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Musealização da Arte
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E-book479 páginas5 horas

Musealização da Arte

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Sobre este e-book

A musealização da arte abarca ações que suscitam escalas de análise sobre temporalidades e espaços, considerando a produção artística e os processos institucionais que mobilizam a preservação, a pesquisa e a comunicação de obras e de narrativas, apontando perspectivas sobre as trajetórias inscritas nas instituições. Logo, a partir das obras e, consequentemente, das coleções e dos acervos dos quais fazem parte, é possível elucidar e analisar questões sobre a produção poética, as trajetórias dos artistas e das instituições, bem como sobre as escolhas e os processos que apontam caminhos para a sua salvaguarda. Esses gestos culminam no que acreditamos ser o cerne da musealização.
Desse modo, o livro Musealização da Arte reúne textos de pesquisadoras de diversas áreas do conhecimento, buscando discutir os modos de compreender o ato de musealizar, ancorando-o à institucionalização de obras de arte em acervos e coleções públicas e privadas, às narrativas dos agentes, aos discursos de visibilidade, às adaptações e às especulações sobre poéticas, obras e práticas institucionais. Nesse sentido, espera-se que, a partir das discussões suscitadas nos capítulos, pesquisadoras, artistas e profissionais de museus possam entrar em contato com as fissuras, os (des)acordos, as autorias múltiplas, as categorias de análise sobre as obras e as (in)disciplinas dos gestos múltiplos da musealização. Assim, o livro propõe o ato de musealizar a partir das contingências das obras — e dos discursos e das narrativas a elas vinculadas — como gestos de intenções e expectativas, destoando de perspectivas homogêneas sobre a musealização. Sem almejar uma síntese ou buscar convergir particularidades em torno de generalidades, as produções que formam este livro propõem negociar disjunções e conexões de diferentes áreas, (in)disciplinas e práticas dedicadas à musealização, e ocupam um campo interacional e múltiplo diante daquilo que compreendemos e vivemos como Arte.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de jan. de 2024
ISBN9786525051017
Musealização da Arte

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    Musealização da Arte - Anna Paula da Silva

    capa.jpg

    Sumário

    CAPA

    INTRODUÇÃO

    MUSEALIZAÇÃO DA ARTE

    Anna Paula da Silva

    Emerson Dionisio Gomes de Oliveira

    Fernanda Werneck Côrtes

    I. ADAPTAÇÕES E ESPECULAÇÕES: POÉTICAS, OBRAS E PRÁTICAS INSTITUCIONAIS

    ARQUIVOS DE PERFORMANCE: PREMISSAS E EXPERIÊNCIAS

    Anna Paula da Silva

    ENTRE OCORRÊNCIAS E DOCUMENTOS: DESAFIOS DA MUSEALIZAÇÃO DA ARTE VOLTADA AO PROCESSO E À EXPERIÊNCIA A PARTIR DE VAGA EM CAMPO DE REJEITO, DE MARIA HELENA BERNARDES

    Isadora Heimig

    Fernanda Albuquerque

    CONSERVAÇÃO ESPECULATIVA? UMA ETNOGRAFIA DE ARQUIVO SOBRE AS PRÁTICAS DE PRESEVAÇÃO DA ARTE PERFORMÁTICA NO MUSEU TATE

    Daniela Felix Martins

    ADAPTABILIDADES DESEJÁVEIS PARA A LONGEVIDADE DAS OBRAS DE PERFORMANCE

    Bianca Andrade Tinoco

    RESILIÊNCIA MUSEOLÓGICA: UM ESTUDO SOBRE A ARTE POSTAL DA XVI BIENAL DE SÃO PAULO

    Camila Bôrtolo Romano

    II. DISCURSOS DE VISIBILIDADES: CURADORIAS, EXPOSIÇÕES, COLEÇÕES E PRODUÇÕES ARTÍSTICAS

    ATUALIZAÇÕES, SOBREVIVÊNCIAS E CONTAMINAÇÕES DA ARTE POPULAR: PRÁTICAS EXPOSITIVAS E CURATORIAIS (2000-2010)

    Emerson Dionisio Oliveira

    COLECIONAR É EXPOR: CASO BARNES FOUNDATION

    Tatiana da Costa Martins

    MUSEALIZAÇÃO DA ARTE POPULAR NO CENTRO CULTURAL SÃO FRANCISCO: HISTÓRIAS (NÃO) CONTADAS

    Raisa Filgueira Soares Gomes

    Sabrina Fernandes Melo

    CARANGUEJO: PRODUÇÃO ARTÍSTICA CONTEMPORÂNEA MARANHENSE EM FOCO

    Mariana Estellita Lins

    III. COMO SONHAM OS ACERVOS?

    MUSEALIZAÇÃO DAS ARTES: DESAFIOS E ENCANTOS NO ATO DE MUSEALIZAR

    Luzia Gomes Ferreira

    VÉIO E A EXPERIÊNCIA POÉTICA DE MUSEALIZAÇÃO NO MUSEU DO SERTÃO

    Neila Dourado Gonçalves Maciel

    DO BANCO AO MUSEU: A COLEÇÃO DO BANDERN E O MODERNISMO REGIONALISTA NO ACERVO DO MUSEU PINACOTECA DO RIO GRANDE DO NORTE

    Diego Souza de Paiva

    MÁRIO PEDROSA E OS MUSEUS: UM BREVE PANORAMA NO BRASIL E NO CHILE

    Luiza Mader Paladino

    SONHOS DE UMA NOITE DE VERÃO: COMO MUSEUS PODEM SONHAR E COMO SONHAM CERTOS MUSEUS

    Marize Malta

    REFERÊNCIAS

    SOBRE OS AUTORES E ORGANIZADORES

    CONTRACAPA

    Musealização da Arte

    Editora Appris Ltda.

    1.ª Edição - Copyright© 2023 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.

    Catalogação na Fonte

    Elaborado por: Josefina A. S. Guedes

    Bibliotecária CRB 9/870

    Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT

    Editora e Livraria Appris Ltda.

    Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês

    Curitiba/PR – CEP: 80810-002

    Tel. (41) 3156 - 4731

    www.editoraappris.com.br

    Printed in Brazil

    Impresso no Brasil

    Anna Paula da Silva

    Emerson Dionisio Oliveira

    Fernanda Werneck Côrtes

    (org.)

    Musealização da Arte

    INTRODUÇÃO

    MUSEALIZAÇÃO DA ARTE

    Anna Paula da Silva

    Emerson Dionisio Gomes de Oliveira

    Fernanda Werneck Côrtes

    Há diversos estudos que debatem a institucionalização das obras artísticas, seus protocolos de preservação, seus modos de exibição, sua historicização — envolvendo gestos que contribuem para sua compreensão —, seus agenciamentos, sua disseminação e sua perpetuidade por meio dos processos citados. A partir das obras e, consequentemente, das coleções e dos acervos dos quais fazem parte, é possível elucidar e analisar questões sobre a produção poética, as trajetórias dos artistas e das instituições, as escolhas e os processos que apontam caminhos para sua salvaguarda. Esses gestos culminam no que acreditamos ser o cerne da musealização.

    A musealização da arte abarca ações que suscitam escalas de análise sobre temporalidades e espaços, considerando a produção artística e os processos institucionais que mobilizam a preservação, a pesquisa e a comunicação de obras e narrativas, apontando perspectivas sobre as trajetórias inscritas nas instituições. Nesse sentido, o museu, enquanto uma das instituições que promovem a musealização, precisa ser um espaço experimental e aberto para refletirmos sobre a vida das obras, como sugere Boris Groys (2015: 52), inclusive, por propor a longevidade aos trabalhos artísticos. Além disso, a musealização é um processo passível de readequação e reorganização de discursos e de práticas (NORONHA, 2017: 19), de negociação de agentes e instituições (BRULON, 2018: 21) e pode representar fissuras para as obras.

    Tal qual o museólogo do romance O Museu do Silêncio, de Yoko Ogawa (2016: 107), quando se refere aos objetos como remissivos às recordações, nós analisamos as obras de arte em temporalidades e espaços os quais elas orbitam e habitam, reconhecendo as dinâmicas dos modos de musealizar. Assim, não é preciso uma rotação de perspectiva para compreender quão valiosos são os ensinamentos oriundos desses espaços, das instituições e dos sujeitos a eles vinculados. A originalidade da musealização estaria na fecunda aliança ontológica entre as práticas provenientes do mundo-museu e os debates e pesquisas teóricos suscitados por essas práticas.

    Se estivermos especulando, no sentido epistemológico, sobre as questões da produção e da circulação artística diante das demandas museológicas, nossas especulações são evidentemente políticas. Não é preciso reapresentar nossas desconfianças sobre as estruturas e conjunturas das formações de poder, dos conceitos e das práticas colonialistas que orientaram nossa compreensão sobre a arte e os museus que a acompanharam. Ao mesmo tempo, temos consciência de que tanto a Museologia quanto as diversas disciplinas que discutem as produções artísticas passam por uma radical reconstituição, ao menos nos últimos 40 anos. Há, portanto, razão para certo otimismo. Espera-se, com alguma impaciência, que esse campo especulativo assuma, cada vez mais, uma dimensão teórico-prática em favor da descolonização permanente do pensamento patrimonial e estético.

    Assim, o ato de musealizar institui e contingencia discursos, intenções, expectativas, perspectivas e narrativas sobre [o que é…] uma obra de arte, e são esses fatores que traduzem os interesses do grupo de pesquisa mARTE – Musealização da Arte: poéticas em narrativas. Criado em 2020, o mARTE conta com a participação de pesquisadoras da Universidade de Brasília, da Universidade Federal da Bahia, da Universidade Federal de Sergipe, da Universidade Federal do Maranhão, Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade Nova de Lisboa, e seus objetivos são estimular, fomentar e difundir pesquisas que interseccionam as áreas de Artes Visuais e Museologia, sendo as linhas de pesquisa divididas em: Musealização e Curadoria; Musealização e Documentação; Musealização e Performatividade; e Musealização e Poéticas do Efêmero.

    Este livro, assim como o grupo mARTE, busca filiar-se a coletivos, pesquisadoras, instituições e agentes de toda ordem que procuram explicitar os valores que produziram hierarquizações de poderes repressivos entre musealização e arte. Temos consciência de que tais valores são coletivos e estão atravessados por dinâmicas e interesses nem sempre conciliáveis, e isso nos impele a negociações permanentes com nossas convicções, pesquisas e responsabilidades. Assim sendo, a negociação é a garantia da manutenção da crítica continua, que, no campo da cultura, exige uma imaginação conceitual sensível à precariedade do estar arte, uma vez que objetos e processos artísticos, cada qual em seu tempo, negociam sua existência diante das políticas do desaparecimento.

    Uma leitura atenta e próxima ao debate sobre a musealização da arte rapidamente revelará essa alteridade negativa que orienta nossas pesquisas: as políticas do desaparecimento. Não se trata da retórica da perda, mas sim dos mecanismos criados pelos saberes de Estado e suas alianças privadas para compor um quadro de abandono, desinformação, descaso e destruição, cujo exemplo espetacular pôde ser acompanhado no dia 2 de setembro de 2018, com o incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

    Dessa forma, enquanto pesquisadoras com diferentes origens intelectuais, somos chamadas a ofertar soluções e estratégias contra essas políticas. O senso comum já dita nossa responsabilidade, mas, para além dele, as pesquisas aqui reunidas e comentadas buscam evidenciar distintas formas de musealização, evitando a todo custo facilidades reducionistas que, frequentemente, operam a favor dos gestos excludentes. Na qualidade de um coletivo avesso à tutela, nossa responsabilidade acentua-se diante da revolução conservadora político-policial, que, nas últimas décadas, empenhou-se em vilanizar a arte, os artistas e todas as instituições dedicadas a pluralidades e diversidades democráticas.

    Especialmente enraizada no circuito das artes, a desconfiança dos agentes e dos artistas contemporâneos diante das instituições museológicas gera um distanciamento nocivo, que, não raro, reforça estereótipos de lado a lado. Artistas são tomados por sua personalidade exótica, calculadamente construída desde o Romantismo no Ocidente expandido, e museus são julgados exclusivamente por seu paternalismo complacente, que perverte e domestica obras e intenções poéticas. Essa desconfiança é politicamente recursiva e cansativa, seja qual for seu matiz ideológico. Dessa forma, o grupo mARTE surgiu, como outras iniciativas, para construir aproximações que desfaçam essas poderosas metanarrativas — quase todas, ficções da imaginação ocidental modernista.

    Este livro foi concebido a partir dos debates e das reflexões oriundos do 1⁐MARTE – Colóquio Musealização da Arte: poéticas em narrativas¹ — evento on-line interno com algumas convidadas, realizado entre 10 de junho e 1º de julho de 2021 — e do 2⁐MARTE – Colóquio Musealização da Arte: Como sonham os acervos?² — que, por sua vez, ocorreu em Salvador, Bahia, entre os dias 10 e 12 de agosto de 2022 —, e está dividido em três eixos: (I) Adaptações e especulações: poéticas, obras e práticas institucionais; (II) Discursos de visibilidades: curadorias, exposições, coleções e produções artísticas; (III) Como sonham os acervos?. Salientamos que essa divisão não opera em favor da exclusividade temática, dado que, como num jogo polissêmico, os textos navegam e se conectam para além das linhas de força que estipulamos.

    Na primeira parte, os capítulos mobilizam debates sobre práticas institucionais, sobretudo quando englobam aquisição, curadoria e perpetuidade das obras, envolvendo trabalhos em linguagens que provocam fissuras nas instituições e nos seus processos de musealização, como a arte da performance e a arte postal. No primeiro capítulo, Arquivos de performances: premissas e experiências, Anna Paula da Silva debate a possibilidade de criação de arquivos para a preservação da arte da performance a partir de projetos pesquisados nos últimos anos, constituindo o que a autora denomina premissas, as quais podem contribuir para a (re)ativação e/ou exibição documental da obra e a historicização da linguagem. No segundo capítulo, "Entre ocorrências e documentos: desafios para musealização da arte voltada ao processo e à experiência a partir de Vaga em campo de rejeito, de Maria Helena Bernardes, Fernanda Albuquerque e Isadora Heimig indagam sobre as implicações da musealização da obra de Bernardes, proposta como uma experiência, como uma obra processual […], ressaltando seu caráter transitório. Além dos espaços em que a obra esteve, habitou e foi instalada — que narram o trabalho —, há o livro escrito pela artista, com imagens e detalhamentos selecionados, o que aparentemente proporciona um contato mais evidente com sua criação. Seguindo caminhos metodológicos distintos, os problemas suscitados por Silva, Albuquerque e Heimig também perpassam a problemática debatida por Daniela Felix Martins no capítulo Conservação especulativa? Uma etnografia de arquivo sobre as práticas de preservação da arte performática no Museu Tate. Nele, Martins discute, por meio das estratégias de conservação elaboradas pelo Museu Tate, autoria e autenticidade, noções que perpassam a prática preservacionista dedicada à arte performática e que são debatidas pela ótica da etnografia de arquivo, no intuito de compreender os efeitos de concretude da performance. Já em Adaptabilidades desejáveis para a longevidade das obras de performance", Bianca Tinoco explora as possíveis mudanças necessárias para apresentar a performance Atoritoleituralogosh, de Cristiano Lenhardt e Ayla de Oliveira, doada à Pinacoteca de São Paulo em 2019. Seu texto questiona a prática colecionadora diante das obras em volução, bem como as adaptações necessárias e coerentes com os trabalhos assimilados pelas instituições — que podem desembocar num conjunto amplo de opções, o que aumenta a responsabilidade com a integridade poética da obra. Para finalizar a primeira parte do livro, temos o capítulo Resiliência museológica: um estudo sobre Arte Postal da XVI Bienal de São Paulo, de Camila Romano, um estudo de caso que interpela a trajetória e a resiliência da coleção postal oriunda da 26ª Bienal de São Paulo e que integra a coleção Arte da Cidade, do Centro Cultural São Paulo, a partir de um suposto desaparecimento da referida coleção.

    A segunda parte do livro inicia-se com o capítulo "Atualizações, sobrevivências e contaminações da arte popular: práticas expositivas e curatoriais (2000-2010), de Emerson Dionisio Oliveira, cuja demanda é a compreensão da sobrevivência da categoria arte popular, operadora de segmentações e hierarquizações subalternizantes. Para tanto, Oliveira investiga diferentes mostras realizadas por instituições museológicas brasileiras para compor um quadro de contaminações e atualizações do sentido de popular em projetos curatoriais que manusearam obras oriundas de distintos regimes de interpretação históricos. No segundo capítulo, temos Colecionar é expor: caso Barnes Foundation", de Tatiana da Costa Martins, cujo objetivo é relacionar a coleção estadunidense Barnes com a expografia na Barnes Foundation, em contraposição à lógica do cubo branco modernista. Tal relação é marcada pela tensão entre a concepção moderna, expandida para o contemporâneo, e a compreensão espacial de valor decorativo. Martins nos oferece, ainda, elementos para a compreensão da prática colecionadora de Albert C. Barnes, em especial seu relacionamento com John Dewey. Em direção semelhante, opera a investigação de Raisa Soares Gomes e Sabrina Fernandes Melo, ao tratar da exposição permanente de arte popular do Centro Cultural São Francisco, em João Pessoa. Tal exposição é fruto do debate curatorial de Lélia Coelho Frota para a mostra Exposição Brasil, Arte Popular Hoje, realizada em 1989. A pesquisa das autoras busca questionar, pela perspectiva da museologia decolonial, as estruturas socioculturais sustentadas pelo projeto mantido pelo Centro Cultural. As questões da decolonialidade podem ser percebidas no processo de pesquisa de Mariana Estellita Lins Silva, que nos apresenta uma discussão sobre artistas contemporâneos maranhenses no capítulo Caranguejo; produção artística contemporânea maranhense em foco, cujo debate enfrenta questões metodológicas e busca a construção de uma economia do conhecimento pelo afeto, que a autora denomina conhecimento caranguejo.

    A terceira parte começa com o capítulo Musealização das artes: desafios e encantos no ato de musealizar, de Luzia Gomes Ferreira, no qual a autora propõe um diálogo poético entrelaçando Museologia, diáspora, culturas africanas e literatura. Ainda pelo viés literário, Neila Gonçalves Maciel inicia o segundo capítulo, intitulado Véio e a experiência de musealização no Museu do Sertão, debruçando-se sobre a obra de Cícero Alves dos Santos, o Véio, responsável pela criação do Museu do Sertão. A autora nos apresenta os contornos e o contexto da obra do artista e seu papel como colecionador, além da dimensão curatorial e museológica assumida por ele na invenção de um sentido para seus trabalhos e para o museu. A institucionalização de uma coleção também é o assunto do capítulo seguinte, Do banco ao museu: coleção do Bandern e o ‘modernismo regionalista’ no acervo do Museu Pinacoteca do Rio Grande do Norte, de Diego Souza de Paiva, dedicado a apresentar o acervo do Museu Pinacoteca do Estado do Rio Grande do Norte, dando ênfase à produção artística dos anos de 1970 e 1980, a qual o autor chama de modernismo regionalista. Luiza Paladino, no capítulo Mário Pedrosa e os museus: um breve panorama no Brasil e no Chile, apresenta o pensamento museal e os projetos institucionais criados pelo crítico de arte brasileiro Mário Pedrosa, entre as décadas de 1960 e 1970, com ênfase em sua atuação no Chile — momento em que Pedrosa esteve exilado e dirigiu o Museu da Solidariedade. Para finalizar, Marize Malta inspira-se na peça Sonho de uma noite de verão, escrita por Willian Shakespeare no final do século XVI, para debater o acervo do Museu Dom João VI, pertencente à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Como as derivas de um sonho e/ou o encantamento das fábulas, Malta nos conduz ao conjunto de narrativas — ficções incluídas — que informa sobre as coleções e seus guardiões.

    Os textos aqui apresentados foram coligados graças à generosidade intelectual das pesquisadoras reunidas. Avaliados e revisados, tais textos expressam a qualidade das pesquisas que unem diferentes artes e visualidades às preocupações do campo museológico, especialmente aquelas dedicadas a construir novas formas de musealização. Sem almejar uma síntese ou buscar convergir particularidades em torno de generalidades, as produções que formam este livro propõem negociar disjunções e conexões de diferentes áreas, (in)disciplinas e práticas dedicadas à musealização, bem como ocupam um campo interacional e múltiplo diante daquilo que compreendemos e vivemos como Arte.


    ¹ O evento encontra-se disponível on-line no canal do YouTube do grupo: https://www.youtube.com/@musealizacaodaartepoeticas8675.

    ² Anais do evento disponíveis em: https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/36440/1/Anais%20do%202%E2%81%90MARTE%20Col%C3%B3quio%20Musealiza%C3%A7%C3%A3o%20da%20Arte_como%20sonhar%20acervos_vers%C3%A3o%20final.pdf.

    I. Adaptações e especulações: poéticas, obras e práticas institucionais

    ARQUIVOS DE PERFORMANCE: PREMISSAS E EXPERIÊNCIAS³

    Anna Paula da Silva

    Figura 1 – Imagem da performance Part of Some Sextets⁴ (1965 [2019]), de Yvone Rainer, na Bienal Performa19, em Gelsey Kriland Arts Center, Nova Iorque, Estados Unidos, em 15 de novembro de 2019

    Pessoas assistindo um show de uma banda tocando com pessoas assistindo Descrição gerada automaticamente com confiança média

    Fonte: arquivo da autora (2019)

    Part of Some Sextets é uma reconstrução e reconfiguração de uma dança com o mesmo nome, inicialmente performada por dez pessoas com doze colchões, e apresentada em Wadsworth Atheneum of Music and Art e Judson Memorial Church, em 1965. Os dez performers originais foram Lucinda Childs, Judith Dunn, Sally Gross, Deborah Hay, Tony Holder, Robert Morris, Steve Paxton, Yvone Rainer, Robert Rauschenberg e Joseph Schlichter. (RAINER, 2019: s/p, tradução nossa).

    Considerada uma obra icônica de Yvone Rainer, Part of Some Sextets pôde ser vista durante a Bienal Performa 19, entre 15 e 17 de novembro de 2019. Destaca-se a abordagem da artista, na citação anterior, quanto à possibilidade de reconstrução e reconfiguração da obra — em 1964, a artista elaborou a notação do trabalho junto aos outros performers, tendo cada um dos movimentos relação com o diário narrado. Além disso Rainer (2019: s/p, tradução nossa) detalha que havia

    […] duas folhas de papel presas a uma parede do meu estúdio, a qual continha uma linha do tempo com palavras e iniciais dos nomes que atribuíam movimentos e tarefas específicas individuais para cada performer.

    Os ensaios ocorreram três a quatro vezes semanalmente durante oito meses. Em 2019, a artista tornou-se a diretora, e não mais uma das performers do trabalho, tendo a colaboração da dançarina e coreógrafa Emily Coates.

    Rainer aborda a iniciativa e a persuasão de Coates para a reedição da obra, meses antes do primeiro ensaio. A coreógrafa pesquisou sobre a obra no Instituto de Pesquisa Getty e na Fundação Rauschenberg, nos quais não havia vídeos que documentavam o trabalho, apenas fotografias de Peter Moore, um ensaio de Rainer, a primeira metade da notação original e uma fita cassete com a voz da artista lendo o diário de Bentley.

    Part of Some Sextets [PoSS] é peça perdida do quebra-cabeça das obras de Yvone: os seus excessos — 10 performers, 12 colchões, sua narração dos diários de um ministro do final do século XVIII, uma notação sistemática, na qual ela joga com continuidade e duração dissonantes — antecedem por um ano a economia e o fluxo da sua dança seminal, Trio A. E, no entanto, apenas poucas pessoas que estão vivas hoje viram PoSS, realizada em março de 1965 — e nunca mais. (COATES, 2019: s/p, tradução nossa).

    A partir dessa obra, como de tantas outras, o arquivo torna-se o espaço de (re)conhecimento e reinvenção do trabalho, tornando possível sua ativação, seja documentalmente, seja a partir da ação, constituindo, então, uma nova versão. Diferentemente de obras que são musealizadas com uma documentação que já prevê uma ativação da ação, Part of Some Sextets é uma das obras de arte da performance de um tempo pretérito, do qual não havia intenção de reativação; isso fica evidente não só pela documentação salvaguardada, mas também pelo convencimento de Yvone Rainer por Coates. Há ainda o aspecto de essa documentação, mesmo que considerada fragmentada, ter potência para a ativação da obra, um papel interessante do arquivo quando agenciado, ou seja, mobilizado por diferentes agentes para a criação de nova versão da obra.

    Part of Some Sextets é uma das obras seminais dos anos de 1960, reativada nos anos 2000 a partir da articulação de agentes⁵, sobretudo na pesquisa em arquivos, e com a participação diretiva da artista, prevendo adaptações, primeiro pelo fato de os vestígios oferecerem alguns relances de sua primeira versão, inclusive por serem mobilizados pelas interpretações; segundo, pela adaptação natural do trabalho, reconhecendo tanto a criação da obra, por meio dos ensaios em 1964, quanto as versões apresentadas em 1965 e a adaptação em 2019 com diferentes performers — sem a presença de Rainer e os outros performers de 1965 na ação recente —, que contou com vestígios materiais que se tornaram transcricionais para a criação da versão performada na bienal.⁶

    A obra citada, portanto, elucida a possibilidade de um arquivo de performance, englobando experiências que sugerem premissas para sua constituição, seja do ponto de vista de vestígios salvaguardados da primeira versão da ação, seja do interesse em reativar a obra, a partir da interpretação dos vestígios. Isso aponta a construção de nexos dos vestígios à ação na junção de novos elementos, que podem se tornar novos vestígios, de modo a possibilitar edições/versões possíveis, reconhecendo a similitude e a diferença nas versões da obra.

    Este capítulo aborda essas discussões sobre arquivos de performance, em termos de preservação da linguagem, além de sugerir algumas premissas para se pensar um arquivo performativo, contribuindo para reativação da ação, exibição documental da obra e historicização da arte da performance. A discussão de um arquivo de performance problematiza a afirmação da concepção efêmera sobre a linguagem, inclusive como um fator restritivo para sua historicização, musealização e arquivamento. Assim, como preservá-la diante do caráter único da ação e das possibilidades de reativação por meio dos vestígios?

    PRESERVAÇÃO DA ARTE DA PERFORMANCE: DICOTOMIA ENTRE AÇÃO E VESTÍGIOS?

    Há escalas de aproximação e distanciamento entre ação e vestígios, ou seja, de vínculo entre o acontecimento e a materialidade proveniente da produção poética do artista e da ação documental da instituição e de outros agentes. Quando uma obra de arte da performance é (re)ativada, estamos lidando com uma versão, e isso implica pensar que o sentido de originalidade está inscrito nos nexos entre a poética do artista e as versões. Desse modo, a abordagem para ativação pode não eleger a primeira versão como a original, ou seja, todas as versões podem ser a obra, portanto originais. Por isso, obras como de Rainer, quando reativadas, tensionam a perspectiva de original único e da autenticidade da segunda versão — há uma busca de originalidade poética nos vestígios da produção da obra (1964) e das ações (1965) para a criação da versão de 2019.

    Em algumas ativações e interpretações, tenta-se mimetizar a obra a partir de sua primeira versão, elegendo-a como a original. Nesse sentido, evidentemente, há a dicotomia entre ação e vestígios, uma vez que a obra reativada pode conter diferenças, causando a sensação de distanciamento por não ser a ação eleita como a original — a primeira versão. Quando se discute a aproximação com a ação pretérita por meio dos vestígios, alguns estudiosos consideram esses restritos para o contato com a obra.

    A preservação reside no elenco de elementos que possibilitam o reconhecimento do trabalho, a unicidade da ação e o respeito à originalidade da obra, a partir da poética do artista e dos vestígios salvaguardados. Ademais, pode-se pensar sobre o caráter inconstante de obras de arte da performance, bem como em outras linguagens artísticas, é o que defende Hanna Hölling (2022: 24, tradução nossa):

    […] a inconstância — é a capacidade da obra de arte mudar ou ser mudada como uma de suas características fundamentais — é um índice do tempo. A mudança é também um movimento de um estado da matéria para outro, que envolverá um momento presente do qual o grau de mudança é avaliado.

    Essa perspectiva da autora atrela-se ao trabalho de conservadoras e conservadores sobre as obras, considerando que um dos papéis desses profissionais é (re)formular instruções que servem para futuras atualizações (Hölling, 2022: 27). Isso pode ser ampliado para outros profissionais que atuam em instituições museológicas e arquivos de artistas.

    Nesse sentido, não há dicotomia entre ação e vestígios, mas a evidência dos desafios de preservação de obras a partir das escolhas do que deve e pode ser preservado. Interessa reconhecer as escolhas e os acordos estabelecidos pelos diferentes agentes para a preservação das obras, analisando diferentes perspectivas que englobam não só a preservação em termos de exibição da ação, como também dos vestígios que a compõem, possibilitando, em alguns casos, a representação da obra em exposições documentais, especialmente de obras que não há possibilidade de reativação.

    Há inúmeros projetos que discutem a performatividade, a conservação, a documentação da arte da performance e o arquivamento de obras na linguagem. Para citar alguns: Performance at Tate: Into the Space of Art⁸, da Tate Modern; Untitled Performance Stills⁹, do grupo Performance Re-enectament Society; Collecting the Performative¹⁰, da Tate Modern; a exposição Moments. A History of Performance in 10 Acts¹¹, no ZKM Museu de Arte Contemporânea de Karlsruhe, na Alemanha; Documentation and Conservation of Performance¹², da Tate Modern; entre muitos outros. Dos anos 2000 até a atualidade existiram/existem projetos que apontam caminhos para a preservação da arte da performance, alguns deles serão citados ao longo deste texto.

    O projeto Performance: Conservation, Materiality, Knowledge¹³ (2020-2024), coordenado pela professora Hanna B. Hölling, vinculado à Universidade de Artes de Berna e financiado pela Swiss National Science Foundation (SNSF), tem como proposta a premissa de que a arte da performance pode ser conservada. A pesquisa envolve sistematizar abordagens emergentes para conservação de obras de arte da performance; explorar novos métodos para conservar as obras — (a) formas de documentação e arquivos; (b) resíduos materiais; e (c) transmissão de conhecimento — e estabelecer a conservação como uma atividade que produz conhecimento e contribui para os diferentes discursos dos estudos da performance, antropologia, história da arte e estética¹⁴.

    Entre as atividades do projeto, foi realizado, nos dias 29 e 30 de maio de 2021, o colóquio Performance: The ethics and Politics of Care¹⁵, cujo objetivo foi iniciar o mapeamento do campo, questionando a compreensão do senso comum sobre não ser possível a preservação da performance e a busca por formas de conservá-la.

    Alguns dos importantes nomes dos estudos da performance, da conservação e da história da arte foram convidados para apresentar suas experiências no evento, tais como Rebecca Schneider, Barbara Büscher, Louise Lawson, Hélia Marçal, Pip Laurenson, Gabriela Giannachi, entre outros. Destaca-se as abordagens de Pip Laurenson, diretora/chefe da Pesquisa e Conservação das Coleções da Tate Modern e professora da Universidade de Maastricht, quanto a priorizar o que será amplificado nos processos de conservação e de arquivamento da performance, e os papéis de conservadores, curadores, artistas; de Julia Pelta Feldman, membro da equipe do projeto, quanto à expansão do cânone sobre a história da arte da performance; e de Gabriella Giannachi, professora da Universidade de Exeter, quanto ao papel da universidade na realização de documentação da coleção e de obras de instituições por pesquisadoras, contribuindo com o trabalho da equipe de museus.

    No site do projeto, há uma seção intitulada Two Questions¹⁶, que engloba duas questões primordiais para a pesquisa realizada pelo grupo: (1) A performance pode ser conservada? Se sim, como? Se não, por quê? (2) O que significa conservar a performance?. Para responder as duas questões, foram convidados conservadores, historiadores da arte, historiadores da ciência, folcloristas, curadores, pesquisadores dos estudos da performance e outros agentes.

    Ressalta-se a abordagem de alguns pesquisadores, a exemplo de Philip Auslander, que acredita ser possível conservar a performance, todavia isso depende da tipologia do trabalho. Auslander defende a conservação como uma forma de contato com a obra por pessoas que não tiveram a oportunidade de vê-la; o historiador menciona duas possibilidades, a conservação da obra e a conservação da iteração — repetição — do trabalho, cujas informações possibilitam o que ele intitula de experiência imaginativa para uma reconstrução imaginativa. Isso tem relação com a documentação do trabalho e das versões a serem criadas a partir da interpretação da documentação.

    Outra pesquisadora que apresenta apontamentos é Hélia Marçal, a qual propõe inicialmente pensar o que é a performance e o que se quer dizer sobre a conservação, ou seja, o ato de conservar. Para a pesquisadora, a preservação da performance envolve encarar a conservação como a elaboração e a transmissão de memórias. Marçal também defende pensar tipos de performance, o que vai inspirar modos de conservação. De modo similar a Auslander, a conservadora afirma que a preservação da performance está imbuída de especulação imaginativa.

    Diana Taylor, também entrevistada, faz considerações similares aos apontamentos de Auslander e de Marçal, propondo pensar o que significa a conservação para se considerar os modos de conservar a performance, considerando, como os outros dois pesquisadores, as diferentes tipologias das obras. Taylor defende que a performance enquanto obra precisa ser contínua, isso possibilita pensar nos modos de conservá-la.

    A pesquisadora questiona a continuidade de algumas performances por não conterem o contexto original, a exemplo de obras de Marina Abramović, reperformadas na exposição Marina Abramović: The Artist is present¹⁷ (2010), no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). No entanto, Taylor diz não acreditar na ideia de original, sobretudo quando elabora reflexões sobre a (re)ativação da obra, por compreender o caráter contínuo dos trabalhos e de não eleger a primeira ação exclusivamente como a obra, reconhecendo as outras versões.

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