Infiltrado na Klan: Desmascarando o ódio
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Infiltrado na Klan - Ron Stallworth
Livro que inspirou o filme.
Título do original: Black Klansman.
Copyright © 2014 Ron Stallworth.
Fotos internas pertencentes ao arquivo do autor.
Imagem da capa © 2018 Focus Features LLC. Todos os direitos reservados.
Copyright da edição brasileira © 2018 Editora Pensamento-Cultrix Ltda.
Publicado mediante acordo com Flatiron Books, 175 Fifth Avenue, Nova York, N.Y. 10010.
Texto de acordo com as novas regras ortográficas da língua portuguesa.
1ª edição 2018.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas.
A Editora Seoman não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro.
Editor: Adilson Silva Ramachandra
Editora de texto: Denise de Carvalho Rocha
Gerente editorial: Roseli de S. Ferraz
Produção editorial: Indiara Faria Kayo
Editoração eletrônica: Join Bureau
Revisão: Vivian Miwa Matsushita
Podução de ebook: S2 Books
Obs.: Este livro não pode ser exportado para Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, St. Tomé e Príncipe e Guiné Bissau.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Stallworth, Ron
Infiltrado na klan / Ron Stallworth; tradução Jacqueline Damásio Valpassos. – São Paulo: Seoman, 2018.
Título original: Black klansman.
ISBN 978-85-5503-081-9
1. Crimes de ódio – Estados Unidos 2. Estados Unidos – Relações raciais 3. Ku Klux Klan (1915-) 4. Movimentos de supremacia branca – Estados Unidos 5. Operações secretas – Estados Unidos 6. Polícia afro-americana I. Valpassos, Jacqueline Damásio. II. Título.
18-20490
CDD-322.420973
Índices para catálogo sistemático:
1. Revoluções: Ciência política 322.420973
Iolanda Rodrigues Biode – Bibliotecária – CRB-8/10014
1ª Edição digital 2018
eISBN: 978-85-5503-083-3
Seoman é um selo editorial da Pensamento-Cultrix.
Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela
EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA., que se reserva a
propriedade literária desta tradução.
Rua Dr. Mário Vicente, 368 — 04270-000 — São Paulo, SP
Fone: (11) 2066-9000 — Fax: (11) 2066-9008
http://www.editoraseoman.com.br
E-mail: [email protected]
Foi feito o depósito legal.
Para minha esposa, Patsy Terrazas-Stallworth,
e o senhor Elroy Bode
SUMÁRIO
Capa
Folha de rosto
Créditos
Dedicatória
Nota do autor
1. Um telefonema da Klan
2. Jackie Robinson e os Panteras Negras
3. Eu sou a voz, você é o rosto
4. Meu novo amigo David
5. O bombeiro e o fogo (do inferno)
6. Parte da nossa posse
7. Kkkolorado
8. Iniciação
9. Duke do colorado
10. A fortaleza das montanhas rochosas
11. Por água abaixo
Epílogo
Agradecimentos
Cadeno de fotos
NOTA DO AUTOR
Se um homem negro, auxiliado por um punhado de brancos e judeus bons, decentes, dedicados, de mente aberta e liberais, pode conseguir prevalecer sobre um grupo de racistas brancos, fazendo-os parecer os idiotas ignorantes que realmente são, então imagine o que uma nação de indivíduos que compartilham das mesmas ideias pode conseguir. Tudo o que se segue foi realizado jogando-se por terra as alegações dos supremacistas brancos, em alguns casos, quanto a possuírem elevado grau de instrução, terem mais inteligência e serem muito superiores em todos os aspectos aos negros e judeus, e a qualquer outro indivíduo que eles considerem inferior. Minha investigação sobre a KKK me convenceu de que mais cedo ou mais tarde nós, de fato, derrotaríamos aqueles que tentavam rotular minorias com base em falhas pessoais deles próprios — preconceito racial e étnico, fanatismo, preferência religiosa — e na falsa crença de que pessoas negras e outros que não se encaixavam em sua definição de branco ariano puro
não mereciam respeito, e muito menos serem classificados como pessoas
.
Cada vez que um homem defende um ideal, ou age para melhorar o destino dos outros, ou ataca a injustiça, ele transmite uma pequena onda de esperança.
— Robert Kennedy
A maneira mais comum de as pessoas desistirem de sua força é pensando que não têm nenhuma.
— Alice Walker
1
UM TELEFONEMA DA KLAN
Tudo começou em outubro de 1978. Como detetive da Unidade de Inteligência do Departamento de Polícia de Colorado Springs — o primeiro detetive negro na história do departamento, devo acrescentar —, um dos meus deveres era analisar os dois jornais diários em busca de qualquer indício de atividade subversiva que pudesse ter impacto no bem-estar e segurança de Colorado Springs. É surpreendente o que algumas pessoas anunciam no jornal: prostituição, óbvios esquemas envolvendo dinheiro, esse tipo de coisa na maioria dos casos, mas de vez em quando há algo que de fato se destaca. Enquanto examinava os anúncios classificados, um em particular chamou minha atenção. Dizia:
Ku Klux Klan
Para mais informações, contate:
Caixa Postal 4771
Security, Colorado
80230
Aí estava algo incomum.
O distrito de Security-Widefield era uma área suburbana de moradias planejadas localizada a sudeste de Colorado Springs, perto de duas bases militares principais: Fort Carson e NORAD (North American Aerospace Defense Command — Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte). A comunidade era predominantemente militar e não havia nenhuma atividade conhecida da Ku Klux Klan naquela região.
Então, eu respondi ao anúncio.
Escrevi uma breve mensagem para enviar à caixa postal explicando que eu era um homem branco interessado em obter informações sobre filiação na KKK e em promover a causa da raça branca. Afirmei, em suma, que estava preocupado com os "crioulos [1] tomando conta de tudo" e que queria mudar isso. Assinei com meu verdadeiro nome, Ron Stallworth, forneci um número de telefone de fachada usado pela polícia, que era uma linha que não estava na lista e não era rastreável, e usei um endereço igualmente de fachada, também impossível de localizar. Coloquei minha mensagem em um envelope e a depositei na caixa de correio.
Por que eu assinei com meu verdadeiro nome a mensagem que iria dar início a uma das mais fascinantes e singulares investigações da minha carreira? Como todos os nossos investigadores disfarçados, eu mantinha duas identidades secretas distintas, com os devidos documentos: carteiras de motorista, cartões de crédito etc. Então por que tive esse lapso de julgamento e cometi um erro tão tolo?
A resposta simples é que eu não estava pensando em uma futura investigação quando enviei a mensagem. Buscava por uma resposta, esperando que ela viesse por escrito, na forma de um panfleto ou brochura de algum tipo. Afinal de contas, eu não acreditava que minha ação provocaria algo mais do que uma mera resposta padrão enviada por correio de forma automática. Achava que a descarada publicação de um anúncio racista tão sedicioso não passava de uma débil tentativa de pregar uma peça e, ao respondê-la, eu veria até que ponto a brincadeira iria.
Duas semanas depois, em 1º de novembro de 1978, a linha telefônica de fachada tocou. Atendi à ligação e uma voz disse:
— Posso falar com Ron Stallworth?
— É ele quem está falando — respondi.
— Oi. Meu nome é Ken O’Dell. Eu sou o organizador local da divisão de Colorado Springs da KKK. Recebi sua mensagem pelo correio.
Ah, droga, o que eu faço agora?, pensei.
— Certo — eu disse, tentando ganhar tempo enquanto pegava uma caneta e um bloco de anotações.
— Eu li o que escreveu e estou me perguntando: por que você gostaria de se juntar à nossa causa?
Por que eu quero me juntar à Klan? Uma pergunta que eu realmente nunca achei que fossem fazer para mim, e senti vontade de dizer: Bem, eu quero obter o máximo de informação possível de vocês, Ken, para que eu possa destruir a Klan e tudo o que ela representa
. Mas não foi o que falei. Em vez disso, respirei fundo e pensei no que alguém querendo se juntar à Klan na verdade diria.
Por ter sido chamado de crioulo muitas vezes na minha vida, desde pequenos confrontos no cotidiano que acabaram se transformando em feias discussões, até ocasiões em que, estando eu de serviço, multava alguém ou realizava uma prisão, eu sabia que, quando uma pessoa branca dizia isso para mim, toda a dinâmica mudava. Ao dizer crioulo
, ele me informava que achava que era intrinsecamente melhor do que eu. Essa palavra era uma forma de reivindicar uma espécie de falso poder. Esse é o linguajar do ódio, e agora, tendo que fingir ser um supremacista branco, eu sabia usar esse linguajar no sentido inverso.
— Bom, eu odeio crioulos, judeus, mexicanos, cucarachas, chinas e qualquer outra pessoa que não tenha sangue ariano branco puro em suas veias — afirmei, e com essas palavras eu sabia que minha investigação secreta havia começado.
Prossegui:
— Não faz muito tempo, minha irmã ficou noiva de um crioulo e, toda vez que penso nele colocando as mãos pretas imundas no corpo branco e imaculado dela, fico revoltado e com o estômago embrulhado. Quero me juntar à Klan para poder impedir futuros ultrajes à raça branca.
Ken decerto entusiasmou-se naquele momento, sua voz suavizando e assumindo um tom agradável e simpático. Ele se identificou, dizendo que era um soldado de Fort Carson, que vivia em Security com a esposa.
— E o que a Klan planeja fazer exatamente? — questionei, com a caneta a postos.
— Temos muitos planos. Com o feriado de Natal se aproximando, estamos organizando um Natal Branco
para famílias brancas carentes. Nada de crioulos — disse Ken.
Eles estavam buscando doações em dinheiro por meio da caixa postal, e A Organização — como se referiu à Klan, evitando designá-la — mantinha uma conta bancária em nome de White People, Org
, em um banco em Security.
— Também estamos planejando queimar quatro cruzes. Para anunciar a nossa presença. Ainda não sabemos exatamente quando, mas é o que queremos fazer. — Minha caneta se deteve sobre as minhas anotações quando ouvi isso. Quatro queimas aqui em Colorado Springs? Terrorismo, puro e simples.
Ken continuou explicando que a adesão à Organização custaria dez dólares pelo restante do ano, trinta dólares no ano seguinte, e eu teria que comprar meu próprio capuz e túnica.
— Quando podemos nos encontrar? — ele quis saber.
Merda, pensei, como vou fazer para me encontrar com esse cara?
— Ah, vou estar ocupado a semana toda — inventei.
— Bem, então, que tal na próxima quinta-feira à noite? No Kwik Inn, você conhece?
— Sim — respondi.
— Sete horas. Um cara branco, alto, magro, de aparência hippie, com um bigode de Fu Manchu e fumando um charuto vai estar do lado de fora do bar. Ele vai recebê-lo e, então, se tudo parecer ok, vai levá-lo até mim — explicou Ken.
— Tudo bem — respondi, anotando tudo com rapidez no meu bloco.
— Como vamos reconhecê-lo? — Ken questionou.
A mesma pergunta que eu vinha fazendo a mim mesmo desde que atendi à ligação. Como eu, um policial negro, poderia me infiltrar entre supremacistas brancos? Pensei logo em Chuck, um policial disfarçado da Narcóticos com quem eu trabalhava, que tinha mais ou menos a minha altura e constituição física.
— Tenho cerca de 1,75 metro de altura e oitenta quilos. Cabelos castanhos e barba — descrevi.
— Está bem, então. Foi bom conversar com você, Ron. Você é exatamente o tipo de pessoa que estamos procurando. Estou ansioso para conhecê-lo. — E com isso, a linha ficou muda.
Respirei fundo e pensei: Que diabos vou fazer agora?
2
JACKIE ROBINSON E
OS PANTERAS NEGRAS
Bem, o que eu tinha que fazer era iniciar uma investigação secreta da Klan e seus planos de crescer na minha cidade. Eu vinha trabalhando como investigador disfarçado havia quatro anos e tinha conduzido muitos casos, mas esse seria diferente, para dizer o mínimo.
Eu não cresci querendo ser policial. Na verdade, sempre desejei ser professor de Educação Física do ensino médio, e o único jeito de fazer faculdade era tornar-me cadete do Departamento de Polícia de Colorado Springs.
Fui contratado pela cidade de Colorado Springs em 13 de novembro de 1972, como cadete da polícia, aos 19 anos de idade. O programa de cadetes foi criado para jovens que acabavam de se formar no ensino médio, com idade entre 17 e 19 anos, que almejassem uma carreira como agentes da lei. Tais jovens eram submetidos à mesma bateria de testes que os candidatos comuns da polícia e obrigados a passar neles com a mesma pontuação porque estavam, em essência, em treinamento para se tornar oficiais. Uma vez admitidos no programa, os jovens candidatos recebiam um salário inicial de 5,25 dólares por hora, muito acima do salário mínimo, que era de 1,60 dólar. Os deveres incluíam frequentar a Academia de Polícia, além de desempenhar funções de apoio executadas por civis dentro do departamento, como processar registros de antecedentes criminais e aplicar multas para veículos estacionados de forma irregular.
Antes de eu entrar, o programa de cadetes já integrava o departamento de polícia havia aproximadamente quatro anos. Seu objetivo específico era tentar encorajar o recrutamento de minorias, em especial negros, para as suas fileiras de agentes da lei. Nesse sentido, o programa vinha sendo um fracasso, porque até o momento da minha contratação, ele nunca havia empregado negros. Recrutara um porto-riquenho e dois mexicanos, mas todas as outras contratações do programa haviam sido de brancos.
Ainda me lembro com nitidez da minha entrevista de emprego. Sentei-me diante da mesa do chefe de polícia adjunto, encarregado dos recursos humanos (um homem branco), ocupada também pelo capitão da Divisão de Patrulha uniformizada (um homem branco) e James Woods, que era o diretor de recursos humanos da cidade de Colorado Springs (um homem negro e funcionário civil).
O senhor Woods mostrou especial interesse em mim. Ele tinha um jeito de ser tranquilo e sorriso fácil, o que contrastava com o seu fervor em provocar mudanças num sistema cuja estrutura, ele sabia, era parcial e preconceituosa para com os negros. Estava louco para consertar
esse problema sistêmico e foi logo apontando os obstáculos que eu iria enfrentar.
— Você tem consciência de que não há negros neste departamento? Aqui só tem branquelo azedo que não se mistura. Você vai ter que encarar muita coisa para se sair bem. Essas pessoas só falam com negros se tiver de colocá-los na cadeia. Você teria algum problema em interagir num ambiente só de brancos?
— Não. Eu já fui ofendido antes. Posso lidar com isso.
— Você conhece Jackie Robinson? — ele perguntou.
— Sim.
— Bem, o segredo do êxito de Jackie foi que ele optou por não revidar. Enfrentou o racismo com o silêncio. Acha que pode fazer isso?
— Sim, eu posso. — Olhei para Woods direto nos olhos quando disse isso, com o queixo erguido. Eu me conhecia. Conhecia a minha personalidade. Sabia o que era ser xingado, encarado com desconfiança, até mesmo com ódio. Não sou do tipo que fica de boca fechada quando alguém me provoca, mas eu sabia que poderia escolher com cuidado o momento de confrontar.
Ele me fez uma série de perguntas sobre a minha criação na comunidade de El Paso, Texas, na fronteira com o México; em particular, como era ser um jovem negro vivendo num estado do Sul durante o auge do movimento pelos direitos civis dos anos 1960. A minha experiência como negro crescendo naquele período foi a de que El Paso era uma cidade sulista muito liberal. Nós não vivenciamos o volume de discursos ou violência que estava ocorrendo no extremo Sul, contra o movimento pelos direitos civis. Só o que nos chegava era aquilo que assistíamos nos noticiários da TV. Nesse aspecto, o movimento dos direitos civis para mim não era algo que fazia parte do meu mundo. Era um programa de televisão. Minha vida real e cotidiana era uma mistura multicultural de mexicanos, negros e brancos. Havia uma grande presença militar que era diversificada. Era uma espécie de cantinho à parte do país, o que não significa dizer que estivesse imune à intolerância racial. Eu nasci em Chicago, e a ideia de minha mãe de se mudar com nossa família para El Paso foi a melhor decisão que ela tomou, já que a cidade estava muito distante