Economia circular e logística reversa – Quais as diferenças e similaridades?
Autora: Patricia Guarnieri
Aproveitei o feriado para ler alguns artigos de Economia Circular e fiquei pensando na ligação desse termo com a logística reversa, que é um dos temas que pesquiso. Sem dúvida, nas últimas décadas, o conceito de economia circular tem recebido crescente atenção, especialmente por legisladores, advogados, consultores e pesquisadores, sempre com foco em uma sociedade mais sustentável, em seus três pilares: econômico, social e ambiental.
Mas como todo assunto relativamente novo, tenho percebido algumas confusões conceituais, tanto por parte de profissionais praticantes, como também de acadêmicos, por isso resolvi escrever esse artigo para o blog.
Crédito: ID 82020177 | Dreamstime.com |
Devemos considerar que o ciclo de vida de um bem ou serviço, representado pelos estágios do processo de produção e comercialização, desde a extração das matérias primas até a disposição final dos resíduos, também é conhecido pela expressão ‘do berço ao túmulo’, na língua inglesa ‘cradle to grave’, no qual, para Barbieri, Cajazeira e Branchini (2009) o berço é o meio ambiente, de onde são extraídos os recursos naturais e o túmulo, também o meio ambiente, mas com o papel de ser o destino final dos resíduos gerados. McDonough e Braungart (2002) estabeleceram o conceito ‘cradle to cradle’, que significa ‘do berço ao berço’ e vai além da visão de ciclo de vida que até então vigorava ‘do berço à cova’, incluindo os resíduos novamente no ciclo produtivo.
Apesar de o primeiro artigo sobre economia circular datar de 2007, este conceito parece estar implícito no conceito do ‘berço ao berço’, visto que neste o resíduo é entendido como o “alimento” para um novo produto, no mesmo processo produtivo ou em processos diferentes, o que torna o ciclo de vida do produto infinito (McDONOUGH e BRAUNGART, 2002. Adicionalmente, McDonough e Braungart (2002) afirmam que esse sistema reflete uma ideia em que os materiais são tratados como recursos e fluem em um metabolismo cíclico sem perder sua qualidade, ou seja, são suscetíveis de pleno reaproveitamento, seja como nutrientes biológicos em ciclos biológicos, ou materiais técnicos, postos em recirculação através de ciclos técnicos.
O Japão e a China foram os primeiros a introduzir formalmente políticas de economia circular em nível nacional. Na Comunidade Européia, vários países têm implementado iniciativas, políticas e diretrizes, dentre os quais podem ser citados: Dinamarca, Alemanha, Holanda e Reino Unido (REIKE, VERMEULEN e WITJESB, 2017).
Segundo Zhang et al. (2012) a economia circular se ocupa do ciclo produtivo, partindo do design do produto, seleção de fornecedores e matéria-prima, produção, distribuição, consumo e ao final, sua coleta para a reciclagem, remanufatura ou reuso, a fim de reduzir ao máximo, e não eliminar, no final do processo a geração de resíduos. Afinal, “eliminar” é algo quase impossível, tendo em vista a realidade em que vivemos. Essa abordagem se mostra voltada para a eficiência dos materiais, com o fornecimento de resíduos no mesmo nível de valor econômico, reduzindo o desperdício, os impactos ambientais e permitindo a fácil implementação nas estruturas de produção existentes (GREYSON, 2007).
Nesse sentido, percebe-se a integração do conceito de logística reversa ao conceito de economia circular e como parte do conceito de ciclo de vida ‘berço ao berço’, visto que para que este resíduo retorne como matéria-prima para o mesmo ou para outro ciclo produtivo, ele precisa ser coletado, transportado, triado, e então, remanufaturado, recondicionado ou ainda, reciclado, a fim de que tenha sua vida útil estendida e, sua disposição em aterros sanitários ou, simplesmente sua incineração sejam evitadas (BRAUNGART, MCDONOUGH e BOLLINGER, 2007; KALOGERAKIS et al., 2015).
A figura abaixo demonstra esses passos, sob o ponto de vista da economia circular.
Fonte: Bradley, Jawahir, Badurdeen e Rouch (2018) |
Com essa figura fica clara a diferença. A logística reversa atua na operacionalização do retorno dos bens de pós-uso ou pós-consumo (utilizando atividades logísticas como: transporte, gestão de estoques, armazenagem, manuseio (triagem), etc) para reinserí-los no ciclo produtivo ou de negócios (pelo reuso, remanufatura, recondicionamento, reciclagem, revenda ao mercado secundário, etc). Ela se preocupa com o resíduo após o final dos processos logísticos diretos, ou seja, após o consumo ou uso pelo consumidor. Somente a partir daí a logística reversa inicia a sua tarefa.
Já a economia circular prevê a "redução" na fonte, ou seja desde a extração dos recursos, design do produto, alinhada com o conceito de “cradle to cradle” que prevê um ciclo infinito para o produto, pois conforme entendimento do Ministério do Meio Ambiente (2018) é possível afirmar que as preocupações com a coleta, o tratamento e a destinação dos resíduos sólidos, que são funções da logística reversa, representam apenas uma parte do problema ambiental.
Nesse sentido, conforme o MMA (2018) a geração de resíduos é precedida por uma outra ação impactante sobre o meio ambiente - a extração de recursos naturais. E assim, a política dos cinco R's deve priorizar a redução do consumo e o reaproveitamento dos materiais em relação à sua própria reciclagem, abrangendo:
- Reduzir
- Repensar
- Reaproveitar
- Reciclar
- Recusar consumir produtos que gerem impactos socioambientais significativo
É importante ressaltar que os cinco R's fazem parte de um processo educativo que tem por objetivo uma mudança de hábitos no cotidiano dos cidadãos. A questão-chave é levar o cidadão a repensar seus valores e práticas, reduzindo o consumo exagerado e o desperdício (MMA, 2018).
A logística reversa não se atém à essa redução, apesar de causar impactos diretos na preservação ambiental, dentro outros efeitos, os resíduos precisam ter sido gerados para a logística reversa atuar. Outro detalhe é que na economia circular você já deve planejar quem vai reutilizar o seu resíduo, na logística reversa isso não está definido a princípio, mesmo quando ocorre um planejamento isso é mais aberto.
Ou seja, a economia circular é um conceito holístico que pensa no resíduo antes de ele ter sido gerado, na extração, redução na fonte, abrangendo essa ideia no design do produto. A logística reversa visa operacionalizar apenas o retorno do resíduo ao ciclo produtivo e de negócios.
Algo muito abordado também na economia circular é o conceito de ecoparque industrial, onde na mesma planta (localização industrial), você já destina o resíduo para outra indústria, reduzindo custos e emissões derivadas do transporte.
Enfim... acho que com esse artigo é possível que entendamos a diferença entre os dois conceitos não é?
Vamos compartilhar essa ideia! 😉
Referências:
BARBIERI, J. C.; CAJAZEIRA, J. E. R.; BRANCHINI, O.. Cadeia de suprimento e avaliação do ciclo de vida do produto: revisão teórica e exemplo de aplicação. Revista o Papel, v. 70, n. 09, 2009.
BRADLEY, Ryan et al. A total life cycle cost model (TLCCM) for the circular economy and its application to post-recovery resource allocation. Resources, Conservation and Recycling, v. 135, p. 141-149, 2018.
BRAUNGART, M., MCDONOUGH, W., BOLLINGER, A. Cradle-to-cradle design: creating healthy emissions – a strategy for eco-effective product and system design. Journal of Cleaner Production 15 (13–14). pp. 1337-1348. 2007.
GREYSON, J. An economic instrument for zero waste, economic growth and sustainability. Journal of Cleaner Production, v. 15, n. 13–14, p. 1382–1390, 2007.
GUARNIERI, P.; CERQUEIRA STREIT, J. A.; BATISTA, L. C. O acordo setorial de logística reversa de embalagens em geral no brasil sob a perspectiva da economia circular. In: Anais do XXI Simpósio de Administração da Produção. Logística e Operações Internacionais - SIMPOI 2018. São Paulo – SP, 31-08 e 01-09, 2018.
KALOGERAKIS, K, DRABE, V, PARAMASIVAM, M, HERSTATT, C. Closed-Loop Supply Chains for Cradle to Cradle Products. (C. Kersten, W, Blecker, T, Ringle, Ed.). Sustainability in Logistics and Supply Chain Management. Hamburg: epubli, 2015.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA. A política dos 5 R's. Disponível em: http://www.mma.gov.br/informma/item/9410-a-pol%C3%ADtica-dos-5-r-s Acesso em 02-06-2018.
REIKE, D.; VERMEULEN, W. JV; WITJES, S. The circular economy: New or Refurbished as CE 3.0?—Exploring Controversies in the Conceptualization of the Circular Economy through a Focus on History and Resource Value Retention Options. Resources, Conservation and Recycling, 2017.
ZHANG, K. SCHNOOR, J.L.; ZENG, E.Y. E-waste recycling: where does it go from here? Environmental Science & Technololy, v. 46, n. 20, p. 10861-10867, 2012.
Obs: se utilizar parte ou a íntegra desse texto, não esqueça de citar a fonte, para não incorrer em crime de plágio!
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