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Arquitetura em diálogo
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E-book334 páginas6 horas

Arquitetura em diálogo

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Sobre este e-book

O livro reúne dez entrevistas realizadas por Alejandro Zaera-Polo, entre 1992 e 2000, para a renomada revista El Croquis com grandes nomes do meio arquitetônico – entre eles Rem Koolhaas, Frank Gehry, Jean Nouvel e Álvaro Siza. Figura muito atuante na área acadêmica e autor de renomados projetos, Zaera-Polo faz uso de seu extenso repertório e transforma cada entrevista em um profundo debate sobre método, técnica e posicionamento teórico, revelando as diretrizes principais do pensamento e da prática de seus interlocutores, que se mostram bastante heterogêneas.

Boa parte dos entrevistados se tornaram starchitects – arquitetos cujo alcance midiático é comparável ao de celebridades e cujas obras despertam a atenção pelo design arrojado e inovador. Seus projetos influenciaram de maneira significativa a área e suas posições teóricas continuam a desempenhar um papel relevante no entendimento atual da prática. Embora sejam criticados por terem concebido edifícios autorreferentes e pouco voltados para as pessoas e a cidade, seus projetos recentes foram pensados de modo mais integrado e representaram uma inovação importante para o modo de funcionamento da disciplina.

Segundo o arquiteto Martin Corullon, organizador do livro, a coletânea é "um retrato histórico da gênese de um período muito profícuo para a produção arquitetônica", sendo uma importante obra de referência para se compreender o início da produção de escritórios ainda muito atuantes no meio. A edição conta com apresentação de Corullon, na qual ele introduz os principais pontos a serem tratados nas entrevistas, que são dispostas de forma cronológica e acompanhadas de imagens referentes aos projetos mencionados.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de mar. de 2018
ISBN9788592886097
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    Arquitetura em diálogo - Alejandro Zaera-Polo

    dias.

    REM KOOLHAAS

    El Croquis: Rem Koolhaas/OMA

    1987–1992, n. 53, 1992.

    ENCONTRANDO LIBERDADES

    A presente entrevista é resultado de uma série de conversas mantidas com Rem Koolhaas em diferentes cidades. Os fragmentos resultantes foram selecionados e classificados em outra série de fragmentos, sendo cada um dedicado a uma liberdade adquirida.

    Liberdade de vínculos

    ALEJANDRO ZAERA-POLO Nos últimos cinco anos, seu trabalho parece vir explorando novas direções. Você reconhece esse fato? Se sim, como explica a mudança? De que modo você a relacionaria com o contexto de seu trabalho anterior?

    REM KOOLHAAS Na verdade, o que quase ninguém entende a respeito da arquitetura é que ela é uma mistura paradoxal de poder e impotência. Portanto, acho muito importante diferenciar as motivações que nos são impostas e as nossas próprias. Essa mudança a que você se refere foi um raro exemplo em que ambas coincidiram e se reforçaram mutuamente.

    A principal influência externa foi toda a mitologia em torno da Europa de 92, que parecia – por um momento – criar um otimismo artificial que foi traduzido numa série de empreendimentos extremamente ambiciosos, bem como numa redescoberta do potencial propagandístico da arquitetura. Isso teve um efeito galvanizador sobre os arquitetos, que pela primeira vez na história recente – nos últimos 25 anos, digamos – não precisavam mais impor sua presença desastradamente, mas eram solicitados por sua capacidade de articular determinados desenvolvimentos, de articular certas visões. Isso não acontecia em nossa área praticamente desde a primeira reconstrução do pós-guerra. Você pode explicar muito da arquitetura nos anos 1960, 70 e 80 a partir da dificuldade dos arquitetos em desempenhar certo papel, sem ninguém mais acreditar em seu trabalho. Essa situação toda começou a mudar em meados dos anos 1980, como consequência de uma inusualmente ambiciosa escala de projetos sendo considerados.

    Esse tipo de intervenção nunca tinha sido ensaiado na Europa, nem em termos de escala, nem de complexidade de ambições. O que era específico no caso europeu, em comparação com operações similares realizadas nos Estados Unidos e no Japão, era que os projetos não eram privados, mas públicos. Eram projetos que – acredite-se ou não na existência de uma esfera pública – suscitavam o debate em torno do que é a vida pública hoje.

    Esse novo clima foi decisivo, certamente. O mecanismo interno mais importante foi uma reação autocrítica ante nossas próprias intervenções nos anos 1980. Percebi que algumas das obras que tínhamos feito eram sensíveis demais aos antecedentes da arquitetura moderna. Em meio à ascensão do pós-modernismo no início dos 1980, essa talvez fosse uma atitude corajosa, mas ela se tornou bastante tediosa quando o modernismo triunfou na Europa. Era também uma atitude não criativa, uma vez que não explorava certas influências que podiam gerar novidade. Assim, a mudança interna se baseou numa crítica de nosso próprio trabalho, reforçada pela crítica do trabalho de quase todos os outros arquitetos.

    Na última etapa da minha transformação de escritor para arquiteto praticante – iniciada nos primeiros anos da década de 1980 –, simplesmente tive que aprender grande parte do ofício. Era ridículo já ser conhecido no meio desse processo, com tudo acontecendo à vista do público. Foi só por volta de 1987 que nos tornamos mais confiantes de nossas capacidades, e descobrimos certa coragem em nossa construção psicológica.

    E uma enorme impaciência.

    Paradoxalmente, essa coincidência entre confiança externa e interna permitiu que nos remetêssemos – não formalmente, mas ideológica e conceitualmente – a nosso trabalho inicial, sobretudo à pesquisa e aos campos de interesse explorados em Nova York delirante.

    Durante os anos 1980 na Europa, eu não tinha nenhum motivo para acreditar que essas questões podiam ter qualquer aplicação relevante. Mas eis que naquele momento descobri que ainda eram importantes. Foi como uma segunda gestação da mesma concepção.

    AZ Como foi que você experimentou essa mudança como arquiteto, e como isso afetou a estrutura do OMA [Office for Metropolitan Architecture]?

    Netherlands Dance Theater, Haia, 1987

    RK A experiência de construir o Dance Theater de Haia foi crucial. Durante anos aquilo foi um buraco negro, algo completamente extenuante, um pesadelo. Havia total falta de dinheiro, e a certa altura o cliente ficou sobrecarregado e em seis meses se divorciou, despediu o engenheiro acústico, o engenheiro estrutural, o engenheiro de instalações, e, finalmente, demitiu nosso escritório no meio da construção. Por alguns meses tocamos a obra de forma quase ilegal. Agora somos amigos, mas naquele momento… De qualquer modo, talvez eu não estivesse particularmente envolvido em outros projetos, mas em 1987, quando concluímos o Dance Theater, assumi o comando do escritório e fiz projetos como o Instituto de Arquitetura, em Roterdã, e a prefeitura de Haia. E isso foi para mim o começo de um novo ciclo. Eu me senti livre, tomei as rédeas do escritório e me atrevi a ficar sozinho. Esse também foi o momento em que a parceria com Elia Zenghelis se dissolveu; eu tinha a sensação de estar desfazendo uma infinidade de vínculos, o que era muito assustador, é claro, porque os vínculos são muito importantes…

    Instituto de Arquitetura da Holanda, projeto, Roterdã, 1988

    Sempre fiquei horrorizado com o que acontece aos arquitetos quando eles estão realmente sozinhos, e quão entediante, insuportável e importante seu trabalho se torna. Para lutar contra essa insensata mania de solidão, passei a me interessar em envolver outras pessoas nos projetos. E daí em diante, passamos a organizar a maior parte dos concursos com equipes formadas pelo pessoal do escritório por gente de fora e essa fórmula gerou um tipo de explosão que ocorreu no concurso da Biblioteca de Paris [Très Grande Bibliothèque] e com o edifício do ZKM [Centro de Arte e Mídia], em Karlsruhe. Também tento resistir a essa solidão colaborando com outros arquitetos. Por exemplo, há pouco convidamos Hans Kollhoff, Jacques Lucan e Fritz Neumeyer para trabalhar conosco em La Défense. Também estou trabalhando com Jean Nouvel em sua interpretação de algo que preparamos para ele em Lille, e temos trabalhado intensamente com Christian de Portzamparc. De modo que, por um lado, estou mais sozinho em Roterdã, mas, por outro, temos colaborações cada vez mais ambiciosas com outras pessoas.

    Prefeitura de Haia, concurso, 1986

    Sabemos melhor agora como estruturar o processo criativo e criar as condições adequadas, a mistura certa de pânico e contemplação, o incentivo certo quanto às relações competitivas e ao apoio, e no final pode-se até falar sobre a organização do escritório como um problema de projeto, uma composição de sotaques nacionais e complementaridades.

    Très Grande Bibliothèque, concurso, Paris, 1989

    ZKM Centro de Arte e Mídia, concurso, Karlsruhe, 1992

    AZ Pode-se dizer então que você também estava experimentando integrar no processo criativo a maior quantidade possível de energia aleatória, inconsciente…

    RK É quase a criação de uma inconsciência artificial. Acredito na incerteza. Para se convencer realmente de alguma coisa, é necessário sentir uma profunda repulsa por quase todo o resto, de modo que em determinados projetos é fundamental explorar suas fobias, a fim de reforçar suas convicções.

    AZ Mas como você articula essa experimentação dentro do quadro da atividade profissional?

    RK Bem, de certo modo, é uma construção de uma estrutura esquizofrênica. Até certo ponto, sempre critiquei o mito do profissionalismo do arquiteto. E é claro que isso nos criou muitos problemas, porque ao mesmo tempo insisti em adquirir este profissionalismo, ao menos em meus próprios termos; por isso o projeto em Fukuoka [edifício de apartamentos Nexus World] foi extremamente importante para mim, porque toda a materialização e a organização funcionaram bem. Gosto das Casas-Pátio em Roterdã pela mesma razão. É muito importante para mim ter uma espécie de vida secreta na qual eu desenvolvo projetos que fazem sentido em seus próprios termos – ou em meus próprios termos – e ao mesmo tempo façam ou não façam sentido, dependendo do caso, em relação aos detalhes e à cultura material.

    Edifício de apartamentos Nexus World, Fukuoka, 1991

    Casas-Pátio, Roterdã, 1988

    AZ Mas você também tem apoiado certa atitude brutalista, que sacrifica a precisão de detalhes em prol da concepção global.

    RK Esse é um assunto muito complicado, como você pode imaginar. Aqui na Holanda nosso trabalho é considerado um fracasso completo. Os críticos dizem que os detalhes de nossos projetos são simplesmente ruins, e eu digo que não há detalhes. Essa é a qualidade do edifício. Se não há dinheiro, não há detalhe, apenas conceito puro. Trabalhamos para encontrar soluções: cada problema tradicional é evitado, contornado ou transcendido de algum modo. Isso é algo que eu poderia formular só depois de ser confrontado com a cultura holandesa contemporânea, que se nega a investir em qualquer coisa que se relacione com o futuro: orgulho do barato combinado com a pretensão de cultura. Só depois de uma longa experiência com essa atitude percebi que não há proteção contra isso. Por mais que você procure, não vai encontrar ninguém que o apoie ou pague, simplesmente não há ninguém. Só depois de compreender isso e da perda de qualquer ilusão pudemos formular o tipo de resposta e estratégia com que temos trabalhado.

    É o princípio da ação e reação: você me empurra contra a parede, eu te empurro de volta. Isso estimula uma atitude brutal. Essa resposta é certamente formada e inspirada por uma experiência cada vez mais generalizada com a fragilidade, a delicadeza e a irracionalidade da cultura neste momento.

    Por outro lado, nosso edifício em Karlsruhe é obviamente muito dependente do detalhe; sem um cuidadoso detalhamento ele poderia ter se tornado um pesadelo. O edifício deveria ter robustez e utilidade, mas também áreas de inexplicáveis refinamento e mistério. Por isso que para mim é importante tanto criar uma espécie de aproximação, alguma perturbação na realização de qualquer processo, como trabalhar com muita precisão na definição de nossa experiência construtiva.

    AZ Como o fato de 90% de suas encomendas estarem fora da Holanda e dispersas por uma extensa geografia influencia o seu trabalho? Quais as implicações de precisar estar em vários lugares ao mesmo tempo, qualidade exigida de você pelo processo contemporâneo de globalização econômica?

    RK Essa nova internacionalização não significa necessariamente que uma nova homogeneidade internacional esteja surgindo. É quase ao contrário: significa que um único arquiteto intervém e é influenciado por muitas culturas diferentes – algumas semanas eu trabalho na Alemanha, na França e no Japão ao mesmo tempo. Ou seja, o trabalho só pode ser descrito por um sistema de diferenciação similar.

    Liberdade de estruturas

    AZ Projetos como a Biblioteca de Paris [Très Grande Bibliothèque], o ZKM, em Karlsruhe, ou os centros de convenções em Lille [Congrexpo] e em Agadir mostram um interesse renovado pela estrutura que não estava evidente em seus primeiros trabalhos. Como você articula esse interesse recente pela estrutura no desenvolvimento de sua pesquisa em arquitetura?

    RK O Dance Theater em Haia foi o edifício no qual, pela primeira vez, me envolvi seriamente com estrutura. Se você olhar para a cobertura e algumas das acrobacias estruturais no foyer, pode notar o início de um interesse pela estrutura. O Skybar, por exemplo, tem capacidade para duzentas pessoas. Dependendo de onde você está (norte ou sul), o tubo que o suporta se expande ou se comprime. Assim, o comportamento estrutural muda completamente; não se trata apenas de uma questão de resolver as cargas, mas de uma demonstração de comportamento estrutural instável.

    Centro de convenções Congrexpo, Lille, 1994

    O mais interessante a respeito da Biblioteca de Paris foi ter me permitido identificar e tentar lidar com o que há de absurdo e impossível acerca das grandes estruturas. Na história da arquitetura, elas são um fenômeno recente, mal trabalhado na teoria da arquitetura, negligenciado por críticos e arquitetos com a mesma energia com que levantam questões sérias. Quanto mais trabalhava com elas, mais eu era capaz de articular intuições e críticas das quais nunca fui de todo consciente, mas que devem ter estado presentes desde que trabalhei em Nova York delirante.

    A primeira questão que me interessa enormemente a respeito das grandes estruturas é que a distribuição de cargas aumenta à medida que nos aproximamos da parte inferior do edifício, de modo que, ao chegar ao solo, somos literalmente bloqueados pelo legado estrutural e mecânico que vem de cima. Qualquer edifício alto ou qualquer grande estrutura poderia ser entendido, metaforicamente, como a redução sistemática da liberdade onde ela mais importa: o solo.

    Paralelamente, há uma crítica ao conceito das instalações em geral, um assunto que ao menos para mim tem se mostrado tão importante e fascinante quanto o da estrutura. É incrível como um componente que significa um terço da seção de um edifício e pode representar 50% do orçamento seja de certo modo inacessível para o arquiteto, não suscetível ao pensamento arquitetônico. Não se trata de especulação: é como aceitar que entre 30% e 40% da construção simplesmente não seja de sua competência e que você precisa engolir o lixo ridículo que os engenheiros de instalações instalam lá.

    Só depois de ter passado por determinadas experiências você pode formular tais críticas e rejeições. É uma questão de ganhar confiança, e talvez certa arrogância, acerca desses temas. Em meu caso, foi um estímulo ter trabalhado com Cecil Balmond e sua equipe da Arup: eles formam um contraponto. Provavelmente é também uma questão de ser honesto comigo mesmo: tenho que chegar a um acordo com o fato de que, afinal de contas, sou um pensador, e, portanto, tenho que pensar nessas questões, mesmo que nem sempre seja conveniente.

    AZ Também estou interessado nessas estruturas num sentido mais global. Me parece que a materialização de seus últimos projetos se relaciona ou está em ressonância com certos processos – sociais ou econômicos – de caráter menos material. Suas estruturas parecem cristalizar o colapso do tempo e espaço que você já explorou em Nova York delirante. Trata-se de um processo consciente ou é apenas o resultado de estar envolvido em determinado modo de produção?

    RK Além de minha crescente imersão nos, digamos, profundos mistérios da profissão – no sentido de que certas áreas do real exercício da profissão são simplesmente postas em questão e abertas à investigação –, o fato de eu estar cada vez mais envolvido na produção da arquitetura me proporcionou maior entendimento e compreensão de como a sociedade de valores se organiza de modos secretos e surpreendentes.

    AZ Essa me parece uma etapa decisiva depois de quase vinte anos de indiferença pelas estruturas em favor da experimentação linguística na cultura arquitetônica. Poderíamos lembrar de Kahn fazendo distinção entre espaços servidos e servidores, público e privado; ou de Mies e de Corbusier quando propõem o edifício como uma cristalização de processos sociais e produtivos… Isso é um retorno a uma abordagem estrutural?

    RK Todos os nomes que você mencionou estavam no auge da carreira pouco antes de eu começar a estudar arquitetura. Comecei a me interessar realmente por arquitetura por volta de 1964 ou 65, mas comecei meus estudos em 1968, e os autores que eram lidos e cujos livros comprei antes de ser estudante de arquitetura eram precisamente Kahn, Mies, os Smithson… Olhando em retrospecto, acho que realmente voltamos agora a lidar com os mesmos assuntos, depois do pesadelo semântico.

    Admiro mesmo o pensamento deles; minha única crítica é ao fato de eles terem sido fatalmente atraídos pela ideia de ordem, e aparentemente se sentido obrigados a lidar com ela mediante a arquitetura. Acho isso fascinante, mas ao mesmo tempo inacreditável, porque, embora algo em seu discurso seja bastante convincente, a compulsão em articulá-lo em termos puramente arquitetônicos é muito questionável.

    E o mesmo era verdade para a investigação dos Smithson acerca da des-ordem. Eu diria que alguns projetos como o La Villette ou a prefeitura de Haia foram de certo modo diálogos unilaterais com os Smithson, especialmente sobre como lidar com a indeterminação. Tentei encontrar, ou resolver, o que eles – ou o Team X – sempre deixavam sem solução, isto é, como se pode combinar indeterminação com especificidade arquitetônica.

    Parc de La Villette, concurso, Paris, 1982

    AZ Você aceita a existência de certa ordem geral, de uma infraestrutura que está tomando forma e sendo materializada nesses projetos, quer dizer, uma estrutura profunda do sistema?

    RK Não, não. É claro que não. Não existe uma ordem geral. Mas, ao mesmo tempo, discordo da conclusão dominante entre muitos contemporâneos – especialmente os japoneses –, para quem a arquitetura deve ser caótica por definição. A justificativa, o argumento último dessa postura tem sido o da analogia: se o que existe é confusão, criamos confusão; se há falta de estrutura, ignoramos a estrutura; se impera a vulgaridade, criamos vulgaridade; se há caos, refletimos esse caos… Estou começando a achar que isso é um engano: há agora mesmo muito potencial para uma arquitetura que resista a essa mimese.

    Por exemplo, acho que um dos aspectos mais prometedores e provocativos do programa da Biblioteca de Paris foi reformular a ideia de um equipamento comunitário, uma entidade em meio a um colapso total da esfera pública – e, certamente, de sua aparência clássica. Contra a homogeneização evidente dos meios eletrônicos, contra a eliminação da necessidade do lugar, contra o triunfo da fragmentação…

    Parte do discurso recente – todos os des – foi uma tentativa muito sofisticada de fazer o inevitável parecer glamoroso. Tenho um sentimento crescente agora de que ir no sentido oposto, contradizer o inevitável, pode ser convincente em algum momento, importante para a arquitetura.

    AZ Qual é a relação entre a réplica e a invenção em seu trabalho, proporcionalmente? E, voltando a Nova York delirante, você consideraria a adoção de manifestos prospectivos em vez dos métodos do manifesto retroativo?

    RK Isso é muito interessante porque, no início dos anos 1980, eu pensava que a repetição era extremamente importante, que era preciso inventar apenas quando necessário. Mas ultimamente desenvolvi um interesse pela invenção. Sempre fui dado a chocar ou provocar, e toda a ideia do manifesto retroativo era também uma espécie de profunda afirmação de economia.

    Você não tem noção do grau da hostilidade – foi quase física – contra qualquer ideia de modernidade que surgiu na década de 1970. Então, naquele momento, senti que a única maneira de recuperar a modernidade era insistindo de maneira muito progressista sobre seu outro lado: seu populismo, sua vulgaridade, seu hedonismo.

    A única estratégia que eu poderia adotar era a de tomar algo que já estava lá, que existia e havia tido êxito. Foi uma estratégia totalmente determinada pelo contexto da época. Tudo pode ser entendido como uma dialética entre poder e impotência. Foi também uma dialética entre as reações contra ou em resposta a um contexto e a um tipo de trajetória autônoma que pode, apesar de todas essas coisas, encontrar uma continuidade.

    AZ Ou seja, seria mais uma rejeição de uma simples mimese ou réplica do que uma negação direta de certas condições sociais ou produtivas que influenciam as práticas materiais em geral…

    RK Até certo ponto, dependemos das condições existentes, mas temos que fazer nosso próprio julgamento, em parte intuitivo e em parte explícito, no sentido de vermos aonde há certo potencial para uma interpretação que gera um projeto. Depende desse nosso julgamento se a representação do sistema será positiva ou negativa, neutra ou passional…

    AZ Mas eu vejo seus últimos projetos mais como máquinas acopladas a esse sistema, às vezes trabalhando em ressonância, às vezes em discordância, do que como construções representativas. Em muitos aspectos, esse objetivo da representação faz parte dos paradigmas linguísticos dos quais estamos tentando escapar. Prefiro caracterizá-los como dispositivos, ferramentas ou instrumentos…

    RK Não me refiro à representação em termos de representação visual ou formal, mas no sentido institucional – são representativas ainda que pareçam simples mecanismos.

    Nesse sentido, é muito interessante comparar nossa proposta para Melun-Sénart com a da Coop Himmelblau. O que eles propuseram é uma espécie de grito de desespero, uma colisão forçada, a declaração de que já não somos capazes de planejar as cidades.

    A ordem é uma ilusão. Eles propõem edifícios de catorze quilômetros de comprimento, dispostos em ângulos irregulares. É realmente muito interessante observar a diferença em relação ao nosso: ainda que em termos de retórica os projetos sejam extremamente próximos, em termos de interpretação de valores eles são diametralmente opostos.

    Ville Nouvelle Melun-Sénart, concurso, 1987

    AZ É a isso que me refiro quando falo em utilizar uma estratégia não representativa em sua obra recente. Se Coop Himmelblau projetou essa explosão, foi supostamente para representar algo, a cultura contemporânea, o que for… Acho que isso é parte de um paradigma muito nostálgico do qual o desconstrutivismo talvez seja o último herdeiro. Me parece que seus projetos se relacionam mais com a engenharia do que com a representação…

    RK Nossa intenção poderia ser sintetizada do seguinte modo: como fazer para transformar todo o lixo do sistema atual a nosso favor? Um rei Midas democrático: tentar encontrar um conceito através do qual o inútil passe a ter algum valor, onde inclusive o sublime é possível.

    Liberdade de modelos

    AZ Quais são as razões para seu interesse duradouro em grandes edifícios e planejamento urbano?

    RK Sempre estive muito interessado na grande escala e em suas implicações; na artificialidade e na fragmentação que ela produz, e em como, de certo modo, sua própria magnitude se converte em antídoto contra a fragmentação. Cada uma dessas entidades adquire a pretensão e, por vezes, a veracidade de uma realidade completamente envolvente, além de uma autonomia absoluta. De modo que os desafios que trazem têm duas vertentes. Em primeiro lugar, nos exigem uma postura

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