A criação de filhos no poder do evangelho
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A criação de filhos no poder do evangelho - William P. Farley
xi.
Capítulo 1
Submarinos intelectuais
Lá estava eu, deitado na cama, completamente desperto, esquadrinhando com os olhos o teto escuro do quarto em busca de algum sinal de esperança.
— Você está acordada? – perguntei à minha esposa, Judy.
— Não consigo dormir.
— Em que você está pensando?
Eu não precisava perguntar a ela. Já sabia a resposta. Nossa filha estava namorando um amigo que não aprovávamos. Já passava da meia-noite. Além disso, desde que o relacionamento se iniciara, ela tinha ficado distante, rebelde e pouco cooperativa. As coisas não iam bem.
— Estou morrendo de preocupação – sussurrou minha esposa. — Não consigo dormir.
Eu refletia sobre as batalhas das últimas semanas. Minha filha, outrora complacente, se tornara uma pessoa difícil. O mais angustiante era que ela mostrava pouco interesse por Cristo e pelas coisas espirituais. A influência de seu novo amigo não era boa. Pensei no título do livro de James Dobson, Parenting Isn’t for Cowards [Criar filhos não é para covardes]. Eu era um covarde. Precisava de coragem. Precisava de esperança. E não tinha muita.
— Onde ela está? – perguntou minha esposa. — O que eles estão fazendo? Ela anda tão diferente nos últimos tempos. Estou morta de preocupação.
Ansiedade, estresse e medo transbordavam de suas palavras. Eu não havia ajudado muito. Exasperado diante da triste rebelião de minha filha, cheguei até mesmo a flertar com a ideia de dar-lhe uma surra. O bom senso de minha esposa trouxe-me de volta à realidade. Era um momento de trevas. Estávamos desanimados e esgotáramos todos os nossos recursos. Talvez você já tenha se sentido assim.
Deus usou esse período escuro de nossa experiência na criação de filhos para nos humilhar profundamente, e somos gratos por isso. Por vinte anos foi fácil criar nossos filhos. Tínhamos aquilo que muitos considerariam uma família exemplar. Infelizmente, começamos a ter orgulho da criação que dávamos aos nossos filhos. Havíamos começado a desprezar nossos amigos com adolescentes problemáticos. A Palavra de Deus é clara: A soberba precede a ruína
(Pv 16.18); Deus resiste aos soberbos
(Tg 4.6, citando Pv 3.34). Estávamos orgulhosos. O tempo de nos humilhar havia chegado. Deus resistiu a nós por meio dos problemas de nossa filha e fez com que nos ajoelhássemos. Passamos bastante tempo em oração e confissão. Ao olhar para trás, percebemos que esse foi um maravilhoso ponto de transição.
Felizmente, nossa filha também alcançou um ponto de transição por meio desse processo. Em um hotel imundo em Calcutá (sim, na Índia), gripada e com muita saudade de casa, aquela linda jovem clamou por Cristo. Um ano depois, Deus lhe concedeu um marido maravilhoso e piedoso. No momento em que escrevo, eles têm três filhos lindos e servem ativamente em nossa igreja local. Ela se tornou um presente glorioso para a igreja, para seu marido, para seus filhos e para o restante de nossa família.
Contei essa história para que você saiba que eu e Judy não tínhamos tudo sob controle
. Como acontece com todos os pais, aprendemos com a graciosa disciplina de Deus que somos absolutamente dependentes do Espírito de Deus para completar o processo de criação de filhos. Temos um único trabalho: ser fiéis. Trazer os resultados é trabalho de Deus!
Pressupostos
Antes de iniciar o capítulo 2, que analisa profundamente a tese deste livro, quero examinar alguns pressupostos bíblicos sobre a criação de filhos. Pressupostos são a base de nossos pensamentos. São submarinos intelectuais invisíveis que navegam por baixo da superfície de nossa consciência. Nós os presumimos. Raramente pensamos neles. Contudo, todas as nossas conclusões sobre a vida fluem a partir desses pressupostos.
Da mesma forma, todas as nossas conclusões sobre a criação de filhos fluem a partir de nossos pressupostos inconscientes sobre Deus, o homem e a derradeira realidade. Num aspecto coletivo, elas constituíam nossa cosmovisão sobre a criação de filhos – uma cosmovisão diametralmente oposta à do mundo secular.
Os pressupostos são bastante práticos. Eles sempre calçam sapatos e saem andando. J. Gresham Machen notou que aquilo que hoje é especulação acadêmica amanhã poderá movimentar exércitos e derrubar impérios. Francis Schaeffer adicionou: As pessoas possuem pressuposições [pressupostos] e viverão de maneira mais consistente com base nessas pressuposições do que até elas próprias são capazes de perceber
.¹ Isso também é verdadeiro com relação à criação de filhos.
Sua capacidade de ser eficiente na criação de filhos dependerá de seus pressupostos. Quero tratar de cinco pressupostos dos quais você precisará ter em mente para poder entender o restante deste livro.
Criar filhos não é fácil
Primeiro, não é possível ser um pai ou uma mãe perfeito. Comecei contando a história de nosso problema para enfatizar isso. Se você fosse capaz de criar filhos de maneira perfeita, seus filhos talvez não precisassem de um Salvador. Mas você não é perfeito. Do lugar onde está, você não consegue sequer ver a perfeição. Portanto, seus filhos precisarão desesperadamente de Cristo.
Seus pecados, fracassos e imperfeições produzirão conflito com seus filhos e desentendimentos com seu cônjuge. Em alguns momentos, você sentirá profundamente essas imperfeições.
Além das suas imperfeições, existe o estresse do mundo externo. Alguns de seus filhos podem morrer prematuramente, outros podem entrar no mundo dos problemas intrínsecos e ainda outros, como os nossos, podem passar por difíceis estágios de rebelião. Alguns podem ser brilhantes, talentosos ou ter boa aparência. Outros podem ser lentos, medianos ou carecer de atrativos. Alguns terão personalidade fácil. Outros exigirão toda nossa tenacidade e perseverança para serem amados.
Pelo fato de a criação de filhos ser difícil, e porque você é imperfeito, precisará da graça que é obtida por meio do evangelho. Deus usará esses problemas para aprofundar sua dependência dele. Você experimentará estresse e obstáculos. Eles acontecerão para que, quando seus filhos chegarem à fé salvadora, você se glorie em Cristo, não em seus esforços. Tal como Paulo, você dirá: ... trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo
(1Co 15.10).
Você precisará da graça e precisará saber onde obtê-la. Exatamente pelo fato de você ser tão falho, o evangelho, a obra salvadora de Cristo, deve ser o seu refúgio.
Os pais eficientes não esperam uma caminhada fácil. Eles anteveem que ela será difícil, mas o resultado final – filhos adultos centrados em Cristo, pessoas agradáveis que vão se casar com parceiros dos quais você realmente gosta – fará com que todo esforço tenha valido a pena.
Deus é soberano, mas ele usa meios
Segundo, os pais eficientes pressupõem duas verdades que se expandem em direção à eternidade e nunca encontram uma solução intelectual satisfatória. Primeiro, Deus é soberano sobre a salvação de seu filho: "... ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11.27). É por isso que muitos que vêm de lares não cristãos tornam-se cristãos. Também é por isso que nenhum filho de lar cristão pode se voltar para o Pai a não ser que Jesus o atraia.
Segundo, eles pressupõem que Deus usará os meios normais de graça para atrair seus filhos para si mesmo. Os pais são os meios
que Deus quer usar para alcançar seus filhos para Cristo.
Manter essas duas ideias – a soberania de Deus e a responsabilidade do homem – em antagonismo é importante. Quando não é compreendida corretamente, a soberania de Deus pode terminar em fatalismo.
Conheci um pai cujos filhos estavam completamente fora de controle. Ele era passivo. Eu estava preocupado, de modo que tentei me aproximar dele.
— Tenho observado seus filhos – disse. — Parece que eles precisam de disciplina. Precisam de mais de envolvimento e de atenção da sua parte.
— Deus é soberano – respondeu ele. — Ele pode salvá-los ou não. Não importa o que eu faça. Deus decidiu a salvação deles no concílio eterno da Trindade antes de o mundo ser criado.
Sua resposta foi parcialmente verdadeira, mas foi distorcida por não estar completa. Sim, Deus é soberano. Mas existe uma verdade paralela: Deus usa meios. Deus dá aos filhos pais para que sejam atraídos a ele mesmo. Ele pode usar outros meios, mas prefere os pais. O argumento deste livro é que Deus normalmente exerce sua soberania por meio de pais que praticam fielmente a criação bíblica de filhos.
Vamos constantemente pressupor essas duas verdades. Deus é soberano, mas os pais são responsáveis. A soberania de Deus é nossa esperança. Os pais dependem totalmente de Deus. Ele pode salvar qualquer filho, por mais obscuras que sejam as circunstâncias. Por outro lado, Deus normalmente alcança filhos por meio de seus pais. É fatal firmar-se apenas na soberania de Deus e negligenciar a fidelidade parental. Contudo, também é um erro presumir que tudo depende de nós. Não depende. De fato, nenhum de nossos esforços prevalecerá a não ser que Deus conceda o dom da fé a nossos filhos. Somos, ao mesmo tempo, totalmente dependentes e responsáveis.
Um bom ataque
Terceiro, os pais eficientes pressupõem que uma boa ofensiva é melhor do que uma defesa.
Nada é mais mortal para um time de futebol com um bom ataque do que uma mentalidade defensiva. Em vez de se concentrar em atacar e marcar, alguns técnicos adotam a defesa preventiva
. Essa estratégia abre mão de pequenos ganhos para impedir o grande jogo
. Em vez de os jogadores do time pensarem em marcar pontos, eles passam a pensar em impedir que o outro time marque. Todos nós já vimos essa tática impedir grandes vantagens de um oponente com mentalidade agressiva, ofensiva e atacante.
Os pais podem fazer a mesma coisa. O Dr. Tim Kimmel chama isso de criação de filhos baseada no medo
.² Ou nos concentramos em preparar nossos filhos para entrar no mundo e conquistá-lo ou podemos nos concentrar em proteger nossos filhos do mundo. Uma mentalidade defensiva se preocupa com as influências malignas de coisas como halloween, papai Noel, coelhinho da Páscoa ou a presença de não cristãos no time de futebol da escola. Embora a criação de filhos sempre envolva alguma proteção, esse não deve ser o foco principal de pais bíblicos.
É comum que essa mentalidade defensiva seja fruto de legalismo. O pai legalista normalmente presume que seu filho ou filha já nasceu de novo. Mas esse pai tem pouca confiança no poder do novo nascimento. Para ele, portanto, criar filhos tem tudo a ver com proteger os filhos da influência maligna exterior.
Essa abordagem pode ser mortal. Um amigo que se formou em uma séria escola evangélica de ensino médio e ainda mantinha contato com seus colegas de formatura disse-me recentemente que a maioria deles (mais de 70%) fumava maconha e estava envolvida em promiscuidade sexual.
— O que deu errado? – perguntei.
— Uma vez que os filhos iam à igreja e frequentavam uma escola cristã do ensino médio, os pais presumiram que os filhos eram nascidos de novo – respondeu meu amigo.
Uma vez que aqueles pais presumiram o novo nascimento de seus filhos, tudo o que restava era protegê-los. É por isso que muitos deles enviaram seus filhos para escolas cristãs de ensino médio.
Outro exemplo é o de um amigo pastor que tem cinco filhos adultos. Somente um segue a Cristo hoje. O que deu errado? Um homem que o conhecia bem descreveu seu estilo de criação de filhos da seguinte maneira: nada de televisão, de cinema, de educação pública ou de amigos não cristãos. Em outras palavras, seu foco era defensivo, ele protegia seus filhos.
Este livro partirá da premissa de que pais eficientes possuem uma mentalidade ofensiva. Considerará que seus filhos não são cristãos. Considerará que eles precisam do impressionante e vencedor poder do novo nascimento. Considerará que, assim que os filhos o obtiverem, esse poder os protegerá do mundo. Maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo
(1Jo 4.4). Lemos em 1João 5.4: ... todo o que é nascido de Deus vence o mundo
. E, de acordo com 1João 3.9, Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus
.
Em outras palavras, este livro partirá do pressuposto de que pais eficientes equipam seus filhos para vencer o mundo – não por meio de mudança e controle de seu ambiente (coisas externas a seus filhos), mas indo atrás do coração de seus filhos. Mudamos o coração deles ensinando o evangelho, servindo de modelo do evangelho e centrando nosso lar no evangelho. O evangelho, corretamente entendido e modelado, torna o cristianismo atraente. Os pais eficientes tornam o evangelho tão atraente que o mundo não consegue espaço no coração de seus filhos.
Thomas Chalmers (1780–1847), um presbiteriano escocês, escreveu um famoso ensaio intitulado The expulsive power of a new affection. Nesse texto, Chalmers propõe que a melhor maneira de superar o mundo não é com moralidade ou autodisciplina. Os cristãos vencem o mundo ao enxergar a beleza e a excelência de Cristo. Eles superam o mundo ao ver algo mais atraente do que o mundo: Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos
(Cl 2.3). Um homem que possui um Ferrari não se interessa por um carro popular. Do mesmo modo, os pais cristãos tentam fazer Cristo e seu reino gloriosos. Seus filhos vencem os desejos deste mundo com uma paixão maior: a beleza moral de Cristo.
Comparativamente, pais defensivos têm pouca confiança na atratividade do evangelho. Eles pensam que o mundo é mais poderoso. Basicamente, eles não confiam que o poder do evangelho possa transformar seus filhos de dentro para fora. Eles não acreditam nas palavras de Jesus: ... tende bom ânimo; eu venci o mundo
(Jo 16.33). Têm pouca confiança no poder do novo nascimento de vencer o mundo.
Eu e minha esposa vimos na prática o fruto dessa abordagem. Todos os nossos cinco filhos frequentaram escolas do ensino médio públicas e, em seguida, os quatro mais velhos se matricularam em universidades públicas. Apesar do rude ambiente não cristão – e até mesmo anticristão – (que era nauseante), eles prosperaram espiritualmente. Por quê? Através do milagre do novo nascimento, Deus transformou o coração deles. Para eles, o Espírito Santo havia começado a revelar o valor superlativo de Jesus Cristo. A convicção de que a sua felicidade estava plenamente ligada a seu relacionamento com Cristo havia começado a germinar e crescer. A sedução do mundo não conseguia competir.
Quando chegaram à universidade, buscaram imediatamente a comunhão cristã. Não os obrigamos a fazer isso. Nem sequer sugerimos que fizessem isso. Eles o fizeram porque seu coração já estava no reino de Deus. Eles vicejaram nesse ambiente. Encontraram e se casaram com parceiros cristãos entusiasmados.
Como demos isso a nossos filhos? Não demos. Não poderíamos dar. Só Deus pode conceder essa mudança. Foi o milagre do novo nascimento. Sou e serei eternamente grato por sua graça imerecida e sua misericórdia para comigo e Judy. Quero dizer o seguinte: nossa abordagem na criação de filhos foi fundamentalmente ofensiva, não defensiva. Apontamos todas as nossas flechas na direção do coração de nossos filhos, cientes de que, assim que seus corações fossem transformados, a batalha das decisões estaria encerrada e vencida. O restante da vida deles seria apenas de limpeza de território.
Por outro lado, os muitos pais que presumem a existência do novo nascimento na vida de seus filhos têm pouca confiança no novo nascimento e, portanto, derramam todas as suas energias na proteção. Muitas vezes seus filhos nunca recebem de fato o novo nascimento, e saem de casa agradecidos por estar longe das regras e das restrições de seus pais. Eles não possuem ferramentas no coração para combater a sedução do mundo.Vão aonde seu coração deseja ir, para algum local distante de Deus.
O que motiva a abordagem defensiva? Estou convencido de que os pais com mentalidade defensiva normalmente não conseguem entender o poder do evangelho. Eles têm pouca confiança no poder do novo nascimento; não entendem o papel do coração na conversão e na santificação. Em vez disso, enfatizam o ambiente externo do filho. Colocam sua confiança em regras, restrições e proteções.
Entenda o novo nascimento
Quarto, pais eficientes entendem o novo nascimento. Estatisticamente, a maioria dos pais cristãos presume que seus filhos nasceram de novo. Esse pode ser seu maior erro na criação dos filhos.
A revista World citou o novo livro de Christian Smith e Melinda Lundquist Denton, intitulado Soul Searching: The Religious and Spiritual Lives of American Teenagers.³ Depois de entrevistar três mil adolescentes norte-americanos sobre suas crenças religiosas, os autores as resumiram com a frase Deísmo Terapêutico Moralista, ou MTD na sigla em inglês.
Os adolescentes entrevistados acreditavam numa combinação de obras e justiça, religião como bem-estar psicológico e um deus distante que não interfere.⁴ Ironicamente, muitos desses jovens deístas eram ativos em suas igrejas. A maioria dos adolescentes religiosos ou não compreendia de fato o que suas próprias tradições religiosas dizem sobre aquilo em que eles devem acreditar
, concluíram Smith e Denton, ou não entendia e não se importava em crer naquilo
. O autor do artigo destacou que o MTD se tornou ‘a religião civil dominante’. E é um cristianismo americano ‘colonizador’
.⁵
É importante que todo pai cristão faça uma distinção entre o MTD e o cristianismo. Uma criança pode ser submissa e bem-comportada, frequentar o culto de domingo e se socializar com o grupo de jovens da igreja, mas simplesmente adota a MTD. Muitas pessoas bacanas
não são cristãs. Ser bacana
tem pouco a ver com o cristianismo.
Os hábitos sexuais de filhos evangélicos também revelam a prevalência do MTD. O sociólogo Mark Regnerus expõe em seu livro Forbiddenfruit: Sex &religion in thelivesof American teenagers⁶ o fracasso dos lares evangélicos em discernir e moldar os valores espirituais de seus filhos.⁷ O autor destaca que adolescentes evangélicos são simplesmente tão ativos sexualmente quanto seus amigos não cristãos. De fato, há evidências de que os adolescentes evangélicos como um todo podem ser mais sexualmente ativos. Aqueles que se identificam como adolescentes evangélicos tendem a ter seu