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Fantasias Soltas
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E-book122 páginas3 horas

Fantasias Soltas

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Sobre este e-book

Esta coleção reúne todos os contos já publicados de fantasia histórica e contemporânea da autoria de Joel Puga. Criaturas bizarras, espíritos malignos, ruínas fantásticas e cemitérios assustadores são apenas algumas das coisas que encontrarão nestas páginas.
As histórias incluídas são:

O Último – Aterrorizado com a ideia da morte, um homem deixa-se contaminar pelo vampirismo de forma a prolongar a sua vida indefinidamente. Porém, quando as legiões do Céu e do Inferno se enfrentam na derradeira batalha, vê-se como o último ser humano na Terra. Deixar-se-á arrastar pacificamente para um dos reinos do pós-morte?

Sasabonsam – Durante a Guerra da Guiné, um grupo de guerrilheiros guineenses abate um avião português. Ao investigar os destroços, descobrem não só que o piloto sobreviveu, mas também que este não é humano. Intelectual, um dos guerrilheiros, vê-se obrigado a enfrentar o monstro, assim como o tribalismo que infecta as mentes dos seus camaradas.

O Castelo – Tomás recebe um convite de última hora, do seu primo Miguel, para a ceia de Natal. Porém, os motivos de Miguel são mais negros do que Tomás alguma vez poderia imaginar.

Susana – Após uma vida curta e desagradável, Susana enfrenta a morte. Recordando os seus dias na Terra, tenta deduzir para qual dos reinos do pós-morte será enviada. Porém, o seu destino final revela-se surpreendente, de mais de uma maneira.

Uma Demanda Literária – Na sua busca por livros raros, Cirio encontra a ilusiva livraria de Mormont, cuja localização muda regularmente, mas que se diz conter volumes quase impossíveis de achar. Contudo, mesmo depois de tudo o que passou para ali chegar, terá Cirio concluído a sua demanda?

A Saga de Eu, Justiça Divina – Céu, Purgatório e Inferno, os três reinos do pós-morte. Agentes de cada um deles tentam manipular os Homens, levando-os a fazer coisas que normalmente não fariam, para influenciar o seu destino final. Tudo para obter mais almas e ganhar vantagem na Guerra Eterna.
Não o posso aceitar. Não é justo que o local de repouso (ou tormento) eterno de uma pessoa seja determinado pelo que terceiros a levaram fazer. E luto para o impedir.

Um Deus em Humaitá – Durante a Passagem de Humaitá, um dos mais importantes momentos da Guerra do Paraguai, a intervenção de um deus guarani muda o curso da história. Para dois soldados em lados opostos, contudo, é um acontecimento catastrófico.

Wendigo – Depois de a Espanha acordar uma aliança com a Alemanha Nazi, Portugal vê-se obrigado a fazer o mesmo para evitar ser anexado. Como consequência, soldados portugueses na Base das Lajes, nos Açores, veem-se sob o ataque de uma força americana que quer ocupar aquele ponto estratégico. Frustrados com a obstinada resistência dos defensores, os americanos recorrem a uma arma muito pouco convencional.

A Maldição da Ponte do Arco – Algo nas imediações da Ponte do Arco anda a afogar as crianças da aldeia de Perre. Temendo que a causa seja de origem sobrenatural, a população vira-se para a Igreja para os ajudar. Porém, ao ver a aparente impotência desta, três homens decidem resolver o problema sozinhos. O que têm de fazer para manter os seus filhos seguros, contudo, irá persegui-los até ao fim das suas vidas.

IdiomaPortuguês
EditoraJoel Puga
Data de lançamento7 de jan. de 2017
ISBN9781370316335
Fantasias Soltas
Autor

Joel Puga

Joel Puga nasceu na cidade portuguesa de Viana do Castelo em 1983. Entrou em contacto muito cedo com a fantasia e a ficção científica, principalmente graças a séries e filmes dobrados transmitidos por canais espanhóis. Assim que aprendeu a ler, enveredou pela literatura de género, começando a aventura com os livros de Júlio Verne. Foi nesta altura que produziu as suas primeiras histórias, geralmente passadas nos universos de outros autores, cuja leitura estava reservada a familiares e amigos. Em 2001, mudou-se para Braga para prosseguir os estudos, altura em que decidiu que a sua escrita devia ser mais do que um hobby privado. Isso valeu-lhe a publicação em várias antologias e fanzines portuguesas abordando diversos sub-géneros da ficção especulativa. Vive, hoje, em Braga, onde divide o seu tempo entre o emprego como engenheiro informático, a escrita e a leitura. Joel Puga was born in the Portuguese city of Viana do Castelo in 1983. Since an early age, he has been in contact with fantasy and science fiction, mainly thanks to dubbed films and TV shows transmitted by Spanish channels. As soon as he learned how to read, he got into genre literature; starting his adventure with Julio Verne's books. It was during this time that he produced his first stories, generally using other author's universes as a backdrop, the reading of which was reserved to family and friends. In 2001, he moved to Braga to follow his studies, a time in which he decided his writings should be more than a private hobby. This granted him several publications in Portuguese anthologies and fanzines of various sub-genres of speculative fiction. Today, he lives in Braga, where he divides his time between his job as a computer engineer, as well as writing and reading. Joel Puga nació en la ciudad portuguesa de Viana do Castelo, en el año 1983. Desde muy temprana edad, mostró interés por la fantasía y la ciencia ficción sobre todo gracias al doblaje de películas y programas de televisión para canales españoles. Tan pronto como aprendió a leer, se sintió atraído por la literatura de género, iniciando esta fascinante aventura gracias a los libros de Julio Verne. Durante ese período, produjo sus primeras historias, las cuales, por lo general, estaban inspiradas en el universo de otros autores. La lectura de sus primeras obras quedaba reservada a familiares y amigos. En 2001, se trasladó a Braga para continuar con sus estudios. En esa época, decidió q...

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    Fantasias Soltas - Joel Puga

    O Último

    Momentos antes, a sala encontrava-se às escuras. Agora não. Uma luz vermelha entra pelas janelas a sul, pintando de sangue tudo o que banha. Pelas janelas a norte, entra uma outra, dourada, transformando cortinas e mobília em ouro, qual toque de Midas.

    Onde as duas se encontram, no meio da sala, quebrando todas as leis da cromática, forma-se uma linha negra. Sob esta, sentado numa poltrona de couro, repousa o barão Ekkehard, os olhos fixos na lareira onde há mais de cinco séculos não arde fogo algum.

    Ele recorda o dia em que descobriu a verdade sobre o Céu e o Inferno, quando, nesta mesma sala, recorrendo a uma bola de cristal, o velho mago lhe mostrou como eram os dois destinos que esperam todos os homens, depois do fim.

    O Inferno não lhe agradou. A luz e o calor excessivos sempre o incomodaram. Isto para não falar da total e absoluta anarquia e dos tormentos que o Cornudo inflige a todos os que lá vão parar.

    Todavia, o Céu não era melhor. Um reino excessivamente regrado, onde cada ato era regulamentado, numa tentativa de suprimir a individualidade e criar uma igualdade artificial e impossível.

    Ekkehard decidiu, então, que iria fazer tudo o que pudesse para se manter na Terra. O mago aconselhou-o a procurar um homem de que tinha ouvido falar e que talvez o pudesse ajudar. Porém, também o avisou do Armagedão, do dia em que todos os seres, sem exceção, seriam levados para um dos reinos do pós-morte. O barão não prestou atenção ao aviso. Afinal, ainda estava distante.

    Ekkehard leva à boca um copo de Bordeaux, o único vinho cujo sabor as suas papilas gustativas, atrofiadas com o passar dos séculos, podiam sentir.

    O barão recorda-se da viagem à Transilvânia, das aventuras e desventuras. Lá, encontrou o homem que o mago lhe indicara. Se tal criatura podia ser chamada de homem. Um ser deformado e corcovado, careca e de pele arroxeada. Poucas palavras inteligíveis lhe saíam da boca, cheia de dentes tortos ou em falta, por entre os quais sobressaíam dois longos caninos.

    Ekkehard percebeu o porquê de ter aquele aspeto quando viu o abrigo deste outrora homem: uma caverna no meio da floresta, perdida nos Cárpatos, sem mobílias ou ferramentas ou qualquer outro vestígio de civilização, pejada de ossos e carcaças de animais, cujo sangue lhe servira de alimento.

    Com muito esforço, o barão conseguiu que a criatura o mordesse sem beber sangue. Apenas o suficiente para lhe passar a doença, para torná-lo num dos mortos-vivos eternos, aqueles com capacidade para durar até ao fim dos dias desta Terra.

    Ekkehard levanta-se da poltrona e ajusta as placas da sua secular armadura, que manteve em boas condições precisamente para este momento. Calmamente, caminha até à lareira e pega na espada que repousa sobre ela.

    Imagens dos séculos a seguir à sua transformação surgem-lhe na mente. Praticamente imortal e vendo o Armagedão ainda distante, dedicou-se àquilo que mais amava: a guerra. Deixando o castelo à guarda de serventes mortais, que o mantiveram em bom estado, participou em todas as guerras que conseguiu: as Guerras Turcas, a Guerra Anglo-Espanhola, a Guerra da Independência Americana, as Guerras Napoleónicas, a Guerra da Crimeia, entre muitas outras. E nelas supria, também, a sede de que sofrem todos os membros da sua raça não-morta – o sangue humano era bem mais nutritivo que o de qualquer animal.

    Contudo, conforme o vampirismo lhe foi destruindo o paladar e o tato, também o prazer, a emoção que tirava das batalhas foi desaparecendo. Após a Grande Guerra, pousou as armas e começou à procura de algo para preencher o vazio que sentia agora no seu interior. Não demorou muito a encontrá-lo na literatura.

    Sabendo que faltavam menos de cem anos para o Fim, procurou um género que o satisfizesse totalmente e concentrou-se nele, em detrimento de todo o resto. Foi no Fantástico que a sua escolha acabou por recair. Ficção Científica, Horror, História Alternativa, especialmente interessante para quem viveu a História como ela ocorreu, fascinavam-no. Mas era a Fantasia Heroica e Épica que o atraíam especialmente. As histórias de Howard e Tolkien, e seus sucessores: Brooks, Eddings, Gemmel, Feist, Cook, Abnet, Martin, para nomear apenas alguns. Demandas impossíveis, guerras épicas, heróis valorosos, mas nem sempre perfeitos, vilões cruéis, mas nem sempre maus, duelos incríveis. Todos eles semelhantes, mas não iguais, invocavam o prazer, a emoção que sentiu nos seus tempos de guerreiro, com acréscimos, até mesmo quando os heróis derrotavam criaturas em tudo semelhantes aquela em ele próprio se tornara.

    Ekkehard abandona a sala. Conforme percorre o corredor, deita um último olhar para os vários quartos, todos eles cheios de estantes recheadas de livros. Ele lamenta já não ir aqui estar para ler futuras aventuras. Então, lembra-se que talvez não exista mais ninguém para escrevê-las, que talvez todos os outros seres humanos tenham sido mortos, enviados para os reinos do pós-morte pelos dois exércitos que se digladiam, numa tentativa de obter superioridade numérica na batalha final da Guerra Eterna. Quantos objetos ficarão por encontrar? Quantos vilões por derrotar? Quantos heróis por nascer? Quantas batalhas por travar?

    O barão desce as escadas exteriores da torre de menagem, atravessa o pátio calcetado, transpõe o portão e, percorrendo a ponte de pedra construída sobre o fosso, chega aos campos que, em outros tempos, os seus servos trabalharam.

    Olha em volta. Ainda no dia anterior o castelo se encontrava rodeado por montanhas. Agora não. Até onde a sua vista alcança, existem apenas planícies. Os dois exércitos destruíram tudo à sua passagem. E agora estão quase sobre ele.

    A sul, encontram-se demónios, alguns enormes, com mais de dez metros de altura, outros minúsculos, que nem chegam aos dez centímetros. Alguns magros, outros gordos. Alguns voam, suportados por asas semelhantes às dos morcegos, outros arrastam os pés pelo chão e outros, ainda, caminham pelo ar como se de terra firme se tratasse. Porém, todos têm dois chifres a sair-lhes da testa e pele vermelha que irradia uma luminosidade da mesma cor.

    Ao norte, encontram-se anjos, o seu aspeto muito mais consistente que o dos demónios, pois todos se assemelham a humanos. Apenas as asas, cobertas de penas brancas, os distingue uns dos outros, pois o seu tamanho varia, provavelmente conforme o status de cada um. Uma aura dourada envolve-os a todos, emanada pelas auréolas que pairam sobre as suas cabeças.

    Apesar da quase imortalidade de todos os vampiros, que só podem ser mortos se lhes trespassarem o coração ou deceparem a cabeça, Ekkehard sabe que não tem qualquer hipótese contra os inúmeros e poderosos inimigos que se aproximam. Ainda assim, não se resigna. Não vai ser apenas mais um dano colateral da Guerra Eterna. Não se vai deixar derrubar por anjo ou demónio, não sem dar luta.

    Segurando a espada com as duas mãos, Ekkehard toma uma pose de combate. O seu olhar dardeja entre o norte e o sul, esperando que os primeiros soldados de ambos os lados fiquem ao alcance da espada. Preparando-se para dificultar ao máximo o seu encarceramento nos reinos da pós-morte.

    Sasabonsam

    Sentado junto da fogueira, eu observava os outros soldados, enquanto festejavam à volta do Comandante. Ele tinha acabado de abater, pela primeira vez desde que a guerra começara, um avião tuga.

    - Sem Medo – gritavam os meus camaradas, invocando a alcunha dele. – Sem Medo.

    O homem sorria, segurando o lançador do míssil antiaéreo, um Strela soviético, sobre a cabeça. Maldito mandinga. Carniceiro de merda.

    Eu fazia das tripas coração para ignorar o asco que sentia. Não por ter sido abatido um tuga, claro. Quanto menos esclavagistas brancos, melhor. Mas ver aquela criatura ovacionada dava-me a volta ao estômago.

    As atrocidades que eu já o tinha visto cometer, principalmente contra aqueles que deviam ser o seu povo; que também eram guineenses. Só que o tribalismo era demasiado forte.

    Deixei eu os meus estudos de engenharia na metrópole, fugindo por Paris, para voltar à Guiné. Renunciei ao lugar confortável que me ofereceram no Partido porque queria estar no terreno, a lutar contra o tuga. Para acabar sob as ordens deste analfabeto sádico.

    Os festejos duraram mais alguns minutos, regados por uma boa dose de cerveja, até que Sem Medo lhes pôs fim.

    - Raça, Mecânico, os restos do avião caíram na floresta. Vão ver se encontram alguma coisa útil.

    Os meus dois camaradas pegaram nas AKA e desapareceram na noite. Os restantes voltaram aos seus afazeres.

    Sem Medo veio até à fogueira.

    - Então, Intelectual, estás a chorar a morte de mais um dos teus amigos tugas? – disse-me, sentando-se a meu lado.

    Mais uma das suas provocações. Ao ver que eu não reagia, continuou:

    - É perigoso não te juntares a nós quando festejamos a morte de um inimigo. Alguns dos homens começam a duvidar de que lado estás.

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