A INFÂNCIA
Nós éramos crianças muito felizes. Sem a alienação dos tablets de hoje. Crescemos correndo livre nos campos, andando a cavalo, subindo em árvores, tomando banho na sanga. Cavalgando em pedaços de taquara. Caçando perdizes em Mundéus. Era uma armadilha para caçar passarinhos. Ao aterrar o milho ficava um sulco onde fazíamos uma cerquinha de rama de alecrim com uma minúscula porteirinha onde se prendia uma laçada feita de crina do rabo do cavalo trançada. Tínhamos o cuidado de não cortar a crina do rapo das montarias de papai, senão vinha bronca. Em ambos os lados se colocava uma sequencia espaçada de grãos de milho. A perdiz vinha comendo e ao passar pela Porteirinha se enforcava na laçada. Quebrava o galho no almoço quando a carne andava escassa. Não conhecíamos brinquedo comprado, inventávamos as brincadeiras e os brinquedos. Normalmente inspirados na atividade dos adultos, ou seja, criar gado. Brincávamos de fazendeiro e o nosso gado era sabugo de milho, nossa mãe muito cuidadosa, não deixava nós usarmos ossos como gado, pois podiam estar contaminados. Fazíamos cercas de vara de alecrim, os pendões deste, enterrados um ao lado do outro, formavam as florestas de eucaliptos. Havia uma bergamoteira enorme cujos galhos encostavam no chão, ficando um enorme vão em torno de seu tronco onde minhas três irmãs brincavam de bonecas, todas feitas em casa. Faziam visitas de bonecas, bailes de bonecas. Elas faziam o diálogo das bonecas. Depois do almoço os velhos iam sestear e nos íamos comer bergamotas empoleirados nos sinamonos do curral, após pegávamos pelegos de ovelha e íamos deitar na sombra de um eucalipto enorme distante uns 80 metros da casa. Lá ficávamos de molecagem. No arvoredo gritos de caturritas e murmúrios de pombas de todos os tamanhos. Pássaros de varias espécies. Minha tarefa era buscar as vacas para encerrar os terneiros a tardinha, de manhã trazer as vacas para ordenhar. As vezes caia uma geada de renguear cusco (cão), papai mandava eu esperar que levantasse, mas eu impetuoso sai de pé no chão pisando neve e o mais incrível, o pezito sempre quente. O velho dizia: tu vais ver a consequência disso quando ficares velho. Quando se plantava o milho eu ia atrás do arado puxado a bois, com um alforge atirando os grãos no sulco. Encilhar cavalo e levar outro puxado a cabresto para esperar papai na estação de trem. Quando necessário levar uma charrete para esperar uma visita da cidade. Ir no bolicho a cavalo comprar alguma coisa. As vezes me atrasava e caia a noite escura eu deixava o cavalo se auto-conduzir pois ele sabia o caminho. As vezes retornava da minha missão a noite e tinha que passar em frente a um cemitério o que me dava grande medo. Contava-se que um sujeito muito medroso ia passando a frente do cemitério a noite, com as mãos tremulas deixou cair uma das rédeas e o cavalo pisou na ponta e arrebentou, teve de apear-se apavorado de medo e procurava dar um nó na dita. Nisto uma coruja piou, aquele pio característico, tipo assim: “ PISSSS UHUHUH CUCURÚ” Mas ele na crise de nervos entendeu que uma alma penada havia lhe perguntado. “Pssiquitiu ESTÁS COSTURANDO? E respondendo a suposta alma: Não senhor estou dando um nozinho, mas já vou embora!