O Céu Dentro da Mente: Nova Abordagem da Psicologia Positiva
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O Céu Dentro da Mente - Pasquale Ionata
bibliográficas
Apresentação
Este é o meu quinto livro. É um livro bem diferente dos anteriores, tanto na forma, pois não é uma simples sucessão de perguntas e respostas (como foram os anteriores), quanto no conteúdo, pois não possui um caráter nitidamente divulgador. É diferente porque exigiu um maior empenho do ponto de vista profissional, comparando com os que já escrevi. É diferente, sobretudo, pelas sensações de pudor e de contenta- mento que a sua publicação provoca em mim.
A sensação de pudor decorre do fato de se tratar de um livro, digamos, autobiográfico
. Inúmeras são as referências a experiências vividas, a lembranças íntimas, mas, especialmente, a uma visão do mundo que me caracteriza pessoal e profissionalmente. Abrir o coração
nem sempre é fácil.
A sensação de contentamento, por sua vez — como o próprio título do livro revela — deve-se ao fato de seu conteúdo ter por objetivo facilitar os leitores a viverem as seguintes realidades psicológicas: a abordagem otimista da vida, o comportamento ético das virtudes, o uso constante das forças humanas positivas, a visão sobrenatural das coisas, a experimentação das dimensões existenciais sob a perspectiva mística
etc. Todas essas realidades psicológicas são profundamente dinâmicas e, a meu ver, não podem faltar em cada um de nós que pretenda adotar uma vida sadia em termos mentais e rica de significado do ponto de vista relacional com os outros e consigo mesmo.
Com essa intenção, transitei pelos mais diversos campos psicológicos: desde as forças humanas positivas (cooperação, felicidade, entre outras) até as metáforas transculturais positivas (parábolas cristãs, muçulmanas etc.); desde as virtudes (as teologais) até as vivências biográficas (pessoais e de outros); desde os votos religiosos (obediência, castidade…) até o comportamento ético (consigo mesmo, com os outros e com a dor); desde o misticismo sagrado (dos grandes santos católicos, dos hindus etc.) até o misticismo da normalidade (das pessoas comuns, dos doentes etc.); desde a experiência mística individual (feita de êxtases, de levitações e muitas outras) até a experiência mística coletiva (do amor sobrenatural vivido entre as pessoas), e assim por diante.
Faço questão de dizer que levei em consideração quase todos os psicólogos e psicanalistas mais famosos, como Sigmund Freud, Carl Gustav Jung, Alfred Adler, James Hillman; os grandes nomes da psicoterapia, como Aaron Beck, Victor Frankl, Fritz Perls, Milton Erickson. Mas levei em consideração também diversos representantes da moderna psiconeurologia, como Eric Kandel, Joseph Le Doux, Bessel van der Kolk, Eugene d’Aquili. No teor desta apresentação, não poderia deixar de citar dois psicólogos
que tenho em alta estima: o norte-americano Martin Seligman (cf. www.positivepsychology.org), professor de psicologia na Universidade da Pennsylvania, ex-residente da maior associação de psicólogos do mundo, a apa (Associação Americana de Psicólogos), e a italiana Chiara Lubich (cf. www.focolare.org), doutora honoris causa em psicologia pela Universidade de Malta, além de ser a presidente de um dos movimentos espirituais mais difundidos no mundo, o Movimento dos Focolares, presente em cento e oitenta e três países.
Duas personalidades que comungam de um profundo amor pelo ser humano: Martin Seligman é porta-voz de uma verdadeira renovação metodológica e científica da psicologia, com a proposta do Positive Psychology movement (movimento da Psicologia Positiva). e Chiara Lubich, dona de uma experiência espiritual comunitária de pouco mais de meio século, que está renovando diversos campos do saber, como a psicologia, de maneira mais do que positiva — eu diria, superpositiva.
Essas duas psicologias
não são duas teorias psicológicas a ladearem outras escolas psicológicas de eficácia já comprovada, como a psicanalítica, a comportamental humanístico-existencial etc. São duas maneiras de enxergar a psicologia em suas raízes e em seus fundamentos; são duas expressões, uma mais científica e a outra mais mística, de uma mesma realidade que trará uma verdadeira inovação paradigmática na psicologia.
Seligman tem a convicção de que a psicologia não é somente o estudo da fraqueza psíquica ou dos defeitos mentais, mas é também o estudo das forças humanas positivas e das virtudes. Chiara Lubich, embora em outros termos, vai na mesma direção, tendo como modelo de realização humana a psicologia que emana da mensagem do Evangelho.
Martin Seligman instituiu recentemente, junto à Fundação Templeton¹, o Prêmio Templeton para a Psicologia Positiva, destinado a jovens psicólogos pesquisadores, autores de excelentes trabalhos científicos, cujo objetivo seja uma melhor compreensão do que merece ser vivido durante a vida. O campo de trabalho inclui assuntos como coragem, honestidade, dever, alegria, autocontrole, perseverança, sabedoria, sobriedade, identidade moral etc. Dimensões todas elas existenciais que, como os leitores perceberão, são evidentes também na proposta psicológica de Chiara Lubich, embora potencializadas segundo a perspectiva mística.
Concluo esta apresentação formulando sinceros votos de que, durante a leitura, penetre e permaneça na mente
do leitor, por mais tempo possível, ao menos uma pequena porção de Céu
, de tal modo que se possa, desde já, viver aqui na terra as coisas do Céu
.
Pasquale Ionata
1 Cf. www.templeton.org (é interessante notar que chiara Lubich recebeu, em 1977, em Londres, o Prêmio Templeton para o Progresso da religião).
Primeiro capítulo
Psicologia Positiva
Situação juvenil
Recentemente, ao ler um jornal italiano de tiragem nacional ( La Repubblica , 15/7/2002, p. 20), deparei com a notícia, no mínimo alarmante, de que aproximadamente três milhões de jovens norte-americanos correm o risco de se suicidar.
A notícia baseia-se num estudo do ministério da Saúde estadunidense que, entretanto, não acompanhou os resultados com nenhum tipo de análise ou interpretação. De qualquer forma, continua sendo um dado assustador, sobretudo por se tratar da faixa social juvenil.
Mas, passado o susto, logo procurei entender, e me questionar, como psicólogo, a real situação de tudo isso, inclusive porque o que acontece na américa do norte, mais cedo ou mais tarde, repercute também em outros países.
Espontaneamente, indaguei-me como era possível que, logo num país tão rico e poderoso, como são os estados unidos, que oferecem inúmeras possibilidades e oportunidades para seus jovens, se manifestasse o paradoxo de uma epidemia depressiva preocupante e com tamanhas dimensões, justamente nessa faixa etária, em geral considerada bela e despreocupada.
Poucos anos atrás, Martin Seligman denunciou o perigo de uma epidemia depressiva entre os jovens norte-americanos, a qual, na sua opinião, teria três causas psicológicas diferentes (cf. 2000, p. 415). A primeira, o desequilíbrio do balance I and We (equilíbrio eu e nós); a segunda, o desenvolvimento do self-esteem movementi (movimento da autoestima), e a terceira, a difusão da ideology of victimology (ideologia da vitimologia). Analisemos com mais profundidade essas três causas.
A primeira, por exemplo, evidencia uma incapacidade enorme de os jovens norte-americanos viverem realidades comunitárias. É notório que os estados unidos são uma nação individualista, em que o sucesso profissional e a afirmação social são muito importantes, a ponto de estabelecer uma hipertrofia do eu impregnado pela "cultura do big I" (grande eu). Na cultura do eu, as minhas vitórias e os meus fracassos são de capital importância, em detrimento da relação com os outros. Cria-se, dessa forma, um grande desequilíbrio no equilíbrio do Eu-Nós que leva, inevitavelmente, a uma depreciação do sentido comunitário da vida, desequilíbrio que, em parte, é compensado pelo fenômeno bastante difundido do patriotismo e da veneração à bandeira de estrelas e listras, especialmente depois do ataque terrorista às torres gêmeas.
A segunda causa, por sua vez, diz respeito ao movimento de autoestima, nascido em 1960, na Califórnia, e que — infelizmente — se está difundindo no mundo inteiro. Segundo tal movimento, entre os principais deveres do educador, dos pais ou do terapeuta, está o de encorajar fortemente a autoestima. Embora eu não seja contrário à autoestima ou à autoconfiança, acredito que é preciso considerar bem que tipo de autoestima deve ser encorajado: se a autoestima fundamentada e justificável, relacionada com a aprendizagem e o exercício das qualidades humanas que permitem concordar com outras pessoas, por exemplo, no trabalho, na escola ou na prática de esportes etc.; ou a autoestima infundada e arbitrária, que, ao contrário, leva os adolescentes a se apropriarem de slogans como "I am special (
eu sou o máximo), em que se baseia o movimento da autoestima. O desenvolvimento e a difusão dessa tendência fizeram com que, nas escolas, se eliminassem os testes de avaliação da inteligência e das notas, temendo se criasse mal-estar entre os adolescentes com notas baixas. Esse movimento não só depreciou cada vez mais uma
competição" sadia e correta entre os jovens, como também os induziu a não levarem na devida consideração o trabalho árduo e responsável. Paradoxalmente, a autoestima que esse movimento proclama, embora tenha atingido altos níveis nas crianças, está se revelando enormemente frágil e sem fundamento.
A terceira causa está na vitimologia. É no mínimo curioso que um país como os estados unidos, que se orgulha do forte senso de responsabilidade individual, se tenha transformado numa nação de vítimas. As razões de tal fenômeno têm suas origens num episódio ocorrido em 1870, em Chicago, quando houve uma rebelião na Haymarket Square, em que perderam a vida sete policiais, mortos pelos manifestantes estrangeiros que protestavam pelas suas condições de trabalho. Naquela ocasião, um grupo de teólogos protestantes liberais defendeu — atitude essa que gerou uma ciência social
— que a causa de tais homicídios não era tanto a maldade ou a imoralidade dos imigrantes, mas o fato de eles serem vítimas da privação, da ignorância e da pobreza, identificando assim a causa de eventos criminosos como esse num ambiente desfavorável, antes que na responsabilidade pessoal.
Após os fatos acontecidos na Haymarker Square, essa nova perspectiva de encarar os problemas sociais certamente obteve repercussões positivas. Por exemplo, antes de 1930, o alcoólatra era confinado na faixa social dos maus
elementos, mas, naqueles anos, o nascimento dos alcoólicos anônimos
deu ensejo a que o problema fosse considerado como um grande transtorno de que o alcoólatra era vítima, criando a possibilidade de mudança de perspectiva, segundo a qual os distúrbios poderiam ser curados. Nos anos de 1950, o movimento dos direitos civis
usou a vitimologia numa causa nobre, conseguindo condicionar a Suprema corte dos estados unidos. Em 1953, pela primeira vez, ela reconheceu que os afro-americanos não usufruíam das mesmas oportunidades dos brancos e sofriam discriminações sociais, de que eram cada vez mais vítimas frequentes.
Atualmente, porém, essa ideologia está sem controle, e tornou-se perfeitamente normal atribuir a culpa das próprias dificuldades ao fato de sermos vítimas de alguma coisa ou de alguém. Chega-se ao absurdo, por exemplo, de os filhos que assassinam os próprios pais serem como que desculpados com base em abusos declarados na infância. Eu poderia continuar citando outros exemplos, mas seria melhor examinar as vantagens da vitimologia e suas consequências. A primeira vantagem é assumir a defesa dos oprimidos. A segunda ocorre, quando podemos encontrar um culpado por nossas próprias fraquezas que não nós mesmos (na doença, na classe dirigente, na própria raça, no próprio sexo etc.), sentimo-nos melhor e a autoestima aumenta. A terceira acontece, quando somos vítimas, obtemos mais compaixão e apoio do que fracasso e desprezo. Por outro lado, a primeira consequência da vitimologia está em sua natureza temporária, no sentido de que, proporcionando um bem-estar num curto período de tempo, ela impede que se descubram as causas reais relativas ao longo período. A segunda dá-se quando erramos e não percebemos que o problema está nas coisas que fazemos, nas decisões erradas que tomamos, ou então, no caráter difícil que podemos ter. A terceira é a erosão gradual das responsabilidades. A quarta é a indução a um tipo de impotência psíquica que deixa passivos especialmente os jovens diante de acontecimentos importantes, considerados incontroláveis. Enfim, a última consequência da vitimologia é a deformação da natureza heroica de alguns personagens, como demonstrou, em 1997, a surpreendente participação coletiva na dor pela morte da princesa Diana, certamente superior à dor pelos funerais de Madre Teresa e de outros personagens, como John Fitzgerald Kennedy e Marilyn Monroe. Mas, por que Diana era assim tão popular, especialmente entre os jovens? Acredito que ela tenha sido a princesa das vítimas. Diana sofria de bulimia e anorexia. Ela mesma se auto- definiu uma vítima, culpou-se pelos erros alheios e tentou suicídio algumas vezes. A família real a oprimia, o mundo inteiro a via não como a mãe dos herdeiros do trono britânico, mas como a vítima da infidelidade e da indiferença do marido. o mundo inteiro a via como uma heroína e, frequentemente, os heróis são autores de feitos corajosos e realizam coisas extraordinárias, como, justamente, Madre Teresa. Entretanto, Diana não fez nada disso e, ainda assim, durante o seu funeral, muitíssimos jovens se identificaram com ela, transformando-a na princesa deles.
A essa altura, surge espontânea a exigência de nos opormos a tudo isso, tentando dar uma resposta que contraste essa epidemia depressiva juvenil com a descrição das virtudes ou forças humanas positivas.
Elevation (elevação)
Durante o seu primeiro século de vida, a psicologia concentrou boa parte de sua atenção científica somente nas emoções negativas: na agressividade, mais do que no amor; no conflito, mais do que na paz; no medo, mais do que na coragem. Um estudo abalizado da Psychological Abstracts , por meio de uma pesquisa eletrônica, como a PsycInfo , salienta que, desde 1967, 5.548 artigos de psicologia tratam da raiva, 41.416 tratam da ansiedade e, nada mais, nada menos do que 54.040 tratam da depressão, ao passo que apenas 415 têm como tema a alegria, 1.710, a felicidade, e 2.582, uma vida satisfatória. No total, havia vinte e um artigos sobre as emoções negativas para cada artigo sobre as positivas! Em poucas palavras, nos últimos trinta anos, segundo o psicólogo David Myers, a literatura psicológica contemplou quarenta e seis mil documentos sobre a depressão e somente quatrocentos sobre a alegria. Mas a tendência está mudando, tanto que, durante os anos de 1980, quadruplicou o número de artigos que falam do bem-estar, da vida satisfatória, da felicidade, passando de duzentos para oitocentos por ano.
Portanto, nesse contexto histórico, compreende-se melhor por que até hoje a psicologia pôde conceber virtudes humanas como a coragem, o altruísmo, a fé, a honestidade, a perseverança, o dever etc., como ilusões, para não dizer falsidade, ou como mecanismos banais defensivos e compensadores, ao passo que os vícios ou as fraquezas humanas, como a avareza, a ansiedade, a luxúria, o egoísmo, o medo, a angústia, a depressão etc. Foram concebidos como sendo mais autênticos e dignos de confiança.
Após mais de um quarto de século de profissão liberal no campo psicoterápico, cheguei à conclusão de que as três grandes causas da epidemia depressiva entre os jovens de hoje, já mencionadas acima, ou seja, o desequilíbrio a favor do eu a despeito da relação eu e nós, a difusão do movimento da autoestima e a ideologia da vitimologia podem ser enfrentadas e resolvidas apelando-se para as virtudes humanas que acabamos de citar. Não creio que a ciência da psicologia possa corrigir o desequilíbrio da harmonia eu e nós, mas a religião e a renovação espiritual podem, a fim de construir uma comunidade a partir das coisas menores, como aquela, talvez insignificante, de os pais dedicarem mais tempo aos filhos. Penso ainda que se possa — aliás, que se deva — fazer algo para redimensionar o valor da autoestima, ensinando, por exemplo, a distinção entre autoestima positiva e autoestima negativa, ou, então, demonstrando empiricamente a possibilidade de se aprender a capacidade de estar bem com os outros, do mesmo modo que se aprende a ser responsável na escola, no trabalho, no esporte etc., estimulando, assim, o otimismo. Por fim, podemos nos ocupar da vitimologia, que, a essa altura, invade as ciências sociais e, cada vez mais, preocupa o poder político.
Chegou o momento de passar de uma psicologia inteiramente concentrada em fornecer ao indivíduo somente respostas passivas diante de um estímulo, a uma psicologia que, ao contrário, ofereça respostas que estimulem ativamente o senso de responsabilidade, o autocontrole e a capacidade de escolha. Esse é o principal objetivo que a melhor psicologia hodierna mira com interesse. É a nova perspectiva da futura ciência social que contempla as nossas melhores possibilidades. Trabalhar na prevenção abre-nos uma janela para esse futuro. Uma prevenção eficaz não pode visar à mudança química do cérebro por meio de psicofármacos ou à reparação dos danos psíquicos pregressos apenas com a psicoterapia. Uma prevenção eficaz virá, antes, do planejamento e da construção de determinadas forças humanas, que, na minha opinião, são a grande barreira defensiva contra todos os distúrbios mentais. Refiro-me, por exemplo, ao otimismo, à esperança, à coragem, à capacidade de se relacionar, à bondade, ao amor, à gentileza, à responsabilidade, à fé, à retidão no trabalho, à honestidade, só para citar alguns exemplos. E esse conjunto de forças humanas, na opinião do maior psicólogo vivo, Martin Seligman, constitui a psicologia positiva, a psicologia do século XXI, já inevitavelmente encaminhada a consolidar-se, tendo a seu favor a grande vantagem de fundamentar a compreensão científica e a afirmação que resulta da prática das virtudes e a conquista das melhores coisas na vida.
Dentre todas essas forças humanas, a psicologia positiva focalizou ultimamente algumas delas, por meio de estudos empíricos e pesquisas científicas, como o interesse, a alegria, o contentamento
. Entretanto, mais interessante ainda é outra emoção positiva, estudada e posta recentemente em evidência: a elevation (elevação)².
De que se trata? Um pesquisador norte-americano da universidade da Virgínia, Jonathan Haidt, concentrou diversas pesquisas suas nas emoções morais. Ele estudou principalmente a emoção do desgosto como reação à feiura moral do homem, e mais outra emoção, que denominou, justamente,