Ela: Eu estaria em uma cafeteria num fim de tarde, o que sempre resultaria em lotação pelos dias no fim do outono. Estaria em uma mesa sozinha, tomando um cappuccino e tentando escrever mais um texto perdido. Esqueceria das horas mais uma vez.
Ele: Por mais que visse que não haviam mesas disponíveis, eu relutaria em entrar. Iria até o balcão e pediria meu café, o atendente explicaria a falta de mesas, e então eu olharia pra trás e: "Ok, então eu divido a mesa com alguém". Não haveria lugares pra dividir, exceto a mesa próxima a janela, usada por uma moça escrevendo em um caderno com o cabelo tapando os olhos. Me aproximaria e pediria licença para dividir a mesa.
Ela: Eu estaria tão afundo na escrita que sem levantar a cabeça disse "Sim, pode". Ele não estranharia, já que em lugares lotados assim, é normal.
Ele: Eu ficaria aflito por não ter ganho atenção, e ela parecia estar tentando terminar a escrita pra assim poder cumprimentar quem estaria sentado a frente dela.
Ela: Logo o café chegou e assim levantei a cabeça. O que veria a frente seria uma surpresa: não era uma senhora bem arrumada e simpática como de costume. Era um homem alto, cabelos castanhos, com expressão forte e barba por fazer, estava arrumado, mas apenas com celular e chaves de carro.
Ele: Por uma estranha coincidência, não só eu estava assustado, mas ela também. Quando levantou os olhos, percebi o quanto era mais nova do que achei quando a vi do balcão. Suas roupas mostravam alguém séria, mas seu rosto era doce e seus olhos, grandes, cílios imensos, uma combinação um tanto bonita. Sua expressão denunciava que não me esperava sentar ali.
Ela: Ele sorriria, então eu lembraria de fazer uma cara mais gentil e dizer "Oi".
"Estou atrapalhando sua escrita?"
"Não, de forma alguma."
"O que escreve?"
"Pensamentos."
"É seu trabalho? Escrever pensamentos?"
"Não, eu faço arquitetura e estagio, é só... Um passatempo."
Ele: Ela diria aquilo com um sorriso no canto dos lábios, aquilo lhe dava satisfação, e eu gostara do modo em que ela intercalava coisas tão diferentes.
"E você, trabalha com o que?"
"Acabei de me formar em engenharia civil, trabalho em uma construtora"
"Hum sim."
Ela: Ele me avaliara com os olhos, enquanto levava a bebida na boca. Ainda estava pensando no caderno, queria finalizá-lo, mas a curiosidade dele parecia não acabar tão cedo.
Ele: Ela estava acabando de tomar o que pedira e então percebi que o tempo passara rápido demais pra matar qualquer curiosidade que surgira ali. Seus olhos pareciam não prestar atenção a conversa que acabamos de ter e de alguma forma, não queria que as coisas terminassem naquela mesa.
Ela: Ele me desconsertava, e isso não me mantinha em uma zona de conforto. Coloquei minha bolsa em meu colo, num gesto sutil de dizer que estava de saída.
"Foi bom conhecê-la."
"Igualmente."
"Quem sabe não nos esbarramos de novo."
Ele: Ela se levantou e saiu, mas não sem antes sorrir graciosamente ao meu comentário que devo admitir, um pouco perseguidor. Então vi o caderno em cima da mesa, olhei pra trás e ela ainda estava passando entre as pessoas dali, num ato de loucura, peguei o caderno e guardei-o comigo, esperei vê-la passando pela janela da cafeteria em direção ao carro, assim o abri. Primeira página: nome e telefone.