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“modernolatria” E “simultaneità”
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E-book2.520 páginas10 horas

“modernolatria” E “simultaneità”

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Sobre este e-book

Tradução do clássico e pioneiro estudo de Pär Bergman sobre os aspectos mais significativos do futurismo italiano em relação à literatura produzida nos anos que antecederam imediatamente a Primeira Guerra Mundial. Publicado em 1962, o livro é fruto da tese defendida pelo autor na Universidade de Uppsala. Privilegiando os conceitos relativos à modernolatria e à simultaneidade, o foco da análise de Bergman centra-se na representação artística das mudanças em relação à percepção do espaço e do tempo, nos novos modos e ritmos de ver e de viver a realidade social urbana em decorrência das invenções e do avanço tecnológico da Segunda Revolução Industrial. Além de destacar as ideias de dinamismo, de velocidade e de simultaneidade presentes nas manifestações poéticas ligadas às vanguardas históricas do início do século XX, Bergman também aborda a influência do futurismo e do cubismo sobre o cinema e as artes plásticas do período. Dos autores analisados por Bergman - além de F. T. Marinetti, fundador e líder do movimento futurista - destacam-se: Walt Whitman, Émile Verhaeren, Jules Romains, Gabrielle D’Annunzio, Blaise Cendrars e Guillaume Apollinaire, entre outros. Esta edição brasileira inclui apêndice contendo uma entrevista concedida por Bergman ao tradutor em 2015.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de mai. de 2018
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    “modernolatria” E “simultaneità” - Pär Bergman

    Nota do Tradutor

    Agradeço ao professor Pär Bergman pela gentileza em autorizar prontamente esta tradução brasileira de sua obra, bem como à Prof.ª Dr.ª Maria Eugênia Boaventura, docente do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, por ter possibilitado o contato com o texto original. Embora eu tenha procurado indicar, como de praxe, as edições anteriores em português ou espanhol de alguns dos livros que compõem a bibliografia da tese de Bergman, assumo a responsabilidade pela tradução de todos os textos críticos e poéticos aqui citados.

    J. B. M.

    Prefácio

    Na literatura moderna, muitas obras têm como denominador comum oferecer aos leitores a sensação de experimentar, num dado momento, o que acontece simultaneamente em diferentes partes do globo terrestre, em vários lugares de uma cidade ou, mesmo, em diversos apartamentos de um edifício. As montagens de Piscator e as cenas simultâneas do teatro moderno em geral, o Ulisses de Joyce e outras obras, em todos os campos literários, puderam, por volta de 1920, apresentar um procedimento análogo, levado ao extremo mais tarde em Le sursis, de Jean-Paul Sartre, que, reiteradamente, numa mesma proposição, alude ao que está acontecendo, ao mesmo tempo, em vários lugares ao redor do mundo.¹ As antologias poéticas datadas dos momentos imediatamente posteriores à Primeira Guerra Mundial fornecem inúmeros exemplos brilhantes de poemas similares e, algumas vezes, as próprias antologias criaram em si mesmas uma nova forma. O título do livro de Ivan Goll, Os cinco continentes: antologia mundial de poesia contemporânea (Paris, 1922), não é, por si só, significativo? Kurt Pinthus busca oferecer com Menschheitsdämmerung: symphonie jüngster Dichtung (Berlim, 1920) a fervilhante, caótica, explosiva totalidade de nosso tempo (p. V) e orgulha-se de ter criado seu livro após o aparecimento de um novo princípio: Para ouvir a poesia do nosso tempo [...] para escutá-la no todo, você olha ao redor, [...] não verticalmente, não sequencialmente, mas horizontalmente; não se consegue estabelecer qualquer distinção das sucessões separadamente: ouvimo-la em conjunto, ao mesmo tempo, simultaneamente (p. V).² Os poetas daquela época recorrem com frequência a esse procedimento para demonstrar os violentos contrastes da vida moderna.

    Outra tendência comum a diversos autores e poetas do século XX é a de quererem representar um mesmo fenômeno – por exemplo, uma pessoa ou evento – sob variados ângulos ao mesmo tempo. Às vezes, os procedimentos aos quais os autores recorrem para obter os efeitos visados diferem muito, mas, é evidente que as obras, de alguma forma, propiciam um muito amplo conhecimento a respeito do homem do século XX. Esse fenômeno pode ser encontrado também nas outras artes e referem-se, na maioria das vezes, ao culto do moderno, como veremos a seguir.

    Enfim, entre as maiores obras literárias modernas há um número considerável que visa proporcionar simultaneamente ao leitor a experiência do passado e do presente; ou seja, os autores oferecem uma representação simultânea de eventos e de situações que, na realidade, não são simultâneos. Para tanto, basta recordarmos aqui The waste land, Ulisses e, um pouco mais tarde, Doutor Fausto.³ Os autores dessas obras estão, evidentemente, em oposição àqueles que defendem a vida moderna.

    Como designação genérica para os três métodos acima mencionados, ocorre-nos empregar a palavra simultaneísmo e, por conseguinte, qualificar de simultaneístas aos procedimentos em questão.

    Na década de 1910, havia em Paris muitas controvérsias e discussões a respeito das noções de simultaneidade (simultanéité), simultaneità, simultaneísmo (simultanéisme), simultanisme e outros termos semelhantes.  Os debates, sobre os quais não nos aprofundaremos agora, concentram-se principalmente nas teorias do tempo, da duração (durée) e da simultaneidade de Bergson, que preconiza a intuição, ou seja, uma forma de experiência integral.⁴ Sua noção de duração abrange tanto o presente, quanto o passado e o futuro; e a memória operaria, segundo ele, fora da sucessão cronológica. Recordem-se, ainda, as discussões apaixonadas sobre os sonhos que tiveram lugar à época simbolista, especialmente sobre a simultaneidade ilógica dos sonhos que nos mostram, algumas vezes, diferentes planos temporais ao mesmo tempo. Por outro lado, começa-se a abordar os problemas do inconsciente pessoal e coletivo da psicanálise. Em matéria de religião e de filosofia, discute-se sobre tempo e eternidade, e Lévy-Bruhl suscita numerosos debates discorrendo, a propósito das funções mentais nas sociedades inferiores, da "multipresença dos indivíduos, de sua localização simultânea em vários lugares diferentes.⁵ Observe-se, por fim, as teorias de um Einstein, de um Planck e de outros matemáticos e físicos. Noções como a quarta dimensão impõem-se em toda parte, e as máquinas para explorar o tempo" abundam na literatura.

    Somos levados a acreditar que essas discussões, de uma maneira ou outra, influenciaram diversos poetas, dramaturgos e romancistas que, por volta de 1920, praticaram um tipo de simultaneísmo em suas obras. Na década de 1910, um considerável número de grandes poetas e romancistas da época encontrava-se em Paris, ao menos em intervalos. Citamos, a título de exemplo, entre os mais conhecidos: Pound, Eliot e Lagerkvist. Adicionamos ainda, a partir de 1920, Joyce. Note-se também que muitos pintores, poetas e músicos russos encontravam-se em Paris mesmo antes da Grande Guerra. Os procedimentos musicais polifônicos de um Stravinsky, incluindo A sagração da primavera, desfrutaram de uma voga extraordinária desde a sua primeira representação em Paris, na primavera de 1913, despertando um interesse enorme, enquanto um Chagall e um Kandinsky chamam atenção de uma elite de vanguarda. O papel de Paris naquela época como centro intelectual e artístico é incontestável, e as teorias artísticas e literárias da vanguarda parisiense são propagadas através da Europa inteira: ou pelos embaixadores-viajantes, tais como Marinetti, ou por intermédio de grupos de vanguarda estrangeiros, por exemplo, a redação da revista Der Sturm em Berlim.

    Dadas tais circunstâncias, é muito provável que as teorias, as discussões e as obras da vanguarda parisiense tenham exercido certa influência sobre muitos dos grandes autores que viriam a recorrer, mais tarde, a um procedimento simultaneísta.

    No centro de nosso interesse encontra-se uma nova forma de vida e de experiência que se impôs a diversos poetas e artistas no início de nosso século. Correndo o risco de exagerar, diríamos que uma nova maneira de ver e de viver nasce, às vésperas da guerra, graças às invenções modernas que permitem ao homem experimentar, num dado momento, o que acontece quase simultaneamente em diferentes lugares, bem como de trocar de perspectiva a todo instante. As impressões sensoriais misturam-se às lembranças, aos sentimentos e aos pensamentos do homem moderno com uma rapidez anteriormente desconhecida. Sua alma torna-se um conglomerado psíquico, um campo de batalha onde se confrontam, de uma só vez, tendências violentamente contrastantes. Talvez se possa dizer que a sucessão cede vez à simultaneidade. O fato é que assim pensam muitos jovens naquele momento. Eles desejam exprimir nas artes e na poesia os seus sentimentos novos, a nova forma de experiência que vivem e, precisamente, a totalidade que experimentam num determinado momento.

    Se, por um lado, essa nova forma de experiência manifesta-se, mais ou menos, em toda parte ao mesmo tempo, estamos, no entanto, inclinados a crer que Paris é o principal local de encontro desses homens modernos. De qualquer modo, a cidade da Torre e da Roda é a plataforma da qual se servem os futuristas italianos para conquistar o mundo. Este livro concentra-se sobre algumas formas excessivas que assumiram a poesia italiana e francesa para criar uma poética nova que leva em conta essas experiências específicas e que abrem espaço aos temas propriamente modernos. O primeiro manifesto futurista (1909) e o início da Grande Guerra assinalam os limites no tempo.

    Antes de abordarmos nosso objeto de estudo, julgamos importante agradecer a todos aqueles que nos ajudaram a desenvolver este livro. Em primeiro lugar, dirigimo-nos ao nosso mestre e guia em literatura desde o início de nossos estudos universitários, Sr. Gunnar Tideström, professor de literatura da Universidade de Uppsala, de quem apreciamos as qualidades de pesquisador e de amigo. Se este livro não corresponder às expectativas dele será, obviamente, por culpa nossa.

    Em segundo lugar, gostaríamos de agradecer ao Sr. Bengt Hasselrot, professor de filologia romana da Universidade de Uppsala, a quem tantas vezes incomodamos, mas cuja benevolência para conosco foi ilimitada.

    Entre os especialistas franceses, nossa gratidão dirige-se principalmente ao Sr. Michel Décaudin, professor de literatura da Universidade de Toulouse que, espontaneamente, prestou-nos um grande serviço ao examinar o capítulo final deste livro. Consideramo-lo o maior especialista da literatura francesa com que tratamos e, para nós, será infinitamente agradável se este livro lhe causar algum prazer.

    Em Roma, a Sra. Benedetta Marinetti prestou-nos também valioso favor ao permitir que consultássemos os livros que seu esposo lhe deixou ao morrer. Agradecemo-la de todo coração.

    Somos gratos aos camaradas que nos inspiraram a novos campos de investigação e que notaram as falhas mais marcantes.

    A esse respeito, falta mencionar a Sra. Christiane Axelsson e o Sr. Patrice Thompson, leitores de francês da Universidade de Uppsala, que gentilmente corrigiram as falhas gramaticais e estilísticas mais graves de nosso francês. Os esforços de paleógrafo do Sr. Thompson, que leu a tese inteira ainda em forma de manuscrito, não deixaram nada a desejar.

    Sem o auxílio de numerosas bibliotecas nossas pesquisas ainda estariam na semente. Agradecemos, em particular, aos funcionários das seguintes bibliotecas: em Paris, da Biblioteca Nacional, do Fundo Jacques Doucet e da Biblioteca de Arsenal; em Florença, da Biblioteca Nacional Central e da Biblioteca Marucelliana; em Roma, sobretudo da Biblioteca Universitária Alexandria. Além desses, obviamente, aos funcionários da Carolina Rediviva, biblioteca da Universidade de Uppsala.

    Durante nossos estudos na Itália e na França fomos beneficiados com uma bolsa C. M. Lerici e de uma bolsa concedida pelo Governo francês.

    Por fim, agradeço de todo o meu coração aos meus pais e à minha esposa, a quem eu dedico este livro.

    P. B.

    Introdução

    O Mito do Moderno no início do século XX

    Muito provavelmente, há sempre alguns poetas que consideram, a priori, a realidade atual pouco digna da poesia. No entanto, também é evidente que as grandes correntes poéticas e literárias e seus programas posicionam-se de modos diferentes diante de seus próprios tempos. Se os poetas da Era das Luzes adotam, muito seguidamente, uma atitude positiva face às últimas invenções tecnológicas da inteligência humana e cantam, por exemplo, os balões, os poetas românticos, com raras exceções, evadem-se da realidade. À medida que o liberalismo e o realismo conquistam terreno, mesmo na poesia, há poetas que se fazem de porta-vozes dessa realidade esquecida pelos românticos. Essa tendência culmina em 1855 com um manifesto prelúdio em Les chants modernes, de Maxime Du Camp. Nesses cantos modernos, Du Camp substitui os Tritões pelas hélices, Ícaro pelos balões e canta seus irmãos gêmeos Vapor e Eletricidade em vez de Vênus e Baco, a vida das usinas em vez de Corinto e de Esparta.⁶ Graças aos novos deuses, logo se torna possível aos homens matizar o universo inteiro, segundo Du Camp. Abaixo, alguns versos extraídos do poema intitulado O vapor:

    Ils iront sans pâlir porter leurs héroïsmes

    Dans l’univers entier; ils perceront les isthmes

    De Suez et de Panama;

    A travers les déserts de la jaune Arabie,

    Ils sauront rapprocher l’Indie de la Nubie,

    Le pays d’Osiris de celui de Brahma! (p. 262)

    Sem vacilar, eles levarão seus heroísmos

    Ao universo inteiro; eles perfurarão os istmos

    De Suez e do Panamá;

    Através dos desertos da amarela Arábia,

    Eles aproximarão a Índia da Núbia,

    O país de Osíris ao de Brahma!

    Os Chants modernes causaram, realmente, uma nova querela literária entre os antigos e os modernos, mas o exemplo de Maxime Du Camp raramente foi seguido.⁷ Visivelmente, os poetas parisienses olham para trás e descobrem na Antiguidade o seu ideal, já que a época contemporânea lhes parece feia e provoca náuseas. Na prosa, os escritores naturalistas dão lugar às usinas, às locomotivas, às maquinas e às grandes coletividades modernas. Os autores de ficção científica – Verne, Salgari, Robida, Wells e alguns outros – inventam máquinas cada vez mais maravilhosas. Mas, no domínio da poesia, no fim do século XIX, reinam a poesia simbolista e a poesia decadente: uma idealista e olhando para trás; outra, mórbida e pessimista.

    Por volta de 1900, os ataques contra os valores simbolistas e decadentes foram cada vez mais numerosos. O homem moderno, nunca interessado em poesia, desinteressa-se completamente de uma poesia que não presta atenção ao tempo presente e olha com desdém para o poeta decadente, assim como para o sonhador poeta simbolista, trancafiado em sua torre de marfim e assombrado por um ideal irreal e inacessível. Opondo-se de forma claramente marcada ao pálido homem decadente, que toma o absinto e que se sente fim-de-século e cansado de tudo, o homem moderno e saudável entra em cena no alvorecer de um século novo, o XX, cheio de promessas viris, ao sentir-se futurista, no sentido literal da palavra. Ele se declara um esportista e dedica o seu tempo livre ao futebol, ao atletismo e a outros esportes revigorantes, tais como o ciclismo, o automobilismo, a aviação e o alpinismo e encontra, no renascimento dos jogos olímpicos, o símbolo afetivo de seus próprios exercícios físicos. Esse homem saudável nutre um culto fervoroso por seu próprio corpo tomando banhos de mar e de sol, e reconhece o sol como seu aliado, olhando com desprezo para a lua decadente.

    A reação do homem moderno é, por vezes, ainda mais violenta. Os novos esportes, tais como o automobilismo e a aviação, são repletos de riscos, e tudo o que é perigoso, a temeridade e a audácia, torna-se moda. O despertar de Nietzsche, aquele que prega os valores dinâmicos e explosivos, conquista cada vez mais seguidores. A guerra, a rebelião, a luta e a agressão são glorificadas, e o amor pela violência atinge seu apogeu com Georges Sorel, cujas famosas Réflexions sur la violence são publicadas em 1908.⁸ Lembremo-nos também que as tradições niilistas e anarquistas estão bem vivas no início do século. Talvez pudéssemos falar mesmo de um culto à brutalidade em si, caracterizando seguidamente a vida moderna de muitos jovens. Gradativamente, à medida que nos aproximamos da guerra, a brutalidade assume formas sádicas em muitos autores. Seria, por alguma razão, a reabilitação do Marquês de Sade no início do século? Num livro recente sobre Guillaume Apollinaire, Cecily Mackworth atribui grande importância ao prefácio entusiasmado que Apollinaire escreveu em 1909 sobre o Marquês, o qual, segundo Apollinaire, deveria talvez dominar o século XX.⁹ Os patriotas agressivos, por exemplo, tornam-se esgrimistas na Ação Francesa, e os imperialistas buscam fortuna nas colônias, onde podem dar livre curso à energia física e ao gosto por aventuras. Os homens ativos tornam-se o ideal dos jovens, que nutrem um culto pelos heróis (por vezes, os mártires) do esporte.

    O novo mundo e a mentalidade americana são expostos a uma severa crítica dos homens sensatos, que tentam propor o mesmo modo de pensar como modelo aos jovens – os quais viam, então, a América como a nova juventude.¹⁰ Em livros muito luxuosos, a América moderna é louvada de um modo bastante ingênuo.¹¹ Numerosos foram aqueles que puderam fazer coro com Arthur Cravan, poeta e boxeador que cantou, às vésperas da Grande Guerra, a glória de Gratteciella (1914) e de Nova Iorque (1912):

    New-York!

    New-York! Je voudrais t’habiter!

    J’y vois la science qui se marie

    A l’industrie,

    Dans une audacieuse modernité.¹²

    Nova Iorque!

    Nova Iorque! Gostaria de habitar-te!

    Eu vejo a ciência casando-se

    Com a indústria,

    Numa audaciosa modernidade.

    Ovanuna, num poema de Salmon, não está sozinho em acreditar que na América / Só voam pássaros mecânicos (qu’en Amérique / Il ne volai oiseau que mécanique).¹³

    Constatamos, enfim, que esse homem moderno, em geral, é pouco inclinado às especulações filosóficas e metafísicas. Se ele se beneficia de algum filósofo é de Nietzsche, a quem ele aplaude pelo anti-intelectualismo e pelo tom profético e visionário. Muitos jovens, no início do século XX, encontram uma afinidade espiritual entre eles próprios e o ser superior, o super-homem defendido por Nietzsche, do qual eles abraçam, em primeiro lugar, o amor entusiasta pela vida, a cultura fervorosa da energia vital, o heroico esforço de vontade, a vontade de potência e a atitude viril e antissentimental. Nietzsche não havia pretendido uma revisão de todos os valores, tanto morais como intelectuais? No começo de nosso século encontramos muitas pesquisas feitas para pôr em funcionamento uma reavaliação (eine Umwertung).

    Esse homem ativo e moderno, o que ele encontra ao dirigir sua atenção para a poesia vigente no início do século? Ele encontra o simbolismo, um idealismo aplicado à poesia; ele encontra poetas que consideram a poesia como um instrumento de conhecimento metafísico, poetas que se servem do poder de evocação da música e das correspondências de toda sorte a fim de evadir-se da banalidade quotidiana, da feiúra e da monotonia do real. O moribundo de Les Fenêtres de Mallarmé e o poeta de L’Azur ilustram, de modo eloquente, a atitude adotada pelos poetas simbolistas, assombrados por um ideal irrealizável. Citamos ao acaso alguns versos extraídos da última antologia de poemas de Rodenbach (1898):

    L’eau morte, certains soirs, vibre de cantilènes.

    Ah! les flûtes, aux trous d’ombre, les longs roseaux!

    Les Cygnes et le Soir y modulent leurs peines

    Musique en blanc et noir, éparse au fil des eaux,

    Mais où le blanc domine à telle heure opportune

    Où l’on voit tout à coup intervenir la lune [...]¹⁴

    A água morta, certas noites, vibra com cantilenas.

    Ah! as flautas, com seus orifícios de sombra, os longos caniços!

    Os Cisnes e a Noite modulam suas penas

    Música em branco e preto, derramada sobre alagadiços,

    Mas onde domina o branco a tal hora oportuna

    De repente vemos intervir a lua [...]

    Esses versos, através dos quais o poeta busca sugerir uma atmosfera de melancolia nostálgica, um ambiente místico e sonhador característico da poesia simbolista em geral, ilustram o credo simbolista do poeta, resumido por ele próprio nos seguintes termos:

    É impossível em si próprio que amemos. É o sonho, os matizes, o além, a arte que viaja com as nuvens, que domestica os reflexos, para os quais o real é apenas um ponto de partida.¹⁵

    O idealismo, a fuga por trás do sonho, nas lendas, no irreal, no passado dificilmente pode agradar ao homem ativo – sem dúvida, pouco idealista –, que se entusiasma com o progresso atual e que quer pertencer ao seu tempo. A atmosfera crepuscular, as glorificações da mulher ideal, impossível de ser encontrada, e o erotismo decadente desagradam ao homem esportivo que cultiva seu próprio corpo ao ar livre, enquanto demonstra, por vezes, o seu profundo desprezo pela mulher e pelo amor sentimental. Em vez da ambiência simbolista, silenciosa e branca, em vez de Bruges-la-morte,¹⁶ o poeta moderno deve expressar a vida brutal e cacofônica das coletividades, das máquinas e das grandes cidades: em vez do homem solitário e inativo, o poeta moderno deve cantar o homem moderno, isto é, o homem ativo e "dinâmico de seu próprio tempo, como o motorista e o aviador. Henri Guilbeaux prega o dinamismo no campo literário, às vésperas da Grande Guerra, fazendo as conferências intituladas A poesia das máquinas e A poesia dinâmica"¹⁷, nas quais ele descreve o homem moderno, fiel ao seu século:

    Estamos mais nervosos, mais sensíveis, mais ofegantes. Nossos corações e os motores batem em uníssono. Temos dentro de nós mesmos a pulsação espasmódica e quente das máquinas.¹⁸

    Citemos, a fim de resumir as necessidades do homem moderno no domínio poético, um significativo artigo publicado no Mercure de France, em 1912, As tendências da poesia contemporânea.¹⁹ O autor de tal artigo, Georges Batault, enxerga como um princípio orientador da poesia da época o retorno à vida pela vida, às formas contemporâneas da vida e fala, além disso, do gosto do presente, da coragem e dessa aceitação passional do presente. É o dia de hoje, vibrante e múltiplo, que suscita as canções do poeta (p. 309). O crítico elogia Verhaeren, sacerdote do esforço, cantor da vida contemporânea (p. 310), e acrescenta aos grandes temas poéticos, reconhecidos por Brunetière, um tema novo, é a Vida, a vida moderna, a vida presente em todo o desenvolvimento de seu espetáculo prodigioso (p. 319). Batault encontra em muitos jovens poetas da época um ideal cheio de promessas viris, de coragem, inspirado pelo amor fervoroso da vida, um orgulho de viver e uma concepção muito heróica da existência (p. 325). A vida, o presente e o futuro tornam-se, no início de nosso século, as palavras favoritas da poesia, bem como a palavra moderno, que associamos cada vez mais às ciências, às técnicas e às invenções ditas modernas. Já Bouhélier, profeta do naturismo, toma como ponto de partida em seu artigo sobre a escola de estética moderna (1901-1902) a ciência moderna. Quase ao mesmo tempo, Eugène Montfort destaca, numa conferência sobre a beleza moderna, a importância das máquinas, e Edouard Laurent fala da beleza da máquina numa civilização da eletricidade.²⁰ Além disso, as influências whitmanianas manifestam-se, e fala-se mesmo de um whitmanismo na literatura francesa do pré-guerra. Constatamos, ainda, que a influência exercida por Verhaeren é incontestável. Os membros da Abbaye²¹ (sobretudo Romains) servem-se da vida moderna, dando muitos excelentes exemplos da teoria unanimista. (Ver, na sequência, os capítulos dedicados a Whitman, Verhaeren e Romains.) Não é de se admirar que esses poetas modernos, que se creem à frente de seus contemporâneos, exijam uma poesia inteiramente nova. Mesmo Gustave Lanson, prefaciando uma Antologia dos Poetas Novos (1912), profetiza que, cedo ou tarde, a beleza do momento único em que vivemos terá o seu poeta soberano.²²

    Parece-nos que o movimento mais interessante e mais coerente em si próprio – entre aqueles que reagiram, no início do século XX, contra o simbolismo e o clima sentimental que dele emana – é o futurismo, cujos primeiros manifestos são publicados em 1909. (Ver, a seguir, sobretudo o capítulo Antipassatismo). Lembre-se sempre que esse movimento, em suas primeiras manifestações, é um movimento de recuo. Os manifestos futuristas de natureza técnica são publicados apenas em 1912 e 1913. Detectamos, às vésperas da Grande Guerra, tendências francesas análogas ao futurismo, tendências que, também elas, são as porta-vozes do homem moderno. Iríamos muito longe se quiséssemos fazer aqui a história das obras poéticas e literárias que testemunham as necessidades do homem moderno no início do século XX. O trabalho seria, de resto, inútil depois das pesquisas exemplares e minuciosas de Michel Décaudin, cujo livro intitulado La crise des valeurs symbolistes (1960) é excelentemente fundamentado nos fatos. (Esse livro teria facilitado muito nossa própria pesquisa se houvesse aparecido alguns anos mais cedo!). Nosso objeto de estudo é mais limitado. Atribuímo-nos como objetivo principal estudar a atitude entusiasmada desse ativo homem moderno em face desta que é a última atualidade, sua modernolatria, como dizem os futuristas, e as relações entre tal culto por aquilo que é moderno e a simultaneidade (simultanéité), outro termo emprestado do vocabulário futurista. Concentramo-nos sobre os cinco últimos anos do pré-guerra na literatura da França e da Itália e, em particular, sobre os anos 1912-1914. Para que o leitor situe mais facilmente o futurismo e os movimentos franceses análogos numa tendência geral relativa à literatura dos anos 1900-1914, esta introdução visa mostrar como os objetos modernos tomam parte na literatura ao longo desse período. Para evitar repetições inúteis, discorreremos brevemente sobre alguns poetas que podem ser considerados como os mais interessantes precursores atuais do futurismo, visto que trataremos desses poetas mais tarde (ver o fim da primeira parte desse livro; os poetas e escritores em questão são: Whitman, Verhaeren, Romains, Adam, Mirbeau, J.-H. Rosny, d’Annunzio e Morasso).

    A julgar pelos aforismos de Charles Baudouin (1946), o Mito do Moderno é, antes de tudo, um produto do século XX, século inaugurado por uma exposição universal, ilustrando, pelo metrô, pelas lâmpadas elétricas e pelo cinema, um apogeu.²³ Segundo Baudouin, esse mito substituiu o mito favorito dos dois séculos precedentes, isto é, o mito do progresso. Nem é preciso dizer que a fé do século XIX no futuro e na evolução serve também de base à concepção do moderno no limiar do novo século. Parece significativo que o Centro mundial, projetado às vésperas da guerra por arquitetos franceses sob o patrocínio de Hendrik Christian Andersen, deveria ser decorado em sua parte central com uma Torre do Progresso, com 320 metros de altura.²⁴ O mito da superioridade daquilo que é moderno pode, segundo Baudouin, ser resumido pelas palavras velocidade, máquina e moderno.²⁵ É claro que é perigoso esquematizar desse modo, mas não resta dúvida que muitos jovens, no início do nosso século, apesar da oposição feroz e bastante geral de homens e críticos mais ponderados, tornaram-se entusiasmados por essas três noções. Em geral, trataremos, nesta obra, de homens desta natureza: homens positivos e extrovertidos que assistiram, com prazer, às mais recentes invenções da época, sentindo-se os donos do mundo de uma forma até então desconhecida. A outros, a glória de haver descoberto o mundo, mas fomos nós que o possuímos completamente pela primeira vez, exclamava a juventude. Paul Aeschimann, depois de ter visto o país, canta os corações apaixonados pela velocidade à qual deve se submeter o mundo²⁶, e o anteriormente referido Arthur Cravan, fundador do Maquinismo e editor um tanto lendário da revista Maintenant, fala num poema de sua funesta pluralidade e canta:

    Je voudrais être à Vienne et à Calcutta,

    Prendre tous les trains et tous les navires,

    Forniquer toutes les femmes et bâfrer tous les plats.²⁷

    Eu queria estar em Viena e em Calcutá,

    Tomar todos os trens e todos os navios,

    Comer todas as mulheres e devorar todos os pratos.

    Convém salientar, mais uma vez, que as tendências imperialistas e a vontade de potência têm um forte controle sobre a nova geração. Numerosas pesquisas da época mostram-nos, de forma evidente, o imperialismo, o ativismo e o culto pelas energias nacionais entre os jovens, cujo espírito combativo é evidente. Essas tendências fundem-se ao espírito colonizador, cujas obras mais ou menos literárias são abundantes. Igualmente, a literatura colonial²⁸ é, em primeiro lugar, uma literatura de conquista e de guerra, de descoberta e de viagem, datando da segunda metade do século XIX, quando ela se liberta do exotismo literário. Os colonizadores, realistas e realizadores, também substituem os diletantes na literatura. O vago sonho exótico fixado, sobretudo, por Loti não mais satisfaz às exigências de exatidão dos jovens do século XX, habituados aos documentários do cinema. Enquanto a geração de Loti é toda admiração diante dos países exóticos, a geração seguinte, a de Cendrars, aparenta, pelo contrário, uma grande familiaridade com os países distantes.²⁹

    Percorrendo os jornais e revistas publicados nos anos que precederam de perto a Grande Guerra, não passa despercebido aquilo que é motivo de orgulho para os jovens. As botas de sete léguas, os tapetes voadores, as malas ambulantes e os chapéus sobre rodas capazes de abolir o espaço e o tempo, imaginados por Carlyle em Sartor Resartus, não acabaram sendo realizados pelo progresso dos meios de transporte modernos? As asas do pobre Ícaro são bastante frágeis quando comparadas com aquelas de um Blériot! Os chapéus mágicos, o que se tornam eles diante das possibilidades do cinema em controlar o espaço e o tempo? Os sofisticados meios de locomoção dos quais se servem algumas vezes os heróis de Júlio Verne não foram ultrapassados pela realidade? As distâncias, não foram elas abolidas de fato? Veneza e Londres fazem parte do subúrbio parisiense, escreveu um crítico ao tratar das Scènes de la vie cosmopolite de Abel Hermant, obra bastante característica do espírito da época.³⁰

    Sven Hedin revela o Tibet e outros exploradores fazem-nos conhecer lugares até então desconhecidos. Em 6 de abril de 1909, Peary alcança o Pólo Norte e, algumas semanas mais tarde, Shackleton está a 200 quilômetros do Pólo Sul, sobre o qual pisariam Amundsen e Scott em 1911-1912. Os nomes dos heróis exploradores dos pólos estavam na boca de todo mundo e, na imprensa, perguntava-se se ainda haveria algum lugar a ser descoberto pelos homens. Enquanto as viagens polares de Júlio Verne são privilégio do capitão Nemo e de sua turma, o Júlio Verne da Itália, Emilio Salgari, permite a qualquer pessoa ir comodamente até o Pólo Norte!³¹ A imprensa moderna relata as façanhas e as disputas entre exploradores e colonizadores, os principais eventos das guerras do período (por exemplo, a Guerra dos Bôeres e a guerra hispano-americana), enquanto o homem médio, diariamente, pode estar a par da vida corrente sobre todo o globo.

    Ao lado das violentas tendências imperialistas e nacionalistas observadas em torno de 1900 encontramos, também, fortes tendências internacionalistas e cosmopolitas. Citemos, a título de exemplo, o socialismo, o renascimento dos Jogos Olímpicos, as exposições universais, a filatelia, o escotismo, as línguas universais, as revistas internacionais, o novo aspecto da imprensa cotidiana e os sonhos e preparativos nos quais se concebe um centro mundial onde os principais pesquisadores de todos os países colaborariam e onde se encontraria o centro da imprensa e das telecomunicações mundiais.³²

    O nascimento e a elaboração do Mito do Moderno, todavia, devem-se, em primeiro lugar, à evolução dos meios de comunicação num sentido mais restrito do termo; eles são devidos, em duas palavras, à máquina e à velocidade. Um dos fatos mais importantes da época presente [...] é a multiplicação dos meios de transporte e, sobretudo, o seu aperfeiçoamento, constata Henry de Varigny num artigo utópico de 1902³³, e Octave Uzanne destaca, dez anos mais tarde, que o homem, em pouco tempo, substituiu vinte séculos de tração hipomóvel por três conquistas novas, a saber: os trens, os automóveis e os aviões.³⁴ A era mecânica substituiu a era dos animais domésticos, declarou Mario Morasso, primeiro apóstolo italiano dos motores a gasolina.³⁵ A rapidez dos transportes impôs-se como o primeiro resultado concreto do progresso no domínio das máquinas,³⁶ e o vício da velocidade torna-se um traço característico do homem moderno que, nas palavras dos mais entusiastas, logo se lançará através do mundo como uma bala de canhão ou um meteoro.³⁷ A festa sem igual em La cité prochaine, obra visionária de Paul Adam, é a grande festa da Locomoção,³⁸ e um dos destaques de L’anno 3000, obra utópica de Paolo Mantegazza, é a história da locomoção, representada no teatro didático.³⁹ Por volta de 1900, os numerosos autores de ficção científica inventam os meios de transporte cada vez mais fantásticos à medida que as invenções técnicas se multiplicam. Também é interessante comparar os meios de comunicação de Júlio Verne com aqueles encontrados em Wells, Renard, Robida e Salgari.

    Pelo mar, as distâncias são encurtadas. Graças aos grandes e rápidos transatlânticos e à organização das linhas oceânicas, ganhamos um tempo precioso. Às vésperas da guerra, estão prestes a serem iniciados os trabalhos para construir-se um túnel sob o Canal da Mancha. Também notamos que o Canal do Panamá é o centro de interesse de muitos romances daquela época, incluindo um célebre romance de Paul Adam. (Veja, a seguir, o capítulo dedicado a esse autor). Há, também, em 1910, um exotismo literário inspirado pelos grandes navios. As ondas, golfos, ilhas, velas e o horizonte são cantados por Guy Lavaud, o poeta da água,⁴⁰ e encontramos já em John-Antoine Nau, poeta do mar cujas obras são frutos de uma existência errante, um embrião desse sentimento mundial que se tornou muito na moda durante os últimos anos que precederam a Grande Guerra,⁴¹ um sentimento mundial expresso ainda num clima vago, sonhador, melancólico e impressionista. Note-se, também, Henri J.-M. Levet, cônsul francês e irmão mais velho de A. O. Barnabooth, que brincou nos quatro cantos com as cinco partes do mundo,⁴² enviando seus Cartões postais⁴³ do mundo inteiro. Devemos acrescentar, no entanto, que esses poetas, à parte Nau, são pouco conhecidos antes da guerra e que seu exotismo, aos olhos da geração de Cendrars, parece muito ultrapassado.

    Indubitavelmente, as ferrovias haviam perdido os atrativos de novidade e a locomotiva era, havia muito tempo, um assunto literário tão gasto quanto o mecânico. Mas, a expansão, no início do século XX, é magnífica: a Transiberiana é concluída em 1903-1904 e recebe em Blaise Cendrars seu Homero; a linha de Bagdá, a linha transafricana, a linha entre Buenos Aires e Valparaíso elevam-se, às vezes, a uma altitude de 4.000 metros, e muitas outras linhas ferroviárias aproximam os lugares no tempo e no espaço. Graças a um acordo firmado em 1902 entre as grandes companhias ferroviárias e de navegação internacionais, torna-se possível fazer a volta ao mundo em quarenta dias, ou seja, exatamente a metade do tempo que levou M. Phileas Fogg, e de comprar no Havre ou em Cherbourg as passagens para Pequim.⁴⁴ Note-se, igualmente, que o otimismo relativo aos futuros trens movidos a eletricidade ou por motores a diesel é muitas vezes mais ingênuo.⁴⁵

    A maneira simbolista de descrever os trens, que sonham no orvalho, ainda com um enfoque neurastênico e uma sensibilidade exacerbada ao extremo, é apresentada por Henri Bataille em Le beau voyage.⁴⁶ Mais diretos em suas expressões são os poetas em torno da Abbaye, onde encontramos muitos poetas que cantam o trem num sentido global e cosmopolita. O rico globetrotter, que tem a possibilidade de viajar pelo mundo nos trens de luxo, encontra seu cantor em Valéry Larboud, o poeta dos vagões-leito, cujos Poemas de um rico amador, de 1908, torna-nos familiarizados com o multimilionário A. O. Barnabooth, grande patriota cosmopolita⁴⁷ e protótipo daquela espécie de homem moderno que vive como nômade nos grandes expressos. A. O. Barnabooth incorpora na poesia, em primeiro lugar, o significado da Europa, mas ele sabe que é capaz de ir para onde bem quiser no mundo todo, pelo menos onde quer que o dinheiro possa levá-lo.⁴⁸ Um sentido mundial é expresso, principalmente, em alguns dos poemas de Europa:⁴⁹

    Quand nous voudrons, nous rentrerons aux forêts vierges,

    Le désert, la prairie, les Andes colossaux,

    Le Nil blanc, Téhéran, Timor, les Mers du Sud,

    Et toute la surface planétaire sont à nous, quand nous

      voudrons!

    [...]

    Pour moi,

    L’Europe est comme une seule grande ville.

    [...]

    Les Indes, le Japon, ce n’est pas loin pour moi.⁵⁰

    Quando queremos, voltamos às florestas virgens,

    O deserto, a pradaria, os Andes colossais,

    O Nilo branco, Teerã, Timor, os Mares do Sul,

    E toda a superfície planetária é nossa, quando queremos!

    [...]

    Para mim,

    A Europa é como uma única grande cidade.

    [...]

    A Índia, o Japão, não são muito longes para mim.

    Trata-se aqui, realmente, de uma posse do mundo todo, mas, dificilmente se observa, em Barnabooth, o entusiasmo pelas invenções e técnicas modernas, e a técnica impressionista da qual o poeta se serve recorda mais a maneira de Nau que a de Cendrars, por exemplo. Mas, quem sabe, Larbaud talvez também quisesse dar-nos uma poesia instantânea? Basta de palavras, basta de frases! Oh, vida real, / Sem arte e sem metáforas, serás minha.⁵¹

    Em seu romance irônico intitulado O supermacho⁵², Alfred Jarry descreve-nos uma locomotiva atingindo a extraordinária velocidade de 300 quilômetros por hora. Na grande Corrida das dez mil milhas, ponto alto do romance, essa rápida locomotiva é ultrapassada por uma equipe de cinco ciclistas, embriagados pela velocidade que corre em suas veias. Os cinco dias da corrida, bastante árduos (um dos ciclistas morre em virtude de seus esforços sobre-humanos, mas, continua a pedalar, de qualquer jeito!), foram descritos num jornal por um dos concorrentes enquanto estava comendo, num lugar qualquer, toda a Perpetual-Motion-Food: Há realmente um recorde que nem Sammy White, campeão do mundo, nem eu, nem nossa equipe bateremos tão cedo: o recorde da luz (p. 91 ss.; p. 119-120).

    A equipe, contudo, é ultrapassada pelo supermacho, o homem que é mais forte que as máquinas e que supera a todos, tanto no esporte como no amor, já que é considerado o primeiro do futuro (p. 244).

    Por volta de 1900, a bicicleta chama atenção universalmente. Em 1900, Taylor alcança a velocidade de um quilômetro por minuto e, em 1903, aquele que detém o recorde de velocidade atinge 90 quilômetros por hora. O Tour de France é inaugurado em 1903; Il Giro d’Italia em 1909. Aqueles cinco personagens da equipe criada por Jarry não são os únicos ciclistas a pedalar em alta velocidade na literatura francesa nos anos 1900. Muitos romances e novelas são publicados tendo por heróis ciclistas que, depois de terem quebrado os recordes e vencido as corridas, conquistam também o amor daquelas que desejam. Podemos notar, também, que essas jovens moças, em muitas ocasiões, fazem passeios de velocípede. Um exemplo bastante comum é o Roman d’un cycliste, de J.-H. Rosny (1899).⁵³ Encontramos o interesse pela bicicleta, a um grau muito eminente, em Le recordman, de Rémy Saint-Maurice (1898),⁵⁴ romance repleto de corridas e de termos ligados ao ciclismo, de declarações de amor à bicicleta, tida como o triunfo da velocidade. Analisando os heróis de Voici des ailes, obra irônica e paródica de Maurice Leblanc (1898),⁵⁵ percebemos um entusiasmo sem limites pelo velocípede. O título, as epígrafes e as ilustrações do livro falam por si só. O primeiro capítulo é intitulado A nova religião, e ali podemos ver uma ilustração representando uma deusa, claramente inspirada por aquela da entrada do porto de Nova Iorque, erguendo, ao invés de uma tocha, uma bicicleta. Em outra ilustração, a embriaguez da velocidade, repetidamente expressa no texto,⁵⁶ é representada por uma deusa que voa carregando em seus braços uma bicicleta, certamente uma versão moderna do tapete voador das Mil e uma noites. Ainda numa outra ilustração, podemos ver Mercúrio montado em um velocípede etc. Em um dos capítulos – aliás, intitulado Palavras de um crente (Paroles de un croyant) –, um dos heróis defende as vantagens estéticas da bicicleta, considerada como o aperfeiçoamento do corpo humano: Este é um par de pernas mais rápidas que aquelas que ele (= o homem) oferece. Ele e sua máquina são um só [...] Não há mais um homem e uma máquina. Há um homem mais rápido. (p. 77)

    Outro capítulo, intitulado O êxtase, descreve-nos dois dos personagens principais que se sentem, algumas vezes, como seres sobrenaturais, outras vezes, como pássaros que voam a toda velocidade através dos campos:

    Temos asas, Madeleine! Não é verdade que você, assim como eu, gosta dessa visão enlouquecedora que o homem alado tem agora? (p. 145)

    Os limites sufocantes do horizonte são destruídos e a natureza é conquistada. (p. 147)

    Podemos imaginar facilmente as sensações e os sentimentos despertados, alguns anos mais tarde, pelos automóveis e pelos aviões nos homens iguais ao do tipo descrito por Maurice Leblanc! Observamos também que, numa obra de Salgari (1896), a conquista do Pólo Sul conta com o uso de bicicletas,⁵⁷ e que Due anni in velocipede (1899) de Yambo (Enrico Novelli)⁵⁸ narra-nos a volta ao mundo em um velocípede.

    A rápida expansão do automobilismo no início do nosso século pode ser indicada por alguns números. Em 1900 há, na França, cerca de 3.000 automóveis; em 1909, aproximadamente, 50.000; e, em 1913, algo em torno de 100.000 – evolução que surpreende e que se impõe também à literatura. Em 1904, uma grande exposição, o salão dos motoristas (le salon des chauffeurs),⁵⁹ é realizada em Paris e, ao longo dos anos 1896-1910 publica-se, ao menos, uma dezena de jornais e revistas dedicada ao automobilismo, amiúde contendo demonstrações de orgulho características da época.⁶⁰ "Nosso programa: a Auto-Vélo é oportuna e era necessário que tivesse aparecido. Nós vivemos melhor e mais rápido que antes", pode-se ler no discurso-programa do primeiro diário esportivo francês (1900).⁶¹ Em 1899, a indústria automobilística inicia-se em Turim e, dez anos mais tarde, é possível ler em Marzocco: O automóvel reina e a Itália se automobiliza.⁶² Em 1912 o automóvel reinou em todo o seu fervor, escreveu Angèle Dussaud em um capítulo dedicado ao triunfo do automóvel.⁶³

    O recorde de velocidade é, em 1903, de 175 quilômetros por hora e, em 1906, Mariott ultrapassa os 200 quilômetros. A corrida de Gordon Bennett foi disputada pela primeira vez em 1900; em 1902, realizou-se o primeiro Giro d’Italia e, dois anos depois, aconteceu em Bréscia, pela primeira vez, O Grande Prêmio da Itália. Os nomes de Jarrott, de Renault, de Farman, de Barzini, de Héméry e de Mariott estão na boca de todo mundo – ao menos nas dos mais entusiastas. Morasso, que prega com entusiasmo o evangelho dos motores a gasolina e invoca, em termos líricos, o maravilhoso motor a benzina⁶⁴, cita as palavras enfáticas de alguns repórteres: Ele perfurou literalmente o espaço (sobre Héméry) e Foi como se houvessem atirado uma bala de canhão (sobre Mariott).⁶⁵

    Tudo aquilo que havia de positivo a ser dito sobre os automóveis Mario Morasso disse-o em suas obras, sobretudo em La nuova arma (1905), livro discutido, inclusive, na França e do qual Emile Magne destacou algumas expressões-chave, tais como: o homem da velocidade, a estética da velocidade e a bela e majestosa fúria metálica.⁶⁶ Graças ao motor a gasolina – e, sobretudo, ao automóvel, designado como a maior soma de destinos futuros entre todas as nossas invenções⁶⁷ – a maldição do Éden, segundo Morasso, seria anulada e não obrigaria mais o homem a ganhar o pão de cada dia com o suor de seu rosto. Como um primeiro representante do novo ideal heroico do homem moderno – o homem da velocidade –⁶⁸ Morasso atenta para o motorman (il wattman),⁶⁹ o homem do futuro em harmonia com sua máquina e controlando o tempo e o espaço, o homem que se sente enamorado de sua nova força, centuplicada pela máquina, o homem que carrega o sentido do recorde, da velocidade e do mundo inteiro.⁷⁰ Morasso reclama um lugar para esse novo homem nos domínios literários e artísticos.

    Em 1907, o Le Matin e o The New York Times organizam uma corrida automobilística de Pequim a Paris, corrida que, a exemplo de outras competições do gênero, suscita um enorme interesse. A história dos vencedores, Scipione Borghese e Luigi Barzini, conduzindo um Itala, é traduzida imediatamente em onze idiomas, um recorde que o próprio editor, Ulrico Hœpli, comenta no prefácio do livro.⁷¹ Não é de se estranhar que os autores de ficção científica inventem automóveis maravilhosos em suas obras, frequentemente cômicas. Yambo descreve a volta ao mundo de automóvel, feita pelo capitão Fanfarra, o mais ilustre automobilista do mundo,⁷² e Salgari conta-nos a história de uma viagem de automóvel ao Pólo Norte.⁷³

    Folheando os jornais, assim como as coletâneas de poesia da época, damo-nos conta que o automóvel abriu, a muitos jovens, as portas para o mundo da velocidade. Em 1905, Marinetti conclui seu poema A l’automobile (ver o capítulo seguinte). Eu sou a velocidade, canta a deusa automóvel num poema de Luc Durtain (1908), poema característico, se não do autor, ao menos da época.⁷⁴ É fato incontestável que o automóvel inseriu-se muito bruscamente na literatura e que um novo gênero romanesco rapidamente atraiu a atenção, a saber: os romances sobre automóvel. Um dos autores mais populares desse gênero especialmente cômico é Henry Kistemaeckers. As seguintes palavras de seus Comentários sobre a vida automóvel no início do século XX podem caracterizar o papel de primeira ordem desempenhado pelo automóvel naquela época: O automóvel, hoje em dia, mistura-se a tudo e a todos.⁷⁵ Mesmo autores literários bastante renomados cantam a glória do automóvel e louvam os heróis do novo esporte que estimulam a juventude. A beleza do automóvel que corre a toda velocidade é descrita em termos quase líricos, entre outros, por Paul Adam em 1907: É um adorno novo dos campos [...] Ele rola em sua nuvem como o carro do profeta Elias.⁷⁶ La 628-E8, epopeia automobilística escrita por Octave Mirbau em 1908, fornece-nos numerosos exemplos dessa sensação de velocidade encontrada em quase todas as obras do gênero, bem como do poder da velocidade em mostrar a realidade ambiente sob uma nova face:

    Seu (do homem) cérebro é uma pista sem fim onde pensamentos, imagens, sensações roncam e correm, à razão de cem quilômetros por hora. Cem quilômetros, esse é o padrão de sua atividade. Ele passa de rompante, pensa de rompante, sente de rompante, ama de rompante, vive de rompante. A vida, em todos os lugares, precipita-se, agita-se, animada por um movimento louco, um movimento de ataque de cavalaria, em disparada cinematográfica, como as árvores, as sebes, as paredes, as silhuetas que margeiam a estrada... Tudo ao redor dele, e nele, salta, dança, galopa, está em movimento, em movimento inverso ao seu próprio movimento.⁷⁷

    Aquele que aborda o conteúdo do livro em Marzocco chega à seguinte conclusão: Um tipo de locomoção impressionista deve produzir livros impressionistas [...] livros curtos em que se sente que o corpo do motorista não corre sozinho.⁷⁸

    De modo até então desconhecido, os homens movem-se, no início do século XX, verticalmente. A espeleologia, a oceanografia e o alpinismo fizeram progressos notáveis; citamos como exemplos o Duque de Abruzzi e o príncipe Alberto de Mônaco. É óbvio, no entanto, que devemos falar aqui, acima de tudo, dos tempos heroicos da aviação. Depois dos balões e dos zepelins, somamos os aviões, os quais despertam, em muitas pessoas, um entusiasmo sem igual. O céu está conquistado, A Inglaterra não é mais uma ilha etc., é o que pode ser lido depois do vôo memorável de Blériot. Em 1903, Orville Wright fica acima da Terra durante 12 segundos; em 1909, seu irmão Wilbur, que havia visitado a Europa no ano anterior, voa 124 quilômetros e, no mesmo ano, ocorrem na Itália as primeiras decolagens com passageiros. E, mais que tudo, Blériot atravessa o Canal da Mancha. Blériot atravessou o Canal da Mancha! [...] Subitamente, abandonamos a hipótese e o fato torna-se palpável! O fantasma se fez carne! [...] Tínhamos certeza de que o ar seria conquistado,⁷⁹ escreve Kistemaeckers em um de seus romances de aviação (outro novo gênero romanesco). Em 1910, Chavez cruza os Alpes. Os numerosos prêmios relacionados ao novo esporte (por exemplo, os de Gordon-Bennett, de Deutsch de la Meurthe e de Michelin) incitam aos recordes, acima de tudo aos recordes de velocidade. Blériot, em 1909, voa à velocidade de 75 quilômetros por hora e, em 1913, os 200 quilômetros por hora são ultrapassados. O otimismo é bastante ingênuo: em 1910, crê-se que a velocidade de dois quilômetros por segundo está dentro dos limites do possível e que essa velocidade será atingida dali a apenas alguns poucos anos.⁸⁰ Em altitude, ultrapassam-se, de avião, os 3.000 metros em 1910, e os 6.000 metros, três anos mais tarde.

    Os italianos são os primeiros a servirem-se do avião para a guerra, isto é, a Guerra de Trípoli, e durante a Guerra dos Bálcãs são feitas experiências na mesma área. A aviação, o esporte mais moderno, tem também seus heróis e seus mártires. Os nomes de Wright, Chavez, Ader, Delagrange, Farman e Blériot eram conhecidos de todos. Revistas de aviação são fundadas, conferências sobre aviação são feitas; o ensino regular de aeronáutica na Sorbonne é discutido, assim como as teorias aeronáuticas. Além disso, a Academia autentica a palavra aviador. Artistas e autores fazem seus primeiros vôos, como: Derain, Marinetti e d’Annunzio. Barzini testemunhou o entusiasmo deste último (1909): É uma coisa divina – andava repetindo – e, por ora, indescritível!⁸¹

    Depois dos gêneros romanescos dedicados à bicicleta e ao automóvel seguem-se os romances de aviação mais ou menos sérios. Desde 1912 a história dos romances de aviação é escrita⁸² e, em Marzocco, constata-se que os autores da época poderiam ser divididos em dois grupos: aqueles que utilizavam os aviões em suas obras e aqueles que não o faziam.⁸³ Em três livros de poesia naquele ano de 1912, dois, pelo menos, contêm um poema intitulado: ‘Conquista do ar’, ou, ainda, ‘O Avião’ ou ‘Aos Aviadores’, escreve Duhamel desdenhosamente.⁸⁴ Os autores de ficção científica, excelentes nas máquinas voadoras de todo tipo, inclusive os trens e os ônibus voadores, colecionam aviões maiores e mais rápidos do que os outros autores. A julgar pelas ilustrações, devemos reconhecer que a realidade foi ultrapassada por muitas fantásticas invenções imaginárias do pré-guerra. O aviador destemido faz-se um só com sua máquina e encarna o heroísmo moderno e fecundo,⁸⁵ tornando-se o herói da juventude. Conforme Kistemaeckers, o homem tornou-se, enfim, mestre do céu e do espaço,⁸⁶ após ter realizado o antigo sonho de poder transportar-se para onde bem lhe parecesse, em pouco tempo. Há também quem tire as seguintes conclusões a respeito dos autores romanescos e dramáticos:

    Afinal, é evidente que a unidade de lugar, cara aos clássicos e há muito estabelecida, sofre um ataque formidável da aviação. A facilidade de transportar-se em algumas horas de Paris a Roma ou a Berlim, de, em menos de um dia, poder estar no centro da África, torna plausíveis e necessárias, neste teatro do futuro, essas mudanças visuais e esses gigantescos deslocamentos de cena que, hoje em dia, são tolerados, no máximo, na mágica [...]⁸⁷

    Os futuros autores dramáticos, provavelmente aviadores eles próprios, farão, sem titubeios, desenrolarem-se os acontecimentos de um mesmo drama em Paris, em Pequim e no Pólo Norte! Muitos jovens, às vésperas da guerra, puderam evidentemente fazer coro com Kistemaeckers, que repete ao sujeito da nova era, o século das ‘asas’: E, vou dizer-lhes, outro mundo ainda vai nascer.⁸⁸

    Mesmo os meios de comunicação, no sentido restrito do termo, muito provavelmente contribuíram ao sentido global que se observa no início do século. Os trabalhos de Marconi despertaram, primeiro, a curiosidade, depois, o entusiasmo. Desde 1901, o contato entre a Inglaterra e o Mundo Novo foi estabelecido e, em 1907, 140 embarcações estão equipadas com o sistema Marconi, salvando, aliás, a vida de 1700 pessoas do naufrágio do República (em 1909) e de 700 pessoas após o desastre do Titanic. Em 1909, Peary telegrafa que conquistou o Pólo Norte e, nesse mesmo ano, o Prêmio Nobel é atribuído a Marconi. É obvio que Morasso não deixou de prestar homenagem a seu compatriota e falar, com entusiasmo, das comunicações ultra-rápidas da T.S.F., que chegavam com precisão aos seus destinos

    Seja a um quilômetro, seja nas antípodas, seja no meio do deserto tropical, tanto no gelo hiperbóreo quanto num navio em movimento, seja no topo dos Alpes, seja atravessando ou sobrevoando o imenso arco da terra e a curvatura gigantesca do mar [...]. E as nossas medidas do tempo, conquanto delicadas, são ainda tão grosseiras que não servem para exprimir a rapidez com que o milagre se efetua!⁸⁹

    Não é de se surpreender que os jornais franceses sintam-se orgulhosos em destacar que a distância de Washington a Paris havia sido coberta por uma onda emitida da capital francesa, a 66 milésimos de segundo.⁹⁰

    Morasso enxerga também as consequências para a imprensa moderna desde que os grandes jornais, graças ao telefone e ao telégrafo, puderam ser publicados simultaneamente em lugares diversos, bem distantes uns dos outros. E os jornais, por outro lado, não têm eles mesmos um caráter simultâneo? Em Paris-Midi pode-se ler em 1914:

    Abra bem um jornal. Imediatamente, dez, vinte acontecimentos diversos saltar-lhe-ão aos olhos de uma só vez. As duas linhas habituais da manchete do Paris-Midi não são a própria poesia simultânea? E o layout de certos grandes jornais matinais, quando ilustrados, não nos dá a impressão quase absoluta da simultaneidade?⁹¹

    Numerosos são os poetas que poderiam

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