Como ajudar uma pessoa com depressão
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Como ajudar uma pessoa com depressão - Felippe Borges
Prefácio
A primeira coisa que costumamos fazer quando nos apresentamos é dizer os nossos nomes. Imediatamente depois, costumamos completar com nossas profissões. Assim, permita-me que eu me apresente à moda antiga. Oi, meu nome é Felippe. Felippe Borges, para ser mais preciso. Eu sou psicólogo.
Se você quer saber, eu amo a psicologia, mas nem sempre quis ser psicólogo. Quero dizer, qual criança do planeta gostaria de ser um psicólogo?
Na minha época – e mesmo hoje, sendo sincero – não existiam séries de TV, filmes ou desenhos que retratassem o papel do psicólogo como algo, digamos, surpreendente ou essencial.
O meu primeiro contato com a psicologia se deu assistindo ao desenho do Charlie Brown (ou Peanuts, se preferir) em algum canal de programação infantil no início dos anos 2000.
Em um dos episódios que ficaram vivos em minha memória, Charlie Brown está melancólico ao visualizar sua lista de metas do ano e não ter nenhuma delas preenchida. Sem saber o que fazer e afoito para completar ao menos alguns dos itens do seu checklist, Charlie Brown busca um conselho de Lucy, que oferece sessões e conselhos psiquiátricos por míseros cinco centavos na esquina da sua rua.
A solução que Lucy propõe a Charlie Brown é simples, mas certeira: abandone as metas impossíveis e abrace metas mais realistas para a sua vida. Faz sentido, certo? Não para Charlie Brown, que continua melancólico, pois agora tem uma lista enorme de atividades realistas que, pela quantidade, tornaram-se irreais novamente.
Essa situação retirada de Charlie Brown é um exemplo bem-humorado, mas, é claro, um tanto caricaturizado do papel de um psicólogo ou de um psiquiatra. Aqui, Lucy é apresentada como a dona da verdade, uma espécie de guru espiritual que oferece os melhores conselhos a troco de algumas moedas. E, se você não melhorou com seus ensinamentos, bom, aí a culpa é sua.
Não quero trazer a responsabilidade de um tratamento fiel da atividade clínica para um desenho infantil, mas sugiro um exercício de meditação: você consegue citar mais de dois ou três exemplos de produções culturais que valorizam o papel de uma terapia?
Hoje em dia, encontrar esses exemplos se tornou mais fácil. Existem mais filmes e séries de televisão que retratam a psicologia longe de estereotipias ou preconceitos, como, por exemplo, a série Psi, do psicanalista Contardo Calligaris, ou Sessão de Terapia, produzida por Selton Mello. Essas séries contribuem para a elevação e democratização da psicologia no imaginário popular, mas ainda não são suficientes para alterar os mitos que cercam a profissão. A verdade é que falar sobre saúde mental ainda é um grande tabu.
A psicóloga Lori Gottlieb relata de forma bem-humorada em seu livro Talvez Você Deva Conversar com Alguém a história de um paciente que tinha dificuldades de se abrir com a sua esposa. O curioso dessa história narrada por Gottlieb é que o paciente conseguia dizer e dividir abertamente com a mulher todos os seus problemas, inclusive os frequentes distúrbios intestinais (leia-se: diarreia). No entanto, de forma alguma ele conseguia se manifestar a respeito de suas ansiedades e temores provenientes da sua condição mental.
Expor para alguém nossas vulnerabilidades, mesmo que essa pessoa seja a nossa própria esposa, pode ser um pesadelo para alguns. Diante das inúmeras responsabilidades da vida e das pressões da rotina, falar sobre sentimentos tornou-se algo supérfluo. Charlie Brown consultando Lucy não passa de uma caricatura. Mas é preciso mudar isso.
Na minha família, sempre foram contadas histórias de tios ou parentes que, a partir de determinado acontecimento em suas vidas, abandonaram relacionamentos, empregos ou atividades de lazer de forma repentina e permanente.
Um dos exemplos marcantes e que sempre era assunto nas rodas familiares era o do meu falecido tio Leonardo.
Leonardo era um típico trabalhador do centro de São Paulo. De segunda a sexta, trabalhava como servente de pedreiro para um escritório de engenharia da região. Aos finais de semana, fazia alguns bicos também como pedreiro para complementar a renda. Para lidar com a tensão da sua rotina, Leonardo tinha como válvula de escape seus amigos, a música e a bebida – esta para o terror da minha tia, é claro.
A vida boêmia e trabalhadora de Leonardo, porém, um dia chegou ao fim: uma consequência da diabetes que carregava desde pequeno o obrigou a amputar parte de sua perna.
O corte seria apenas abaixo do joelho, dizia o médico com seu jaleco branco para tentar acalmar um pouco Leonardo. A tentativa do médico de tranquilizar paciente e família não tornou as coisas menos difíceis. Do dia para a noite, todo o estilo de vida de Leonardo mudaria completamente.
Leonardo, é preciso dizer, nunca foi chegado em ir ao médico. Mesmo cansado ou doente, preferia permanecer em casa e esperar que o tempo (e Deus
, como dizia) resolvesse seus problemas.
Leonardo se juntou ao número gigantesco de homens que não realizam exames médicos. Enquanto as mulheres demonstram cuidado maior em relação à saúde, parte dos homens teme que ir ao médico ou buscar ajuda signifique fraqueza ou perda de virilidade (AGÊNCIA EINSTEIN, 2020).
Conta-se que, depois da cirurgia, Leonardo nunca mais foi o mesmo. Mesmo recebendo apoio emocional e financeiro de familiares, o jovem boêmio e trabalhador foi aos poucos definhando. Para piorar ainda mais a situação, em poucos meses após a cirurgia, sua esposa o deixou por não conseguir suportar o novo estilo de vida da família.
Quando eu nasci, já tinham se passado alguns anos desde que Leonardo havia amputado sua perna. Eu nunca conheci meu tio boêmio, trabalhador e amante da música. O Leonardo que eu conheci era um que não saía de casa, que vivia reclamando do barulho feito pelos sobrinhos e que, em suma, gostava de ficar só, lendo jornal ou assistindo à televisão.
Entre meus primos, gostávamos de fazer piadas sobre meu tio e desabafar o quanto o achávamos preguiçoso e resmungão. Alguns familiares concordavam com nossa visão infantil (por sinal, também resmungona) entre risadas tímidas.
Naquela época, eu não tinha conhecimento do que seria um transtorno mental – e eu chuto que ninguém na minha família também o tivesse.
Meu tio faleceu aos 55 anos, vítima de um infarto. Sua filha diz que ele morreu de desgosto.
Olhando pela perspectiva de hoje, é possível dizer que o que houve com Leonardo foi uma série de processos de luto – um seguido do outro. É comum que associemos o luto à morte literal, mas o luto também pode ser simbólico. No caso de Leonardo, o luto se deu em relação a seu corpo como o conhecia, sua profissão, seus amigos e seu relacionamento amoroso.
Passar por um processo de luto nunca é fácil e eu não consigo imaginar como foi estar na pele do meu tio. Quero dizer, eu até imaginava.
Hoje, profissional da área da psicologia e olhando por outra perspectiva, já consigo afirmar que a sucessão de lutos que Leonardo enfrentou culminaram no desenvolvimento de sinais muito típicos de um quadro depressivo.
Um antigo professor de psicanálise, certa vez, ao explicar sobre a formação da personalidade, disse que o grande trunfo do ser humano é o de funcionar como uma esponja. Essa capacidade, dizia, permitiu o desenvolvimento e a manutenção da espécie humana até os dias de hoje, mas nem sempre trouxe coisas positivas.
Em outras palavras, o que esse professor quis dizer é que absorvemos comportamentos positivos do ambiente que nos cerca, como a linguagem, estratégias de sobrevivência ou mesmo gostos em particular. O lado negativo é que também absorvemos desse mesmo ambiente comportamentos inadequados e preconceitos que, é preciso dizer, não são inatos, mas formados social e culturalmente.
Acredito fortemente que, caso eu tivesse naquela época em que convivi com o meu tio uma educação em psicologia ou em saúde mental, as coisas seriam um pouco diferentes.
Não quero dizer de forma alguma que a partir de uma educação em saúde mental Leonardo deixaria de sentir dores e angústias relacionadas aos lutos que passou.
No entanto, caso eu e minha família tivéssemos uma visão globalizada da sua situação, teríamos tratado-o, no mínimo, com menos condescendência, pena ou irritação, e mais empatia e respeito.
Pensando de maneira bastante otimista, teríamos dado mais abertura para que a voz pudesse emergir daquele sujeito calado e os seus sonhos e desejos pudessem ser remodelados ou reconstruídos – que a dependência, de alguma forma, pudesse dar espaço para a autonomia.
Meu objetivo com este texto está longe de fazer um julgamento moral em relação ao modo como eu lidei mal