Canguçu
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Canguçu - Aparecido Galindo
CANGUÇU : A ONÇA QUE VIROU MENINO
CANGUÇU
A ONÇA QUE VIROU MENINO
APARECIDO GALINDO
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CANGUÇU : A ONÇA QUE VIROU MENINO
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CANGUÇU : A ONÇA QUE VIROU MENINO
Dedicatória:
In Memoriam de Joaquim Cordeiro do Nascimento e José Rodrigues Galindo e a Olidonio Pereira Galindo; Mestres Contadores que povoaram a minha infância com as mais belas histórias que uma criança poderia ouvir.
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CANGUÇU : A ONÇA QUE VIROU MENINO
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CANGUÇU : A ONÇA QUE VIROU MENINO
Sumário
Menino, menino! 07. Mané Ferreira, 11. De quando os bichos falavam, 16. De quando Canguçu era um gatinho, 19. Canguçu e o Gangarra, 24. Canguçu e a Mãe do Ouro, 31. Canguçu e a Comadre Fulozinha, 37. Canguçu e o Pai da Mata. 44. O destino de Canguçu, 53. Apareceu um menino na mata, 61. De quando Canguçu sumiu, 67.
A chegada dos caçadores, 72. O Bicho Lume, 79. O Bicho Lume encontra o Jabuti, 85. Canguçu aprende a ser menino, 91. Conhecendo o Bicho Lume, 97. Canguçu encontra o caçador, 105. No acampamento dos caçadores, 110. Canguçu descobre o fogo, 115. O
julgamento de Canguçu, 121. Epílogo, 130. Sobre o autor, 143.
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CANGUÇU : A ONÇA QUE VIROU MENINO
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CANGUÇU : A ONÇA QUE VIROU MENINO
Menino, menino !
De todas as histórias que ouvi quando ainda era uma criança a que mais chamou a atenção foi a de Canguçu: a onça que virou menino. Quem me contou foi o velho Mané Ferreira numa vigília de Sábado de Aleluia.
Eu era menino pequeno, digo pequeno, por que tem muito menino grande por aí. Grande assim: que é menino mas que pensa que nem homem. Eu era menino, menino mesmo! Menino que faz cata vento de sabugo de milho e coloca no oitão da casa só para ouvir o vento fazendo barulho. Enquanto os meninos estavam olhando pras outras coisas eu tava procurando ninho de juruti só para levar os filhotinhos para casa e criá-los com papa de fubá e painço. Gostava de ouvir a juriti cantar e se fosse em casa, aí é que achava bonito!
A história que vou contar não é longa. Ela é da cumpridura de uma noite de Sábado de Aleluia. Como eu era menino, menino
, não consigo saber quanto tempo levou entre o princípio e o fim. O fato é que eu tinha um 7
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medo danado das noites de Sábado de Aleluia. Os antigos diziam que se o padre não encontra-se o Aleluia na liturgia o mundo podia até acabar. Eu pensava que ia ser danado morrer menino. Menino, menino
! Eu ainda tinha muitas serras a subir, muitos burros pra montar: e aquela melancia do roçado! Já pensou morrer e não poder quebrá-la? Olha só as preocupações do menino.
Eu digo e repito: fosse eu um menino que nem os outros ia tá preocupado sabe-se lá com o quê! Mas não, ao contrário, eu até sentia curiosidade de ver como seria esse tal de Fim do Mundo de que tanto minha mãe falava.
Já disse que todo menino, menino
é medroso e curioso.
Eu era ambos em doses elevadas. Tinha medo de morrer e não catar mais coco ouricuri na Serra da Limeira e tinha curiosidade em ver como seria o Final dos Tempos.
Nessa época o mundo para mim era pequeno. Um mundo de menino, menino
. Ia da Serra da Limeira, a Serra do Ororubá, das Porteiras, ao Gavião. Então, o meu Fim do Mundo tinha uma localização bem determinada para 8
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acontecer. E era durante as noites de Sábado de Aleluia que eu ficava imaginando essas coisas.
A noite estava fria. Era aquele friozinho sertanejo.
Frio mesmo, para gente grande, não era. Agora para um menino, menino
, sim! Como eu sabia? A gente fazia um teste que determinava se estava frio ou quente e que consistia em soprar a superficie de um vidro. Dando para escrever o nome: tava frio. Caso não desse: tava quente.
E aquela noite segundo a nossa tecnologia de medição de temperatura estava muito frio! Eu escrevi metade da Ave Maria no vidro da janela da capela. Esta capela era uma construção muito antiga. Foi um frade alemão que angariou recursos para erguê-la. Depois de grande eu descobri que a nossa capela tinha irmãs gêmeas por toda a Alemanha. Os franciscanos usavam as mesmas plantas da Europa para construírem no sertão. Aproveitei a troca de mistério do terço e fui lá fora olhar o luar. Ainda hoje sou grato a lua. Por que graças a ela eu perdi o medo de andar durante as noites. Chegava a contar as semanas 9
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para vê-la cheia novamente. Eram quatro, certinho, sem erro. A lua nunca atrasava. Ela e as estrelas eram minhas amigas. Não tenho nenhuma queixa do sol e espero que ele não fique ressentido mas eu menino, menino
, preferia a lua. Todo mês, sem falta ela escapulia por trás da Serra do Curralinho. Vinha que vinha cheia de ouro.
Amarelinha, bonita toda. Encontrava meus cata ventos tudo quebrado. O vento que trazia a lua era um vento agitado. Devia ser a força que ele fazia pra arrancar a bonitona do seu descanso. Quem pagava a conta eram meus pobres cata ventos. Depois que a lua subia pela Serra da Limeira o vento ficava tranquilo e virava uma brisa gostosa. Tão leve que podia até abandonar as janelas abertas que ele não apagava os candeeiros.
Agora, deixa eu parar de falar de mim e entrar nessa história que só vai chegar ao fim se a gente der um começo.
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CANGUÇU : A ONÇA QUE VIROU MENINO
Mané Ferreira
O homem que me contou este causo era um exímio contador de histórias. Não faço esta reverência para que me desculpem as falhas desta narrativa. É que Mané Ferreira era bom mesmo! O melhor! E outra coisa: eu e Mané Ferreira utilizamos ferramentas diferentes para contar nossas histórias. Eu, coitado, tenho que usar essas letras frias e por mais que me esforce não consigo passar nem a décima parte da emoção contida em uma única frase dita por Mané Ferreira. Olha, se eu pudesse, contava esse negócio assim: olho no olho, copo de café na mesa com bolacha seca ou pão. Isso mesmo, sem ponto, sem vírgula, exclamação, interrogação, travessão e toda essa parafernalha que inventaram para representar a fala. Por isso é que é só uma representação! Quero ver é descrever a riqueza da voz de um Mané Ferreira! E ele mudava de tom, erguia os braços; se levantava do banco, dava pulos e arregalava os olhos, depois os fechava. Por isso garanto que narrar esse causo é deveras uma 11
CANGUÇU : A ONÇA QUE VIROU MENINO
missão que está fadada a