Rebirth: Os novos Titãs
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Rebirth - Bianca Landim
titãs.
Primeira parte
GRÉCIA
Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses.
Sócrates
Capítulo 1
Dezoito anos depois…
Celes crescera sob os cuidados de Ártemis e possuía os traços tão característicos da deusa que, para muitos, a titã era sua irmã mais nova, o que acabou criando alguns atritos entre Hera e Zeus, devido às suas infidelidades ao longo dos tempos. A pele branca, os cabelos escuros avermelhados e os olhos azuis eram o oposto de Solaris, titã cuidado por Apolo, e que, assim como Celes, possuía os mesmos traços do seu deus regente: pele bronzeada, cabelos loiros encaracolados e olhos verdes.
Discórdia era a titã sob a regência de Ares, que a princípio não gostou da ideia de ter uma menina como sua discípula, mas, com o passar dos anos, percebera a preciosidade que tinha para treinar: força, agilidade, pensamentos táticos e, o melhor de tudo, a discórdia em suas palavras. Elas afetavam tanto os mortais como os deuses. Sua pele branca e os cabelos e olhos negros também eram armas perigosas, mas no campo da sedução. O último titã sob os cuidados de um deus era Pyro. Com o potencial extraordinário para criação de armas, o último titã era tímido e reservado, assim como Hefesto, seu deus protetor. Os cabelos eram negros e encaracolados, sua pele bronzeada pelo calor da fornalha vulcânica e os olhos tinham o dourado do fogo que ele tanto adorava manipular.
* * *
O dia estava ensolarado quando Atena mandou chamar os quatro titãs ao Monte Olimpo. Chegaram num piscar de olhos, já que a deusa não gostava de ficar esperando. Ela se encontrava sentada num tronco de madeira caído, contemplando os raios do sol e acarinhando sua fiel coruja, Sophia, enquanto os titãs se reuniam. Cada um viera de um ponto diferente e pararam frente a ela:
— Solaris, dê meus cumprimentos a Apolo pelo belo dia!
— Com prazer, deusa Atena — respondeu, fazendo uma reverência, que foi recebida com um sorriso da deusa.
— O treinamento de hoje será um pouco diferente dos quais vocês têm feito com seus deuses protetores. Hoje vocês irão enfrentar-se e não usarão seus poderes: Discórdia enfrentará Pyro e Celes enfrentará Solaris. Cada dupla será levada para um lugar afastado. O vencedor deverá vir direto ao meu templo. Mas informo que poderá haver surpresas nesses lugares… — Deu um sorriso discreto.
— Agora, podem ir com meus soldados.
De repente, dois soldados apareceram para conduzir as duplas até os locais escolhidos pela deusa. Eles não trocaram palavras nem olhares, pois estavam concentrados e dispostos a mostrar quem eram os melhores, mesmo contra seus amigos. Na descida do Monte, cada dupla seguiu um trajeto diferente, sempre com o sol-dado à frente. Celes estava andando na frente de Solaris e sentia o olhar dele em si, ficando corada pelo sentimento que nutria por ele. Mesmo assim, não falaram nada durante todo o caminho, até para-rem numa floresta tão densa que nem dava para ver os raios do sol.
Do outro lado da cidade de Atenas, Discórdia e Pyro foram encaminhados para o porto. O soldado também não mencionara uma palavra em todo o percurso e, quando chegou ao local, bateu continência e saiu, fazendo com que eles se encarassem, na tentativa de obter uma resposta para o início daquele treinamento. Como eles iriam lutar sem seus poderes e chegar ao templo da deusa se não sabiam o que fazer? E ainda poderia haver uma surpresa! Teriam de lutar ou usar a surpresa?
Celes e Solaris estavam caminhando pela floresta e tentando achar algo que os levassem a lutar. Não conversavam muito, pois não sabiam se deviam se ajudar ou se enfrentar tão diretamente. De repente, Celes parou de andar e pediu que Solaris parasse também; alguém estava à espreita deles. Correu sua visão por todos os lugares, mas estava muito escuro, embora, nos cálculos dela, ainda fosse dia e o sol estava a pino. Solaris tentava enxergar também, mas não tivera o mesmo sucesso; Celes tinha a incrível habilidade de adaptar sua visão a lugares muito escuros, como as corujas. Na tentativa de enxergar algo, levantou uma das mãos e fez aparecer uma pequena língua de fogo, porém Celes logo o deteve:
— Sem poderes, esqueceu?
— Desculpe. Tentarei fazer uma fogueira…
— Não! Isso atrairia o que quer que esteja nos espreitando direto para cá — falou Celes aos sussurros, deixando a pele de Solaris arrepiada.
— Não estou acostumado a caçar como você! — disse Solaris, encarando-a, o que deixou Celes corada.
O barulho chegou mais perto deles, fazendo-os se concentrar na tarefa que iriam executar. De repente, um ciclope apareceu com um porrete de madeira correndo na direção deles. Solaris jogou Celes para o lado e o encarou, desviando-se dos golpes que a criatura dava em sua direção. Celes subiu rapidamente na árvore mais próxima, andou bem sorrateira em um dos galhos, parou acima do ciclope e pulou nele sem hesitação, batendo com seus pés nos ombros da criatura, que caiu na hora. Solaris não teve reação alguma, já que não havia sido treinado à exaustão para lutar daquele jeito. Tivera uma educação baseada em conversas e músicas, mas pouca luta. Celes rasgou um pedaço de sua veste e vendou o ciclope, que estava desacordado. Pegou o porrete que ele usava e puxou Solaris para saírem dali.
Em outro lugar, Discórdia andava muito quieta e com os olhos pregados no horizonte, sem perder a concentração de quem estava perto dela. Pyro também mantinha sua concentração, contudo eram seus ouvidos os mais atentos.
— O que será que iremos enfren… — Discórdia não terminou de falar, pois um vento muito forte começou a soprar por todos os lados.
— Será que temos que enfrentar Éolos? — indagou Pyro.
— Não ele, mas o que sua manifestação traz… — respondeu Discórdia, apontando para um hipogrifo que vinha na direção deles.
O ser mitológico tinha cabeça e asas de águia, corpo de cavalo e patas de leão. E vinha a toda velocidade para enfrentar a dupla. Como não podiam usar seus poderes, Pyro se abaixou para se desviar do voo rasante do animal, que o agarrou com as patas traseiras e o jogou longe de Discórdia. Quando o animal foi enfrentá-la, Discórdia simplesmente não demonstrou medo; chegou mais perto e o encarou nos olhos. A criatura parou e simplesmente abaixou a cabeça, reverenciando-a. Discórdia riu, pois se aquela era a surpresa que a deusa Atena havia mencionado, ela se mostrara fácil de ser subjugada. Passou a mão no corpo da criatura e foi na direção de Pyro, ajudando-o a se levantar.
— Tudo bem?
— Um pouco tonto, mas pelo o que estou vendo você conseguiu amansar o hipogrifo… — disse Pyro, passando a mão pela cabeça na tentativa de encontrar algum ferimento. — O que iremos fazer agora? Nossa tarefa acabou?
— Não saberia lhe dizer isso. E não o encare se estiver com medo! Faça apenas uma reverência e pronto.
— Obrigado por me dizer agora! — E fez o que a titã lhe dissera. O hipogrifo logo retribuiu. — Será que iremos voltar voando nele?
— Acredito que teremos mais uma surpresa… — respondeu Discórdia, mirando a praia e apontando para uma espuma que saía da água do mar. No mesmo instante, o hipogrifo voou para longe, deixando-os sozinhos.
— Poseidon nos treinará? — perguntou Pyro.
— Acho que o bichinho de estimação dele será nosso treino — ponderou Discórdia, percebendo que era uma hidra marinha que estava saindo da água.
A criatura tinha cinco metros de altura, corpo de serpente e três cabeças, que, ao serem cortadas, transformavam-se em mais três. Discórdia e Pyro não sabiam como iriam enfrentar a criatura, já que não podiam usar seus poderes. Pyro tentou buscar algo que pudesse afastá-la da água. Algo que não produzisse mais cabeças, o que faria daquela luta uma batalha interminável. Discórdia apontou para alguns barris que estavam jogados na areia, e Pyro logo sorriu; já sabia o que fazer e pelo visto Discórdia lera seus pensamentos, pois sorriu também.
— Tente trazer a hidra para a areia — orientou Pyro, correndo para os barris, observando seu vinho em estado fermentado e infl amável. Pegou um barril e voltou para perto de Discórdia, que havia tirado a criatura da água. Pyro atirou o barril na hidra, deixando-a coberta de vinho, o que a enfureceu. Discórdia pegou duas pedras e as esfregou, soltando faíscas.
— Preciso de algo para pôr fogo!
— Aqui! — disse Pyro, rasgando um pedaço da sua vestimenta e entregando-o para Discórdia, que logo o incendiou. Pyro o atirou no corpo da hidra, fazendo-a contorcer-se pelo calor. Antes de morrer, contudo, a hidra deu uma chicotada com sua calda e acertou Discórdia na boca do estômago, o que fez a aprendiz bater com as costas numa pedra da praia. Pyro foi socorrê-la e, nesse instante, percebeu que talvez ele tivesse ganhado a tarefa, e sem entrar numa luta direta com a titã. Assim que Discórdia acordou, Pyro apenas meneou a cabeça e começou a caminhar para o templo de Atena, com Discórdia logo atrás.
Celes e Solaris ainda estavam na floresta e empatados com relação à tarefa imposta pela deusa Atena. A amazona carregava
o porrete do ciclope; olhava para os lados e parava quando ouvia algo diferente. Solaris apenas a acompanhava, fazendo o mínimo de barulho possível. Estavam cansados e com fome, mas Celes não matava para se alimentar, afinal, os deuses e os aprendizes comiam ambrosia, o que os faziam imortais. Como eles não tinham isso, Celes achou algumas frutas e as dividiu com Solaris. Enquanto caminhavam, avistaram uma cachoeira, o que fez os olhos da amazona brilharem, pois poderia se refrescar antes de voltar para o templo. Afastou-se de Solaris e foi para uma margem um pouco escondida da visão dele. Despiu-se e pulou na água, adorando a sensação de liberdade em seu corpo. O titã, que estava comendo sentado num tronco caído, ao escutar o barulho na água, andou por entre os arbustos para poder ficar escondido admirando a beleza de sua companheira de tarefa. Gostaria que ela pudesse ser mais acessível aos seus encantos, como as ninfas que fi cavam próximas a Afrodite. Celes era linda e Solaris a desejava. Sabia, no entanto, que isso inevitavelmente poria fim no aprendizado dos dois, pois os deuses não aceitariam a relação. Havia se esquecido de comer, de tão maravilhado estava com a cena, até ser pego de surpresa por uma mão em seu ombro. Virou-se com os punhos levantados e em chamas, mas percebeu que a mão pertencia a Hermes, o deus mais rápido do Olimpo. Solaris acalmou-se e o fi tou.
— Se eu fosse Ártemis, você já estaria morto! — disse Hermes.
— Não me assuste! Você é que poderia estar morto! O que está fazendo aqui? — perguntou Solaris.
— Mais respeito! Sou seu superior! Mas deixe isso para lá. Vocês ainda não concluíram a tarefa. Terão de lutar entre si. Apenas um chegará até a deusa Atena.
— Como sabe disso? — indagou uma Celes furtiva, assustando Solaris. Parado ao lado de Hermes, o titã pôde observar mais atentamente a bela amazona, com a roupa molhada por causa do banho.
— Sempre sei de tudo! Vocês terão que se enfrentar. Ela dará o prêmio a quem chegar primeiro.
— Os outros já sabem? — perguntou Celes.
— Digamos que vocês estão empatados, e Atena adora um desafio — afirmou Hermes, rindo das expressões dos dois.
— O que aconteceu com os outros? — indagou novamente Celes.
— Não posso dizer, mas desconfio que a tarefa deles tenha sido mais fácil… Bem, tenho que ir. — E saiu rapidamente sem deixar a dupla perguntar-lhe mais nada.
— O que faremos? — questionou Solaris.
— Não tenho a mínima ideia! Eu odeio empates! — resmungou a bela titã. — E também não quero começar uma luta com você!
Continuaram a se olhar por um tempo, tentando decifrar o que poderia ser essa prova de desempate. No fundo, Solaris não queria enfrentar Celes: primeiro, porque ela era melhor em batalha do que ele; segundo, nunca conseguiria machucar alguém de quem ele gostava.
A noite foi caindo, e eles ainda não sabiam o que tinham de fazer. Até Celes deduzir que um deles teria de chegar primeiro a Atenas para se encontrar com a deusa. Ela sabia que Solaris, sendo discípulo do deus sol, não conseguiria andar rápido pela fl oresta densa. Aproximou-se dele, que estava sentado perto de uma fogueira, deu-lhe um beijo na testa e saiu sem dizer nada. Solaris, a princípio, não entendeu aquela atitude, até que se lembrou das palavras da deusa com relação à chegada do vencedor. Soltou um uivo de raiva pela esperteza de Celes e tentou sair correndo atrás dela, o que era um pouco complicado, ainda mais com ela sendo acostumada a caminhadas em matas e bosques densos, e ele, com caminhadas a luz do dia. Mesmo assim, continuou andando, tropeçando em alguns galhos retorcidos no chão. A essa altura, Celes estava correndo, com o brilho da lua guiando-a para fora da fl oresta. Seu coração, contudo, estava apertado por ter deixado Solaris para trás. Não queria sair perdendo esse desafio e tampouco queria lutar contra Solaris.
A madrugada já estava alta, e Celes corria como uma lebre, sem se cansar ou suar, e, o mais importante, sem utilizar seus poderes de titã. Mas, agora, com a luz do dia surgindo em seu caminho, Solaris corria também, embora não o suficiente para conseguir ganhar de sua rival. Ao começar do dia, Celes estava na porta do templo de Atena, observando a deusa, que estava junto a Discórdia e Pyro. Ao chegar mais perto da deusa, esta lhe deu um sorriso malicioso:
— Ludibriou bem seu oponente, Celes! Nem mesmo usou sua força física para isso!
— Obrigada deusa! — agradeceu Celes, fazendo uma reverência.
— Mas nessa dupla também houve um empate — declarou a deusa, apontando para a porta e visualizando Solaris entrar. — Segundos preciosos.
— Desculpe-me, minha deusa! — disse Solaris, parando ao lado de Celes e fazendo uma reverência. Quando foi para seu lugar, seu olhar cruzou com o da amazona.
— Bem, devido ao resultado, farei o seguinte: Solaris e Discórdia irão trabalhar com Atalanta, deusa da força, já que são peritos em argumentações, mas de pouca luta… Força fará parte do treinamento de vocês agora. E vocês dois — continuou, apontando para Pyro e Celes — irão trabalhar com Quiron, o centauro que foi professor de Hércules e Atalanta, e tem uma sabedoria incrível, além de ser meu discípulo. Quero que peguem suas coisas e os encontrem na Ilha de Delos para o início dos trabalhos.
Os quatro fizeram um leve aceno para a deusa, que logo se retirou, deixando-os em silêncio por algum tempo. Logo depois, Discórdia e Pyro se despediram, caminhando para seus respectivos lares e deixando Celes e Solaris sozinhos:
— Você pretendia me deixar sozinho naquele lugar? — perguntou Solaris.
— Você lutaria comigo se fosse preciso? — retrucou Celes.
— Não. Perderia minha vida para não ter que lutar contra você!
— respondeu, aproximando-se mais, o que lhe arrepiou a pele. — E você? Lutaria comigo?
— Não conseguiria! — confessou Celes, sentindo o hálito quente de Solaris em seu rosto. Foram, porém, impedidos por uma voz.
— Acho que estraguei o momento dos pombinhos! — disse uma voz sarcástica.
— O que você quer, Hermes? — inquiriu Solaris, afastando-se de Celes, que corria para sua morada.
— Alertá-lo pela segunda vez, meu rapaz! O que Celes tem de linda, tem de problema, que se chama Ártemis! Não encoste num fio de cabelo dela, ou Apolo não o salvará da irmã dele.
— Só isso? Obrigado pelo conselho! — agradeceu Solaris, irônico.
— Não é só isso! Tenho uma mensagem para você!
— E qual é?
— As moiras pediram que você não faça nada com relação a Celes.
— O quê? Que brincadeira é essa agora?
— As moiras nunca brincam! — afirmou Hermes, deixando o rapaz com a mensagem em seus pensamentos.
Capítulo 2
Na hora marcada, os quatro titãs estavam entrando no barco que os levaria à Ilha de Delos, lar do deus Apolo e casa de Solaris. Este, por sua vez, não via a hora de voltar para casa e rever os outros discípulos do deus. No fundo, porém, o que lhe intrigava era a mensagem proferida por Hermes, vindo diretamente das moiras. Seus pensamentos o levaram a mirar Celes, que estava sentada na proa da embarcação, admirando a imensidão do mar azul-turquesa colidindo com o azul do céu sem nuvens. Solaris estava tão absorto que nem percebera Pyro chegando, que perguntou:
— Algo lhe aflige?
— Uma mensagem que corrompe minha alma!
— Tem a ver com Celes?
— Como sabe? — perguntou Solaris, mirando-o, incrédulo.
— Seus olhos e seu coração estão postados na direção dela. Não precisa estar ao lado de Afrodite para saber que gosta dela.
— Como eu gostaria de tê-la em meus braços! — confessou Solaris.
— Sabe que ela é impossível para você!
— Eu não aceito isso, Pyro! Deve haver uma solução! — disse, saindo de perto do titã e indo para dentro da embarcação.
Encontrou um canto para repousar durante a viagem, até escutar a voz melódica de Celes, que entrava na embarcação com Discórdia , que por sua vez ria animadamente sobre as desventuras de um discípulo de Ares durante um treinamento. Ao ver que Solaris estava tentando dormir, Celes pediu desculpas e foi caminhando com a titã para o outro lado da embarcação, onde havia duas re-des para dormir. Não demorou muito para que os três dormissem, deixando Pyro no convés a admirar as estrelas que começavam a despontar. Ele era o único que não tinha sono, e ficou acordado a noite toda contemplando tudo o que estava à sua volta. A manhã chegou, e Solaris percebeu que o amigo ficara no mesmo lugar em que o havia deixado. Chegou mais perto dele e o saudou:
— Bom dia, Pyro! Não me diga que ficou aqui a noite inteira?
— Não tinha sono para me acalentar — respondeu, olhando para os olhos claros do amigo. — E você, conseguiu dormir?
— Passei a noite inteira acordado e sentindo o perfume de Celes , que se espalhou por todos os lados! — replicou Solaris, suspirando tristemente. — Só me alegro em saber que já estamos chegando à minha ilha natal.
— Mas não ficará ao lado dela durante as lições de Quiron — disse Pyro.
— Sei disso e estou ficando louco com essa resolução da deusa Atena! — respondeu, colocando as mãos na cabeça.
Nesse momento, Celes apareceu, fechando os olhos ao sentir o sol batendo forte no convés. Esticou os braços e voltou sua atenção aos rapazes, que haviam parado de conversar só para vê-la:
— Bom dia! Dormiram bem?
— Não muito, mas vejo que você dormiu bem! — afi rmou Solaris.
— Dormi, sim! E já fui saudada pelo calor do sol e o vento oeste, que traz bons tempos para a navegação!
— Não sabia que entendia de navegação — falou Pyro.
— E não entendo! Mas o sol e o vento oeste trazem bons presságios, e disso eu entendo! Sou acostumada com a natureza. Tudo tem sua razão de estar!
— Acho que encontramos uma filósofa no meio de nós! — comentou Discórdia, aproximando-se sorrateiramente do trio, mas apenas Celes havia sentido sua presença.
— Acho que você deveria aprender a fazer barulho de vez em quando! — comentou Solaris.
— E acabar com o meu melhor golpe: o susto? Sem chance! Aprenda com Celes, sinta o seu redor! Ela não se assustou, certo?
— Senti seu cheiro cítrico se aproximando! — disse Celes, rindo das expressões dos rapazes.
O restante da viagem foi tranquila, com os quatro conversando sobre os trabalhos que possivelmente executariam ao lado de Atalanta e Quiron. A tarde já havia caído quando o barco aportou em uma pequena plataforma de madeira que ligava a Ilha de Delos ao mar. Solaris foi o primeiro a descer, olhando à sua volta para verifi car se algo havia mudado enquanto estivera fora. Percebeu que não e deu um sorriso maroto, contagiando os amigos titãs, que vinham logo atrás. O restante da tripulação estava revendo as cargas que seriam deixadas no porto. Como Solaris já conhecia o caminho, foi indicando aos outros três onde eles poderiam treinar com Atalanta e Quiron. Andaram durante alguns minutos até chegarem ao alto de uma pequena elevação, que tinha um templo todo em mármore branco, cheio de entalhes de batalhas e carruagens de fogo representando Apolo no nascer do dia. O templo do deus padrinho de Solaris era realmente bonito, mas nada superava a beleza do templo de Atena ou do próprio Zeus, que ficava em Creta. Adentraram os salões e foram recebidos por Apolo, que estava com sua irmã Ártemis ao seu lado e os dois professores dos titãs. Atalanta era uma mulher de cabelos loiros intensos, olhos azuis e um corpo todo definido pela força das amazonas. Ao seu lado estava Quiron, um centauro muito respeitado por ter sido a primeira criatura a ter consciência de seus atos, tornando-se mais tarde aluno de Atena e, depois, mestre de Hércules; sua aparência era serena, da mesma forma que seus traços; seus cabelos eram cacheados e estavam um pouco grisalhos; seu corpo metade cavalo tinha a coloração acinzentada, o que o fazia parecer pálido diante dos olhos mortais, mas seu tronco apresentava a musculatura humana bem defi nida e bronzeada.
— Bem-vindos ao meu templo! Espero que Poseidon os tenha trazido em segurança! — disse Apolo, indo na direção de Solaris e depois o abraçando. — E você, meu jovem? Como foram seus treinamentos?
— Foram bem, meu deus! Espero que, com ajuda de Atalanta, meu trabalho seja digno de um titã! — respondeu Solaris.
— Será, meu jovem! Mas sua tarefa não será muito fácil! Ao final dos treinamentos, terá de enfrentar a melhor amazona de Ártemis! — asseverou Apolo, olhando para Celes. — Além de beleza, tem força e inteligência! Soube que ela o ludibriou muito bem!
— Mas não me vencerá do mesmo jeito! — assegurou Solaris, olhando para a amazona.
— Não lhe disse, Atalanta? Os deuses sorriram para mim quando deixaram Celes sob meus cuidados! — disse Ártemis, indo abraçar sua protegida.
— Como está, minha deusa? — perguntou Celes, dando um sorriso.
— Estou bem! As amazonas lhe mandam lembranças! E pedem que volte logo! Daphne não é muito boa professora… — respondeu Ártemis, arrancando uma risada sonora de Celes, que fez Solaris olhar fascinado para ela.
— Pyro! Discórdia! Entrem e fiquem à vontade! Hefesto e Ares não puderam estar aqui, mas mandaram-lhes lembranças! Parece que Ares está em Troia! Depois de dez anos, ele se cansou daquela guerra! — falou Apolo, fazendo Discórdia rir, afinal, fora ela que havia começado tudo, deixando o deus da guerra encantado com os seus poderes.
Os outros dois se aproximaram de Apolo e continuaram a conversa com entusiasmo. Ao mesmo tempo, contudo, o deus observava Celes, completamente encantado por sua beleza, mas o parentesco com Ártemis não o livrou de levar um beliscão. A deusa não gostava quando outros deuses e até mesmo seu irmão colocavam os olhos em suas protegidas. Solaris percebeu que até com o irmão Ártemis era linha dura quando o assunto era a sua principal amazona, o que o fez suspirar sem que ninguém percebesse.
* * *
O início dos trabalhos foi na manhã seguinte à chegada dos quatro na Ilha de Delos. Apolo, à distância, observava o desempenho de seu protegido, da mesma forma que Ártemis não desgrudava seus
olhos de Celes. Quiron, preocupado com o desempenho de sua dupla, achou melhor afastá-los do templo e dos olhares da deusa, levando-os para uma floresta muito calma, onde poderia conversar com os dois. Em contrapartida, Atalanta permaneceu com Solaris e Discórdia num campo de treinamento bem ao lado do templo. Exercícios puxados foram exigidos e, para a alegria da treinadora, os titãs tentavam superar-se a cada novo ciclo de luta. Ao fi nal do dia, levou-os para o vilarejo mortal e pediu por algo peculiar depois de tantas técnicas de luta.
— Quero que prestem atenção ao que está à volta. É estudando um lugar que poderemos lutar sem exigir muito de nós mesmos. Nem sempre poderemos usar nossa força. Vocês treinaram muito bem para o primeiro dia, mas agora quero que não pensem mais nas técnicas e sim na capacidade de… improviso.
— Em que isso nos ajudará? — perguntou uma Discórdia desconfi ada.
— Não serão presas tão fáceis quando estiverem num território desconhecido. Assimilarão rapidamente o lugar e poderão usá-lo numa luta. Irão proteger as pessoas, não as colocarão em risco, e o mais importante: não mostrarão tão depressa os poderes que possuem… — explicou Atalanta, encarando Discórdia, olhando bem nos seus olhos. — Estarei por perto se precisarem de mim — disse, e foi para um estábulo onde ajudava os homens na forja das ferraduras dos cavalos.
— Entendeu alguma coisa? — perguntou Discórdia, olhando para Solaris.
— Acho que sim. Tenha seus amigos perto e…
— Seus inimigos mais perto ainda! — completou Discórdia, esboçando um sorriso. — Quem quiser nos atacar já saberá tudo sobre nós, mas se nos mostrarmos mais amáveis…
— Não saberão da surpresa que os aguardam… Gostei! Só quero saber o que Pyro e Celes estão fazendo… — confessou Solaris.
Na floresta, Celes e Pyro observavam o centauro caminhando por entre as árvores, mostrando-lhes o que um lugar como aquele poderia oferecer de defesa e ataque numa luta. Caminhavam tão tranquilamente que a dupla não estava entendendo se aquilo fazia parte do treinamento deles. Quiron riu ao ver a expressão de dúvida dos pupilos:
— Isso faz parte do treinamento de vocês, sim! Chama-se estratégia de fuga. Vocês precisam conhecer bem o local onde irão emboscar o inimigo, e, caso o plano fracasse, vocês devem conseguir sair ilesos do lugar — esclareceu Quiron, caminhando ao lado deles. — Celes, Ártemis me disse que é uma exímia perita em ervas. Isso é verdade?
— Tento aprender dentro do possível, mestre. Mas por que a pergunta?
— Perguntei porque você passará sua vivência de conhecimento de ervas para o nosso jovem aqui do lado — respondeu Quiron, colocando a mão no ombro de Pyro. — Além de ter um dom nato para comandar as amazonas, tem conhecimentos medicinais! Excelente!
— Só sei graças à educação que Ártemis me deu. As outras amazonas não têm o mesmo privilégio.
— Eu sei disso, minha cara! A sua educação e seus poderes valem ouro para ela.
As últimas palavras do centauro deixaram Pyro preocupado com Solaris; se ele estivesse gostando mesmo de Celes, enfrentaria uma bela tormenta chamada Ártemis, e quem sabe todas as amazonas! Apolo não o ajudaria… Seus pensamentos voltaram à fl oresta e ao centauro, que perguntava se ele estava bem. Pyro apenas confirmou com a cabeça, mas não soltou uma única palavra. Quiron resolveu deixar Celes colher algumas ervas e explicar a Pyro para o que era cada uma:
— Esta erva aqui… — explicava Celes, apontando para uma folha com coloração verde e prata — chama-se erva do rei e serve como antídoto para flechas envenenadas. Esta aqui… — Apontou para uma folha verde-escura, pontiaguda e com espinhos no caule.
— É a erva do leão. Ela tem um cheiro forte e, quando é quinada, fica mais forte ainda. Sinta o cheiro dela — pediu Celes, dando a folha para Pyro, que absorvia aquela lição da amiga. — Acredito que depois devemos passar essa lição para Solaris e Discórdia.
— Muito bem, minha cara! Você nos disse tudo, mas quero saber se sabe preparar o veneno também.
— Para aprender a curar, tem que aprender a envenenar…
— Falou como Ares! Teve aulas com ele? — perguntou Quiron.
— Algumas vezes… Discórdia também sabe reconhecer algumas ervas… Expliquei-lhe algum tempo atrás — respondeu Celes dando de ombros.
— Excelente! — disse Quiron, e continuaram andando e recolhendo mais algumas ervas, com Celes sempre explicando suas funções a Pyro, que se descobriu interessado no assunto.
A tarde caiu, e eles nem haviam percebido o quanto caminharam e o quanto haviam aprendido somente conversando. Voltaram ao templo de Delos e encontraram Solaris, Discórdia, Atalanta e Apolo ceando. Deram um boa-noite a todos e foram lavar-se para se sentarem à mesa. Apolo queria saber o que os três estiveram fazendo durante todo o dia. Quiron riu ao ver o semblante do deus, que havia ficado incrédulo ao saber que eles apenas conversaram andando pela floresta, e deu uma piscadela para os dois alunos, que abafaram os risos. Em contrapartida, Atalanta havia feito Solaris e Discórdia trabalharem o dia inteiro, tanto no campo de treinamento como no vilarejo, onde acabaram ganhando a simpatia dos moradores, o que deixou a treinadora feliz com a rapidez com que seus alunos haviam concluído as tarefas do primeiro dia de atividades.
No decorrer dos dias, os treinamentos se tornaram exigentes e seus resultados foram muito além do esperado, surpreendendo treinadores e deuses, que a tudo observavam. Como recompensa pelos elevados resultados, Quiron e Atalanta resolveram testar um pouco mais seus pupilos e propuseram o desafio do grande labirinto, onde, segundo o próprio Apolo, os quatro não saberiam o que lhes estaria esperando. Celes entendeu que agora ela não poderia usar o mesmo artifício para ganhar de Solaris, até porque Pyro e Discórdia estariam juntos, além de não saber se lutariam entre si. Mas a dúvida foi logo sanada:
— Vocês não lutarão entre si, mas terão de ajudar uns aos outros para poderem sair do labirinto. Nunca se sabe o que vive dentro desses muros. Não poderão usar poderes, mas podem levar uma arma, a que melhor saibam usar. Podem escolher! — fi nalizou Apolo, mostrando as armas que estavam expostas numa mesa dentro do templo.
Nela, havia seis tipos de armas: uma espada, uma adaga, um par de sai, um par de nunchaku, uma corrente com uma bola de espinhos e uma lança. Todas com o brilho dourado dos deuses. Celes preferiu o par de sai, que poderia ser facilmente escondida em suas botas; Solaris preferiu a lança; Pyro escolheu a corrente com a bola de espinhos; e, por último, Discórdia optou pela adaga, que escondeu da mesma forma que a amiga.
— Dentro de três dias, se vocês não chegarem ao outro lado do labirinto, nós os resgataremos, e vocês não terão a qualifi cação para
o próximo trabalho. Agora vamos! Iremos com vocês até a entrada
— concluiu Quiron.
Caminharam para o labirinto, localizado no alto da ilha. Quando os quatro chegaram ao portão de entrada, puderam observar a imensidão da pequena fortaleza, que é como também poderia ser definido aquele labirinto. Quiron e Atalanta pararam com certa distância, observando os jovens entrando no local.
Passado o portão de entrada, os titãs descobriram que o labirinto era um lugar florido, com árvores e arbustos formando os muros em várias direções, perdendo de vista sua continuidade. Sons de animais correndo pela relva, pássaros cantando e a brisa acolhedora não faziam daquele lugar um trabalho difícil a ser realizado. Ainda assim… Todo cuidado era pouco no mundo dos deuses e seus trabalhos. O sol apontava ao leste, mostrando que ainda era muito cedo, mas que eles não poderiam perder tempo se maravilhando com o cenário.
Celes e Pyro foram andando na frente, analisando tudo, deixando Discórdia vigiando a retaguarda e Solaris observando o que poderia vir de surpresa pelas árvores-muros. Os quatro carregavam duas pequenas sacolas com comida para os três dias. Geralmente eram pães, frutas secas e nozes, além de um cantil com água, pois não poderiam confiar no que viam naquele mundo perfeito demais e também porque não lhes fora permitido levar ambrosias e néctares. Essa dádiva dos deuses só poderia ser consumida nos templos e nos festivais em honra deles.
Com o cair da tarde, os quatro já haviam atingido o centro do labirinto, onde montaram acampamento para o descanso. Ficaram um pouco chateados, pois não haviam encontrado nenhum desafi o até aquele momento. Pyro saiu para pegar alguns galhos a fim de fazer uma fogueira, enquanto Discórdia traçava num pedaço de pergaminho o trajeto que eles haviam percorrido até então, mostrando a Celes os possíveis caminhos para a saída do labirinto. Solaris cuidava do racionamento da comida, repartindo o pão e as frutas secas entre os quatro. Conversavam baixinho sobre o que fariam no dia seguinte e os turnos para descanso, já que não poderiam dormir ao mesmo tempo; não sabiam o que esperar daquele ambiente perfeito demais. Decidiram que as mulheres seriam as primeiras no turno, deixando os rapazes para os momentos mais propícios a uma possível abordagem.
Discórdia foi a primeira, seguida por Celes, que, por ser uma amazona, ficou o tempo todo de pé, mas escondida entre os arbustos que cercavam o acampamento. Já era madrugada quando Pyro assumiu a posição de vigia, deixando Solaris com as primeiras luzes do sol, que sempre o fortalecia. Mas o sol não era o único condutor de energia que o mantinha bem; olhar para Celes dormindo também o fazia sentir-se renovado. Com o sol mais a pino, os três acordaram, arrumaram seus poucos pertences, tomaram o desjejum e continuaram o percurso. Passaram boa parte do tempo calados até que se depararam com uma surpresa no caminho, ou melhor, caminhos — dois —, algo que Discórdia não esperava que ocorresse. Seria necessário que eles se separassem!
— Não podemos nos separar! Temos que trabalhar em equipe!
— Sei disso, Pyro! Mas como acharemos a saída deste lugar? Temos que fazer isso! — contrapôs Solaris.
— Mas, em vez de ajudar, isso pode afastar-nos mais ainda do nosso destino — interpôs Celes.
— Eu tenho um plano — disse Discórdia, tirando um novelo que estava em sua bolsa. — Peguei isso das moiras uma vez. Essa lã não é tão frágil quanto aparenta ser; por isso, amarraremos na sacola de vocês e conforme forem andando…
— Marcará o lugar a que estamos indo! Não nos perderemos! Ótima ideia, Discórdia! — vibrou