"Um triste acontecimento commoveu ha poucos dias Lisboa
e o resto do paiz. Abateu o corpo central da nova galeria em construcção junto
ao magnifico templo dos Jeronymos,
e que constituindo a frente da Casa Pia,
estava a ponto de concluir-se depois de longos annos de trabalhos e de muitos
capitaes dispendidos, devendo então, com o monumento que recorda os nossos
feitos passados, constituir um todo harmonico, especimen d'essa architectura
maravilhosa que hoje asignala a gloriosa epocha de D. Manuel I, d'onde tirou o
nome.
O desmoronamento teve logar no dia 18 de
dezembro pelas 9 horas da manhã, e do altivo torreão que já se elevava aos ares
perto talvez de trinta metros, apenas resta hoje de pé, quasi intacto
felizmente, o corpo inferior, como a nossa gravura o representa, salvando-se a
varanda gothica, de admiravel desenho, e o portico ligeiramente damnificado.
Poucos dias antes fôra collocada no nicho superior á primeira varanda, uma
magnifica estatua da Caridade, cinzelada pelo distincto esculptor Simões de
Almeida, e essa mesma teve a cabeça decepada.
N'este desastre houve sobretudo a lamentar a
morte de oito vidas. Oito dos trabalhadores que lidavam na obra, não podendo
fugir a tempo, foram colhidos pela derrocada, ficando soterrados n'aquella
pesada mole de areia e de cantaria...Lamenta-se que, depois de oito vidas de
pobres trabalhadores, se hajam perdido com o desastre centenas de contos de
réis, quando era talvez melhor ter deixado de os empregar de semelhante fôrma.
Em todo o caso o que seria hoje um absurdo maior era reedificar o torreão
derrocado pelo plano primitivo. Não pode ser: é preciso que a opinião dos
homens competentes intervenha e que o edificio levantado ao lado dos Jeronymos
mostre ao menos que no nosso tempo ainda se comprehende a harmonia
architectonica d'aquelle magnifico templo."
Gravura anterior à derrocada
Gravura depois da derrocada
Fotografia depois da derrocada