da Europa, dos Estados Unidos e da América Latina.
Obras publicadas no Brasil:
A cinza do purgatório (1942);
Origens e fins (1943);
Pequena bibliografia crítica da literatura brasileira (1951);
Respostas e perguntas (1953);
Retratos e leituras (1953);
Presenças (1958);
Uma nova história da música (1958);
História da Literatura Ocidental (1959-1966);
Livros na mesa (1960);
A literatura alemã (1964);
A batalha da América Latina (1965);
O Brasil no espelho do mundo (1965);
Vinte e cinco anos de literatura (1968);
Hemingway: tempo, vida e obra (1971);
Reflexo e realidade: ensaios (1978);
Alceu Amoroso Lima (1978).
José Almeida Júnior é escritor e defensor público. Autor de O Homem que Odiava Machado de Assis, publicado pela Faro Editorial, e Última Hora, romance vencedor do Prêmio Sesc de Literatura e finalista dos Prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura.
imagemOtto Maria Carpeaux
O presente volume faz parte de um estudo, de dimensões maiores, sobre a literatura universal, dos tempos antigos até hoje.
Em obras dessa natureza costuma-se tratar, separadamente, as literaturas: a francesa, a inglesa, a russa, a alemã, a italiana, a espanhola etc., omitindo-se, muitas vezes, o estudo das literaturas chamadas pequenas
; observa-se a ordem cronológica, dividida em grandes épocas, também se estudam separadamente os diversos gêneros literários (poesia, teatro, romance e conto, ensaio etc.). Na presente obra, não se obedeceu a essa rotina. O estudo não se dividiu em épocas cronologicamente separadas. Mas, sem desprezar totalmente a cronologia, estudaram-se os grandes movimentos literários determinados por estilo comum, por situação social comum e pelas correspondentes reações ideológicas. Em consequência disso, as literaturas de todas as nações, inclusive as chamadas pequenas
, foram simultaneamente tratadas, enquanto as obras nas mais diferentes línguas pertencem às mesmas tendências estilísticas e ideológicas; e caíram os muros que nos manuais didáticos costumam separar os gêneros literários.
O presente volume trata da revolução ou revolta chamada modernista, aproximadamente entre 1905 e 1920. Conforme os princípios adotados, não aparecem neste volume os autores enraizados em época anterior à revolta, como: Claudel e Valéry, George, Rilke e Yeats, Blok e Biely, Unamuno, a geração espanhola de 1898, Antonio Machado, Baroja e Juan Ramón Jiménez, Shaw e Conrad; nem os precursores do modernismo, como Thomas Mann, Proust e Svevo, nem o precursor de um mundo novo, como Gorki. Esses autores todos devem ser procurados em volume anterior ao presente.
Em compensação, o presente volume tem um sucessor, sobre Tendências Contemporâneas, em que são estudados os autores posteriores à revolta modernista: Jules Romains e Malraux, Ernst Juenger, Frisch e Dürrenmatt, Krleža e Gombrowicz, Carlos Drummond de Andrade, Miguel Hernández, Auden, Faulkner, Ungaretti e Montale, Eluard, Pablo Neruda e Dylan Thomas, Kavaphis, Camilo José Cela e o moderno romance latino-americano, os autores do realismo socialista e Brecht, os neorrealistas italianos, Broch, Musil e Döblin, Camus e Sartre, Beckett e o nouveau roman francês e um dramaturgo como Peter Weiss. A enorme abundância de matéria explica suficientemente essa divisão do trabalho em vários volumes que podem, porém, separadamente ser estudados.
imagemOconsenso geral aponta o ano de 1914 como o marco do verdadeiro fim do século xix . Quanto à literatura, evidentemente não é possível indicar data tão exata. O fato de que estilos, maneira de escrever e pensar do século xix sobrevivem em plena época entre as duas guerras mundiais não é de grande importância; é o epigonismo sintoma de inércia nos autores e no público. Já importa mais outro fato: a nova literatura
, que em geral se chama modernismo
, já apareceu antes da Primeira Grande Guerra, entre 1905 e 1910. O que não importa absolutamente é um terceiro fato: o público e a crítica conservadora não terem percebido o que aconteceu nas vanguardas boêmias de Paris e Berlim, Florença e Nova York; o fato de só terem tomado conhecimento de literaturas inteiras, e tão importantes, como a inglesa, a espanhola e as escandinavas, só depois de 1918. Trata-se, pois, de um prazo de incubação que vai de entre 1905 e 1910 até 1914 e 1918, tendo a revolução literária coincidido com importantes acontecimentos e modificações na estrutura política e social do mundo. A guerra de 1914–1918 está no centro desses acontecimentos, entre as crises marroquina e balcânica, de um lado, a Revolução Russa e a revolta do fascismo italiano, do outro.
Nada parece mais natural do que a literatura ter reagido àqueles acontecimentos, seja refletindo-os, seja até antecipando-lhes os reflexos psicológicos. Com efeito, um número surpreendentemente grande de poetas e escritores, em todos os países, revelaram, antes de 1914, espírito profético: Péguy e George, Rilke e D’Annunzio, Maurras e Oriani, Blok e Ady. Nota-se, porém, que todos eles, e até os mais jovens entre esses profetas
, como George Hym e Rupert Brooke, escreveram em estilos do passado. Nenhum deles é modernista. E, no momento em que a angústia mais cerrada já pesa sobre a atmosfera, o grande poeta do modernismo, Apolinaire, grita, exprimindo o otimismo dionisíaco de uma geração futura:
Je suis ivre d’avoir bu tout l’univers.
Quanto a 1914, a influência desse ano é realmente grande na literatura. Mas é, assim como a dos acontecimentos posteriores, uma influência muito indireta. Os grandes poetas que o fascismo invocou como testemunhas — Yeats, George, D’Annunzio — são, todos eles, da geração precedente. Por outro lado, a revolução social que começou em 1917, na Rússia, não repercutirá na literatura ocidental antes dos poetas ingleses de 1930 e da última fase do surrealismo francês. A verdadeira literatura da guerra de 1914
não começará a aparecer antes de 1928, um decênio depois do armistício. O que havia antes, entre 1914 e 1918, em matéria de literatura de guerra, é uma espécie de reflexo condicionado. Isso não se refere apenas à literatura patriótica, que, como sempre, não tem importância. Pois as expressões da indignação e revolta revelam o mesmo imediatismo. Servem-se, aliás, de estilos tradicionais, como em Barbusse e Wilfred Owen. Mas, quando adotam estilo modernista, como os expressionistas revolucionários na Alemanha, então a guerra e a revolução ficam meros assuntos, quase casuais; a ideologia não é absolutamente moderna
, mas é o humanitarismo jacobino do século xix, que é novo só para os súditos do Kaiser; apenas com acentos de angústia religiosa. O expressionismo não alemão, o escandinavo ou o de O’Neill, na América, revelaram inclinação semelhante. E, já pouco depois de 1918, a guerra será esquecida. Só os anglo-saxões reagiram a 1918 de maneira diferente: desafiando o puritanismo, descobrem o sexo, iniciando-se viagem de — um crítico malicioso chamou assim a Ulysses — Phallus in Wonderland
. O modernismo inteiro, de Apollinaire até Joyce, parece evasionista. A guerra de 1914 deu só uma reação literária imediata, direta, sincera e radical: é o movimento de Dada.
Em certo sentido, esse resultado é perfeitamente justo. Costuma-se tratar Dada como intermezzo efêmero, mistificação ridícula, logo abandonado pelos próprios dadaístas. Na verdade, Dada é a forma mais coerente do modernismo da época entre 1905 e 1925; é tão radical porque significa o momento em que o modernismo se encontrou com a realidade.
A realidade era o corpo social dominado pelo imperialismo, com todas as suas consequências. Como pode reagir a essa realidade o modernismo, senão pela negação radical, que é Dada? Existem várias teorias, destinadas a esclarecer o fenômeno do imperialismo;¹ a teoria econômica de Lenin; a teoria política de Spengler; a teoria psicológica de Arthur Salz, que considera todos os motivos alegados pelos imperialistas como meras racionalizações
, pretextos da vontade do poder. Dessas teorias, pode-se extrair alguma coisa para esclarecer o fenômeno do modernismo. A tese econômica implica a destruição, embora não completa, das classes médias; explica-se assim a segregação da classe literária (que faz parte, em 1910, das classes médias); nasce uma nova boêmia, afastada das realidades econômicas; é mais uma vanguarda independente, antitradicionalista, assim como nos começos do romantismo. Do romantismo lembraram-se várias correntes modernistas, sobretudo o surrealismo. Esse neorromantismo enquadra-se na tese do imperialismo psicológico
, de Salz; seu pendant no terreno da literatura e arte seria a mania infantil de onipotência
, para falar em termos da psicanálise; a ambição de criar um mundo autônomo, à parte da realidade; e, em relação à realidade, esse mundo autônomo será, fatalmente, uma estrutura romântica.
Essas analogias, que se aplicam tão bem ao modernismo, não se aplicam, infelizmente, só ao modernismo. Se a mania infantil de onipotência
constitui a raiz psicológica da arte, então é a raiz de toda arte, de todos os estilos; e, realmente, as boêmias e vanguardas acompanham a evolução inteira da literatura desde a Renascença. Para definir a vanguarda modernista falta mais um elemento; e este pode ser fornecido pelo papel que o imperialismo desempenhou depois de 1905 e 1914: rompeu o famoso Equilíbrio europeu, o político, o econômico, o social, e, enfim, o equilíbrio espiritual em que se baseava a literatura de 1900. Concluir daí que a arte modernista foi o resultado do desequilíbrio mental dos modernistas seria um trocadilho de crítica reacionária. Na verdade, aquele desequilíbrio significava a desarmonia entre os órgãos estruturais da sociedade, desordem comparável à que existe entre as atividades econômicas no momento da crise de um sistema social. Falta, então, a possibilidade de ajuste; e os membros continuam a viver em relativa autonomia, como tumores dentro de um corpo doente.