Jesus de Nazaré
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Pré-visualização do livro
Jesus de Nazaré - José Afonso Moura Nunes
Copyright © JOSÉ AFONSO MOURA NUNES e OUTROS, 2023.
Editor ÁLVARO GENTIL
Produção executiva PAULA PESSOA
Revisão original TIAGO GARCIAS, PI EDITORIAL
Revisão 2ª edição PEDRO VIANNA
projeto gráfico | editoração original ANDREZZA LIBEL
Adaptação e-book ANDREZZA LIBEL
fichaTodos os direitos desta edição reservados a
José Afonso Moura Nunes e Outros
Este livro foi revisado segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Caro José Afonso, ...seu trabalho é muito importante. Feito com grande seriedade e baseado na melhor bibliografia. A figura que emana de seu livro sobre Jesus de Nazaré é fascinante. Você consegue evitar as discussões eruditas e ir logo ao essencial.
Leonardo BOFF, 30/12/2021.
Apresentação
Afascinante, histórica e grandiosa figura de Jesus de Nazaré suscita ao longo dos séculos um interesse permanente de estudiosos, pesquisadores, religiosos e cidadãos comuns mundo afora.
Apesar do universo incalculável de obras escritas sobre Jesus de Nazaré, por autores cristãos, ateus, seguidores de outras doutrinas, com pontos de vista os mais diversos possíveis, muito ainda há para se compreender e conhecer de seu legado.
José Afonso Moura Nunes traz aos leitores um livro contundente e preciso, amparado por uma relevante e minuciosa pesquisa, onde há predominantemente uma análise histórica dos fatos vividos por Jesus de Nazaré, sua origem, o espírito revolucionário, as definitivas transformações que causou na sociedade de seus contemporâneos e que permanecem até os dias atuais.
É inegável a Divindade atribuída a Jesus de Nazaré, proclamado messias e o filho de Deus, mas o que principalmente nos é apresentado pelo autor neste livro é a figura humana amplamente exposta, combatida e perseguida, o que certamente aproximará o leitor deste que talvez tenha sido o mais importante ser humano de nossa história.
O Editor
Sumário
Apresentação
Introdução
JESUS DE NAZARÉ - (4/6 a.C. – 07.04.30 d.C.; sexta-feira)
I - Nazaré: o lugarejo e a vida da comunidade
II - Sob a tutela do pai
III - Nazaré: A família
IV - Ao encontro de João, o batizador
V - Pelos caminhos da Galileia
VI - O reino de Deus
VII - O contexto religioso em que Jesus viveu
VIII - O templo, as festas, as sinagogas e os sábados
IX - O contexto socioeconômico em que Jesus viveu
X - Discípulos de Jesus: recrutamento e treinamento
XI - Curas, exorcismos e milagres
XII - O contexto político em que Jesus viveu
XIII - As parábolas de Jesus
XIV - Mensageiro da compaixão e da esperança
XV - Uma quinzena decisiva
XVI - Preso, julgado e condenado
XVII - Torturado, morto e sepultado
XVIII - Quem foi Jesus de Nazaré?
XIX - Duas leituras contemporâneas sobre Jesus de Nazaré
XX - Jesus de Nazaré: o melhor de nós
ADENDO - De Jesus de Nazaré ao Cristo da Fé
Observações metodológicas
Da morte e da ressurreição
Ressurreição, túmulo vazio, aparições, ascensão: acordos e desacordos
Pagola: Ressuscitado por Deus187
Queiruga: Ressuscitado para a nossa salvação192
Lenaers: Crer que Jesus ressuscitou? Ou crer naquele que vive?193
Libânio: Quadros filosóficos compatíveis e incompatíveis com a ressurreição195
Bibliografia
Pontos de referência
Capa
Introdução
Rogers Lenaers, em seu livro Outro Cristianismo é possível: a fé em linguagem moderna , coloca o Cristianismo – pode-se dizer que as outras religiões também – diante de um enorme desafio: transmitir sua mensagem em uma linguagem que o homem atual, de formação científica e técnica, possa entender e, eventualmente, aceitar. Aos 83 anos, Lenaers, teólogo e especialista em filologia, não hesita em dizer que a linguagem que a Igreja continua utilizando já não diz mais nada aos homens e mulheres de hoje, pois seus termos e categorias provêm de visões do mundo e da sociedade vigentes até a Idade Média, mas incompatíveis com o senso comum contemporâneo
.
Em sua apresentação ao livro de Lenaers, Manuel Ossa observa que o foco é Jesus de Nazaré, visto como um homem em busca, próximo de nós em sua fraqueza e em sua esperança e, por isso mesmo, expressão e figura de um Deus que vai crescendo e sofrendo junto com o ser humano, numa história compartilhada
. (LENAERS, 20110, p. 8;9)
O texto de Lenaers constitui uma contribuição importante para complementar o trabalho de leitura e discussão do livro de José Antonio Pagola, Jesus: aproximação histórica, empreendido por três casais amigos que buscaram, durante seis anos, estudar sistematicamente Jesus de Nazaré como figura histórica. Esse processo levou o grupo a criar um site em 2012 (omelhordenos.com.br) e deu origem também ao livro O melhor de nós, que teve sua primeira edição em maio de 2015, numa tiragem de mil exemplares, em Belo Horizonte, pela editora Ramalhete, e, no ano seguinte, em São Paulo, pela Fonte Editorial (outros mil exemplares) – todos esgotados.
Esta nova edição de O melhor de nós apresenta uma versão revisada da primeira parte do livro publicado anteriormente, acrescida de três novos capítulos – dois deles baseados em livros publicados em 2016 – e de um Adendo, intitulado De Jesus de Nazaré ao Cristo da fé. Na revisão foi dada ênfase a autores judeus e/ou especialistas no judaísmo, antes de tudo porque Jesus de Nazaré era judeu de nascimento e formação religiosa e cultural.
Em A pesquisa do Jesus histórico, Giuseppe Segalla (2013, p. 29) aponta três motivos que não só justificam, mas, na verdade, exigem a pesquisa sobre Jesus de Nazaré:
a razão teológica: a encarnação – a necessidade de ancorar a pessoa de Jesus – objeto de fé de 2 bilhões de cristãos (HARARI, 2015, p. 246) – em sua história de trabalhador braçal, humilde
, que passa mais de 90% de sua vida em completo anonimato;
o interesse, a admiração, o amor por Jesus impele a interessar-se sobre ele; até as humildes vasilhas que Jesus usava, o ambiente sociopolítico, o ambiente cultural e agrícola e a cidade, em particular da Galileia e de Jerusalém, tudo isso se torna vivo e testemunho histórico das fontes evangélicas e uma introdução à sua leitura inteligente
;
pelo perfil cultural, acadêmico da pesquisa: é nesse campo que se pode entabular um diálogo com a cultura leiga, acadêmica e universitária
O diálogo com a cultura leiga a que se refere Segalla não parece estar à altura de sua necessidade. Das 98 obras que compunham a bibliografia deste livro quando foi realizada a pesquisa (abril de 2018), o acervo de sete universidades cristãs – cinco Católicas (MG, RJ, PE, DF, PR), uma Evangélica (SC) e uma Presbiteriana (SP) – era, em média, de 23 livros, ou seja 23%. As bibliotecas de três Universidades Federais (MG, BA e SC) possuíam juntas 17 livros, na média, 6% cada, o que parece dar razão às críticas de omissão e preconceito do mundo acadêmico, expressas por Augusto Cury em seu livro O homem mais inteligente da História.¹ Essa ausência de obras sobre o Jesus histórico nas bibliotecas universitárias causa estranhamento. Isso porque é um fato absolutamente inesperado e digno de nota que um trabalhador braçal, diarista, pau para toda obra
, morador de uma aldeia insignificante (Nazaré), situada em uma região destoante, de fala esquisita (a Galileia dos gentios), em uma província marginal e incômoda do Império Romano (a Palestina), se torne o marco divisor da história humana. Não podemos, portanto, ignorá-lo!²
O filósofo marxista Roger Garaudy afirmou certa vez: Entregai-o a nós! Devolvam Jesus de Nazaré também a nós, que somos não cristãos, ou mesmo ateus. Vocês, em suas Igrejas, não podem guardá-lo somente para vocês.
Sem precisar ser cristão, eu posso testemunhar o que este Jesus significa na minha vida
, disse Gandhi (SCHILLEBEECKX, 2017, p. 21).
É sobre Jesus de Nazaré – sua pessoa, suas circunstâncias, sua mensagem, sua prisão e crucificação – que este livro trata, do ponto de vista de historiadores e demais pesquisadores do tema. Não se trata de um livro piedoso
, ou de teologia, mas da história como ela é lida pelo mundo acadêmico. Um livro para dialogar com não crentes e crentes, que busca deixar claro que não existe olhar único, unívoco, impessoal, imparcial, neutro. Com aqueles que hoje se autodenominam não religiosos, ou mesmo ateus, o diálogo certamente fluirá, porque, como afirma Hoornaert, nosso conhecimento de Jesus de Nazaré é impreciso e precário; trabalhando no campo do conhecimento científico, formulamos probabilidades e não certezas
. (HOORNAERT, 2016, p. 15). Para aqueles que estão familiarizados, um pouco que seja, com os textos do Novo Testamento – principal fonte de informação sobre Jesus de Nazaré – o livro pretende proporcionar maior conhecimento do contexto, pois acreditamos que a ignorância das circunstâncias históricas empobrece a leitura do texto.
Por outro lado, com aqueles que se apegam ingenuamente ao texto da Bíblia, o diálogo poderá ser difícil ou impossível.
São pontos de vista? São! Não existe relato sem ponto de vista.
(MARGUERAT, 2018, p. 25)
Tratamos de certezas, objetos de fé? Não! Este livro discute ou contesta afirmações de fé, dogmas? Não! Não é nosso objeto de estudo; passamos ao largo!
O que apresentamos é o resultado de pesquisas, isto é, fatos, afirmações prováveis. Amanhã, certamente, outras pesquisas verão o mesmo tema de forma diferente, de um modo mais plausível, mais convincente. Assim cresce a Ciência, campo em que este livro mergulha, garimpando o que de mais confiável foi publicado nos últimos anos, no Brasil e em Portugal. Como coordenador da equipe de autores, procurei honrar a vida acadêmica destes e meus muitos anos de professor de Metodologia e Técnica de Pesquisa na UFMG.
Esperamos que os leitores possam desfrutar de nossa contribuição para que conheçam mais Jesus de Nazaré, aquele que, para nós, é – aí vai um juízo de valor! – O MELHOR DE NÓS – o melhor que a humanidade já produziu.
José Afonso Moura Nunes – Coordenador
EQUIPE
– José Afonso Moura Nunes, sociólogo, professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Wanda Mary Rohlfs Nunes, licenciada em Letras, professora aposentada;
– João Carlos Dias, ph.D. em Medicina, pesquisador, professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Rosinha Borges Dias, assistente social, professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), aposentada;
– Eliana Lourenço de Lima Reis, ph.D. em Literatura Comparada, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Teófilo Guilherme Reis, engenheira civil, empresaria.
JESUS DE NAZARÉ
(4/6 a.C. – 07.04.30 d.C.; sexta-feira)³;⁴
I
Nazaré: o lugarejo e a vida da comunidade
⁵
Nosso personagem, Jesus – forma grega corrente do nome hebreu Josué, na época pronunciava-se Ieshua, ou iehua na pronúncia galilaica (FLUSSER. 2010, p. 7) –, é um homem que viveu cerca de 90% de sua vida num vilarejo sem qualquer importância na baixa Galileia, verde e fértil. Como só vivemos o presente, mas carregamos o passado no consciente e sobretudo no inconsciente, teremos que falar da vivência de Jesus anterior à sua vida pública, que, justamente por isso, é muito pouco conhecida.
O menino foi submetido ao rito da circuncisão – executado pelo pai [ou por um mohel] – oito dias depois de nascido, ocasião em que os pais, solenemente, deram-lhe o nome de Jesus [Javé salva], um nome bastante difundido entre os judeus da época.
⁶
Ele provavelmente nasceu em Nazaré,⁷ pequeno núcleo de casas na encosta de uma montanha. A seus pés, um vale verdejante. Ali vivia o clã, ou núcleo familiar, de Yosef (José) e mais alguns outros, que somavam talvez entre 200 e 400 habitantes (MARTIN, 2014, p. 45). Várias casas, bem próximas, de chão batido, dando para um pátio interno onde brincavam as crianças e trabalhavam e conversavam os adultos. Ali havia, de uso comum, um pequeno moinho, onde as mulheres moíam os cereais, e um forno, onde assavam o pão.⁸ Os filmes iranianos de Mohsen Makhmalbaf e de Majid Majidi (Filhos do Paraíso, 1998) nos dão uma ideia da simplicidade das casas e da aldeia.⁹
Casas
(em média de 20 a 40 m2) de pedras brutas empilhadas, revestidas de argila ou lama e até mesmo esterco misturado com palha, para favorecer o isolamento térmico (BETTO, 2015, p. 45-46), às vezes de apenas um cômodo. O telhado das casas era de tábuas de madeira pregadas a traves ou vigas e geralmente cobertas com barro, marga ou argila
(Lc. 5, 19).¹⁰ Simples, de poucos utensílios: catre para dormir, banquinho rústico, bilhas, vasos de cerâmica, candeeiro; pouco, ou nada mais.¹¹
O núcleo familiar de José não era pequeno: pai, mãe, sete ou mais filhos e talvez algum outro familiar. Jesus tinha quatro irmãos – Tiago, José, Judas e Simão – e algumas irmãs, sobre as quais não conhecemos sequer o nome. Na cultura patriarcal da época a mulher não possuía identidade própria, vivia na dependência dos pais e posteriormente do marido.
Em 2002 veio a público – exposto solenemente em Toronto, Canadá – a existência de um ossuário do séc. I, com a inscrição em aramaico:
Tiago (Ya’ akov), filho de José, irmão de Jesus (Yeshua). Em minha opinião é praticamente certo que o ossuário de Tiago e a inscrição são artefatos antigos e autênticos.
(SHANKS, 1992, p. 65)
Os sete ou mais filhos de José viviam juntos, como irmãos. Se eram irmãos apenas por parte de pai, ou primos, não há consenso entre os pesquisadores.¹² O sustento da casa era garantido, ou melhor, era literalmente cavado, dia a dia. Não sabemos se o clã de José era proprietário de algum pedaço de terra, ou se, sem terra, seus membros trabalhavam como diaristas para conseguir o pão de cada dia.¹³
Todos trabalhavam como camponeses, arando, plantando, ceifando e cuidando, provavelmente de uma pequena vinha, algumas figueiras e oliveiras.¹⁴ Os tributos e impostos eram pesados e consumiam um terço ou até metade do que produziam.
A primeira palavra que Jesus falou foi certamente immá
, mãe em aramaico,¹⁵ idioma falado na Galileia, com sotaque bem característico, facilmente reconhecível pelos habitantes da Judeia.¹⁶ Dado o envolvimento menor dos homens com a criação das crianças nessa idade, Jesus demorou um pouco mais a pronunciar abba
, pai, denominando assim, carinhosamente, aquela figura que haverá de marcá-lo para o resto da vida e que será para ele a melhor imagem de Deus.¹⁷
Quando Jesus tinha cerca de quatro anos, os romanos arrasaram Séforis, capital da Galileia e aldeias circunvizinhas. Como Nazaré ficava a cinco ou seis quilômetros de Séforis, certamente o acontecimento repercutiu fortemente na comunidade e se fez presente nas conversas e na educação das crianças. A morte e a escravidão de dezenas de milhares de galileus em torno da época do nascimento de Jesus deve ter deixado um trauma coletivo entre a população
. (HORSLEY, 2004, p. 36)
Até os oito anos, Jesus ficou sob os cuidados das mulheres: sua mãe, Maria¹⁸ – em hebraico Miriam, em aramaico Mariãm – tias e irmãs, sempre presentes e vigilantes, até porque a mortalidade infantil naquela época era extremamente alta.¹⁹
Cuidados, carinho e a sensação de ser amado não devem ter faltado ao menino Jesus.
II
Sob a tutela do pai
Aos sete ou oito anos Jesus é passado para a tutela de seu pai, ²⁰ ficando assim aos cuidados dos homens do clã familiar: irmãos mais velhos e tios. São eles agora os principais encarregados da educação do menino. Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Quando o menino completou doze anos, subiram para a festa como de costume
(Lc. 2, 41). ²¹ É com eles que Jesus irá aprender a trabalhar e estudar. Irá acompanhar o grupo familiar nas atividades do campo e com o pai aprenderá os ofícios de carpinteiro, pedreiro e ferreiro. ²² Parte do tempo é dedicado à lavoura, uma vez que Nazaré, pelo seu tamanho, não tinha demanda suficiente de trabalho de carpinteiro para uma pessoa, muito menos para pai e filho. Não tinham propriamente uma oficina. O trabalho, em madeira, pedra ou ferro, era feito ao ar livre quando trabalhavam peças maiores. Muitos trabalhos eram feitos nas casas dos fregueses: escorar casas, fazer e refazer telhados, assentar portas e janelas etc. ²³
À medida que Jesus vai crescendo, acompanha seu pai na busca por trabalho de carpinteiro nos vilarejos circunvizinhos.²⁴ Durante a juventude de Jesus, Antipas, um dos quatro herdeiros do reino de Herodes, o Grande, a quem coube a Galileia e a Pereia, resolveu reconstruir a capital, Séforis,²⁵ queimada pelos romanos quando Jesus tinha quatro anos. Distando apenas 5 km de Nazaré, é provável que José e Jesus tenham encontrado na reconstrução da capital demanda suficiente para suas habilidades.²⁶
"As tropas de Varo queimaram a cidade de Séforis e escravizaram os seus habitantes.