A igreja.
Fazia parte de uma congregação religiosa. E essa associação estava dividida. O que os dirigentes ordenavam, a maior parte dos adeptos não acatava. Até no culto era visível tal rebeldia. Enquanto o pastor dirigia a palavra, o público, em geral, destoava. Conversavam entre si, olhavam para os lados, e até sorrisos de escárnios esboçavam.
Fui designado pelo presidente a me dirigir aos insurgentes, a fim de chamar-lhes a atenção e inibir seus atos. Receberam-me com olhares hostis. Aos poucos, as pessoas que estavam sentadas mais próximas, no transcorrer do culto, foram se afastando, deixando-me isolado. Não me perturbei. Fiquei em meu lugar, prestando atenção ao ato religioso. Mas gradativamente, sem perceber, fui adormecendo. E quando acordei, estava totalmente só. Haviam colocado tapumes no salão (era uma construção antiga em madeira, onde antes servia para a realização de festas, bailes e reuniões de uma comunidade interiorana), de modo que eu me encontrava numa espécie de corredor. Impassível, sem mágoa ou tristeza, dirigi-me à porta, e saí.
A estrada.
Interminável, e coberta de pó. Uma boa caminhada até a cidade. Respirei fundo, enchendo os pulmões da brisa morna, que trazia o cheiro da terra e das plantas. E dei início à jornada. O céu, que antes era límpido e brilhante, ia ganhando o tom acinzentado da nuvens. Logo alcancei um homem atarracado, baixote, que aparentava ter uns 50 anos. Como eu queria conversar com alguém, diminui o ritmo dos passos. Segui ao lado daquele sujeitinho que falava pouco, mas que demonstrava simpatia, apesar de sua compleição um tanto rude. Suas vestes eram surradas e escuras. Íamos no meio da estrada, que serpenteava entre campos verdes a perder-se de vista. A certa altura o homenzinho contou-me que iam (iam? perguntei; sim, respondeu-me), ele e sua mulher (estendendo o braço indicou uma pessoa que estava a uma distância de um 10 minutos de caminhada, à frente), visitar um homem que estava no hospital. Um sujeito que morava sozinho numa propriedade próxima a deles. E depois que falou, olhando para trás, disse vamos apurar que vem vindo chuva por aí, adiante tem uma tapera. Enquanto apressávamos, confidenciou-me que por ele não teria saído de casa naquele dia. E nem a sua mulher queria que ele fosse junto. Mas por que foi? perguntei. É que o trecho era longo e muito perigoso para uma mulher andar sozinha. Ela gosta desse homem que está no hospital, disse, melancólico. Acho que ela quer morar com ele. Diz que sou muito baixo pra ela. Mas se ela me deixar, reagiu, vou arrumar uma do meu tamanho...
E quando a ventania nos envolveu, o homenzinho gritou, apontando para dois imensos pés de bergamota, lá esta! Nada mais vi do que as dua árvores. Muito próximas, formou-se entre elas uma espécie de pórtico, em que o homenzinho desapareceu. Eu o imitei. E assim que passei por aquela estranha entrada, percebi que se tratava de uma pequena casa de madeira escondida, em ruínas, cujas portas e janelas tinham sido arrancadas. E lá estava a mulher que ia visitar o enfermo. Ao nos avistar, desvio seu olhar. Magra e alta, sua cabeça oval quase encostava no teto disforme do casebre. Tinha os lábios marcados por batom lilás, e nas faces, sob o pó, percebia-se o ruge avermelhado.
A chuva.
Após o vento, a chuva. Com força e violência. Era como se estivéssemos em um mundo submerso. Ao som de uma cachoeira. Ninguém falava. Olhava-se o vazio, o distante, por entre os vãos das janelas, que se foram. Estão casados há muito tempo? enfim puxei conversa. Um olhou para o outro, ninguém respondeu. Também sou casado. Casamento é muito bom... nos primeiros meses. Depois chegam as divergências. É a tempestade. Mas se o que nos une é forte e verdadeiro, a tempestade vai embora, vem o arco-íris. Que pode durar até a próxima desavença. Porque a vida é assim. Altos e baixos. Mas o pior é o tédio. Quando uma relação se desgasta pela monotonia. Corrói feito soda cáustica. É preciso ver o que está acontecendo. Refletir. Conversar é muito bom. E nunca se troca um velho amor por uma aventura qualquer... E quando o homenzinho ia abrir a boca, uma forte trovoada sacudiu as paredes da casa, e pela vidraça da janela vi a chuva escorrer, a escorrer como escorre há três dias sem parar...
A tv continuava ligada, mas o filme há muito havia acabado...