museu de arte popular

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Poder, Património e Memória

Quando iniciei o meu estudo sobre o Museu de Arte Popular [MAP], no âmbito do mestrado em museologia que realizei na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, sob o título “Museu de Arte Popular: Memórias de Poder”, em 2006, o Museu tinha visto abater sobre si uma decisão de encerramento pela então Ministra da Cultura Isabel Pires de Lima, assumida no Jornal de Notícias de 31 de Outubro de 2006, como “uma opção da Política Cultural do Ministério”, de acordo com as palavras da própria. Assinalando o culminar de uma tendência de afastamento e desestruturação funcional por parte das sucessivas tutelas, promovida nos 30 anos anteriores, centrei parte desse projecto de investigação na dialéctica que caracterizou a essência do Museu ao longo das suas quase seis décadas de vida e que, em última análise, se manifestara mais uma vez na decisão assumida: A relação entre Poder, Património e Memória nos espaços museológicos, e neste caso concreto no Museu de Arte Popular.

Perspectivar um entendimento sobre o relacionamento estabelecido entre o MAP e o poder político, desde o momento da sua abertura, em 1948, e 2006, remete-nos para a existência de dois períodos distintos em termos de dinâmica e aceitação.
O primeiro período entre 1948 e 1974 assinala os anos de referência do Museu no panorama museológico nacional. Fundado por António Ferro como sendo uma síntese da arte moderna portuguesa, cuja linha orientadora oficial houvera sido veiculada pelo Secretariado de Propaganda Nacional [SPN] desde 1933, para além do número elevado de visitantes que registava – inserindo-se no roteiro turístico da cidade de Lisboa –, surge associado a alguns dos principais eventos propagandísticos de exaltação do Estado Novo e do seu discurso oficial: Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D.Henrique; Comemorações do 40º Aniversário da Revolução Nacional; Exposições Nacionais de Arte Moderna; Mostras de Arte Popular de países estrangeiros.

A proximidade e reprodução do sentido político e cultural do Estado Novo eram evidentes nesse período, pela dependência do Museu do SPN-SNI (Secretariado Nacional da Informação) a partir de 1945 até 1969 –, assumindo em 1962 a Conservadora do Museu Maria Madalena Cagigal e Silva, no âmbito da 3ª reunião dos Conservadores dos Museu, Palácios e Monumentos Nacionais, que “(...) os museus de arte popular têm funções de preservação e recolha de obras folclóricas, têm missão cultural, científica e artística, e de propaganda”

O período seguinte, iniciado com a democracia em 1974, marca uma inversão na visibilidade e tendência registadas até então, preenchendo três décadas com sucessivos episódios de hostilização e turbulência institucional.

Encerrado entre 1974 e 1980 devido à não nomeação de um director, depois da aposentadoria de Manuel de Mello Corrêa, e de um arrastado período de obras no edifício, após a reabertura em 1980, o MAP viu-se privado do seu espaço de exposições temporárias, inaugurado em 1966, ficando reduzido à sua exposição permanente até 1995, altura em que foi novamente criado no Museu um espaço para o efeito.

No período que medeia entre essas duas datas, foram extintos os serviços educativos surgidos no ano de 1984, e por indicação do director do antigo Instituto Português do Património Cultural, António Garcia Lamas, foi dada ordem de encerramento do Museu em 1989 e subsequente transferência do acervo para o Museu Nacional de Etnologia [MNE]. A substituição da então Secretária de Estado da Cultura Maria Teresa Pinto Gouveia, no inicio de 1990, com o afastamento de António Garcia Lamas, travaram o processo de desmantelamento do Museu, preservando o mesmo a sua disposição original e acervo mas perdendo o seu carácter autónomo, ficando na dependência do MNE como Centro Regional de Artes Tradicionais.

Em 1997 o MAP surgiu novamente enquanto tal, quebrando a ligação com o MNE. Contudo, vários anos de suborçamentação e negligência por parte desse último, somados a muitos outros por parte das tutelas e à frágil construção herdada da Exposição do Mundo Português, contribuíram para uma situação de acentuada degradação do espaço, acervo e serviços. Quando as obras de requalificação avançaram em 1999, ao abrigo do Quadro Comunitário de Apoio para Portugal, já o MAP perdera clara preponderância no panorama museológico nacional e da cidade de Lisboa, sendo das instituições que registava um dos mais baixos números de visitantes.

A decisão de encerramento em 2006, e apesar da requalificação em curso, enquadrou não mais do que um desfecho expectável na lógica de desinteresse reproduzida pelo poder político, durante as três décadas anteriores.
Situar essa decisão implica enquadrar as profundas transformações culturais e políticas ocorridas na sociedade portuguesa entre 1948 e 2006. As diferentes relações produzidas entre o entendimento político, a sociedade e os mecanismos de afirmação do discurso dominante.

Se entre 1948 e 1974 a exaltação da ruralidade configurava a promoção de uma conduta cívica concreta – que se pretendia instituída –, caracterizada pela simplicidade, desprendimento em relação à orientação governativa do país, pautada pela vivência humilde num contexto de privação mas realizada nas tradições e manifestações culturais, depois de 1974 o sentido pretendido representava um entendimento totalmente diferente. Procurando estimular a participação dos cidadãos na definição da orientação política do país e mobilizar a população para projectos de desenvolvimento social e humano – valores reforçados com a inclusão de Portugal na Comunidade Económica Europeia em 1986.

Nesse conflito valorativo residiu grande parte do entendimento determinado pelo Poder político do pós-25 de Abril em relação ao MAP e à mensagem nele entrevista, marcando os pressupostos relacionais e enquadrando o processo de alteração do regime político e social em marcha. A ressignificação de novas palavras, entendimentos e percepções culturais numa lógica de ruptura, determinaram uma projecção simbólica hostilizante por parte dos mecanismos e canais de poder em relação ao MAP, cristalizando-o na sua matriz fundadora e inviabilizando qualquer dissociação do projecto cultural do Estado Novo.

Sem possibilidades de renovação, o Museu adquiriu um sentido anacrónico e de imobilismo, conotado de uma forma surda com um passado do qual nunca se conseguiu libertar em muitos sectores da cultura nacional, sendo notório a clara ausência de referências – comparativamente com o período anterior – na vida pública e cultural nacionais.

Produto de uma época determinada, o MAP consubstanciou de uma forma provavelmente única em Portugal as pulsões que habitam os museus, relacionadas com a apropriação política – no sentido ideológico – do património e os mecanismos associados à enfatização ou supressão de discursos dominantes.

Se é certo que resultou de uma leitura própria e ideologicamente condicionada relativamente ao entendimento de cultura e arte popular, o mesmo fenómeno foi reproduzido noutros moldes e por outros meios nos anos imediatamente a seguir ao 25 de Abril, em que o contexto revolucionário e a hegemonia dos movimentos de esquerda conferiram uma outra leitura à cultura popular, enquadrando-a e redefinindo-a de acordo com as suas tendências ideológicas.

Invocar “Política Cultural do Ministério”, sem que tivesse existido uma sustentação fundamentada e resultante, efectivamente, de um projecto cultural estruturado e coerente – as motivações revelaram-se sempre decorrentes do entendimento pessoal da então Ministra da Cultura em relação ao Museu -, em nada resulta diferente do sentido político fundador expresso por António Ferro no dia da sua inauguração: “Este museu que tenho hoje a alegria de inaugurar, (...) é a exemplificação viva, indiscutível de tudo quanto tenho desejado provar com a minha acção, com as minhas palavras”.

A diferença reside na intencionalidade associada: sendo que em 1948 se pretendia fixar e exaltar uma política e uma forma particular de ver o mundo, em 2006 pretendeu-se impor um sentido de esquecimento a qualquer conotação ou possibilidade evocativa de uma memória, mesmo quando não existiam perigos inerentes e quando as pessoas se reviam essencialmente nas manifestações artísticas presentes no museu, representativas de um mundo praticamente desaparecido mas estruturante da cultura nacional.

A decisão de encerramento do museu traduz uma forma particular de lidar com a história recente de Portugal por alguns sectores do Poder político dominante e da sociedade portuguesa, impondo o seu discurso e leitura de uma forma assíncrona, assente nos símbolos que valida e que revê nesse entendimento, privando o país de fontes e manifestações que permitam um diálogo, nesse âmbito, aberto e passível de validação.

Luís Raposo Pereira

Luís Filipe Raposo Pereira é autor de Museu de Arte Popular: Memórias de Poder, dissertação apresentada no Curso de Mestrado em Museologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2008
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A Arquitectura do Museu de Arte Popular - significado histórico

Texto do arquitecto José Manuel Fernandes publicado com o título "Olhar para o Lado" em 4-11-2006, no Expresso.


Pavilhão da Vida Popular. Fotografia de Mário Novais, 1940.
O “restante” Museu de Arte Popular / MAP, com o seu edificio de característica fachada classicizante e simétrica, nasceu com e para a famosa Exposição do Mundo Português de 1940, sendo então parte integrante de um vasto conjunto pavilhonar. Não se adivinhava na época, para aquelas construções “efémeras” com estrutura de metal e armações de madeira e gesso, uma vida tão longa como são mais de seis décadas...

Se consultarmos o “Programa Oficial / Comemorações Centenárias / 1940”, lá vem identificada, na planta geral da exposição, a mole inconfundível do edifício cujo encerramento agora causa polémica, situado a poente do actual ( e também sobrevivente) “Espelho de Água”, como um dos núcleos do chamado “Centro Regional” - tendo as “Aldeias Portuguesas” do seu lado norte, com a linha férrea e a Avenida da India a separá-las, mas ligadas ambas por uma ponte pedonal (como agora se pretende construir, para ligar a mesma área ao CCB, que entretanto se substituiu às ditas aldeias...).

O grandioso edifício constituía-se como uma das “secções” da mostra (como então se designavam): era a “Secção da Vida Popular”, que se exibia como um repositório de materiais e práticas etnográficas desta mesma “vida” – e que foi naturalmente transformado depois do encerramento do certame em Museu de Arte Popular...claro que sempre na visão folclorista que o Estado Novo detinha sobre a dita.

Se folhearmos o esplêndido catálogo “Mário Novais / Exposição do Mundo Português 1940” (Fundação Calouste Gulbenkian. 1998), podemos apreciar a imagem do edifício que o valoroso fotógrafo registou: é a foto 4, identificada como sendo do “Pavilhão das Artes e Indústrias e Espelho de Água / Secção da Vida Popular”. Trata-se de uma fotografia nocturna, em que a iluminação rasante valoriza as texturas e decorações da fachada pavilhonar, exibindo claros motivos vernáculos, como a telha, as peças cerâmicas, etc.

Diz-nos Rui Santos que a obra foi da autoria do arquitecto Jorge Segurado (que também deve ter projectado as “Aldeias Portuguesas” do outro lado da linha), e contou, como em muitos outros pavilhões, com a participação de diversos artistas plásticos, neste caso Tomás de Melo (Tom), Estrela Faria, Manuel Lapa, Eduardo Anahory, Carlos Botelho e Paulo Ferreira: afinal, dos mais notáveis pintores, ilustradores, decoradores, designers do seu tempo. E Jorge Segurado, se aqui executou uma construção de sentido complementar (se compararmos com os mais majestosos pavilhões da Praça do Império, por Cottinelli Telmo e Cristino da Silva), é o autor do mais importante e ímpar edifício do modernismo português, a fortíssima e aparentemente duradoura Casa da Moeda, ao Arco do Cego, em Lisboa...

Ainda recordo aquele espaço, nas minhas visitas de estudo escolares, em que participei no tempo da Instrução Primária, algures por 1959-60 – e nessa época o Museu impressionava, com o seu cheiro às mais diversas matérias orgânicas, vegetais (já algo mofentas), e com os manequins, trajados a rigor, convivendo com os mil objectos de um mundo rural ou aldeão que ignorávamos... Apesar de tudo, como museu informativo e visão coerente de pedagogia, era uma utilidade que ainda se recomendava.

Depois, nas décadas de 1970-90, foi o acentuar da decadência, com a respectiva falta de investimento, associada a (e provocada) por uma espécie de “olhar para o outro lado” que o pensar no tempo histórico do Estado Novo desencadeou (e ainda desencadeia, pelos vistos) em muitos dos nossos concidadãos, e que tem como consequência a depredação ou desaparecimento fatal de muitos documentos com valor histórico. É que, quer se queira quer não, o período salazarista correspondeu a cerca de metade do atribulado século XX português – e por isso, para alguma coisa há-de servir estudá-lo e conhecê-lo, sem complexos esquerdistas mas também sem preconceitos e ênfases direitistas – apenas como ele já é, para a maioria jovem da nossa comunidade – um tempo antigo, dos avós, que provoca alguma curiosidade pela sua aventurosa sequência de factos...

Há alguns anos, foi necessário, aparentemente in extremis, envolver o edifício do museu por uma estrutura de suporte de uma cobertura provisória, e o seu encerramento foi inevitável, aguardando por melhores dias. Não é compreensível, à luz do nosso contexto cultural de hoje, nem que se “deite fora”, ou reinstale algures o espólio deste objecto construído, nem que se faça outra coisa em lugar do que lá está. As razões para isso, já do conhecimento público na sua maioria, são essencialmente estas:

1 – o significado histórico do edifício, no contexto do lugar (é indissociável do “Espelho de Água”, do monumento aos Descobrimentos, das esplanadas envolventes) e da sua função (o olhar classificador e paternalista do Estado Novo, colocando a Cultura e Arte Populares “a seguir” à História e à Arte Erudita, na hierarquia da Expo 1940);

2 – a importância arquitectónica do edifício, que é hoje um “facto singular” e quase isolado no quadro das edificações sobreviventes, intactas ou quase, da Expo 1940 – raridade na sua solução construtiva, utilizando ferro, madeira e gesso, raridade na sua dimensão estética, porcurando conjugar o desenho modernista e geométrico com a forma mais clássica, representativa e neo-historicista – muito “à maneira” de 1940;

Esperemos que o bom senso prevaleça, gerando um futuro MAP competentemente recuperado e de nova aberto ao público!

José Manuel Fernandes arq
30/10/2006


Núcleo das Aldeias Portuguesas e Pavilhão da Vida Popular. Fotografia de Mário Novais, 1940.
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Depoimento de Marta Mestre

1. NA MODERNIDADE ENTROU-SE POR VÁRIAS PORTAS

“Entre Belém e o Chiado”, a recorrente frase da História da Arte em Portugal para o ano de 1940, encontra uma renovada expressão no presente debate sobre o futuro do MAP (a sua defesa é dado assente). Neste ano, se em Belém nascia o Pavilhão da Vida Popular (que daria origem ao MAP) no interior do aparato propagandístico do Estado Novo, por seu turno, no Chiado, António Pedro, António Dacosta e Pamela Boden expunham trabalhos surrealistas, influenciados pelo manifesto de André Breton.

A topologia distinta, entre Belém e o Chiado, configura duas estéticas, éticas (e politicas) da mesma modernidade: o interesse pelas artes populares por um lado, e o inconsciente por outro (e os seus correlativos campos do sonho, da desrazão, da actividade artística dos marginais, loucos, crianças e homem comum). Outros campos, como por exemplo, o interesse pela arte primitiva foram igualmente aspectos da mesma construção do moderno, aquilo a que Karl Krauss chamou os “grandes tempos”.

É neste sentido que as artes populares configuram um território vasto, plural e multiforme, que só parcialmente poderá equivaler à construção da cultura popular portuguesa que fizeram a Etnografia por um lado, e as campanhas de António Ferro por outro.

Carece de investigação concertada, mas vindo o MAP a assumir-se, entre outras vertentes, enquanto centro de pesquisa, linhas de estudo como 1) a apropriação de objectos indígenas pelos surrealistas; 2) os desenhos humoristas (de Emmerico Nunes a João Abel Manta); 3) os cadernos de viagem de etnógrafos (agradece-se a Vítor Silva que me chamou a atenção para os desenhos de Fernando Galhano); 4) as exposições de arte negra (como a que organiza Ernesto de Sousa com a colaboração de Diogo de Macedo, na Escola Superior Colonial em 1946, na qual se apresenta estatuária do Benim, Amadeo e Almada, e reproduções (!) de Matisse e Picasso); 5) a obra “autoral” de Franklim, Rosa Ramalho, Mistério, e a história do seu “achamento”; 6) Jaime Fernandes e os “outsiders” contemporâneos; 7) a política da “arte ingénua” de Ernesto de Sousa; 8) a estética “do-it-yourself art” (DIY), etc. permitirão perspectivar criticamente um “campo expandido” do popular.

2. JOSÉ DOS SANTOS (1904-1996)



“Os Portugueses são os maiores escultores do mundo e eu sou o maior escultor de Portugal”, definia assim José dos Santos (1904-1996) as suas qualidades e a supremacia dos escultores portugueses, ele, que andou sete dias à escola e não consta ter saído da aldeia de Arega, perto de Leiria. A notícia deste artista “outsider” e do seu espólio de 250 obras que se encontra em Sydney, chega-nos em boa hora através do Professor Colin Rhodes, (autor da principal bibliografia sobre arte “outsider” e investigador em primitivismo e modernismo). Rhodes situa o trabalho de José dos Santos “undoubtedly (...) in the first rank of self-taught and outsider sculptors” (a fortuna crítica deste artista está, alias, disponível somente em inglês). Actualmente, o trabalho idiossincrático de José dos Santos pode ser visto na exposição “The Greatest Sculptor in the World, José dos Santos: Artist, Visionary, Outsider”, promovida pela Universidade de Sidney - Self-Taught and Outsider Art Research Collection (SCA), onde tem estado conservado em permanência, desde que saiu de Portugal.

O caso de Jaime Fernandes é semelhante. Posteriormente à exposição realizada em 1980 na Fundação Calouste Gulbenkian (de que existe um pequeno catálogo com textos do psicanalista João dos Santos, e de Fernando de Azevedo) e do esplendoroso “Jaime” de António Reis (1974), é preciso ir a Lausanne para ver “jaimes”, na abcd collection.

Em ambos os casos, a confirmação da artisticidade faz-se no exterior do país e das suas instancias de legitimação individuais ou colectivas, possibilitando que estas imagens integrem regimes estéticos que pouco ou nada terão a ver com o genuíno português. Ainda bem.
A invisibilidade destes artistas testemunha “a tremenda dificuldade que temos em misturar culturas que nos habituamos a ver separadas”, aspecto que explicitei no artigo “We are strangers to ourselves”.

Como foi referido no debate de dia 20 pelo Arq. Nuno Portas e pela Professora Raquel H. da Silva, a época actual (tal como o modernismo) presta-se a hibridismos. Neste caso, avance-se e “infecte-se” de novo.



3. UM MUSEU QUE INTEGRE A CONFLITUALIDADE DO SEU OBJECTO

A mobilização que o movimento de cidadãos em defesa do MAP tem gerado é crescente e articula diversos grupos (académicos, simpatizantes, curiosos, profissionais, estudantes, etc). A principal medida deste movimento, ou seja, a interrupção da vontade do Ministro em construir o Museu Mar da Língua no lugar do MAP poderá (esta é uma das nossas propostas) articular-se com propostas museológicas/ culturais para o seu destino (desde o “museu critico” do Arq. Nuno Portas, ao “meta-museu” proposto pelo Professor João Leal). Nesta hora, pense-se o futuro do MAP, como forma de salvaguarda do presente. Uma das formas desta acção passa pela constituição de um “grupo prévio instalador” que trabalhe em propostas reais (neste caso poderíamos estar em face de um futuro caso de sucesso da museologia e da politica cultural portuguesa). A vantagem mais directa desta acção será a interpelação de um maior número de apoiantes (principalmente as gerações mais novas, recém-formadas) face a conteúdos programáticos que prevêem um horizonte de execução. Outra medida essencial passa por alargar a discussão a “outros que sabem sobre” fora de Portugal, nomeadamente, profissionais de projectos museológicos congéneres desde a Finlândia aos EUA (American Folk Art Museum, Union of Rural Education and Culture), projectos editoriais, fundos comunitários europeus de financiamento (Equal Rights to Creativity - Contemporary Folk Art in Europe), investigadores, etc.

Contrariamente àquilo que foi a sua história, o futuro do MAP não é apenas matéria de antropólogos e etnógrafos. A hibridez do conceito “arte popular” mobiliza muitas outras disciplinas (desde a história da arte ao design, desde a música à estética) para além de ser assunto de não-profissionais. O MAP será um projecto sucedido se integrar a conflitualidade do seu objecto (presente à nascença, na oposição estética versus etnográfica entre A. Ferro e a equipa de etnógrafos liderada por Francisco Lage, conteúdos da investigação da Antropóloga Vera Marques Alves). É precisamente o actual debate sobre o futuro do MAP que pode veicular o percurso interrogativo do seu objecto

Marta Mestre, Historiadora de Arte / curadora
Doutoranda em cultura contemporânea - FCSH (Lisboa) / EHESS (Paris)

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Depoimento de Pedro Félix

Não vou entrar em questões estéticas ou ideológicas em torno do "Museu de Arte Popular". Quero partir de uma questão simples e concreta: O que é o "património"?

Por definição, património é algo que se transmite, que é passado, herdado, um bem que é transferido. A cultura, seja cultivada ou não; erudita, tradicional ou popular; é alvo de transmissão.

No entanto, pela sua eficácia simbólica, o Património é uma arma ideológica e política (no seu sentido mais corrente ao sentido mais filosófico). É pelo património que construímos a nossa identidade. Não é pelo património que a percebemos, ou que a representamos. Erro. É pelo património que construimos activamente o que somos pela forma como vemos que fomos.

A questão tão polémica do Museu de Arte Popular prende-se com o facto de muito pouca gente ter percebido do que falava quando falava daquela estrutura museológica. Uns argumentam que a sua defesa é demonstração de nostalgia salazarista, outros falam da "alma do povo"... nada disto me interessa. Nem creio que nos deva interessar. O que acho ser relevante é que durante a vigência do Estado Novo, em particular numa sua primeira forma, se procurou veicular uma "Política do Espírito", uma política operada pela instituição de prémios, de museus, de exposições, de turismo cultural.

A eficácia dessa "política do espírito" está mais do que comprovada. Quem não sabe que Monsanto é a aldeia mais portuguesa de Portugal (concurso que permitiu reunir o grosso do espólio que constitui o Museu de Arte Popular)...? quem não conhece o Galo de Barcelos? Saber se isto é ou não "Portugal", é um debate que deixo aos estetas e aos ideólogos. Uma coisa sei, não há qualquer relação linear que associe univoca e exclusivamente o folklore ao Estado Novo! Se o Museu de Arte Popular integrava o complexo da Exposição do Mundo Português, também acolheu depois do 25 de Abril a "Feira do Povo" e a pintura do mural colectivo dos artistas plásticos em celebração da revolução.... de facto, podiam ter ido pintar para outro lado, mas não, foram para ali... alguma razão terão tido...

A urgência de intervenção exige clareza do argumento e rapidez na sua exposição: Destruir a peça museológica e patrimonial que é o Museu de Arte Popular (entenda-se, edifício, frescos, grupos escultóricos, peças expostas, equipamento expositivo, o próprio programa e estrutura da exposição), é destruir a mais bem conservada e interessante peça dessa "Política do Espírito"; é destruir uma ferramenta para estudar o design, a política estética, a museológia histórica... Desmantelar a colecção reintegrando no Museu de Etnologia é uma violência conceptual que re-semantiza peças. Nunca mais conseguiremos perceber totalmente uma canga de bois com "Viva Salazar" gravado se esta estiver fora daquele edifício, longe dos desenhos do Tom...
Destruir, desmantelar, modernizar afectando estruturalmente o "Museu de arte popular" é um crime, primeiro de falta de reflexão, segundo de gesto iconoclasta sem fundamento.

Por outro lado, a sua conservação (explicando-o, contextualizando, musealizando o Museu) é um gesto de estudo patrimonial da maior riqueza e modernidade. É uma oportunidade radicalmente única de produzir uma máquina de conhecimento, uma estrutura museológica raríssima e moderna. É urgente.

Apelo a todos, seja qual for o seu interesse, a sua perspectiva, a sua motivação, a procurar evitar este erro.

Pedro Félix, antropólogo




Boneco concebido por Tom (Thomaz de Mello) envergando miniatura de traje de pescador da Póvoa de Varzim [1937].
© IMC / MC
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Depois do colóquio

Apontamentos/balanço do colóquio de ontem por Alexandre Pomar:
Propostas não faltam: Musealizar o museu de 1948 (parte dele, em especial a Sala de Entre Douro e Minho, a mais conseguida), documentando e contextualizando como se fez este museu de Arte Popular nos anos 40, nas suas particulares condições de reflexão identitária, estética, museográfica, política, etc - a arte popular entre vanguardismo e tradicionalismo), e actualizar as suas direcções de trabalho. Explorar as memórias da Exposição do Mundo Português, de que o edifício é uma sobrevivência parcelar e parcial. Valorizar o que neste museu antecede a autonomia conceptual do design, considerando quer o trabalho criativo do grupo de pintores-decoradores (também arquitectos de interiores, cenógrafos, ilustradores, designers "avant la lettre") que trabalhou para o SPN/SNI de António Ferro, quer a própria produção popular e tradicional que o Museu recolheu). Alargar a área expositiva ou programar linhas de investigação e exposições temporárias à documentação sobre o Inquérito da Arquitectura Popular em Portugal, da Associação dos Arquitectos, 1955-61. Ou à criação artística nas margens da arte popular, pelos caminhos da "outsider art" e da "art brut". Revitalizar a relação entre o espaço museológico e a criação contemporânea, nas áreas das produções tradicionais sobreviventes e de novas práticas artesanais, que se podem designar às vezes por design e craft. Etc.

Reabrir como Museu de Arte Popular é o objectivo imediato, mas este deve acompanhar-se já com exerícios de imaginação sobre as condições dessa reabertura, que nunca poderá ser apenas repor o que lá estava até agora, em condições penosas de paralisia e decadência. Parte essencial da reflexão que agora se deve abrir é sobre o enquadramento institucional da entidade MAP: Continuar num Instituto dos Museus que em 2006 foi incapaz de defender a sua existência e cujos problemas de funcionamento-orçamento parecem irresolúveis (agravado pelas condições actuais que regulam os concursos para as direcções dos museus*)? Ou inventar uma nova estrutura funcional e de direcção, fundacional ou empresarial, semi-privada ou privada, a actuar sob a vigilância da tutela?
*Se um director (ou sub) da Cinemateca não precisa de ser funcionário público - e foi o actual ministro da Cultura que como advogado tratou de implantar aí uma diferente ordem burocrática -, porque é que só as pessoas com vínculo efectivo à função pública podem concorrer à direcção de um museu do IPM/IMC?

Alexandre Pomar

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Catarina Portas no Semanário Económico



(...) Assumiu a salvação do Museu como causa

Sim. Estou muito envolvida nisso, em evitar que o Museu da Língua destrua o Museu de Arte Popular. Não nos opomos ao Museu da Língua, bem entendido. Acho que é uma excelente ideia, acho é que ele não deve ser colocado ali. O Museu de Arte Popular é um museu e deve conservar uma parte histórica, porque é um dos poucos museus de raiz em Portugal para determinado espólio e tem muitos trabalhos de muitos artistas modernistas portugueses daquela época, muito interessantes e alusivos ao país. Quando digo que o edifício é o todo é porque foi mesmo construído como um todo e achamos que parte disso se deve manter.

(...)

Quando as senhoras da loja do MoMa, trazidas pelo Ministério da Cultura, para investigar o design, ficam babadas em frente às gamelas de madeira talhadas numa só peça por artesãos, e acham aquilo uma peça de design deslumbrante e querem levar a Nova Iorque, tenho vontade de lhes dizer: "Pois é. O mesmo ministério que vos trouxe é aquele que quer acabar com o Museu de Arte Popular". Chamo a isso parolice. Às vezes há um alto grau de parolice nas pessoas que nos comandam. Estão todas deslumbradas quando se fala em Nova Iorque e não percebem onde está o seu potencial.

Catarina Portas em entrevista à revista Outlook (suplemento do Semanário Económico), 13 de Junho de 2009.



Gamela portuguesa de madeira. Imagem © Feitoria
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Evitar a Morte do Museu de Arte Popular

O artigo de opinião que João Leal (JL) e Raquel Henriques da Silva (RHS) publicaram em O Público (Março de 2008) sobre o fim anunciado do Museu de Arte Popular (MAP), fala de um museu mal amado. A expressão não podia ser mais apropriada e merece alguma reflexão. A decisão da ex-ministra da Cultura foi o culminar de um processo de negligência e abandono que durava há décadas. E não apenas, como alguns fazem crer, pelo facto do edifício do museu não ter sofrido obras de beneficiação durante largos anos. Os contornos desse abandono são também de ordem museológica e científica: mostrar um museu inaugurado em 1948 pelo SNI (órgão da propaganda do Estado Novo), sem qualquer tipo de contextualização das ideias que presidiram à sua formação, como se o mesmo tivesse acabado de ser concebido, transformou o MAP num lugar algo fantasmagórico.

O museu atraía menos visitantes do que se desejava? É óbvio que sim. Só alguns iniciados, com informação suficiente para reportá-lo à política de uma certa época podia usufruir plenamente do mesmo. A falta de dinâmica transformou-se, pois, numa postura profundamente elitista, deixando a maior parte das pessoas que ali entravam à sua sorte, desprovidas de qualquer ferramenta que as levasse a perceber o que estavam a ver. Poderiam apreciar as peças expostas mas nada lhes dizia o que quer que fosse sobre o que se pretendia mostrar nos anos 40 através daqueles artefactos, nem porque é que eram aquelas objectos e não outros que surgiam em exposição. Porque o que ali estava não era só arte popular e artesanato. Era uma certa visão dos mesmos.

Tal visão não era, contudo, um mero epifenómeno do salazarismo (transcendendo aliás em muito a ideologia do regime); era fruto de um conjunto de circunstâncias históricas que tinham a ver com os percursos da etnografia, não só em Portugal, mas também no resto da Europa (veja-se o livro Etnografias Portuguesas de João Leal); relacionava-se com a construção da imagem dócil do país e do povo subjacente ao projecto de afirmação de Portugal entre os portugueses e face ao mundo que guiava toda a campanha folclorista de António Ferro; tinha, como pano de fundo, uma política de gosto virada para as classes médias da época, estando por isso associada a uma fase determinante das artes decorativas no nosso país; constituía-se como alternativa à celebração da nação apenas através da história. Neste sentido o espaço do museu – a arquitectura do edifício, o seu arranjo decorativo e disposição das peças, as pinturas murais dos pintores modernistas – é essencial para perceber a colecção de objectos que albergava.

Em vez de matar o museu, é de facto altura de, como propõem JL e RHS, musealizá-lo. As possibilidades de exposições temporárias que explorem diferentes dimensões das práticas e representações ligadas ao museu são infindas. Poder-se-á, assim, transformar o Museu de Arte Popular num museu actual, que interesse não apenas aos que procuram apreciar e compreender a arte popular (e sobre este aspecto muito há a dizer), mas também aos que desejam entender a história contemporânea de Portugal. Com arquivos e bibliotecas convenientemente tratados e as colecções estudadas, poderá ser também um excelente local para estudo e investigação. Acabar com ele obedece à mesma lógica subjacente ao abandono dos arquivos históricos durante décadas em armazéns infectos; ao desinvestimento na Biblioteca Nacional; à (não) política de património que deixa emparedar as moradias modernistas construídas nos anos 30 e 40 -- percorra-se as ruas do Estoril que não se vêm a partir da Marginal, para verificá-lo (algumas, aliás, da autoria de Jorge Segurado, o mesmo arquitecto que concebeu o projecto de transformação dos pavilhões da Exposição do Mundo Português no MAP). Aposte-se, pois, na requalificação do MAP e evite-se a sua morte arbitrária.

Vera Marques Alves

Vera Marques Alves, antropóloga, é autora de «Camponeses estetas» no Estado Novo: Arte Popular e Nação na Política Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional, Dissertação de Doutoramento, ISCTE Departamento de Antropologia, Lisboa, 2007
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Depoimento de Rui Afonso Santos

Inaugurado em 1948, o Museu Nacional de Arte Popular constitui a despedida e o testamento espiritual de António Ferro. Director do SNI (Secretariado Nacional de Informação) desde 1933, Ferro desenvolveu à frente deste organismo considerável actividade cultural de índole modernista. Os sucessos como comissário das representações portuguesas enviadas às Exposições Internacionais de Paris (1937), de Nova Iorque e São Francisco (1939), premiadas pela crítica internacional, materializaram-se neste Museu em vias de classificação patrimonial.
Reaproveitando o Pavilhão da Vida Popular riscado pelos arquitectos Veloso Reis e João Simões para a Exposição do Mundo Português de 1940, único pavilhão que resta daquele magno certame (com esculturas e relevos murais exteriores de Barata Feyo, Maria Keil e Henrique Moreira), o edifício recebeu arranjos arquitecturais interiores de Jorge Segurado, design expositivo do próprio Segurado e Tomás de Mello /Tom e legendas de António Ferro, tudo numa qualidade museográfica inédita, absolutamente moderna e, à época, raríssima.
Tornando perenes as soluções decorativas desenvolvidas para as Exposições Internacionais pela equipa de decoradores modernistas (Fred Kradolfer, Bernardo Marques, José Rocha, Carlos Botelho, Thomaz de Mello/Tom, Emmerico Nunes, Paulo Ferreira, Estrela Faria e Eduardo Anahory) que Ferro congregou, o Museu recebeu qualificados frescos murais de Tom, Manuel Lapa, Paulo Ferreira, Estrela Faria e Carlos Botelho, bem como fotografias de Mário e Horácio Novais e de outros fotógrafos modernistas.
As soluções museológicas não se orientaram pelos modelos modernistas norte-americanos que, nos anos 30, o MOMA desenvolveu, mas pelos exemplos europeus modernistas coevos (nomeadamente franceses e alemães) que, em plenos anos 40, declinaram por toda a Europa. Bastaria esse facto para lhe assegurar a maior importância museográfica a nível internacional.

Recorrendo a materiais simples (madeiras, contraplacados, metais), com uma fluidez de espaços e cuidados de iluminação inéditos, o MAP foi o primeiro museu português com uma museologia integralmente moderna e concebida de raiz. O cuidado na apresentação das colecções foi acrescido de um sentido decorativo moderno, cenográfico e festivo que Ferro vinha desenvolvendo desde as suas «Campanhas do Bom Gosto» que lançaram os fundamentos do design contemporâneo em Portugal.
As suas colecções, ainda por estudar, constituem o documento vivo da recolha e também da invenção etnográfica desenvolvida pelo SNI desde os anos 30.
Juntamente com a produção recolhida junto de artesãos e artífices logo a partir de 1933 (barros, têxteis, mobiliário, ourivesaria, cestaria, escultura, vestuário, cutelaria, metais, instrumentos musicais, veículos, modelos de barcos), e apresentada nas exposições de Arte Popular Portuguesa que o SPN/SNI apresentou, com grande sucesso, em Tripoli, Paris, Genebra, Nova Iorque, São Francisco, Sevilha e Madrid, o MAP recolheu igualmente outro tipo de produções: desde logo exemplos de mobiliário e cerâmica que remontam ao século XVIII, e que ajudam a compreender a disseminação das formas da cultura erudita junto das classes populares. Além deles, recolheu também objectos elaborados sob orientação de artistas como Paulo Ferreira junto de artesãos - a colecção de Galos de Barcelos, por exemplo, ilustra bem esta invenção folclórica, apresentando os seus protótipos formas e tipologias bem diversas do modelo iconográfico do Galo Negro fixado nos Anos 50.

Rui Afonso Santos



Sala do Minho - Galos de Barcelos
Copyright: © IMC / MC


Instituição / Proprietário: Museu de Arte Popular
Número de Inventário do Objecto: CER 1805/83
Denominação / Título: Representação zoomórfica - Galo de Barcelos - Barcelos
Copyright:© IMC / MC


Instituição / Proprietário: Museu de Arte Popular
Número de Inventário do Objecto: CER 2629/83
Denominação / Título: Representação zoomórfica - Galo de três pés - Barcelos
Copyright: © IMC / MC

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António Pinto Ribeiro sobre a política cultural em Portugal

(...) o Ministério da Cultura deve ser uma organização de gestão cultural diversificada que não pode ser colapsada por iniciativas paralelas como, por exemplo, as que têm sido tomadas pelo Ministério da Economia, para todos os efeitos um ministério por vezes contra a Cultura.
Do mesmo modo que a conservação do património (é sempre mais correcto designar como herança cultural) não se pode reduzir à conservação dos castelos ou a declarações em abstracto. No caso concreto, um exemplo da conservação da herança cultural será a conservação e activação concreta do Museu de Arte Popular.

Excerto do artigo de opinião Cultura e governação de António Pinto Ribeiro no Público de Hoje.


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A tentação pós-ditatorial de reescrever o passado...

... ou a raiva serôdia sobre o Museu de Arte Popular

(...)

Ainda que a ditadura salazarista e o seu estertor marcelista possam servir de caução às perversidades que hoje impunemente se assistem no nosso regime democrático, Portugal existiu antes do 25 de Abril de 1974 e, ao contrário do que determinam os manuais escolares, o nosso País não foi só uma revista do Parque Mayer dedicada a Fátima, ao futebol e ao fado, ou mesmo somente um quotidiano de pides a perseguir revolucionários. Portugal também existiu para além da guerra colonial e da emigração em massa. Existiam jovens, existia criatividade e, apesar das dificuldades e do risco, havia confronto de ideias. Em particular, durante a Segunda Grande Guerra, o nosso País viveu um período artístico marcante e de expressão internacional. Não isento de críticas e contradições, é certo. Com injustiças e perseguições, também não é menos verdadeiro, mas, ao contrário de hoje, com uma intensa produção artística e cultural apoiada pelo Estado. Mesmo agora não é possível compreender o modernismo em Portugal, o surgimento de correntes de ruptura e de inovação artística que se rebelaram contra os padrões hegemónicos da estética da ditadura se não conhecermos a produção artística e cultural do “Estado Novo”, se não conhecermos as suas escolas, os seus mestres e, sobretudo, as suas obras.

Vem esta reflexão a propósito da resolução serôdia do Conselho de Ministros, do passado dia 7 de Maio, de querer reconverter o Museu de Arte Popular, em Lisboa, em Belém junto ao Padrão dos Descobrimentos, no denominado Museu da Língua. Insurgimo-nos não contra esta iniciativa - venha daí o museu da nossa tão maltratada Língua! – mas sim contra essa absurda decisão de separar o espólio dedicado às artes e ofícios portuguesas do edifício que lhe foi especialmente dedicado, o único que restou, da célebre do da Exposição do Mundo Português de 1940. Para lá do testemunho arquitectónico de uma época e de uma tipologia de conceitos artísticos que nos ajudam a compreender a História, o edifício desde que foi encerrado em 2004 conserva ainda no seu interior um conjunto vasto de pinturas murais de Thomaz de Melo (Tom) e de vários outros artistas plásticos que coordenou, como Carlos Botelho, Eduardo Anahory, Estrela Faria, Paulo Ferreira e os escultores Barata Feyo e Henrique Moreira.

Voluntária, ou talvez não, com esta atitude o governo da república impõe através dos terrenos da museologia uma outra “nova” Política do Espírito condenável a todos os títulos, não só porque se trata de uma grosseira tentativa de querer reescrever a História, ao dar o triste exemplo aos cidadãos da desqualificação e abandono de uma parte do rico património cultural e artístico português e do apagamento de um modelo de memória vernacular e rural, mas, sobretudo, pela antinomia arrogante de querer impor aos vindouros que Portugal não existiu numa boa parte do século XX.

Artigo de Miguel Bandeira, Professor na Universidade do Minho, publicado no Jornal da Associação Académica da Universidade do Minho (20 de Maio de 2009). Ler na íntegra.


Pintura mural (certamente) de Eduardo Anahory (sala de Trás-os-Montes).

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Depoimento de Sérgio Lira

Tenho acompanhado com alguma distância o processo relativo ao Museu de Arte Popular com uma (ingénua?) esperança de que alguém de entre as esferas do "poder" tivesse finalmente senso e, melhor que isso, fizesse os seus pares terem-no também. Parece que era, de facto, uma esperança insensata. Este processo surge ao olhos do menos avisado ou do menos atento dos cidadãos como um conjunto imenso de despropósitos, de decisões incoerentes, de manobras de gabinete pouco claras ou pouco explicadas... aos olhos do mais atento começa a ser absolutamente impossível continuar a tentar acreditar na boa-fé e na valia das decisões que nos vão sendo dadas a conhecer. Por isso me permito enviar este e.mail, suportando a causa de tentar impedir a destruição daquela unidade museológica.

O Museu de Arte Popular foi um dos meus objectos de estudo aquando da tese e doutoramento que realizei na Universidade de Leicester, sob o título "Museums and Temporary Exhibitions as Means of Propaganda: the Portuguese case during the Estado Novo" [http://www2.ufp.pt/~slira/phdintro.htm]. A decisão de usar o Museu de Arte Popular como um dos casos em análise foi talvez das mais fáceis, no processo de escolha dos casos para esse trabalho. De facto, o Museu de Arte Popular herdava directamente o espólio material e simbólico do Pavilhão da Vida Popular e era, por isso, de superior interesse em termos de análise. Acresce que a sua manutenção num estado de imobilismo quase total ao longo de mais de meio século o transformava num delicioso (perdoe-se a expressão) objecto de estudo. Além disso, a relação umbilical do Museu de Arte Popular com o SNI apontavam-no como um dos pólos excepcionais de estudo da propaganda ideológica do Estado Novo. Outro fenómeno então observado, e que me pareceu relevante, prende-se com o número de visitantes que esta unidade museológica recebia: nos anos 1960 este museu registou números anuais de visitantes portugueses entre os mais de 10.000 e picos de quase 30.000; os totais, contando com visitantes estrangeiros, atingiam 35.000 a 40.000. Interessante de observar que em 1974 o número total de visitantes nacionais foi de cerca de 45.000, tendo o total absoluto ultrapassado os 70.000. Mais interessante ainda será verificar que 77% dos visitantes deste ano revolucionário se concentraram em Maio e que uma esmagadora maioria destas vistas (ao contrário dos anos anteriores) foi grátis. Ou seja, sem argumentar e sem concluir, no ano da revolução, no mês seguinte à revolução, o povo visitou como nunca um dos baluartes da propaganda do Estado Novo. Interessante, no mínimo. Irritante, talvez.

A zona urbana em que o Museu se encontra é outro dos aspectos que, julgo, merece alguma atenção: zona degradada aquando da decisão de lançar a grande exposição de 1940, passou a área privilegiada e de impacto propagandístico desde então. Não terá certamente sido por acaso (ou estarei a ver "no escuro"...) que o CCB foi edificado na exacta localização dos Pavilhões dos "Portugueses no Mundo" (E se mais mundo houvera lá chegara) e "Portugal 1940"  onde o Estado Novo realizou a elegia da cultura dita da portugalidade (O nome destes e doutros tornou maior o nome de Portugal) e das suas próprias realizações, numa intoxicante campanha de insuflação das realizações financeiras dos anos 1930. Neste, eventualmente mais que em qualquer outro pavilhão, o regime pretendia apresentar-se na sua máxima potência de propaganda, da fachada ao miolo. Actualmente o CCB ocupa esse espaço. Logo por detrás estavam as "aldeias portuguesas"  (que faziam o contraponto do Jardim Colonial, onde os nativos coloniais e os nativos da "província" se mostravam aos visitantes citadinos) e a passagem para o Pavilhão de Arte Popular, que culminava, na exibição da cultura material, o elogio da portugalidade original. Actualmente, do CCB pode avistar-se o Museu de Arte Popular... mas, e julgo que me perdoarão a ironia, que visão desalentada! aquela mole de pedra, qual templo "grego" coevo de um período em que uma certa "mania das grandezas" parecia encher de vento alguns peitos nacionais... fica tão mal acompanhado pelo miúdo, amesquinhado e memorial-de-outros-tempos Museu de Arte Popular; não rimam, não lhe fica nada bem. Parece perceber-se que a usurpação realizada pelo CCB do espaço urbano dignificado (ao menos em memória subliminar) pela acção de 1940 não ficará completa sem que se arrase definitivamente com o resto da memória (essa arquitectónica e física) incómoda que é o Museu. Mas isto é puro exercício interpretativo, quem sabe desprovido de qualquer razão.

O que não é interpretação, o que é facto puro e duro, é que o Museu de Arte Popular é um elemento essencial da memória museológica; é que as suas colecções tem valências intrínsecas e epocais de valor indubitável em termos museológicos e históricos; é que a sua destruição é uma perda irreparável. Compreendo que haja interesses em fazer desaparecer esse Museu, ganhando o seu espaço, permitindo outros projectos. Mas a coincidência desses dois desígnios é que me parece incompatível com a ética republicana que adoptámos há 35 anos; a estranha obsessão por aquele "lugar" é que me parece perigosamente próxima da forma de actuar de 1940... se sim, então a propaganda ideológica do Estado Novo, ali tão visível, ficou-nos (aos nossos governantes) mesmo debaixo da pele, foi mesmo (demasiadamente) eficaz!!!






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Editorial de Luís Raposo, presidente do ICOM-Portugal

O ‘caso’ mais recente do Museu de Arte Popular é o único sobre o qual ainda não nos pronunciámos formalmente – o que faremos na primeira oportunidade. Mas devemos desde já adiantar que entendemos constituir um erro museológico crasso desmerecer ou, pior ainda, pretender ‘apagar’ essa colecção e esse conceito de museu, sem dúvida datado e porventura incómodo para algumas elites actuais, mas incontornável em termos históricos e até cativante para muitos apreciadores dos nossos museus. Constitui, por outro lado, uma violência inqualificável, porventura mesmo um crime patrimonial, destruir ou impedir a fruição plena do edifício do museu, tanto nas suas volumetrias exteriores, como no seu interior, povoado este por frescos monumentais, alguns de grande qualidade artística. Tal como quanto ao Museu dos Coches, trata-se de mais um caso em que ‘conteúdo’ e ‘contentor’ constituem um todo coerente e indissociável, que importa preservar a todo custo.

Excerto do editorial de Luís Raposo, presidente da direcção do ICOM Portugal, no Boletim Informativo do ICOM.PT de Junho-Agosto 2009. Ver texto na Íntegra.



Minho, Caixa de Brinquedos de Portugal, pintura mural de Tom (Tomás de Mello) e Manuel Lapa, no Museu de Arte Popular, 1948. Fotógrafo: José Pessoa, 2008 © IMC / MC
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Depoimento de João Appleton

Sou céptico por natureza, ou talvez por formação, que os engenheiros são dados a isso, a acreditarem apenas nos factos comprovados e cientificamente comprovados; por isso, nunca me deixo empolgar, nem desfaleço com as notícias que se vão lendo, vendo ou ouvindo na comunicação social, para mim a opinião pública raramente coincide com a opinião publicada e, mesmo quando parece formar-se uma opinião colectiva reservo a minha, não vá o diabo tecê-las.

Mas, e apesar disso, a constância com que se vão debitando e remoendo notícias das mais variadas origens acerca do Museu de Arte Popular, mesmo o meu cepticismo vacila, alguma coisa anda no ar, embora de contornos imprecisos, como é de bom tom num país em que a franqueza nunca fez fortuna.

Afinal, há uns quantos anos fui tirado do meu sossego com um convite para colaborar na reabilitação do edifício do Museu, naturalmente na sua componente estrutural, de coberturas e de drenagem, uma vez que aqui estavam os problemas que afligiam o Museu, lhe quebravam o ânimo, que um museu, mesmo de arte popular, não se fez para estar à chuva nem para ter os pés dentro de água.

O convite veio, julgo a esta distância, do então Instituto Português de Museus, por interposta e entretanto extinta Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, e a ideia inicial seria a de se refazer inteiramente a cobertura,
estrutura incluída e mais o amaldiçoado fibrocimento que o amianto condenara; como não sei fazer arquitectura, e nem mesmo tento arremedá-la, requeri presença de arquitecto que entendia essencial para diferentes desenhos e escolhas que
a minha leveza de simples engenheiro não me consentia, daí a entrada do Victor Mestre em quem sempre me apoiei, então ainda bem-quisto na ex-DGEMN.

Para surpresa de alguns, admiti-o então e agora também, propus que se mantivesse a estrutura de cobertura, de madeira e aço que se apresentava escorreita, aqui e ali adoentada, mas não nas salas principais, apenas carecendo de alguns tratamentos e carinhos, como é normal em edifícios de meia idade; então, como agora, pareceu-me importante conservar sinais bastantes da construção original, efémera enquanto da Exposição do Mundo Português, com perenidade consentida com a promoção a Museu.

Não me moveu qualquer espécie de saudosismo, que o Estado Novo nunca me seduziu, mas tão somente a preocupação com a leitura integral e correcta de um edifício quase monumento, exemplar escasso dum momento histórico que não devemos esquecer, gostando ou não dele; além disso a estrutura, repito, estava generalizadamente em estado razoável de conservação, provavelmente já resultado da transformação em museu.

Deu trabalho, que é sempre mais fácil demolir e fazer de novo, reparar e reforçar o existente é trabalho duplo ou triplo e o trabalho correu devagar, em fases e sub-fases, ao longo de anos, mudando empreiteiros e soluções; no final, que é quase como tudo está agora, ficou o edifício renovado na cobertura, bem drenado e estruturalmente competente, preparado para mais umas décadas de vida útil.

O espólio do Museu andou em bolandas, mas sempre na esperança de voltar a casa e aquela é a casa e a cara do Museu de Arte Popular; não me aborrece a Língua que também me pertence, mas ali o seu museu, porquê? Entre tantos edifícios públicos mais ou menos vazios e abandonados logo aquele que tem destino certo, que na sua simplicidade quase ingénua, nos materiais e nos elementos decorativos, tinha que ser para as Rosas Ramalhos que sempre tivemos.

Bem vistas as coisas começo a sentir-me indignado com as notícias que talvez nem sejam verdadeiras, podem ser apenas boatos insidiosos próprios de campanhas eleitorais e a minha indignação, perdoem-na, é dupla, pois como cidadão quero o Museu de Arte Popular e quero-o ali, onde trabalhei para lhe viabilizar a velhice.

Depois da derrocada de parte do telhado da sala do Algarve a 19 de Outubro de 1999, foi solicitado ao engenheiro João Appleton em Fevereiro de 2000 pelo então IPM um estudo para uma nova cobertura. O engenheiro João Appleton, com grande experiência em obras de reabilitação aconselhou a que se optasse por um trabalho de reabilitação, uma solução menos sofisticada mas com mais compatibilidade com a estruturas das paredes e favorável para o edifício no seu todo, garantindo estabilidade e durabilidade. 



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Resposta de Raquel Henriques da Silva às declarações do Ministro da Cultura

Resposta de Raquel Henriques da Silva às declarações do Ministro da Cultura publicadas na passada segunda-feira pelo jornal Público (ver artigo na íntegra aqui):

Em relação às declarações do Ministro da Cultura (MC) ao Público de ontem sobre a petição que decorre on-line para salvaguardar o Museu de Arte Popular (MAP), interessa esclarecer o seguinte:

1- O  MC esconde que, além da petição on-line, foi  entregue outra, no dia 28 de Maio, ao seu Chefe de Gabinete, subscrita por personalidades relevantes, entre elas todos os responsáveis pela política museológica nas últimas décadas, exigindo a reabertura do processo de classificação do MAP, acintosamente suspensa em 2007, quando foi tomada a espúria decisão de o reconverter em Museu Mar  da Língua.

2- O processo da destruição do MAP não é nem “antigo” nem “longo”. Só nasceu em finais de 2007, quando a então MC resolveu copiar o Museu de S. Paulo dedicado à mesma temática e instalá-lo num museu histórico em que estavam a decorrer obras de requalificação, com financiamento europeu. Essa candidatura, que eu apresentei ao Programa Operacional da Cultura, destinava-se expressamente  à valorização do museu existente, pelo que é muito discutível a sua apropriação oportunista para outra finalidade.

3- Em relação à “ponderação” de tal decisão, os factos falam por si: a reconversão do financiamento em curso para nova finalidade não avançou e foi o actual MC que teve de decidir encontrar outro caminho. Ponderou imenso também, chegando a anunciar que o Museu da Língua seria instalado na Estação do Rossio, para depois dar o dito por não dito, regressar ao MAP e entregar-se nos braços da Frente Tejo. Dá assim continuidade à sua original política, iniciada com a entrega do projecto do novo Museu dos Coches ao Ministro da Economia.

4- Saúdo o facto de o MC aconselhar a que nos informemos. Aqui vai o pedido: em que concurso foi escolhido o atelier de arquitectura para instalar o Museu da Língua no MAP? Confirma que o projecto museológico está a ser elaborado pelas empresas Y-Dreams e Produções Fictícias? Com que critérios foram contratados? Qual é o custo de obra previsto? A quem vai pertencer a gestão do novo museu? Quem está a acompanhar estes projectos que vão violentar um edifício cuja classificação estava em curso e que, garanto, vamos conseguir reabrir?

5- Última pergunta, francamente ingénua: quais são o conceito e o programa do Museu da Língua? Quem os elaborou?


Raquel Henriques da Silva
Ex-Directora do Instituto Português de Museus (1997-2002)

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A opinião de António Gomes de Pinho

Em 2006, o Ministério da Cultura despejou o Museu de Arte Popular que havia em Lisboa. Devíamos então ter um museu para estes artistas?

Olhe...devíamos ter. É uma grande lacuna e infelizmente destruiu-se o único museu que havia sem ter criado nenhuma alternativa. Foi um erro cultural. Portugal deve ter um museu em que a arte popular se confronte com outras expressões e que tenha uma dignidade própria. Não se trata de ter um museu de tipo popularucho ou de exaltação passada. Mas de um museu onde estes artistas, que não são menos artistas do que os outros, se possam exprimir.

António Gomes de Pinho, em entrevista à Visão. Ler o texto na íntegra.


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O Museu de Arte Popular na blogosfera


A Esquina do Rio, por Manuel Falcão.

Museu de Arte Popular, por Paulo Ferrero.

Museu de Arte Popular: defender as pinturas murais, por Alexandre Pomar.






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Informações sobre a luta em defesa do MAP e os novos passos a dar

A opinião e as propostas de Alexandre Pomar:

1. A acção contra a extinção do Museu de Arte Popular que decorreu durante a tarde de 16 de Maio atraiu a Belém centenas de pessoas mobilizadas pela palavra de ordem A língua de fora. Pelo Museu de Arte Popular, bordar, bordar! e deve ser considerada como um êxito, tanto mais que foi convocada com uma antecedência mínima. As notícias sobre esta iniciativa transmitidas na comunicação social (imprensa e tv) e também através dos blogs e outra redes sociais dominaram a informação sobre o Dia dos Museus.
O Lenço de Namorados bordado na ocasião irá ser em breve entregue a quem pode ainda tomar decisões, no topo da hierarquia do Governo, a respeito do absurdo confronto de intenções sobre a Arte Popular e a Língua Portuguesa.

2. Na mesa-redonda que no dia 19 de Maio reuniu oito directores de museus da zona de Belém no auditório do Museu Colecção Berardo, por iniciativa da comissão nacional do Conselho Internacional de Museus (ICOM), o Museu de Arte Popular não pôde estar representado, por ausência de uma direcção em funções, embora se tenham manifestado algumas vozes em sua defesa. Foi aí considerada a necessidade de definir uma estratégia coordenada para aproveitar as potencialidades de uma área da cidade visitada por milhares de turistas nacionais e estrangeiros, mas nenhuma decisão comum foi aprovada, nomeadamente quanto à salvaguarda do MAP.

3. Importa agora considerar quais são os próximos passos a dar na luta pela defesa do MAP, pela conservação do seu edifício e pela reabilitação-requalificação do seu programa museológico, num contexto marcado por manifestas urgências eleitorais. A todo o momento podemos ser surpreendidos com a colocação de painéis promocionais da chamada Frente Tejo e do anunciado Museu da Língua sobre os muros do velho edifício de Belém, que foi sujeito a obras de beneficiação ao longo de vários anos, com financiamento europeu, destinadas a reabilitar o espaço do Museu que aí está instalado desde 1948. Mas também já sabemos, de uma longa experiência de vida com diferentes governos, que o que um dia se anuncia no outro se esquece, ou anuncia outra vez, ou se anuncia outra coisa. A derrota do chamado Museu Mar da Língua Portuguesa, anunciado em 2006 para o mesmo local, esquecido em 2008, antes de ressuscitar agora em novas roupagens, autoriza-nos a não baixar os braços.

4. Não sabemos ainda o que aprovou o Conselho de Ministros de 7 de Maio a respeito do MAP, para lá de uma intenção genérica de transformar o antigo edifício “num inovador e contemporâneo espaço multimédia e centro privilegiado de promoção da língua portuguesa”, sob a designação Museu da Língua Portuguesa e com instalação a cargo da Sociedade Frente Tejo, S.A., graças a dinheiros oriundos do Casino de Lisboa.
Sabe-se, entretanto, que um plano ou ante-projecto arquitectónico para a transformação do edifício foi encomendado ao atelier ARX Portugal Arquitectos de Nuno Mateus e José Mateus, ao mesmo tempo que um plano de concepção de conteúdos e meios multimédia foi contratado com a empresa YDreams e, ao que se julga, também com a empresa de humorismo Produções Fictícias. As encomendas – que estarão assim a ser directamente negociadas com empresas que sabemos serem muito qualificadas – são certamente da iniciativa da Frente Tejo e não do Instituto dos Museus e Conservação (IMC), entidade passiva em toda esta intriga. De facto, os ante-projectos referidos vêm substituir os anteriores planos para o Museu Mar da Língua que tinham sido desenvolvidos pelo arquitecto Júlio de Matos e por uma equipa dirigida pelo professor Ivo Castro, divulgados em 2007 pela então ministra da Cultura e desde então acessíveis no Portal do Governo (aqui).

5. Entretanto, é provável que o Conselho de Ministros de 7 de Maio nada tenha formalizado de modo consequente, porque o Governo terá de ponderar demoradamente as complexas alterações legais relativas à extinçao de um museu e à criação de outro, que não se sabe se se situará dentro ou fora da tutela do IMC, bem como as implicações da protecção do edifício do MAP (a “caixa” arquitectónica e as pinturas interiores) decorrentes da sua inclusão na Zona Especial de Protecção do conjunto monumental de Belém, Mosteiro dos Jerónimos. A alienação do edifício do MAP a favor de outra entidade particular ou de dupla tutela pode ter implicações significativas quanto ao património do Estado; por outro lado ainda, o financiamente comunitário das obras de requalificação do MAP, aprovadas expressamente para esse efeito ao abrigo do Programa Operacional da Cultura (POC), pode vir a justificar uma condenação do Estado Português à devolução das verbas recebidas. A política do facto consumado não será aplicável neste caso.

6. Para além de outras acções em curso por parte dos que defendem a manutenção do MAP, através da divulgação de estudos técnicos e tomadas de posição de especialistas nas áreas da arquitectura, do património edificado, da museologia, da etnologia, etc; para lá das iniciativas de um abaixo-assinado e de pedidos de audiências oficiais, importa agora conhecer as condições jurídicas deste nebuloso e controverso caso, no sentido de se avaliar rapidamente a possibilidade de uma providência cautelar contra a destruição do Museu de Arte Popular e a ocultação dos elementos de decoração modernista do respectivo edifício. Todas as colaborações são preciosas.
Entretanto, no actual momento político marcado pela iminência de eleições legislativas e autárquicas, impõe-se exigir por todos os meios a suspensão de qualquer acção irreversível quanto à sobrevivência do MAP e do seu edifício, travando uma pressa e uma leviandade decisória que parecem ser acima de tudo efeitos de um voluntarismo propangandístico sujeito ao calendário eleitoral. A Cultura e os Museus em particular impõem outros ritmos.


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Quatro medidas para ultrapassar o imbróglio do novo Museu dos Coches e fazer dele uma oportunidade de futuro

As propostas de Luís Raposo e Raquel Henriques da Silva, a propósito da mesa redonda de amanhã (Museus de Belém. Perspectivas de Futuro):
Levantamento do parque museológico e monumental da zona de Belém (da Torre de Belém à Cordoaria Nacional), detectando virtualidades, abandonos, eventuais lacunas e elaborando um plano integrado de valorização de cada peça e do conjunto;
 
Em relação ao conjunto, adopção de medidas potenciadoras dos circuitos integrados, em domínios tais como percursos pedonais, bilheterias comuns, programação, promoção e merchandising articulados, parqueamentos de viaturas, navette de ligação gratuita, mediante a apresentação de títulos de entrada em museus ou monumentos;
 
Em relação a peças individuais:
 
Reabertura do Museu de Arte Popular no seu lugar próprio, devidamente modernizado, mas respeitando a colecção e o conceito original;
Dinamização do Museu Nacional de Etnologia, promovendo o acesso ao mesmo pela sua inclusão na rede assim definida;
Ampliação do Museu de Marinha em dois sentidos: para os terrenos disponíveis a poente das instalações actuais e para a Cordoaria Nacional, onde deverão também ser colocados o Arquivos Histórico e a Biblioteca Central de Marinha, retirando-a dos Jerónimos e demolindo o edifício onde se situa, o qual constitui um verdadeiro atentado ao espírito daquele lugar;
Ampliação do Museu Nacional de Arqueologia no Mosteiro dos Jerónimos, retomando os projectos já existentes para o efeito e adaptando-os agora às possibilidades que se abririam com a transferência para a Cordoaria Nacional da Biblioteca Central de Marinha e, eventualmente, de algumas áreas ocupadas presentemente pelo Museu de Marinha;
Manutenção do conjunto mais emblemático de coches nas instalações actuais do Museu Nacional dos Coches, iniciando imediatamente um programa urgente do seu restauro;
Criação na Cordoaria Nacional de um centro museológico industrial-naval e de arqueologia subaquática, explorando as ligações ao rio Tejo, onde, em posição fronteira, deverá ser criada um cais para acostagem e visita a navios históricos, em ligação com o referido núcleo museológico;
 
Finalmente, quanto à intenção de construção de um novo Museu Nacional dos Coches, no caso de não ser considerada possível a sua total reversibilidade (o que idealmente mantemos como desejável) e dando por adquirido nas suas linhas gerais o projecto de arquitectura já existente, adopção das seguintes medidas:
 
Afectação ao Museu Nacional dos Coches, para instalação de serviços e ampliação dos espaços expositivos, da construção anexa ao edifício principal, situada em frente do referido Museu;
Instalação no edifico principal de um novo museu, cuja necessidade se faça sentir depois do levantamento indicado no ponto 1. Os critérios de escolha para o efeito deverão privilegiar conteúdos susceptíveis de constituírem uma poderosa mais-valia para a promoção dos fluxos turísticos (nacionais e internacionais) na zona de Belém, servidos por tecnologia de última geração e não tanto por colecções patrimoniais intrinsecamente únicas. Entre outras possíveis ideias, avançamos desde já com a de um Museu da Viagem, capaz de evocar a diáspora portuguesa em toda a sua extensão temporal, nomeadamente deste a chamada Epopeia dos Descobrimentos (colocando em relevo os aspectos antropológicos do contacto com o “outro” e a dimensão técnica e científica da época) até à gesta das viagens da emigração dos séculos XIX e XX.
 
Luís Raposo
Raquel Henriques da Silva


(imagens do Arquivo Fotográfico da CML)
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O dia do museu Fechado

Público, 17 de Maio de 2009

Hoje, vou bordar. Não sei bordar grandemente mas não faz mal. Vou aprender com quem souber fazê-lo, eu e todos aqueles que se juntarem a este lavor de protesto que hoje à tarde acontecerá diante das portas fechadas do Museu de Arte Popular, em Belém. Vamos bordar um Lenço dos Namorados em versão gigante declarando a nossa estima por este museu que, mais uma vez, permanecerá fechado na data em que todos os outros comemoram o Dia Mundial dos Museus. 

Desde 2006, diversas pessoas de vários quadrantes políticos ou até sem quadrante nenhum escreveram, em nome individual, sobre a decisão de encerramento do Museu. Mas, até hoje, nenhum partido se pronunciou sobre a questão. Eu pensava que os partidos também serviam para interrogar decisões políticas e arbitrárias deste tipo mas, pelos vistos, enganei-me. Até a Papa Maizena parece ter aos olhos partidários maior relevância que a destruição de um Museu único no panorama museológico português. E, no entanto, há aqui mais do que uma questão a merecer atenção, como o facto de as obras de conservação das fundações e cobertura do edifício, já terminadas, terem sido custeadas com dinheiros comunitários atribuídos para a recuperação do MAP – e, afinal, era tudo mentira. Se este é o exemplo do Estado, há legitimidade para todos os privados que concorrem aos QRENs e similares desviarem os fundos que recebem para o que entretanto lhes ocorrer?

 A verdade é que o MAP é um museu incómodo para muita gente, de esquerda e de direita. Mas faço minhas as palavras recentes e certeiras de Sara Figueiredo Costa no seu blogue www.cadeiraovoltaire.wordpress.com: (…) a cultura e o património não arrastam o seu contexto histórico como se de uma praga alastrável ao presente se tratasse. Sabemos que a Exposição do Mundo Português se realizou durante a ditadura de Salazar, mas se isso é suficiente para se destruir um Museu que não se dedica à ditadura de Salazar e sim à produção, ao imaginário e às vivências de um país, então destruamos tudo o que se ergueu durante os anos negros do fascismo. Será isso solução para lidarmos com a nossa memória colectiva?”. Muito pelo contrário, também eu acredito que “(…) o facto de o MAP ser o resultado de uma ideologia que repudiamos não só não pode justificar a sua destruição como pode ser um elemento fundamental para se estudar e compreender o período em que foi construído”. 

Face ao silêncio dos partidos que nos representam e diante da ausência de justificações do Estado, em quem deveríamos confiar para preservar a nossa história e património, resta-nos a nós, cidadãos, agirmos. Por isso, vamos pegar em agulhas e picá-los. Bordando quadras de amor popular a um Museu do qual, imagine-se, gostamos. 

Catarina Portas



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A Língua de fora, já!

Na próxima segunda-feira, dia 18 de Maio, celebra-se o Dia dos Museus. Tristemente, o Museu de Arte Popular permanecerá encerrado, como tem acontecido desde 2004, quando fechou para obras de conservação. 

Hoje, as obras de cobertura e fundações estão feitas. Mas entretanto, em 2006, a então Ministra da Cultura anunciou a peregrina ideia de instalar um Museu da Língua, precisamente no edifício do MAP. No passado dia 7 de Maio, o Conselho de Ministros aprovou a instalação do Museu da Língua no edifício do Museu de Arte Popular, acabando assim com o único Museu dedicado às artes e ofícios português, com abrangência nacional. 

Não nos opomos ao projecto do Museu da Língua. Opomo-nos certamente à sua instalação neste local, que implicará a ocultação, degradação e destruição dos seus interiores, decorados por muitos artistas importantes do séc. XX português. E não entendemos porque é que o nascimento de um novo museu deve acarretar a morte de um outro, absolutamente único no panorama museológico nacional.

Neste momento, a importante colecção de artesanato do MAP está escondida nas reservas do Museu de Etnologia: invisível, portanto. O seu edifício, o único que restou da Exposição do Mundo Português, está ameaçado por um projecto de adaptação que o ameaça tornar irreconhecível. E o conjunto, edifício e colecção, a mais importante peça de estudo sobrevivente da Política do Espírito do regime salazarista, vai para o lixo, com total desdém pela vontade de saber e espírito crítico das gerações vindouras.

Chega de tanta incúria e leviandade com a história e o património. Vamos mostrar que desaprovamos esta resolução do Conselho de Ministros, que recusamos uma política cultural sem razão e critério, que não nos conformamos com uma decisão que condena à morte um Museu que ainda acreditamos poder vir a ser um objecto instigante de conhecimento, reflexão e acção.

A nossa língua é a Arte Popular.


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