Tocandira
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Tocandira - Nivaldo Peres Bonfim
Nivaldo Peres Bonfim
TOCANDIRA
1ª Edição
São Paulo
2013
Copyright © 2005 by Nivaldo Peres Bonfim
Capa e ilustração do autor
___________
Bonfim, Nivaldo Peres / Tocandira - 2013
ISBN 85-7493-647-2
____________
1ª Edição – São Paulo - 2013
Para Edna e Guilherme
PRÓLOGO
Durante a reforma da Paróquia de Santo Antônio do Valongo em Santos ocorrida em 1936 foi encontrado um manuscrito embrulhado em grosso papel que apresentava algumas partes esfaceladas em que se podia ler uma anotação traçada diagonalmente. Ainda que escrita a fortes penadas indicava certo desprendimento, como se fora um registro apenas casual ou então como se fora uma informação momentânea, sem a preocupação de que tais informações fossem mantidas para a posteridade. Estava escrito: Encontrado na Aldeia de São João
e, logo abaixo, o nome de Antonio Ferreira Gamboa. A Vila da Conceição de Nossa Senhora, atual Ruínas do Abarebebê, passou a ser conhecida, a partir de 1640, como Aldeia de São João Batista que deu origem à cidade de Peruíbe. Sobre Antonio Ferreira Gamboa sabe-se que foi um cidadão santista, escrivão da Ouvidoria de Sabará em 1738 e que fora casado com Joana Gomes de Gusmão, irmã de Alexandre de Gusmão e Bartolomeu Lourenço de Gusmão.
As primeiras e, principalmente, as últimas páginas do manuscrito foram corroídas com o tempo, delas restando apenas alguns fragmentos que procurei reconstituir da melhor forma possível. A maior parte encontra-se em bom estado e poderemos acompanhar o desenrolar da história relatada pelo próprio Felipe Gutierrez, jovem que acompanhou seu tio, Diego Escovedo, capitão da embarcação Natividad em viagem, a princípio, às ilhas Canárias (conhecida como ilhas Afortunadas), partindo do porto de Sevilha na Espanha em outubro de 1499, mas que teriam desembarcado em terras brasileiras antes mesmo de Pedro Alvarez Cabral.
Pesquisei alguns livros tentando encontrar algum personagem da história conhecida que tivesse vivido situação semelhante naquele período. Os historiadores parecem concordar que os europeus que primeiro pisaram no Brasil foram os espanhóis Vicente Yánez Pinzón e Diogo de Lepe. Chegaram em épocas próximas e fizeram trajetos parecidos. Pinzón desembarcou no litoral brasileiro em janeiro de 1500 e Lepe o fez em fevereiro. Ambos costearam o Nordeste até o Caribe. Portanto, muito distante do lugar onde se desenrola a história aqui relatada. Há, porém, relatos históricos que apontam a existência de um degredado lançado
na ilha de Cananéia em 1499 e lá vivido por mais de 30 anos. Conforme Jorge Couto em A Construção do Brasil, PP. 377-78, o Bacharel de Cananéia, como ficou conhecido, fora trazido da ilha de São Tomé por Bartolomeu Dias que por sua vez fora incumbido por D. Manuel em 1498 de determinar a região por onde passava, no sul, a linha de demarcação no Tratado de Tordesilhas.
O bacharel foi lançado
para cumprir a pena de degredo na região por onde passava o meridiano português, isto é, Cananéia.
Portanto, a história confirma a existência apenas de um europeu vivendo ao sul das terras brasileiras antes de 1500. Um europeu que pelo pouco que se sabe, não se assemelhava ao protagonista desta história. Um europeu que aqui ficou não por naufrágio, mas por degredo. Enfim, um europeu com história de vida bem diferente da história de Felipe Gutierrez descrita no manuscrito.
Curiosamente a embarcação espanhola, Natividad, encalhou bem próximo ao território que por direito pertenceria a Castela, aproximadamente entre Iguape e Peruíbe. Se levarmos em consideração que possa ter havido erro na marcação da latitude poderíamos suspeitar que Felipe Gutierrez fosse o próprio Bacharel de Cananéia, porém, sabe-se que por toda aquela região aglutinaram-se, posteriormente, vários castelhanos.
Fernando de Aragão, rei da Espanha, somente teve conhecimento da possibilidade de haver terras que se encontrasse ao sul da linha de demarcação
em 1514, encarregando imediatamente Juan Dias de Solis, em missão muito secreta, para descobri-las. Conforme, ainda, Jorge Couto há registros de que em 17 de agosto de 1531 o bacharel encontrava-se em Cananéia com cinco ou seis castelhanos e, ainda, por volta de 1534 São Vicente sofreu um ataque de homiziados castelhanos fixados em Iguape.
Logo, a história registra certa concentração
de castelhanos justamente nos limites, ao sul, do meridiano do Tratado de Tordesilhas. Registra certa concentração
nas proximidades do local onde viveu Felipe Gutierrez. Porém, apesar dessa concentração
, não há indício algum na história conhecida que aponte a existência da embarcação espanhola Natividad ou de qualquer um de seus tripulantes em terras brasileiras.
Julgo, portanto, que os relatos das páginas seguintes guardem a história que, suponho, muito provavelmente, ter sido escrita por um descendente desses castelhanos que participaram da história do Brasil. Castelhanos que vieram em busca de ouro e prata ou talvez simplesmente se fixarem em terras ao sul do meridiano de Tordesilhas. Não encontraram nem ouro, nem prata e não conseguiram a posse das terras que por direito pertenciam à Espanha. Na história que se segue também não há ouro, nem prata, nem mesmo luta por posse de terras, mas há luta pela vida e busca do conhecimento. Busca do conhecimento que é o assunto principal que ronda todo manuscrito do começo ao fim. Assim, as páginas seguintes, além de proporcionarem noções de pensamentos filosóficos da idade antiga e média, também instigam os leitores a estudarem mais profundamente Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Pedro Abelardo e Guilherme de Ockham. Instiga os leitores a saberem mais sobre temas que sempre permearam o pensamento filosófico como: ser e não-ser, matéria e forma, essência e existência, intelecto e sentidos, as palavras e as coisas, sujeito e objeto, enfim, o que é o mundo e como o conhecemos. Para os leitores que queiram aprofundar seus conhecimentos, ofereço uma bibliografia para leitura complementar.
VIAGEM AO DESCONHECIDO
Em outubro de 1499, Felipe Gutierrez, um jovem franciscano estudante de filosofia da Universidade de Salamanca, partiu numa aventura pelo mar com seu tio Diego Escovedo, capitão de uma caravela espanhola, Natividad, que tinha por finalidade encontrar riquezas no Novo Mundo. Após dois meses de viagem pelo Mar Oceano rumo ao Ocidente sem encontrar terra firme, os tripulantes da caravela amotinaram-se e tomaram a embarcação. A maioria dos conspiradores acreditava, convencidos pelo piloto Sancho Ruiz, que não estavam navegando para o Ocidente, mas sim e tão somente para o Sul. O conhecimento dessa informação foi suficiente para o convencimento geral, pois todos temiam cair da Terra num grande abismo sabe-se lá pra onde. Os marinheiros não poderiam conviver com a idéia de rumar para o sul uma vez