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Técnica e criatividade: O trabalho analítico
Técnica e criatividade: O trabalho analítico
Técnica e criatividade: O trabalho analítico
E-book269 páginas3 horas

Técnica e criatividade: O trabalho analítico

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Sobre este e-book

Os temas mais atuais do campo da técnica psicanalítica, como aqueles da modalidade interpretativa, do fim de análise, da contribuição dos dados do paciente em cada estágio da análise, são aqui aprofundados através do uso do material clínico, o mais importante instrumento de comunicação capaz de evitar a dificuldade de entendimento.



O onírico é considerado o momento básico do trabalho psicanalítico. O onírico vai além do sonho, está presente como contínua atividade da mente e que consente se transformar em pensamento e emoção que estimula tanto o mundo interno quanto o externo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de set. de 2022
ISBN9786555064841
Técnica e criatividade: O trabalho analítico

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    Técnica e criatividade - Antonino Ferro

    Técnica e criatividade

    TÉCNICA E CRIATIVIDADE

    Conselho editorial

    André Costa e Silva

    Cecilia Consolo

    Dijon de Moraes

    Jarbas Vargas Nascimento

    Luis Barbosa Cortez

    Marco Aurélio Cremasco

    Rogerio Lerner

    TÉCNICA E CRIATIVIDADE

    O trabalho analítico

    Antonino Ferro

    Tradutora

    Marta Petricciani

    Técnica e criatividade: o trabalho analático

    Título original: Tecnica e creatività: Il lavoro analitico

    © 2006 Antonino Ferro

    © 2022 Antonino Ferro

    Editora Edgard Blücher Ltda.

    Publisher Edgard Blücher

    Editor Eduardo Blücher

    Coordenação editorial Jonatas Eliakim

    Produção editorial Thaís Costa

    Preparação de texto Ana Maria Fiori

    Diagramação Guilherme Henrique

    Revisão de texto Sabrina Inserra

    Capa Leandro Cunha

    Imagem da capa IStock

    Aos meus pacientes, aos meus supervisionados, aos participantes dos meus grupos clínicos, que me inspiraram estes pensamentos, fruto constante de uma coconstrução.

    Conteúdo

    1. Roteiros e cenografias

    Abertura de mundos possíveis

    As supervisões em chave

    Como falar para ser compreendido

    2. Digressões sobre a interpretação

    Os medos de Martino

    Que tipo de direção para Licia

    A água viva de Duilio

    A matrioska de Maura

    3. Psicossomática ou metáfora: problemas do limite

    Do que podemos ter certeza

    O que podemos somente conjeturar (e de forma otimista)

    4. As homossexualidades: um campo a ser arado

    O que falta para Dino?

    A chupeta de Fabrizio

    O laço de Martino

    Os atrativos de Mario

    O negro de Giulio

    A tristeza de Pino

    A droga de Domenico

    Uma neblina para Emanuelle

    O sossego de Cristiana

    Os afagos de Mariella

    5. Um modelo da mente e suas implicações clínicas: como voltar atrás para seguir em frente

    Laura e os pictogramas

    Paola e a mente do outro

    Sara e os barulhos do andar de baixo

    Carmen e os abortos

    O recém-nascido de Stefano

    A criança autista de Sandra

    Andrea e a voltagem tolerável

    6. Instruções para navegantes e náufragos: sinalizações a partir do campo analítico e transformações emocionais

    A cadeira de rodas de Stefano

    Um dente de cada vez

    7. A resposta do paciente à interpretação e acontecimentos do campo

    A escuta do paciente

    Uma doença chamada interpretação de transferência coacta

    Verdade da autobiografia e mentiras da psicanálise

    8. Términos de análise ortodoxos e heterodoxos

    A última sessão de Tibério

    Cerzir: o longo caminho de Luigi

    O balanço de Francesca

    9. Narcisismo e zonas de fronteira

    Muitas vacas sem um cavalo: um aspecto do narcisismo

    Em direção à possibilidade de pensar as emoções: Marcello

    Complexo de afabilidade, simbiose e narcisismo

    Bibliografia

    Pontos de referência

    Capa

    Página Inicial

    Página de Direitos Autorais

    Dedicatória

    Sumário

    Bibliografia

    1. Roteiros e cenografias

    Para começar, gostaria de destacar a grande interdependência que há entre o funcionamento mental do paciente e o do analista, sublinhando o quanto este último codetermina o campo, seus movimentos, turbulências e situações de impasse. São referências implícitas a este capítulo todos os meus trabalhos sobre o campo desenvolvidos ao longo destes anos, aqueles sobre o desenvolvimento do pensamento de Bion, e alguns conceitos da narratologia que não podem ser estranhos a uma reflexão sobre modelos da psicanálise.

    Do meu ponto de vista, há uma constante atividade de rêverie de base, que é a maneira como a mente do analista continuamente acolhe, metaboliza e transforma o quanto chega do paciente como estimulação verbal, paraverbal, não verbal. A mesma atividade de rêverie opera no paciente, em resposta a toda estimulação, interpretativa e não, proveniente do analista. O objetivo da análise é, em primeiro lugar, desenvolver esta capacidade de tecer imagens (que permanecem não passíveis de serem conhecidas diretamente). O acesso a tais imagens pode ser indireto, por meio dos derivados narrativos do pensamento onírico de vigília, como veremos mais adiante. Esta atividade de rêverie de base é o fulcro de nossa vida mental, e de seu funcionamento/disfuncionamento dependem a saúde, a doença ou o sofrimento psíquico.

    O mesmo vale para a existência de uma contínua atividade de identificações projetivas de base, que são o indispensável disparador de qualquer atividade de rêverie. Há situações nas quais estão presentes manifestações de rêverie explícitas e significativas, mais frequentemente no registro do visual, mas naturalmente não somente neste.

    Uma reflexão à parte merecem todas as situações nas quais há um excesso de sensorialidade, claramente superior às capacidades digestivo-transformador-figurativas da mente. Há infinitas possibilidades em relação a isso:

    os abusos sexuais em idade infantil, em que o problema não é somente aquele relativo à sexualidade, mas também o de ativar mais sensorialidade (agradável-dolorosa-violenta) do que é possível administrar;

    podem igualmente existir, na infância, abusos de outro tipo, por exemplo – com a melhor das intenções –, nos departamentos de patologia neonatal hipermedicalizados nos quais não são permitidas aquelas soluções-tampão representadas pela presença dos pais, pela capacidade destes de realizar – pelo menos em parte – aquelas funções digestivo-transformadoras que a mente da criança (frequentemente prematura) não pode realizar.

    No fundo, há uma vastíssima gama de situações nas quais está em jogo a ativação de uma sensorialidade que prevarica sobre as capacidades da mente de figurá-las, sonhá-las e, portanto, esquecê-las. Desde situações de catástrofes até situações de impactos protoemocionais muito intensos, inclusive a tortura. Isto posto, vejamos como podem ser ativadas as mais variadas defesas em relação a esta prevaricação sensorial, defesas que vão desde o autismo (como extrema defesa da mente em seu desmantelamento, uma espécie de suicídio mental para sobreviver) até formas extremas de narcisismo, recusa e cisão: no fundo, o próprio suicídio é a defesa extrema em relação a inundações de angústia e dor impossíveis de serem metabolizadas. Este excesso poderia levar a doenças psicossomáticas e não somente a narrações de doenças psicossomáticas ou a narrações de doenças? É o que tentaremos ver mais adiante.

    Abertura de mundos possíveis

    O bosque de Saverio

    Saverio é uma criança de 8 anos descrita pelos pais como frágil e vulnerável. A mãe relata que, tendo-lhe dado de presente uma caixinha e perguntado o que teria colocado nela, Saverio, para seu espanto, havia respondido: O perfume do bosque.

    O pai se apresenta deprimido, a mãe hipomaníaca.

    A terapeuta que traz este caso em supervisão descreve Saverio como frágil, mas muito ágil, e tem a vivência de não o encontar, de não saber nunca onde está, pois salta de um ponto a outro da sala.

    Saverio começa logo o jogo do camaleão que combate e vence todos os inimigos desaparecendo: esta parece, justamente, sua estratégia de vitória, tornar-se invisível, desaparecer da atenção, fazer jogos repetitivos que não permitem nenhuma brecha.

    Os inimigos são desenhados, uma vez, como presenças que dão medo (Figura 1.1).

    Outra vez, são representados em um desenho como espadas e bombas. Os inimigos a serem evitados parecem mesmo as emoções ativadas pelo encontro com o Outro, emoções que despedaçam, que dilaceram: é necessário evitar ao mesmo tempo os encontros e as emoções por eles geradas.

    Estes inimigos, conta Saverio, estão muito longe, na América do Sul, na Suécia (e, portanto, não podem ser alcançados com a interpretação clássica).

    Seu saltitar físico, seu saltitar de um desenho-borrão a outro parecem fazer parte, justamente, da estratégia do Camaleão-Zelig, que é impossível pegar.

    Um dia, inesperadamente, faz um relato a respeito de uma guerra das tampas, em que uma tampa amarela sempre vence todas as outras tampas, que são burras, mas estas estão se organizando para descobrir as estratégias da tampa amarela e encontrar a forma de poder competir melhor com ela. Parece perceber que, apesar de vencer sempre a terapeuta utilizando a estratégia do camaleão, esta não se sujeita passivamente à derrota, mas estuda um possível caminho de contraste ou de alternativa em relação ao camaleão.

    Saverio, na sessão, agora traz revistinhas, faz desenhos que são cada vez mais borrões indecifráveis, deixando passar o tempo disponível. A estratégia do camaleão paralisou o campo, o problema de Saverio, criança adequada sem emoções, tornou-se o problema do campo.

    O campo adoeceu da doença de Saverio.

    É a partir daqui que a mudança e a transformação podem começar, partindo de estratégias muito diferentes, desde a mais clássica de mostrar o controle que Saverio exerce, chegando a impedir à terapeuta qualquer atividade de pensamento, até a mais descritiva de mostrar como deixa passar o tempo sem que possa ou deva acontecer nada, ou a mais diretamente relacional me parece que você se comporta na sala como se eu não existisse ou fosse muito perigosa, ou então aproximar-se do terror do camaleão, que sempre precisa se mimetizar por medo de ser dilacerado pelo bico das aves de rapina ou pelas palavras da terapeuta. Todas essas opções levariam ao desenvolvimento de diferentes histórias possíveis.

    Figura 1.1

    Porém, há um outro caminho: o de contribuir para mudar as coordenadas emocionais-climáticas do campo, razão pela qual Saverio não teria mais necessidade de fazer o papel do camaleão.

    Sou conduzido a esta opção por uma imediata associação com o livro de Ferrandino, Saverio do noroeste, em que é descrita a apaixonante história de um garoto que precisa sobreviver em uma floresta na fronteira do Canadá, enfrentando todo tipo de dificuldade, até mesmo uma luta violenta com uma águia que o fere, mas a qual ele vence, para não mencionar a luta com um terrível urso que acordou da hibernação, além das adversidades climáticas.

    Desta forma, abre-se aos meus olhos, e depois aos da terapeuta, este outro bosque de Saverio, do qual havia permanecido vivo somente o perfume, guardado na caixinha, enquanto todo o resto havia sido como liofilizado ou, melhor ainda, cindido e enviado a uma distância enorme, ainda que continuasse pressionando continuamente para retornar ao campo, fazendo com que Saverio atuasse constantemente com defesas de evitação.

    Na realidade, é como se a mãe de Saverio tivesse podido colocar à disposição do filho nada mais do que uma pequena caixinha-mente que podia conter somente o perfume do bosque e não todos os outros moradores.

    Abre-se assim, com Saverio, uma história do bosque, justamente a partir da caixinha com perfume, que progressivamente será ampliada graças ao trabalho na sala de terapia (Ambrosiano & Gaburri, 2003).

    No fundo, há uma necessária oscilação entre criatividade e técnica C ↔ T: uma está a serviço da outra; há momentos em que a técnica prevalece, com diferentes opções possíveis, outros em que a rêverie, a fantasia, prevalece, e estes são momentos muito fecundos, que permitem novas e imprevistas aberturas de sentido. Naturalmente, estas últimas são específicas da dupla e fazem com que a terapia caminhe naquela direção e não em outras, e não seriam possíveis com terapeutas diferentes, que teriam outras rêveries e abririam diferentes mundos possíveis.

    Naturalmente, é necessário e ético que a abertura de mundos se dê a partir dos ingredientes emocionais trazidos pelo paciente, e que não haja abertura de mundos que prevariquem e alterem os protonarremas do paciente.

    Uma escolha interpretativa mais técnica é mais segura, mas frequentemente menos fértil. Uma opção mais criativa tem mais riscos de derivas subjetivas, mas pode abrir espaços antes impensáveis. É claro que a subjetividade do analista (Renik, 1999) tem um peso enorme, exatamente em relação à sua possibilidade de ser ele mesmo e criativo, ou à necessidade de ser como um camaleão com uma teoria que o salvaguarde do risco de pensar de forma original.

    Bion dizia que o pensar é uma função nova da matéria viva e por isso é complexo e difícil. Na história da psicanálise, encontramos geralmente analistas muito criativos que permitiram que tanto as teorias como a teoria da técnica dessem saltos – basta pensar em Klein ou em Bion – e que foram contestados durante a vida para sucessivamente se tornarem modelos a serem imitados. É como se na pintura fosse contestado cada pintor com uma técnica e uma poética próprias, para depois serem aceitos pelas academias os trabalhos à maneira de. No nosso específico, isto acontece frequentemente nos centros de psicanálise e, mais ainda, nos institutos de psicanálise, toda vez que prevalece um conformismo cinzento e o alarme pela originalidade criativa. Não há estudante (e, eu acrescentaria, docente) de psicanálise que se possa eximir – a esse respeito – da leitura do artigo de Otto Kernberg (1998/1999) sobre as trinta maneiras de impedir o desenvolvimento da criatividade nos jovens analistas.

    A escuta malograda

    Um paciente grave fala com sua terapeuta, aliás, dirige-lhe perguntas em relação às suas ansiedades e ao pânico.

    Esta, em vez de ajudá-lo a desenvolver o tema do dia (ansiedade e pânico), defensivamente faz uma espécie de descrição pedagógica das características dos ataques de pânico.

    O paciente responde falando da raiva que sentiu em relação ao instrutor da autoescola, chegando até a querer bater nele. Logo depois, diz que quando se olha no espelho se vê diferente de quando era menor, especialmente após o recente acidente com a moto. Depois fala dos abusos que sofreu, das denúncias que gostaria de fazer.

    Toca o celular da terapeuta, ele a convida a responder, a terapeuta o desliga e coloca sobre a mesa.

    Ele pergunta: Posso vê-lo?, a terapeuta responde não, logo depois ele fala de uma doutora que ele odeia: eu confiava nela, mas agora não confio mais. Por último, diz diretamente à terapeuta que gostaria que ela fosse mais humana, que talvez pudessem ir até o bar tomar alguma coisa juntos.

    A terapeuta responde falando do setting.

    Esta sessão me parece exemplar para mostrar uma contínua série de mal-entendidos, de rupturas da microcomunicação e de contínuas tentativas (não recolhidas) por parte do paciente para colocar a bola novamente em campo.

    O paciente propõe um tema: o pânico.

    A terapeuta se subtrai.

    O defender-se e o não estar disponível da terapeuta ativam a ira em relação ao instrutor da autoescola, pois ela, de fato, falha em sua tarefa (ensinar-lhe a dirigir nos meandros das suas emoções).

    Sucessivamente, o paciente faz uma reflexão de como, neste ponto da sessão, ele se sentia diferente de quando entrou (quando eu era menor), e isto após o acidente (o não acolhimento). Está cheio de raiva, de ira, transformado e irreconhecível. Logo depois, relata o quanto se sente abusado pela falta de escuta e pelas emoções que este fato ativou dentro dele. Espera depois que a terapeuta responda à chamada, que se torne disponível à escuta, e mais uma vez ela responde não.

    Ocorre a perda da esperança e da confiança na possibilidade de se perceber ouvido e, mais uma vez, o paciente volta a tentar, desejando uma maior humanidade e simplicidade do encontro (ir juntos ao bar), mas a terapeuta considera a comunicação ao pé da letra, defendendo-se de um relacionamento mais humano e acolhedor (Bolognini, 2002).

    As supervisões em chave

    Uma das formas mais construtivas e vivas para relacionar com os casos trazidos em supervisão é a de considerar o caso apresentado, seja de supervisão individual, seja de grupo, como um livro policial. Melhor ainda seria usar a terminologia inglesa de mystery e considerar tudo o que é apresentado como indícios, como achados altamente significativos. Isso pressupõe zerar todo e qualquer conhecimento psicopatológico e proceder como o tenente Colombo ou o comissário Maigret em busca da chave do caso, quase sem dar na vista. Nesta ótica, não há nunca casos banais, ou repetitivos, ou conhecidos desde o início.

    Naturalmente, esta abordagem é ainda mais criativa e rica em grupo, porque neste caso temos à disposição aquele aparelho de amplificação que é o próprio grupo e sua função y, para usar a terminologia de Corrao (1981).

    O antídoto da senhora Carla

    O caso é apresentado desta forma: Carla, uma mulher de 45 anos, faz uma terapia por decisão judicial.

    Relata ter sido sempre rejeitada pelos pais, sendo o irmão o preferido. Tem dois filhos: o primeiro, que ela rejeita porque nasceu não programado; o segundo, que sofre de refluxo esofágico e não retém nada, cospe veneno.

    O sintoma predominante de Carla é a bulimia e o consequente vômito constate.

    Depois que a terapeuta desmarcou uma sessão, Carla relata que vomitou muito, que sua casa lhe pareceu apertada, mas que agora só quer vestidos curtos e apertados, que colocaria fogo na casa, que nada do marido lhe importa. Gosta de ir ao bar, jogar cartas, empanturrar-se. Depois diz que só pode manifestar 2% de si mesma e que gostaria de vomitar na cabeça do marido.

    Naturalmente, infinitos seriam os percursos de significado sobre estas poucas comunicações, mas me parece que uma primeira gestalt é a da temática da incontinência. Especialmente – eis a chave –

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