Pedagogia da Terra: As Mulheres da Reforma Agrária na Educação
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Pedagogia da Terra - Débora Monteiro do Amaral
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Dedico esta obra a todas as pessoas da turma de Pedagogia da Terra da Universidade Federal de São Carlos – Helenira Resende –, por caminhar comigo por este sonho (que é nosso) e fazê-lo, aos poucos, tornar-se realidade.
Sem vocês esta obra jamais teria sentindo.
Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe, só levo a certeza de que muito pouco eu sei.
(Tocando em frente – Renato Teixeira).
AGRADECIMENTOS
É neste momento que me vem na lembrança pessoas que estiveram comigo e que, literalmente, aguentaram-me (porque não é fácil conviver com uma pessoa que está fazendo uma pesquisa). Quero que estes agradecimentos cheguem a cada um e a cada uma e que eles sejam capazes de dizer com toda amorosidade: muito obrigada!
À minha orientadora de mestrado e doutorado, amiga, companheira, Aida Victoria Garcia Montrone, pelo carinho e atenção, e por estar sempre ao meu lado, apoiando-me, fazendo-me crescer a cada dia como pessoa, como pesquisadora e como mulher.
À professora Stella, que me segurou pelas mãos em um momento muito difícil, por ter sido firme comigo e ter me mostrado a seriedade e a boniteza que é se tornar pesquisadora.
A todos e todas do curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal de São Carlos, em especial a Enedina, Aninha, Paula, Jana, Manu e Barba, por caminhar comigo e lutarmos, juntos, por uma sociedade mais humana.
Às mulheres colaboradoras da pesquisa, que, junto a mim, pararam para olhar para o curso que fizeram e ressignificar parte de suas vidas.
Aos movimentos e às organizações sociais presentes no curso de Pedagogia da Terra (MST, Feraesp, Omaquesp e FAF), por todo o apoio e confiança.
Aos meus amigos Valter e Itamar, pela parceria estabelecida no Grupo de Estudos e Pesquisa Paulo Freire, que me fortalece e me faz cada dia mais acreditar que é possível um mundo menos feio e mais fácil de amar.
À minha família, meu porto seguro, por entender minhas escolhas e acalentar-me sempre que precisei.
Por fim, mas não menos importante, ao meu companheiro de vida, Marlon, que me deu o presente mais lindo que alguém poderia me dar, meu filho Ravi. Amo vocês.
Deixo, aqui, meus profundos e sinceros agradecimentos e espero que este livro possa contribuir para a construção de uma nova sociedade mais bonita, menos injusta, em que homens e mulheres possam ter seus direitos garantidos e continuar aprendendo e ensinando.
Meu sonho é de uma sociedade menos feia, uma sociedade na qual nós possamos rir sem falsidade. Na qual saber não é um problema de visão
, na qual não haja discriminação de língua, raça ou sexo [gênero]. Eu não estou pensando numa sociedade de anjos porque anjos não fazem política, mas em uma sociedade de seres humanos. Nós temos que ter solidariedade entre os que têm os mesmos sonhos. Esta solidariedade implica em esperança e sem esperança e sem solidariedade é impossível lutar.
Criar solidariedade entre aqueles que são diferentes, mas têm, de alguma forma, o mesmo tipo de sonho, implica admitir diferentes entendimentos do perfil do sonho. A questão passa para o terreno da objetividade, não da subjetividade, e a luta inclui algum trabalho no sentido de entender e lidar com estes problemas, em criar estratégias, em trabalhar o respeito pelas diferenças. De qualquer forma, eu penso que, em primeiro lugar, deve-se trabalhar a possibilidade de tornar-se solidário e não de ficar uns contra os outros.
Para mim a questão da solidariedade é, portanto, uma questão política e é também uma questão metodológica. Tem a ver com a preparação para realizar o sonho
(Pedagogia da Solidariedade – Paulo Freire).
APRESENTAÇÃO
O CAMINHO SE FAZ CAMINHANDO
Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismos. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade.
(Paulo Freire)
Parafraseando o educador Paulo Freire, de que o caminho se faz caminhando
(FREIRE; HORTON, 2009, s/p), descreverei aqui o percurso feito até chegar às reflexões desta obra.
Sou filha de educadores. Meu pai, educador físico e militar aposentado, ensinou-me o lado difícil do trabalho. Desde criança tive medo de polícia e dialogava com ele que todos e todas temos direitos e que não é porque somos pobres, negros ou sem-terra, que estamos fadados à criminalidade e, portanto, temos que ser mortos ao cometer um erro perante a sociedade.
Minha mãe dedicou sua vida à educação. Foi professora primária em escolas rurais e secretária de uma escola urbana, onde aposentou. Ela me contou da dificuldade que era para ela e os(as) estudantes das escolas rurais chegarem até lá (por conta das estradas de terra, falta de transporte adequado etc.) e para lecionar (por conta das condições materiais escassas), mas também sobre a importância da educação para aquelas crianças, que estudavam em salas multisseriadas, da gratidão que tinham por ela, das frutas que ganhava e do prazer em colaborar com a educação naquele espaço.
Meu caminhar não poderia deixar de lado essa minha história de vida e, aos 15 anos, escolhi trabalhar com educação. Lecionei por três anos em uma escola particular de educação infantil, como auxiliar de sala. Aprendi muito e entendi que aquelas crianças de 2 a 3 anos tinham muito a me ensinar, então, passei a aprender com elas.
Aos 19 anos entrei no curso de Pedagogia, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e vi a possibilidade de fazer outras escolhas na educação. Em meu primeiro ano conheci Paulo Freire, por intermédio de seus escritos, que me despertam a paixão pela pedagogia e pelo aprender a estar no mundo com as pessoas.
Durante a graduação fiz escolhas que me levavam a lutar contra violações de direitos humanos. Entrei para o movimento estudantil, aprendi a me educar para falar e ouvir e também me questionei sobre o que denominamos democracia. Aprendi, também, que quando estamos dispostos a nos unir, podemos, sim, debater seriamente nossas posições e lutar contra o autoritarismo, contra uma hegemonia que nos quer fazer ser menos (FREIRE, 2005).
Nessa caminhada conheci e me aproximei do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pela opção em estagiar em uma escola de assentamento de Reforma Agrária. Nesse espaço formei uma colcha de esperança em meu caminhar e depositei na educação em assentamentos de Reforma Agrária minhas energias e minha vontade de lutar por uma sociedade mais bonita e mais fácil de amar. A partir de 2006 dediquei-me a estudar a Reforma Agrária e a educação rural no Brasil. E foi nesse momento que conheci o conceito da educação do campo.
Em 2007 realizei meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na mesma escola em que fiz meu estágio e pude estudar mais sobre esse conceito, que ainda é novo e pouco debatido. Notei que naquela escola tínhamos um potencial de transformação política, social e pedagógica que eu não havia encontrado em outros espaços, e percebi que havia dois motivos: a história de luta daquela comunidade por uma escola calcada na cultura do assentamento e a importância da escola ter surgido das mãos de cada um e cada uma ali, homens e mulheres que, como Paulo Freire, têm fé que a educação sozinha não muda a sociedade, mas pode transformar sujeitos que mudarão a sociedade.
Começam, então, minhas inquietações: quem são ou devem ser os(as) profissionais da educação para atuar nas escolas do campo? Como fazer uma educação que não seja cópia de uma educação rural feita para as pessoas, mas com elas e por elas? Assim, foi desenvolvida a pesquisa de mestrado Pedagogia da terra: olhar dos/as educandos/as em relação à primeira turma do estado de São Paulo
(2010), e que mostrou a boniteza de ser mulher, mãe, trabalhadora e estudantes na Reforma Agrária. Desvelou ensinamentos para a universidade que jamais havíamos vivenciado.
Tive a oportunidade de participar das discussões para a implementação do curso de Pedagogia da Terra no estado de São Paulo, onde atuei até 2011 como monitora pedagógica, supervisora de estágio e orientadora de TCC, além de fazer parte da Coordenação Político Pedagógica do curso. Durante esse caminhar estive com homens e mulheres de assentamentos, aprendi com eles(as) e fui acolhida em cada casa na qual estive da maneira mais afetuosa e amorosa que se pode imaginar.
Pensando na inconclusão dos seres humanos e na possibilidade de entender como, a partir da formação dessas educandas em Pedagogia da Terra, dar-se-ia a luta pela libertação da relação de opressão que os assentados e as assentadas de Reforma Agrária sofrem ao longo da nossa história, a pesquisa procurou compreender que significados as pedagogas da Terra formadas na UFSCar atribuem para a sua vida e para a sua prática profissional, tendo como objetivo central descrever esses significados e, ainda, identificar e analisar processos educativos na prática dessas pedagogas da Terra, bem como as facilidades e dificuldades encontradas por elas na sua atuação profissional.
REFERÊNCIAS
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, P.; HORTON, M. O caminho se faz caminhando: conversas sobre educação e mudança social. Petrópolis: Vozes, 2009.
LISTA DE SIGLAS
Sumário
INTRODUÇÃO 19
1
A EDUCAÇÃO NO E DO CAMPO:
UM MOVIMENTO DE DEMARCAÇÃO DE TERRITÓRIO 27
1.1 O projeto camponês de Educação do Campo 28
1.1.1 Educação do campo: conteúdo
e método de mãos dadas 37
1.1.2 Pedagogia da Terra: povos
do campo na universidade 43
1.1.3 A Pedagogia da Terra na UFSCar:
a primeira turma do estado de São Paulo 56
2
INSPIRAÇÕES EM PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO
POPULAR NA PESQUISA 65
2.1 Metodologia da educação popular: a pesquisa
como processo educativo 67
2.1.1 Releitura do pensamento de Paulo Freire 75
2.1.2 Diálogo 82
2.1.3 Conscientização 89
2.1.4 Saber de experiência 91
2.1.5 O caminhar com as mulheres sem-terra 93
2.1.6 Quem somos nós, as colaboradoras? 97
2.1.7 Análise 105
3
A MULHER NA SOCIEDADE E AS
NOVAS RELAÇÕES ESTABELECIDAS 107
3.1 Entendendo as relações de gênero 108
3.1.1 A mulher e as relações sociais estabelecidas 115
>3.1.2 Mulheres e Reforma Agrária: movimentos emancipatórios 131
3.1.3 As mulheres nos cursos superiores: Pedagogia da Terra 134
4
NO ESPIRAL DA VIDA: REFLEXÕES EM TORNO DO
SER PEDAGOGA DA TERRA 143
5
DENÚNCIAS, ANÚNCIOS E SONHOS 187
REFERÊNCIAS 195
APÊNDICE A 203
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO 203
APÊNDICE B 207
ROTEIRO DE ENTREVISTA 207
INTRODUÇÃO
Reconhecendo-me conheço melhor e reconheço minha finitude, minha indigência, que me inscrevem em permanente busca, inviável no isolamento. Preciso do mundo, como o mundo precisa de mim. O isolamento só tem sentido quando, em vez de negar a comunhão, a confirma como um momento seu.
(Paulo Freire)
Após compartilhar um pouco minha experiência de vida e minha escolha em estar com essas pessoas, é preciso conceituar teoricamente quem são e o que iremos denominar neste livro como classes populares
, oprimidos
, invisíveis
e marginalizados
, pois isso faz parte da justificativa de fazermos pesquisa com eles e elas, do porquê nos movemos na mesma direção que eles(as) e por qual razão acreditamos que esse é o caminho para construímos juntos outro modelo de sociedade, que valorize a diversidade de visões de mundo, de jeitos de ser, de viver, de exprimir a vida, como explicitado em Souza e Amaral (2009, p. 3):
[...] os invisíveis são os homens e as mulheres que não têm a possibilidade – uma vez que esta lhe é negada – de ter a identidade reconhecida fora de seus grupos e comunidades de origem, encontrando-se oprimidos pelo desrespeito à sua relevância histórica, social ou cultural. Essa postura desrespeitosa minimiza sua existência e torna desvalida uma parte significativa da sociedade, que é colocada à margem de decisões cujo alcance político lhes garantiria direitos que não podem usufruir plenamente em sua cidadania.
Com essa indagação, procuramos desmistificar a invisibilidade que é dada aos oprimidos e que os colocam em uma condição de inferioridade histórica, política, econômica, social, étnico-racial e cultural. Indo ao encontro da superação dessa condição, destacamos o processo de libertação pelo qual homens e mulheres podem ser sujeitos de sua vida.
Vivemos em uma sociedade capitalista dividida por classes sociais, na qual encontramos os que dominam os meios de produção (a classe dominante) e os que são subjugados por eles (a classe dominada). Por meio dessa diferenciação ficam expressas na sociedade várias contradições, que se dão na medida em que a maioria da população – que vende sua força de trabalho – sofre exploração (social, cultural e econômica) perto do acúmulo de capital, que ocorre por outra pequena parcela da população – patrão e proletariado. Como enfatiza Ferraz (2009, p. 287):
O determinante de classe não é exclusivamente o lugar na organização da produção econômica. Outros determinantes (culturais, político-ideológicos) atuam sempre sobre aquele aspecto, sobredeterminando-o, muitas vezes mudando-lhe a forma, contribuindo para constituir a determinação mais total, a saber, o lugar na produção e reprodução da vida real, como enunciado por Engels. Teríamos, então, determinações da chamada estrutura (que impõe-se somente em última instância, como necessidade) + (sobre)determinações da chamada superestrutura, o que resulta em múltiplas determinações e múltiplas contradições em um tipo de dialética que não está mais no terreno da contradição de dois pólos, contradição simples, característica da dialética hegeliana. A constituição das classes sociais é, então, um fenômeno sobre o qual atua um conjunto de mediações históricas – entendidas aqui como sobredeterminações – que atuam sobre determinações fundamentais dadas, imanentes ao próprio modo de ser do modo de produção como, por exemplo, no caso do capitalismo, sua característica estrutura de classes e a relação dos agentes com a propriedade privada dos meios de produção.
Vemos, portanto, que a conceituação de classe social nasce marcada pela necessidade política de pontuar quem são os sujeitos sociais, ou seja, quem são as pessoas que lutam em prol de uma sociedade mais justa e igualitária para todos(as) e quem são as pessoas que defendem a manutenção do acúmulo de capital e da propriedade privada. Temos, aqui, relações de poder muito bem definidas.
Neste livro apresentamos a visão das classes populares como sendo aquelas pessoas que têm seus direitos negados, que são impedidas de serem, que vivem em condições elementares para exercício de sua cidadania e que estão a par do uso dos bens materiais social-historicamente construídos. O uso do termo opressor
e oprimido
por Paulo Freire (2005a, p. 44) vem dessa conceituação e a superação dessa condição de opressão depende da percepção dos oprimidos sobre sua real condição, como é revelado em sua fala:
Quanto mais as massas populares desvelam a realidade objetiva e desafiadora sobre a qual elas devem incidir sua ação transformadora, tanto mais se inserem
nela criticamente. Desta forma, estarão ativando consciemment le développement ultérieur
de suas experiências. É que não haveria ação humana se não houvesse uma realidade objetiva, um mundo como não eu
do homem, capaz de desafiá-lo; como também não haveria ação humana se o homem não fosse um projeto
, um mais além de si, capaz de captar a sua realidade, de conhecê-la para transformá-la.
Conforme Freire (2005a), as classes populares, também denominadas de povo
, ao se darem conta da exclusão que sofrem, passam a se organizar para o bem comum, nos sindicatos, nos movimentos sociais, nas comunidades, nos bairros, nos assentamentos. O ser popular deve ser entendido como pessoas que estão lutando para se verem livres de situações de miséria que lhes são designadas. Ser popular, portanto, é estar ligado estritamente com lutas políticas que vão contra uma ordem hegemônica de exclusão e têm como princípio a contestação frente às desigualdades.
Para Fiori (1986, p. 4), consciência e mundo, juntos, ganham realidade:
O mundo é significado no permanente significar ativo, que não é atividade de uma consciência pura, mas desenvolvimento dialético da consciência do mundo ou do mundo consciente. [...] Na medida