Tratado de Confissão - II: Tratado de Confissão, #2
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Sobre este e-book
O Tratado de Confissão, impresso em Chaves em 1489, é um manual para instrução do clero na difícil tarefa de ministrar o sacramento da penitência aos fiéis cristãos. Bastante polémico e politicamente incorrecto aos olhos actuais, ele é um retrato bastante realista dos comportamentos desviantes dos cristãos do século XV, especialmente no âmbito sexual. Nele são tratados em pormenor o adultério, a violação ou estupro, a pedofilia, o incesto, o aborto e a homossexualidade.
Esta nova edição, além do estudo introdutório, contém a edição semidiplomática da obra (de acordo com a edição de 1489), a edição actualizada para um público pouco familiarizado na leitura de textos portugueses antigos e a lematização do vocabulário.
José María Soto Rábanos diz o seguinte acerca desta obra: «El tratado no me parece obra de autor, por varias razones que se podrían resumir en una: no tiene la estructura que se le supone a una obra de autor. Para empezar, en el prólogo no hay alusión alguna expresa a la motivación del escrito, como suele suceder en los tratados de autor; sino que se empieza directamente con la figura del prelado-juez. Ni siquiera se utilizan términos de carácter sacramental, como los de: pecado, confesión, confesor, penitente, sino términos más propios del ámbito normativo y, en concreto, judicial, como los de: juez, prelado, delito, sentencia, acusado. El discurso prologal se acompaña de citas, tipo ético, de Aristóteles, morales de san Bernardo y jurídicas de san Ambrosio. La única mención a penitencia y a pecado, en este ambiente judicial, llega en la última frase del prólogo, en la que se anota, sin precisar, la pena que debe sufrir un juez por dar una sentencia contra derecho: "E este tall por este pecado deue a receber mui grande peemdemça".»
José Barbosa Machado
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Tratado de Confissão - II - José Barbosa Machado
EDIÇÃO ACTUALIZADA
Todo juiz e prelado da Santa Igreja, pera ser bom juiz e manter bem seu estado, deve a ser dereito e haver dereita intenção em tôdalas cousas que fezer e julgar. E esto aparece por muitas razões e semelhanças. Ponhamos segundo dize Aristóteles: «Se algum dá sentença dereita, empero que não há a intenção dereita, mas dá por medo ou peita ou por amor do outro, tal juiz como este não é dereito juiz, ainda que dê a sentença dereita, porque a não dá com dereita intenção.» Vemos nós ainda nas cousas corporais que aquela cousa que dizemos dereita, que há tôdalas partes iguais e não se inclina mais de uma parte que da outra, o qual juiz deve assi ser dereito, que em nenhuma maneira nem por nenhuma razão não se inclinar mais a uma parte que a outra. E por esso diz São Bernardo: «Deus deu ao homem corpo e estatura dereita pera lhe dar a entender que deve-a guardar e ter dereito em tôdalas cousas». E como quer que dito é, todo juiz deve haver sempre em julgando dereita intenção, empero sem esta dita intenção deve-a confirmar com aquelas cousas que em dereito são escritas e ante ele forem alegadas. Onde diz Santo Ambrósio que o juiz, quando vier ao juízo, não deve a julgar segundo a consciência e vontade que trouver de sua casa, mas segundo as razões e os dereitos que forem em juízo por ante ele alegados. Onde se um homem ante algum juiz é acusado de alguma cousa falsamente, empero suficientemente lhe é provado por falsas testemunhas, em tal caso, segundo os doutores dizem, o juiz, se pode achar algum caso pera o livrar apoendo alguma cousa contra as testemunhas pera o seu testemunho não valer, pode-o fazer, se não se entender que é mais segura cousa pera o acusado, deve-o enviar a outro juiz maior se sabe que por ele será livre. E se não peca, se não dá sentença contra ele segundo as razões que forem alegadas ante ele, como quer que o faça contra sua intenção e contra a verdade, que em outra maneira sabe não como juiz, ca tal não condena ele, mas aqueles que contra ele deram aquele falso testemunho. E se em outra maneira o juiz dá sentença contra consciência e contra dereito e em prejuízo doutro por amor ou por peita, fica suspenso do ofício por um ano e é teúdo de entregar a outra parte quanto por sua sentença perdeu. E de mais se é oficial na Igreja, é irregular e não pode ser absolto senão pelo papa de Roma segundo diz a degratal.
Segundo dizem os santos, cada um juiz, e mormente eclesiástico, tão firme e tão estável deve a ser em julgando dereito, que não deve a leixar a julgar todo aquelo que dereito for por medo de pessoa que no mundo haja, nem por perigo que lhe ende possa vir, nem por amor, nem por peita, nem por ódio que alguém haja, ca estas quatro cousas são porque algumas vezes alguns juízes não julgam dereito, convém a saber: temor, cobiça, et cetera unde uersus quatuor ista timor, odium, dilectio sensus sepe solent hominum peruertere sensus. Onde bem deve a parar mentes todo juiz e deve saber, segundo diz um degreto, que, se alguma sentença dá contra dereito por alguma destas cousas ou por outra qualquer que entende, deve-a entregar àquele contra que deu a sentença todo aquelo que por ela perdeu, salvo se fezesse à outra parte que lho entregasse, e de mais, segundo as leis dos imperadores, é teúdo a outras muitas penas. E este tal por este pecado deve arreceber mui grande pendença.
Capítulo primeiro.
Este modo deve ter o confessor com aqueles que confessar: primeiramente faça ser a pessoa e faça-lhe fazer o sinal da cruz.
Item pregunte-a logo que tempo há que foi confessada e a quem e que pendença lhe deu e se a teve ou não ou se pecou mortalmente ante que a acabasse. Item lhe deve a dizer em como a confissão está em três pontos, scilicet: Contrição de coração. Confissão pela boca. Satisfação por obra.
Item lhe faça logo três preguntas. A primeira se tem ódio alguém. A segunda se anda em alguma excominhão. A terceira se quer fazer pendença e partir-se dos pecados quanto em si for.
Item saiba da pessoa de que estado é: se é casada, se solteira, se abarregada, e esso mesmo por que mester vive. E esto assi feito, leixe-a dizer seus pecados e não lhe fale mais até que a pessoa cale e que mais não queira dizer. E se vir que se sabe bem confessar, não faça, mas se não, reprenda-a doestando-lhe os pecados e louvando-lhe as virtudes, e absolva-a e dê-lhe sua pendença. E se vir que se não sabe confessar, leve-lhe este modo que se segue.
Primeiramente pregunte pelos sete pecados mortais, que são estes: Soberba. Inveja. Ira. Acídia. Avareza. Luxúria. Gargantuice de muito comer e beber. Item vá-se logo aos cinco sentidos, que são estes: Ver. Ouvir. Gostar. Cheirar. Palpar. Item depois desto, vá-se aos .x. mandamentos da lei, que são estes: Amar a Deus sobre todas as cousas. Não jurar por o seu nome em vão. Guardar o domingo. Amar os próximos seu padre e sua madre. Não matar. Não fornigar. Não furtar. Não dizer falso testemunho. Não cobiçarás as cousas de teu vezinho. Não desejarás a mulher de teu próximo. E depois que lhe esto assi disser sumariamente, então pregunte pelo meúdo por cada uma das ditas cousas e por as circunstâncias delas.
Seguem-se as preguntas dos pecados mortais
e das circunstâncias deles.
Capítulo segundo.
Primeiramente lhe pregunte se pecou por soberba querendo-se levantar sobre os outros no coração. Ou por obra, ou por palavra. Se das riquezas. Se da fremosura. Se do poderio. Se por ser de grande geração. Se por haver bom engenho nas cousas. Se por ser sabedor. Se por ter boas vestiduras e bem feitas. Se por falar bem e aposto. Se por cantar bem. Se fez ou disse alguma cousa por haver louvor dos homens. Se foi cintemente contra a verdade. Se tomou alguma cousa sem grado de seu dono. Se se quis fazer igual das pessoas mais maiores que si. Se disse algumas palavras de soberba ou de doesto. Se contendeu ou feriu algum com soberba. Se arrenegou. Se julgou outrem e não a si mesmo. Se se gloriou dos pecados que fez. Se se gabou deles a outrem. Se por fazer boas obras a outrem quis ser louvado. Se tem que as boas que há que lhas não deu Deus nem lhe dá por elo graças, mas tem que as há por seus trabalhos. Se tem que há em si algumas bondades, as quais em si não há. Se é vanglorioso. Se é presuntuoso. Se é hipócrita. Se por ser muito barnil. Se desprezou os pobres. Se por ler ou cantar bem. Se por pregar. Se por desputar. Se por ter muitos discípulos. Se por ter muitos livros e bons. Se por cuidar de si que é bom. Se por haver boas casas e assi de tôdalas outras riquezas.
Da inveja.
Capítulo terceiro.
Pregunte outrossi: Se pecou alegrando-se do mal de outrem. Se se doeu do bem de seu próximo. Se por conselho ou por palavra ou por obra ou por ajuda ou por outro qualquer modo se trabalhou de corromper a boa fama de outrem. Se foi em embargo de algum bem ou proveito de seu próximo. Se foi semeador de discórdia ou de baralhas.
Segue-se do pecado da ira.
Capítulo quarto.
Pregunte-lhe ainda se houve rancor em no coração ou sanha. Se se moveu à sanha contra seu próximo. Se o escandalizou por arruídos ou por doestos ou por outras injúrias. Se deu testemunho contra seu próximo pelo fazer condenar. Se lhe houve ódio ou o provocou à sanha. Se lhe desejaram morte ou perigo. Se lhe desejaram perda dos filhos ou dos gados e assi dos outros bens. Se deu conselho alguém que fezesse mal a seu próximo. Se desmentiu alguém. Se por ira disse mal de Deus ou dos seus santos. Se murmuraste. Se escarneceste. Se ameaçaste. Se lançaste a mão sanhudamente em alguém. Se o chagaste ou fezeste chagar. Se por estares sanhudo leixaste de fazer algum bem. Se fez homicídio.
Segue-se do pecado da acídia.
Capítulo quinto.
Pregunte-lhe mais se leixou de saber o pater noster e ave maria e o credo in deum por negligência. Se leixou de ir à igreja aos tempos que devera. Se não quis ir ouvir as missas e as pregações ao tempo convinhável. Se se afrigiu com nojo pela solenidade da missa ou pelo sermão ser grande. Se quando está à missa ou à pregação tem o coração nas cousas do mundo. Se leixou de saber os artigos da fé por sua negligência. Se os preceptos de Deus desprezou de saber. Se despendeu mal seu tempo. Se se não vai logo confessar como cai no pecado. Se leixou de dizer os pecados e as circunstâncias deles cintemente. Se negligentemente vai à confissão não cuidando bem nos pecados que fez. Se comungou estando em pecado mortal. Se não teve as pendenças que lhe deram. Se negligentemente e não com devação rezou as horas canónicas. Se desprezou de pregar e de ensinar de Jesu Cristo. Se não corrigeste a vida dos teus súbditos. Se se calou mais que cumpria. Se não fez o bem que pudera fazer sendo a ele teúdo. Se começou de fazer algum bem que não acabasse. Se embargou o bom propósito de outrem. Se murmurou de algum por o seu bom propósito. Se prometeu algumas cousas que as não desse. Se estando na igreja falou palavras ociosas e vãs.
Segue-se da avareza.
Outrossi lhe pregunte se é cobiçoso. Se ajuntou as cousas temporais com grande ardor. Se ascondudamente achou algumas cousas e se calou com elas tomando-as pera si. Se tomou algumas cousas por força ou se as furtou escondida-mente. Se não pagou aos seus obreiros. Se emprestou à usura. Se cometeu simonia dando ou emprestando cousas espirituais por temporais. Se jurou pelos Santos Evangelhos ou por outro modo. Se deu falso testemunho. Se afagou algumas pessoas por haver delas alguma cousa. Se usou mais que devia dalgumas cousas que lhe emprestavam. Se não acorreu na necessidade ao pobre. Se em dando-lhe alguma cousa o doestou. Se comprou alguma cousa pera depois vender mais cara. Se desejaste haver arruídos ou contendas por razão de haver amizidade mais com uns que com outros. Se desejaste enfermidade ou algum outro mal a alguns por haver vingança de algum nojo que te fezesse. Em sendo procurador, perlongou alguns feitos por haver por elo maior ganho.
Segue-se da luxúria.
Ainda lhe pregunte se fornigou com manceba solteira se com casada. Se corrompeu virgem. Se em si mesmo espertou luxúria. Se tratou sem vergonha as partes vergonhosas. Se foi poluto por sonho. Se cometeu sacrilégios ou conjurações por luxúria. Se se delectou longo tempo em pensamentos de luxúria. Se por algum modo cometeu luxúria contra natura. Se olhaste ou desejaste alguma mulher desonestamente. Se provocaste por ti ou por outrem alguma mulher à luxúria. Se porque se afitou bem. Se provocaste os outros a esto. Ou se parou mentes em este pecado quando o outrem fazia. Se pecou com suas parentas. Se andou em danças por parecer bem.
Segue-se da gula.
Ora lhe pregunte outra pregunta: Se se acostumou a comer ou a beber ante da hora. Se quebrou os jejuns estabelecidos pela Santa Igreja. Se perlongou o comer e o beber deleitando-se em elo. Se houve deleitação em manjares desvairados. Se comeu muito aferventadamente. Se bebeu sobejo. Se foi bêbedo. Se fez vómito por sobejidão de comer ou de beber. Se por a garganta cometeu furto em pão ou em vinho. Se usou entrar nas tavernas ou se fez alá ir outrem. Se comeste na quaresma ou nos outros dias de jejum vianda que não fosse de quaresma. Se comeu vianda que fezessem Mouros ou Judeus ou se comeu ou bebeu com eles.
Seguemse os .x. mandamentos em os quais faça estas
preguntas que se seguem.
E no primeiro lhe faça sete preguntas: A primeira como crê em Deus. A segunda se é sorteiro ou sorteira. A terceira se é adivinha. A quarta se tirou por agoiros. A quinta se tirou por signos em que nascesse. A sexta se tirou por idoleiros. A sétima se fez alguns encantamentos.
Segue-se o segundo mandamento, scilicet, não nomearás o nome de Deus em vão, no qual lhe faça três preguntas. A primeira se jurou pelo nome de Deus, ou de Santa Maria, ou de algum outro santo em vão. A segunda [se] jurou por sobejidão ou por algo que lhe dessem por dar mau testemunho. A terceira se não cumpriu aquelo que prometeu.
Segue-se o terceiro mandamento, em que faça quatro preguntas. A primeira se obrou no dia do domingo. A segunda que obra fez, se foi em serviço de Deus ajudando algum lazerado. A terceira se foi em aqueles dias à igreja ouvir as missas e as pregações. A quarta se foi às albergarias visitar os enfermos, ou se foi visitar os presos ou pôr concórdia entre os mal avindos.
Segue-se o quarto mandamento, em que lhe faça seis preguntas: A primeira se feriu seu pai ou sua mãe. A segunda se lhes fez engano ou retraeu deles. A ter-ceira se lhes fez cousa com que os assanhasse. A quarta se honrou como devera. A quinta se os serviu ou lhes deu aquelo que haviam mester quanto em si foi quando os viu em necessidade. A sexta se lhes foi obediente assi como devia.
Segue-se o quinto mandamento, em no qual se entendem duas mortes, scilicet, morte corporal e morte espiritual. E quanto à morte corporal, faça-lhe .vii. preguntas e são estas: A primeira se matou alguém por si mesmo com suas mãos. A segunda se deu tal conselho. A terceira se outorgou com alguém que o fezesse. A quarta se fez ou deu a comer ou deu de beber algumas ervas por que alguma mulher perdesse o fruito do ventre. A quinta se abafou tanto a criatura com intenção de a afogar. A sexta se por feridas que desse à mulher fezesse perder a criatura que trouxesse no ventre. A sétima se feriu alguém a torto.
Seguem-se as preguntas que pertencem à morte espiritual. A primeira se é homicida em malquerença. A segunda se em retraendo. A terceira se em mal conselhando. A quarta se empecendo alguém. A quinta se em lhe tolhendo a vida em que se mantém.
Segue-se o sexto mandamento, scilicet, não fornigarás, no qual lhe faça .xvi. preguntas: A primeira com quem fez adultério. A segunda quantas vezes e com quais pessoas. E se for mulher a que se confessa, pregunte-lhe se houve algum haver dalgum homem que pertencesse à igreja ou ao mosteiro. A terceira, se for homem, pregunte-lhe quantas foram as mulheres casadas, ou virgens, ou viúvas, ou de ordem, ou com quantas parentas suas fornigou ou com quantas solteiras da mancibia e se outrossi dormiu com alguma sua cunhada. A quarta se fez aquele pecado se não como é costume de se fazer. Ou se andava cada uma dessas mulheres com sua frol, porque este pecado é muito grave. A quinta se se ajuntou a sua mulher salvante por fazer filhos de bênção, porque às vezes o casado pode pecar mortalmente com sua mulher. A sexta se houve polução. A sétima se fez esto em lugar sagrado. A oitava se o fez em dias santos ou de jejuns. A .ix. se jazia nu com a mulher nua. A .x. se era fremosa, se feia. A .xi. se o faz em jejum, se depois de comer. A .xii. se cobiçou alguma que não pudesse haver. A .xiii. se a alcovetou alguém. A .xiv. se jouve com elas trebelhando. A .xv. se prometeu de casar com alguma mulher sendo seu marido vivo. A .xvi. faça pregunta à pessoa se é casada e se o é dereitamente.
Segue-se o sétimo mandamento, em o qual lhe faça .xvi. preguntas: A primeira se furtou por si mesmo. A segunda se mandou furtar. A terceira é se consentiu no furto. A quarta se houve alguma cousa que outrem furtasse ou se sabia que era de furto, ou se lha leixou seu padre ou sua madre ou outra alguma pessoa alguma cousa mal ganhada. A quinta se recebeu ou comprou alguma cousa de roubo. A sexta se fez usura ou onzena. A sétima se pagou bem as soldadas aos mancebos e assi aos outros servidores. A oitava se fez simonia. A .ix. se pagou bem as dízimas. A .x. se se usou de penhor alheio. A .xi. se demandou alguma cousa por engano. A .xii. se trabalhou fielmente em mester ou em outras cousas. A .xiii. se achou alguma cousa do alheio.
Segue-se o oitavo mandamento, no qual lhe faça seis preguntas: A primeira se disse alguma cousa de morto ou de vivo. A segunda se disse que amava alguém e não era assi. A terceira se escarneceu de alguém, maiormente se era pobre. A quarta se falou cousas vãs. A quinta se blasfemou de Deus ou de Santa Maria ou dos seus santos. A sexta se murmurou dos santos de Deus.
Segue-se o nono mandamento, no qual lhe faça duas preguntas: A primeira se cobiçou cousa que não era sua. A segunda se cobiçou mais do que lhe Deus deu.
Segue-se o .x. mandamento, no qual lhe faça .xvi. preguntas: A primeira se é soberboso. A segunda se se preza muito ou prezou. A terceira se se gaba ou gabou de algumas cousas vãs que faz ou fez, ou se enfinge ou fingiu por razão das riquezas ou do linhagem. A quarta se descobriu seus membros por parecer bem. A quinta se é invejoso, assi como pesar-lhe do bem de seus vezinhos, ou se lhe praz quando lhe vem mal. A sexta se é sanhudo ou se se assanhou por tal guisa que perdesse o seu e o alheio. A sétima se lhe pesa do bem que faz. A oitava se é avarento. A .ix. se dá de boamente esmola aos pobres. A .x. se comeu muito. A .xi. se muitas vezes. A .xii. se comeu quando não havia vontade. A .xiii. se se embebedava. A .xiv. se jejuava assi como lhe é mandado. A .xv. se bebe antes de comer aos dias do jejum. A .xvi. se faz luxúria assi como é dito no sexto mandamento.
Segue-se o .x. mandamento, no qual lhe faça .v. preguntas, que são .xvii. preguntas nos pecados carnais, nos quais há .xvii. razões: A primeira se comungou em pecado mortal. A segunda se entornou o corpo de Deus. A terceira se é destruidor do que lhe Deus deu. A quarta se jogou as távolas ou os dados e se renegou no jogo. A quinta se é vagaroso em cumprir o serviço de Deus, ou se cuida algumas vanglórias ou se dá mau exemplo aos outros.
Depois desto faça três preguntas de algumas cousas que podem ser e são. A primeira se sabe sofrer o que lhe dizem. A segunda se é obediente. A terceira se a próprio.
Segue-se a interrogação que deve fazer aos religiosos e são sete preguntas: A primeira se tomou ordens por simonia ou furtivelmente ou por boa palavra. A se-gunda se errou no sacrifício ou se o fez limpamente. A terceira se rezou bem suas horas. A quarta se deu mau exemplo de si. A quinta se despendeu ou despende as cousas da igreja em maus usos. A sexta se comparte com os pobres os bens que lhe Deus dá ou se dá honra a seus maiores. A sétima se dá louvores a Deus pelos benefícios que lhe deu e se ouve com vontade as cousas de Deus divinais e outrossi se trage mal seus fregueses.
Seguem-se as preguntas que devem fazer aos clérigos e são sete.
Primeiramente: Se pecou em vendo as cousas do mundo e sem proveito. Se olhou as mulheres com má intenção. Se coalhou as cousas torpes assi em si como em outrem. Se se arredou de ver as cousas boas e santas e honestas.
Seguem-se as preguntas que deve fazer dos sentidos do corpo.
Primeiramente: Se tomou delectação em comer boas viandas ou em beber bons vinhos. Se come arrebatadamente a vianda mal mastigada e muito. Se tomou delectação em bons cheiros. Se cheirou cousas desonestas. Se trouve consigo cheiros provocativos à luxúria. Se tangeu com as mãos cousas desonestas e sujas. Se apalpou as mulheres com desonestidade e com mau desejo. Se se deu a ouvir as cousas vãs e ociosas. Se ouvio murmurações do próximo. Se se delectou em ouvir novas. Se lhe prouve de ouvir mentiras.
Segue-se uma regra geral que o confessor deve ter em preguntar toda pessoa.
Saiba o confessor da pessoa que se lhe confessa de que estado é e que ofício há por que vive. E segundo ofício que cada pessoa houver, assi lhe pregunte pelos pecados e enganos que são mais chegados segundo ofício e modo que tem de viver, mais aquele que há mester saber a discrição. Item lhe deve preguntar se pagou bem a Deus as dízimas e as primícias como devia. Item se fez alguns votos que não cumprisse. Item se fez feitiços. Item deve de preguntar às mulheres que confessar a cada uma se fezeram ou deram algumas cousas a seus maridos ou a outros homens por modo de amadigos ou de feitiços. E esta mesma pregunta faça aos homens. Item deve preguntar a cada uma das pessoas se são casadas e quanto tempo há que o são e se se casaram dereitamente e se é alguma das ditas pessoas casada com outrem.
Segue-se a confissão geral que deve de fazer a tôdalas pessoas.
Eu misquinho pecador e errado confesso-me a Deus e à Virgem Santa Maria sua madre e a tôdolos santos e santas da corte celestial, e [a] vós, meu padre espiritual, de tôdolos meus pecados e maldades que eu fiz e disse e conselhei e consenti e encobri e obrei contra a vontade de Deus até o dia de hoje. Pequei por soberba e por vanglória e por inveja e por cobiça e por avareza e por acídia e por má tristeza e por ódio e por má vontade e por hipocrisia e por priguiça e por negligência de bem fazer de muito bem que pudera fazer se quisera, e por gargantuíce e por bebedice e por todas aquelas cousas que devera fazer de bem que não fiz como devera e podera se eu quisera. Pequei pelos cinco sentidos, não usando deles em aquelo pera que mos Deus deu, mas por o contrairo, com pecados e maldades. Pequei não amando a Deus sobre tôdalas cousas como devera, não o temi, nem o servi, nem o louvei como devera e pudera se quisera, nem guardei os seus preceptos e mandamentos. Mas fize-lhe ser por muitos desprazimentos com pecados e maldades, da qual cousa me conheço a vós e a ele por muito pecador. Outrossi não amando os meus próximos em amor e em caridade, nem assi como a mim mesmo. Mas fize-lhes por muitas vezes muitos nojos e injúrias e muitos pesares e escarnhos, e aquelo que eu não queria a mim fezessem, doestando-os de más palavras torpes e desonestas e irosas e sanhudas, e escandalizei-os, tendo-lhes ódio e má vontade, e dizendo-lhes mal, e praza[va]-me de todo seu mal e pesava-me de todo seu bem. Ainda pequei em vendo muitas vaidades e loucuras do mundo, e muitas sandices e disse, e em que me deleitei e tomei prazer sobejo e desordenado. Digo ainda minha culpa que pequei em ouvindo muito mal dizer. E consentindo e falando muitas palavras torpes e desonestas e ociosas e lixosas. Item pequei dizendo muito mal de muitos e de muitas, prazendo-me de tudo e consentindo e encobrindo muitos pecados e maldades. Item pequei outrossi rindo e escarnecendo e arremedando e murmurando e profaçando e reprendendo, e muito mal dizendo de muitos e de muitas que eu não queria que de mim dissessem. Pequei ainda em julgando as fazendas e vidas alheias, parando mentes a elas e não à minha, e murmurando dos meus próximos e não murmurando dos meus maus feitos. Mais ainda pequei, ca fiz muitas vezes e afirmei da verdade mentira e da mentira verdade. Pequei pelo coração em cuidando muitas más cuidações e maus pensamentos, consentindo a eles e não lhes contradizendo como devera e pudera se quisera. Outrossi pequei cantando e tangendo cantos e tangeres torpes e desonestos e empecíveis à minha alma, com tôdolos sisos e sentidos que me Deus deu pera o haver de servir; com todos o desservi e desservo e lhe fiz e faço muitos desprazimentos com pecados e com maldades, do que me conheço a ele por mui culpado e peço-lhe que se amercie de mim e me perdoe os meus pecados. Pequei outrossi não me confessando bem, nem amiúde, nem com contrição, nem puramente todos os meus pecados e maldades, nem dizendo as circunstâncias deles como os fazia, nem como, nem por que guisa, em que lugar, nem em que tempo. Digo mais que pequei não tendo as pendenças que me davam, nem as cumprindo em estado de graça, mas ante que acabava uma, ante pecava outra vez mortalmente. Outrossi pequei recebendo o corpo de Deus não dignamente nem com devação, mas com pecados e com maldades, não querendo-me aparelhar pera elo assi como devia. Pequei outrossi não me despondo pera haver de comungar nas festas de cada um ano assi como é mandado pela Santa Igreja, e tudo esto com desprezamento. Pequei não indo à igreja aos domingos e às festas assi como devera, e aquelas poucas vezes que alá ia, pesava-me da missa e da pregação longa, e tudo era por míngua de devação e por ir comer e falar nas cousas do mundo. Outrossi pequei não estando honestamente nem dando de mim bom exemplo aos outros, mas rindo e escarnecendo e falando muito e demovendo aos outros pera fazerem assi e estando dessoluto e não inclinado ao ofício divino, mas tendo o coração posto nas cousas do mundo vãs e sem proveito e consentindo nos pecados e não contradizendo como devera e pudera se quisera. Pequei outrossi nos domingos e festas, que não despendi meu tempo nas cousas que me são mandadas por Deus, scilicet, cuidar nos meus pecados e tolerá-los e confessá-los, nem rezar por eles, nem visitar os enfermos que jazem nas albergarias, nem pondo paz nem concordia entre os mal avindos, nem cumprindo as outras obras de misericórdia, mas despendi e despendo estes dias em trabalhos corporais e em comer e em beber sobejamente, e em muito falar e jogar e renegar, e fazendo e dizendo outros muitos pecados, os quais me Deus queira perdoar. Pequei em muito dormir sem mensura e jazendo de noite mal corregido, tratando algumas partes de meu corpo desonestamente, pela qual cousa me vêm às vezes pensamentos e desejos de luxúria. Pequei em jazendo com algumas pessoas na cama, pondo-lhes as mãos por lugares desonestos e elas a mim, cuidando e falando em más cousas. Pequei ca, quando me deito na cama nem quando acordo de noite, não dou graças a Deus nem me encomendo a ele, nem hei em mim boas cuidações nem bons pensamentos, mas torpes e desonestos, e embebedado no sono como porco. Pequei não jejuando por muitas vezes as festas de Jesu Cristo nem de Santa Maria, nem os dias que a Igreja manda jejuar, e tudo com gargantuíce e com pouca devação. Pequei nos outros dias comendo e bebendo ante hora e depos hora assi como besta. Pequei por muitas vezes murmurando contra Deus e contra os seus santos, dizendo muito mal e pensando-me dos tempos que Deus [an]dava na terra porque não era a minha vontade. Pequei por vezes jurando pelo nome de Deus em vão e por Santa Maria e pelos outros santos e ainda grandes mentiras e afirmando-as por verdade. Pequei não pagando bem as dízimas a Deus, outrossi não esmolando nem partindo com os pobres aquelo que me Deus deu. Pequei não sendo caridoso contra meus próximos, mas fui-lhes cru e sem misericórdia, vendo-os postos em míngua e em necessidade não lhes acorrendo como devera. Pequei vendo os meus próximos tristes e desconsolados e não os consolando nem esforçando nem rogando a Deus por eles. Pequei não ensinando os símplizes e que menos sabiam que mim. Pequei não perdoando àqueles que me erraram, assi como eu queria que Deus perdoasse a mim. Pequei em sendo ingrato e desconhecido contra algumas pessoas de que bem recebi. Pequei outrossi sendo ingrato contra Deus, não lhe conhecendo os benefícios que dele recebi e recebo em cada um dia, nem me despondo a os merecer como eu poderia se eu quisesse. Pequei em sendo tibo e frio no serviço de Deus, não me trabalhando assi como devia, assi no coração como nas outras cousas, mas todo pelo contrairo, porque eu, quando rezo, então me vem sono e priguiça e cuidações de má parte, em tanto que mais tenho o coração em elas ca em aquelo que rezo, e por muitas vezes que não sei o que digo. Outrossi me vem fastio e enfadamento, em tal guisa que não vejo a hora que haja de acabar de rezar e me trigo por acabar mais cedo que devia, em tanto que não digo o que hei-de dizer destintamente. Pequei em sendo carnal, não me tirando das cousas do mundo, assi por cuidações como por obras, mas envolvendo-me em ele, e mais sou solícito nas cousas terreais que nas espirituais. Pequei não cuidando na morte e paixão que Jesu Cristo meu senhor padeceu por mim e por tôdolos pecadores, pera haver de procurar a mim alguma devação e contrição. Outrossi não me trabalhei de seguir o caminho dos santos e de aqueles que dereitamente servem a Deus, mas tudo faço pelo contrairo. Pequei porque presumi que as minhas obras eram prazíveis e aceptas ante Deus. Outrossi tomando vanglória das minhas obras e desejando de me serem louvadas dos outros. Pequei ainda mostrando de mim santidade e honestidade e outros bons costumes, os quais em mim não havia nem há, e assi quero enganar e mintir a Deus e ao mundo. Outrossi pequei porque não sou paciente nem sofrido, mas tanto que me alguém quer fazer ou dizer, logo me acho soberbo e não o posso sofrer com paciência. Pequei outrossi não sendo humildoso, nem tomo o exemplo de Jesu Cristo, o qual foi assaz humildoso até à morte, mas quero-me levantar em soberba e esto por muitos modos. Em todos estes pecados e em outros quaisquer que eu pequei, assi confessados como por confessar, por qualquer modo que fosse, me conheço a Deus, e vós em seu lugar, por muito pecador, e a Deus peço, pela sua santa misericórdia e pela santa paixão que ele quis receber pelos pecadores, que nos queira perdoar. E a vós peço, pelo poder que tendes da Santa Igreja, que me absolvades e me dedes pendença. Outrossi se falei ou participei com alguns excomungados por qualquer guisa que fosse, peço delo absolvição e restitução aos santos sacramentos da Santa Igreja.
Em que guisa se deve dar a pendença dos pecados da luxúria.
Pendença que se deve dar segundo é escrito no degredo e é posto em este livro segundo os pecados que são em ele escritos. E primeiramente se segue das pendenças que o degreto manda dar pelos pecados da luxúria. Primeiramente todo homem que jouver com virgem ou com viúva é pecado mui danoso, ca nunca haverá a viúva mais o fruito sexagésimo, a virgem o centésimo, este tal deve jejuar em maior pendença que por adultério, e deve a casar essa virgem ou essa viúva com que pecou se o pode fazer, e deve a jejuar dezoito anos. Item todo homem que se delecta em o pecado que já fez e quando lhe vem em mente e toma i prazer, este deve jejuar .xv. sextas-feiras por cada uma vez que i parar mentes. Item todo homem que faz pecado com casadas ou com solteiras, este pecado é muito grave e espicialmente se ela é estranha, ca por ventura será sua parenta ou sua cunhada, ou moura ou judia, por este pecado deve jejuar todas as quartas-feiras e sextas e sábados por cinco anos a pão e água, e nunca tornar mais a pecar com elas. Item todo homem que tem sua mulher púbrica e faz adultério com solteira, este tal por cada uma vez deve jejuar .xiii. anos. E se o fezer com sua parenta ou com mulher alheia ou com sua comadre, deve a jejuar .xxj. anos, e jamais nunca torne a este pecado. Esta mesma pendença devem a fazer as mulheres com que assi pecaram. Item todo homem ou mulher que promete virginidade a Deus e torna a fazer adultério, estes tais devem jejuar todos os adventos e as quaresmas e todas as sextas-feiras e vésperas de Santa Maria e dos apóstolos a pão e água. E se por ventura disser que não pode, mande-lhe seu abade que jejue a vianda de quaresma e não beba vinho. Item todo homem e toda mulher que com bebedice fezer algum pecado por si ou por outrem, deve jejuar uma sexta-feira a pão e água e não beber vinho por três nove dias. Item todo homem que tomar sua natura na mão e faz lixo, esto é pecado contra natura, e por quantas vezes o fezer jejue .xv. sextas-feiras a pão e água por cada uma vez. Item todo homem que meter sua natura antre suas pernas ou doutro homem e fezer lixo, este outrossi é pecado mui mau e desapraz com ele muito a Deus e deve por cada vez jejuar quinze sextas-feiras a pão e água, e deve o pão de ser o terço de farinha e o terço de cinza e o terço sal e água. E deve fazer cantar cada sexta-feira uma missa da Trindade, e quando disserem a missa, digam uma oração de Santa Maria e outra dos pecados. Item todo homem que faz fornízio com besta deve jejuar duas quaresmas a pão e água, e a primeira deve jejuar à porta da igreja se puder. E se isto fezer com muitas bestas, deve de haver maior pendença e deve de jejuar as sextas-feiras por sete anos, e mais se puder. E deve jejuar algumas quaresmas a conduito quaresmal e os outros pecados solte por esmola e por romarias e por outras boas obras. E tão maus como estes, deve ter alguma pendença em sua vida, ca muito desapraz a Deus do pecado contra natura. Item todo homem ou mulher que lança chumbo por ver alguma cousa, este pecado é muito danoso, ca segundo como põe o dereito por ver algumas destas e quantas vezes, bem assi hão-de reter os diabos as suas almas em as penas do inferno e verão so telas [sic]. Porque não há no mundo homem nem mulher que possa ver o que há-de ser, salvante só Deus. E por este pecado deve a jejuar as quaresmas e os adventos por .ix. anos e sextas-feiras a pão e água. E esta pena manda dar o dereito àqueles que esto fezerem e também aos que o mandam fazer. Item toda mulher que der a comer ou a beber a seu marido ou a seu amigo alguma cousa por bem querer ou malquerença, assi como alguma água com que lavam seus corpos, ou dão a comer o lixo ou o vedo ou algumas outras cousas que metem em seus corpos, ou guardam lixo de fornízio, ou de outros males que fezer, toda mulher que tais cousas como estas fezer, deve jejuar as quartas-feiras e sextas e os sábados toda sua vida a pão e água, e o pão seja o terço de cinza e o terço de farinha e terço de sal e água, porque estes pecados são mui danosos e são aviltamento da fé e despraz com eles muito a Deus e a Santa Maria. Item sacerdote que dorme com sua confessada, doze anos deve de fazer pendença, depois entrar em religião pera fazer i pendença. E essa mulher deve entrar em ordem e dar tudo o que houver aos pobres. E se o bispo com sua confessada, .xv. anos faça pendença semelhante. Item quem com sua afilhada, oito anos de pendença e outrossi àqueles que em elo consentirem. Item se algum prometeu a Deus castidade a outrem e filhou já sinal de ordem, se se depois casar, .x. anos faça pendença. Item quem se casar com aquela que outrem recebeu por boa mulher, sete anos faça pendença e .x. dias a pão e água. Item quem jaz com duas comadres ou com duas irmãs, sete anos de pendença. Item quem se casar com mulher com que fez adultério em vida de seu marido, quinze anos de pendença. Item quem jaz com sua mulher com intenção de fazer filhos, ou se lho ela demanda e não tem outra maneira, não peca. Item se o marido não quer jazer com sua mulher quando ela quiser e ela vai jazer com outrem, todo este pecado fica ao marido. Item quem por não saber, com duas irmãs, ou com comadre e filha, ou com enteada, ou com sobrinha, sete anos de pendença. Item por simples fornízio, sete anos de pendença, pero não deva ser a pendença muito áspera. Item fornízio simples é com mulher solteira. Adultério é com mulher casada. Incesto é com parenta. Sodomítico é contra natura. Escrupo é com mulher virgem. Recos é forçar mulher virgem. Porque o anjo das tentações que é o diabo em tanto tinha a terra cabo presa com suas mui cruéis mãos, que as mentes de muitos revolve com escuridões de malícias de pecados e faz aos homens perder o conhecimento da verdade e faze-lhes obrar tanto mal que traspassam o termo da luxúria e da turpidade. E convém-nos a fazer em tal maneira com ajuda de Deus que possamos a cada um dar conselho como possa haver lavamento, remimento de cada polução de seus pecados. Nem por ventura o que o Senhor Deus não mande por desfalecimento de mezinha os corpos e as almas perca. Qual cousa é mais aborrecível, mais lixosa da turpidade dos pecados. Qual cousa é mais limpa que a pendença, porque todas as sujações dos pecados lava. Qual cousa é mais excomungada que fazer macho com macho luxúria. Porém mandamos que, se macho com macho fezerem pecado sodomítico, em remimento de suas almas jejuem .xxi. quaresmas, a primeira a pão e água tirando o domingo e coma em ele vianda de quaresma se quiser. E daquelas .xxi. quaresmas, as .xiiij. pode soltar por cartas de solturas, das sete não pode haver remimento salvante por seu bispo, quanto lhe der sobre todo esto, jejue os mercores a vianda de quaresma e os vernes a pão e água e em na primeira quaresma não vista panos de linho. Outrossi o macho que este pecado fezer em na mulher, outra tal pendença faça, tirando das sete quoresmas, jejue as duas a pão e água, pois lugar há departido pera aquelo fazer, em outro lugar o faz, maior pecado faz. Outrossi todo homem que faz aquela polução com sua mão ou com outro membro, jejue sete quaresmas, e destas sete, quatro por cartas, das três não pode haver remimento salvante por seu bispo, e as sextas-feiras jejue por três anos a pão e água. E se por ventura com esta polução tanger a outrem, faça a pendença em dobro. Se macho fezer este pecado com besta que seja outro macho, jejue .xxiiij. quaresmas, as sete destas pode soltar por cartas e as sete por seu bispo. A primeira jejue a pão e água, afora os domingos e as sextas-feiras a pão e água por sete anos, e das outras faça como lhe mandar seu mestre. E se este pecado fezer com besta que seja fêmea, outra tal pendença faça. E jejue demais as quarta-feiras a pão e água por sete anos ou ao menos a vianda de quaresma. Se macho fezer luxúria com besta pelo lugar de besta, jejue sete quaresmas. A primeira a pão e água tirando os domingos, e as três solte por cartas e as outras por seu bispo. Outrossi macho que este pecado sodomítico em si leixar fazer de outro qualquer macho que seja, jejue vinte e oito quaresmas, as duas a pão e água tirando os domingos, que coma uma vez vianda de quaresma e as .xiiij. pode soltar por cartas e as outras por seu bispo, e nas duas que jejuar a pão e água não vista pano de linho nem entre na igreja, e as sextas-feiras jejue a pão e água, e esto por .xxviij. anos, afora se em tal dia for dia de Natal ou dia de Santa Maria, em estes dias coma vianda de quaresma duas vezes no dia. E se ele este pecado sofre de besta e por ele não fica que a besta em ele este pecado faça, tal sofra como aquele que com besta faze, se macho, e demais jejue .xiiij. anos as sextas-feiras a pão e água e sete anos as quarta-feiras a vianda de quaresma. Se varão se puser com mulher com aquele estormento que soem a fazer as mulheres pera cumprir sua maldade, tal pena sofra como aquele que fez pecado sodomítico e a mulher que pecado sodomítico sofrer. A mulher que se sopuser a besta, jejue .xiiij. quaresmas a pão e água tirado os domingos, nem vista panos de linho nem estê em igreja. Das .xiiij. quaresmas, as quatro solte por cartas, as .x. como mandar o seu bispo, e jejue .xiiij. anos as quartas e sextas-feiras a pão e água, tirado dia de Natal e de Santa Maria, que coma vianda de quaresma. E da mulher que jouver com outra mulher com aquele estormento que fazem as mulheres, jajue sete quaresmas, a primeira a pão e água. E a mulher que isto sofrer doutra mulher, jejue .v. quaresmas, a primeira a pão e água, e as solte por cartas, e as outras segundo mandar seu bispo, e jejue as sextas-feiras a pão e água, tirando dia de Natal e de Santa Maria, que coma vianda de quaresma. Em todas estas cousas deve o clérigo ou fraire saber que homem é o que faz o pecado e o lugar em que o fez e por que o fez. E como e quando e com quantos e quais e em que idade e com qual contrição e o pesar daquele que fez o pecado. E por tudo esto deve de ser sabedor o clérigo ou fraire que assi dê a seus discípulos pendença que eles por medo de pequena pendença leixem de fazer grandes pecados, e assi fazendo que escapem do inferno. Outrossi não lhes dê grande pendença que a não possam fazer e percam as almas. Aqueles que as cousas abrirem por fazerem mal com os ossos dos mortos, jejuem sete anos a pão e água. Também o clérigo como leigo, quem acusar outro a torto de morte, jejue .xl. dias a pão e água e mais sete anos a pendença.
Da pendença que deve fazer por matar.
Item se alguém matar outrem em se defendendo, não podendo fugir nem al fazer, não lhe jaz i pena, pero se for leigo ordenado, devem a despensar com ele. Item quem mata outrem por cajão, .v. anos de pendença. Item quem matar outrem por sua vontade, se é clérigo, deve a ser desposto das ordens e do benefício e nunca cantar missa e fazer pendença sete anos. E se for leigo, sete anos de pendença. Item se o sandeu matar outrem, não lhe jaz i pena nenhuma. Item quem profaça e quem dá conselho de matar outrem, são homicidas, mas não pecam igualmente. Item quem matar seu senhor ou sua mulher, faça pendença que nunca cavalgue em besta nem em carro nem tome outra mulher nem coma carne nem beba vinho .x. anos e sempre deve a estar em orações e jejuns e em esmolas e em outras cousas muitas de bem fazer. Item quem matar sacerdote, .xij. anos de pendença. Item quem matar sua madre, .x. anos não usará das ordens em tanto se for cavaleiro. Item quem matar seu filho e for bautizado, faça três anos pendença e um a pão e água.
Da pendença dos que juram.
Quem jurar acinte, .x. dias a pão e água e oito anos de pendença e sempre fazer pendença em sua consciência. Item quem medir por falsa medida, .xx. dias a pão e água em pendença. Quem por constrangimento tal, scilicet, ou juras falso testemunho, deve haver .xl. dias a pão e água e sete anos de pendença. E se for servo, .iij. anos de pendença. Item quem jura sandiamente nas mãos do bispo ou mãos sagradas, três anos faça pendença. Item quem jura na cruz não sagrada, um ano de pendença. E se jura por insibidade ou por costrangimento, três anos de pendença. Item quem jurar acinte falso testemunho ou constrange outrem que o jure, sete anos de pendença. Item do perjuro, sete anos de pendença. Item pregunte o confessor a seu confessado ou confessada se deu falso testemunho por dinheiros, e se disser que si, mande-lhe que os torne àquele que lho deu. Esso mesmo faça a qualquer que por engano houver alguma cousa, ou por furto ou por força ou por usura ou por falsa vogaria ou por sentença contra dereito. Ca segundo como os homens hão cobiça de enganarem seu próximo e de levarem o alheio por engano ou por soberba, assi andarão os diabos no outro mundo por chegarem estes ao mal do inferno. Item se disserem os menfestados que não podem dar o alheio, mande-lhe o sacerdote que tenha em vontade de o dar se o poder haver, e que tenha esperança em Deus e na sua madre Santa Maria, que lhe haja mercê, e por esta razão perdoar-lhes-á Deus.
Da pendença pelos sacramentos.
Quem se bautizar duas vezes por não saber, não peca, mas não deve a ser clérigo. E se o fez cintemente por limpeza do corpo, três anos faça pendença. E se o faz acinte, duas vezes sete anos e tôdalas quaresmas e sextas-feiras e sábados das quaresmas a pão e água. Item quem se crisma duas vezes ou bautiza, não deve de ser julgado como leigo, mas pelo juízo do bispo.
Da pendença dos clérigos.
O clérigo sacerdote que está presente nos casamentos que se fazem ante que seja dito na igreja por três vezes, deve de ser desposto por três anos. Item quem disser missa sendo excomungado, três anos deve de fazer pendença e gemer a Deus em seu coração. Item clérigo que matar alguém por sua vontade, deve de ser desposto das ordens e do benefício e nunca cantar missa, e sete anos deve de fazer pendença. Item quem cantar missa e não comungar, deve de fazer pendença um ano e não celebrar. Item o sacerdote que em seu defendimento matar ladrão, não deve ser suspenso, mas deve fazer pendença dous anos. Item clérigo sacerdote que clérigo morto envolve na pala do altar, dez anos e meio faça de pendença por isso. Item sacerdote que castiga seu discípulo e o fere em guisa que morre, deve ser desposto. Item sacerdote que mata ladrão legado, deve ser desposto. Item não pode nenhum despensar com clérigo que casou duas vezes nem com clérigo que há duas ordens sacras e se casa com mulher corrupta. E se casa com virgem, podem despensar com ele. Item o sacerdote que nega a pendença é teúdo à alma da que o nega. Item o sacerdote que descobre a confissão, deve a ser desposto. Item quem celebra em outra guisa se não como celebra a igreja arcebispal, sete meses de pendença. Item clérigo que for sorteiro, seja privado do ofício e do benefício. Item se cair goteira do sangue de Jesu Cristo em terra, rapem o lugar onde cair e queimem-no e meta-se assi em lugar limpo. E o sacerdote haja .xl. dias pendença. E se cair sobre o altar, haja dous dias. E se passar dous panos, haja quatro dias. E se passar três, haja .ix. dias. E se passar quatro, haja .xx. dias. Quem tomar o corpo de Jesu Cristo por bebedice, se for leigo, faça .xl. dias de pendença, e se for clérigo, .lxxx. dias, e se for bispo, .ii. dias, e se for por enfermidade, .viij. dias. Quem leixar cantar clérigo excomungado ou irregular acinte por amor que lhe haja, um ano de pendença. E se o leixar por vitupério da Igreja, .x. anos. E o clérigo que assi cantar com tal intenção, .xij. anos e mais o que jaz no dereito. Se o rato comer o corpus christi, o sacerdote jejue .xl. dias. Item o bispo que ordena algum com condição que nunca lhe peça benefício, é logo suspenso das ordens até três anos. E o que o apresentar por tal condição, é suspenso do ofício por três anos. E quem receber as ordens sob tal condição, é suspenso das ordens até que despensem com ele.
Da pendença por outras cousas desvairadas.
Quem prometeu simplesmente de entrar em ordem e depois leixou o voto que fez tomando mulher, deve de fazer pendença três anos. Item quem fezer pecado grande em praça, deve de ser menfestado em praça. O pecado que depois de uma vez é menfestado não se deve de menfestar outra vez, salvante se o quiser fazer de graça aquele que o fezer. Quem toma pendença às portas da igreja e torna mais àquele pecado, .x. anos faça pendença. Quem se bem quiser confessar, demande clérigo sesudo que lhe saiba dar pendença verdadeira. E o homem que fezer sacrilégio, se rompe igreja ou dela tira alguma cousa sagrada e mete-a àqueles usos que não deve, sete anos faça pendença. E em nos primeiros dous anos não deve de entrar na igreja, até quatro anos não deve de oferecer. E em todas não deve de comer carne nem beber vinho três dias na somana. Item os padres e as madres que britam os esposoiros dos filhos, por três anos devem a ser removidos da comunhão e os filhos se são culpados. Quem se não pode confessar a sacerdote, confesse-se a seu companheiro pela cobiça que houve do sacerdote. Deve-se dar a pendença segundo manda dar o dereito: o sacerdote sesudo deve-a dar segundo seu alvedrio. Item o que diz palavra desaguisada com grã sanha não é pecado mortal como seria sem sanha. Item quem se pode confessar e não quer por desprezo, é condenado. Quem pede a confissão e comunhão e bautismo e depois perde a fala, devem-lho a dar. Quem em este mundo não quer fazer pendença, fazê-la-á no outro com os diabos. Não pode bem fazer pendença salvante aquele que espera na misericordia de Deus e crê que maior é que tôdolos pecados do mundo. Não se deve homem confessar a herege. Peca no Espírito Santo aquele que se nunca repende nem se confessa se não quando já i al não pode fazer. Esta é a carreira pera se salvar o homem do pecado: depois que peca, fazer pendença. Melhor é fazer pendença que dar esmola. São três maneiras de pecados: um é original, o qual havemos de Adão e Eva, com o qual nacemos. E aqueste se tolhe no bautismo. O outro é mortal e outro é venial. O mortal se tolhe por pendença ligeira e por contrição e por água benta. Os pecados, depois que uma vez são perdoados, jamais nunca tornar a eles. Item o ladrão, se pede menfesto, devem-lho dar e soterrá-lo em sagrado e dar-lhe a comunhão se a pede e rogar a Deus por ele. As mulheres, ainda que sejam de ordem, não devem de ouvir confissões nem dar pendenças. Quem disser mal de Deus ou dos santos, jejue oito dias a pão e água. E se for rico, dê .xl. soldos por Deus. E se for pobre, dê .v. soldos ao menos. Item nenhum não deve de leixar seus clérigos e ir-se confessar a outros, salvo se os seus lhe não souberem dar pendença. Porque então lhes deve demandar licença pera outro lugar mais discreto. Item bebedice por cajão, pecado venial; mais é acinte, é mortal. Item todo sorteiro leigo haja .xl. dias de pendença. Item quem vê no estrolómio os surtos, dous anos de pendença. Item quem acender casa ou eira, três anos de pendença. Item quem fala com herege e usa com ele por negligência, um ano de pendença. E se usar com ele acinte, .v. anos. Item ladrão da igreja que destrói as cousas dela, seja excomungado um ano. Item quem defuma sua casa com encantamentos, .v. anos de pendença. Item o que jura que nunca haverá paz com seu amigo, um ano de pendença e amiga-se com ele. Item queimador deve fazer pendença, scilicet, que estê na terra de ultramar um ano.
Do poder que tem o confessor.
Não embargante este modo de pendenças que manda o dereito, deves saber que as pendenças são em alvedrio no confessor, que deve considerar o pecado se é grande, se é menor, e a pessoa que se lhe confessa e se é mancebo, se velho, se rico, se pobre, se é fraco ou rijo, ou se se arrepende dos pecados ou não. E consi-deradas todas estas cousas, dará menor pendença ou maior. Porque aquele que se repende, menor pendença há mester que aquele que se não repende. Muito se deve guardar o confessor que os homens nem as mulheres, mancebos, que os não envie andar romarias pelo mundo, ca por ver, ouvir, podem muito asinha pecar e fazerem pecar outros, mas deve-lhe