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Trevas e Luz: a história de um relacionamento tóxico
Trevas e Luz: a história de um relacionamento tóxico
Trevas e Luz: a história de um relacionamento tóxico
E-book541 páginas9 horas

Trevas e Luz: a história de um relacionamento tóxico

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Sobre este e-book

"Ele me fazia sentir mal, culpada, um nada. Quando não funcionava, ele se fazia de vítima, de sofredor... Dizia que ia mudar e que as coisas iriam melhorar. Eu me perguntei se ele tinha consciência disso, se ele fazia de propósito..." Apesar de ter problemas com a família, Dália era uma adolescente livre, alegre, que amava a vida. Sem perceber, viu-se envolta em um relacionamento de conveniência que a levou a ser abusada. Sua autoestima foi gravemente afetada, sua independência corroída, sua alegria pela vida esvaiu-se e perguntas profundas, existenciais, espirituais começaram a incomodá-la. Tudo parecia perdido. Estima-se que 40% das mulheres sofram alguma forma de abuso em seus relacionamentos, portanto, a história de Dália poderia ser a minha ou a sua história. É a história de uma mulher que, como tantas, foi vítima de um relacionamento abusivo, mas não sabia. Apesar de todos os sinais e apesar do conselho de todos os amigos, é uma história que se repete na vida de muitas mulheres. O abuso físico e psicológico, a prisão emocional, a pressão, a vitimização do abusador, as desculpas, a distorção dos eventos... como sair disso? Como retomar a liberdade de espírito? Será que ainda tenho valor? Será que existe amor verdadeiro depois de uma experiência de relacionamento abusivo? Essa é uma jornada de amor, ódio, conflitos e busca pessoal, familiar e espiritual inspirada em mulheres que sofrem por amor e por paixão. A semelhança com a realidade não é mera coincidência.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de mar. de 2021
ISBN9786559560486
Trevas e Luz: a história de um relacionamento tóxico

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    Trevas e Luz - Ester Roffê

    começou.

    CAPÍTULO 1

    Dezembro de 1992 — Verão, Brasil

    DÁLIA

    Cabo Frio se transforma no verão. Turistas do Rio, São Paulo, Minas e até da Argentina passam as férias na Região dos Lagos. As praias lotam e o trânsito fica uma loucura. Assim tinha me contado Babi, minha prima mais chegada. Minha tia Eleonora tinha um apartamento num prédio perto da praia do Foguete e eles passavam o verão todo aqui, fugindo do calorão do Rio.

    Minha mãe era completamente diferente da tia Eleonora. Ela sempre detestou praia. Ela sempre preferia alugar um quarto de hotel nas montanhas por pouco tempo, sempre em lugares diferentes. Como uma boa carioca, eu odiava ter que ir sempre para um lugar mais frio. E eu não sentia que aquilo eram férias... A gente passava uns 4 ou 5 dias fora da cidade, só. Minha tia é que sabia viver.

    De uns tempos para cá, meu pai vinha reclamando muito que o dinheiro acabou, com a economia em crise e a inflação uma loucura, como ele mesmo dizia. Mas esse ano deu pra gente alugar um apartamento de uma conhecida da minha tia em Cabo Frio com um bom desconto. O apartamento era pequeno e nada chique. Desde que a gente pisou no tal do apartamento, minha mãe reclamava disso e de tudo o mais. Eu não via a hora de encontrar a Babi e de ir à praia com ela.

    Finalmente a campainha tocou. Eu abri a porta.

    — Dália! Finalmente vocês chegaram! — Ela disse, se jogando nos meus braços.

    Minha mãe gritou lá de dentro.

    — A gente pegou um engarrafamento de 5 horas... Tudo isso pra chegar aqui nesse muquifo. Fala pra Eleonora que eu não tô nada feliz! Ô Jorge, vem aqui ver essa cama! Eu não vou conseguir dormir aqui, não!

    Eu bati a porta, deixando para trás aquele inferno.

    — Babi, valeu... Você me salvou... o que que a gente faz agora?

    — Que pergunta, Dá? Vamos pra praia! A galera tá toda lá!

    O sol estava perfeito. Eu tava louca para pegar um bronzeado.

    Eu aprendi a gostar da praia só no ano passado. Como eu passei 15 anos da minha vida sem ela, eu não sei... eu pensei no quanto eu mudei do ano passado pra cá. Eu sempre fui um patinho feio no colégio, aquela menina tímida que não faz a mínima diferença... Mas meu corpo resolveu se desenvolver mais nesses últimos 2 anos. Até bem pouco tempo eu nunca era correspondida nos meus crushes. Quando fiz 16 anos, os meninos começaram a me enxergar diferente... eu tinha um poder sobre eles. Nas festinhas, eu sempre ficava com alguém. Às vezes, eu até podia escolher com quem. Eu era bem magra, mas tinha os seios grandes, maiores que o da maioria das meninas, mas proporcionais aos meus quadris. Meu cabelo estava bem comprido e oxigenado.

    Eu fui chegando e tirando a blusa, olhando o mar maravilhoso da Praia do Foguete, enquanto a Babi cumprimentava todo mundo e me apresentava.

    — Dália, essa é a turma! A gente se encontra aqui todo verão, todo mundo tem apartamento lá no prédio.

    — Menos o Enzo e o Miguel. — Uma menina simpática falou. — Ah, e o Dan!

    — Essa é a Roberta! — Minha prima apresentou.

    — Beta, pros íntimos. — Ela falou. Eu dei dois beijinhos nela.

    — Esse é o Fabinho... a Lilian e a Vivian, que são irmãs... o Cláudio você já conhece... — Ela disse, rindo para ele. Ele a abraçou.

    O Cláudio era o namorado da minha prima. Ela nunca tinha ficado com ninguém, mas quando ficou, eles começaram a namorar sério. Eles já estavam juntos há 1 ano.

    — E aí? — Um menino veio me dar dois beijinhos. Ele não tirava o olho de mim desde que eu cheguei. Não era o meu tipo, mas é sempre bom para o meu ego me sentir olhada.

    — Esse é o Miguel. — Minha prima disse.

    — Nossa, quanta gente. Vocês todos se conhecem desde pequenos?

    — Nem todo mundo. O Enzo foi o último a chegar. E agora você. — A Beta falou. Eu notei que ela falava muito.

    — Mas quem que é esse tal de Enzo, que vocês já falaram duas vezes?

    — Ele só chega daqui a pouco. Ele dorme até tarde... Às vezes, até 3 da tarde. — Uma das irmãs soltou.

    Três da tarde? Mimadinho com a vida ganha. — Eu pensei.

    — Tá faltando o Dan também. — a Babi falou. — Ele conseguiu um trampo de meio período num bar e larga às 2 horas. Daqui a pouco ele chega aí!

    Eu terminei de tirar minha roupa sob os olhares do Miguel. Eu sempre gosto de saber que tem alguém a fim de mim. Eu corri pra água, porque eu estava morrendo de calor e cansada da estrada. O Miguel veio atrás e começou a puxar assunto. A gente até conversou um pouco, mas eu quis voltar pra areia pra pegar um bronze.

    Mais um cara tinha chegado na turma. Ele me acompanhou com os olhos, até eu chegar na minha canga. Esse era gatinho. Eu sacudi o cabelo e coloquei meus óculos. O Miguel tava atrás de mim, falando alguma coisa totalmente desinteressante sobre videogames.

    — Oi. — Eu disse, mandando pra ele meu olhar característico. Um crush uma vez classificou meu olhar como inocente e fatal ao mesmo tempo.

    Eu ainda não falei, mas uma característica minha é que eu tenho cara de boazinha, mas sou da pá virada. Parece que essa combinação tende a atrair os homens. E aquele, definitivamente, não estava imune a isso.

    Ele me deu dois beijinhos. Ele era bem mais alto e teve que se abaixar para me beijar.

    — Oi, você que é a prima da Babi, né?

    — Dália. Você é o Enzo?

    — Não. Eu sou o Dan. — Ele riu e olhou no relógio. — O Enzo, só mais tarde.

    O Miguel sentou do meu lado. Um papo chato... Enquanto ele tagarelava, eu prestava atenção no Dan. Ele estava conversando com o Fabinho, mas me dava umas olhadas às vezes. Ele era bem moreno, de cabelo e olhos escuros. Os olhos dele eram diferentes, mas eu não sabia bem por quê. Ele era forte, mas não tanto. As pernas eram bem-feitas, fortes e cabeludas.

    Eu resolvi deitar de costas. Eu odeio marca de biquíni, porque eu gosto muito de usar top tomara que caia ou frente única. Eu deitei e desamarrei o biquíni atrás. Com isso, o Miguel parou de falar. Eu me amarrava em chocar as pessoas com as minhas atitudes pra frente.

    O chato estendeu a toalha dele e deitou do meu lado, também de costas. Eu já estava enjoada da conversa dele.

    — Olha, eu tô a fim de pegar um sol, de repente até dormir um pouco. Fiquei cansadona do trânsito. Você se importa?

    Ele me olhou, meio desanimado.

    — O Fabinho tá me chamando mesmo para jogar futebol. Eu sou o melhor do time, sabia? Se você quiser olhar depois, eu vou fazer um gol especialmente para você.

    Ele saiu, finalmente. Eu não pude evitar e revirei os olhos.

    Pouco depois, Dan veio sentar do meu lado. Não na toalha do Miguel, mas na areia, mesmo.

    — É a primeira vez que você vem aqui? — Ele perguntou.

    Ainda deitada, eu tirei meus óculos para olhar para ele melhor.

    — É sim. Pra mim, a praia é o melhor lugar do mundo... se eu pudesse, eu morava ali, ó. — Eu apontei para as casas em frente à praia. Ele acompanhou com os olhos. — Você não joga futebol?

    — Eu não gosto muito. Sempre preferi basquete.

    — Sei.

    Eu reparei no braço dele, que era forte. O antebraço também. Eu quis sentir o toque dele.

    — Será que você podia passar bronzeador nas minhas costas?

    Ele demorou um pouco pra responder.

    — Claro.

    Eu alcancei o bronzeador na minha bolsa e entreguei para ele. As mãos dele eram firmes, mas ele passava de uma forma muito suave.

    — Valeu. — Eu agradeci. — Onde você mora no Rio?

    — Eu moro aqui, em Cabo Frio. E você?

    — Moro na Usina.

    — Ah, perto da Babi. O resto da turma mora na Zona Sul.

    Eu levantei e, segurando meu biquíni, pedi para ele amarrar para mim. Ele afastou meu cabelo e colocou para frente. Eu senti os dedos dele me tocando de leve enquanto ele amarrava as alças. Aquilo me arrepiou toda.

    A gente ficou conversando um tempão. Era fácil conversar com ele. Ele falava de vários assuntos e era divertido. A Babi e o Cláudio estavam na deles, namorando embaixo da barraca. As outras meninas olhavam o futebol, enquanto os meninos jogavam. Eu não podia estar menos interessada.

    Dan me chamou para dar um mergulho. Ele levantou e deu uma sacudida na areia que tinha ficado agarrada no corpo dele. Foi aí que eu reparei que ele tinha dois furinhos nas costas, na altura do calção, um de cada lado. Ele virou para mim e estendeu a mão para me ajudar a levantar. Eu peguei na mão dele e a gente foi de mãos dadas até a água. Mas as ondas estavam fortes... eu tive medo, mas fiquei sem graça de admitir. Eu acabei travando ali mesmo, na areia.

    — Vamos?

    — Eu... eu acho que eu vou ficar aqui, mesmo.

    — Por quê? A água tá uma delícia!

    Eu ri, sem graça. Resolvi falar a verdade.

    — Eu tenho um pouco de medo. O mar tá mais agitado agora. Eu não quero tomar um caldo.

    — Eu te ajudo... vamos? Olha, a gente tem que observar as ondas. Algumas são mais baixas. Se a gente for rápido, passa da arrebentação e fica numa boa logo ali, onde as ondas não quebram. Ali dá até pra boiar.

    Eu olhei para ele, em dúvida. Eu sabia da teoria, mas na prática eu me cagava.

    — Eu vou vigiar. Quando vier uma boa, a gente vai.

    Ele segurou minha mão forte e a gente ficou esperando. Meu coração acelerou, não só pelo medo, mas porque eu estava gostando de sentir a mão dele na minha. De repente, ele me puxou. Nós dois corremos, eu morrendo de medo. Uma onda começou a crescer e eu fiquei apavorada. Ele percebeu e tentou me acalmar.

    — Calma! Vamos mergulhar, vai dar certo!

    — O quê??? Dan, Não....

    — Prende a respiração!

    Ele me segurou por trás, pelos dois braços, e mergulhou comigo. A gente emergiu junto e andou mais para o fundo. Onde a gente estava agora o mar estava calmo. Eu ri de nervoso.

    — Meu Deus... você quase me matou!

    Ele me olhou, rindo.

    — Tá vendo? Hoje você venceu um medo. Aqui você pode mergulhar à vontade, boiar, até pegar jacaré.

    — Eu não faço essas coisas... mas aqui tá uma delícia mesmo. Quero ver quando a gente tiver que sair!

    — Não tem erro, não. Eu vou te ajudar. — Ele falou, me olhando enquanto eu ajeitava a parte de cima do meu biquíni.

    As ondas vinham e a gente se deixava levar para cima e para baixo, indo e voltando.

    Dan me ajudou a boiar. Eu tinha medo da corrente me levar, mas ele me segurava. Eu senti as mãos dele no meu corpo. Na minha cintura, nas minhas costas. Um arrepio me percorreu e eu fiquei tensa. Mas eu também fiquei sem graça de olhar para ele, porque eu sabia que ele estava me olhando toda. Não era sempre que eu ficava sem jeito, e eu achei que tinha alguma coisa a ver com o olhar dele, que parecia mais escuro de repente. Depois, a gente ficou conversando sobre a escola, programas que a gente gosta, shows que a gente tinha ido.

    O tempo passou rápido com ele. A conversa fluía naturalmente e eu gostei de observar as expressões e os gestos que ele fazia enquanto falava. Ele era divertido também, ele sempre me fazia rir. Depois de um tempão, a gente resolveu voltar para a areia. Dan me deu a mão e meu coração bateu acelerado de novo. A gente correu, bem entre uma onda e outra. Eu me joguei na areia, aliviada. Ele sentou do meu lado e riu.

    — Eu podia jurar que você era uma daquelas típicas garotas de praia do Rio. Cabelo oxigenado, morena de sol, essa pulseirinha na perna...

    Eu olhei para a pulseirinha de búzios amarrada no meu tornozelo e lembrei da história. Um crush a tinha me dado na praia de Ipanema há uns 6 meses e a palha dela já estava estragando. Eu conheci e fiquei com ele no mesmo dia. Ele morava perto da praia e no fim do dia eu fui pra casa dele. Minha amiga tinha ficado com o primo dele e também foi. Nós duas transamos com os dois primos, com uma parede só separando a gente.

    — Eu sou de praia... mas não tem muito tempo.

    — Por quê? Você não morava no Rio antes?

    — Não. Eu sempre morei no Rio. Acho que é porque a minha mãe nunca gostou de praia, então a gente nunca ia. Quando eu comecei a sair com meus amigos, eles me apresentaram à praia. Agora, eu não posso viver sem ela! Mas eu ainda não sei mergulhar muito... Eu sei nadar, mas tenho medo das ondas e da puxada do mar.

    Eu ouvi o pessoal lá atrás. Eu e Dan olhamos.

    — É o Enzo. Vamos lá.

    Ele levantou e eu fui com ele.

    — Finalmente! — Dan disse, zoando.

    Eles se deram a mão, um aperto forte.

    Enzo devia ter uns 20 anos e com certeza era o mais velho da turma. Da altura do Dan, mas bem mais branco. Ele tinha os olhos verdes claros. O cabelo dele era castanho claro e, apesar de ele não ser loiro, os cabelos do braço e da perna dele eram. Ele me deu uma olhada demorada, e eu tive certeza de que os olhos dele brilharam. Dan percebeu que ele estava me olhando e me apresentou.

    — Essa é a Dália, prima da Babi.

    — Oi, Dália, prima da Babi. Como eu nunca te conheci?

    Eu sorri.

    — É a primeira vez que eu venho a Cabo Frio.

    Ele me deu dois beijinhos. — Enzo. — Ele me olhava de um jeito estranho e fixo. Eu desviei meu olhar para o Dan. Dan reparou e olhou para nós dois. Para quebrar aquele clima, eu sentei na minha canga, e os dois começaram a conversar. Eles pareciam muito amigos. De repente, o Miguel voltou e sentou do meu lado. De novo... Eu não gostei.

    — Você viu? Eu fiz 3 gols. — Ele se gabou.

    Grande coisa.

    — Não... a gente estava no mar, eu e o Dan.

    Ele mal esperou eu acabar de falar e disse:

    — Quer mergulhar comigo? Vamos lá, eu tô todo suado.

    — Valeu, mas não... eu quero pegar um sol.

    — Ah, vamos? Depois você pega. — Ele segurou no meu braço.

    Pegajoso...

    Além de chato, o cara era insistente. Eu olhei para trás, meio que procurando o Dan. Ele estava me olhando. Enzo percebeu. Foi ele que veio até a gente.

    — Eu vou pegar um picolé. Vocês estão a fim?

    O Miguel falou na frente.

    — Ah, valeu, Enzo! Vou querer de coco.

    Antes que eu falasse alguma coisa, Enzo falou.

    — Chocolate para você. Ou brigadeiro. Acertei?

    — Na mosca. Como você sabe?

    — Eu sei. Eu conheço as mulheres. — Ele disse, com um sorrisinho na boca e um olhar malicioso.

    O Miguel riu alto, mas não era engraçado. Enzo olhou para ele como se adivinhasse meu pensamento.

    — Vem comigo, Miguel? É muito picolé pra eu carregar.

    — Tá bem... — Ele me olhou, meio contrariado. — Mas depois você não me escapa... a gente vai dar um mergulho!

    Cara mais sem noção.

    Eu fiquei aliviada. Enquanto Miguel levantava, Enzo me deu uma piscadinha. Eu tinha certeza de que ele tinha chamado o Miguel de propósito. Uns segundos depois, Dan sentou do meu lado.

    — Por favor, fica aqui, Dan... — Falei, segurando a mão dele. — O Miguel tá me perturbando...

    Ele riu e demorou para tirar a mão da minha. Ele entrelaçou os dedos nos meus, mas eventualmente me soltou.

    — Ele é do bem, mas é meio insistente. Ele tenta com todas as meninas.

    — Ninguém merece. — Eu disse. Eu olhei para ele de novo, pensando numa coisa que me deixou curiosa.

    — Seu nome é Daniel? Dan é apelido?

    Ele riu. O sorriso dele era lindo e ele tinha uma covinha de um lado só.

    — Todo mundo pergunta isso. Não, Dan é meu nome. É da bíblia. Você não conhece?

    — Não.

    — Dã é uma das doze tribos de Israel. Se escreve com A e til, mas a minha mãe não gostava assim e colocou meu nome com N no final.

    — Eu gosto de Dan. — Eu falei, depois de pensar um pouco.

    Eu gosto de Dália. — Ele respondeu, quase que imediatamente. Eu vi quando ele olhou pra minha boca e tocou na minha pulseirinha do pé, olhando para ela. Eu acompanhei as mãos dele com os olhos.

    — Eu não gosto de Dália... — respondi. — Eu não conheço nenhuma Dália da minha idade.

    — Eu não conhecia nenhuma Dália até hoje. — Ele olhou para mim. — Agora conheço uma. É bom ter nome diferente. Você pode se sentir única.

    Eu meio que concordei com ele, mas a história por trás do meu nome não era muito divertida.

    — Dália era minha avó. Minha mãe colocou para homenageá-la.

    — Entendi. Você é muito ligada a ela?

    Aquele assunto era sensível. Eu nunca tinha tido um bom relacionamento com a minha mãe. Minha avó também. Basicamente, as duas eram iguais e tinham o mesmo problema. Era um fardo pesado de carregar.

    — Ela morreu há alguns anos. Não, a gente não era nada ligada.

    Ele me olhou, percebendo o tom da minha voz. Ele foi discreto e mudou de assunto. Foi quando o Enzo e o Miguel voltaram com as mãos cheias de picolés.

    — Brigadeiro. Como você pediu. — Enzo me entregou o picolé.

    — Quanto foi? — Eu perguntei, já alcançando a minha bolsa.

    — Nada, não.

    — Por favor! Eu faço questão.

    — O Enzo nunca aceita que a gente pague. — Dan falou, pegando um de manga.

    — Vocês me pagam de outro jeito. Dália, você toma um café comigo qualquer hora dessa. — Ele me olhou daquele jeito de novo e me deu uma piscadinha. Eu me senti meio desconfortável. Eu não estava entendendo qual era a dele. Primeiro ele me olhou daquela forma, parecendo que estava tirando a minha roupa — ou o resto dela — com os olhos. Depois, me deixou sozinha com Dan de propósito. Pra completar, me chamou para tomar café e me olhou daquele jeito de novo.

    Eu gosto de ser o centro das atenções masculinas, mas hoje eu estava demais. Eu tentei fazer as contas para saber se eu estava ovulando. Uma vez, eu li um artigo numa revista de ciência falando que os feromônios que uma fêmea exala no período fértil são captados pelos machos. Os machos não percebem, mas se sentem mais atraídos nessa época.

    Mas a verdade é que eu estava a fim do Dan. Talvez, se eu tivesse conhecido o Enzo antes, eu tivesse me interessado por ele. Mas Dan era mais o meu tipo e ele era um doce.

    A Babi chegou na gente.

    — Dália, vamos à boate hoje? Tem todo fim de semana e hoje vai todo mundo. — Ela olhou para o Dan, meio sem graça. — Quer dizer, menos o Dan.

    Ele olhou para frente, para o nada.

    — Por que você não vai? — Eu perguntei.

    — Eu nunca fui numa boate.

    A Babi revirou os olhos e falou.

    — Não é boate, boate mesmo... é lá no clube e vai até família. E eu vi você dançar muito no casamento da Glorinha no ano passado, Dan.

    — Ele é crente. A família toda. — a Beta soltou.

    Ele me olhou nos olhos.

    — É verdade. Mas eu vou com vocês, hoje.

    — Milagre! — Enzo falou. Eu nem sabia que ele estava escutando.

    Dan ainda me encarava. O olhar dele era muito expressivo. Foi aí que eu percebi por que eu achei o olhar dele diferente. Os olhos dele são tão escuros que não dá para ver as pupilas. Mas achei que não era só isso. Eu demorei uns segundos tentando entender, presa no olhar dele. Quando eu me toquei que eu estava encarando, fiquei sem graça.

    — Você vai, Dália? — Ele perguntou.

    — Eu vou ter que ver com a minha mãe. Mas eu quero ir.

    — Uhuuu! — a Babi me deu um high five. — Eu vou te dar uma força e vou falar com ela, Dá. A gente vai pegar carona com o Miguel e com o Enzo. Não cabe todo mundo no mesmo carro.

    — Ela vai comigo. — Miguel falou, colocando a mão no meu ombro. — Eu passo na sua casa às 10.

    Pegajoso é apelido.

    A última coisa que eu queria era pegar carona com ele. Eu preferia ir a pé. O Enzo pareceu que adivinhou de novo e respondeu.

    — Mas a minha casa é mais perto. Pode deixar que eu te pego, Dália. E eu faço questão de levar o Dan também. — De novo, eu fiquei sem entender qual era a dele.

    — Você nem sabe onde ela tá ficando, Enzo! — Miguel falou, irritado.

    — Você não sabe. Eu sei. Ela tá na casa da Dona Miranda, amiga da Eleonora.

    — E como você sabe? — Eu perguntei.

    — Eu sei de tudo.

    Eu não entendi nada. Ele me olhou daquele jeito que me desconsertava. Ele tinha os olhos meio caídos, parecendo que não estava prestando muita atenção. Mas quando ele falava empolgado, os olhos brilhavam. E ele sempre parecia que estava tramando alguma coisa.

    — Gente, o que importa é todo mundo ir! A gente divide na hora! Todo mundo lá no lobby do prédio às 10. — Beta falou.

    — Quer dar uma caminhada comigo? — Ouvi o Dan perguntando baixinho. A voz dele pareceu música para os meus ouvidos. Eu topei na hora. Coloquei minha canga e a gente andou em direção à areia molhada. Eu amo sentir a água do mar nas minhas pernas, e minha companhia nessa tarde era melhor ainda.

    Minha mãe e meu pai implicaram um pouco, mas acabaram me deixando ir à boate do clube. Eu escolhi usar um top de frente única preto e uma calça jeans que eu amo. Coloquei um salto alto e resolvi fazer uma maquiagem discreta. Foi quando a campainha tocou.

    — Dália, seu amigo tá aqui. — Minha mãe gritou da sala.

    Que raio? Ainda faltava meia hora para eu sair. O prédio da minha prima fica há 15 minutos de caminhada e meu pai ia me levar. Eu terminei correndo de passar o rímel e fui ver quem era.

    Era o Enzo. Ele me olhou de cima a baixo.

    CAPÍTULO 2

    DÁLIA

    — Oi! Eu já fiquei conhecendo seus pais. Falei que você tá segura comigo. Eu vou te trazer em casa de carro.

    Enzo falou, na maior naturalidade.

    — Ele é filho da Lisette, aquela amiga da Eleonora. Que coincidência, eu te vi pequeno! — Minha mãe falou, matando a charada. Por isso que ele sabia tanto da minha vida. Eu fiquei um pouco irritada, porque a gente não tinha combinado nada de ele passar lá.

    — Você tá pronta, que bom! Vamos dar uma passeada?

    Meu pai e minha mãe me olharam. Eu achei melhor eu ir.

    — Ok.

    Lá fora, eu resolvi abrir o verbo. Eu não gosto que ninguém force nada comigo.

    — O que você tá fazendo aqui, Enzo?

    — É que eu tinha que conversar com você. Olha, depois da praia eu conversei com o Miguel e ele falou que vai tentar ficar com você essa noite. Mas eu percebi que você não tá a fim dele. Como o Dan é muito devagar, eu vou ajudar vocês.

    Eu fiquei meio chocada. Ele continuou falando.

    — O Dan tá a fim de você. Eu tenho certeza, para ele aceitar ir a uma boate contra todos os princípios dele? Eu tenho que dar um empurrão, porque ele é devagar. Muito respeitador. Mas eu queria saber se você também tá a fim dele.

    Ele me olhou daquele jeito. Ele me escrutinava e eu me sentia lida por ele.

    — Bom... Ele é legal e gato. Eu ficaria com ele. — Eu estava afinzaça do Dan, mas eu não ia revelar isso assim pro amigo dele.

    Ele colocou as mãos no bolso e a gente foi andando, lado a lado.

    — Dália, você não tá entendendo a parada. O Dan só ficou com uma menina até hoje, e mesmo assim ela deu o fora nele. Ele queria namorar, estava apaixonado. Eles saíram algumas vezes, mas ela terminou. Ele ficou arrasado. Isso tem 1 ano já... Depois, eu tenho certeza de que não rolou nada com ninguém. Até você chegar. Eu nunca vi ele tão parado na de alguém. Nem com a Sílvia.

    — Sílvia é a ex dele?

    — Nem considero ex. Eles ficaram juntos 1 mês só. Eles eram muito diferentes, eu sabia que não ia dar certo.

    A gente ia caminhando enquanto ele falava.

    — Ela era meio patricinha. O Dan é um cara simples. Você acredita que ele pegou um dinheiro que ele tinha guardado e deu um relógio de presente para ela? Pagou à prestação. Ele ficou pagando 5 meses depois deles terem terminado. O cara sofreu. Ela é da igreja dele e eles se veem toda semana.

    — E esse negócio de igreja? É sério?

    — Seríssimo. A família dele toda é assim.

    Eu duvidei que alguma coisa poderia dar certo entre a gente. Eu não era nada de igreja. Eu tinha perdido minha virgindade há pouco mais de 1 ano e as circunstâncias não foram nada honrosas.

    Eu tinha começado a sair com a Lívia, minha vizinha, que era 3 anos mais velha que eu. Eu dizia pros meus pais que ia dormir na casa dela e a gente ia de ônibus para uma pista de skate lá na Zona Sul. Uma turma ficava lá andando de skate e namorando. Eu tenho certeza de que rolava uma maconha lá também, mas essa nunca tinha sido minha praia. A Lívia tinha um crush lá, o Flávio, que também era mais velho. Ele era daqueles carinhas de praia que pega onda. Loiro, com a pele mais escura que o cabelo. Ele era forte e eu tinha certeza de que ele puxava um fumo. Ele nunca ia olhar pra gente. Eu fiquei encantada com o Flávio, ele foi meu primeiro amor. Um dia, ele chegou junto da gente e puxou assunto. A Lívia ficou louca. Mas eu também. Eu não sabia de quem que ele estava a fim, porque ele olhava para nós duas. Ele começou a beijar a Lívia, mas fez carinho na minha mão enquanto beijava ela. De repente, ele parou de beijar ela e me beijou também. Eu não parei... estava bom demais. Eu nunca tinha beijado na boca, mas eu tinha treinado na minha mão, pensando no dia que isso ia acontecer. Eu aprendi rápido como ele fazia e comecei a fazer também.

    Ele ficou com nós duas naquela noite. Na volta, a Lívia estava morrendo de raiva de mim. Simplesmente nossa amizade acabou.

    Mas ele tinha escrito o telefone dele no meu ombro. E tinha me falado onde ele morava, que era perto da minha casa. Na segunda-feira, eu faltei à primeira aula, escondida dos meus pais, e fui à casa dele. Ele alugava um quartinho na casa de uma senhora, e dava para uma viela que saía na rua. Eu bati lá e ele veio atender, de calça de moletom e sem camisa, descalço. Eu podia ver todos os contornos do corpo dele naquela calça. Pareceu que estava acordando.

    — Linda... o que você tá fazendo aqui?

    — Eu queria te ver. Fiquei com saudade.

    — Entra. — Ele me beijou na boca e abriu o portão para mim.

    O quarto era pequeno. Ele deixou a porta aberta e deitou na cama.

    — Deita aqui comigo. — Ele falou, com um sorriso fácil.

    Eu fui... e foi assim que eu perdi minha virgindade. Não foi nada demais. Dizem que dói e sangra, mas eu não senti nada disso. Não senti muito prazer também. A gente ficou um tempo deitado, mas ele tinha que ir trabalhar. E eu tinha que voltar para a escola, eu podia perder só o primeiro tempo. Eu falei que voltava no dia seguinte.

    Mas no dia seguinte, ele não estava. Quem veio atender foi o Rodriguinho, um amigo dele do skate. Foi aí que eu fiquei sabendo que era a avó dele que alugava o quarto para o Flávio. Eu entrei por outra porta, a principal. O Rodriguinho era um pouco mais novo que o Flávio e era gato também, mas moreno. Diferente.

    — O Flávio não dormiu aqui esta noite. Ele às vezes fica na casa de uns amigos.

    — Mas eu falei que vinha...

    — Quer vir no meu quarto? Eu vou te mostrar meus CDs.

    Eu sabia que ele era louco por música, parece que ele era DJ. No caminho, eu esbarrei no irmão mais novo dele, o Ricardo. Eu sabia que ele era a fim de mim, porque ele sempre me encarava na pista de skate. Mas o Rodriguinho era mais gato. Ele fechou a porta e a gente ficou ouvindo as músicas dele. Mas ele não parava de me olhar. De repente, ele chegou mais perto e me beijou.

    Esse mundo era novo para mim. Naquela época, eu ainda não tinha costume de encantar os meninos daquele jeito. Eu gostei daquele poder. Em poucos minutos, a gente estava transando. A gente nem tirou a roupa toda. Ele tirou minha calcinha e me sentou no colo dele, mas eu ainda estava com a saia da escola. Ele tinha acabado de abrir meu sutiã, mas não esperou para entrar em mim.

    — Você é virgem?

    — Eu... Não. Ontem foi minha primeira vez, com o Flávio.

    Ele não se importou nem um pouco.

    — Mas parece que você é... Eu nunca transei com uma virgem.

    Ele me beijou, meio louco de desejo. De repente, um homem entrou no quarto. Eu abracei ele rápido e enterrei minha cara no ombro dele, sem jeito.

    — Perdão! Eu não sabia que você estava acompanhado... — O cara tinha um sotaque paulista.

    Ele saiu e fechou a porta.

    — Meu pai... desculpa.

    — Tu não trancou a porta?

    — Não... minha porta não tranca.

    A gente riu de nervoso, mas estava tão bom que a gente continuou.

    Quando a gente acabou, eu tinha que ir.

    — Rodriguinho, meu lance é com o Flávio. O que a gente fez foi só diversão.

    — Tudo bem. Amigos?

    — Amigos.

    Aquela semana toda, eu voltei lá para ver o Flávio. Mas todos os dias, era o Rodriguinho que estava lá. Eu transei com ele todos os dias. A gente nem usou proteção, ele dizia que era só terminar fora. Eu sabia que não, mas não estava nem aí. Quando eu chegava, a avó dele me xingava, me chamava de vagabunda. O Rodriguinho dizia que ela estava esclerosada. Eu sempre passava pelo Ricardo indo para o quarto com o Rodriguinho. Eu achava que o Ricardo também era louco para transar comigo, mas ele não era tão bonito e era mais novo. De qualquer forma, eu não descartava a possibilidade de rolar com ele um dia também.

    — Dália, eu vou te bater a real... O Flávio não tá nem aí pra você... Ele tem um rolo.

    — Mas eu amo o Flávio... Eu tenho que vê-lo.

    — Já tem uns 4 dias que ele não vem. Eu tenho certeza de que é esse rolo dele.

    Eu voltei na sexta-feira. Meu coração acelerou quando eu vi o Flávio, mas ele estava com uma mulher. Ela era visivelmente mais velha que ele.

    — Oi, Linda. Essa é a minha noiva, Dani.

    Eu fiquei tão chocada que saí correndo. O Rodriguinho me alcançou na rua.

    — Dália, eu tentei te avisar... Olha, vai no skate sábado. Eu vou lá. A gente fica junto.

    Mas eu não fui, porque eu não ia aguentar ver o Flávio lá com aquela mulher. Quando eu finalmente tive coragem de ir lá, depois de quase 1 mês, fiquei sabendo por uma conhecida que o Rodriguinho e o Ricardo tinham ido morar com o pai deles em São Paulo. E o Flávio foi morar com a noiva, acho que na Barra da Tijuca.

    E foi assim que minha vida sexual começou.

    Eu pensava em todas essas coisas, quando o Enzo me interrompeu.

    — Dália, você tá me ouvindo?

    — Tô. Desculpa, voei aqui.

    A gente estava de volta na porta da minha casa. Enzo tinha um Escort XR3 conversível. Ele abriu a porta para mim.

    No caminho, ele me mostrou o condomínio dele. Maior luxuoso... Ele contou que o pai dele tinha uma empresa de consultoria financeira e ganhava muito bem.

    Quando a gente chegou no predinho, já estava todo mundo na portaria. Eu vi o Dan e meu coração acelerou. Ele veio direto falar comigo.

    — Oi! Eu não sabia se você vinha.

    Ele olhou para o meu decote, mas tentou disfarçar. O Miguel veio me dar dois beijos, olhou direto para os meus peitos e não foi nada discreto. Eu não estava nem aí, porque eu gosto de chamar atenção.

    O Enzo falou.

    — Eu vou levar a Dália, o pai dela só deixou ela ir se fosse comigo. E eu tenho que levar ela de volta até 2 da manhã.

    O Dan olhou para a gente, surpreso.

    — Dan, você também vai comigo. — Enzo falou.

    O Miguel reclamou.

    — Quem vem comigo então? Lilian e Vivian, gatinhas. E o Fabinho.

    — Então a Babi e o Cláudio vêm comigo. — Enzo falou.

    Eu sentei na frente com o Enzo.

    Quando a gente chegou, o lugar já estava lotado. O Miguel não desgrudava. Todo mundo estava dançando junto, mas ele tentava dançar só comigo. Eu já estava de saco cheio dele. Dan me olhava, mas ele não podia fazer muita coisa. Um pouco depois da meia-noite, o Enzo me chamou. O Miguel fez que vinha também, mas o Enzo falou que queria falar a sós comigo e me puxou pela mão, nem dando chance para ele responder. Ele segurou minha mão forte. Eu não sabia bem o que esperar, mas fui com ele.

    Ele me levou para um lugar vazio, atrás de uma linha de isolamento, e eu fiquei meio tensa. Estava esfriando e eu me arrepiei.

    Mas aí a gente chegou num jardim lindo. Tinha uma árvore grande no meio e um banquinho de madeira embaixo dela. Dan estava ali, sentado. Ele levantou quando me viu e parecia tenso. Meu coração pulou. Eu fui na direção dele, sem olhar para trás. Eu parei na frente dele, meus olhos focados nos dele. Apesar de estar escuro ali, ele me olhava intensamente. Eu já sabia o que aquele olhar queria dizer. Minhas mãos gelaram, mas eu suava frio. Ele pegou minhas mãos e beijou, as mãos quentes e firmes. Eu achei isso incrivelmente romântico. Ele me olhou de novo e reparou que eu estava tremendo.

    — Deixa eu te esquentar.

    Ele me abraçou. Minha cabeça batia no queixo dele. Eu senti o cheiro dele e isso de alguma forma me fez me sentir em casa. Não era perfume, mas o cheiro natural dele. Meu corpo estremeceu, respondendo ao dele, e eu me aconcheguei. Ele levantou meu queixo e me olhou, os olhos mais escuros, se é que isso era possível. Depois, ele olhou pra minha boca. Eu fechei os olhos, instintivamente. Em um segundo, eu senti a respiração dele em mim... No segundo seguinte, ele me beijou. O beijo dele era calmo, quente, doce. Ele segurou minha nuca, emaranhando os dedos nos meus cabelos. A gente se beijou por muito tempo, nossas bocas famintas procurando uma à outra. As mãos dele passeavam pelos meus ombros, meus braços, minhas costas. Eu o abraçava forte, tentando me aquecer nele. Eu tateei as costas dele por baixo da blusa e alcancei aqueles furinhos. Ele estremeceu. Aos poucos, as coisas foram esquentando entre a gente. Ele me puxou pra ele e me encostou na árvore. Eu me agarrava nele, os beijos ficando cada vez mais quentes. Depois de uns 15 minutos, eu separei minha boca da dele.

    — Dan… eu preciso respirar. — Falei, sem fôlego.

    Ele riu, fazendo carinho no meu cabelo. Eu amei o jeito doce e delicado de ele me segurar, mas ao mesmo tempo firme. As mãos dele eram quentes, fortes e grandes. Ele me encostou contra o peito dele.

    — Quando eu te vi na praia pela primeira vez, eu quis você. — Ele segurou meu rosto e continuou, olhando nos meus olhos. — Eu não sei o que você faz comigo, Dália... eu não sou assim. Eu não vou em boate. Eu não sou de ficar com as meninas. Com você eu tenho essa sensação de que eu preciso te proteger. Eu não consegui parar de pensar em você, no seu sorriso, no seu corpo, nos detalhes do seu rosto desde a praia. Eu não sou impulsivo, mas eu quero você, e não é só por hoje. Eu tenho a impressão de que eu não vou te largar mais.

    Meu coração doeu. Ele era muito doce. E sincero, porque eu não achava que isso era papo. Eu já tinha ficado com vários meninos e alguns homens, e eu sabia o que era conversa para conquistar e levar pra cama. Ele não precisava falar nada disso naquele primeiro beijo, mas ele estava lá, se expondo para mim. Eu achei que estava me apaixonando, porque eu nunca tinha conhecido ninguém como ele.

    É melhor arrancar logo o band-aid de uma vez.

    — Dan, eu não quero estragar o momento.... mas eu não sou para você.

    A expressão dele mudou. Ele franziu as sobrancelhas. Por um momento, eu não pude olhar para ele.

    — Por que você diz isso?

    Eu raramente queria ser sincera. Desde pequena eu mentia para ter o que eu queria. Fazia carinha de sofrida, falava suave... Era uma forma de manipulação mesmo antes de eu ter consciência daquilo. Mas com o Dan, eu queria ser verdadeira. Ele parecia tão honesto... eu me lembrei das palavras do Enzo me contando como ele ia à igreja toda semana: Ele toca violão lá, ele ajuda no culto. Eu tinha que ser sincera.

    — Digamos que eu já fiz muita coisa pouco convencional. Eu não sou inocente como você pensa. Eu não te conheço nem há 24 horas, mas eu sei que você merece alguém melhor.

    Ele sentou no banquinho e me sentou no colo dele, deixando uma mão na minha coxa. Eu senti meu corpo tremer, mas dessa vez não era de frio.

    — Eu não quero saber de nada que você não queira me contar. Mas eu não me importo... nem um pouco. O passado já foi, agora é só o presente. Se você se arrepende de alguma coisa, você pode colocar para Deus. Ele é capaz de perdoar qualquer coisa. A bíblia fala que ele lança essas coisas no mar do esquecimento. E tem outra coisa... todo mundo tem pecado, todo mundo erra. Eu mesmo não sou um anjo... nunca fui.

    Eu tentei absorver aquelas palavras, enquanto ele me beijava de novo. Depois, ele me beijou na testa e continuou.

    — A não ser que você não queira ficar comigo... Eu tô indo muito rápido? Tô te assustando?

    — Não... — eu falei, tocando o rosto dele. — Você é doce. Você é diferente. Eu não sei explicar. Você tem cuidado comigo, você até me fez vencer um medo ontem. Você gosta de me ouvir, você me entende. Quando eu conheço alguém e fico a fim, eu sinto que eu preciso me moldar para ele. Com você, eu meio que sinto que eu posso ser eu mesma.

    Ele colocou meu cabelo atrás da orelha, me olhando com as sobrancelhas franzidas.

    — Por que alguém ia querer te mudar?

    — Eu não sei... Esse sempre foi meu instinto.

    Eu parei para pensar se a minha história tinha a ver com isso. Eu nunca fui o alvo dos holofotes na minha infância. Minha mãe era. Ela estava sempre doente, ela precisava de toda a atenção. Meu pai girava ao redor dela como se ela fosse o Sol e ele o planeta Terra. Eu estava sempre bem, calada, quieta. Ela sempre sugava tudo e todos. Ela tentou fazer isso comigo também, mas eu fui na direção oposta. Ela manipula. De repente eu percebi que eu também manipulo como ela. Eu tinha tentado ser o centro das atenções em algum momento com meu pai, mas não funcionou. Mas eu conseguia fora de casa. E eu me moldo, me adequo, me adapto. Ninguém me conhece a fundo. Eu tenho necessidade de ser amada, não importa o que eu tenha que fazer para conseguir isso. Eu tinha usado meu corpo, sexo, mentira, chantagem emocional, manipulações, tudo para alcançar amor. De repente eu vi como eu era parecida com a minha mãe. Isso me assustou.

    — Minha relação com a minha família não é boa. Eu sou complicada.

    — Por que você tem que ficar se desmerecendo o tempo todo? Olha, você é linda, doce. Inteligente, suave. Eu posso ficar conversando com você o tempo todo, você é interessante, tem senso de humor... enfim, você precisa se

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