Estou lendo o livro "A filha do canibal", da escritora espanhola Rosa Montero. O livro começa nos transportando para um cenário inusitado: a porta vai-e-vem do mictório do aeroporto, por onde Ramón, marido da protagonista Lucía, entra... e não volta. De lá, ele simplesmente evapora, desaparece (alguém já teve vontade de escapar assim?). Algumas páginas adiante, refletindo sobre a ausência do marido, Lucía descreve com maestria a vida de 99,99% dos casais da vida real:
"Mas nessa noite, na cama, aturdida pela incompreensibilidade das coisas, me surpreendi ao sentir uma dor que não experimentava desde muito antes: a dor da ausência de Ramón. Afinal, fazia dez anos que vivíamos juntos, dormíamos juntos, suportávamos nossos roncos e nossas tosses, os calores de agosto, os pés congelados no inverno. Eu não o amava, ele até me irritava, havia muito tempo que eu analisava a possibilidade de me separar, mas ele era o único a me esperar quando eu voltava de viagem e eu era a única a saber que ele friccionava minoxidil na careca todas as manhãs. A cotidianidade tem esses laços, a intimidade do ar que se respira a dois, do suor que se mistura, a ternura animal do irremediável. E naquela noite, insone e desassossegada na cama vazia, compreendi que precisava procurá-lo e encontrá-lo, que não podia descansar até saber o que lhe havia acontecido. Ramón era responsabilidade minha, não por seu meu homem, mas meu costume"
Pro trecho, cabe até trilha sonora. Chico Buarque: "Vão viver sob o mesmo teto, até que a morte os una. Até que a morte os una..."
A todos, desejo o 0,01%!