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sábado, 21 de julho de 2012

Eclética 4.0

“O que é um homem sem desejos, 
 sem liberdade de desejo e de escolha, 
 senão uma peça num órgão?” 

 Fiodor Dostoievski, in "Cadernos do Subterrâneo", 1873. 


Não é difícil falar de si quando não há disfarces. A questão é saber se tem alguém em algum lugar de nossa infinita, porém finita, galáxia que queira nos escutar. Muitos são os que negam, mas, a verdade é que o ser humano é egoísta demais para ser plural. Na hora em que o sapato aperta, eu sou singular. Não sigo mais do teu lado. Vou é cuidar de meu calo! Infelizmente. Assim, vivemos sós mesmo com uma lista imensa de amigos. Acontece que sou teimosa de natureza ariana (embora a astrologia não me convença). E falante. E escritora de letreiros. Eu não pedi pra nascer. Todo mundo já gritou isso pelo menos uma vez na vida. Comigo deve ter sido assim também. O fato é que estou viva e jamais questionei a razão de eu ser quem sou, de ser como sou, de ter nascido na família tal, morar no bairro tal, falar língua tal. Nunca questionei minhas alegrias nem tristezas. Sempre fui do time das análises, desde criança. Se havia algo errado, pensava sobre o fato e procurava resolver o problema do meu jeito. Muitas vezes, limitado e incapaz. Quando eu me olho no espelho ele não denuncia a idade que eu tenho. O que ele mostra são marcas do quanto amei e do tanto de felicidade que senti. Bem como mostra marcas do quanto sofri e do quanto chorei. Espelhos me mostram o quanto eu vivi. Espelhos me mostram que vivo. Lamento se meu modo de vida não agrada a todos. Lamento se sou pouco para todos e tudo que me cerca. Lamento. Só. Continuo vivendo. Do meu jeito, porém, me abrindo ou me moldando, sempre que possível, ao que esperam de mim. Tento sempre ser plural. Mas não me esqueço de mim. Apenas não espero muito do mundo. Talvez, por isso, alguns me estranhem. Não me preocupo mais em descobrir se o que sou me veio por escolha ou imposição. Não faço nada de forma obrigatória. Além do mais tudo na vida é escolha. Inclusive, não escolher. O comportamento humano é um complexo de escolhas que fazemos de forma proposital e dirigidas a satisfazer necessidades básicas que temos. Aquele que não pode escolher não tem vida (própria). Eu vivo! Eu desejo! Eu uso a minha liberdade de escolha! Escolhas não são fáceis. Sempre trazem consequências. Melhores ou piores. Maiores ou menores. Escolhas são, na maioria das vezes, pesadas. No entanto, é verdade que a certa idade, atingimos certo grau de maturidade que nos deixa mais livres e tudo fica mais leve. Eu estou assim: Livre, leve, eclética.


Image by Katosu on DeviantArt.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Parrhesia

ao ver-me no reflexo 
d’água empoçada 
na calçada
percebo que 
ando do mesmo jeito 
sem jeito 
sujeito inquieto
abstrato
insensato
estupefato 
calças largadas
joguem os dados
- outra vez -
continuo no jogo 


Image by Herod on Deviantart.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Ceia Santa

Se quiseres conhecer alguém verdadeiramente, 
Procuras saber dela por ela mesma. 
Não por outras bocas.


Véspera de feriado ainda não é feriado. Pessoas trabalham enquanto outras já se divertem. Sentada à mesa em um barzinho famoso em bairro nobre de minha cidade, bebo uma taça de espumante atrás da outra. Espumante é bebida de mulherzinha. Não fosse pela minha altura, diria que sou mulherzinha. Porém, de salto alto, 1m e 80cm me deixam mais para mulherão que mulherzinha. Continuo bebendo espumante? Continuo. Não bebo para ficar mais alegre, não bebo para esquecer problemas. Muito menos, bebo para ter coragem. Bebo água porque meu corpo pede. Bebo suco para refrescar. Bebo refrigerante porque pensar em meus ossos mais fracos ainda não é suficiente para me fazer parar de bebê-lo. Bebo espumante porque tem gosto bom. Quatro ou cinco taças e eu o abandono. Caso contrário, dormiria à mesa em lugar público. E eu uso lugares públicos para outros fins. A intenção ali era me divertir um pouco. Aliviar a tensão dos últimos dias. No entanto, eu só conseguia pensar que não trabalharia a semana inteira enquanto todo o mundo trabalharia. Pensava que na véspera do feriado ainda havia gente trabalhando. Bobagem minha. Véspera não é dia. Só quando é tempo de Copa do Mundo que o Brasil para de trabalhar antes da hora. Ando tão boba ultimamente. Tão boba que nem consigo prestar atenção na conversa de meus amigos. Não é difícil acompanhá-los. Ora eu faço um gesto positivo com a cabeça, ora faço um gesto negativo. De vez em quando, um sorriso. Tudo resolvido. Meu pensamento voa longe e se fixa no outro lado da rua. Três crianças entre dez e sete anos. Conheço essas crianças. Estão sempre por aqui. Mas o que fazem a essa hora da noite, véspera de feriado, ainda por aqui? Eles trabalham guiando uma carrocinha puxada por um burrinho ainda criança, assim como os meninos. Juntos, eles passam o dia carregando papelão, garrafas plásticas, coisas que possam ser recicladas. Nunca vi um adulto com eles. Não desgrudo meu olhar um só segundo. Àquela altura, já nem sei mais se devia gesticular com um sim ou um não. Meu pensamento era mais de reprovação. É tarde, meninos. É véspera de feriado. Eu e minha bobagem. Até parece que estou falando de véspera de Natal. Tomara que na véspera do Natal eles, a essa hora, estejam esperando pelo Papai Noel. Não. Não é véspera de Natal. É véspera de 7 de setembro. Que, também, é uma grande data! Eles não deviam estar esperando pelo D. Pedro II? Uma parada. O mais velho dos meninos desce da carroça. Vai até uma senhora vendendo churrasquinho na esquina. Ele pede, humildemente, por um espetinho. A senhora o atende prontamente. Ele volta com um espetinho brilhando por refletir a luz no olhar daqueles que o aguardavam. Eu observava. Todo espetinho tem quatro pedacinhos de carne ou de frango. Eles são três meninos. Hora do jantar. O menino mais velho, parecendo imitar Jesus, reparte o pão. Se dirigindo aos outros meninos fala: “Um para você, outro para você, um para mim e outro para o burro”. Cai da cadeira mas, o meu estrondo, não foi suficiente para despertar a atenção de quem me rodeava. Levantei e me juntei aos meninos e ao burro para saciar minha alma e meu espírito. 
 



Image by Supawat5 On DeviantArt

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Causos de um capítulo só



Chegou o pacote. O pacote chegou no dia do meu aniversário. Eu não pedi, mas, é verdade que não fiz nada para impedir que ele chegasse. Na verdade, eu fiz coisas para que ele chegasse mesmo eu não o desejando. Mais parece um presente de grego. Não veio no tamanho certo, na minha cor preferida, nem tem a minha cara. Não quero! Preciso despachá-lo. É isso que se faz com o que não queremos. Vou colocá-lo dentro desta mochila. A embalagem em que ele chegou está danificada. O cordão também não pode ser mais usado. Junto o resto que sobrou dela, o cordão e este lençol que não me serve mais. Sujou quando o pacote chegou. Deixa ver... Ah! Coloco dentro da mochila velha e é só arrumar alguém para me ajudar a despachar o pacote. Já sei. Elias não me negará ajuda. Vamos, Elias, pega o pacote e faz o despacho. Elias segue prontamente. Em plena cidade desperta, Elias, atira o pacote, em uma encruzilhada, com o carro ainda em movimento. Elias segue, porém, espera pelo desfecho que pretendia. O carro de trás, passa por cima do despacho. Pronto. Tudo resolvido. Despacho desfeito, coração não mais insistia em bater.

A vizinha de Matilda, sempre disse que o filho de sua companheira de conversa de fim de tarde, era um amorzinho. Era ele quem tomava conta da mãe de Matilda de cem anos de idade. A velhinha é dura na queda. Anda, come e faz suas necessidades sozinha. Mesmo assim, ele estava sempre ao lado da avó, dando-lhe não apenas assistência para o que ela precisava, mas, carinho, amor e atenção. Quando o menino completou onze anos de idade, Matilda, finalmente, lhe deu o que ele tanto pedia: um aparelho celular. Daqueles baratinhos. Caro, nem pensar! Dar presente caro para o filho era coisa que Matilda nunca fez. Não porque lhe faltava dinheiro. Matilda dizia que já gastava muito com comida e roupa para o menino. O menino estava feliz com seu celular mesmo não tendo ninguém para ligar. O Natal se aproximava. Quem sabe o Papai Noel não receberia sua ligação? Matilda, como toda boa mãe, já havia comprado a roupa que o filho usaria naquela noite em que nasce outro menino: o Jesus. Os vizinhos sempre se juntam na noite de Natal, dividem o que tem e fazem aquela festa. O calendário foi perdendo os dias. Faltavam, apenas, três dias para o Natal. O filho de Matilda, percebendo que seu celular estava sem bateria, foi carregá-lo. Ao colocar o bichinho na tomada, o menino levou um choque tão grande que fez parar o seu coração. Mamãe Matilda, não derramou muitas lágrimas no enterro do filho. Saiu do cemitério assim que o caixão desceu pelo túmulo. Disse ter muitas coisas a resolver no dia seguinte. De verdade, tinha. Assim que o comércio abriu suas lojas, Matilda estava lá. Foi trocar a roupa que havia comprado para o filho vestir no Natal por um vestido bem florido e fogoso. Era véspera de Natal e Matilda resolveu deixar a festa na vizinhança pela seresta no bar do seu Tião. Só lhe resta mais uma providencia a tomar. Matilda, agora, procura um asilo para colocar sua mãe. 

Atriz americana de boca carnuda declara em rede mundial: “Só as mães sabem o que é amor de verdade. A gestação e o parto nos fazem conhecer esse amor verdadeiro”. Será que ela esqueceu que seus filhos mais velhos são adotados? Será que ela faz diferença entre os filhos negros e os de olhos azuis? Isso ela não explicou. Ela, também, não comentou sobre o que é amor de pai. Ela não disse que cortou relação com o seu pai por causa de um caso amoroso que ele tivera com uma fulana quando ainda era casado com a sua mãe. Bom que ela não fala sobre as declarações de seu pai dizendo só saber dos netos pela mídia. Bom que ela não fala sobre o fato dela ignorar o pedido de um avô para conhecer os netos. Melhor, ainda, que ela não fala sobre o envolvimento dela com um homem casado. 

Enquanto isso, eu fico a conversar com meu botão. O único que sobrou na camisa que visto. Ele, pelo menos, concorda comigo. Esse conceito de mãe tem que ser revisto. Há mães e mães matando e ignorando as crianças que geraram. Você deve me dizer que não posso generalizar. Não generalizo. Mas, nesse caso, são casos e casos. Não falo de qualquer mãe. Falo de um conceito. Gerar e dar á luz a uma criança não é suficiente para que alguém seja chamado de mãe. Portanto, não se pode dizer que quem passou por essa experiência seja dono da verdade do amor. Infelizmente. Porque se isso não é suficiente, o que mais será? 


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quinta-feira, 24 de março de 2011

Tempero de vidas e de almas



Acreditar no Destino torna a vida mais poética. É como se fôssemos criaturas de um autor qualquer. Há quem diga que é-nos tirada toda a nossa responsabilidade. Fazemos o que nos é dito.  Não há o poder da escolha e, mesmo que fujamos do que nos é determinado, o Destino de cada um de nós sempre será cumprido. Hoje, me sinto uma entidade mitológica daquelas que recebem uma previsão de um oráculo e tentam fugir. Não sei se por medo de enfrentar o que está por vir ou se por não saber, ao certo, o que fazer. O que sei é que não adianta fugir de meu Destino. Ele me encontrará em forma de chuva de ouro que fecunda Dânae, de flecha certeira ao calcanhar de Aquiles, de lã que vence o labirinto do Minotauro, de disco desviado pelo vento que matou Jacinto, de flauta que adormece os cem olhos de Argos ou da dúvida que levou Prócris a morrer nas mãos de Céfalo. Está escrito. Ponho-me, então, ao seu dispor, prezado autor. A voz do narrador falou-me ao pé do ouvido: “você é o sal que falta”. Ponho-me sal, tempero de vidas e de almas.


"Bem temperado, até osso cai bem."
(Provérbio Popular)


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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Flores de Inverno


Rock ‘N’ Roll foi um dos pontos que os uniram. Os dois sempre curtiram esse tipo de música. Juntos, eram bem mais agradáveis as horas gastas num cantinho qualquer ouvindo as músicas que curavam seus males. Certa vez, uma noite não fria de inverno, os dois se reuniram para ouvir música. O som era escolhido at random. Agora esse, depois aquele. Dependia do que falava o coração. Àquela altura, já não eram dois corações batendo mas um. Nada combinado, planejado, arquitetado, falsificado. Foi natural e espontâneo. Eles, simplesmente, souberam que queriam ficar juntos. Não sabem se antes de seus corações tornarem-se um ou se isso era conseqüência do sentimento que os uniam. It doesn’t matter anyway... No fundo do baú de CDs, presente e passado se encontram. Duas fitas cassetes do Rei gravadas especialmente para ela de uma velha amiga. Uma das poucas coisas que levara da casa de sua mãe junto com algumas peças de roupa. Outro ponto em comum entre os dois. Talvez, entre todos. Elvis é uma unanimidade. Uma música atrás da outra, relógio dando voltas incansavelmente, doses de atmosfera apaixonante, raio de sol batendo na janela. Não sei se por influência do Rei ou por ajuda, ele fizera a proposta. Queria casar na igreja de papel passado, seguindo o figurino, mas, excluindo-se certos padrões. Eles eram diferentes. Nada do que os outros esperavam que eles fossem. Portanto, o casamento seria do jeito deles. A data, uma que não o fizesse esquecer o aniversário de bodas. Manhã de verão, para que pássaros anunciassem a chegada da noiva. Vestido rodado florido, para combinar com o buquê multicolorido. Um terninho de cor clara só para constar – embora de coxas roliças, o noivo não deveria ir de shorts, tênis e meia sem elástico. A família toda reunida e alguns amigos. Até o padre foi escolhido a gosto. As músicas, todas aquelas que contavam a história daqueles dois. Casaram-se. Apenas mais um passo da história que se aventuraram em seguir. A partir dali, muito Rock ‘N’ Roll continua fazendo parte do cotidiano dos dois. De hora em hora, “baby, close your eyes and listen to the music”. 


 


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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Chá de todo tempo


Lila e Nina nasceram amigas. Suas mães eram vizinhas. Engravidaram juntas e, juntas, tiveram seus bebês. No mesmo dia e local. No berçário, já se via a ligação entre as meninas. Se uma chorava primeiro, a outra chorava em seguida. Se uma sujava a fralda depois era porque a outra havia sujado antes. Lila e Nina cresceram na mesma sintonia. Estudaram na mesma escola, dividiram o primeiro pacote de absorvente, compartilharam ficantes, cursaram a mesma faculdade, casaram-se no mesmo ano. Obviamente com diferentes maridos. Cada uma criou sua família com o apoio da outra. Há quem diga que uma é, também, responsável pelo bem estar familiar da outra. O tempo correu e, agora, as duas meninas estão com a idade avançada – se é terceira ou quarta, não importa. Lila já não proferi sentenças, Nina não mais leciona. São viúvas. A sintonia entre as duas só estremeceu em um ponto. Nina ficou viúva antes de Lila. Esperaram dois anos para que o estado civil das duas fosse o mesmo. Só então elas se sentiram de volta a infância. Livres como pássaros na floresta. Lila e Nina nunca interromperam a sua amizade. Mas os encontros entre as duas passaram a ser mais escassos depois que elas se casaram. Maridos, filhos, trabalhos, casas, tudo dobrado. Agora, elas estavam soltas na floresta novamente. Toda a tarde elas se reuniam para um chá. Antes, elas dividiam um Concha Y Toro enquanto os maridos tentavam o “Keep Walking”. Com os anos, vinho só em datas especiais. Elas se reuniam todo fim de tarde e falavam de tudo. Fofocavam sobre a vizinhança, ninguém é de ferro, sobre os filhos e netos, os finados maridos. Falavam sobre a situação da mulher na sociedade – passam-se os anos e tudo continua igual! As duas falavam (ainda) de sexo. Estavam vivas, ora! O Sr. Agenor, contou a Lila, só tinha fogo de palha. Na hora H não foi de nada. A Nina ria todas as vezes que se lembrava dessa aventura da amiga. Talvez, porque estivesse de barriga cheia. O Sr. Benevides era mineiro. Comia quieto mas empanturrava a vizinha de trás. Nina não tinha do que reclamar. A Lila ainda tinha esperança. Não com o Sr. Agenor. Começara a descobrir o tio do namorado de sua filha mais velha. Um viúvo mais novo que ela. Idade não a preocupava. Quando se chega a certo ponto, tanto faz 60 ou 70. Esse foi o assunto do último encontro das duas. Era domingo. Nina saiu mais cedo pois iria encontrar o Benê, era assim que ela chamava o Sr. Benevides. Ela foi direto para casa. Ao chegar, nem entrou. Resolveu esperar o Sr. Benevides ali mesmo na calçada tamanha era a sua euforia. Naquele dia eles completavam um ano juntos e sete meses que decidiram jamais propor casamento um ao outro. Sr. Benevides era pontual e, nesse dia, ele não se atrasou. Eram seis horas em ponto quando Nina avistou o seu Benê na esquina. Ela deixa o portão e dá dois passos em direção ao fim da calçada. O seu Benê desaparece na luz que a cega. Um carro, um motorista alcoolizado, um corpo ao chão, um coração despedaçado, uma xícara caída. Lila sabia que perdera a amiga naquele instante. Nunca a vida havia sido tão cruel com ela. Esse foi o momento em que ela se viu, realmente, só. Perdera a única metade que lhe completara. Lila, agora, é só sozinha. Nada mais lhe agrada. Amaldiçoa o tempo, fechou o coração para o amor e diz que quem lhe quer bem não lhe deseja “muitos anos de vida” a cada novo aniversário. Lila sonha morrer mas a morte parece não lhe querer. Enquanto ela não convence Tânatos a levá-la embora, Lila se recusa a deixar de fazer o ritual do chá. Todos os dias, no mesmo horário, Lila serve a amiga uma xícara de chá. 





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domingo, 19 de dezembro de 2010

Cheiro de Jasmim

“... eu espero por você
E não me canso de esperar
A porta aberta vou deixar
Se quiser pode voltar...”
(Fábio de Melo)




Aquele calendário insiste em determinar os dias que passam desde que você se foi. A minha luta com ele é constante porque o tempo que ele indica não faz jus ao sofrimento que carrego desde então. Tudo está diferente. Clichês como a vida continua, tudo passa ou o tempo tudo cura, não se aplicam a minha dor. Quando eu vejo flores em janelas, é em você que eu penso. Quando quero chamar por alguém, é o teu nome que vem à minha boca. Se quero comer um doce, vejo você escolhendo as frutas de acordo com a estação. O teu cheiro ainda está no corredor da casa, teus olhos me seguem aonde vou, tua roupa preferida tornou-se parte do meu roupeiro e meu cachorro, já velhinho, só encontra paz em teu quarto. Ontem, lembrei de você outra e outra vez. Lembro agora e lembrarei amanhã. O tempo já se faz tanto mas não é o suficiente para que eu não sofra mais ao enxergar você em meu pensamento. Paro e penso na minha fraqueza. Será? Seria tão mais fácil se eu pudesse virar a página do livro e a história evaporasse como fizeste. Acontece que eu viro a página mas a história é ainda a mesma. Você é parte da minha história e a minha história só terminará no dia em que eu cair dura de costas. Já rezei novenas aos montes para te esquecer. Nada. Desisto! Entrego-me agora ao meu pensar em você diário. Assim como o remédio que tomo todas as noites. Sou parte do todo que era quando estavas comigo. Fato. Jamais voltarei a ser aquela que eu era quando estavas comigo. Eu sei! Aceito a minha condição enquanto espero para, novamente, sentir o calor em teu peito exalando jasmim. 


Image by Hengxin on DeviantArt 


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O Cochilo de Deus



Minha amiga me ligou hoje bem cedo. Me acordou dizendo que precisava contar a fofoca do dia – um pouquinho menos e ela quase me contava a fofoca de ontem. Totalmente eufórica ela me contava sobre a Vera que acabara de chegar da Alemanha. Vera costumava sair conosco no tempo da escola. Éramos três. Eu, a Martinha e a Vera. Às vezes, éramos mais - desde que arranjássemos um namoradinho. Quando entramos na faculdade, a Martinha e eu, a Vera se afastou um pouco de nós. Na mesma época, ela engravidou do Osmar e os dois se casaram. Quando terminamos a faculdade, a Vera e o Osmar tiveram seu terceiro filho. Mais alguns poucos meses e os dois estavam separados. A Vera e os seus três filhos foram morar no interior com a mãe dela. Ela precisava de alguém para ajudar com as crianças. Além do mais, a grana que o Osmar dava a ela para o sustento das crianças mal dava para comprar o leite que eles tomavam e as fraldas que sujavam. Mesmo com vidas tomando caminhos tão diferentes, nós nunca deixamos de nos ver. No primeiro encontro depois da separação a Vera estava desolada. Três filhos e de volta a casa da mãe. Dinheiro para as nossas noitadas, não via nem de longe. E mesmo que tivesse dinheiro. Dona Carminha não ficaria com os netos para a filha ver a noite virar dia. A vida da Vera virara um tormento. Ela, não era para menos, se desesperou. Naquela cidadezinha de nada, como ela iria ganhar o dinheiro suficiente para criar os filhos decentemente? Coitada da Vera! Algumas pessoas podem até dizer que isso foi bem feito para ela. Hoje em dia ninguém mais engravida sem querer. Todo mundo sabe o que fazer para evitar uma gravidez. E a Vera, além de não evitar a primeira gravidez, engravidou mais duas vezes. Uma atrás da outra. Vai ver o Osmar se esqueceu de comprar uma TV para a casa deles. Pobre Vera. Morro de pena dela. Não somos obrigados a acertar todas as cartadas na vida. Quando a Vera já estava para perder os cabelos da cabeça, ela conheceu a Luzinete Schneider. Bem, antes de ir morar na Alemanha, Luzinete Schneider era, na verdade, Sandro da Silva. Os dois estudaram juntos no grupo escolar da cidade onde moravam. Vera sempre teve certeza da homossexualidade do neguinho Sandro. O que ela jamais desconfiou era que Sandro iria virar travesti de luxo na Alemanha e viria a se chamar Luzinete e, muito menos, ter sobrenome alemão. Mas sabe que a sorte de Vera mudou completamente depois de ela encontrar com a Luzinete? Sandro, quer dizer, Luzinete voltara àquele interior para o enterro da mãe. Luzinete havia gastado tudo o que o dinheiro poderia pagar para livrar a mãe daquele câncer maldito mas não teve jeito. A velhinha morreu. Sorte da velhinha é que ela não morreu pobre como nascera. Luzinete sempre foi muito justa – e generosa – com a mãe. Aliás, a sorte de muita gente mudara quando a estrela de Sandro brilhou mais forte. A parentada toda ficou abastecida. E, agora, com a morte da velhinha, então, havia mais para ser distribuído. Porém, Luzinete estava de fora disso. Nada ali lhe interessava mais. Tudo que ela queria era chegar à Alemanha, voltar a trabalhar e continuar sua vida sem dever nada a ninguém. Acontece que Luzinete tinha agora uma missão. Ao se compadecer da amiga de infância, convidou-a para ir com ela para a Alemanha. Garantiu a amiga: Lá, você terá como ganhar dinheiro de verdade. E não precisa ser como eu. Pode ser digna e honestamente. Mais como um ato desesperado que qualquer outra coisa, Vera embarcou com a, agora, amiga no dia seguinte ao enterro de dona Zefinha. Luzinete pagara passagem e prometeu custear a Vera até ela ganhar dinheiro o suficiente para pagar suas despesas. Vera deixara os filhos e a promessa de uma vida sofrida. Dias depois, ela nos confidenciou que não tinha sonhos nem ambições com relação à Alemanha. Tudo que ela queria era ganhar dinheiro para sustentar a si, aos filhos e a mãe dela, claro. Dona Carminha só ganha dinheiro para comprar remédios e o básico que uma casa precisa. Por isso, ela ficou empolgada com a viagem da filha. Queria mudar de vida, finalmente. Dona Carminha ficou tão feliz que prometeu cuidar dos filhos de Vera com todo zelo até que a filha pudesse levá-los para a Alemanha. Vera está na Alemanha há um ano e meio e não pretende voltar. Ela trabalha numa agência de viagens de lá – já fala alemão fluente. Está ganhando dinheiro para viver como rica, considerando a situação que temos no Brasil. Manda um dinheirão para a mãe e os filhos todo mês. Está tudo tão bem que a grana do Osmar é entregue ao padre Alberto para caridade. Ontem, a Vera chegou da Alemanha. Veio visitar a mãe e os filhos. Disse não aguentar mais de saudade. A Martinha foi buscá-la no aeroporto sozinha porque eu tive reunião no escritório até tarde. A fofoca, motivo desta ligação matutina é a Vera. Muito bem Martinha, fala! Como se fosse preciso pedir para a Martinha falar. A Martinha fala pelos cotovelos! Foi logo desembuchando que a Vera voltara da Alemanha cheia do dinheiro. Blusa, calça, sapato, perfume, jóias – exageradas como ela sempre gostou, malas, tudo de grife. Mas a nossa amiga virara uma esquizofrênica. Foi logo perguntando pelo número da doutora Suênia. Ela queria fazer um tratamento relâmpago, penso eu. Segundo a Martinha, a Vera fez um escândalo dentro do avião. Estava com medo que o avião caísse e ela não queria morrer. A própria Vera foi logo explicando a Martinha que havia desenvolvido síndrome do pânico, transtorno de ansiedade, toc, depressão e mais, ainda se disse bipolar. Se eu estivesse lá, teria dito logo que isso foi macumba do Osmar. Ele nunca se conformou com a partida dela. Aquela Vera estava completamente louca. Disse estar tendo crises de falta de ar que a levam sempre ao hospital. Na Alemanha, os médicos já explicaram que se tratava de um distúrbio psicológico. E Vera sabe a causa disso. Agora, ela tem dinheiro mas não tem os filhos. E tão cedo ela não poderá levá-los para a Alemanha. A documentação para a sua permanência naquele país está em andamento ainda. No aeroporto, Vera desabafa com a Martinha quando um senhor entra na conversa. Vera contava que no domingo antes de viajar foi até uma igreja para, mais uma vez, pedir a Deus que a curasse desse mal. Foi aí que ouviu o padre dizer que precisamos ser mais fortes em nossa fé. Disse o padre que quanto mais pedimos algo a Deus estamos testando o Seu poder. A Vera ficou balançada com aquilo. Acabou se culpando pela sua cura não alcançada. Era falta de fé e muitos testes a Deus. O senhor que entrou na conversa, veio para dizer que o padre estava errado e que era preciso fazer nossos pedidos a Deus quantas vezes fosse necessário. Disse o senhor que, às vezes, Deus cochila. Mas a Vera não concordou. Gritou logo que Deus não cochila NUNCA! Eu não tenho certeza disso. Sei que eu acabei acordando antes da hora e que a Vera, mesmo com sua esquizofrenia a flor da pele, não vai deixar a vida alemã para ficar com os filhos.


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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Gota que transborda copo




A cigana não leu o meu destino. Nem pudera. Ao contrário dos gregos, creio em um só Deus. Sou católico apostólico romano brasileiro e membro do Apostolado do Sagrado Coração de Jesus. Vou à missa toda primeira sexta-feira do mês. Católicos não acreditam em destino pré-moldado. Deus nos deu o livre-arbítrio, faço o que quiser da minha vida. Muito bom para ser tão simples assim. Ando rodeado de abutres que parecem anunciar minha morte prematura. Um moço assim tão jovem como eu não pode morrer agora. Não por nada especial, não. Vivo só. Só com o meu Deus, só com o meu cachorro, só com o meu trabalho, só com a doença da minha mãe, só com minha sobrinha fugitiva, só com os problemas do meu irmão, só com o único livro que tenho, só com o meu remédio, só com a mulher da noite. Outro dia, roubaram algo valioso no escritório em que trabalho. Culpa de quem fica sozinho na sala do escritório no horário do almoço. Querem que eu pague o tal objeto. Não quero pagar. Já gastei dinheiro extra esse mês com a cirurgia de castração do meu cachorro. Não quero outros cachorros. Quero continuar só com ele. Billy Paul é o meu cachorro. – Intervalo para pensar como era bom quando eu era criança. Tinha vários cachorros. Todos caíram do caminhão da mudança quando viemos do interior para a capital. Acho que, por isso, não quero mais cachorros. Só o meu Paul. Billy Paul. – O escritório que fique sem o tal objeto valioso. Já tenho problemas dos outros demais. Estou cansado. Até dispensei a mulher da noite de hoje. Esta noite, vou ficar só. Só comigo e com mais ninguém. 


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quarta-feira, 2 de abril de 2008

Resposta à solidão


Solidão é bom e não é só. Concordo. Ela vem com mala grande cheia de Tudo. Sensações e sentimentos. O que se quer e o que não se quer. Mas solidão só é bom mesmo quando ela é um ingresso para um espetáculo que tem hora para começar e terminar...

Zélia


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