Quando percebi que a minha memória era demasiado fraca para guardar tudo aquilo que não queria esquecer, comecei a escrever diários. Não sei quando isso terá começado, mas foi cedo. Quando fui para a Universidade a minha Mãe guardou todos os meus cadernos de notas pessoais, os famosos diários, numa caixa de cartão e arrumou-a num armário. Mais tarde, quando os meus pais mudaram de casa, a caixa de cartão mudou-se para o amplo móvel do corredor, na casa nova. Há muitos anos que me separei dessa caixa e dessa parte tão preciosa da minha memória. Dos tempos de Coimbra também já não restam quaisquer cadernos de memórias e nos anos que se seguiram abdiquei da escrita. As crianças para cuidar, o trabalho sempre muito e a ausência de intimidade comigo mesma, afastaram-me da escrita. Recuperei esse hábito há 20 anos, quando definitivamente me instalei em Lisboa e numa vida escolhida por mim. Com o hábito de escrever diários, voltei, também, ao hábito de tirar notas sobre...
Precisava do fim-de-semana. Precisava de dormir sem horas, de me enredar nos meus próprios pensamentos, de dar coerência às minhas emoções e de descansar. Queria ficar comigo por algum tempo, cuidar de mim para mim mesma. Queria ler, queria escrever. A escrita sempre foi a minha melhor maneira de organizar as emoções, de colocar em palavras os indizíveis sentimentos que tantas vezes me assolam. Manter um diário, um registo de desejos e de medos é um habito que guardo da infância e tenho tantas saudades dessa infância das palavras, em que não havia medo. Agora tenho medo das palavras que escrevo. São profecias. Foi com essas palavras que moldei a minha vida, que amassei os meus desejos, que reconstruí as minhas perdas e que tracei o meu rumo. Quase tudo o que sou e o que tenho são essas palavras. Quando arranquei ao esquecimento os meus diários comecei a ter medo de escrever, de estar a criar um mundo demasiado fantasmagórico, habitado de seres frágeis, perigosamente solitári...