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O Manuscrito De Jano Barbo
O Manuscrito De Jano Barbo
O Manuscrito De Jano Barbo
E-book313 páginas4 horas

O Manuscrito De Jano Barbo

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Sobre este e-book

O Manuscrito de Jano Barbo é uma oportunidade como poucas de se divertir, aprender e se emocionar. Assim, navegue junto com a Ana, a bela restauradora de livros e os seus alegres amigos em uma emocionante investigação para desvendar o misterioso desaparecimento de um valioso e raro manuscrito do século XVI. Conheça com ela a impressionante vida de Jano Barbo e as suas apaixonantes aventuras amorosas, suas viagens em perigosíssimas terras desconhecidas, suas ariscadas buscas por tesouros lendários e povos desconhecidos, em uma época em que o mundo dobrou de tamanho . Veja, também, os bastidores das grandes viagens exploratórias do século XVI e as fundações de futuras grandes cidades como São Paulo, Buenos Aires e Assunção. Se encante com os detalhes impressionantes dos primórdios do Brasil, quando ele ainda não era Brasil e conheça os seus primeiros habitantes europeus, tais como: o Bacharel de Cananeia, o Aleixo Garcia,, o Caramuru, o Adão de Pernambuco e tantos outros. Descubra lugares que tinham nomes exóticos e hoje são famosos, tais como: o Rio Maranon, o Porto dos Patos,o Porto dos Perdidos, a Ilha de Maratayama, de Guaimbê, de Goyanó e tantas outras. E, por fim, emocione-se com o eletrizante final desta história
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de abr. de 2017
O Manuscrito De Jano Barbo

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    O Manuscrito De Jano Barbo - Darci Men

    O Manuscrito de Jano Barbo

    O Brasil, antes de ser Brasil

    Por Darci Men

    - 0 -

    São Paulo – SP

    Primeira Edição

    Edição do Autor

    Abril de 2017

    Ficha cartográfica

    Projeto e autoria: Darci Men

    Revisão e diagramação: Jorge P. S. Silva

    Fotos e ilustração: Darci Men

    Capa: André Inocêncio

    ISBN:

    Observação importante: Esta é uma obra essencialmente de ficção e foi criada para o entretenimento como estímulo à leitura, à cultura e ao conhecimento. Mesmo assim, por abordar fatos históricos, poderão ocorrer coincidências com nomes, datas, fatos ou lugares.

    Direitos Reservados: Todos os direitos foram reservados, ficando proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem a prévia autorização do autor.

    Outros Esclarecimentos: Foram empregados muitos esforços, técnica, zelo e, acima de tudo, muito carinho na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou mesmo dúvidas consensuais. Em quaisquer das hipóteses, solicito a comunicação para que se possa corrigi-los ou até mesmo esclarecê-los. Assim, antecipadamente agradeço qualquer colaboração.

    Darci Men – ([email protected])

    ________________________________________________________

    C:\Users\Darci\Pictures\Cidade de Guia.JPG

    Pensamentos

    A história é uma criação contínua da vida e precisa ser uma ressurreição de fatos, ou não será história, mas apenas um mero cadastro.

    Darci Men

    Não tem conta o número de respostas que só está a espera das perguntas.

    José Saramago

    _________________________________________________

    Agradecimentos

    Preciso agradecer a muita gente, mas, infelizmente, não tenho como citar nominalmente todas elas. Não sem cometer alguma injustiça.

    Entre essas pessoas estão os meus parentes, amigos, companheiros, fãs, leitores e afins que, de uma maneira ou de outra, contribuíram para que esta obra se tornasse uma realidade. Apenas quero destacar os colegas do Café História, cuja participação foi decisiva na elucidação de vários episódios históricos constante neste livro e, para todos, sem qualquer distinção, deixo aqui a minha eterna gratidão.

    No entanto, dentre todos, não poderia nunca deixar de mencionar a minha querida e amável esposa Angélica e os meus adoráveis e estimados filhos Fernando, Karina e Aline, que tanto fizeram e ainda fazem para que eu pudesse contornar as minhas horas mais difíceis. É para todas essas pessoas que dedico carinhosamente este livro.

    Do fundo do meu velho e remendado coração, os meus mais sinceros agradecimentos.

    Darci Men

    ________________________________________________________

    SUMÁRIO

    CAP. HISTÓRICO PAG.

    I Breves notas do Autor 006

    II Prólogo, a restauradora 010

    III O Sequestro 036

    IV A sereníssima Veneza e o Saque de Roma 054

    V A terra dos Irmãos Pinzón 089

    VI A Lenda do Rio da Prata 111

    VII O Misterioso Bacharel de Cananéia 124

    VIII A Expedição de Martin Afonso de Souza 147

    IX A Guerra do Iguape 174

    X A Grande Armada de Pedro de Mendoza 183

    XI A Fundação de Buenos Aires e Assunção 195

    XII O Caramuru e o Adão de Pernambuco 211

    XIII São Paulo e a França Antártica 234

    XIV Guiando a Expedição Sanabria 242

    XV Epílogo – A grande revelação 258

    ________________________________________________________

    I - BREVES NOTAS DO AUTOR

    C:\Users\Darci\Pictures\Fotos - Fam. depois de 2.000\Men, Darci.JPG

    Ao longo da nossa vida convivemos com muitas narrativas, isto é, quando pequenos, nos contam as histórias das nossas famílias, dos nossos amigos, dos grandes heróis, de grandes aventuras, dos mundos fantásticos, de Deuses bondosos e de Diabos cruéis, entre tantas outras. Quando adultos, as histórias não mudam muito, apenas são mais elaboradas e mais reais, onde, mesmo assim, continuamos a nos deparar com mundos maravilhosos e outros nem tanto.

    O que nem sempre percebemos é que são essas histórias que nos ajudam a entender o que é a vida. Talvez por isso, no meu caso, escrever tornou-se um exercício de altruísmo. Portanto, enquanto puder fazer isso e colocar no papel aquilo que aprendi, terei a certeza que alguém, em algum lugar, aprenderá algo comigo.

    Assim, feliz da vida, apresento-lhes meu novo livro e aproveito para fazer alguns esclarecimentos sobre ele.

    O Manuscrito de Jano Barbo é uma obra complexa, mas fácil de ser entendida. Resumidamente, o livro conta a saga de uma bela restauradora de livros e dos seus inseparáveis amigos.

    O alegre grupo se une na busca de uma explicação para o desaparecimento de um valiosíssimo Manuscrito do século XVI. Nessa busca eles descobrem que esse raríssimo documento é uma bela obra literária, onde o seu autor relata a sua atribulada vida, seus amores, sua participação em grandes batalhas, os grandes personagens da época, as grandes navegações, as arriscadas buscas por lendários tesouros e os impressionantes fatos e curiosidades vividos por ele. Enfim, um registro de grandes aventuras, por um ângulo diferente, em uma época sem igual para a humanidade, principalmente para nós brasileiros, já que mostra um retrato do Brasil pouco conhecido, isto é, quando o Brasil ainda não era o Brasil, ao mesmo tempo em que mostra o incrível "século em que o mundo dobrou de tamanho".

    Assim, percebe-se tratar-se de uma obra de ficção história. Esse tipo de literatura alia fatos reais com ficcionais, ou como bem definiu o ilustre escritor e filósofo Paul Ricoeur: a ficção é quase uma história e a história é quase uma ficção.

    Nos últimos tempos intensificaram-se os debates e as reflexões a respeito de obras deste tipo e é por esse motivo que faço esses comentários. No entanto, a discussão já é antiga, ou seja, Aristóteles, na sua obra Poética, estabeleceu uma distinção simples para isso: segundo ele, historiador é aquele que escreve sobre o que aconteceu; já o poeta escreve sobre o que poderia ter acontecido. Mas a questão não era, e continua não sendo, tão simplista assim! Ora, a história em si jamais reivindicou o status de ciência pura, pois ela depende tanto de métodos intuitivos, quanto analíticos. Uma prova disso é que o próprio Heródoto, considerado o pai da história, também já foi acusado de influenciável, impreciso e plagiário. Mesmo sendo ele o autor da obra considerada um marco da historiografia, ou seja, os famosos livros sobre as Guerras Médicas (os Persas eram chamados de Medos), e foi em um desses livros que ele relatou a Batalha das Termópilas (que inspirou o filme 300, aquele em que o brasileiro Rodrigo Santoro faz o papel do poderoso e enigmático rei Persa Xerxes I), pois então, mesmo assim, ele não passou incólume.

    Diante de tudo isso, aquela distinção simplista de Aristóteles se quebra ou fica frágil quando admitimos que o historiador, por registrar fatos passados, só pode registrar aquilo que chega até ele, não a realidade absoluta, ou como disse Nietzsche: o fato não existe, o que existe é a versão do fato. Verdade! Pois a história está cheia de fatos ditos como verdadeiros e depois se descobre que não é bem isso. O próprio descobrimento do Brasil é um deles!

    Portanto, a história e a literatura (leia-se ficção) são formas distintas, porém muito próximas e, na literatura moderna, pode-se dizer sem medo de errar, que estão mais próximas do que nunca. Garcia Márquez, Nobel de Literatura de 1982, discutindo o tema, teria dito: muitas vezes os artistas não precisam inventar muito; ao contrário, o desafio é tornar verossímil a realidade. O ilustre Machado de Assis teria afirmado: a história é volúvel com capricho de dama elegante, e há tempos que essa dama elegante vive um dilema: como se deixar levar a outros caminhos sem perder o próprio? Será que, se a história aceitar o seu lado volúvel e renovar parcerias, o rumo não fica mais claro? Já o premiado escritor argentino Tomás Eloy Martínez, também deu a sua pitada: o gelo dos dados históricos se dissolve com o Sol da narração.

    Pessoalmente entendo que a história é um misto de ciência e arte e a associação dela com a ficção, não resulta em descrédito da primeira; pelo contrário, pois ajuda na sua divulgação e estimula o debate e a procura das suas verdades. Que o diga Dan Brown e o seu famoso "O Código Da Vinci". Nunca na historia da literatura moderna uma obra foi tão comentada e discutida.

    Todos nós que apreciamos um bom livro, já nos deparamos com uma ficção histórica: quem nunca leu ou ouviu falar em O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, em Ivanhoé, de Walter Scott, em Guerra e Paz, de Liev Tolstói, nos Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, em O Nome da Rosa, de Umberto Eco? Isto só para citar algumas das centenas e centenas de grandes obras de sucesso dessa categoria, isto é, sem contar a maior e a mais lida de todas elas, a própria Bíblia.

    Finalmente, esclareço que incluí estas notas com o objetivo de melhor situar a quem se interessar por este livro, deixando claro que ele, como um todo, não tem o propósito de discutir questões literárias, muito menos acalentar debates acadêmicos, mas, simplesmente, contar um bem humorado romance histórico. A intenção sempre foi, e continua sendo, o entretenimento com o incentivo à leitura, à cultura e ao conhecimento. Portanto, convido-os a apreciarem esta minha nova obra, desejando a todos uma boa leitura.

    Darci Men

    II - PRÓLOGO – A RESTAURADORA

    Pairava naquela sala um clima tétrico e ameaçador.

    Ana sentia-se insegura, amedrontada e com aquela sensação de estar em um lugar distante, desconhecido e cheio de armadilhas. Aquele clima foi aumentando aos poucos e um receio de algo terrível foi tomando conta dela. Qualquer ruído era motivo para mais medo e o ambiente foi ficando cada vez mais aterrador.

    Nunca antes ela ficara sozinha naquele lugar, mas, naquele dia, isso foi necessário e, com exceção da sua sala propriamente dita, todas as demais já estavam com as luzes apagadas, pairando por todos os lados as sombras, a escuridão e um ensurdecedor silêncio, quebrado, aqui e ali, por algum ruído que ela não conseguia identificar de onde vinha.

    Naquele horário somente ela mesma e a sua superiora Beatriz, que ficava em uma longínqua sala da administração, permaneciam no prédio. Mas, ali, naquela sala, ela estava sozinha. Isto é, na verdade ela não estava propriamente sozinha, pois naquele ambiente havia vários quadros encostados em um canto da sala, alguns deles com belos sorrisos, mas a maioria com rostos e olhares indiferentes ou até gelados que nada ajudavam no funesto clima daquele lugar.

    O que mudava mesmo e, desta feita para pior, eram as várias estátuas amontoadas em outro canto da sala, com seus olhares frios e distantes. Uma delas em especial, sem que a Ana soubesse por que, causava nela um pavor indescritível. Na verdade, a estátua em si não tinha nada de tão ameaçador assim: era um índio sul americano, da tribo Querandies, todo enfeitado com suas vestes características, em pé sobre o lombo de um cavalo negro, com uma cara de poucos amigos e, em uma das mãos, bradava uma enorme lança com sua afiadíssima ponta de pedra. Apesar da simplicidade da peça, a Ana não podia nem olhar para ela que se arrepiava toda.

    Mesmo assustada e amedrontada, ela sabia que tinha de terminar aquele serviço e, superando o medo de tudo aquilo e de alguns ruídos aqui e ali que nesses momentos aparecem não se sabe de onde, ela aguentou firme e foi em frente até terminar.

    Após vários meses dedicando-se exclusivamente naquilo, com um minucioso e incansável trabalho, finalmente ela terminara a sua missão. Agora, com suas delicadas mãos acostumadas a manusear preciosidades como aquela, começou a embalar aquele raro e valioso documento que acabara de restaurar. Mas, bem lá no fundo, ela queria adiar aquele momento.

    O que a incomodava não era o medo daquele ambiente escuro e ameaçador, mas algo bem mais profundo, como a sensação dolorida de uma despedida de alguém querido. Após tanto tempo manuseando aqueles papéis ela tinha se afeiçoado a eles. Além disso, pairava nela aquela inquietante curiosidade sobre aqueles textos: o que estava escrito ali?

    Ela trabalhava no IPHAN Paulistano (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), onde exercia a atividade de restauradora de livros e manuscritos antigos. Apesar de não ser uma veterana nisso, já contava em seu currículo várias restaurações importantes. No entanto, aquele ali, que acabara de restaurar, talvez por estar escrito em um latim antigo que ela não conseguia ler, ou mesmo por um instinto natural dela, acabou atiçando a sua curiosidade e tocando o seu coração. O fato é que ela não conseguia esquecer-se dele.

    Ana é aquele tipo de garota simples e independente. Filha de uma família pobre do interior que veio para a cidade de São Paulo para estudar e, depois de muito sacrifício, sempre com a ajuda dos pais e dos parentes, conseguiu completar o curso e foi aprovada em um concurso público de restauradora, culminando com a permanência definitiva dela na cidade. Agora ela se achava realizada, tinha bons amigos, um bom emprego e vivia muito bem na casa de um parente, onde ajudava com as despesas.

    De pele bem clara, estatura mediana, cabelos curtos e castanhos, bonita, solteira, de corpo esbelto e um sorriso cativante. Ela é o que se pode chamar de uma bela garota e não lhe falta pretendentes, mas ela sempre diz que ainda não é hora de um compromisso sério.

    Assim, é comum vê-la com os amigos aqui e acolá, demonstrando estar de bem com a vida e, como sempre faz nos finais de semana, se reúne com eles para aquele bate-papo descontraído e era justamente isso que ela pretendia fazer naquele dia após sair do serviço.

    Naquele exato momento, ela tentou se apressar, pois já estava atrasada e, quando terminou de embalar àquela preciosidade, foi buscar a papeleta guia de serviço (uma espécie de comanda para facilitar o trâmite dos documentos). Assim que pegou aquele papel, por algum motivo estranho, ela ficou olhando para ele como se o estivesse vendo pela primeira vez e, em suas lembranças passou todo o filme do cansativo, cuidadoso e minucioso trabalho que foi aquela restauração. Na verdade, a papeleta em si, por sua simplicidade, não retratava a grandiosidade daquela obra: ali, além da data de entrada, do número de registro e de outras informações de menor importância, estava escrito em destaque: Manuscrito de Jano Barbo. Pertence ao acervo da Biblioteca Padre Antonio Vieira.

    Ela voltou a si e se preparava para levar o pacote até a sala da sua superiora quando ouviu um barulho mais adiante. Aquilo pareceu para ela, nitidamente, como os passos de alguém vindo sorrateiramente e até ouviu o ranger característico de uma janela se fechando. Mas, depois disso, só silêncio. E que silêncio! Parecia que o mundo inteiro tinha parado! Ela estava paralisada de medo, tentou gritar várias vezes, mas sua voz não saia. De repente, como que saindo do nada, apareceu na sua frente um vulto esbranquiçado, com roupas esvoaçantes e, depois de algum tempo parado na sua frente, aquele vulto deu uma gargalhada e disse calmamente: - te assustei hem! E então menina, terminou o serviço?

    - Meu Deus Beatriz! - gritou ela, com uma voz rouca - Assim você me mata do coração! Porque chegou tão de mansinho?

    - Desculpe! – respondeu a outra – Foi só uma brincadeira. Não esperava que ficasse tão assustada. É que alguém esqueceu uma janela aberta e fui lá fechar e depois pensei em te passar um susto, só isso!

    - Caramba Beatriz, estava morrendo de medo de ficar aqui sozinha e você me apronta isso? Sem contar que estou com trauma daquela estátua maluca, você não ia mandar retirá-la daqui? Acredite se quiser, mas eu poderia jurar que o danado do índio piscou para mim. Dá para acreditar? E os ruídos então! Parecia que todos os móveis se mexiam. Olhe para mim, estou tremendo até agora!

    - Larga de ser medrosa menina! – desconversou a outra, com cara de gozação - Isto é falta de alguns amassos! Afinal, terminou ou não o Manuscrito?

    - Chata! – respondeu a Ana revoltada pela brincadeira da outra – Terminei sim! – disse ela, agora um pouco mais aliviada - Aqui esta o seu precioso Manuscrito, protegido e totalmente restaurado. Vou sentir saudades dele!

    - Ótimo! – comentou a outra, também demonstrando certo alívio – com dó em? Pensa que eu não sei que você está doida para descobrir o que está escrito nele? Nos últimos meses você não fala em outra coisa! Às vezes isso acontece e nós nos apegamos a essas preciosidades. Você logo se esquece dele. Mas agora, chega de pensar nisso – continuou ela. – Vamos levar tudo até a minha mesa e aí você pode ir pra casa descansar.

    Beatriz era aquele tipo de mãezona: morena, simpática, cabelos curtos, quase masculinos, sempre com seus óculos pendurados por um vistoso cordão, de estatura baixa, um pouco acima do peso ideal e já beirando os 50 anos.

    Era ela que cuidava de tudo por ali, além de muito competente, também era uma espécie de confidente dos funcionários e, apesar das agruras da vida, mantinha sempre um bom humor. Era desquitada do marido já há alguns anos e vivia sozinha em um apartamento no centro da cidade. Apesar do seu bom humor, raramente saía para se divertir e preferia curtir uma individualidade que os amigos e conhecidos não entendiam.

    Naquele dia, a Ana que sempre foi uma boa observadora, notou alguma diferença nela. Não sabia bem o que era e teve a impressão que ela estava um pouco apreensiva ou preocupada com alguma coisa. Então, pensando nisso falou-lhe: - Beatriz, porque você não vem com a gente?

    - Como assim? – perguntou a outra – Ir aonde?

    - Acorda pra vida mulher! – brincou a Ana – Já não lhe falei que vamos comemorar o meu aniversário naquele bar. A turma toda vai estar lá!

    - Hoje? – perguntou ela – O seu aniversário não é amanhã?

    - É sim! – respondeu a Ana, agora um pouco mais séria - É que amanhã pretendo visitar os meus pais. Então combinei com o pessoal para fazer a festa hoje, quero dizer, não é bem uma festa, apenas um encontro pra não passar em branco.

    - Que pena! – respondeu a outra – Você sabe que tenho de ficar aqui e aguardar o pessoal do Pátio do Colégio, eles vão retirar o Manuscrito ainda hoje. De qualquer forma, feliz aniversário e dê um abraço na turma por mim.

    Ana ia insistir, mas mudou de ideia achando que seria inútil. Assim que colocou o pacote na mesa da superiora, despediu-se dela e saiu apressadamente, pois já estava atrasada. Ela já esperava que a outra recusasse o convite, pois, em outra ocasião, sentiu que a mulher ficou meio deslocada porque os seus amigos eram bem mais jovens.

    Saiu do prédio toda pensativa e um tanto contrariada, pois tinha em alto estima a sua superiora e veio-lhe a mente a imagem dela, meio sem graça, sentada em sua mesa de trabalho acariciando com a ponta dos dedos o pacote com o precioso e misterioso Manuscrito. O que será que ela tem hoje? – perguntou a Ana para si mesma - Está um tanto esquisita! Acho que está preocupada com o Manuscrito. É! Deve ser isso! Aquele é um documento muito raro e valioso e ela não vê a hora de devolver para o Pátio do Colégio.

    Inevitavelmente voltou-lhe a mente a imagem daquele enigmático documento: - qual será o objetivo dele? – pensou ela - Por que razão alguém teria o extenuante trabalho de escrever à mão mais de quatrocentas páginas? Como e porque só agora, quinhentos anos depois, esse documento vem a público? Quem seria o tal de Jano Barbo? Melhor deixar pra lá – respondeu para si mesma. - Provavelmente ele é um entre tantos ilustres desconhecidos da história.

    Enquanto apanhava o metrô para casa, ela continuava com aquilo na cabeça e, com tantas perguntas sem respostas, tentava pensar em outra coisa, mas era inútil e o danado do Manuscrito voltava à sua mente e, em algumas ocasiões, surgia a visão daquela caligrafia perfeita, sem erros e esquisita ao mesmo tempo, onde, em alguns trechos, era possível ler nomes de pessoas famosas dos séculos XV e XVI: reis, imperadores, papas, pessoas ilustres, grandes navegadores, grandes batalhas, inusitadas lendas de magníficos tesouros, cidades históricas e muitos personagens dos primeiros anos do Brasil.

    - Droga! – praguejou consigo mesma - Estou mais que atrasada – foi então que ela lembrou-se que era sexta-feira e, não era uma sexta-feira qualquer, pois tinha combinado comemorar com os amigos o seu aniversário e tinha de correr, porque logo mais o Alaor passaria em sua casa para apanhá-la, além disso, ainda nem tinha escolhido a roupa que iria usar e teria de caprichar, pois aquele dia seria especial, e ela, a atração principal.

    Ainda bem que deu tudo certo - pensou ela assim que chegou ao bar e foi recebida com a maior festa pelos amigos. Além disso, ela estava radiante, pois percebeu, com grande satisfação, que quase todos estavam ali, entre eles a Rose que, embora não fosse a mais bela do grupo, seguramente era a mais festeira deles. Ela que sempre esteve envolvida com o teatro, também comemorava a sua entrada em uma nova trupe e comentou isso com a Ana com uma animação contagiante: - você precisa conhecer aquele pessoal - disse ela toda empolgada. - Eles são incríveis! Todo dia é dia de festa por lá e tudo é motivo para brincadeiras. Lembra-se daquele baile de fantasias? Pois é, um deles estava lá e ele logo me reconheceu e disse que o amigo dele sempre fala de ti. Logo mais vou apresentá-los a você.

    - Ainda hoje? – perguntou a Ana, toda interessada.

    - Hoje não minha querida! – respondeu a Rose, profetizando em seguida: - hoje é pra festejar o seu aniversário e, se prepare, porque esse será o aniversário que você nunca mais vai se esquecer na vida!

    Ana ia perguntar o que a outra queria dizer com aquilo, quando o seu celular tocou. Na tela viu registrado o número da sua superiora Beatriz. - Será que ela resolveu sair da toca? – perguntou a si mesma - Não! Acho que não! – concluiu pensativa.

    Ficou intrigada com aquilo, levantou-se e foi atender em um local menos barulhento. Pelo tom da voz da outra, logo percebeu que não era notícia boa: - o que está acontecendo Beatriz? – perguntou apreensiva.

    - Precisamos que você venha para o Instituto agora mesmo – respondeu a outra, com a voz embargada. – Assim que você chegar eu explicarei tudo.

    - Beatriz, você ainda está aí? Alô! Ficou maluca mulher? - perguntou a Ana, meio desconcertada – Precisamos? Quem precisa? Afinal, o que está acontecendo?

    A outra não respondeu e ela continuou: - mas Beatriz! Hoje é sexta-feira e, como lhe falei, estamos comemorando o meu aniversário.

    - Acho que você não entendeu - falou a outra. – Com ou sem aniversário, se você não vier, eles vão até aí te buscar.

    - Eles quem? O que está acontecendo? – perguntou novamente a Ana, agora mais assustada ainda.

    - A polícia! – respondeu a outra - Pare de fazer perguntas, apanhe um carro, um taxi, sei lá, mas venha até aqui. Acredite é muito importante, desculpe, mas preciso desligar o telefone - e, sem dar maiores detalhes, desligou.

    Ana tentou retornar a ligação, só que, tanto o celular como o telefone fixo dava o sinal de ocupado, chegou até a passar uma mensagem, mas tudo foi em vão porque a outra não respondeu, aumentando ainda mais a preocupação dela. Foi aí que ela resolveu contar para os amigos a inesperada e inquietante novidade. Um deles tentou acalmá-la: - não deve ser nada importante - disse ele. – Além disso, não é tão longe assim. Pode ir que nós esperamos você voltar.

    - É isso mesmo – confirmou a Rose. – Vai até lá resolver isso e a gente fica aqui te esperando.

    Prontamente o Alaor levantou-se dizendo: - eu te levo, afinal fui eu mesmo que te trouxe até aqui.

    Alaor

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